a ler o ensaio - ensaios sobre literatura do medo
a ler o ensaio - ensaios sobre literatura do medo
a ler o ensaio - ensaios sobre literatura do medo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
gênero no universo literário. No entanto, acredita-‐se que os grandes pilares são<br />
mesmo Frankenstein ou O Prometeu moderno, de Mary Shelley; O médico e o monstro<br />
– o estranho caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson; e Drácula, de<br />
Bram Stocker; to<strong>do</strong>s romances oitocentistas. Essas obras constituem um marco na<br />
manifestação literária de horror, <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> pelo fato de elas representarem a<br />
inauguração de determinada linha constitutiva que ocupa o imaginário popular até os<br />
dias atuais, exercen<strong>do</strong> influência nas mais diversas formas de concepção artística.<br />
Em Frankenstein, a evidência <strong>do</strong> “horrível” fica por conta da própria concepção<br />
monstruosa da criatura, concebida a partir da conjunção de matéria inanimada. A<br />
criatura é o resulta<strong>do</strong> da racionalidade científica <strong>do</strong> plano da diegese, que desafia a<br />
moral e dilui cada vez mais o istmo entre o certo e o erra<strong>do</strong>. O que vem à tona aqui é a<br />
relação metafísica entre cria<strong>do</strong>r e criatura, e as possíveis consequências <strong>do</strong> ato de<br />
desejar ser Deus. Curiosamente, a criatura, que deveria ser o grande veículo de<br />
atuação <strong>do</strong> horror cósmico, é trazida para o plano das mazelas humanas, e acaba<br />
sen<strong>do</strong> objeto da repugnância pelo que ele tem mais humano:<br />
Sou sua criatura e serei manso e dócil àquele que é<br />
por natureza meu senhor e rei, se você também fizer a sua<br />
parte, aquela que deve a mim. Ah, Frankenstein, não se<br />
iguale a to<strong>do</strong>s os demais, esmagan<strong>do</strong>-‐me a mim, que<br />
mereço sua justiça e mesmo sua clemência e afeto.<br />
Lembre-‐se de que sou sua criatura; devia ser seu Adão,<br />
mas sou, antes, o anjo caí<strong>do</strong>, que você priva de felicidade,<br />
mesmo sem que eu tenha cometi<strong>do</strong> qualquer ato<br />
condenável. Em to<strong>do</strong>s os lugares, vejo contentamento, <strong>do</strong><br />
qual somente eu encontro-‐me excluí<strong>do</strong>. Fui benevolente e<br />
bom; o sofrimento fez de mim um ser diabólico. Faça-‐me<br />
feliz, e hei de ser outra vez virtuoso. (SHELLEY, 2001, p.<br />
110)<br />
Ao ser cria<strong>do</strong>, o monstro, tal como uma criança, era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> apenas <strong>do</strong> senti<strong>do</strong><br />
da ingenuidade. O verdadeiro monstro, na verdade, foi sen<strong>do</strong> molda<strong>do</strong> pelas atitudes<br />
de desprezo a agressividade <strong>do</strong>s homens com os quais tentava manter contato. A<br />
busca da criatura por respostas de seu cria<strong>do</strong>r, como o homem procuran<strong>do</strong> em Deus a<br />
justificação de sua existência, é exatamente o que acaba impulsionan<strong>do</strong> suas atitudes<br />
mais repugnantes. Neste senti<strong>do</strong>, o romance de Mary Shelley faz <strong>do</strong> horrível uma<br />
6