Intercâmbio de olhares e perspectivas - Unorp

KFOURI, Cláudia Lúcia Cabrera. Intercâmbio de olhares e perspectivas: uma releitura da obra O triunfo da morte, de Pieter Bruegel. Revista
UNORP, ano II, v. 5: 83-121, agosto 2003.
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penetrar nas entranhas de seu tempo, estimulados pelos
complexos símbolos que povoam os seus quadros. (...)
O estilo de Brueghel está intimamente sujeito à sua cosmovisão.
É comandado pela necessidade de expressar a turbação existencial
e mística de sua época. (...) Brueghel não se esgota em fáceis e
óbvios paralelismos. Por meio de seus quadros pode-se perceber
a alusão ao Duque de Alba e à Espanha de Felipe II, que se volta
irascível sobre a pátria flamenga. Mas esse pano histórico pode
também desvanecer para deixar lugar a uma meditação mais extensa
e abarcante sobre a guerra, o sofrimento, o estado coletivo de
angústia e tensa espiritualidade (ALMEIDA, 1978, p. 6-12).
Nesse contexto, a obra brugheliana revela-se impregnada pela tensão e
pelos temores de um clima histórico de lutas religiosas, como o domínio feroz
da inquisição, e de desastrosas táticas bélicas, com as quais a Espanha mantinha
os países baixos sob sua dominação. As durezas do viver diário são, assim,
retratadas com sensibilidade, embora a visão multifacetada do criador se
identifique com o grotesco e o satírico, ironizando aquilo que faz suportável o
ofício de viver. Encontramos no terreno pictórico aqui analisado a exposição
das diferentes formas de sobrevivência mediante um perigo ou ameaça vigilantes,
a nós apresentados de maneira lúdica, ao espelhar o implausível no verossímil,
instaurando-os em uma instigante coexistência. O terror que assolava a época,
a tensão que fragilizava as certezas e as crenças dos homens mantinham uma
força autoritária sobre a liberdade conquistada pela multidão. Imperava a
censura, a escravidão das almas e o aprisionamento da voz e do pensamento
livres. As aparentes e diferentes formas de distâncias entre momento de criação
e momento de releitura da obra são subvertidas, contudo, pela estreiteza
adquirida na similaridade de contextos, situações e experiências existenciais, já
que a partir da arte moderna, a concepção artística manifesta-se por meio de
relações tensivas intrínsecas e extrínsecas ao objeto, considerando o olhar
contemporâneo multifacetado e conflituoso. De maneira mais direta, podemos
também verificar o renascimento e a sobrevivência de O triunfo da morte a
partir de uma leitura sincrônica no universo dialógico mantido pelo escritor