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^<br />

r BIBLIOTHECA<br />

DA<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> S. Paulo<br />

Secçâo "Dr. Mathias Valladâo"<br />

^<br />

Classificação<br />

(Sstante<br />

'Prateleira 3VC?..<br />

3£^i-;C<br />

J<br />

DEDALUS - Acervo - FM<br />

10700060186


*-*. ^mjvmüwmm'.'


, /n -


i:<br />

oe<br />

SEU TRATAMENTO<br />

PELO<br />

Dr. ScBastiáo JWtoso<br />

RIO DE JANEIRO<br />

Typographia I_'uiversai <strong>de</strong> LAEMMEKT & C'<br />

71, Rua dos Inválidos, 71<br />

1889


4.SS9


INTRODUCÇÃO<br />

A serpente ! Animal terrivel que, pronunciar o seu<br />

nome é horripilar-nos <strong>de</strong> repulsão e pavor Com razão anathematisada<br />

pela humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as lendas do catholicismo inspirou<br />

sempre o mais vivo terror a ponto <strong>de</strong>,na antigüida<strong>de</strong>, ser<br />

feita Deus, pelos homens que, por meio <strong>de</strong> offerendas, procuravam<br />

aplacar-lhe a cólera e não serem dizimados por ella.<br />

Assim aconteceu com o próprio povo <strong>de</strong> Deus, quando<br />

victima dos constantes ataques do terrível réptil, e Moysés<br />

implantou no <strong>de</strong>serto, para cural-o, uma serpente <strong>de</strong> arame.<br />

Sob o mesmo caracter foi a serpente idolatrada na Grécia,<br />

como nos attesta Fergusson (1): na Itália, segundo escreveu<br />

Vallerius Maximus (Serpente <strong>de</strong> Esculapio); na índia e Indochina,<br />

como se vé das esculpturas dos monumentos boudhicos<br />

(Serpente Naja); no Egypto, como está figurado nos seus mais<br />

antigos monumentos (entre outros o templo <strong>de</strong> Den<strong>de</strong>rah); e,<br />

para não ir mais longe em citações, mencionemos, na actualida<strong>de</strong>,<br />

a África, e po<strong>de</strong>-se affirmal-o, uma parte da índia por<br />

intermédio dos seus Fakirs.<br />

(1) J. Fergusson—Le culte <strong>de</strong> Varbre et <strong>de</strong>sserpents. (Revue <strong>de</strong>s cours littéraires—<br />

28 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1869).<br />

1 1888—B


— 2 —<br />

Não assim com o espirito esclarecido dos povos cultos<br />

hodiernos que não confiam no reconhecimento da serpente,<br />

muito que seja obsequiada, ao contrario, fazem-lhe guerra<br />

franca e terrivel.<br />

E' assim que na índia ingleza, (nos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />

noroeste e no Oudh) ha os kanjars, caçadores <strong>de</strong> serpentes,<br />

pagos pelo governo a 2 rupias mensaes (approximadamente<br />

2$000) e mais 200 réis por cada cabeça que passe <strong>de</strong> 20 por<br />

mez, apresentadas aos commissarios em chefe a quem são distribuid"S<br />

mappas coloridos das espécies venenosas. Também<br />

por uma estatística official, morreram em 1880—19,060 e<br />

em 1881—18,610 pessoas, victimas da extraordinária quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ophidios que existem ahi.<br />

Em outros paizes diversos meios lêm sido tentados. O Dr.<br />

Urueta, mencionando a existência, no seu paiz natal—a Colômbia,<br />

<strong>de</strong> dous pássaros—culebrero e guacabo, aventa a idéa<br />

<strong>de</strong> domestical-os e fazer crescer <strong>de</strong> qualquer modo o seu numero<br />

(elles são muito ariscos e raros), pois vivem quasi exclusivamente<br />

<strong>de</strong> serpentes.<br />

No Brazil, como mostraremos no primeiro capitulo do<br />

nosso trabalho, abundam extraordinariamente as serpentes<br />

venenosas, e parecendo-nos difficillimo, para não dizer impossível,<br />

acabar ou mesmo diminuir-lhes muito o numero, os<br />

meios que se nos apresentam praticaveis são <strong>de</strong> duas or<strong>de</strong>ns :<br />

procurar evitar as mor<strong>de</strong>duras por precauções em cujo <strong>de</strong>talhe<br />

não <strong>de</strong>vemos entrar ou, uma vez penetrado o veneno<br />

nos nossos tecidos, aniquilal-o em seus perniciosos effeitos.<br />

Este foi o fim que tivemos, escolhendo para assumpto <strong>de</strong><br />

nossa dissertação inaugural as feridas envenenadas pela peconha<br />

dos ophidios, sabendo, <strong>de</strong> ha muito, que ura nosso


— 3 —<br />

distincto compatriota, o Dr João Baptista <strong>de</strong> Lacerda, proclamava<br />

a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um medicamento po<strong>de</strong>rosíssimo para<br />

taes casos; e, publicando mais um trabalho sobre o assumpto,<br />

concorreríamos para divulgar mais essa <strong>de</strong>scoberta, a bem<br />

da humanida<strong>de</strong> c gloria da nossa pátria. As convicções que<br />

adquirimos do estudo que proce<strong>de</strong>mos a respeito, serão ditas<br />

no logar competente. Que penosissima foi a nossa tarefa, excusadoé<br />

dizel-o, porque, se a luz do século tem arrebatado dos<br />

anthroscavos do maravilhoso alguns ramos da sciencia, ainda<br />

não conseguio fazel-o <strong>de</strong> todo com esta parte, dos conhecimentos<br />

médicos, que nos occupa, on<strong>de</strong> as fábulas são tantas<br />

que, algumas, têm comsigo arrastado verda<strong>de</strong>iros talentos ás<br />

fauces hiantes <strong>de</strong> um charlatanismo inconsciente, por isso<br />

mesmo que <strong>de</strong>sculpavel. Além disto, assumpto que mais <strong>de</strong>vera<br />

ter chamado a attenção dos médicos e que, no entanto,<br />

mais tenha sido <strong>de</strong>spresado, é elle.<br />

Dividimos o nosso trabalho em três partes da seguinte<br />

maneira :<br />

PRIMEIRA PARTE—OPHIOLOGIA.<br />

Capitulo 1—Os Ophidios.<br />

Capitulo II—A peçonha dos ophidios.<br />

SEGUNDA PARTE—FERIDAS ENVENENADAS PELA PEÇONHA DOS<br />

OPHIDIOS<br />

Capitulo I—Symptomatologia.<br />

§ 1—Symptomas primitivos.<br />

o II J • \ locaes<br />

8 II— » secundários.<br />

^ / geraes<br />

n ni i \ locaes<br />

8 II— » tercianos.<br />

* geraes


— 4 —<br />

Capitulo II—Marcha, duração, terminações.<br />

Capitulo III—Anatomia e Physiologia palhologicas.<br />

Capitulo IV—Prognostico.<br />

TERCEIRA PARTE—TRATAMENTO<br />

Capitulo I—Tratamento empírico.<br />

Capitulo II— » especifico.<br />

§ 1—0 que seja um antídoto, um especifico.<br />

§ II—Os proclamados específicos das peçonhas dos<br />

ophidios.<br />

§ 111—O permanganato <strong>de</strong> potássio, estudos :<br />

A—theoricos.<br />

B—experimentaes.<br />

C—clínicos.<br />

Capitulo III—Tratamento racional.<br />

§ I- local<br />

§ II—geral.<br />

Pedimos permissão ao amigo Dr João Paulo <strong>de</strong> Carvalho,<br />

conhecido clinico <strong>de</strong>sta corte, illuslrado adjuncto da<br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Physiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, para aqui<br />

patentearmos profundo reconhecimento ao gran<strong>de</strong> auxilio<br />

que voluntariamente se dignou prestar á confecção do nosso<br />

trabalho.


Oi Ophidios<br />

PRII1RA PARTI<br />

O^PHIOLOGIA<br />

CAPITULO 1<br />

As Serpentes ou Ophidios são vertebrados, allantoidianos<br />

da classe dos reptis, <strong>de</strong> pelle escamosa, corpo alongado,<br />

arredondado e estreito, <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> membros<br />

propriamente ditos, sem cintura escapular nem bexiga<br />

urinaria<br />

Por estes caracteres vê-se que separamos completamente<br />

os Ophidios dos Saurianos e dos Batracios ; que não<br />

entra no nosso estudo a Anguinha (Anguis fragilis), que<br />

consi<strong>de</strong>ramos sauriano, nem as Cecilias {Cecília lombricoi<strong>de</strong>,<br />

etc), que para nós é batracio.<br />

E' nosso intuito dar, neste capitulo, apenas uma idéa<br />

summaria da historia natural dos Ophidios, só dizer o estrictamente<br />

necessário para comprehensão do que conslitue<br />

mais propriamente o assumpto <strong>de</strong> nosso trabalho, tornando-o<br />

assim tão completo quanto possível, ao mesmo tempo sem<br />

ultrapassar-lhe os limites.


— 6 —<br />

Anatomia. — 0 ESQUELETO compõe-se dos ossos da<br />

cabeça, columna vertebral e costellas. O craneo é sempre<br />

muito alongado, pela prolongação, para diante, dos frontaes<br />

e parietaes. Uma particularida<strong>de</strong> notável nos ossos do craneo<br />

e da face, é a extrema mobilida<strong>de</strong> que têm uns sobre os<br />

outros, resultante dahi a gran<strong>de</strong> dilatação que pô<strong>de</strong> ter a<br />

bocca do animal, que assim pô<strong>de</strong>, muitas vezes, <strong>de</strong>glutir<br />

um outro em <strong>de</strong>sproporção gran<strong>de</strong> com o talhe apparente <strong>de</strong><br />

suas fauces.Oosso intermaxillar éeslreitamente ligado ao osso<br />

nasal, mas o maxillar superior, optervgoidiano e os palatinos<br />

são muito moveis, tanto para os lados como para diante e<br />

para traz. A raandibula inferior compõe-se <strong>de</strong> duas partes<br />

alongadas, po<strong>de</strong>ndo afastar-se uma da outra porque são<br />

reunidas na linha mediana apenas por feixes ligamentosos<br />

frouxos; são ligadas ao osso tympanico movei, este ao<br />

osso mastoidêo, que ainda por sua vez é ligado ao craneo<br />

por músculos e ligamentos. A cabeça articula para traz com<br />

a columna vertebral por meio <strong>de</strong> um só condylo. A columna<br />

vertebral compõe-se <strong>de</strong> um numero consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> vertebras<br />

todas semelhantes, po<strong>de</strong>ndo algumas vezes apresentar<br />

caracteres distinctivos não só para espécies differenles, como,<br />

no mesmo animal, para regiões diversas da columna. Cada<br />

vertebra tem para traz um só condylo que encaixa-se em<br />

uma cavida<strong>de</strong> da parte anterior da vertebra que fica alraz;<br />

além <strong>de</strong>ste meio <strong>de</strong> união ha, anteriormente ao corpo,—os<br />

zygosphenosfapophyses) recebidos em espécies <strong>de</strong> cavida<strong>de</strong>s—<br />

os zygantros da parte posterior do corpo da vertebra seguinte.<br />

Pois que vão da cabeça á extremida<strong>de</strong> caudal, é consi<strong>de</strong>rável<br />

o numero das vertebras, po<strong>de</strong>ndo attingir a 435 em<br />

um Pvthon As costellas, que existem em todas as vertebras,


fazem continuação com urna cartilagem pela extremida<strong>de</strong><br />

livre, formando assim anneis completos que po<strong>de</strong>m se<br />

dilatar; estas cartilagens são fortemente unidas ás escamas<br />

do ventre por um tecido aponevrotico; são os membros da<br />

locomoção, pois que, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros, só existem rudimentos,<br />

mesmo assim em poucas espécies, taes como os Pteropo<strong>de</strong>s e<br />

que <strong>de</strong> nada servem<br />

A PELLE elástica é cobert i no dorso por escamas pequenas,<br />

e por escamas compridas transversaes no ventre<br />

[gastrosteges) e na face inferior da cauda (urosteges). A cabeça<br />

é coberta por placas semelhantes ás dos Saurianos e tendo<br />

uma nomenclatura em cujo <strong>de</strong>talhe não entramos apezar <strong>de</strong><br />

fornecerem ellas muitas vezes bons caracteres para a <strong>de</strong>terminação<br />

das espécies. Na extremida<strong>de</strong> caudal dos Crotaes,<br />

a pelle forma, cornificada, anneis ocos que, roçando uns<br />

sobre os outros, produzem um ruido particular, o numero<br />

dos anneis <strong>de</strong>ste chocalho não está em relação com os annos<br />

<strong>de</strong> vida, nem tão pouco com o numero das mudas do animal.<br />

Devemos mencionar aqui a lingua que serve nas serpentes<br />

<strong>de</strong> ORGÀO TÁCTIL e não gustalivo. Longa, <strong>de</strong>lgada,<br />

fendida em dois filetes compridos cobertos por uma substan­<br />

cia cornea, pô<strong>de</strong> o animal dar<strong>de</strong>jal-a, mesmo com a bocca<br />

fechada (por um espaço intermaxillar mediano) em todos os<br />

sentidos para explorar os corpos circumdantes.<br />

Nos CENTROS NERVOSOS, O cérebro é pequeno, mas a me­<br />

dula, tendo toda a extensão da columna vertebral, é relativa­<br />

mente gran<strong>de</strong>.<br />

Exteriormente não se vê ÓRGÃO AUDITIVO que é bastante<br />

imperfeito; nelle não se encontra senão o caracol, faltando o<br />

conduclo auditivo externo, a caixa e a membrana do tvmpano.


— 8 —<br />

Idêntica imperfeição existe no ÓRGÃO DO OLFACTO ; as<br />

fossasnasaes são curtas, forradas por uma membrana vascular<br />

on<strong>de</strong> v3o ter poucos filetes nervosos.<br />

Os ÓRGÃOS VISUAES, <strong>de</strong> particular fixi<strong>de</strong>z, são <strong>de</strong>sprovidos<br />

<strong>de</strong> palpebras e cobertos pela pelle a<strong>de</strong>lgaçada até a transpa­<br />

rência, que fôrma a cada olho, como um vidro <strong>de</strong> relógio,<br />

uma Cápsula que communica com a cavida<strong>de</strong> nasal por um<br />

largo canal lacrymal. Esta pelle lambem ca'e por occasião da<br />

muda,tornando-se então, durante esse tempo,o olho completa­<br />

mente opaco eesbranquiçado. A ms, muitas vezes, tem brilho<br />

particular A pupilla pô<strong>de</strong> ser vertical ou circular.<br />

0 APPARELHO CIRCULATÓRIO consta do coração, envolvido<br />

em pericardio resistente e fibroso e situado no quarto anterior<br />

da cavida<strong>de</strong> visceral commum, é dividido em duas auriculas<br />

e um só ventrieulo subdividido este em duas lojas; <strong>de</strong> duas ar­<br />

térias aortas que partem <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas lojas e vão logo<br />

se reunir em uma só artéria abdominal; das artérias carótidas<br />

direita e esquerda; da veia pulmonar; da artéria pulmonar;<br />

das veias jugullares e cavas.<br />

No APPARELHO RESPIRATÓRIO não existe propriamente larynge;<br />

as serpentes não têm voz, quando muito só po<strong>de</strong>m pro­<br />

duzir um silvo mais ou menos intenso, proveniente da passa­<br />

gem rápida, pelas vias aéreas, do ar impellido pelo pulmão.<br />

A glotte projecta-se para diante fazendo saliência no exterior,<br />

no momento da <strong>de</strong>glutição, permittindo o acto respiratório<br />

effectuar-se, mesmo quando o gran<strong>de</strong> volume do alimento<br />

comprima extraordinariamente esses órgãos; contribue para o<br />

mesmo fim a resistência dos anneis cartilaginosos da trachéa<br />

geralmente longa. O pulmão esquerdo é quasi sempre rudi­<br />

mentar, ao contrario do direito que toma gran<strong>de</strong> proporção


Este, muitas vezes só respira propriamente na sua parte an­<br />

terior, a posterior servindo apenas <strong>de</strong> reservatório <strong>de</strong> ar,<br />

provisão indispensável ás serpentes d'agua—Hydrophidios.<br />

O APPARELHO DIGESTIVO é o mais complicado <strong>de</strong> todos<br />

Comecemos pela extremida<strong>de</strong> anterior a bocca. Os <strong>de</strong>ntes são<br />

sempre retentivos e têm por fim unicamente não <strong>de</strong>ixar a presa<br />

escapar Nas serpentes não venenosas—Azemiophidios, elles<br />

existem ora em um, ora em outro maxillar somente, são os<br />

Opoterodontes. Á não ser nosUropeltis e gêneros vizinhos que<br />

não têm <strong>de</strong>ntes naabobada palatina, todos os outros Azemiophidios<br />

os têm, não só nos maxillares como nos palatinos e<br />

pterygoidianos. Elles são curvos para traz, cheios, massiços,<br />

tendo a base penetrada nas gengivas, mas simplesmente accollada<br />

a superfície óssea. Bastante numerosos são ás vezes,<br />

a ponto <strong>de</strong> Brehm contar 100 em um Python.<br />

Nas serpentes venenosas—Thanatophidios ouToxicophidios,<br />

além dos <strong>de</strong>ntes massiços e lisos <strong>de</strong> que acabamos <strong>de</strong><br />

fallar, ha os <strong>de</strong>ntes injectores <strong>de</strong> veneno, sempre curvos para<br />

traz; são, ou simplesmente sulcados na face posterior e po<strong>de</strong>ndo<br />

existir quer no fundo da bocca—Opistoglyphos, quer na<br />

parte anterior d'esta—Proteroglyphos, ou então atravessados<br />

em todo o comprimento por um canal—Solenoglyphos. Nos<br />

ophidios mais temíveis que são os Solenoglyphos, os colchetes<br />

são implantados nos ossos intermaxillares aqui bastante<br />

<strong>de</strong>senvolvidos e moveis sobre os maxillares, mobilida<strong>de</strong> esta<br />

que permitte aos <strong>de</strong>ntes, quando a serpente está calma e com<br />

a bocca fechada,voltarem para trazoccultando-se no sulco gen-<br />

gival don<strong>de</strong> não saem senão nas occasiões <strong>de</strong> ataque Ainda<br />

não para aqui a curiosida<strong>de</strong> da perfeição <strong>de</strong>ste apparelho ter­<br />

rível que fazdaserpente inimigo fortíssimo: <strong>de</strong> cada lado, para<br />

2 1888—B


— 10 —<br />

traz dos chamados colchetes em exercício em numero <strong>de</strong> dois a<br />

quatro, ha um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> outros no estado rudimentar<br />

e <strong>de</strong>stinados a crescer e occupar o lugar dos primeiros<br />

quando, por qualquer circumstancia, venham a ser arrancados.<br />

As glândulas po<strong>de</strong>m ser divididas em quatro grupos : (°, sublinguaes;<br />

T, sub-rnaxillares ou labiaes inferiores; 3,° parotidianas<br />

ou maxillares superiores; 4", sub-orbitarias. «São as<br />

glândulas da terceira categoria, as parotidianas que nas serpentes<br />

venenosas soíírem certa modificação, tornando-se<br />

aptas para secretar veneno. Enchendo <strong>de</strong> cada lado gran<strong>de</strong><br />

parte da fossa-temporal e envolvidas em uma cápsula fibrosa<br />

que recebe alguns filetes do músculo temporal, estas glândulas<br />

se compõem <strong>de</strong> tubos terminados em fundo <strong>de</strong> sacco<br />

abrindo em um canal excretor commum dirigido para diante<br />

e indo ter á base dos colchetes; são comprimidas fortemente<br />

quando o temporal e o masseter conlrahem-se para fechar<br />

bruscamente os maxillares e dará <strong>de</strong>ntada e por conseguinte<br />

o producto <strong>de</strong> secreção expellido mechanicamente, escorre-se<br />

ao longo do sulco ou do canal do <strong>de</strong>nte venenoso e<br />

penetra na ferida estreita e profunda, causada pela ponta<br />

acerada <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>nte. Nas serpentes muito menos perigosas<br />

chamadas Opistoglyphos, que não possuem <strong>de</strong>ntes sulcados<br />

senão no fundo da bocca, as glândulas venenosas são muito<br />

menos <strong>de</strong>senvolvidas confundindo-se muitas vezes com a série<br />

<strong>de</strong> glândulas labiaes ou sub-maxillares. > (1)<br />

Em alguns Solenoglyphos estes órgãos veneniferos são<br />

tão <strong>de</strong>senvolvidos que prolongam-se até as primeiras costellas.<br />

O pharynge não existindo propriamente, o oesophago é a<br />

(1) E. Oustalet—Art. Serpeals do üicc. <strong>de</strong> Dechambre.


— 11 —<br />

continuação da bocca. Este conducto, muito dobrado sobre si<br />

mesmo em pregas longitudinaes, pô<strong>de</strong>, por isto mesmo, dar<br />

passagem a gran<strong>de</strong>s massas <strong>de</strong> alimento. O estômago, que não<br />

passa <strong>de</strong> uma dilatação da extremida<strong>de</strong> cesophagiana, é longo,<br />

ao contrario dos intestinos que são curtos. Pela ausência do<br />

ccecum, a distincção entre os intestinos <strong>de</strong>lgado e grosso é<br />

muitas vezes difíicil; este ultimo abre-se, alargada a extremida<strong>de</strong>,<br />

na cloaca, on<strong>de</strong> vão ter os canaes excretores dos<br />

órgãos urinarios e dos apparelhos <strong>de</strong>stinados á perpetuida<strong>de</strong><br />

da espécie; abre-se esta cloaca por uma fenda transversal, o<br />

ânus. O pancreas^ amarello-avermelhado, é uma glândula<br />

alongada, ligada ao baçòe ao estômago em um ponto estreitado<br />

<strong>de</strong>ste. O fígado, como todos os orgSos prece<strong>de</strong>ntes, é muito<br />

comprido—vai do coração até o pyloro ; a vesicula biliar é<br />

<strong>de</strong>lle separada e tem um canal bastante longo.<br />

Coloração.— Está em geral, ern relação com o habitai<br />

e costumes <strong>de</strong> cada espécie : ver<strong>de</strong> nas que vivem enlaçadas<br />

nos ramos das arvores, côr <strong>de</strong> folha secca nas que andam<br />

pelos logares sombrios das mattasetc. furlando-se <strong>de</strong>ste modo,<br />

facilmente, aos olhos dos outros animaes. Pô<strong>de</strong> variar extraordinariamente.<br />

O typo mais bello, talvez, que possue o<br />

Brazil é a cobra-coral (Elaps corallinus), mas não serve <strong>de</strong><br />

adorno ás moças brazileiras como diz Arthur Mangin na sua<br />

phantasia scientifica intitulada Nos ennemis, acompanhado<br />

pelo auctor do artigo—Serpents do Diccionario <strong>de</strong> Jaccoud<br />

Muda.— Os ophidios mudam <strong>de</strong> vestidura diversas vezes<br />

no anno. O <strong>de</strong>scollamento começa pelos lábios, e o animal<br />

roçando por páos e por pedras completa-o, <strong>de</strong>spojando-se


— 12 —<br />

<strong>de</strong> uma só vez do anligo envolucro escamoso já então<br />

subslituido por outro mais elegante porque mais novo. E'<br />

commum encontrarem-se estas cascas <strong>de</strong> cobra inteiras da<br />

cabeça á cauda, o que se dá raramente quando o animal<br />

está preso ; nesta circumstancia a pelle é sempre rompida<br />

em diversos pontos. Por occasião da muda acredita o povo<br />

que a cobra não tenha veneno. Não é exacto; o que se dá<br />

é que ella torna-se abatida, recusando mor<strong>de</strong>r, fugindo<br />

mesmo dos outros animaes; é o que observámos com um<br />

jararacussú (Bothrops jararacussú), que tivemos no laboratório<br />

<strong>de</strong> physiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, é o que observam<br />

todos os erpetologistas. Depois da muda as mor<strong>de</strong>duras são<br />

muito mais perigosas: o veneno accumulara-se na glândula<br />

e então é injectado em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>.<br />

Hibernação.—Nos paizes frios, durante o inverno, as<br />

serpentes, como os outros animaes <strong>de</strong> sangue frio, refugiam-se<br />

em escondrijos on<strong>de</strong> ficam cahidas em uma espécie<br />

<strong>de</strong> somno lethargico, <strong>de</strong> que não saem nem para tomar<br />

alimento ; esta vida oscillante é o que se chama hibernação.<br />

No nosso clima tropical, se bem que diminua o numero<br />

das serpentes durante o inverno, porque algumas realmente<br />

se escon<strong>de</strong>m, em qualquer época do anno, estamos sugeitos<br />

a encontral-as a cada passo e a qualquer hora do dia (jararacussú)<br />

ou da noite (jararaca)<br />

Alimentação.—Consta sempre <strong>de</strong> animaes—balracios,<br />

aves, etc. Os Proteroglyphos e Solenoglyphos mor<strong>de</strong>m primeiro<br />

a victima, esperando que esta morra para só então<br />

ser <strong>de</strong>glutida. Os Opistoglvphos vão introduzindo-a na bocca


— 13 —<br />

até attingir os <strong>de</strong>ntes venenosos; quando a viclima não dá<br />

mais o menor signal <strong>de</strong> vida é ingerida. Os Azemiophi-<br />

dios pequenos matam-n'as por uma <strong>de</strong>mora prolongada<br />

entre os <strong>de</strong>ntes, os gran<strong>de</strong>s (giboias, etc.) nella se enroscam.<br />

apertam os anneis esmigalhando-a. E' notável o tempo que<br />

uma serpenle pô<strong>de</strong> passar sem alimento, fazendo este facto<br />

que o povo pense que a abstinência é absoluta e que seja<br />

seu alimento o veneno. O Dr Ladisláo Netto, director do<br />

Museu Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, refere que uma giboia<br />

(Bòa constrictor) recusava tomar qualquer espécie <strong>de</strong> alimento<br />

havia já três annos. A digestão é extremamente laboriosa e<br />

<strong>de</strong>morada.<br />

Postura.—Os ophidios, na maior parte, põem ovos<br />

e mesmo incubam-n'os, elevando-se então o calor do animal<br />

que assim mantém os ovos em temperatura relativamente<br />

alta. Estes têm uma casca apergaminhada. Outras espécies<br />

são ovoviviparas, isto é, que os ovos abrem ainda no ventre<br />

do animal, vendo-se então sahir já a prole formada.<br />

Classificação.—A classificação mais geralmente acceita<br />

e, na verda<strong>de</strong>, a melhor, sob todos os pontos <strong>de</strong> vista, é a<br />

que fazem Dumeril e Bibron na segunda edição (1853) da sua<br />

Erpetologia geral. Partindo da venenosida<strong>de</strong> ou não das serpentes,<br />

estes auctores tiraram os caracteres toxonomicos<br />

básicos da conformação, cstructura, distribuição dos <strong>de</strong>ntes,<br />

servindo-se da conformação externa da cabeça, cauda, etc,<br />

dos costumes, para caracterisar as famílias, os gêneros c<br />

as espécies. Por esta classificação a or<strong>de</strong>m dos Ophidios é<br />

dividida em cinco sub-or<strong>de</strong>ns, sendo as duas primeiras


— 14 —<br />

completamente <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> peçonha, a terceira raramente.<br />

perigosa, a quarta bastante e a quinta muitíssimo fatal em<br />

suas mor<strong>de</strong>duras.<br />

Para evitar prolixida<strong>de</strong>, apresentamos este quadro que<br />

faz bem conhecer a classificação a que nos referimos :<br />

faltando em um ou em outro maxillar Opoterodontes )<br />

Í | Azemiophidios<br />

todos cheios e lisos Aglyphodontes )<br />

existindo /<br />

dois n m S axil- L^OT^lmmVÍ^^-SP 1 ? 0 ^?^? 8 I Toxico P nidios<br />

lares " se col locados ( adiante Proteroglyphos ou<br />

( Lse moveis!. Solenoglyphos ) Thanatophidios<br />

Os naturalistas allemães reúnem os Aglyphodontes e<br />

os Opistoglyphos em uma só sub-or<strong>de</strong>m a dos Colubriformes,<br />

o que apresenta o inconveniente <strong>de</strong> reunir serpentes<br />

completamente inoííensivas a outras cujas picadas são ás<br />

vezes fataes, tanto assim que elles, reconhecendo o <strong>de</strong>feito<br />

<strong>de</strong> tal classificação, subdivi<strong>de</strong>m os Colubriformes em C. aglyphos<br />

e C.opistoglygphos. Antes ficar, portanto, com Dumeril<br />

e Bibron.<br />

Estas cinco sub-or<strong>de</strong>ns são subdivididas em muitas famílias,<br />

gêneros e espécies numerosíssimas, que, mencionar,<br />

seria tomar-nos um espaço enorme inutilmente. Fallemos<br />

apenas das duas ultimas sub-or<strong>de</strong>ns que são as verda<strong>de</strong>iramente<br />

perigosas.<br />

Aos Proteroglyphos, Dumeril e Bibron divi<strong>de</strong>m em duas<br />

famílias: Conocercas (cauda conica), cujos principaes gêneros<br />

são os Elaps e os Najas, os quaes vivem nas regiões<br />

quentes do globo, no meio das pedras; Platycercas (cauda<br />

achatada), <strong>de</strong> que os principaes gêneros são os Platures e<br />

os Hydrophidios que vivem nos mares tropicaes. Os Soleno<br />

glyphos são também divididos em duas familias: Viperianos


— 15 —<br />

i Viperi<strong>de</strong>os, que não têm <strong>de</strong>pressão abaixo e atraz das<br />

rinas e cujos gêneros principaes são: Acanthophidios,<br />

iliadas, Viboras, Echidnéas, Cerastes, Echi<strong>de</strong>s, etc ; Cro-<br />

lianos, que têm, no bordo dos lábios e adiante dos olhos,<br />

pressões e fossetas cujo uso não é ainda bem conhecido;<br />

gêneros Crotal, Lachesis, Trigonocephalo, Leiolepido,<br />

)throps, Alrcpos, etc, são os principaes.<br />

Serpentes venenosas do Brazil.—Entre os Opistogly-<br />

íos encontramos a cobra-cipó — Coluber bicarinatus, Neuw.,<br />

limpa-matto—Coluber ceuchria, Neuw , cujas mor<strong>de</strong>duras<br />

o quasi sempre sem máos acci<strong>de</strong>ntes. Entre os Proteroglytos<br />

temos a cobra-coral—Elaps corallinus. Infelizmente, nos<br />

<strong>de</strong>noglyphos contamos gran<strong>de</strong> numero: urutu — Bothrops<br />

utú, Lacerda, a mais rara, porém a mais perigosa; jararaca<br />

)throps jararaca, extraordinariamente espalhado no Brazil;<br />

raracussú—Bothrops jararacussú, Lac. (B. atrox, Wagler);<br />

rucucú — Lachesis mutus—Daudin (Bothrops surucucu,<br />

r agler, Lachesis rombeata, Neuwied); surucutínga (que na<br />

igua indígena quer dizer surucucu branco), consi<strong>de</strong>rada<br />

:1o Dr. Lacerda como a fêmea do surucucu; cascavel—<br />

otalus horridus. Para maior <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>stas espécies braziiras<br />

vejam-se os livros do Dr. Lacerda (1) e <strong>de</strong> E. Brehm (2).<br />

(1) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda— Leçons Sur \e venin <strong>de</strong>s serpents du Brésil, Rio, 1884.<br />

ri) A. E. Brehm—Les reptiles et les batraciens, Paris, 1885.


— 14 —<br />

completamente <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> peçonha, a terceira raramente<br />

perigosa, a quarta bastante e a quinta muilissimo fatal em<br />

suas mor<strong>de</strong>duras.<br />

Para evitar prolixida<strong>de</strong>, apresentamos este quadro que<br />

faz bem conhecer a classificação a que nos referimos :<br />

faltando em um ou em outro maxillar<br />

todos cheios e lisos<br />

existindo<br />

Opoterodontes )<br />

> Azemiophidios<br />

Aglyphodontes<br />

dois n m S axil- I S Í Í o - i ^ - Opistoglyphos J Toxicophidios<br />

lares ve feSllocidos ( adiante Proteroglyphos ou<br />

Sosei^S.. Solenoglyphos Thanatophidios<br />

Os naturalistas allemães reúnem os Aglyphodontes c<br />

os Opistoglyphos em uma só sub-or<strong>de</strong>m a dos Colubriformes,<br />

o que apresenta o inconveniente <strong>de</strong> reunir serpentes<br />

completamente inoííensivas a outras cujas picadas são ás<br />

vezes fataes, tanto assim que elles, reconhecendo o <strong>de</strong>feito<br />

<strong>de</strong> tal classificação, subdivi<strong>de</strong>m os Colubriformes em C. aglyphos<br />

e C. opistoglygphos. Antes ficar, portanto, com Dumeril<br />

e Bibron.<br />

Estas cinco sub-or<strong>de</strong>ns são subdivididas em muitas famílias,<br />

gêneros e espécies numerosíssimas, que, mencionar,<br />

seria tomar-nos um espaço enorme inutilmente. Fallemos<br />

apenas das duas ultimas sub-or<strong>de</strong>ns que são as verda<strong>de</strong>iramente<br />

perigosas.<br />

Aos Proteroglyphos, Dumeril e Bibron divi<strong>de</strong>m em duas<br />

famílias: Conocercas (cauda conica), cujos principaes gêneros<br />

são os Elaps e os Najas, os quaes vivem nas regiões<br />

quentes do globo, no meio das pedras; Platycercas (cauda<br />

achatada), <strong>de</strong> que os principaes gêneros são os Plalures e<br />

os Hydrophidios que vivem nos mares tropicaes. Os Soleno<br />

glyphos são também divididos em duas famílias: Viperianos


— 15 —<br />

Viperi<strong>de</strong>os, que não têm <strong>de</strong>pressão abaixo e atraz das<br />

rinas e cujos gêneros principaes são: Acanthophidios,<br />

liadas, Víboras, Echidnéas, Cerastes, Echi<strong>de</strong>s, etc ; Cro-<br />

ianos, que têm, no bordo dos lábios e adiante dos olhos,<br />

pressões e fossetas cujo uso não é ainda bem conhecido;<br />

gêneros Crotal, Lachesis, Trigonocephalo, Leiolepido,<br />

throps, Alrcpos, etc, são os principaes.<br />

Serpentes venenosas do Brazil.—Entre os Opistoglyos<br />

encontramos a cobra-cipó — Coluber bicarinatus, Neuw.,<br />

limpa-matto—Coluber ceuchria, Neuw., cujas mor<strong>de</strong>duras<br />

) quasi sempre sem máos acci<strong>de</strong>ntes. Entre os Proterogly-<br />

os temos a cobra-coral—Elaps corallinus. Infelizmente, nos<br />

lenoglyphos contamos gran<strong>de</strong> numero: urutu — Bothrops<br />

utú, Lacerda, a mais rara, porém a mais perigosa; jararaca<br />

throps jararaca, extraordinariamente espalhado no Brazil;<br />

'aracussú—Bothrops jararacussú, Lac. (B. atrox, Wagler);<br />

rucucú — Lachesis mutus—Daudin (Bothrops surucucu,<br />

agler, Lachesis rombeata, Neuwied); surucutínga (que na<br />

gua indígena quer dizer surucucu branco), consi<strong>de</strong>rada<br />

Io Dr. Lacerda como a fêmea do surucucu; cascavel—<br />

atalus horridus. Para maior <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>stas espécies brazi-<br />

ras vejam-se os livros do Dr. Lacerda (1) e <strong>de</strong> E. Brehm (2).<br />

(1) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda— Leçons sur te venin <strong>de</strong>s serpents du Brésil, Rio, 1881.<br />

(-2) A. E. Brehm—les reptiles et les batraciens, Paris, 1885.


— 16 —<br />

CAPITULO II<br />

1 peçasha dos ophldlai<br />

A peçonha ophidia é o producto <strong>de</strong> elaboração physiologica<br />

<strong>de</strong> um apparelho situado na mandibula superior das<br />

serpentes e capaz <strong>de</strong>, injectado nos tecidos animaes, produzir<br />

acci<strong>de</strong>ntes mórbidos mais ou menos graves.<br />

De cor geralmente amarella semelhante á da gemma<br />

d'ovo nas espécies brazileiras, pô<strong>de</strong> em cerlas outras ir até o<br />

amarello-pallido ou esver<strong>de</strong>ado. Sem ser viscoso, é um liquido<br />

<strong>de</strong> consistência gommosa, <strong>de</strong>ssecca-se ao ar,torna-se solido,<br />

apresentando neste caso, muitas vezes, superfície vitrea, brilhante,<br />

quebrada— verda<strong>de</strong>iracrystallisação superficial, qui-<br />

zeram James e Mead,—pura illusão óptica, provaram alente<br />

e o microscópio. Inodoro é <strong>de</strong> sabor adstringente mas não<br />

cáustico.<br />

Ha divergência entre os ophiologistas sobre a acção das<br />

peçonhas ophidias ao papel <strong>de</strong> tournesol. «Estas divergências<br />

são <strong>de</strong>vidas, muito provavelmente, ás condições diversas em<br />

que a reacção tem sido ensaiada. Kaufmann, entregue ultimamente<br />

a estudos accurados sobre a peçonha da vibora, no<br />

Laboratório <strong>de</strong> Physiologia da Escola Veterinária <strong>de</strong> Lyão,<br />

estudos ainda inéditos, observou que a peçonha fresca da vi­<br />

bora é sempre ácida e envermelhece fortemente o papel azul<br />

<strong>de</strong> tournesol, emquanto que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns dias <strong>de</strong> conser­<br />

vação em solução aquosa ella se limita a <strong>de</strong>scorar o papel


— 17 —<br />

azul.» (1)E'o liquido buccal quem lhe <strong>de</strong>stróe a aci<strong>de</strong>z,queé<br />

<strong>de</strong>vida unicamente ao phosphato <strong>de</strong> cal,que na peçonha existe<br />

Viaud-Grand-Marais). (2)<br />

Coagulavel pelo álcool, insoluvel no ether, é bastante<br />

solúvel n'agua, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> secca pela exposição ao<br />

ir ou calor, communicando á solução a sua cor própria ama-<br />

•ella. Conserva a activida<strong>de</strong> tóxica por muitos mezes, princi-<br />

Dalmente quando secca e ao abrigo do ar humido que lhe faz<br />

offrer a transformação ammoniacal que a <strong>de</strong>stróe complela-<br />

uente.<br />

Pelo calor, em uma cápsula, ferve, sécca, se carbonisa<br />

>or fim <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ndo o cheiro das substancias corneas em<br />

gnição. Aquecendo a 100° a peçonha da Bothrops jararacussú,<br />

) Dr Lacerda diz ter-lhe alterado a composição, aniquilado<br />

:ompletamente a activida<strong>de</strong> tóxica, ao contrario <strong>de</strong> A. Gau-<br />

ier que levou a 125° a da Cobra-capello eWlníer-Blylh a 100°<br />

<strong>de</strong> outra Para Weir-Mitchel uma ebulição prolongada não<br />

iltera a peçonha do Crotalus durissus, emquanto que a 70° a<br />

Io Crotalus adimanteus per<strong>de</strong>ria as proprieda<strong>de</strong>s tóxicas. A 5<br />

liversida<strong>de</strong> das espécies em experiência ou á das condições<br />

esta se <strong>de</strong>ve attribuir o <strong>de</strong>saccôrdo ?Inclinamo-nos á ultima<br />

iypothese, o que motivaremos d'aqui a pouco. E a necessida<strong>de</strong><br />

a elucidação d'esle facto é capital, quer no ponto <strong>de</strong> vista<br />

implesmente especulativo, quer no ponto <strong>de</strong> vista clinico.<br />

Quando a peçonha ophidia está secca, os ácidos fortes<br />

penas a diluem em uma pasta liquida, o que não acontece<br />

om a maior parle dos ácidos vegetaes. O ácido azotico colore-a<br />

m amarello. Os ácidos azotico, chlorhydrico precipitam a<br />

(1) Arloing, in Dict. ency. <strong>de</strong>s sciences rnédicales, 1886, art. Venín.<br />

(2) Viaud-Grand-Marais-id 1883 art. Serpents.<br />

3 1888—B


— 18 —<br />

solução do veneno em flocos que se redissolvem por um ex­<br />

cesso <strong>de</strong> ácido ou ennegrecem por um pouco <strong>de</strong> ácido sulfurieo.<br />

Ha com o ácido tannico um precipitado branco abun­<br />

dante que se redissolve na ammonea; com a água chlorada<br />

precipitação abundante, com a solução iodo-iodurada lambem<br />

precipitado abundante solúvel em excesso <strong>de</strong> reactivo. A analyse<br />

chimica da peçonha dos ophidios ainda paira no labyrinlho<br />

das divergências, ainda não disse a ultima palavra.<br />

Procedamos chronologicamente na rápida revista que<br />

faremos dos trabalhos mais importantes que têm apparecido,<br />

procurando esclarecer este ponto importante da Ophiologia.<br />

E, para tornarmos o nosso trabalho menos fastidioso aos<br />

que o lerem, poremos <strong>de</strong> lado velhas opiniões inteiramente<br />

errôneas, como a <strong>de</strong> Fontana, que consi<strong>de</strong>rava o veneno<br />

ophidio uma gomma animal, para mais utilmente preenchermos<br />

este espaço com o <strong>de</strong>talhar <strong>de</strong> analyses chimicas<br />

mo<strong>de</strong>rnas, só dignas <strong>de</strong> attenção.<br />

Destas a mais antiga e importante é a do príncipe Luciano<br />

Bonaparte (1843), sobre a peçonha da vibora que assim<br />

diz elle constituída:<br />

uma matéria corante amarella ;<br />

uma substancia solúvel no álcool;<br />

albumina ou mucusque po<strong>de</strong>m falhar;<br />

uma matéria graxa;<br />

saes (phosphatos chloruretos);<br />

um principio particular a que elle chamou<br />

echidnina ou viperina. Eis resumidamente o processo <strong>de</strong> que<br />

serviu-se Bonaparte para obtenção d'este ultimo corpo :—<br />

Coagula a peçonha por gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool, filtra e<br />

lava o resíduo com mais álcool ; o que ficou <strong>de</strong>ntro do filtro


— 19 —<br />

elle sécca, trata pela água distillada, evapora a solução, trata<br />

pelo ether, evapora <strong>de</strong> novo e o residuo será constituído<br />

pela echidnina <strong>de</strong> mistura com alguns saes <strong>de</strong> que ainda se<br />

pô<strong>de</strong> separal-a, tratando algumas vezes por água acidulada<br />

por ácido acetico e lavagens com álcool. Este principio<br />

assim obtido, inodoro, incolor, <strong>de</strong> aspecto gommoso, solúvel<br />

n'agua fria ou quente, tem reacção neutra. Não é uma<br />

gomma: dissolvida a quente com um pouco <strong>de</strong> ácido azotico,<br />

e solidificada <strong>de</strong>pois pelo resfriamento não dá ácido mucico:<br />

é um principio azotado Precipitada pelo álcool redissolve-se<br />

n'agua o que a approxima dos fermentos dos suecos<br />

digestivos, ptyalina, etc, afastando-se, entretanto, <strong>de</strong>stes<br />

por precipitar-se pelo sulphato <strong>de</strong> sesquioxydo <strong>de</strong> ferro.<br />

Como a albumina, a gelatina, etc, ella tinge <strong>de</strong> violete o<br />

bioxydo <strong>de</strong> cobre hydratado,se fôr antecipadamente dissolvida<br />

n'agua com potassa. Putrefaz-se dando produetos infectos<br />

como as substancias proteicas. Aquecida com um pouco <strong>de</strong><br />

potassa, <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> ammonea.<br />

Winter Blyth <strong>de</strong>scobre, na proporção <strong>de</strong> 0,1 por 100<br />

uma substancia ácida, cryslallisada em pequenas agulhas,<br />

muito tóxica, que elle acredita ser o principio activo do<br />

veneno ophidio, tendo se servido do seguinte meio :—Coagula<br />

a peçonha pelo álcool, filtra, secca pela evaporação o residuo<br />

do filtro, retoma pelo acetato plumbico que dá um precipitado<br />

abundante, prelo, que se <strong>de</strong>compõe pelo ácido sulphydrico ;<br />

pela evaporação ohtêm-se pequenas a^uihas.<br />

Weir-Mitchel por processos análogos aos <strong>de</strong> L. Bonaparte,<br />

assim consi<strong>de</strong>ra a peçonha das Crotaes :<br />

— substancias albuminoi<strong>de</strong>s coagulaveis na<br />

temperatura da água fervente;


— 20 —<br />

— matérias corantes ver<strong>de</strong> e amarella ;<br />

— traços <strong>de</strong> substancias graxas;<br />

— saes—chloruretos, phosphatos (phosphaloammoniaco-magnesiano,<br />

etc);<br />

— água servindo <strong>de</strong> vehiculo;<br />

— emfim uma substancia albuminoi<strong>de</strong> não<br />

coagulavel a 100°—a crotalina.<br />

Mais tar<strong>de</strong> ainda Weir-Mitchel <strong>de</strong> collaboração com T<br />

Reichert communicaram á Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Sciencias <strong>de</strong> Phila<strong>de</strong>lphia<br />

trabalhos sobre algumas serpentes da Norte-America,<br />

cujos resultados eram que naquellas espécies a peçonha constituia-se<br />

por três substancias proteicas: pepto-peçonha, globulino-peçonha,<br />

albumino-peçonha. Experimentando em pombos,<br />

<strong>de</strong>ram como resultado ser a globulino-peçonha a mais<br />

activa e actuar como veneno completo; a pepto-peçonha que<br />

é solúvel n'agua distillada como aquella, mas não coagulavel<br />

a 100°, ser <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> tóxica menor, nada po<strong>de</strong>ndo affirmar<br />

esses illustres experimentadores sobre o po<strong>de</strong>r tóxico da<br />

terceira substancia.<br />

E' por processos mais ou menos semelhantes que os<br />

erpetologistas têm retirado do terrivel liquido <strong>de</strong> secreção<br />

das serpentes, princípios activos dando-lhes nomes <strong>de</strong>rivados<br />

das espécies animaes don<strong>de</strong> provêm como—najina, elaphina<br />

etc. Como classifical-os chimicamente ? Que papel representam<br />

elles perante as peçonhas ophidias, estas perante as<br />

serpentes e suas victimas? Dil-o-hemos d'aqui a pouco.<br />

D'aqui a pouco, sim, porque manifestar a nossa opinião<br />

é ir <strong>de</strong> encontro á <strong>de</strong> um dos maiores vultos da chimica biológica<br />

em França, o Sr Armand Gautier; e para isso força é


— 21 —<br />

discutir os seus trabalhos,mostrando,pelo menos.que elles são<br />

insuíficienies para fornecer convicção das conclusões a que<br />

chega o illuslre discípulo <strong>de</strong> Wurtz.<br />

Estudando asptomainase leucomainas A. Gautier esten<strong>de</strong>u<br />

suaspesquizas ás peçonhas da Cobra-capello {Naja tripudiam)<br />

e doTrigonocephalo (Trigonocephalus contortrixf). Cite-<br />

mol-o textualmente : « Retirei <strong>de</strong> umapequenaquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

peçonha do Trigonocephalo e sobretudo do Naja da índia, dois<br />

alcalói<strong>de</strong>s que precipitam pelo lannino, reactivos <strong>de</strong> Meyer,<br />

<strong>de</strong> Nessler, iodureto <strong>de</strong> potássio iodurado e outros reactivos<br />

geraes das bases orgânicas dando chloroplatina*tos e chlorauratos<br />

cryslalüsaveisjchlorhydratos solúveis ecrystallisados,um<br />

pouco <strong>de</strong>liquoscentes.Estes alcalói<strong>de</strong>s têm,além disto,a proprie­<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar inimediatamente azul da Prússia, em licor neu­<br />

tro ou ligeiramente ácido, quando tratados successivamente<br />

pelo ferricyanurelo <strong>de</strong> potássio e os saes ferricos. São pois,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente duas substancias da classe das ptomainas.<br />

Mas a analogia das peçonhas com os extractos cadavericos ou<br />

urinarios vai mais longe. Ao lado <strong>de</strong>stes alcalói<strong>de</strong>s que con­<br />

tribuem para a acção tóxica das peçonhas das serpentes,<br />

encontra-se, pelo menos na do Naja que mais particular­<br />

mente estu<strong>de</strong>i, uma substancia á qual esta secreção chimica<br />

<strong>de</strong>ve suas tão temíveis proprieda<strong>de</strong>s. Por falta <strong>de</strong> material<br />

não pu<strong>de</strong> ainda fazer-lhe o estudo completo, mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já<br />

posso aííirmar que ella não é nem alcaloidica, nem albuminoi<strong>de</strong>,<br />

se allera rapidameute nos alcalis fixos, é insoluvel no<br />

álcool e sua acção tóxica resiste a 100° e mesmo a 125°, prova<br />

evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que nãoé da natureza dos fermentos.» (1)<br />

(1) A. Gautier-Les alcalói<strong>de</strong>s <strong>de</strong>rives <strong>de</strong>s matières proteiques sous l'iníluence <strong>de</strong><br />

Ia vie <strong>de</strong>s ferments et <strong>de</strong>s tissus-in Journal


— 22 —<br />

D'on<strong>de</strong> se conclue, resumindo, que para A. Gautier:<br />

1.° A principal matéria activa das peçonhas não é albuminoi<strong>de</strong><br />

porque: a) «<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terextrahido <strong>de</strong>stas substancias<br />

todas as matérias proteicas que continham, conservam-se ellas<br />

activas; b) as substancias albuminoi<strong>de</strong>s d'ahi retiradas não<br />

têm acção tóxica.» (1)<br />

2.° Nãoé também alcaloidica, si bem que pouco tempo<br />

antes elle dissesse perante a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Paris baseando-se<br />

nos mesmos factos que motivaram as conclusões do primeiro<br />

artigo citado : «As matérias activas extrahidas pertencem ás<br />

funcções alcaloidicas ou neutras e não ás albuminoi<strong>de</strong>s.» (2)<br />

3.° Altera-se sempre pelos alcalis fixos.<br />

4° Nãoé solúvel no álcool porque « <strong>de</strong>pois do esgotamento<br />

pelo álcool a frio e a quente a peçonha nada per<strong>de</strong>u<br />

<strong>de</strong> sua activida<strong>de</strong> »<br />

5.° Não é da natureza dos fermentos solúveis ou diastasicos<br />

como a ptyalina, pepsina, pancreatina etc porque pô<strong>de</strong><br />

ser levada a 100° e mesmo a 125° sem per<strong>de</strong>r a activida<strong>de</strong><br />

tóxica. E é este o ponto capital da nossa divergência com<br />

A. Gautier<br />

Comecemos pela base em que se fundou elle. Tomemos<br />

a pancreatina em suas três partes.Não sabemos nós que a myopsina<br />

(Defresne) ou trypsina (Kühne) pô<strong>de</strong>, sem per<strong>de</strong>r suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s sobre os albuminoi<strong>de</strong>s, ser aquecida a 100°<br />

quando secca e que em solução altera-se em muito mais<br />

baixa temperatura? Que ainda a amylapsina per<strong>de</strong> todas as<br />

suas proprieda<strong>de</strong>s diastasicas em solução, ao passo que <strong>de</strong>sseccada<br />

não se altera mesmo a 100° ? Si bem que nada<br />

(1) Bulletin <strong>de</strong> 1'Acaâ. <strong>de</strong>Med. <strong>de</strong> Paris—1881—pag. 947.<br />

(.) A. Gautier—Bu lletin <strong>de</strong> V Acad. <strong>de</strong>Med. <strong>de</strong> Paris—1881—pag. 948.


— 23 —<br />

possa se affirmar por ainda não ter sido isolada, é pelo menos<br />

provável que o mesmo se dê com a steapsina, pois que faclo<br />

idêntico passa-se com outras diastases como por exemplo a<br />

pepsina que, secca, resiste ao calor <strong>de</strong> 100° (1). E' verda<strong>de</strong><br />

que A. Gautier aqueceu o veneno das cobras, em solução,<br />

mas é ainda verda<strong>de</strong> que fica provada a insuficiência plena<br />

do argumento. Ainda mais, a conservação da activida<strong>de</strong> tóxica<br />

é incompativel com a perda da proprieda<strong>de</strong> fermentescivel ?<br />

E' o que A. Gautier não diz e no entanto era imprescindivel<br />

para mesmo assim, como acabamos <strong>de</strong> mostrar, ainda ter<br />

pouco valor o argumento do eminente chimico francez, não<br />

precisando nós contrapôr-lhe os resultados contrários, a que<br />

chegaram Weir-Mitchel e o Dr Lacerda, já referidos.<br />

Bechamps eBaltus,com o sueco panerealico,Lacerdacom<br />

a pancreatina, Vulpian com a saliva normal do homem (2)<br />

fazendo injecções hypo<strong>de</strong>rmicas em differentes animaes ob­<br />

tiveram effeitos, senão iguaes, pelo menos muito análogos<br />

aos das mor<strong>de</strong>duras das cobras. O próprio A. Gautier obteve<br />

com esses suecos animaes os mesmos effeitos, e, tendo encontrado<br />

n'elles ainda princípios, uns alcaloidicos e outros<br />

não alcaloidicos, conclue, surprehen<strong>de</strong>ndo a quem o lê,<br />

nestes termos: « A peçonha das serpentes não me perece<br />

difíerençar-se da nossa saliva senão pela intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

seus effeitos e não por sua natureza intima. »<br />

Se magna é a analogia no ponto <strong>de</strong> vista toxicologico,<br />

maior é ella no ponto <strong>de</strong> vista chimico : as proprieda<strong>de</strong>s<br />

(D H. Beaunis— Physiologie humaine 2 m e. edition pags. 692 e 668.<br />

(2i Não nos referimos aqui á chamada scepticemia <strong>de</strong> Pasleur, moléstia nova, resultante<br />

da injecção dos micróbios encontrados na saliva do homem são, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

soltrerem cultura em caldo, seruin etc; falíamos das injecções da própria saliva e nu<br />

estado fresco, os symptomas notados pelos ex.peri,nentadòres citadus suo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns<br />

nervosas, extravasaròes sangüíneas etc.


— 24 —<br />

geraes da echidnina ou viperina, crotalina, tiagina etc que<br />

são tão approximadas em todas as proprieda<strong>de</strong>s a po<strong>de</strong>rem<br />

ser consi<strong>de</strong>radas idênticas e reunidas, sob um nome genérico,<br />

n'um grupo o dos fermentos ophitos a que chamaremos<br />

thanatophiases ou melhor toxicophiases com mais proprieda<strong>de</strong><br />

do que echidnases, como quer Viaud Grand-Marais, essas<br />

proprieda<strong>de</strong>s geraes, diziamos, são as que caracterisam<br />

lambem todas as zymases conhecidas, segregadas, quer por<br />

animaes ptyalina, quer por vegetaes papaina, quer ainda<br />

pelos fermentos figurados a amylase do Aspergillus glaucus.<br />

Ei-las, as principaes:<br />

São neutras, o que as afasta das substancias básicas ; o<br />

bioxydo<strong>de</strong> cobre hydratado as colore em violete como todas<br />

as substancias proleicas; como todas as zymases são muito<br />

solúveis n'agua fria ou quente, d'on<strong>de</strong> são precipitadas pelo<br />

álcool, mas não o são pelo subacetato <strong>de</strong> chumbo; pela calcinação<br />

<strong>de</strong>spren<strong>de</strong>m o cheiro das substancias corneas em<br />

ignição e outros caracteres que já foram apontados a propósito<br />

<strong>de</strong> suas preparações. O processo acima referido <strong>de</strong><br />

Winter Blyth é baseado na seguinte proprieda<strong>de</strong> notável das<br />

zymases: « a facilida<strong>de</strong> com a qual são arrastadas <strong>de</strong> sua solução<br />

aquosa por todos os precipitados amorphos a que se dá<br />

nascimento no liquido. E' assim que ellas são englobadas e<br />

arrastadas pelos precipitados que o sublimado corrosivo, saes<br />

plumbicos e a maior parte dos saes metallicos formam com<br />

as matérias albuminoi<strong>de</strong>s; mas quando se <strong>de</strong>compõem estes<br />

precipitados pelo ácido sulphydrico, o fermento se redissolve<br />

acompanhado <strong>de</strong> mais ou menos matérias albuminoi<strong>de</strong>s. » (1)<br />

(1) Garnier—Ferments et fermentations pag. 15, 1888.


— 25 —<br />

Eis aqui, finalmente, as provas directas que mostram<br />

peremptoriamente serem as toxicophiases da categoria dos<br />

fermentos diastasicos,— será peçonha dos ophidios um sueco<br />

digestivo.<br />

« Um fragmento <strong>de</strong> músculo bovino fresco foi contundido<br />

ligeiramente e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> havermol-o separado em 3 ou 4 pedaços,<br />

lançámos tudo em uma cápsula contendo um pouco<br />

d'agua distillada. Deixou-se cahir então <strong>de</strong>ntro da cápsula,<br />

pequena quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma solução aquosa do veneno do<br />

surucucu guardado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos dias. Logo que a solução do<br />

veneno foi lançada <strong>de</strong>ntro da cápsula, o músculo per<strong>de</strong>u o seu<br />

aspecto normal, tornando-se pallido, como que crispado, as<br />

fibras mais apparentcse já um pouco <strong>de</strong>sassociadas. A cápsula<br />

com o seu conteúdo foi <strong>de</strong>pois introduzida em uma estufa <strong>de</strong><br />

temperatura constante d'Arsonval mantendo-se a temperatura<br />

a 30°, O aquecimento durou apenas 4 horas. Deseseis horas<br />

<strong>de</strong>pois foi retirada a cápsula da estufa e examinando o seu<br />

conteúdo, encontrámos no meio <strong>de</strong> um liquido <strong>de</strong> cor escura<br />

esver<strong>de</strong>ada, com forte rcacção ácida e um cheiro sui generis,<br />

os fragmentos do músculo completamente <strong>de</strong>scorados, alguns<br />

já muito amollecidos e as fibras <strong>de</strong>sassociadas, outros ainda<br />

resistentes e como retrahidos. Na superfície <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses<br />

fragmentos o aspecto fibrillar havia <strong>de</strong>sapparecido. Não se<br />

notava nelle cheiro <strong>de</strong> putrefacção, mas um cheiro um pouco<br />

ácido como o da carne macerada. Pelo exame microscópico<br />

vimos que algumas fibras tiradas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses fragmentos<br />

<strong>de</strong> músculo tinham ainda a sua striação normal » (1)<br />

(I) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda—Provas experimentaes <strong>de</strong> que a peçonha dos ophidios<br />

é um sueco digestivo. Rio <strong>de</strong> Janeiro—1881.<br />

i 1888—B


— 26 —<br />

Por esta experiência o nosso dislinclo compatriota, o<br />

Dr. Lacerda moslra ter havido aqui um começo <strong>de</strong> digestão<br />

incontestável que teria sido completa se maior fosse a quanti­<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno empregado e mais prolongada a acção do<br />

calor. Por experiências variadas e numerosas, realisadas no<br />

laboratório do Museu Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, experiências<br />

que não transcrevemos para não transpormos os<br />

limites traçados pelo programma da Faculda<strong>de</strong>, não só o<br />

Dr Lacerda como o pranteado e distinctissimo Dr. Couly,<br />

viram que a digestão da albumina do ovo coagulada pelo calor<br />

é completa, e que esta no eslado liquido é modificada a<br />

ponto <strong>de</strong> apresentar pelo calor um coagulo muito differente ;<br />

que o leite é coagulado e a caseina <strong>de</strong>sassociada pela peçonha<br />

dos ophidios que c portanto um fermento dos albuminoi<strong>de</strong>s—tal<br />

como a pepsina, myopsina (Defresne), casease<br />

(Duclaux).<br />

Não é só isto. A emulsão das gorduras é perfeita e persistente<br />

— tal como a steapsina.<br />

Cousa notável, o amido cozido, tratado pela solução do<br />

veneno n'agua distillada não dá, pelo licor <strong>de</strong> Fehling, a re-<br />

acção da glycose Não se trata pois <strong>de</strong> um fermento amylaceo.<br />

A peçonha dos ophidios, pois, approxima-se mais do<br />

sueco pancreatico do que da saliva, o que é perfeitamente<br />

explicável em um animal essencialmente carnívoro.<br />

Para saber-se qual o fim que teve a natureza com a<br />

peçonha ophita, não ha mister entrarmos no maremagnum<br />

das discussões philosophicas geralmente estéreis <strong>de</strong> resultados<br />

positivos, piincipalmente em questões <strong>de</strong>stas, on<strong>de</strong> os<br />

espíritos apaixonadamente doutrinários estão sempre em<br />

exclusivismo mal cabido. Não será um sueco digestivo a


— 27 —<br />

nossa saliva? E terá ella por único objectivo a transformação<br />

dos amylaceos em substancias assimiláveis? Não, certamente<br />

não—serve ainda para a <strong>de</strong>glutição, etc, etc.<br />

Em conclusão — a peçonha ophita foi dada aos toxicophidios<br />

para scr-lhes útil com o duplo fim, pelo menos, <strong>de</strong><br />

arma e sueco digestivo.<br />

Differençaras peçonhas dos vírus, venenos propriamente<br />

ditos, etc, seria per<strong>de</strong>r tempo e espaço ; faremol-o, entretanto,<br />

no correr do nosso trabalho per acci<strong>de</strong>ns nos <strong>de</strong>vidos logares.<br />

O Dr. Halford, examinando o liquido <strong>de</strong> secreção le-<br />

thifera das cobras, encontrou pequenas cellulas, que elle con­<br />

si<strong>de</strong>rou como germens <strong>de</strong> matéria viva que se multiplicavam<br />

<strong>de</strong> uma maneira prodigiosa no sangue dos animaes inoculados<br />

com a peçonha. Vulpian não encontrou esses corpusculos.<br />

O Dr Lacerda encontrou-os mesmo ainda nos canaes dos<br />

<strong>de</strong>ntes inoculadores e vio n'elles movimentos brawnianos<br />

e amiboi<strong>de</strong>s. Destruindo o po<strong>de</strong>r tóxico do veneno por alta<br />

temperatura, esses corpusculos conservam-se ainda vivos e<br />

intactos, mostrando assim a nullida<strong>de</strong> do papel que elles representam<br />

nos effeitos tóxicos. No sangue não se reproduzem.<br />

Culturas feitas em extractos <strong>de</strong> carne, seru n sangüíneo,<br />

nenhum resultado <strong>de</strong>ram Serão os corpusculos zgmogeneos <strong>de</strong><br />

Bechamps que em contacto co.n as cellulas glandulares,<br />

por um verda<strong>de</strong>iro phenomeno <strong>de</strong> fermentação anacrobia<br />

como •magistralmente <strong>de</strong>screveram Gautier e Pasleur. como<br />

parece se dar com a saliva humana normal, e que uma vez<br />

sahidos do seu laboratório nada possam produzir, po<strong>de</strong>ndo,<br />

entretanto, se conservar vivos bastante tempo? Ou, para tor­<br />

nar-nos mais claro, serão o fermento figurado cujo produeto<br />

é a toxicophiase?


— 28 —<br />

Nada <strong>de</strong> positivo pô<strong>de</strong> dizer a sciencia no estado<br />

actual<br />

A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno que uma cobra pô<strong>de</strong> injectar<br />

em cada mor<strong>de</strong>dura e a sua posologia tóxica, será tratada no<br />

capitulo do prognostico.


SfiffllA PARTE<br />

Feridas envenenadas pela peçonha dos ophidios<br />

CAPITULO I<br />

SymptQn&tdogia<br />

A exemplo <strong>de</strong> Viaud Grand-Marais, do professor Berne,<br />

<strong>de</strong>screveremos os symptomas da intoxicação ophidiana classificando-os<br />

em primitivos, secundários e lerciarios. Assim proce<strong>de</strong>ndo,<br />

lemos por principio a clareza, por base o methodo, por<br />

fim a verda<strong>de</strong>. No presente capitulo assignalaremos todos os<br />

symptomas que se po<strong>de</strong>m observar; no seguinte estudaremos<br />

a sua evolução costumeira, isto é, a marcha, duração e terminação<br />

Teremos sempre <strong>de</strong> vista a clinica, escudada na experimentação<br />

e observação.<br />

§ I. Symptomas primitivos<br />

São estes, como em toda a ferida por instrumento<br />

cortante, contun<strong>de</strong>nte ou picante — dôr immediata, escorrimento<br />

<strong>de</strong> sangue, impressão do agente vulnerante, apresentando<br />

cada um a individualida<strong>de</strong> própria da causa primeira.


A dor é na maior parte das vezes immediata e intensa :<br />

os indivíduos picados pela cobra dizem sentir milhares <strong>de</strong><br />

agulhas penetrando, percorrendo pelo membro acima, abaixo,<br />

em todos os sentidos, dores exasperadas pelo menor movimento<br />

da parte. Outras vezes é uma sensação <strong>de</strong> quei­<br />

madura.<br />

Não é, entretanto, <strong>de</strong> constância infallivel, em casos<br />

raros vem tardiamente Expeiiencias <strong>de</strong> Mitchell, o mais<br />

tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grand-Marais, mostraram claramente que os caracteres<br />

acima são <strong>de</strong>vidos á introduccão do veneno nos tecidos,<br />

que a dôr produzida pelos colchetes é insignificantissima.<br />

A não ser picada uma artéria ou qualquer vaso <strong>de</strong> certa<br />

importância calibrosa, casos em que'ha um pequeno escorrimento<br />

<strong>de</strong> sangue, este é geralmente nullo: quando muito<br />

uma gotticula <strong>de</strong> sangue mostra o logar <strong>de</strong> cada colchete.<br />

Os signaes impressos sobre a victima são orifícios em numero<br />

<strong>de</strong> dous geralmente, pois que nos Proteroglyphos os<br />

<strong>de</strong>ntes pre-inoculadores po<strong>de</strong>m também <strong>de</strong>ixar signaes <strong>de</strong><br />

penetração, que se distinguem dos primeiros porqueaquelles,<br />

isto é, os orifícios <strong>de</strong>ixados pelos <strong>de</strong>ntes inoeuladores, têm<br />

bordos que tornam-se logo tumefaclos. Entretanto, pela retracção<br />

dos tecidos, <strong>de</strong>lga<strong>de</strong>za dos colchetes que pouco pene­<br />

traram, gran<strong>de</strong> tumefacção inflammatoria c extensa e por<br />

outras causas, muitas vezes torna-se diílicillimo encontrar os<br />

signaes a que nos referimos. Não muito raro, a serpente<br />

<strong>de</strong>ixa um ou mesmo dous colchetes cravados na victima, inteiros<br />

ou quebrados, representando, neste caso, na ferida,<br />

papel <strong>de</strong> corpo estranho-<br />

Nestes primeiros momentos não ha symptomas geraes,<br />

po<strong>de</strong>ndo-se attribuir ao terror, o facto <strong>de</strong> certos indivíduos


— 31 —<br />

cahirem <strong>de</strong>sfallecidos, lerem um abalo nervoso que po<strong>de</strong> ir<br />

á syncope, pois a experimentação sobre animaes nunca fez<br />

observar laes phenomenos.<br />

Blol (l) que menciona dous casos <strong>de</strong> morte por assim<br />

dizer súbita, é inteiramente <strong>de</strong> nossa opinião.<br />

§11. Symptomas secundários<br />

Distinguiremos neste período SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS<br />

LOCAES 6 SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS GERAES OU DE INTOXICAÇÃO.<br />

Os LOCAES mais ou menos constantes são :<br />

— tumefacção inflammaloria,<br />

— dor secundaria,<br />

— entorpecimento,<br />

— resfriamento,<br />

— manchas lividas,<br />

— algumas lesões <strong>de</strong> Iocalisação inflammatoria,<br />

— gangrena precoce,<br />

— paralysia, conlraclura do membro, etc.<br />

A tumefacção inflammatoria é phenomeno constante, a<br />

não ser que medicação local bem dirigida, evacuando ou<br />

neutralisando o veneno immediatamente, possa impedil-a,<br />

a não ter sido picada uma .veia, caso em que o veneno é promplamente<br />

levado á circulação geral. Na maioria dos casos, por<br />

assim dizer immediata, só apparece em alguns, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

cinco, seis horas ou mais. Começando por uma aureola vio-<br />

lacea que circumda a ferida, esta tumefacção ce<strong>de</strong>matosa, que<br />

(1) J. Ch. Blol— í.n nior.


— 32 —<br />

não offerece os caracteres da inflammação clássica, inva<strong>de</strong><br />

rapidamente os tecidos vizinhos, tomando um membro inteiro<br />

em poucas horas; ás vezes pára bruscamente cm um<br />

ponto e d'ahi retrograda. E' notável esta tendência a ir in­<br />

vadindo progressivamente os tecidos; é assim que injectado<br />

na pare<strong>de</strong> abdominal, o veneno pô<strong>de</strong> ir até o pcrhoneo e vísceras,<br />

nos membros, até os ossos. Resultam da gran<strong>de</strong> distensão,<br />

em certas regiões como por exemplo o pescoço, symptomas<br />

notáveis <strong>de</strong> compressão. Geralmente as partes tumefaclas tornam-se<br />

avermelhadas e quentes, outras vezes são pallidas e<br />

frias; outras vezes ainda tornam-se negras, <strong>de</strong> aspecto gangrenoso<br />

ou <strong>de</strong> asphyxia local. Depois <strong>de</strong> alguns dias a vermelhidão<br />

e o calor já não existem, persistindo só o engorgitamento<br />

ce<strong>de</strong>matoso, que <strong>de</strong>sapparece lentamente. Não muito raro<br />

estas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns terminam-se rapidamente pela mortificação<br />

A dor secundaria é uma sensação <strong>de</strong> tensão, resultante<br />

naturalmente das <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns acima referidas, exasperada pelo<br />

menor movimento dos músculos da região, o que é facilmente<br />

comprehensivel, tanto mais quanto veremos que o veneno,<br />

por verda<strong>de</strong>ira embebição, antes <strong>de</strong> attingiras partes profundas,<br />

atravessa, corroendo, os músculos.<br />

O entorpecimento geralmente proporcional á distensão<br />

dos tecidos é <strong>de</strong>vido á compressão dos filetes nervosos pelas<br />

malhas do tecido cellular infiltrado..<br />

O calor local inicial é substituído por um resfriamento<br />

notável, primeiro limitado á parte lesada, on<strong>de</strong> o thermomelro<br />

baixa a 31° e 30°, <strong>de</strong>poisgeneralisado Tem por causa a diminuição<br />

das combustões oiganicas pela profunda e especial<br />

alteração que soffre o sangue como veremos no capitulo III<br />

<strong>de</strong>sta segunda parte.


— 33 —<br />

Se bem que menos constantes e mais tardias que a tumefacção,<br />

^manchas lividas constituem symptoma importante.<br />

Variáveis em dimensão, intensida<strong>de</strong>, conformação; <strong>de</strong> cor<br />

vermelha, violacea, azulada ou negra; apparecem primeiro<br />

no membro ferido, <strong>de</strong>pois no correspon<strong>de</strong>nte opposlo. Muitas<br />

vezes <strong>de</strong>sapparecem em poucos dias, muitas mais, porém, duram<br />

até um mez. Sua evolução, <strong>de</strong>sapparecendo, é a mesma<br />

das ecchymoses quanto á successão das cores, fazendo com<br />

razão ao professor Berne chamal-as manchas ecchymoticas.<br />

Algumas localisaçôes inflammatorias se fazendo, trazem<br />

como resultado o apparecimento <strong>de</strong> angioleucites, abcessos,<br />

phlegmões, escharas, phlyctenas etc. Estas duas ultimas<br />

or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> lesão tem quasi sempre como causa a applicação<br />

<strong>de</strong>scuidada da ligadura do membro, abuso ou emprego mal<br />

dirigido <strong>de</strong> certos tópicos como seja a ammonea ; aquellas<br />

outras são muitas vezes conseqüência <strong>de</strong> injecções hypo<strong>de</strong>rmicas<br />

medicamentosas como a <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong> potássio<br />

e outras.<br />

Uma terminação <strong>de</strong>stes phenomenos locaes para a qual<br />

Encognère (1) chama a attenção e que temos notado na realida<strong>de</strong><br />

ser freqüente, é a gangrena que rápida ou vagarosamente<br />

ataca as partes em que foi <strong>de</strong>positado o veneno,<br />

impondo assim muitas vezes a amputação <strong>de</strong> um membro<br />

inteiro.<br />

Outro phenomeno para o qual chama a attenção o<br />

Dr. Urueta é a paralysia que fere immediatamente o membro<br />

envenenado A's vezes é o contrario que se verifica—uma<br />

contractura.<br />

(1) Encognère.—These <strong>de</strong> Montpellier—186*>.<br />

'•> 1888—B


— 34 —<br />

Estudaremos os SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS GERAES ou DE<br />

INTOXICAÇÃO conforme osapparelhos em que esses symptomas<br />

se manifestam, porque se a elecção tóxica é uma realida<strong>de</strong>,<br />

não o é menos a variabilida<strong>de</strong> nos effeitos pelas mil circumstancias<br />

do individualismo agente e paciente, tornando assim<br />

<strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> ingente uma <strong>de</strong>scripção <strong>de</strong> conjuncto como <strong>de</strong>ve<br />

ser a presente, <strong>de</strong> tudo quanto po<strong>de</strong>mos observar na pratica.<br />

E é muito <strong>de</strong> industria que transcreveremos no capitulo seguinte<br />

em que estudaremos a marcha, duração, modo <strong>de</strong> successão,<br />

<strong>de</strong> terminação que têm geralmente esses phenomenos<br />

mórbidos, bem como em outros logares, algumas relações<br />

exactas <strong>de</strong> fados clinicos bem observados. Estudaremos, pois,<br />

estes symptomas geraes percorrendo os órgãos dos apparelhos<br />

digestivo, circulatório, respiratório, urinario, da innervação e<br />

órgãos dos sentidos; terminaremos, emfim, pelos symptomas<br />

<strong>de</strong>reacção que na realida<strong>de</strong> representam o erguer-se victorioso<br />

do organismo inteiro, da lucta que sustentara com o terriveJ.<br />

inimigo—a peçonha.<br />

Os symptomas fornecidos pelo apparelho digestivo são<br />

náuseas, anxiedadc epigastrica intensa, quasi sempre acompanhadas<br />

<strong>de</strong> vômitos, a principio alimeníares, <strong>de</strong>pois biliosos<br />

e por fim <strong>de</strong> mucosida<strong>de</strong>s sanguinolentas ou não. Vem <strong>de</strong>pois<br />

a anxieda<strong>de</strong> ou dor umbilical logo seguida <strong>de</strong> <strong>de</strong>jecções diarrheicas,<br />

tenesmos etc Nos últimos periodos a lingua torna-se<br />

fuliginosa e o hálito fétido, o que é quasi sempre <strong>de</strong><br />

prognostico fatal. Ha muitas vezes ictericia que Gubler filia a<br />

um espasmo das vias biliares, porém que V.-Grand-Marais<br />

attribue, parece-nos que com muito mais razão, á alteração<br />

do sangue secundada, accrescentamos nós, pelas profundas<br />

perturbações <strong>de</strong> todo o systema nervoso. Não achamos razão


— 35 —<br />

em Blot(l)quando altribuea freqüência <strong>de</strong>stasgastro-enterites<br />

á medicação irritante interna <strong>de</strong>smedida a que geralmente,<br />

diz elle, submeltem-se os individuos. Acreditamos que quando<br />

tal se dê, o álcool, a ammonea etc, em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>,<br />

possam ler gran<strong>de</strong> parte na producção <strong>de</strong> taes perturbações,<br />

como no caso em que este auctor cita <strong>de</strong> Orfila; mas d'aqui<br />

a vêr nisto, já não dizemos a causa única mas a primordial,<br />

vai erro gran<strong>de</strong>, porque estes phenomenos são freqüentes e<br />

apparecem em individuos que não ingeriram taes medicamentos<br />

e porque a experimentação sobre os animaes mostra<br />

que elles faltam raramente. Viaud-Grand-Marais, pois, tem<br />

plena razão quando faz da eliminação da peçonha pelo<br />

canal digestivo o faclor principal.<br />

Referimo-nos aosphenomenos <strong>de</strong> natureza inflammatoria<br />

que só apparecem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> absorvido o veneno, emquanto<br />

que as náuseas, vômitos, isto é, os phenomenos observados<br />

logo em começo são sempre <strong>de</strong> natureza nervosa.<br />

Para o lado do apparelho urinaria notam-se ás vezes<br />

urinas ensangüentadas. Elias são geralmente escassas no começo<br />

para tornar-se mais abundantes para o fim, o que é quasi<br />

sempre favorável ao prognostico.<br />

Pô<strong>de</strong> haver albumina. O Dr Urueta, experimentando em<br />

animaes, notou algumas vezes gotticulas <strong>de</strong> aspecto oleoso na<br />

superfície do liquido urinario que ao microscópio tornavamse<br />

bem patentes e que elle pensou ser o óleo da sonda com<br />

que retirara a urina. Mas em experiências posteriores, on<strong>de</strong> a<br />

sonda estava completamente secca e bastante limpos os vasos<br />

em que <strong>de</strong>positava o liquido, as mesmas gottas appareceram<br />

(1) Blot—. Op. cit.


— 36 —<br />

fazendo ao iIlustre experimentador attribuil-as a uma <strong>de</strong>generescencia<br />

dos canaliculos renaes.<br />

Para o lado do apparelho circulatório ha symptomas interessantes<br />

que muito bem <strong>de</strong>screveremos transcrevendo o qne<br />

diz o Dr. Lacerda(1); «Havemos feito numerosas experiências<br />

com o fim <strong>de</strong> apreciar as modificações da tensão nas artérias<br />

fazendo communicar a carótida do animal com o tubo do<br />

kimographo, convenientemente instalado para inscrever o<br />

traçado do coração. O kimographo annunciava modificação<br />

15 ou 20 segundos <strong>de</strong>pois da injecçao do veneno na veia. Em<br />

começo, ha, ás vezes, ligeiro augmento <strong>de</strong> tensão logo seguido<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scida lenta e gradual, a columna <strong>de</strong> mercúrio baixa 4 a<br />

5 centimetros no espaço <strong>de</strong> 2 a 3 minutos; ao mesmo tempo<br />

as linhas inscriptas pelo coração traduzem o estado <strong>de</strong> fraqueza<br />

<strong>de</strong>ste órgão e a acceleração excessiva dos seus batimentos.<br />

Quando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno injectada é consi<strong>de</strong>rável, a<br />

<strong>de</strong>scida é brusca e a pressão arterial faz baixar o mercúrio <strong>de</strong><br />

4 a 5 centimetros no curto espaço <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> 2 a 3 segundos.<br />

Não se faz <strong>de</strong>morar a contracção do coração com batimentos<br />

lentos e espaçados e no fim <strong>de</strong> 1 a 2 minulos o nivel<br />

da columna <strong>de</strong> mercúrio se tem elevado, sem todavia atlingir<br />

mais a altura primitiva. Ao mesmo tempo os batimentos do<br />

coração acceleram tornando-se fracos, <strong>de</strong> maneira que a agulhado<br />

kimographo traça uma linha ligeiramente sinuosa que<br />

se approxima da linha recla<br />

«Posto que na maior parte dos casos, a suspensão <strong>de</strong>finitiva<br />

da respiração preceda á cessação dos batimentos cardíacos,<br />

o inverso, não obstante, se produz algumas vezes.» O<br />

(1) Dr. Lacerda.—Leçons sur le venin <strong>de</strong>s serpents du Brézil—18*1—pags. 76 e 78.


— 37 —<br />

exame do pulso e das pulsações cardíacas, no homem, fazem<br />

ver os mesmos factos.<br />

As extravasações sangüíneas são os symptomas secun­<br />

dários mais constantes. Manifestam-se por toda a parte, nos<br />

capillares <strong>de</strong> todos os órgãos occasionando assim a symptomatologia<br />

mais variada possível. Primitivamente manifestam-se<br />

nas proximida<strong>de</strong>s do ponto em que foi inoculadoo veneno—<br />

taes são as manchas ecchymoticas <strong>de</strong> que temos fallado;<br />

secundariamente, isto é, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> transportado o veneno á circulação<br />

geral, apparecem emtodasas visceras, principalmente<br />

no pulmão—taes são os vômitos, escarrhos, urinas, <strong>de</strong>jecções<br />

sanguinolentas <strong>de</strong> que já falíamos. Nos casos graves citam-se,<br />

ainda, hemorrhagias pelas vias respiratórias, pelos ouvidos e<br />

mesmo pelos conductos lacrymaes e glandulares da pelle.<br />

Quando o apparelho respiratório apresenta symptomas<br />

immediatos, são sempre <strong>de</strong> natureza paralytica. Como symptomas<br />

mais tardios,são as dores thoracicas, dyspnéa intensa,<br />

hemoptyses, tosse acompanhada <strong>de</strong> escarros muco-sanguinolentos,<br />

symptomas estes resultantes do engasgamento, fluxão<br />

pulmonar, hemorrhagias capillares no parenchyma do<br />

órgão, profunda alteração sauguinea etc<br />

Os órgãos dos sentidos não raro são lesados em sua eslru-<br />

ctura e funccionalismo. O órgão da vista é o que mais vezes<br />

soffre; citam-se casos <strong>de</strong> cegueira quasi immediata e sempre<br />

<strong>de</strong>finitiva. A quarta observação <strong>de</strong> Blot é <strong>de</strong>sta natureza. Diz-se<br />

que é phenomeno dos mais communs nas mor<strong>de</strong>duras da urutu<br />

(Bothrops urutu—Lac.) Citam-se ainda sur<strong>de</strong>z e amaurose<br />

<strong>de</strong>finitivas rebel<strong>de</strong>s a todo o tratamento. Diz-se que os<br />

cães <strong>de</strong> caça per<strong>de</strong>m commummente o olfacto. Entretanto,<br />

na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, os acci<strong>de</strong>ntes limitam-se a


— 38 —<br />

obscurecimentos da vista e atordoamentos <strong>de</strong> ouvido geralmente<br />

passageiros.<br />

Os symptomas que se manifestam para o apparelho da<br />

innervação, os symptomas atoxo-adynamicos, typhoi<strong>de</strong>s,<br />

são variáveis. Durante toda a moléstia, syncopes; lypothimias<br />

po<strong>de</strong>m apparecer repetidas vezes. O resfriamento da parte<br />

primitivamente lesada inva<strong>de</strong> o organismo inteiro, suores<br />

frios e viscosos cobrem a pelle, a prostração é extrema, a<br />

tendência ao somno invencível, terminando muitas vezes esta<br />

scena um coma profundo.<br />

Estes symptomas que só apparecem nos últimos momentos<br />

dos acci<strong>de</strong>ntes da intoxicação ophidiana, differem dos<br />

que se po<strong>de</strong>m manifestar pouco tempo <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura<br />

e que são phenomenos <strong>de</strong> excitação logo seguida geralmente<br />

<strong>de</strong> paralysia. E'assim que a bexiga, o estômago, os intestinos,<br />

contrahindo-se, <strong>de</strong>ixam escapar o seu conteúdo ; as conlracluras<br />

são primeiro limitadas ao membro ferido <strong>de</strong>pois generalisadas,<br />

logo seguidas <strong>de</strong> relaxamento muscular completo<br />

A pupilla estreita-se para <strong>de</strong>pois dilatar-se. As glândulas<br />

<strong>de</strong>ixam escorrer os seus produetos—saliva, lagrymas, etc,por<br />

uma verda<strong>de</strong>ira hypersecreção. E quando no homem estes phenomenos<br />

<strong>de</strong> excitação nervosa se manifestam por sobresaltos<br />

dos tendões, caimbras, agitação, <strong>de</strong>lírio, convulsões,—dizem<br />

proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terminação fatal. Felizmente maior é o numero<br />

dos casos em que as cousas não chegam áquelies extremos;<br />

mesmo, porém, que tal se dê, a cura não raro pô<strong>de</strong><br />

se fazer, e então vemos apparecer os symptomas <strong>de</strong> reacção. O<br />

pulso que era miserável vai se levantando, o suor frio e<br />

viscoso <strong>de</strong>sapparecendo, para dar logar a suor perfeita­<br />

mente normal, acompanhado <strong>de</strong> movimento febril mo<strong>de</strong>rado,


— 39 —<br />

irregularmente intermittente, porém que se repete por dois ou<br />

ires dias; a face encovada, hippocratica, reanima-see adquire<br />

expressão ; tudo emfim vai-se, persistindo unicamente os<br />

phenomenos locaes, que por sua vez vão <strong>de</strong>sapparecendo mais<br />

ou menos rapidamente, ficando quasi sempre em ultimo<br />

logar a tumefacção inflammatoria.<br />

§ 111. Symptomas terciarios<br />

Quando a cura <strong>de</strong>finitiva não se estabelece, vemos apparecerem<br />

os symptomas terciarios que são ainda LOCAES OU GERAES<br />

po<strong>de</strong>ndo ser, uns e outros, <strong>de</strong> persistência ou <strong>de</strong> repetição.<br />

Os symptomas locaes <strong>de</strong> persistência são na maioria dos<br />

casos a continuação dos estados mórbidos <strong>de</strong>scriptos acima<br />

e que tornam-se rebel<strong>de</strong>s por mezes ou annos a lodo o trata­<br />

mento :—ulcerações, ce<strong>de</strong>macias, endurecimentos, etc. que<br />

po<strong>de</strong>m terminar pela gangrena ou alrophiado membro. Lembremos<br />

ainda a perda <strong>de</strong>finitiva das funcções <strong>de</strong> alguns órgãos<br />

dos sentidos a que já nos referimos. Os geraes <strong>de</strong> persis­<br />

tência, são phenomenos <strong>de</strong> cachexia: palli<strong>de</strong>z geral, abatimento<br />

physico e intellectual, morosida<strong>de</strong> nas digestões,<br />

fungosida<strong>de</strong> nas gengivas, abaixamenlo na temperatura geral,<br />

parada <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nas crianças, velhice precoce<br />

nos adultos que tornam-se veleludinarios,—vão pouco a<br />

pouco minando a existência do indivíduo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> escapo<br />

aos accidcntes agudos.<br />

Os symptomas locaes <strong>de</strong> repetição são os que sobrevêm<br />

quando o indivíduo, curado apparentemente, recáe d'ahi a<br />

mezes, annos, com os mesmos acci<strong>de</strong>ntes que soffréra—


— 40 —<br />

tuaaefacção, dòr, etc, acompanhados muitas vezes <strong>de</strong> phenomenos<br />

geraes, como se <strong>de</strong> novo fora mordido pelo mesmo<br />

réptil e no mesmo ponto. A explicação mais plausível é que<br />

alguma quantida<strong>de</strong> da substancia lethal ficara enkistada em<br />

um ponto e que no momento dado, ella, achando-se livre por<br />

qualquer circumstancia, actúa como se fora injectada na<br />

occasião; não sabemos que ella conserva-se tóxica por muito<br />

tempo, mesmo em contado com os mais fortes reactivos?<br />

Algumas vezes faltam os symptomas locaes, os phenomenos<br />

acima referidos <strong>de</strong> cachexia accommettem o indivíduo que ha<br />

muito se julgara isento do menor perigo porque achava se em<br />

perfeita saú<strong>de</strong>,levando-o ao túmulo.<br />

Estes acci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> repetição são muito raros. Citam-se<br />

ainda casos em que durante muito tempo (ha uma observação<br />

<strong>de</strong> 39 annos consecutivos) (1) os indivíduos mordidos<br />

são, por períodos certos, aecomrnettidoá <strong>de</strong> um conjuncto <strong>de</strong><br />

acci<strong>de</strong>ntes muito semelhantes ao da intoxicação que estudamos.<br />

Po<strong>de</strong>riam ser chamados symptomas periódicos que não<br />

admittimos sejam produzidos ainda pelo veneno propriamente<br />

em substancia, porque este, salvo o fado possível <strong>de</strong> enkislamento<br />

(que não pô<strong>de</strong> fazer rompimentos periodicamente<br />

certos), se elemina todo e com rapi<strong>de</strong>z. Provado que elle seja<br />

principalmente um veneno hematico e um veneno nevrotico,<br />

não é mais lógico attribuir taes factos ás alterações que ficam<br />

sobre esses elementos sangüíneo e nervoso, trazendo como<br />

resultado a irrupção <strong>de</strong> uma diathese latente ou creando um<br />

novo estado mórbido diathesico? E não é natural que as<br />

manifestações <strong>de</strong>ssa diathese se façam principalmente nos<br />

(1) Gazette hebdomadaire—Q <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 18K3


— 41 —<br />

órgãos primitivamente lesados—lociminoris resistências, assemelhando<br />

assim as duas symptomatologias ? Estes casos precisam<br />

muito ainda que sejam observados com maisaccuria.<br />

Mencionemos em ultimo logar o facto <strong>de</strong> certos individuos<br />

curados já <strong>de</strong> bastante tempo serem accommettidos <strong>de</strong><br />

morte súbita por acci<strong>de</strong>ntes cerebraes. Até hoje nenhuma autópsia<br />

veio dizer se trata-se aqui <strong>de</strong> acci<strong>de</strong>ntes hemorrhagicos,<br />

embolicos ou <strong>de</strong> outra natureza.<br />

Como já dissemos, estes symptomas terciarios são bastante<br />

raros e a <strong>de</strong>scripção que fizemos foi por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> freqüência.<br />

1888—B


— 42 —<br />

CAPITULO II<br />

Marcha, du?ft$&e, terain&ç&o<br />

A marcha da intoxicação ophidiana.<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<strong>de</strong>innumeras<br />

circumstancias que estudaremos no capitulo do prognostico,offerece,<br />

como todo o envenenamento, todas as nuances,todas<br />

as gradações possíveis.Entretanto,po<strong>de</strong>mos distinguir<br />

os acci<strong>de</strong>ntes que fazem ser a marcha super-aguda, aguda ou<br />

chronica, prevenindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a transformação <strong>de</strong> uma<br />

em outra faz-se commummente.<br />

Na intoxicação super-aguda dominam a scena os symptomas<br />

geraes—os symptomas <strong>de</strong> origem nervosa que apontámos<br />

em todos os apparelhos. A morte sobrevem então por<br />

convulsões ou lelhargia, asphyxia (paralysia dos músculos<br />

thoracicos), syncope, notando-se que em geral o coração é o<br />

ultimus moriens. E' notável a analogia que existe entre estes<br />

acci<strong>de</strong>ntes super-agudos e a symptomatologia do shock dos<br />

auctores inglezes em suas duas fôrmas principaes. Se bem<br />

que os auctores mencionem casos <strong>de</strong> morte fulminante em<br />

que a victima dá um grito e cáe morta (como as duas primeiras<br />

observações <strong>de</strong> Blot), estes fados felizmente são rarissimos<br />

e po<strong>de</strong>m talvez ser attribuidos ao abalo nervoso produzido<br />

pelo terror como quer Blot. (1) Geralmente estes acci<strong>de</strong>ntes<br />

(1) Blot — loc. cit., pag. 22.


— 43 —<br />

duram 6 e 8 horas, apresentando então o indivíduo, já nas<br />

proximida<strong>de</strong>s da morte, o cortejo dos phenomenos locaes<br />

<strong>de</strong>scriptos no capitulo prece<strong>de</strong>nte.<br />

Se a morte não termina o quadro, o progresso das lesões<br />

locaes, a alteração profunda do sangue que então se faz, tornam<br />

a marcha aguda; isto é, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparecidos os acci<strong>de</strong>ntes<br />

assustadores acima referidos, todos <strong>de</strong> origem nervosa,<br />

ha como que um momento <strong>de</strong> sedação para <strong>de</strong>pois fazerem<br />

continuação os phenomenos causados pela acção do veneno<br />

já todo absorvido e actuando sobre o sangue e órgãos visceraes;<br />

outras vezes, e éa maioria dos casos, faltam estes<br />

phenomenos <strong>de</strong> origem nervosa e a marcha apresenta-se<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo aguda. Nestes dous últimos casos, são os phenomenos<br />

originados do estado do sangue principalmente que<br />

dominam, e então a morte resulta nos primeiros cinco a seis<br />

dias das hemorrhagias, perturbações da hematose, etc.<br />

Depois <strong>de</strong>stes dias ou o estado do sangue melhora e a<br />

cura é rápida, porque rápida é a eliminação do agente tóxico<br />

a ponto <strong>de</strong>, no espaço <strong>de</strong> 24 horas, um indivíduo que se julgara<br />

já morto, restabelecer-se completamente, mas ainda o<br />

indivíduo se acha nas eminências <strong>de</strong> phenomenos scepticemicos<br />

originados das lesões locaes,<strong>de</strong> phenomenos adynamicos<br />

causados pela <strong>de</strong>pressão do organismo que não pô<strong>de</strong> offerecer<br />

a reacção prenuncia <strong>de</strong> cura,etc; ou o estado do sangue não<br />

melhora e apezar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparecerem as lesões locaes e em<br />

apparencia os symptomas geraes, o doente guarda o leito em<br />

abatimento orgânico, <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong> espirito que em 15 ou 20<br />

dias trazem como resultado a morte, por adynamia, por consumpção.<br />

Muitas vezes, na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, vêm os


— 44 —<br />

symptomas chamados àereacção,—elevação do pulso, reacção<br />

febril mo<strong>de</strong>rada, ligeiro suor e no fim <strong>de</strong> um a três dias do<br />

seu apparecimento, está tudo restabelecido e a cura perfeita<br />

e <strong>de</strong>finitiva, persistindo ainda, ás vezes, como dissemos no<br />

capitulo prece<strong>de</strong>nte, algumas lesões locaes—abcessos, ulcerações,<br />

etc, que po<strong>de</strong>m terminar pela necessida<strong>de</strong> da ampu­<br />

tação da parte.<br />

Esta marcha terminada pela cura é a fôrma mais commum<br />

da intoxicação ophidiana.<br />

Quanto á marcha chronica1 ella é quasi sempre succedida<br />

aos acci<strong>de</strong>ntes superagudos e agudos ; são os symptomas que<br />

chamámos terciarios—os <strong>de</strong> cachexia, <strong>de</strong> repetição, fraqueza,<br />

<strong>de</strong>sanimo, velhice precoce, etc, terminando por tornar os<br />

individuos valetudinarios, por dar-lhes extrema vulnerabilida<strong>de</strong><br />

mórbida. Uma terminação <strong>de</strong>stes acci<strong>de</strong>ntes a que já<br />

nos referimos é a morte que mezes, annos <strong>de</strong>pois, pô<strong>de</strong> sobrevir<br />

por acci<strong>de</strong>ntes cerebraes neste período <strong>de</strong> cachexia ou<br />

mesmo quando a cura havia parecido <strong>de</strong>finitiva.<br />

Para que se possa ainda mais fazer uma idéa exacta do<br />

que seja a variabilida<strong>de</strong> na marcha da intoxicação ophidiana,<br />

eis estas observações que transcrevemos:<br />

(BLOT)<br />

OBSERVAÇÃO 1<br />

Negra, escrava do Sr. Cannes dá um grito e cáe. E' cercada immediata-<br />

mente dos to:, panheiros que ainda vêm o réptil fugindo, e levam-n'a para a casa<br />

perto. Antes, porém, <strong>de</strong> lá chegar, ella morre no fim <strong>de</strong> poucos minutos.


— 45 —<br />

OBSERVAÇÃO II<br />

.><br />

O soldado Haubois é mordido no dorso da mão por uma vibora, ás 5 i/2 horas<br />

da tar<strong>de</strong>. Voltou para o quartel contando, muito <strong>de</strong>spreoccupado, o facto sem se<br />

importar <strong>de</strong> medicar-se. A' noite começou sentir dorna parte mordida que já<br />

tumefazia-se. Cauterisa então a ferida e envolve a mào em pannos imbebidos em<br />

uma mistura <strong>de</strong> água e ammonea, mistura esta que também é administrada inter­<br />

namente .<br />

No dia seguinte, apparecendo ligeiras dores epigastricas e abdominaes, faz-se<br />

applicação <strong>de</strong> banhos e clysteres e no membro tumefacto 12 sanguesugas.<br />

No outro dia as dores abdominaes são intoleráveis ; braço e ante-braço muito<br />

tumefactos. O doente toma um banho e applica-se-lhe um vesicatorio no ab­<br />

dômen ; a morte sobrevem entretanto cerca <strong>de</strong> meio-dia.<br />

(RAMON URUETA *)<br />

OBSERVAÇÃO III<br />

M. G., pintor <strong>de</strong> caças, trabalhava na floresta <strong>de</strong> Fontainebleau com seu<br />

filho <strong>de</strong> 10 annos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, quando este queixou-se <strong>de</strong> ter sido ferido no tornozelo.<br />

O pai não suppuzera que a criança havia sido mordida por uma vibora. Entre­<br />

tanto, no fim <strong>de</strong> 10 minutos a criança empalli<strong>de</strong>ceu, sentio-se mal e cahio. Tirado<br />

o calçado, foi então verificada a marca dos colchetes da vibora. Indo para a casa<br />

pouco tempo <strong>de</strong>pois, era bastante tar<strong>de</strong> para que os cuidados prestados tivessem<br />

probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> successo e com eífeito a criança morreu na manhan do terceiro<br />

dia por asphyxia.<br />

Se os factos annunciados pelas duas observações prece<strong>de</strong>ntes<br />

são raros, a estatística mostra que um terço seguramente<br />

das mordcduras dos thanatophidios <strong>de</strong>ixa na victima traço<br />

in<strong>de</strong>lével.<br />

i Dr. Ramon Urueta—Recherches anatoino-pathologiques sur 1'action du venin<br />

<strong>de</strong>s serpents—These <strong>de</strong> Paris. 1881.


— 46 —<br />

E' assim que Encognère menciona cinco observações todas<br />

terminando pela gangrena dos membros feridos, que por<br />

isso foram victimas <strong>de</strong> amputação ; Urueta uma paralysia<br />

<strong>de</strong>finitiva no braço <strong>de</strong> um indivíduo mordido na mão correspon<strong>de</strong>nte;Blotocaso<strong>de</strong>uma<br />

negra mordida no maleolo externo<br />

da perna esquerda e que per<strong>de</strong>ra immediatamente e para<br />

sempre a vista.<br />

Até aqui temos resumido as observações dos casos mais<br />

fataes; vamos agora, para dar uma idéa precisa do que seja a<br />

symptomatologia, marcha, duração e terminação, transcrever<br />

corn minuciosida<strong>de</strong> as observações seguintes, porque ellas<br />

exprimem a generalida<strong>de</strong> dos fados que se apresentam na<br />

clinica, e como já fizemos ver, é nosso intuito que o presente<br />

trabalho tenha um cunho essencialmente pratico.<br />

OBSERVAÇÃO IV<br />

(URUETA)<br />

No dia 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1851, estando a caçar um official, Woodruff, a<br />

serviço dos Estados-Unidos da America do Norte, achou-se perto <strong>de</strong> uma cascavel<br />

que atirou-se para elle, que entretanto conseguiu dar-lhe uma bordoada e quebrar-<br />

lhe a columna vertebral. Curioso <strong>de</strong> conservar a serpente que constituia um bello<br />

typo da espécie, não quiz mais feril-a ; collocou a espingarda na cabeça do<br />

réptil para mantel-a e segurar immediatamente atraz, no pescoço. Infelizmente<br />

segurara longe e a serpente voltou a cabeça a <strong>de</strong>speito da pressão exercida pela<br />

espingarda mor<strong>de</strong>ndo o official no in<strong>de</strong>x da mão esquerda. A dôr foi muito<br />

forte e acompanhada <strong>de</strong> náuseas. Suga immediatamente a ferida, applica uma<br />

ligadura em roda do membro que elle escharificou e continuou a sugar voltando ao<br />

campo d'on<strong>de</strong> tinha partido. Ahi chegando fez-se applicação <strong>de</strong> ammonea na<br />

mor<strong>de</strong>dura e uma das pessoas presentes aconselhou o emprego <strong>de</strong> um meio <strong>de</strong> trata­<br />

mento conhecido pelo nome <strong>de</strong> remédio <strong>de</strong> Oeste e que consiste em embriagar-se.<br />

O conselho foi adoptado e havendo uma garrafa <strong>de</strong> whisky o ferido bebeu uma meia


— 47 —<br />

pinta (quasi 500 gr.). As glândulas axillares estavam tumefactas e dolorosas.<br />

Ammonea internamente.<br />

O <strong>de</strong>do foi <strong>de</strong> novo escharificado e mergulhado em água quente, on<strong>de</strong> sangrou<br />

abundantemente, e <strong>de</strong>pois mergulhado em ammonea. Aguar<strong>de</strong>nte internamente.<br />

A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ammonea e aguar<strong>de</strong>nte que o ferido tomou foi enorme, pois<br />

que elle <strong>de</strong>clara que nas circumstancias ordinárias, teria bastado para matar um<br />

homem; resultou uma embriaguez <strong>de</strong> quatro horas durante a qual houve repetidos<br />

vômitos. Quando esta embriaguez dissipou-se o doente tirou a ligadura e applicou<br />

sobre a ferida uma cataplasma <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong> linhaça. Ammonea internamente,<br />

pílulas purgativas <strong>de</strong> calomelanos e coloquintidas, 50 centigr. <strong>de</strong> pós <strong>de</strong> Dower.<br />

Dia 18.—A noite foi má: dôr muito intensa,linha vermelha estendida do braço<br />

á axilla. Fricções sobre o braço com tintura <strong>de</strong> iodo, iodureto <strong>de</strong> potássio interna­<br />

mente. As pílulas purgativas nãodando resultado, odoente toma sulfato <strong>de</strong> magnesia<br />

que produz bom effeito. Pô<strong>de</strong> tomar algum alimento. Ensaiou andar, porém<br />

dores violentas e náuseas obrigaram-n'o a cessara tentativa.<br />

Dia 20.—Dores violentas, lado esquerdo tumefacto até a região iliaca ; náuseas<br />

a cada tentativa <strong>de</strong> andar. Cataplasmas e internamente iodo, iodureto <strong>de</strong> potássio,<br />

pílulas mercuriaes, pós <strong>de</strong> Dower.<br />

Dia 21.—A inchação ha <strong>de</strong>sapparecido,o braço está ainda um pouco tumefacto.<br />

E' conseguido dar alguns passos sem náuseas nem vômitos.<br />

Dia 2O.—A melhora conthiúa posto que a ferida esteja <strong>de</strong> m áo aspecto.<br />

Dia 24. —O doente põe-se em marcha com o corpo <strong>de</strong> batalhão ao qual per­<br />

tencia. O calor e os movimentos do animal que montava, fizeram-lhe soffrer<br />

muito durante uma caminhada <strong>de</strong> seis milhas. A unha cahio nesse dia. A melhora<br />

continuou lentameute a se fazer.<br />

Para o fim <strong>de</strong> Outubro uma eschara <strong>de</strong>slíga-se e <strong>de</strong>ixa o osso da phalange<br />

<strong>de</strong>snudado em dous pontos. A cicatrização só se completou a 7 <strong>de</strong> Fevereiro.<br />

(American journal of medicai sciences.)<br />

Vê-se bem claro que gran<strong>de</strong> parte dos symptomas alarmantes<br />

apresentados nesta observação tiveram origem na<br />

medicação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e forte a que se submetteu o doente.<br />

Nesta seguinte, qire vamos transcrever, ha o gran<strong>de</strong> valor <strong>de</strong><br />

será victima um medico, e aredacção <strong>de</strong> seu próprio punho.


(URUETA)<br />

— 48 —<br />

OBSERVAÇÃO V<br />

No dia 27 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1853, ao meio dia, apartando algumas hervas com a<br />

mão, fui mordido por uma vibora (Vipera chersea) na face dorsal da ultima pha-<br />

lange do <strong>de</strong>do indicador direito. Immediatamente senti, não no ponto em que a<br />

mor<strong>de</strong>dura apenas visível houvera sido feita, porém na dobra do cotovelo, uma dôr<br />

viva e lancinante; apressei-me em praticar a sucçío e consegui espremer alguma^<br />

gottas <strong>de</strong> sangue. Entretanto como a dôr já começasse no in<strong>de</strong>x e no medius, a<br />

tumefacção fosse já sensível e crescesse rapidamente, cauterizei com azotato <strong>de</strong><br />

prata, envolvi a mào em pannos impregnados <strong>de</strong> água fresca e dirigi-me para a<br />

cida<strong>de</strong> vizinha, distante talvez meia légua. A' chegada, mão e ante-braço<br />

duplicados em volume; dores violentas, lancinantes, terebrantes, sensação <strong>de</strong> quei­<br />

madura que se esten<strong>de</strong> ao longo do bor Io radial do braço. Comecei enfio a sentir<br />

fadiga, agitação, angustia precordial com contractura penosa do diaphragma, sec-<br />

cura da garganta, espasmos da bexiga, <strong>de</strong>sfallecimentos, calafrios. A conselho do<br />

professor Dumreicher, applicação <strong>de</strong> 15 sanguesugas ao longo dos vasos lympha-<br />

ticos no ponto em que existem vergões vermelhos ; cataplasmas <strong>de</strong> gelo renovadas<br />

<strong>de</strong> 10 em 10 minutos; internamente 5 milligrs. <strong>de</strong> acetato <strong>de</strong>morphina. Tive alg im<br />

allivio; á agitação succe<strong>de</strong>u somno interrompido por <strong>de</strong>lido. No dia seguinte <strong>de</strong><br />

manhan os symptomas mais fatigantes, os movimentos spasmodicos do diaphragma<br />

e do cesophago se tinham acalmado, a tumefacção do braço havia consi<strong>de</strong>ravelmente<br />

augmentado. O membro tumefacto era frio á excepção dos cordões vermelhos da<br />

lymphangite, a febre persistia, o pulso a 104. Fricções com unguento napolitano.<br />

Dia 26 <strong>de</strong> Agosto.—A febre não baixou, a tumefacção esten<strong>de</strong>u-se á espadoa,<br />

ao peito e ao abdômen, sendo limitada pela clavicula, esterno e ligamento <strong>de</strong> Pou-<br />

part. Elevaram-se, acima da mor<strong>de</strong>dura e das picadas das sanguesugas, bolhas <strong>de</strong><br />

um pardo plumbico ou <strong>de</strong> côr mais carregada cheias <strong>de</strong> sangue fluido.<br />

Dia 30.—Ecchymoses negras ao longo do trajecto dos vasos lymphaticos, na<br />

face externa do braço, no dorso, na axilla; tumefacção, febre, dôr como na véspera.<br />

Até o dia 31, continuação das applicações frias,banhos mornos, laxativos, fricções<br />

com óleo <strong>de</strong> meimendro.<br />

Dia 3 <strong>de</strong> Setembro.—A reabsorpção não se completou senão em 14 dias, pro­<br />

vocando sempre violentas e dolorosas convulsões do ante-braço que <strong>de</strong>spertavam-<br />

me á noite, dores que repercutiam no cotovelo ; os outros acci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sappare-<br />

ceram também gradualmente, porém com mais lentidão.<br />

(Da. CHEÜTZEE . •— Wiener Zeitschr. 1853).


— 49 —<br />

A observação que se vai seguir é notável e interessante,<br />

porque os phenomenos mórbidos vão se <strong>de</strong>senvolvendo, sem<br />

que a influencia <strong>de</strong> qualquer medicação lenha podido vir<br />

transviar <strong>de</strong> qualquer modo o seu caracter Por ser em um<br />

animal, cremos, não lhe <strong>de</strong>ve ser diminuída a importância<br />

que tem.<br />

OBSERVAÇÃO VI<br />

( URUETA. )<br />

Cão pequeno, branco, muito vigoroso, do peso <strong>de</strong> 8 k ,300, <strong>de</strong> temperatura<br />

rectal <strong>de</strong> 38°,9, é mordido ás 10 horas e 16 minutos por uma crotal <strong>de</strong> talhe<br />

médio das que faziam parte da collecção do Museu <strong>de</strong> Historia Natural <strong>de</strong> Paris.<br />

Retirando o animal da caixa das serpentes, elle começa a dar uivos plangentes e<br />

immediatamente nota-se a paralysia da pata sobre que teve logar a inoculação.<br />

IO' 1 ,45. — O animal está completamente abatido. O coração se contráe<br />

com rapi<strong>de</strong>z e notam-se algumas irregularida<strong>de</strong>s que se reproduzem por inter-<br />

mittencias.<br />

IO 1 ',5!). —Temperatura rectal, 3 ( J°,4. Pupillas um pouco dilatadas. <br />

membro mórbido paralysado e as outras patas incapazes para sustentar o<br />

peso do corpo. O coração contráe-se com rapi<strong>de</strong>z tal, qu3 é impossivel contai-<br />

as pulsações (pulso, pelo que me foi possivel contar, a 200 pulsações). Estas con-<br />

tracções cardíacas não têm, entretanto, a energia habitual e vêm-se <strong>de</strong> tempos a<br />

tempos algumas irregularida<strong>de</strong>s.<br />

II 1 ',40.—Temperatura rectal 38°,6. Notamos que cs gazes da expiração<br />

são frios. O animal continua <strong>de</strong>itado, parece sentir frio e apresenta horripilações<br />

fibrillares por todo o corpo.<br />

3'',45.—Abatimento completo. A intelligencia parece conservada. Ha tume­<br />

facção notável <strong>de</strong> todo o membro, se<strong>de</strong> da mor<strong>de</strong>dura. estado <strong>de</strong>ste animal<br />

nos faz prever morte certa.<br />

Dia seguinte, ás 8 horas da manhan.—O cão immerso em prostração absoluta.<br />

Paralysia dos membros, completa. Temperatura rectal 37",6. Intelligencia con­<br />

servada. Recusa <strong>de</strong> qualquer alimento.<br />

Xo outro dia (S <strong>de</strong> Março), ás 8 i/, horas da manhã, encontrámos o animal em<br />

estado menos alarmante.Parece menos abatido e correspon<strong>de</strong> ás caricias que lhe são<br />

"' 1888 —B


— 50 —<br />

feitas. Forçado a sahir do nicho, este cão não se serve da pata ferida, mas pô<strong>de</strong><br />

sustentar-se e dar alguns passos com difficulda<strong>de</strong>, tornando logo a <strong>de</strong>itar-se. A<br />

temperatura rectal volta a 38 o ,6. Recusa ainda tola a alimentação.<br />

Dia 9 <strong>de</strong> Março.—O estado <strong>de</strong> melhora continua, mas o animal não tem ainda<br />

tomado nenhum alimento. Eecolhem-se suas urinas por meio <strong>de</strong> uma sonda. Não<br />

ha albuaiina, mas o exame microscópico permitte <strong>de</strong>scobrir glóbulos gordurosos<br />

em gran<strong>de</strong> abundância. Pensámos que estes glóbulos refringentes, solúveis no<br />

ether, não eram outra cousa senão o óleo que havia servido para facilitar o escor-<br />

regamento da sonda; mas, corno encontrámos em maior quantida<strong>de</strong> a presença<br />

<strong>de</strong>stes glóbulos oleosos na <strong>de</strong> entro cão mordido por uma serpente, perguntamos<br />

se não se tratará aqui <strong>de</strong> uma lesão <strong>de</strong> <strong>de</strong>generescencia pai-ticular. Voltaremos<br />

sobre este phenomeno.<br />

Dia 10.—O estado do cão é muito melhor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a véspera. Leite que lhe é<br />

apresentado jé bebido com avi<strong>de</strong>z. Temperatura rectal 39° Des<strong>de</strong> o começo <strong>de</strong>sta<br />

experiência este cão não expellio nenhuma matéria fecal e parece ter emittido<br />

muito pouca urina.<br />

A partir <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Março as melhora3 se pronunciam cada dia mais ; as forças<br />

voltam, posto que o cão tenha emmagrecido 2 kilogrs. em três dias ; os alimentos<br />

são tomados com avi<strong>de</strong>z. Entretanto o cão conserva-se somnolento e preguiçoso.<br />

Por vezes ouve-se <strong>de</strong> repente elle dar um grito como se softresse um abalo, um<br />

choque doloroso. Fora <strong>de</strong>stes factos elle tem tomado todas as apparencias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Fazem já 39 dias <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura.<br />

0 Dr Urueta faz com razão notar que se houvera experimentado<br />

qualquer medicação, a ella altribuiria a cura, e,<br />

pois, este fado prova, digamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que, na intoxicação<br />

que nosoecupa, muitas vezes, os esforços da natureza são ludibriados<br />

pela fama <strong>de</strong> um antídoto imaginário.


— 51 —<br />

CAPITULO III<br />

Ânaiamia e physiologia pathologlc&s<br />

Este importantíssimo ponto tem merecido sempre se­<br />

cundaria importância por parte dos ophiologistas. De pouco<br />

tempo a esta parte é que a anatomia e physiologia palhologicas<br />

da intoxicação ophidiana tem sido objecto <strong>de</strong> attenção<br />

dos experimentadores, <strong>de</strong>vendo a sciencia aos Drs. Lacerda<br />

e Urueta o maior contingente <strong>de</strong> luzes.<br />

Do estudo das lesões materiaes encontradas iu loco c<br />

circumvizinhaaças em que foi <strong>de</strong>positado o veneno, passaremos<br />

ás lesões produzidas á distancia pelo veneno ainda, mas<br />

já transportado na torrente circulatória e finalmente ás alterações<br />

<strong>de</strong> sua passagem no sangue.<br />

O grau das lesões locaes varia com o tempo <strong>de</strong>corrido do<br />

momento da intoxicação, da dose do tóxico, da maior ou menor<br />

profundida<strong>de</strong> na penetrarão dos colchetes c outras circunstancias<br />

que serão minuciosamente exaradas no capitulo seguinte.<br />

A epi<strong>de</strong>rme ás vezes é levantada—ha phlyctenas, ás<br />

vezes e\folia-sc; a pelle amollecida pô<strong>de</strong> romper-se á disleneão<br />

lumefactoria e o escalpello que dissecea tecidos taes, impressiona<br />

o anatomo-pathologisla com um quadro extranho<br />

pela multiplicida<strong>de</strong> dos phenomenos patenteados. A primeira<br />

vi4a julga-se elle em frente a uma forte contusão, tal é o<br />

aspecto do tecido subeulaneo infiltrado todo <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> sanguinolenta;<br />

taes são as rupturas capillares mostrando aqui e


alli numerosos <strong>de</strong>rrames <strong>de</strong> sangue negro, ás vezes coagulado,<br />

mas na maior parle d'ellas liquido; tal é o aspecto dos músculos,<br />

congestos e infiltrados da mesma maneira e cujas fibras<br />

são mollcs e friaveis. Esta hypolhese, não obstante, varresc-lhe<br />

logo da mente porque elle vê trajectos longos d'esses<br />

estragos marginados muitas vezes por tecidos sãos e normaes;<br />

vê que a congestão po<strong>de</strong> ir até o periosleo (nos membros),<br />

até as vísceras (nas vizinhanças das gran<strong>de</strong>s cavida<strong>de</strong>s); vê<br />

que os tendões e as aponevroses são geralmente sãos e illesos.<br />

O quadro po<strong>de</strong> ainda complicar-se mais, porque verda<strong>de</strong>iros<br />

abeessos e phlegmões, verda<strong>de</strong>iras angioleucites, po<strong>de</strong>m ser<br />

encontrados a par das lesões acima referidas.<br />

As serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas, examinadas ao microscópio,<br />

<strong>de</strong>ixaram vêr ao Dr Urueta gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> glóbulos<br />

vermelhos alterados e cm via <strong>de</strong> dissolução. Muitos d'esses<br />

glóbulos são <strong>de</strong> aspecto muriforme, crenados nos bordos, mas<br />

não privados <strong>de</strong> hemoglobina; outros privados d'ella e reduzidos<br />

a seu esiroma O numero <strong>de</strong> bactérias abi é consi<strong>de</strong>rá­<br />

vel ; são bastonetes <strong>de</strong> que os mais longos não passam <strong>de</strong> 8<br />

micromillimetros. No meio d'estas bactérias existe gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vesiculas refringentes que parecem outros tantos<br />

pequenos micrococá porém que bem reparados mostram<br />

ser vesiculas gordurosas<br />

Ao microscópio, as fibras musculares que estiveram em<br />

contado com o veneno, não têm cslriação e aprescnlam-sc<br />

como que <strong>de</strong>sassociadas; nas mesmas condições <strong>de</strong> contado<br />

as fibras nervosas são <strong>de</strong>sorganisadas, <strong>de</strong>generadas.<br />

Se proce<strong>de</strong>rmos á abertura das gran<strong>de</strong>s cavida<strong>de</strong>s fica­<br />

remos algumas vezes na difficuldadc <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r dizer ao<br />

certo qual foi a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> lesões que oceasionou a morte do


— 53 —<br />

animal. Se ella foi rápida, encontramos muito poucas alterações;<br />

os pulmões são apenas retrahidos com se o animal houvera<br />

morrido a uma serie <strong>de</strong> expirações forçadas, porque<br />

n'esles casos predominaram os symptomas <strong>de</strong> origem nervosa<br />

<strong>de</strong> que o principal é a paralysia dos músculos respiratórios;<br />

nos outros órgãos ha n'um ou n outro ponto pequenas extra-<br />

vasações sangüíneas, principalmente no cérebro. Quando a<br />

morte não foi rápida, vemos, ao contrario, todos os órgãos<br />

lesados: por toda a parte congestões, hemorrhagias capillares<br />

<strong>de</strong> um sangue fluido e escuro, <strong>de</strong>rrames <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> san-<br />

guinolenla entre as rneningeas, pleuras, folhas pericardicas,<br />

peritoneaes etc<br />

Percorramos isoladamente os órgãos n'esles casos <strong>de</strong><br />

intoxicação lenta<br />

Enccplialo c mcdtilla.—As rneningeas são congestiona­<br />

das havendo pontos hemorrhagicos c ecchymoses em diversos<br />

logares. O cérebro apresenta lambem o mesmo ponlilhado ;<br />

a substancia parda, segundo alguns observadores, é normal,<br />

outros atem encontradoamollecida; nos venlriculos cerebraes<br />

ha sempre <strong>de</strong>rrame <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> sanguinolenta. Na medulla<br />

as alterações são idênticas<br />

Pulmões—Hemorrhagias disseminadas na superfície e<br />

no parenchyma do órgão, engasgamento, congestão mais ou<br />

menos generalisada, eis tudo. Nas pleuras. ccchy.noses por<br />

vezes extensas.<br />

Coração.—Parado em diastole, cheio <strong>de</strong> sangue negro<br />

e liquido, principalmente no ventrieulo direito. A' vezes ha


— 54 —<br />

ahi coágulos molles, pouco resistentes. As pare<strong>de</strong>s auriculoventriculares<br />

são roseas po<strong>de</strong>ndo haver um ponlilhado hemorrhagico<br />

que se nota lambem na superfície externa do<br />

órgão principalmente nostrajeclos dascoronarias on<strong>de</strong> tomam<br />

as proporções <strong>de</strong> extensas ecchvmoses. A fibra muscular car­<br />

díaca é san, geralmente Ha, entretanto, em certos casos, extravasações<br />

entre os feixes <strong>de</strong> fibras musculares que então são<br />

amollecidas.<br />

IVestas lesões as mais communs são, internamente, as<br />

hemorrhagias sub-endoeardicas, o que para alguns auctores<br />

constitue traço característico da inloxitação ophidica, e externamente<br />

as das ramificações das coronarias.<br />

Tubo gastro-intestinal.—A mucosa gastro-intestinal é<br />

geralmente congestionada,com ccchymoses <strong>de</strong> dous a três mil-<br />

limetros dispersadas aqui e alli c que cm casos não raros inva<strong>de</strong>m<br />

do cesophago até o recto. Muitas vezes ha verda<strong>de</strong>ira gastro-enterite.<br />

As cavida<strong>de</strong>s são cheias <strong>de</strong> mucosida<strong>de</strong> glutinosa<br />

e sanguinolenta.<br />

Figado.—Em uma autópsia o Dr. Urueta encontrou<br />

manchas ecchymoticas em diversos pontos da superfície<br />

hepalica ; por um corte ao nivel dVllas, verificou que não<br />

interessavam toda a espessura do órgão c que não invadiam<br />

em profundida<strong>de</strong> senão Ires a quatro millimetros do tecido<br />

hepatico. Elle pergunta se essas manchas não seriam alterações<br />

'post-morlem, visto a pulrefacção que havia. JXâo ha duvidar<br />

que a putrefacção possa produzir taes manchas n'esses casos,<br />

mas é certo também que o veneno ophidico por si só as engendra<br />

no fígado, como nos outros órgãos. O tecido hepatico<br />

é mais ou menos congesto.


Baço.-r-Tem sido por vezes encontrado amollecido e<br />

mais escuro<br />

Órgãos urinaríos.—Os rins são quasi sempre hyperhemiados<br />

em toda a extensão principalmente o esquerdo e sobre­<br />

tudo na parte dos bassinetes. N'um exame feito pelo Dr. Malassez,elle<br />

viu que os tubuli contorti da mesma maneira que os<br />

corpusculos <strong>de</strong> Malpighi eram normaes, mas viu certa quanti­<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> tubos rectos cujo epilhelio <strong>de</strong>sapparecêra e que eram<br />

cheios <strong>de</strong> granulações e golticulas gordurosas ; as cavida<strong>de</strong>s<br />

d'esses tubos não eram mais dislinclas e elles pareciam em ge­<br />

ral augmentados <strong>de</strong> volume; as gotliculas gordurosas tingiamse<br />

<strong>de</strong> negro pelo ácido osmico; aobalsamo <strong>de</strong> Canadá as cellulas<br />

<strong>de</strong>generadas e consequentemente ao <strong>de</strong>sapparecimento<br />

da gordura, mostravam-se cheias <strong>de</strong> vacuolos, cada um d'estes<br />

correspon<strong>de</strong>ndo a uma vesicula <strong>de</strong> gordura. Nenhuma alteração<br />

tem sido notada nas cápsulas supra-renaes; só n'um<br />

caso o Dr Lacerda encontrou n'ellas um foco hemorrhagico.<br />

A bexiga contem geralmente urinas sanguinolentas que então<br />

são sedimentosas com <strong>de</strong>posito <strong>de</strong> massa branca e por vezes<br />

abundante Este <strong>de</strong>posito examinado pelo Dr Urueta conti­<br />

nha gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gianulações refringentes animadas<br />

cie movimento consi<strong>de</strong>rável tanto mais rápido quanto me­<br />

nores eram, e que, <strong>de</strong> tamanho variável, lembravam exactamente<br />

as encontradas no sangue e nas serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas<br />

examinadas por elle<br />

Como se vè, são insignificantes os conhecimentos que<br />

possuímos das lesões microscópicas apresentadas pelos órgãos,<br />

na intoxicação ophidíca.


— 56 —<br />

Sangue. Examinando agora o sangue, ou melhor, procurando<br />

o que os observadores encontraram <strong>de</strong> anormal no<br />

sangue dos animaes inloxicados pelo veneno ophilo, ficaremos<br />

á primeira vista embaraçados sobre a orientação que <strong>de</strong>ve<br />

tomar o nosso espirito em uma opinião a abraçar, taes são as<br />

controvérsias. Tendo em vista, porém, que um phenomeno<br />

observado é sempre fado positivo, cabe-nos o <strong>de</strong>ver unicamente<br />

<strong>de</strong> indagar, pela synthese, on<strong>de</strong> paira o falsear das interpretações<br />

exclusivistas em que caem muitas vezes os ana-<br />

lysadores que só vêm o lado muitas vezes coinci<strong>de</strong>ntemente<br />

particular <strong>de</strong> sua única observação pessoal c dão como inex-<br />

acto o que é enunciado por outrem.<br />

Se Fayrer e Brunlon não encontram no sangue alterações<br />

importantes e dizem que elle se coaguala facilmente, Vul-<br />

pian, ao contrario, encontra n'esse liquido todos os indicios<br />

<strong>de</strong> uma dissolução globular e viu que elle se coagula com<br />

diííiculda<strong>de</strong> e c escuro, Lacerda e Urueta nos mostram que<br />

os fados são exactos, dadas as circumstancias, isto é, n'um<br />

animal que morreu ao veneno ophidico, tanto se pô<strong>de</strong> encontrar<br />

o que viram Fayrer e Brunlon, como o que viu<br />

Valpian. E ? assim que quando a dose do veneno foi forte,<br />

a resistência tóxica do envenenado fraca, em fim a morte<br />

foi rápida, por paralysia dos músculos respiratórios por<br />

exemplo, as alterações que se encontram no sangue são insignificantes.<br />

Quasi sempre, n'estes casos, ha apenas os caracteres<br />

do sangue do indivíduo asphyxiado Quando se dão<br />

as condições contrarias em que a morte do indivíduo se<br />

faz <strong>de</strong>morar, em que o veneno absorvido teve tempo suííi-<br />

ciente <strong>de</strong> actuar sobre o sangue, são consi<strong>de</strong>ráveis e importantes<br />

as alterações.


— 57 —<br />

Vejamos pois quaes sejam essas alterações.<br />

Em urn primeiro grau, poucas são ellas. O sangue<br />

é <strong>de</strong> um vermelho escuro e coagula-se embora um pouco<br />

<strong>de</strong>moradamente. Este sangue pô<strong>de</strong> retomar a cor normal no<br />

fim <strong>de</strong> certo tempo <strong>de</strong> exposição ao ar.<br />

Em grau mais avançado, a cor é mais escura, a incoagulabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finitiva e por vezes completa, a flui<strong>de</strong>z consi<strong>de</strong>rável<br />

Em que pese a Mitchell este sangue não mais readquire<br />

a cor normal exposto ao ar; é o que nos dizem Urueta e outros<br />

e o que nos fazia prever o exame microscópico.<br />

N'um animal, portanto, que morreu a uma intoxicação<br />

lenta da peçonha dos ophidios <strong>de</strong> qualquer espécie que seja,<br />

as alterações sangüíneas que attráem logo a attenção do<br />

observador são : cor escura, perda da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> coagular-se,<br />

flui<strong>de</strong>z excessiva.<br />

Examinando ao microscópio este sangue, vemos o que<br />

se segue:<br />

Se a morte do animal foi rápida, nada ha <strong>de</strong> anormal.<br />

Quando porém ella se fez <strong>de</strong>morar e os effeitos foram se <strong>de</strong>senrolando<br />

com certa lentidão, notamos graus diversos <strong>de</strong><br />

alterações, conforme foi maior ou menor a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno<br />

absorvido em contado com o sangue e ainda conforme<br />

o tempo d'esse contado. Em gran<strong>de</strong> parte do elemento globular<br />

notam-se logo alterações na forma e na côr. Alguns,<br />

na maior parte, têm a circumferencia dos bordos crenada,<br />

em fôrma <strong>de</strong> roda <strong>de</strong>ntada; outros são como que insuflados,<br />

<strong>de</strong>formados, alongados e separam-se em diversos fragmentos;<br />

t outros, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter apresentado na superfície do disco numerosos<br />

pequenos pontos brilhantes,se separamem granulações<br />

refringentes animadas <strong>de</strong> movimento browniano» (Lacerda).<br />

ti 1888—B


— 58 —<br />

Urueta viu também granulações gordurosas refringentes análogas<br />

ás encontradas no serum e serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas<br />

acima referidas, que elle julga ter sido o primeiro a ver e as<br />

quaes sendo muito pouco apparentes n uma preparação secca,<br />

precisam, para ser percebidas, que se dissolvam e <strong>de</strong>struam totalmente<br />

os glóbulos vermelhos ; para isto trata-se uma preparação<br />

secca <strong>de</strong> sangue por uma solução aquosa <strong>de</strong> hematoxilina<br />

ou d'eosina, os glóbulos <strong>de</strong>sapparecem e vêm-se muito<br />

nitidamente estas granulações gordurosas <strong>de</strong> tamanho e talhe<br />

differentes e muito refringentes (Urueta).<br />

Quanto ás modificações <strong>de</strong> coloração, já Brainard, ha<br />

muito, assignalou o <strong>de</strong>scoramenlo globular Vê-se em alguns<br />

glóbulos côr marron com um bordo obscuro em toda a circumferencia<br />

do disco, ao passo que outros se mostram inteiramente<br />

<strong>de</strong>scorados tendo ainda a fôrma normal.<br />

Os glóbulos brancos são sempre pouco alterados na fôrma,<br />

seu numero não é exagerado, os núcleos são simplesmente<br />

apparentes. Ha poucos hematoblastos no sangue e nas<br />

preparações vêm-se, por vezes, aqui e alli, aggregações hematoblasticas<br />

bastante consi<strong>de</strong>ráveis -<br />

O exame do sangue, feito simplesmente pelo processo <strong>de</strong><br />

Hayem, é insuíficiente para mostrar este <strong>de</strong>scoramento globular,<br />

porque nestas circumstancias os glóbulos tornam-se difficilmente<br />

visíveis; é preciso que se sirva <strong>de</strong> reactivos corantes<br />

<strong>de</strong> que o melhor n'este caso é o reactivoiodo-iodurado (Urueta).<br />

Talvez por não ter attendido a estes cuidados <strong>de</strong> technica<br />

microscópica, Mitchell tivesse encontrado os glóbulos sangüíneos<br />

admirável mente intactos, o que é erro.<br />

« Ha entre os glóbulos numerosos micróbios que se agitam<br />

com rápidos movimentos em todos os sentidos. Muitas


— 59 —<br />

vezes é curioso vêl-os agruparem-se n'uma multidão compacta<br />

sobre o cadáver d'um glóbulo, semelhante a um bando<br />

<strong>de</strong> corvos sobre os <strong>de</strong>spojos d'um animal. A massa do<br />

glóbulo <strong>de</strong>sapparece em poucos momentos como se fosse<br />

<strong>de</strong>vorada por esta espécie <strong>de</strong> abutre microscópica >. (Lacerda).<br />

Como já vimos, Halford attribue a estes microorganismos<br />

gran<strong>de</strong> importância na intoxicação que estudamos.<br />

Mas este modo <strong>de</strong> pensar não tem sido confirmado<br />

por nenhum experimentador o que é muito, e foi completamente<br />

combatido por Vulpian e Lacerda, o que é tudo.<br />

Vejamos agora o que nos faz conhecer a experiência<br />

in-vitro. « Se tomarmos dous proveles graduados, um contendo<br />

uma certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno <strong>de</strong> cobra, e que nos<br />

dous se faça <strong>de</strong>rramar uma egual quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue,<br />

extrahido da artéria carótida <strong>de</strong> uni cão, vemos o sangue do<br />

provete que contém o veneno tomar, em alguns momentos,<br />

uma coloração violacea nas camadas mais profundas, coloração<br />

que se torna negra e se propaga rapidamente até as<br />

camadas superficiaes do sangue. Se no fim <strong>de</strong> certo tempo<br />

compararmos o sangue dos dous provetes em questão, encontraremos<br />

uma difíerença sensível <strong>de</strong> aspecto e <strong>de</strong> coloração :<br />

o sangue envenenado é negro, carbonisado, como o sangue<br />

na asphyxia; é quasi inteiramente fluido, e, algumas vezes<br />

apresenta um pequeno coagulo <strong>de</strong> sangue molle, gelatinoso,<br />

difluente, que occupa o fundo do vaso. O serum separa-se<br />

rapidamente. O outro sangue, o não venenoso, é, ao contrario,<br />

coagulado inteiramente e tem uma cor escarlate viva.<br />

No fim <strong>de</strong> 24 horas, o coagulo do primeiro <strong>de</strong>sapparece totalmente.<br />

Este sangue negro, que tem a apparencia d'uma


— 60 —<br />

forte infusão <strong>de</strong> café, é <strong>de</strong> uma flui<strong>de</strong>z aquosa. Sua <strong>de</strong>composição<br />

pútrida é rápida. Estes phenomenos foram constantes<br />

em numerosas experiências que fizemos » t Todavia<br />

se mudarmos as condições <strong>de</strong> contado do veneno com o<br />

sangue, isto é, se reduzirmos consi<strong>de</strong>ravelmente a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sangue sobre a qual <strong>de</strong>ve o veneno agir, as alterações<br />

são muito mais profundas e mais rápidas, tão rápidas quanto<br />

po<strong>de</strong>riam sel-o as transformações produzidas por um reactivo<br />

chimico. Com efíeito, quando, a uma gotta <strong>de</strong> sangue fresco<br />

e normal, juntamos um pouco <strong>de</strong> veneno puro e quando levamos<br />

esta mistura ao foco <strong>de</strong> um microscópio <strong>de</strong> conveniente<br />

augmento, eis aqui o que observamos : primeiramente<br />

os glóbulos vermelhos reunem-se em massa,collam-se uns aos<br />

outros e começam logo a per<strong>de</strong>r as fôrmas normaes. A dissolução<br />

é completa em poucos minutos. Não resta então,<br />

senão uma matéria proloplasmica amorpha, semi-liquida,<br />

<strong>de</strong> cor amarello uniforme, com estrias vermelhas e muito<br />

vivas » (Lacerda).<br />

A apparente coníradicção que parece haver no facto <strong>de</strong><br />

encontrarmos o sangue normal ou muito pouco alterado<br />

quando a morte do animal foi rápida e, ao contrario, gran<strong>de</strong>s<br />

alterações quando ella foi lenta e <strong>de</strong>morada, é que no<br />

primeiro caso o veneno não teve tempo <strong>de</strong> ser absorvido, <strong>de</strong><br />

difTundir-se e actuar suficientemente sobre o sangue.<br />

Por que mechanismo chega o veneno ophidico a produzir<br />

sobre o sangue as alterações que acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver?<br />

E' o que estudaremos d'aqui a pouco.<br />

Os dados que possue a sciencia sobre a acção physiologica<br />

do veneno ophidico são ainda poucos e incertos. Seremos


— 61 —<br />

por este motivo apenas o echo das opiniões dos competentes<br />

resumindo-as a poucas palavras.<br />

Absorpção.—Como diremos no seguinte capitulo, a<br />

absorpção do veneno ophidico introduzido hypo<strong>de</strong>rmicamenle<br />

varia conforme a região, conforme a profundida<strong>de</strong> em que é<br />

<strong>de</strong>positado, circurnstancias que não carecem ser discutidas<br />

por nada terem <strong>de</strong> notável em relação ás outras substancias<br />

tóxicas conhecidas. Em egualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circurnstancias, porém,<br />

e <strong>de</strong> modo geral, pô<strong>de</strong> se dizer que, em injecção hvpo<strong>de</strong>rmica,<br />

a absorpção da peçonha ophita faz-se com certa lentidão;<br />

seja porque ella se diffunda em gran<strong>de</strong> superfície atravessando<br />

os tecidos, seja pelos phenomenos da reacção que<br />

provoca in loco, seja por qualquer motivo, o certo é que geralmente<br />

só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo começam os phenomenos<br />

núncios <strong>de</strong> alteração sangüínea, isto é, cie absorpção.<br />

Fontana, ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certo tempo salvava frangos<br />

amputando-lhes o membro em cuja extremida<strong>de</strong> havia<br />

sido <strong>de</strong>positado o veneno; e nós sabemos que «as aves<br />

são os reactivos physiologicos da peçonha dos ophidios »<br />

pela sua sensibilida<strong>de</strong> extrema.<br />

Assignalemos um facto <strong>de</strong> importância clinica que é a<br />

proporção inversa que existe entre o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos phenomenos locaes e a absorpção. Exagerando este<br />

facto, como quasi sempre acontece, diz o povo que doente<br />

que incha não morre.<br />

Acreditamos que n'estes casos a gran<strong>de</strong> diffusão em que<br />

se acha o veneno faz com que elle seja absorvido muito aos<br />

poucos, dando tempo áeliminação <strong>de</strong>conjurar todos os perigos<br />

da accumulação <strong>de</strong> dose massiça no sangue. Os Srs. Cheron


— 62 —<br />

e Goujon (1) fizeram experiências <strong>de</strong> injecção não só do serumsanguinolento<br />

encontrado nas cavida<strong>de</strong>s das serosas, como<br />

também do encontrado ao nivel da picada, obtendo effeitos<br />

muito análogos aos da peçonha. Estas poucas experiências<br />

infelizmente, são passíveis <strong>de</strong> muitas objecções. Concorre<br />

ainda a lentidão da circulação da parle, pela compressão que<br />

soffrem os vasos.<br />

Introduzido n'uma veia ou artéria, a acção é rápida e<br />

pó<strong>de</strong>-se n'este caso comparal-o aos venenos mais activos<br />

conhecidos.<br />

Depositado sobre a pelle intacta, nada faz. Sobre as mu-<br />

cosas dos animaes superiores também não tem acção, pois<br />

que Fontana <strong>de</strong>positando sobre a lingua a peçonha da vibora<br />

não diluída, sentiu apenas sensação <strong>de</strong>sagradável<br />

<strong>de</strong> adstringencia, durável, e nada mais. Vulpian (2), <strong>de</strong>positando-asobreamucosa<br />

buccal da ran,observou que no fim <strong>de</strong><br />

certo tempo ella <strong>de</strong>batia-se procurando retirar com as palas o<br />

que tinha na bocca,parecendo sentir dôr; os effeitos geraes, se<br />

bem que <strong>de</strong>moradamente, appareceram como se houvera sido<br />

injectada hypo<strong>de</strong>rmicamente a peçonha. A <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za extrema<br />

d'essas mucosas explicam suííicientemente a apparente contradicção.<br />

Pela via estomachalé sabido que venenum serpent um non<br />

gustu sedin vulnere nocet (Celso). Cabe-nos apenas aindagar o<br />

porque d'este facto que aliasse dá com as peçonhas dos outros<br />

animaes.<br />

(1)—Cheron et Goujon.—Compt. rend. <strong>de</strong> VAcad. <strong>de</strong>s Sc. <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong><br />

1868 pag. 962—Sur iaction du veatn <strong>de</strong> Ia vipere.<br />

(2)—Vulpian—Ar


— 63 —<br />

Quanto á peçonha dos ophidios a razão não pô<strong>de</strong> ser a<br />

presença do sueco gástrico <strong>de</strong>struindo chimicamente ou aniquilando<br />

a acção, pois que A Gautier fazendo injecções<br />

<strong>de</strong> peçonha da Naja tripudians antecipadamenteaddicionada<br />

a sueco gástrico fresco,obteve intoxicação prompta, chegando<br />

mesmo á conclusão inesperada <strong>de</strong> que elle augmenta consi<br />

<strong>de</strong>ravelmente a activida<strong>de</strong> tóxica da peçonha, <strong>de</strong> mistura injectados<br />

hypo<strong>de</strong>rmicamente. Em vista <strong>de</strong> tal resultado Dujardin-Beaumetz<br />

pensa n'alguma alteração soffrida pela peço_<br />

nha, atravessando o fígado analogamente a outras substancias<br />

tóxicas, no que é acompanhado por A. Gautier. Entretanto<br />

Colin faz notar com razão que essa explicação não tem fundamento,<br />

porquanto a <strong>de</strong>mora que a peçonha tem no estômago<br />

e antes <strong>de</strong> passar pelo fígado, era mais que sufficiente<br />

para ser absorvida e actuar sobre o sangue.<br />

Eis aqui o complexo <strong>de</strong> circumstancias que concorrem, a<br />

nosso ver, para tal fim : Em prim eiro logar se está provado<br />

que o estômago absorve, também está fora <strong>de</strong> duvida que esta<br />

absorpção é sempre extraordinariamente lenta, dando tempo<br />

assim que, no casoVertente, o veneno se elimine sem produzir<br />

a menor perturbação. Em seguida, passando para os<br />

intestinos, a peçonha soffre a acção da biles que, segundo o<br />

mesmo Sr, A. Gautier já havia annunciado (1), <strong>de</strong>slroe-lhe<br />

completamente a activida<strong>de</strong>. Em ultimo logar, atravessando<br />

o figado, o que tenha escapado á acção da biles, pô<strong>de</strong> ser então<br />

<strong>de</strong>struido. Finalmente não nos esqueçamos <strong>de</strong> que a peçonha<br />

dos ophidios é um sueco digestivo e que todos elles<br />

são bastante tóxicos em injecção hypo<strong>de</strong>rmica.<br />

*<br />

(1) A. Gautier—Chimie appliquée á Ia Physiol. à Ia Path. et à THygiene,<br />

Paris 1874—t. I pag. 267 (nota).


— 64 —<br />

Eliminação.—Estudar a eliminação <strong>de</strong> um agente qualquer,<br />

que tenha actuado por absorpção em um organismo<br />

vivo, é sempre <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal diíiiculda<strong>de</strong>. Em primeiro<br />

logar temos que atten<strong>de</strong>r ao tempo: po<strong>de</strong>remos chegar cedo<br />

ou tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais para proce<strong>de</strong>r a pesquiza, ir sorprehen<strong>de</strong>l-o<br />

em sua passagem pelos emunctorios naturaes ou<br />

esperar encontral-o nos primeiros ou nos últimos liquidos <strong>de</strong><br />

excreção d'estes mesmos emunctorios. Em segundo logar<br />

saber quaes as vias preferidas por on<strong>de</strong> se elimina a totalida<strong>de</strong><br />

ou a maior parte do veneno. Em ultimo, saber se elle<br />

estará em natureza ou alterado em sua composição chimica.<br />

Quanto ao tempo, absolutamente ninguém tentou indagal-o.<br />

Opiniões contradidorias existem. Alguns dizem que<br />

o veneno se elimina com lentidão extraordinária, tendo em<br />

vista os acci<strong>de</strong>ntes periódicos ecacheticos que ás vezes accommettem<br />

os individuos que foram victimas da serpente; quando<br />

tratámos da symptomalogia (Cap. I 2 a parte) explicámos este<br />

facto e não voltaremos a elle. Tudo ao contrario nos faz prever<br />

que o veneno ophidico elimina-se com rapi<strong>de</strong>z, porque<br />

é facto commum <strong>de</strong>ixar-se um indivíduo'hoje no apogêo da<br />

intoxicação e encontral-o amanhan completamente restabelecido;<br />

dous a quatro dias, no máximo, é o tempo geralmente<br />

gasto pelo veneno ophidio para penetrar e sahir <strong>de</strong> um organismo<br />

vivo, po<strong>de</strong>ndo se dizer, baseado na observação, que<br />

a absorpção está para a eliminação, como 5:3.<br />

As vias preferidas, nos parece dizer ainda a observação<br />

somente que sejam o tubo gastro-intestinal e a pelle, vindo<br />

em seguida os rinse que todas as outras participam d'essa<br />

incumbência embora em menor escala. Como já dissemos,esta<br />

questão não tem sido estudada como <strong>de</strong>vera. Urueta tentou


— 65 —<br />

elucidal-a, fazendo injecções <strong>de</strong> urina <strong>de</strong> animaes intoxicados,<br />

mas suas experiências são tão poucas e sujeitas a tantas objecções<br />

que não nos adiantam cousa alguma E para ter valor<br />

esse processo seguido por Urueta, força seria que primeiro<br />

verificasse se o principio aclivo da peçonha se elimina em<br />

natureza e nenhum, absolutamente nenhum trabalho, tem<br />

sido tentado n'este sentido.<br />

Acção sobre o sangue.:—Qual o mechanismo pelo qual<br />

o veneno ophidico produz no sangue as alterações que apontámos?<br />

O Dr Lacerda limita-se a conjecturar « que a peçonha,<br />

ávida <strong>de</strong> oxygenio, como as ptomainas suas congêneres,<br />

apo<strong>de</strong>ra-se d'este gaz contido no sangue e o põe assim<br />

nas condições <strong>de</strong> um sangue asphyxiado ou carbonisado. »<br />

A analyse microscópica mostra que simplesmente<br />

essa razão não satisfaz ao espirito e a analyse espectroscopica<br />

não foi ainda feita. Também este auctor apressa-se em avisar<br />

que « isto não passa <strong>de</strong> pura hypolhese e que, melhor e<br />

mais pru<strong>de</strong>nte em taes casos, é confessar nossa completa ignorância,<br />

do que expôr-nos a ser joguetes <strong>de</strong> nossos erros e <strong>de</strong><br />

nossas illusões. »<br />

Mitchell pensa n'um phenomeno da natureza das fermentações<br />

sem dizer a que espécie <strong>de</strong> fermentação allu<strong>de</strong><br />

Mas como dissemos, este auctor só encontrava flui<strong>de</strong>z excessiva,<br />

côr negra e incoagulabilida<strong>de</strong> como únicas alterações san.<br />

guineas. Não têm valor, pois, as conclusões a que chegou o<br />

i Ilustre experimenlador<br />

Vejamos o que diz o Dr. Urueta :<br />

« O que torna-se a fibrina no envenenamento pela pe­<br />

çonha da serpente e qual a causa da alteração produzida nas<br />

!> 1888—B


— 66 —<br />

proprieda<strong>de</strong>s coagulanles da fibrina ? Tal c a fôrma sob que<br />

se apresenta naturalmente o problema. Ha aqui effediva-<br />

mcnte, difficil questão a resolver ; e lendo os trabalhos <strong>de</strong><br />

Hayem sobre a formação <strong>de</strong> concreções sangüíneas intravasculares<br />

(Revue scientifique 24 Juilet 1883 pag. 83), acreditamos<br />

po<strong>de</strong>r assemelhar este phenomeno aos que se passam na<br />

transfusão, em um animal, <strong>de</strong> serum sangüíneo retirado<br />

<strong>de</strong> outro. Vemos com eííeito nos dous casos, alterações<br />

visceraes da mesma natureza e completamente idênticas. »<br />

Esses symptomas são—diarrhéa sanguinolenla,por vezes<br />

muito abundante, anuria quasi sempre completa, abaixamento<br />

da temperatura central, symptomas estes a que succumbe<br />

rapidamente o animal. A autópsia revela congestões<br />

e infarctus hemorrhagicos no parenehyma dos pulmões, do<br />

fígado, dos rins, nas mucosas estomachal, intestinal e vesical,<br />

em conseqüência <strong>de</strong> embolias capillares múltiplas. O sangue<br />

é escuro e incoagulavel<br />

« Resulta pois, continua Urueta, que o veneno da serpente<br />

contém um fermento particular, micróbio ou não, que<br />

goza d'esla singular proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuar sobre a matéria fi~<br />

brino-plastica do sangue e <strong>de</strong>terminar coagulações capillares<br />

e microscópicas, análogas ás concreções assignaladas pelo<br />

professor Hayem, nas coagulações por precipitação Isto<br />

coinci<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>struição e dissolução globular »<br />

Ficam assim explicadas para Urueta as hemorrhagias<br />

capillares, a flui<strong>de</strong>z e a incoagulabilida<strong>de</strong> sangüíneas.<br />

O Dr. Lacerda parece ter pensado n'essas coagulações<br />

microscópicas para explicar as hemorrhagias, se bem que<br />

não torne bem claro o seu pensamento. Explica a maior<br />

freqüência das alterações pulmonares em relação ás outras


— 67 —<br />

vísceras por ser o pulmão o primeiro órgão visceral por cujo<br />

parenchyma passa o veneno na generalida<strong>de</strong> dos casos.<br />

Quanto ás vísceras abdominaes, acredita elle que as<br />

congestões e hemorrhagias capillares sejam <strong>de</strong>vidas em gran<strong>de</strong><br />

parte ao facto do abaixamento da pressão arterial, phenomeno<br />

a que sempre correspon<strong>de</strong> uma dilatação dos vasos abdomi­<br />

naes sob a influencia do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong> Cyon, diz elle.<br />

O auctor citado é o primeiro a não dar valor a esta opinião<br />

Não negamos que logo em começo possa haver tal interfe­<br />

rência nervosa. Esse acto, puramente reflexo, não seria duradouro<br />

e suííiciente para explicar a intensida<strong>de</strong> e a generalysação<br />

(como vimos no cérebro, medulla, meningeas etc.) <strong>de</strong><br />

taes congestões e muito menos das hemorrhagias. Demais,<br />

essa queda brusca e por. vezes consi<strong>de</strong>rável da tensão arlerial<br />

nem sempre se observa, ao passo que as congestõss e hemorrhagias<br />

a que nos referimos são os phenomenos mais commnns<br />

da intoxicação ophidica. Mesmo que assim fosse, é quando<br />

augmenta a tensão arterial que se pô<strong>de</strong> dar a vaso-dilatação<br />

abdominal sob a influencia reflexa do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong><br />

Cyon; e como dissemos que no começo da intoxicação ha<br />

muitas vezes, não diminuição porérn, augmento da tensão ar­<br />

terial que em breve se dissipa, só neste curto período estas<br />

congestões e tão somente ellas (não as hemorrhagias) corre­<br />

riam por conta do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong> Cyon. E' o que nos<br />

dizem os physiologistas Acreditamos na influencia nervosa,<br />

mas exercida directamentesobre os centros vaso motores, pelo<br />

veneno, acção que se faz sentir em quanto elle está presente<br />

e não se elimina; isto, entretanto não basta e não po<strong>de</strong>mos<br />

negar que as alterações sangüíneas são os principaes factores.<br />

Explicar as modificações <strong>de</strong> coloração do sangue nos


— 68 —<br />

casos que estudamos,tem sido paia os auctores um aventurar<br />

<strong>de</strong> hypotheses sem valor porquanto não baseam-se em cri­<br />

teriosas analyses chimicas ou em exames espectroscopicos.<br />

E não querendo nós cahir no mesmo <strong>de</strong>saire, diremos<br />

simplesmente que a matéria corante soffre, n'um primeiro<br />

gráo, alterações não muito gran<strong>de</strong>s, mas que não po<strong>de</strong>mos<br />

aírirmar que seja reducção (Lacerda, Mitchell), <strong>de</strong>sdobramento<br />

ou qnalquer outra mudança chimica como as produzidas pelo<br />

gaz sulphydrico e outros venenos hematicos ; que em gráo<br />

mais avançado são profundas e <strong>de</strong>finitivas as alterações, pare­<br />

cendo mesmo que <strong>de</strong> alguns glóbulos a matéria se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong><br />

totalmente<br />

Acção sobre o systema nervoso.—Sustentam o Dr.<br />

Lacerda e outros que os nervos conservam-se inalterados em<br />

todas as funeções ; que apenas osquesoffrem contado directo<br />

com o veneno apresentam certas alterações. Vulpian e outros,<br />

aííirmam entretanto que a neurilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparece completamente<br />

On<strong>de</strong> não pô<strong>de</strong> haver duvida, é que o veneno<br />

exerça acção sobre os centros, porque se ha pleno accôrdo<br />

em que a contractibilida<strong>de</strong> muscular conserva-se intacta a<br />

não ser nos músculos que estiveram em contado directo com<br />

o veneno, como explicar as paralysias que sempre apparecem<br />

quando a dose do veneno é gran<strong>de</strong> ?<br />

Verda<strong>de</strong> é que ha algumas vezes, logo em começo, com<br />

tracluras, convulsões generalisadas mesmo, porém que logo<br />

são seguidas <strong>de</strong> relaxamento muscular completo e paralysia;<br />

queoDr. Lacerda conseguiu fazer <strong>de</strong>sapparecercontracturas,<br />

c opUlhotonos em um cão em cuja pata havia sido injectado o<br />

veneno, seecionando o nervo scialico que ia ter a essa pata


— 69 —<br />

Esses reflexos, <strong>de</strong>vidos á irritação peripherica produzida pela<br />

acção directa do veneno em contado com os til<strong>de</strong>s nervosos<br />

do membro, provam simplesmente que o veneno ainda não<br />

tendo sido absorvido, não pô<strong>de</strong> actuar sobre os centros ner­<br />

vosos; porque nas injecções intra-venosas são raros; porque<br />

nós conhecemos muitas substancias <strong>de</strong>primentes do systema<br />

nervoso central, precedidas <strong>de</strong>ste primeiro período <strong>de</strong> excitação.<br />

O veneno ophidico em dose alta, actua, pois, sobre os<br />

centros medullares, tirando-lhes o po<strong>de</strong>r excito-motor<br />

Se o leitor lembrar-se do que dissemos no capitulo da<br />

symptomatologia, sobre o funccionalismo cardíaco e pul­<br />

monar, ficará impressionado com a semelhança que existe<br />

entre as conseqüências da secção dos pneumogastricos e os<br />

symptomas apresentados pelos animaes em que forte dose<br />

<strong>de</strong> veneno foi injectada.<br />

Com effeito, no coração, observamos fraqueza das<br />

contracções <strong>de</strong> par com acceleração notável e irregularida<strong>de</strong><br />

sempre crescentes até parada do órgão. No funccionalismo<br />

pulmonar, observamos essa dyspnéa característica que<br />

termina na parada brusca da respiração.<br />

Isto quer dizer que o veneno ophidico actua também<br />

sobre os centros respiratório e cardíaco, isto é, sobre as origens<br />

do pneumogastrico {no bulbo) paralysando-as<br />

Apresenta-se agora questão importante que por certo já<br />

assaltou a mente do leitor Será o mesmo agente que ora<br />

actua sobre o sangue, ora sobre o systema nervoso conforme<br />

a menor ou maior dose ? Serão dous os princípios activos,<br />

um peculiar a certas espécies, outro peculiar a oulras ? Ou<br />

apenas, na mesma espécie ou em espécies differentes, estes


— 70 —<br />

dous principios po<strong>de</strong>m se apresentar em doses variáveis, um<br />

em relação ao outro?<br />

E' a ultima opinião que abraçamos, sem comtudo termos,<br />

com o que existe, a veleida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir-lhe a exactidão<br />

Não é pretensão ousada : é franqueza, é o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong><br />

em expormos francamente as nossas idéas.<br />

E nós fornos levados a esta opinião pelo seguinte :<br />

Julius Gnedza (1) (<strong>de</strong> Berlin) acredita que a acção do<br />

veneno da Naja tripudiam se faz principalmente sobre o<br />

systema nervoso e que a da Daboia Russelii mais sobre o<br />

sangue Entretanto da leitura dos seus trabalhos vê-se que<br />

mesmo no primeiro caso, quando a morte foi <strong>de</strong>morada, as<br />

alterações sangüíneas fazem-se notar da mesma maneira. Ahi<br />

estão as experiências <strong>de</strong> Vulpian com o veneno da mesma Naja<br />

tripudians confirmando a nossa asserção.<br />

Será esta divergência <strong>de</strong>vida á proveniencia diversa do<br />

réptil ?<br />

Wolfen<strong>de</strong>n (2), <strong>de</strong> cujos trabalhos só tivemos conhecimento<br />

quando nos chegou ás mãos o livro <strong>de</strong> Roux, publicado<br />

este anno sobre as moléstias dos paizes quentes, motivo<br />

porque não nos referimos a elles no logar competente, mas que<br />

felizmente em nada transviam as nossas idéas a respeito da<br />

natureza chimica do veneno, encontrou tanto na peçonha da<br />

Naja como da Daboia (vibora da Índia), além <strong>de</strong> outras, uma<br />

substancia albuminoi<strong>de</strong> paralysante a que elle chamou globulinaeque,<br />

sempre presente, apenas variava na quantida<strong>de</strong>.<br />

d) Congresso <strong>de</strong> Washington, 8 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1888 e Roux.—Maladies <strong>de</strong>s pays<br />

rhndd:—^ol. 3, 1888 pag.<br />

(2) N. Wolfen<strong>de</strong>n— Revue scientifique, pag. 541—23 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1886.


— 71 —<br />

CoacluBe<br />

Do estudo que fizemos acreditamos po<strong>de</strong>r tirar as se­<br />

guintes conclusões:<br />

1 ° A peçonha dos ophidios actua localmente sobre os<br />

tecidos como nas experiências in vitro certos suecos diges­<br />

tivos—• o sueco gástrico, parte do pancreatico<br />

2.° Contém um veneno hematico que actua ao mesmo<br />

tempo sobre os glóbulos e sobre o plasma.<br />

3.° Contém, em menor áó^e, porém, <strong>de</strong> acção mais<br />

rápida e mais tóxica, um veneno dos cenfros nervosos, do<br />

grupo dos paralysanles.<br />

4.° Estes dous venenos sempre estão presentes na pe­<br />

çonha, apenas variando na proporção relativa um para<br />

o outro conforme a espécie <strong>de</strong> serpente (Gnedza) ou, na<br />

espécie (Wolfen<strong>de</strong>n), conforme a localida<strong>de</strong>, o clima, a ali­<br />

mentação, etc.<br />

5 ° A peçonha dos ophidios é finalmente um sueco<br />

digestivo que contém, além do fermento solúvel—a tóxicophiase,<br />

dous agentes tóxicos ainda não isolados.


PíGg&Q&tíCO<br />

— 72 —<br />

CAPITULO IV<br />

Em frente <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> intoxicação ophidiana, dizer o<br />

que elle será <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal complexo <strong>de</strong> circumstancias, que<br />

éextremamente diíficil e na maior parle das vezes impossível.<br />

Agente e vicíima, eis os dous factores principaes que,<br />

sendo variáveis ao infinito, fazem que a trajectoria <strong>de</strong> cada<br />

phenomeno, como o fiel <strong>de</strong> uma balança, accuse as mais<br />

insignificantes modalida<strong>de</strong>s com que se apresentem elles.<br />

Vamos pois tratar das circumstancias que po<strong>de</strong>m influir<br />

sobre o prognostico, oriundas da serpente e da victima.<br />

Digamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a mortalida<strong>de</strong> não é tão gran<strong>de</strong><br />

como pensam alguns, nem tão pequena como outros acreditam.<br />

Robin (1), abraçando a opinião <strong>de</strong> Fontana(2), acredita<br />

ser excepecionalissima a morte causada pela intoxicação ophidia,<br />

ao passo que para Encognère a proporção é <strong>de</strong> 20 a 25 por<br />

100° dos mortos em relação aos feridos. Para Bilroth e<br />

V Grand-Marais(3) é <strong>de</strong> 3 a 4 por 100° E'esta ultima proporção<br />

que hoje é acceila pelos pathologistas europeus; entre<br />

nós acreditamos que ella seja essa mais ou menos.<br />

(1)—Bul. <strong>de</strong> VAcad. <strong>de</strong> med. <strong>de</strong> Paris. 1874 pag. 55?<br />

(2)—Traité sur te venin <strong>de</strong> Ia Vipere. 1782.<br />

(3)—Op. cit. et Ia lethalilé du venin <strong>de</strong> Ia Vipere in Assoc. f. pour Vavanctment<br />

<strong>de</strong>s sciences. Nantes 1875 pag. 1059.


— 73 —<br />

As condições inherentes ao ferido que po<strong>de</strong>m influir<br />

sobre o prognostico são as seguintes:<br />

I o .—Peso. Foi estabelecendo a relação entre as doses<br />

necessárias para matar um pombo, um gato, um cão etc,<br />

que Fontana concluio não conter, nunca, uma Vibora da Eu­<br />

ropa, peçonha suííiciente para, n'uma só mor<strong>de</strong>dura, causar<br />

a morte ao homem adulto. Como todas as <strong>de</strong>duções d'este<br />

gênero sem a base dos factos, isto é exagero como já fizemos<br />

notar e as outras muitas circumstancias, que vamos pas­<br />

sar em revista, que po<strong>de</strong>m aggravar o prognostico, dispensam-nos<br />

qualquer argumento. Entretanto não queremos<br />

dizer que soffra aqui excepção a gran<strong>de</strong> lei <strong>de</strong> Cl. Bernard e<br />

em egualda<strong>de</strong> das outras circumstancias, tanto mais resis­<br />

tência offerece o animal intoxicado quanto maior é o seu<br />

peso.<br />

2 o .—A parte ferida tem gran<strong>de</strong> importância por muitas<br />

razões: <strong>de</strong>segualda<strong>de</strong> na rapi<strong>de</strong>z da absorpção; maior ou<br />

menor penetração dos colchetes—os arranhamenlos pura­<br />

mente da pelle não têm senão ligeiros phenomenos locaes;<br />

a penetração no tecido subcutaneo, que é o caso commum,<br />

traz phenomenos locaes e geraes; em uma veia predominam<br />

estes últimos e a rapi<strong>de</strong>z da acção é extraordinária, assim<br />

como o caso torna-se geralmente muito sério ; em uma artéria<br />

po<strong>de</strong> até ser favorável ao prognostico, porque o pequeno<br />

escorrimento <strong>de</strong> sangue que então se faz, traz sempre a evacuação<br />

<strong>de</strong> alguma parte do agente tóxico; a situação das<br />

partes—a lingua apresenta glossite ce<strong>de</strong>matosa enorme, o<br />

pescoço tumefacrão, que po<strong>de</strong>m levar gran<strong>de</strong>s perturbações<br />

ao acto respiratório.<br />

3 o .—• As condições da região ferida, oíferecendo obstáculos<br />

10 1888—B


— 74 —<br />

á penetração dos colchetes (rigeza da parte, calçados etc.)<br />

ou ao veneno (vestimentas facilmente impregnaveis etc.) têm<br />

importância.<br />

4 o .—A espécie do animal. Alguns animaes são mais sensí­<br />

veis do que outros. Os <strong>de</strong> sangue frio resistem muito, razão<br />

por que as serpentes passam por não soffrer o menor<br />

acci<strong>de</strong>nle se fôr picada por outra serpente, na opinião <strong>de</strong><br />

alguns como Fontana e Guyon(l). Muitos experimentadores,<br />

entre outros Cl. Bernard (2) e entre nós o Dr Lacerda mostram<br />

cabalmente a pouca razão d'esse modo <strong>de</strong> vêr Coutance (3)<br />

acceita o facto para espécies diíferentes, mas põe em duvida<br />

que, exemplificando, uma jararaca seja sensível á mor<strong>de</strong>dura<br />

<strong>de</strong> uma jararaca, opinião que elle não motiva e on<strong>de</strong><br />

não vemos razão <strong>de</strong> ser Será <strong>de</strong>vido este facto á baixa temperatura<br />

ou á circulação vagarosa e pequena d'esses animaes?<br />

« Se collocarmos um animal <strong>de</strong> sangue frio em uma<br />

estufa, diz V Grand-Marais, veremos a intoxicação se fazer<br />

n'elle como n'um animal <strong>de</strong> sangue quente. * Não sabemos se é<br />

simples conjectura ou facto experimentado Em todo o caso<br />

acreditamos mais que o motivo resida não na temperatura<br />

propriamente, mas na circulação e que n'aquellas circumstancias,<br />

esta se accelerando, traga como resultado maior e<br />

mais rápida absorpção <strong>de</strong> veneno, porque a contra-prova nos<br />

é fornecida pelo Dr Lacerda que resfriando o membro <strong>de</strong><br />

um animal a 13° e injectando o veneno, a intoxicação fez-se<br />

como se quasi nada houvesse<br />

ii) Guyon.—Le venin <strong>de</strong>s serpents cxeree-t-il sur en.r mame* Idclion gn'il<br />

c.verce sur" les autres animaux ' Compt. /• 1861, pag. 12.<br />

2—Cl. Bernard—Substances loxiqucs et médica atenienses Paris 1857 pa


— 75 —<br />

Entre os animaes <strong>de</strong> sangue quente, o porco, pela dureza<br />

da pelle, gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> tecido adipososubcutaneo que,<br />

tornam muito difficil ou muito <strong>de</strong>morada a inlroducção do<br />

veneno á circulação geral, estão quasi sempre isentos <strong>de</strong> perigo,<br />

fazendo mesmo que elles sejam um dos peiores inimigos<br />

das serpentes e em certas localida<strong>de</strong>s o seu maior <strong>de</strong>struidor;<br />

quasi sempre, dissemos, porque elles não são immunes totalmente<br />

fallando ; sendo mordidos em certas regiões, como<br />

os beiços, on<strong>de</strong> a absorpção seja fácil, soffrem como qualquer<br />

outro animal O gato soffre muito, porém raramente morre-<br />

O boi não é dos mais sensíveis; o cão e o cavallo o são<br />

bastante.<br />

O homem é um dos mais fracos porque, além <strong>de</strong> outras<br />

circumstancias, a que se segue é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta.<br />

5 o Impressionabilida<strong>de</strong>.—Já fizemos vêr qual a influencia<br />

que ella tem e não repetiremos ; dizendo todavia que sob<br />

este ponto <strong>de</strong> vista o homem está em peiores condições do<br />

que o animal irracional.<br />

6 o . Ida<strong>de</strong>.—As crianças, mesmo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />

peso, são menos resistentes do que os adultos; da mesma<br />

maneira os velhos.<br />

7°.—A fraqueza, o estado valetudinario, todas as causas<br />

emfim que collocam o organismo em difticulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar<br />

reacção efficaz aos agentes mórbidos que o acommet-<br />

tem, tornam mais sério o prognostico da intoxicação ophita.<br />

8 o .—O facto <strong>de</strong> uma intoxicação anterior, longe <strong>de</strong> ame.<br />

nisar as conseqüências da actua], como acredita o povo, é <strong>de</strong><br />

máo presagio, maximè se aquella é <strong>de</strong> data recente ou se<br />

occasionou no indivíduo a cachexia, o estado valetudinario<br />

<strong>de</strong> que tratámos nos dous primeiros capítulos d'e c -fa segunda


— 76 —<br />

parle- Os pretendidos curados <strong>de</strong> cobra só existem na imaginação<br />

exaltada do povo. propensa a tudo quanto é cio domínio<br />

do maravilhoso incognoscivel. Tal convicção nossa é o corol.<br />

lario forçado do que pensamos e dissemos da theoria <strong>de</strong><br />

Halford (segundo capitulo da primeira parte), da pharmacodynamica<br />

da peçonha ophidia (terceiro capitulo d'esta segunda<br />

parte) e finalmente do que em breve vamos dizer sobre<br />

a questão da relação que existe entre a dose <strong>de</strong> veneno inje-<br />

ctado e os phenomenos mórbidos apresentados pela victima.<br />

9 o .—O estado do estômago e das funcções digestivas,<br />

comprehen<strong>de</strong>-se, tem influencia, porque, como já vimos, o<br />

apparelho digestivo é uma das boas vias <strong>de</strong> eliminação da<br />

peçonha. Com o estômago cheio o animal se acha em muito<br />

peiores condições do que em jejum e para aquelles que facilmente<br />

vomitam é esta uma circumstancia bem favorável<br />

10.—Crises physiologicas. A época dos calamenios, a prenhez,se<br />

bem quecircuinstancias <strong>de</strong>sfavoráveis, não são entretanto<br />

causas para produzir a morte, e nem e suspensão brusca<br />

dos calamenios, nem o aborto, são conseqüências forçadas, po<strong>de</strong>ndo<br />

entretanto se dar; mas então geralmente ha a intervenção<br />

do gran<strong>de</strong> faetor —abalo nervoso causado pelo terror<br />

11.—Immunida<strong>de</strong> original. Os pshyllas (espécies <strong>de</strong> ba~<br />

teleiros da índia que têm sempre em seu po<strong>de</strong>r serpentes<br />

vivas) dizem-se fora <strong>de</strong> perigo porque em suas veias corre o<br />

mesmo sangue das serpentes ; os marsas (povo da antiga<br />

Lamnium que era uma região da Itália, a E. do Latium), diziam-se<br />

parentes <strong>de</strong> S. Paulo e este o motivo <strong>de</strong> sua pretendida<br />

immunida<strong>de</strong>. Será preciso dizer que tudo isto não passa<br />

<strong>de</strong> ciendices <strong>de</strong> ignorância, verda<strong>de</strong>iros embustes ao critério<br />

alheio, feit pelos interessados em possuir tal immunida<strong>de</strong> ?


— 77 —<br />

On<strong>de</strong> se tem procurado verificar o facto, a mystificação se<br />

patenlêa. E' assim que, entre nós o Dr. Lacei da vio um africano<br />

feiticeiro que fazia-se mor<strong>de</strong>r por serpentes venenosas<br />

sem ter com isto o menor acci<strong>de</strong>nte ; o Dr Eduardo Guimarães<br />

obtendo a muito custo uma d'essas serpentes, viu que<br />

lhe tinham sido perifamente arrancados os <strong>de</strong>ntes inoculadores<br />

E' mesmo este o segredo dos encantadores <strong>de</strong> serpentes<br />

da índia segundo nos attesla Rousselet que assislio a<br />

um sapwallah chamar o réptil ao som do toumril, pren<br />

<strong>de</strong>l-o com precauções <strong>de</strong>xtras e amestradas, e arrancar-lhe os<br />

colchetes immediatamente; é ainda o que viu Huilet com um<br />

velho forçado indiano, antigo sapwallah celebre, que consentira<br />

em mostrar-lhe praticamente o segredo <strong>de</strong> sua magia<br />

em uma cobra-capello posta á disposição (l).<br />

E não ser mordido pela serpente não quer dizer que o<br />

veneno seja sem acção uma vez inoeulado Tudo pois está no<br />

acto da apprehensão do animal. Dextreza ou fascinação real<br />

da serpente, eis a primeira condição a atten<strong>de</strong>r, arrancar os<br />

<strong>de</strong>ntes inoculadores immediatamente, eis a segunda. Fasci"<br />

nação, dissemos, porque não é só a espécie humana que<br />

é susceptível do hypnolismo, mas sim outra qualquer espécie<br />

animal. Não entro na questão <strong>de</strong> discernir o hypnotismo na<br />

espécie humana do magnetismo particular aos animaes. O<br />

caso é que ninguém ignora que ha animaes que são muito<br />

susceptiveis <strong>de</strong> fascinação • (2)<br />

Para nós,pois,aimmunida<strong>de</strong>original comoacomprehen<strong>de</strong>m<br />

algunsescriptores, não existe para a peçonha dos ophidios.<br />

di—Contance—op. cit. — paçr? 206 e 209.<br />

I — Dr. F Fajardo—O hj,pnotí,wxj. Fn <strong>de</strong> Janeiro ) ^ p?c 117—(HvpnDtw<br />

cão <strong>de</strong> animaes


— 78 —<br />

Resumindo, as condições inherentes ao ferido capazes<br />

<strong>de</strong> influir sobre o prognostico, po<strong>de</strong>m ser reduzidas<br />

ás seguintes : I o ,— maior uu menor absorpção (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da parte ferida, maior ou menor protecção em<br />

que está etc ); 2 o ,— resistência oferecida pela econo­<br />

mia á acção do veneno (conforme o peso do ferido, ida<strong>de</strong>,<br />

estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, impressionabilida<strong>de</strong> etc); 3 o ,—estado das<br />

funcções elxminadoras (sobre que influem o estado do tubo<br />

gastro-intestinal, as crises physiologicas etc).<br />

As condições próprias ao réptil são as seguintes:<br />

1 o .—Espécie. Se um Naja possue em suas glândulas<br />

1 er ' 50 <strong>de</strong> peçonha, uma Vibora 0 gr - 15, a gravida<strong>de</strong><br />

da ferida produzida pela primeira é muito maior do que a produzida<br />

pela segunda E' uma explicação do que a observação<br />

mostra e que salta ao espirito. Quanto á hypothese <strong>de</strong> maior<br />

concentração do veneno, isto é, mais principios activos em<br />

menos vehiculo, seria possivel mas não ê provado, ao con­<br />

trario tudo induz a crer na homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua proporção<br />

posologica em relação ao vehiculo nas diversas espécies <strong>de</strong><br />

serpentes<br />

2 o .—A ida<strong>de</strong> e o tamanho, pela mesma razão, <strong>de</strong>vem ser<br />

consi<strong>de</strong>radas, porque é claro que um surucucu <strong>de</strong> 3 mezes<br />

tem muito menos peçonha do que um <strong>de</strong> 3 annos.<br />

3.°—A força, fazendo variaj- a profundida<strong>de</strong> da ferida; a<br />

duração da mor<strong>de</strong>dura, isto é, o tempo que os colchetes estão<br />

em contado com os tecidos da victima; o estado <strong>de</strong> excitação<br />

do réptil, são circumstancias cuja influencia não nos<br />

é preciso <strong>de</strong>monstrar<br />

4\—0 numero <strong>de</strong> picadas. Em cada uma que se faz,


— 79 —<br />

nova quantida<strong>de</strong>, se bem que menor sendo o mesmo réptil, é<br />

injectada.<br />

5 o .—A <strong>de</strong>speza recente, pelo que acabamos <strong>de</strong> dizer,<br />

atenua o prognostico : em diversos animaes mordidos pela<br />

mesma serpente e na mesma occasião, o prognostico vae se<br />

atenuando sensivelmente do primeiro para o ultimo que, se<br />

teve muitos intermediários, nada soffrerá<br />

6 o —Certas condições <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>, fazendo que os ophidios<br />

possam viver occultos, em perfeita paz, portanto ser<br />

mais numerosos e mais fortes, torna-os mas temiveis. E' a<br />

razão que V Grand-Marais attribue á gravida<strong>de</strong> e ao gran<strong>de</strong><br />

numero dos acci<strong>de</strong>ntes causados pela Vibora na Vandéa, on<strong>de</strong><br />

em geral vivem occultas em uma sarça muito <strong>de</strong>nsa<br />

Do que acabamos <strong>de</strong> dizer, vê-se que em relação ao réptil,<br />

tudo resume-se na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peçonha injectada<br />

e absorvida: tanto maior é ella, tanto mais sério o prognostico.<br />

Além d'estas condições peculiares a cada um—réptil e<br />

ferido, ha a circumstancia commum do clima. Nos climas<br />

quentes não só os ophidios venenosos existem em muito<br />

maior numero, como também as feridas por elles feitas re­<br />

vestem-se geralmente <strong>de</strong> mais gravida<strong>de</strong><br />

Ainda mais uma vez dizemos, e esta verda<strong>de</strong> não pe<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstração no nosso Brazil, as mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobras terminam<br />

pela cura na gran<strong>de</strong> maioria dos casos. Os doentes<br />

apresentam symptomas assustadores, tudo faz crer n uma<br />

próxima terminação fatal e noemtantotudo vae se amainando<br />

lenta ou rapidamente, succe<strong>de</strong>ndo perfeita saú<strong>de</strong> no fim <strong>de</strong><br />

poucos dias; por exemplo as hemorrhagias externas que<br />

tanto assustam ao homem do povo, os vômitos etc, só têm


— 80 —<br />

como resultado a mais rápida eliminação do veneno e portanto<br />

favorecem a cura.<br />

Tratámos aqui das condições que po<strong>de</strong>m influir sobre o<br />

prognostico, que po<strong>de</strong>ríamos chamar — preexistentes.<br />

Quanto á apreciação <strong>de</strong> tal ou tal symploma que pô<strong>de</strong><br />

aggravar este ou aquelle caso, já o fizemos nos capitulos prece<strong>de</strong>ntes<br />

e não <strong>de</strong>vemos repelir


Tratamento<br />

CAPITULO I<br />

Tr&t&Birato ospivico<br />

mCHRA PARTE<br />

Enumerar seccamente, sem <strong>de</strong>scripção, sem commentarios,<br />

já não dizemos tudo o que tem havido <strong>de</strong> empírico,<br />

mas somente o que tem tido certo renome entre os povos das<br />

diversas regiões do globo, como meio <strong>de</strong> tratamento infallivel<br />

contra as mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra, seria encher grosso volume<br />

<strong>de</strong> paginas <strong>de</strong> absoluta inutilida<strong>de</strong>. Absurdos alguns,<br />

irrisórios outros, taes são esses meios. Fallemos, pois, somente<br />

do que é empregado entre nós.<br />

Ha sempre nas pequenas localida<strong>de</strong>s do interior <strong>de</strong> nossas<br />

províncias um caboclo astuto ou um africano boçal, <strong>de</strong><br />

ares reservados, pouco falladores, sempre mettidos comsigo,<br />

mo<strong>de</strong>stos mas muito entendidos em raizes do matto e<br />

sabedores <strong>de</strong> certas rezas, cujas reputações fizeram-se por<br />

muitas vezes haverem tirado, como por encanto, quebrantos e<br />

mrío olhado, por muitas curas extraordinárias <strong>de</strong> toda a<br />

espécie <strong>de</strong> moléstia incurável, On<strong>de</strong>, porém a mandinga faz<br />

11 1888-B


— 82 —<br />

prodígios é nas mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobras, tudo por meio <strong>de</strong> umas<br />

raizesque só elles conhecem, seguidas infallivelmente <strong>de</strong> uma<br />

dose <strong>de</strong> três Padre-nosso, Ires Ave-Maria elres Creio-em-Beus-<br />

Padre, rezadas três vezes sobre três cruzes traçadas sobre a<br />

ferida, terminando tudo por uma reza muito longa, feita em<br />

concentração intima, e na qual está todo o segredo do benzedor<br />

Na classe ignorante e mesmo em alguns homens cultos<br />

do interior do nosso paiz, estes sortilegios têm a<strong>de</strong>ptos, e não é<br />

para admirar, pois que a beatice cren<strong>de</strong>ira no Brazil vem tão<br />

<strong>de</strong> Cima.<br />

Estes meios burlescos são innumeros, quasi todos im­<br />

portados da África.<br />

Abrir uma gallinha ou qualquer animal, n'elle ainda<br />

quente introduzir a parte ferida por algum tempo; enterrar o<br />

membro ferido com o réptil morto e estendido sobre a terra<br />

que cobre a pequena cova até cessarem as dores ; friccionar a<br />

ferida com a cabeça da cobra, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esmagada é applicada<br />

em cataplasma na mesma ferida, pratica perigosa, porque<br />

pô<strong>de</strong> introduzir ainda mais veneno; pôr <strong>de</strong> maceração<br />

em aguar<strong>de</strong>nte, as visceras e principalmente o fígado da cobra,<br />

coar e ingerir o liquido ; torrar a cabeça da cobra e dal-a<br />

suspensa em álcool internamente;... estas e muitas outras praticas<br />

têm em cada localida<strong>de</strong> o seu domínio. Devêramos dizer<br />

tiveram, porque felizmente o secujo XIX tem conseguido fazer<br />

penetrar já os seus raios <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> até nós.<br />

Lançando vistas para o arsenal therapeuíico, não ficamos<br />

menos admirado da varieda<strong>de</strong>. Além dos que já apontámos<br />

(é bom recordar que só nos referimos ao Brazil), ha os<br />

seguintes :<br />

Óleos vegetaes e animaes—óleo <strong>de</strong> copahyba (Copahyfera


— 83 —<br />

officinalis L.), <strong>de</strong> amêndoas (Amydalus dulcis) etc, gor­<br />

dura <strong>de</strong> lagarto, <strong>de</strong> ema, etc. Diversos vegetaes—herva <strong>de</strong><br />

lagarto (Casearea Cambesse<strong>de</strong>sii Eich), mil homens (Aristolochia<br />

antihysterica Mart.), jarrinha (Aristolochia brasi-<br />

liensis Mart.), cainca (Chicorcea racemosa R. P.), mostarda,<br />

alho, essências diversas, guaco (Mikania guaco Humb.-<br />

Bompl.) sobre o qual ainda voltaremos, tabaco, herva<br />

botão, etc.<br />

Esta serie enorme <strong>de</strong> medicamentos cad i qual mais irafallivel,<br />

não precisa ser estudada por nós, porque já o foi<br />

por outros e basta que digamos—<strong>de</strong> nada vale. Alguns são<br />

perigosos, como o fumo em vista da nicotina, e o Dr. Lacerda<br />

diz que conhece um caso authentico <strong>de</strong> envenenamento por<br />

esse meio <strong>de</strong> tratamento. Costumam esmagar um pouco <strong>de</strong><br />

fumo preparado em aguar<strong>de</strong>nte, coar e beber o liquido escuro<br />

que resulta. Felizmente o meio mais seguido é este: o<br />

indivíduo, se está só e a região o permitte, suga a ferida <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ter mascado um pouco <strong>de</strong> fumo <strong>de</strong> seu uso, applicando<br />

em seguida sobre a parte esse fumo assim impregnado <strong>de</strong><br />

saliva. Se ha outra pessoa ella faz a operação.<br />

A herva botão (Mikania opifera ?) gosa especialmente <strong>de</strong><br />

extraordinária reputação entre os fazen<strong>de</strong>iros das províncias<br />

<strong>de</strong> Minas-Geraes e Rio. O Dr. Francisco Silveira, distindo clinico<br />

actualmente na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Passos, nos referiu que um<br />

collega da província do Rio pretendia apresentar uma estatística<br />

admirável <strong>de</strong> curas por este meio- Infelizmente não<br />

nos foi dado conhecer esses trabalhos. Limitamo-nos, pois, a<br />

registrar o facto. Os caules (parte mais rica em sueco) e as<br />

folhas da planta fresca, são applicados sobre a ferida, e<br />

o sueco retirado administrado internamente na dose <strong>de</strong>


— 84 —<br />

uma colher <strong>de</strong> chá em muita aguar<strong>de</strong>nte. Ignoramos a<br />

acção physiologica d'esta planta ; parece que é muilo diuretica.<br />

Sabemos, porém, que é tóxica acima d'aquella<br />

dose<br />

Do reino mineral também têm sido tirados muitos<br />

medicamentos.<br />

O mercúrio doce, protochlorureto impuro {mercúrio <strong>de</strong><br />

bicheira, como chamam), em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte<br />

é administrado internamente. Verda<strong>de</strong>ira intoxicação<br />

mercurial ou acção purgativa em <strong>de</strong>masia, taes são os inconvenientes<br />

d'este tratamento. A ammonea intus ei extra, o nitrato<br />

<strong>de</strong> prata e muitos outros são empregados no interior do<br />

Brazil.<br />

Muito <strong>de</strong> propósito não mencionámos os medicamentos<br />

que com egual/ama são usados nos outros paizes.<br />

Note-se uma particularida<strong>de</strong> notável: tanto entre nós<br />

como no estrangeiro, os medicamentos locaes são mais ou<br />

menos cáusticos, os internos mais ou menos sudorificos, diureticos<br />

ou purgativos, figurando sempre o álcool como elemento<br />

indispensável; por este lado fica, em parte, explicado<br />

haver tantos medicamentos infalliveis entre o povo, quando os<br />

médicos não conhecem um só.<br />

Porém as praticas absurdas? Os gran<strong>de</strong>s créditos que<br />

encontram no povo taes processos <strong>de</strong> tratamento empírico das<br />

mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra (benzeduras etc), têm para nós duas razões<br />

<strong>de</strong> ser: primeiro, terminação, geralmente pela cura da<br />

intoxicação ophidica; segundo, influencia benéfica real exercida<br />

pela suggestão, attenta a fé com que os individuos se<br />

submettem Não sabemos que o veneno actua principalmente<br />

sobre o sangue e o systema nervoso? Não vimos que Blot fez


— 85 —<br />

mesmo da impressionabilida<strong>de</strong> moral o factor principal ou<br />

único, dos phenomenos alarmantes <strong>de</strong> origem nervosa do<br />

primeiro período <strong>de</strong> intoxicação? No estado actual da sciencia<br />

ninguém pô<strong>de</strong> negar, em taes casos, a influencia da suggestão,<br />

como prova a escola <strong>de</strong> Nancy pelo seu maior representante,<br />

o professor Bernheim


Tr&tamnto especilc®<br />

— 86 —<br />

CAPITULO II<br />

§ I.—O que seja um antídoto um especifico.<br />

Para que as conclusões finaes d'esle capitulo sejam comprehendidas<br />

e não se prestem a interpretações <strong>de</strong> subterfúgio,<br />

faz-se mister que digamos com clareza quaes as signi­<br />

ficações que em nosso enten<strong>de</strong>r têm as palavras — antidoto,<br />

antagonista, especifico, etc.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos antidoto toda a substancia que em contado<br />

com um veneno altera-o, tornando-o incapaz <strong>de</strong> produ­<br />

zir effeitos tóxicos. Acção puramente chimica.<br />

Se estas duas substancias, veneno e antidoto, forem antecipadamente<br />

addicionadas uma á outra nas proporções convenientes,<br />

é obvio não dar-se envenenamento, porque em<br />

linguagem chimica rigorosa já não está ahi o primitivo corpo<br />

tóxico, embora a alteração tenha sido <strong>de</strong> simples passagem ao<br />

estado insoluvel. Quando o veneno porém já penetrou isolado<br />

no organismo, ainda o antidoto pô<strong>de</strong> impedir sua acção nos<br />

seguintes casos :Estando no tubo gastro-intestinal e ainda não<br />

absorvido ; em certas mucosas (vagina etc.) e também não<br />

absorvido; sob a pelle e nas mesmas condições, o que é já<br />

diflicil, visto a rapi<strong>de</strong>z com que as substancias passam<br />

por essa via á circulação geral, e estando um veneno<br />

no sangue elle vai ter immediatamente aos elementos <strong>de</strong><br />

elecção não <strong>de</strong>ixando ao antidoto (mesmo injectado no


— 87 —<br />

sangue) attingil-o a tempo <strong>de</strong> aniquilação. No estado actual<br />

dasciencia, param aqui todos os benefícios dos antídotos, na<br />

opinião da generalida<strong>de</strong> dos tóxicologistas.<br />

Por nossa parte não julgamos que o atrazo medico<br />

auctorise<strong>de</strong> modo algum a aífirmar que quando uma substancia<br />

acha-se em circulação não possa mais soffrer acção chimica<br />

<strong>de</strong> um agente qualquer (o antidoto) favorável ao orga­<br />

nismo. E se os toxicologistas dizem que quando o veneno já foi<br />

absorvido o medico só <strong>de</strong>ve pensar em eliminal-o e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

parte os antídotos, é porque ainda não conhecemos esses que<br />

então po<strong>de</strong>riam constituir os verda<strong>de</strong>iros antídotos dyna-<br />

micos, isto é, que procurariam as substancias on<strong>de</strong> ellas se<br />

achassem para <strong>de</strong>slruil-as.<br />

Objecções praticas muito sérias, á primeira vista mesmo<br />

insuperáveis, se apresentam contra estas vistas theoricas.<br />

Ellas porém não reduzem a utopia as nossas idéas que, estamos<br />

certo, constituirão, não longe, fados innegaveis <strong>de</strong><br />

conhecimento vulgar<br />

A primeira objecção é a rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> acção uma vez penetrado<br />

o veneno no sangue; ma 4 se temos tempo <strong>de</strong> eliminal-o,<br />

porque não po<strong>de</strong>remos pensar em <strong>de</strong>struil-o ? E essa<br />

eliminação não será muitas vezes uma acção chimica para nós<br />

ainda <strong>de</strong>sapercebida ? Não estão ahi, para não argumentarmos<br />

senão com factosconhecidos, as intoxicações plumbicae mer-<br />

curial em que Melsens mostrou que o iodureto <strong>de</strong> potássio<br />

ia tornar solúveis os compostos insoluveis que aquelles corpos<br />

haviam formado nos tecidos e no sangue, facilitando-lhes<br />

assim a eliminação?<br />

A segunda objecção é que, uma vez absorvidos, os vene­<br />

nos soffrem alterações chimicas importantes, que n'isto


— 88 —<br />

mesmo consiste muitas vezes sua acção, isto é, esses venenos<br />

formam, nos líquidos do organismo, combinações das quaes<br />

resulta toda a perturbação funccional. Seriam, permittam-nos<br />

as expressões para tornarmos mais claro o nosso pensamento,<br />

seriam venenos chimicos, em opposição aos venenos physiologicos.<br />

Entre aquelles estariam collocados, por exemplo, o nitrato<br />

<strong>de</strong> prata que tanto localmente,como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> absorvido,<br />

fôrma albuminatos insoluveis, os venenos hematicos em geral<br />

etc; entre estes figurariam, a pilocarpina excitando as glândulas<br />

do suor, estreitando a pupilla, a generalida<strong>de</strong> dos venenos<br />

nevroticos etc.<br />

Ou, objectar-nos-hão ainda, é preciso que o antidoto,<br />

absorvendo-se ou penetrando no sangue, não soffra por sua<br />

vez alterações capazes <strong>de</strong> aniquilar n'elle o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agir<br />

chimicamente <strong>de</strong>struindo o po<strong>de</strong>r tóxico do veneno.<br />

Estas duas objecções eqüivalem a negar a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>, dado embora o encontro a tempo, haver no sangue uma<br />

acção chimica útil á vida, funesta ao progredir da intoxicação.<br />

Mas as inhalações <strong>de</strong> oxygeneo nos casos <strong>de</strong> intoxicação<br />

pelos gazes ácido sulphydrico e sulphydrato <strong>de</strong> ammonea,<br />

pó<strong>de</strong>-se dizer mesmo o gaz carbônico, corroboram a nossa<br />

opinião. Se nós obtemos a reacção, no sangue, da amygdalina<br />

sobre a emulsina (corpos completamente innocuos isoladamente)<br />

produzindo ácido prussico, embora ellas ahi tenham<br />

attingido por vias differentes, porque ser impossível a<br />

reaçcão <strong>de</strong> um antidoto A sobre um veneno B, cujo resultado<br />

será o aniquilamento da activida<strong>de</strong> tóxica d'este, pois<br />

que era ambos os casos temos phenomenos chimicos submettidos<br />

ás mesmas leis geraes <strong>de</strong> alomicida<strong>de</strong> ?<br />

Tempo virá, talvez próximo, em que a Toxicologia obtenha


— 89 —<br />

d'estes triumphos esplendidos ; acreditamos mesmo que se<br />

esta, idéa da possibilida<strong>de</strong> da transformação benéfica dos<br />

venenos já mesmo absorvidos, presidissem ás experimentações<br />

toxicologicas, as tentativas que n'este sentido seriam mais<br />

reiteradas, estariam talvez hoje, pelo menos algumas, coroadas<br />

<strong>de</strong> êxito. Por esse tempo, a divisão dos antídotos será feita em<br />

estáticos e dynamicos. As condições principaes d'estes últi­<br />

mos são que elles sejam <strong>de</strong> absorpção rápida e que, absorvendo-se,<br />

cheguem em estado <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r actuar chimicamente<br />

sobre os venenos <strong>de</strong> predilecção <strong>de</strong> cada um.<br />

A significação da palavra antagonismo é fácil <strong>de</strong> ser comprehendida.<br />

Antagonista é a substancia que, actuando sobre os<br />

mesmos elementos orgânicos que uma outra, produz effeitos<br />

oppostos. Uma substancia actuando sobre o nervo motor<br />

ocular commum excitando-o, istoé, estreitando a pupilla, como<br />

é o caso da pilocarpina, é antagonista <strong>de</strong> uma outra que,<br />

actuando sobre o mesmo nervo, paralyse-o, isto é, dilate a<br />

pupilla, como é o caso da atropina.<br />

Mas isto não quer dizer que toda a substancia que es­<br />

treite a pupilla seja antagonista da que a dilate, pois que o<br />

estreitar <strong>de</strong> uma pô<strong>de</strong> ser o effeito da paralysação dos filetes<br />

sympathicos que vão ter ás fibras radiadas da íris, e o dilatar<br />

<strong>de</strong> outra a excitação do oculo-motor (fibras circularesj. Os<br />

effeitos visiveis são oppostos, mas não por uma acção sobre os<br />

mesmos elementos. E' o caso, por exemplo, do curare, que<br />

traz paralysias actuando sobre o systema nervoso peripherico<br />

e a strychnina que produz contracturas e convulsões actuando<br />

sobre o systema central. O antagonismo, pois, n'estes casos, é<br />

simplesmente apparente, <strong>de</strong>nominação que não <strong>de</strong>ve ser sub­<br />

stituída pela <strong>de</strong> physiologico, como encontramos em alguns<br />

li 1888—B


— 90 —<br />

auctores porque a significação consagrada ao termo antago­<br />

nista já traz comsigo a noção <strong>de</strong> effeito physiologico. Se<br />

quizessemos, no exemplo citado, combater um envenena­<br />

mento pela strychnina adminislrandp curare, morreria o<br />

nosso doente pelas duas substancias, portanto muito mais rapidamente.<br />

Não conhecemos nenhum antagonista completo, que<br />

seria o que percorresse todos os mesmos elementos que uma<br />

outra substancia, com effeitos oppostos. A atropina e a mor-<br />

phina : aquella paralysa os pneumogastricos, esta excita-os;<br />

aquella excita o centro respiratório, esta paralysa-o ; são,<br />

pois, quanto a estas proprieda<strong>de</strong>s, antagonislãs. Mas ambas<br />

estas substancias excitam e paralysam os nervos sensitivos,<br />

os centros vaso-molores ; portanto não ha aqui antagonismo,<br />

ao contrario, ha synergia <strong>de</strong> acção Mas isto não quer dizer<br />

que a sciencia não possa <strong>de</strong>scobrir um antagonista completo.<br />

Para nós, pois, as únicas expressões admissíveis são estas:<br />

antagonista completo e incompleto ou parcial, real e falso ou<br />

apparente, nunca porém, physiologico.<br />

Finalmente sobre a significação da palavra especifico, diremos<br />

que, da mesma maneira que as expressões antidoto dynamico<br />

e antagonista completo, ella, se bem que não constitua<br />

um i<strong>de</strong>al irrealisavel em Toxicologia, não pô<strong>de</strong>, no estado<br />

aclual, ser verda<strong>de</strong>iramente applicavel a nenhum corpo. Pensamos<br />

que especifico, em Toxicologia, <strong>de</strong>ve ser comprehendido<br />

o medicamento que, introduzido n ; um organismo intoxicado<br />

por certo veneno, paralyse ou impeça immediatamente<br />

toda a acção tóxica cfesse veneno, quer este tenha ou<br />

não, sido absorvido. Questão toda relativa e não queremos di­<br />

zer que o especifico salve infallivelmente ávida do intoxicado;


— 91 —<br />

não, o veneno pô<strong>de</strong> ter produzido <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, o especi­<br />

fico vir e não consentir que essas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns sejam maiores,<br />

mas as que já existiam eram incompatíveis com a vida; ape-<br />

zar <strong>de</strong> já não existir, por assim dizer, acção tóxica, a morte<br />

é o resultado. A não ser assim ou não ha especifico ou ha<br />

muitíssimos.<br />

Ou não ha, nem haverá, porque um medicamento não<br />

po<strong>de</strong> operar milagres<br />

Ou ha muitíssimos, porque, exemplificando, a magnesia<br />

seria especifico dos compostos arsenicaes consi<strong>de</strong>rada corno<br />

antídoto estático somente ; o iodureto <strong>de</strong> potássio, dos saes <strong>de</strong><br />

mercúrio como antidoto dynamico somente; a morphina,<br />

da atropina quanto á acção scbre os pneumogastricos e o<br />

centro respiratório somente, <strong>de</strong> maneira a confundirem-se<br />

os termos — especifico e medicamento<br />

A conclusão que tiramos das consi<strong>de</strong>rações feitas; é que<br />

um especifico só pô<strong>de</strong> ser tirado entre os antídotos dynamicos e<br />

entre os anlagonistas, aquelles mais applicaveis aos venenos<br />

chimicos, estes aos physiologicos<br />

De tudo quanto dissemos, vemos que um organismo<br />

sob a acção <strong>de</strong> agente tóxico, pô<strong>de</strong> ser beneficamente in­<br />

fluenciado pelos seguintes meios:<br />

I o Agentes physicos—calor, electricida<strong>de</strong>, sucções, la­<br />

vagens, absorventes, sondas gástricas etc.<br />

2 o Agentes chimicos—antídotos estáticos e dynamicos.<br />

3 o Agentes biológicos—antagonistas e evacuantes ou<br />

eliminadores ou melhor ainda auxiliares da natureza (vomitivos,<br />

purgalivos, sudorificos, diureticos etc)-<br />

Tornada assim bem clara a nossa maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

essas expressães todas, será nossa opinião comprehendida a


— 92 —<br />

propósito <strong>de</strong> cada medicamento preconisado contra a intoxicação<br />

ophidiana.<br />

§ II.—Medicamentos proclamados específicos<br />

Ammonea.—Parece ter sido J. Mead o primeiro que<br />

aconselhou o uso dos ammoniacaes nos acci<strong>de</strong>ntes que estudamos,<br />

provavelmente por serem já <strong>de</strong> uso popular, em seu<br />

livro intitulado — A mechanical accounl of poisons— London,<br />

1702 Mais tar<strong>de</strong> (1747) Bernard <strong>de</strong> Jussieu fazia a apologia<br />

da água <strong>de</strong> Luce, que é um álcool ammoniacal succinado.<br />

E os ammoniacaes tiveram gran<strong>de</strong> voga.<br />

Fontana (1782) emprehen<strong>de</strong>u experiências numerosas,<br />

chegando á conclusão indiscutível <strong>de</strong> que a ammonea e seus<br />

<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> nada valiam. No emtanto, algum tempo <strong>de</strong>pois,<br />

Volisnieri tornava publico, pelos jornaes italianos, um facto<br />

<strong>de</strong> cura em que a ammonea parecia ter lido influencia extraordinária;<br />

logo e:n seguida outros casos appareceram do<br />

mesmo jaez. Fontana, impressionado, voltou ás experiências<br />

dizendo por fim no seu — Opusculi scientifici que, mais do que<br />

nunca, se firmara em seu espirito a nullida<strong>de</strong>do papel representado<br />

pela ammonea nos casos <strong>de</strong> intoxicação ophidiana.<br />

Diversos insuccessos clinicos referidos em vários jornaes,<br />

entre outros, — dous <strong>de</strong> Paulet, um <strong>de</strong> Gerdy, fizeram que <strong>de</strong><br />

novo os ammoniacaes cahissem em completo <strong>de</strong>scrédito e<br />

esquecimento até 1869<br />

N'aquelle anno, porém, Halford publica nos jornaes australianos<br />

o resultado <strong>de</strong> quatro experiências em animaes e<br />

oito observações no homem, havendo apenas um caso <strong>de</strong>


— 93 —<br />

morte, attribuindo todas essas curas ás injecções intravenosas<br />

<strong>de</strong> ammonea que haviam sido feitas Pela certeza que temos<br />

<strong>de</strong> saber toda a gente, que tem lido um pouco, até on<strong>de</strong> pô<strong>de</strong><br />

ir o tresvairar <strong>de</strong> espíritos eminentes embora, mas dominados<br />

por uma idéa fixa, excusamo-nos remexer a archeologia<br />

medica, trazendo o trabalho <strong>de</strong> Halford á critica imparcial;<br />

e nem o tempo e nem o espaço, permittir-nos-hiam. Apezar<br />

d'isso elle provocou certo agitar do mundo medico eque esta<br />

importância lhe seja dada : d'essa agitação resultou o <strong>de</strong>finitivo<br />

<strong>de</strong>scrédito do alcali volátil como especifico<br />

Foi assim que, transcripto esse trabalho no Times, noti­<br />

ciado na Gazette hebdomadaire, teve quatro das observações<br />

traduzidas por extenso na these <strong>de</strong> La<strong>de</strong>vi-Roche — Histoire<br />

<strong>de</strong>s injections dans les veines <strong>de</strong>puisleur <strong>de</strong>couvertejusqu à nos<br />

jours (1870).<br />

Inspirando-se na leitura da these <strong>de</strong> La<strong>de</strong>vi-Roche, Oré<br />

tenta reviver em França a pratica das injecções intravenosas ;<br />

tendo conseguido adormecer um doente por injecção intravenosa<br />

<strong>de</strong>chloroformio, fez, logo <strong>de</strong>pois, injecção intravenosa<br />

<strong>de</strong> ammonea em um caso que se lhe apresenlou <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>dura<br />

<strong>de</strong> vibora e o doente curou-se. Estes fados communicados á<br />

Aca<strong>de</strong>mia Franceza, levantam discussão viva sobre os perigos<br />

e utilida<strong>de</strong>s das injecçõea medicamentosas nas veias<br />

Nomeia-se uma commissão para estudar a questão e ella é<br />

<strong>de</strong> parecer que se abandone tal via medicamentosa na clinica<br />

Por essa oceasião, Fevrier (<strong>de</strong> Monlenegro) manda communicação<br />

á Aca<strong>de</strong>mia Franceza <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> cura <strong>de</strong><br />

•t or<strong>de</strong>dura <strong>de</strong> serpente,por injecção intravenosa <strong>de</strong> ammonea<br />

e n esse dia, 23 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1874, a discussão parlicularisa a<br />

questão que estudamos, ^ó então tornam-se conhecidos em


— 94 —<br />

França os trabalhos <strong>de</strong> Fayrer, reunidos em seu livro — Tha-<br />

natophidia indica, publicado em 1872, ern que são completamente<br />

combatidas todas as conclusões <strong>de</strong> Halford. Nos Buli<br />

gen. <strong>de</strong> therap. <strong>de</strong> 1874—t. 86, pag. 559, encontra-se um<br />

resumo d'essa obra, assim como a traducção, por extenso, da<br />

<strong>de</strong> Halford no t. 87, pag. 258 do mesmo anno. D'essa me­<br />

morável discussão resultou o completo abandono da ammonea<br />

como indicação capital. Entre outros, Gautier fez experiências<br />

<strong>de</strong>cisivas.<br />

De facto, <strong>de</strong> então para cá, todos os experimentadores<br />

e clinicos,—particularmente Gautier, Richards, Grand-<br />

Marais, Urueta e Lacerda, têm chegado a se expressar n'este<br />

theor :<br />

1 ° A ammonea não é um antidoto estático do veneno<br />

ophidico,porque addicionada antecipadamente a elle e assim<br />

juntos injectados, a intoxicação se faz sem a menor alte­<br />

ração .<br />

2.° Injectado primeiro o veneno, <strong>de</strong>pois a ammonea<br />

ou vice-versa, lambem a intoxicação não se modifica ; portanto<br />

também não é um antidoto dynamico<br />

3.° A única vantagem d'esse medicamento é favorecer,<br />

muito indirectamente a eliminação do veneno, sendo, ainda<br />

aqui, inferior aos outros eliminadores.<br />

4." As injecções intravenosas <strong>de</strong> ammonea,nestes casos,<br />

são completamente inúteis e perigosas bastante.<br />

Guaco. —Foi exportada <strong>de</strong> Santa-Fé a gran<strong>de</strong> nomeada<br />

<strong>de</strong> que gozou o guaco {Mikania guaco Humb. e Bompl ).<br />

Fallando <strong>de</strong>ssa planta, dizia em 1798 o Sr. Zea ao Sr.Mutis:<br />

« Ninguém morre maisá mor<strong>de</strong>dura das cobras » Humboldt


— 95 —<br />

quiz vèr o que havia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ixou-se cahir também<br />

até certo ponto victima<strong>de</strong> santa-fê...<br />

Diz em seu relatório que o sueco da planta, applicado<br />

sobre incisões praticadas, uma em cada membro e duas no<br />

tronco, conferia completa immunida<strong>de</strong> fazendo mesmo que<br />

as cobras fugissem <strong>de</strong>sses individuos assim vaccinados. A<br />

alguns que contentavam-se em trazer comsigo as folhas <strong>de</strong><br />

guaco, o effeito era egual Contra a mor<strong>de</strong>dura, o sueco<br />

sobre a ferida e dado internamente em álcool, trazia cura imínediata.<br />

Humboldt viu uma Colluber corallinus recusar a<br />

mor<strong>de</strong>r a ponta <strong>de</strong> um bastão molhado em sueco do guaco.<br />

Gruyon, porém, apresentou um outro nas mesmas condições<br />

a uma vibora eella mor<strong>de</strong>u-o.<br />

Quem tem feito experiências e procurado obter o<br />

veneno pelo processo do algodão, sabe como é difficil, ás vezes,<br />

conseguir-se que as cobras mordam a pequena bola <strong>de</strong> algodão<br />

que se pren<strong>de</strong> á ponta <strong>de</strong> um estyllele qualquer, como<br />

nos aconteceu com uma jararacussú, da qual não pu<strong>de</strong>mos<br />

retirar nem uma golta <strong>de</strong> veneno e varia % jararacasque tivemos<br />

presas. Uma que hoje pegava bem no algodão, amanhan<br />

se recusava ou acontecia o contrario A's vezes acontece que<br />

muilo perseguidas, intimidam-se, não sendo possível absolutamente<br />

obter-se que mordam.<br />

E nós não per<strong>de</strong>remos tempo em.mostrar como Guyon,<br />

Urueta e outros provaram que as proprieda<strong>de</strong>s maravilhosas<br />

do guaco não passavam <strong>de</strong> phantasia, alimentada pela curabilida<strong>de</strong><br />

espontânea das intoxicações ophitas em geral, curas<br />

auxiliadas pelo emprego dos alcoólicos, diureticos, purgati-<br />

vos, sudorificos, etc, que lambem eram administrados aos<br />

doentes.


— 96 —<br />

A mesma sorte da ammonea e do guaco tiveram a<br />

Simaba cedron (J C. PI ) e a Picrolemna valdivia (G. PI.)<br />

don<strong>de</strong> se retiram a cedrina e a valdivina que Dujardin-Beaumetz<br />

(1) diz serem bastante tóxicas e serem diureticas.<br />

E é esta a historia <strong>de</strong> todos os infalliveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a anti­<br />

güida<strong>de</strong>, como o antidoto <strong>de</strong> Bibron, etc, etc.<br />

O chloral muito preconisado por um brazileiro, o Dr,<br />

Lisboa, não <strong>de</strong>u resultado nenhum ao Dr Lacerda que até<br />

servia-se <strong>de</strong>lle como bom vehiculo e conservador do veneno<br />

que <strong>de</strong>via servir para experiências.<br />

E' chegado o momento do permanganato <strong>de</strong> potássio<br />

que valeu ao Dr Lacerda um prêmio do Estado.<br />

Como o seu reinado, prestes a expirar, é ainda amparado<br />

por alguns clinicos brazileiros e certo favor popular sempre<br />

prompto a acceitar sem discutir o que se lhe diz, nos <strong>de</strong>moraremos<br />

mais um pouco no seu estudo, passando das consi<strong>de</strong>rações<br />

theoricas ás razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m experimental e clinica que<br />

nos fazem collocar esse medicamento, para o caso presente,<br />

como mero antidoto estático e mesmo assim inferior a<br />

outros<br />

§ III.—0 permanganato <strong>de</strong> potássio<br />

Raciocinemos um pouco sobre o valor que pô<strong>de</strong> ter o permanganato<br />

<strong>de</strong> potássio nas mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra, procurando<br />

nos servir sempre <strong>de</strong> palavras e experiências do Dr. Lacerda,<br />

que tanto lhe faz a apologia.<br />

(1) Dujardin-Beaumetz—Compt. r.—1881.


— 97 —<br />

Se administrado pela bocca, nenhum beneficio trará,<br />

porque logo ao chegar no estômago altera-se, resultando d'ahi<br />

um corpo insoluvel, que, portanto, não sendo absorvivel, não<br />

pô<strong>de</strong> ir atacar o veneno no sangue, diz o Dr Lacerda, no que<br />

todos estão <strong>de</strong>accordo. Mencionando, entretanto, um facto em<br />

que esse medicamento, além <strong>de</strong> injectado em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />

em diversos pontos do membro, fora também tomado<br />

internamente, o Dr. Lacerda, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> notar que esta ultima<br />

dose fora inútil, concluo que e o caso <strong>de</strong> dizer-se quod<br />

abundai non nocet. Pedimos licença para notar que em<br />

medicina racional e séria não tem applicação aquella phrase;<br />

em medicina tudo que é <strong>de</strong> mais ou <strong>de</strong> menos, faz mal.<br />

Pela via subcutanea, « se o permanganato <strong>de</strong> potássio e<br />

injectado a tempo <strong>de</strong> encontrar o veneno na ferida, este será<br />

modificado immediatamente e a sua acção ficará nulla. (I)<br />

Ninguém contesta o Dr. Lacerda neste ponto : todos são una­<br />

nimes em reconhecer que uma vez que o permanganato (não<br />

alterado) encontre o veneno, este é <strong>de</strong>sorganisado e per<strong>de</strong> toda<br />

a activida<strong>de</strong> tóxica.<br />

f Se porém, a injecção é praticada tardiamente, quando<br />

o veneno já se tem diffundido nos tecidos ou entrado na circulação<br />

geral, os seus offeitos antídotos não se po<strong>de</strong>m realizar<br />

ou pelo menos serão muito duvidosos. D'ahi a conveniência<br />

das applicações immediatas como garantia do successo. »<br />

(I<strong>de</strong>m pag. 37) Esta verda<strong>de</strong> é o corollario forçado do que<br />

disse o Dr Lacerda sobre a administração do permanganato<br />

pela bocca, isto é, da allerabilida<strong>de</strong> d'este ; porque, se o<br />

veneno já se diffundiu pelos tecidos, aquelle medicamento,<br />

(1) Lacerda. - O veneno ophidico e os seus antídotos—Rio, 1881, pag. 37.<br />

18 1888—B


— 98 —<br />

injectado <strong>de</strong>baixo da pelle, altera-se logo nesse ponto,não passando<br />

d'ahi nem por absorpção,nem porembebição ou diffusão<br />

(como directamente provou Vulpian, e entre nós o Dr. C-uly<br />

em trabalhos <strong>de</strong> collaboração com o Dr Lacerda), não po­<br />

<strong>de</strong>ndo portanto exercer acção chimica sobre o veneno que se<br />

achar n'um ponto próximo, mesmo que não absorvido, que<br />

ahi tenha chegado por simples embebição ou diffusão.<br />

On<strong>de</strong> não comprehen<strong>de</strong>mos o nosso illustre experimen-<br />

tador,é quando elle atlribue o <strong>de</strong>sapparecimento <strong>de</strong> symptomas<br />

geraes da intoxicação, ou melhor, as curas <strong>de</strong> casos em que<br />

houve phenomenos patentes <strong>de</strong> absorpção geral do veneno, a<br />

injecções hypo<strong>de</strong>rmicas <strong>de</strong> permanganato. Não comprehen<strong>de</strong>mos<br />

como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aflirmar que a garantia do successo está<br />

tia applicação immediata do permanganato, que quando a injecção<br />

é praticada tardiamente os sois effeitos antídotos não se<br />

po<strong>de</strong>m realizar; como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dizer que o permanganato<br />

allera-se logo que é injectado <strong>de</strong>baixo da pelle, e não se<br />

absorve; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> leconbecer estes fados indiscutíveis,<br />

venha nos apresentar casos <strong>de</strong> cura em que os individuos<br />

soffreram a absorpção do veneno, aítribuindo taes curas a<br />

injecções hypo<strong>de</strong>rmicas <strong>de</strong> permanganato !<br />

Não seria mais natural que o Dr Lacerda dissesse que o<br />

veneno se absorve lentamente e algumas vezes soffre como<br />

(pie um enkistamento e que, portanto, sobre essa parle não<br />

absorvida, po<strong>de</strong> acíuar o permanganato, sendo assim co-<br />

he rente com sigo mesmo ?<br />

Mas elle vai mais longe, e manda que, se as injecções hypo<strong>de</strong>rmicas<br />

não bastarem ou se o medico,chegando far<strong>de</strong>,en­<br />

contrar signaes <strong>de</strong> que o veneno já passou á torrente circulatória,<br />

façam-se injecções intravenosas. Vejamos qual seja o


— 99 —<br />

valor <strong>de</strong>sta pratica, servindo-nos ainda das suas idéas e expe­<br />

riências.<br />

E' baseado no facto da alteração do permanganato que<br />

elle explica a acção <strong>de</strong>ste sobre o veneno. Acredita, e neste<br />

ponto não ha divergência, que é o oxygeneo <strong>de</strong>sprendido do<br />

permanganato logo que esteja em contado com qualquer<br />

substancia orgânica (até mesmo as poeiras orgânicas da almosphera,<br />

don<strong>de</strong> o seu judicioso conselho <strong>de</strong> preparar a solução<br />

só no momento da applicação), oxygeneo que ataca o veneno<br />

aniquilando nelle todas as proprieda<strong>de</strong>s tóxicas Ora, não se<br />

compara a insignificancia <strong>de</strong>sse oxygeneo, mesmo nas maiores<br />

doses compativeis com a vida, com o que é introduzido<br />

no sangue pela respiração pulmonar, que no emtanto não<br />

basta, visto a acção rápida do veneno uma vez no sangue, e<br />

extrema diffusão em que fica; e sendo assim, era mais<br />

lógico fossem aconselhadas as inhalações <strong>de</strong> oxygeneo<br />

Mesmo que tal não fora o mechanismo da alteração<br />

(o que não pô<strong>de</strong> ser, porque se misturarmos veneno a permanganato<br />

já anteriormente alterado, isto é, já tendo <strong>de</strong>sprendido<br />

o seu oxygeneo, e injeclarmos n'um animal essa mistura, a<br />

intoxicação será corno se o veneno estiverasó,como reconhece<br />

o próprio Dr Lacerda e <strong>de</strong> outro modo se comprehen<strong>de</strong>ria<br />

o conselho <strong>de</strong> só se empregarem soluções muito recentes),<br />

mesmo que fora por esse mechanismo <strong>de</strong>sconhecido, para o<br />

qual appella em ultimo logar, com aquella diffusão extrema<br />

em que ficam as duas substancias, a dose <strong>de</strong> permanganato<br />

<strong>de</strong>veria ser muito gran<strong>de</strong>, occasionando só por si a morte do<br />

indivíduo, ou compativel com a vida e então <strong>de</strong> inefficacia<br />

plena, como provaram Vulpian e Couty<br />

E' esta ultima or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações que nos manda


— 100 —<br />

não aconselhar no homem as injecções intravenosas da solu­<br />

ção <strong>de</strong> potassa que no em tanto <strong>de</strong>stróe o veneno tão bem como<br />

o permanganato<br />

E tanto é assim que Shortt <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1869 obtém esplendidos<br />

resultados com esse medicamento em injecção hypo<strong>de</strong>r-<br />

mica, mas não o aconselha em injecção intravenosa. Pergunta­<br />

mos ao Dr Lacerda se elle dá bichlorureto <strong>de</strong> mercúrio em<br />

dose sufficiente para matar micróbios <strong>de</strong> indivíduo atacado<br />

por moléstia infecciosa.<br />

O papel do medico, nestes casos, é impedir a penetra­<br />

ção, tfemblèe, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> veneno no sangue, masque<br />

uma vez dada essa penetração, confesse com lealda<strong>de</strong>, que a<br />

sciencia ainda não <strong>de</strong>scobriu meios directos <strong>de</strong> impedir as<br />

suas conseqüências, mas não aconselhar, nunca, tentativas<br />

perigosas. O papel do medico é aqui procurar eliminar, tão<br />

<strong>de</strong>pressa quanto possível, o veneno, pelos meios indirectos<br />

racionaes, únicos reconhecidamente eíficazes, dos emunctorios<br />

naturaes<br />

Mas o Dr Lacerda, fatiando no tal mechanismo <strong>de</strong>sco­<br />

nhecido,ainda fazappello á sua experimentação e observação.<br />

Pois appellemos para a experimentação ainda do<br />

Dr Lacerda.<br />

Vamos provar que o Dr Lacei da ou não diz tudo o que<br />

vê, ou não vê tudo o que diz.<br />

Não diz tudo o que vê, porque tendo collaborado primeiro<br />

nos trabalhos do Dr Coutv, trabalhos que fizeram a<br />

este ultimo <strong>de</strong>screr do permanganato, quando o veneno já<br />

fora absorvido, não se refere a esses trabalhos em urn livro<br />

logo <strong>de</strong>poi, publicado e em outros ainda postei iores, porque


— 101 —<br />

seria impossibilitar-se completamente a tirar as conclusões<br />

que <strong>de</strong>sejava, dizendo mesmo que o Dr Couty partilhava das<br />

mesmas idéas Este ultimo experimenlador vendo sua opi­<br />

nião assim adulterada, levantou um protesto soiemne, c então<br />

publicou o resultado dos seus trabalhos <strong>de</strong> collaboração com<br />

o Dr Lacerda.<br />

A questão é assim referida pelo Dr. Couty que nunca<br />

teve o menor protesto do seu collaborador do Museu Nacional<br />

: Trabalhavam juntos, e d'esses estudos resultou o<br />

<strong>de</strong>scrédito do permanganato. Não po<strong>de</strong>ndo proseguir, o<br />

Dr. Couty pediu ao Dr. Lacerda repelir e continual-os por<br />

si, mostrando por essa fôrma, o critério e a sensatez que empregava<br />

para não tirar conclusões apressadas. Sc essas experiências<br />

eram erradas, nunca o Dr Lacerda tentou apontar<br />

lhes os erros.<br />

Mas <strong>de</strong>mos a palavra ao Dr. Couty. (1)<br />

« Alguns mezes mais tar<strong>de</strong> estas pesquizas não tendo<br />

sido feitas, eu próprio emprehendi algumas experiências e<br />

vou referir aquellas que o Dr Lacerda assistiu :<br />

. Misturámos uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno forne­<br />

cido por diversas serpentes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nos ter certificado <strong>de</strong><br />

que seus effeitos eram comparáveis. Um centímetro cúbico<br />

d'esta mistura foi injectado pela saphena em varias oceasiões<br />

a um primeiro cão e não se produziram senão acci<strong>de</strong>ntes<br />

pouco graves e passageiros—vômitos, <strong>de</strong>fecação, ligeira sali-<br />

vação, etc<br />

« Tomámos um segundo cão e injectámos dois centímetros<br />

cúbicos cia mesma solução <strong>de</strong> veneno, emquanto que o<br />

~yT^^D^lãction du pcmanyanacs oe poia.se contre les acci<strong>de</strong>nts du<br />

renin du Bothrops—Compt.-r., 1-^2.


— 102 —<br />

Dr, Lacerda introduzia permanganato <strong>de</strong> potássio em solução<br />

ao centésimo, pela saphena opposta ; o cão morreu em alguns<br />

minutos, embora se lhe tivessem feito novas injecções do li­<br />

quido preservador<br />

• Em outro animal, quasi do mesmo peso, injectámos,<br />

pela veia saphena, dois centimetros cúbicos do mesmo veneno ;<br />

elle teve immediatamente acci<strong>de</strong>ntes graves, mas resistio duas<br />

horas antes <strong>de</strong> succumbir<br />

« Tendo tomado outro cão do mesmo tamanho, continuámos<br />

estas co »>parações. Elle recebeu lambem no sangue, dois<br />

centimetros cúbicos da solução <strong>de</strong> veneno e diversos cen­<br />

timetros cúbicos da solução aquosa <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong><br />

potássio ao centésimo ; apresentou perturbações múltiplas e<br />

morreu no fim <strong>de</strong> três horas.<br />

« Tomámos então o cão no qual a injecção intravenosa <strong>de</strong><br />

um centímetro cúbico <strong>de</strong> veneno, só havia produzido ligeiros<br />

symptomas; parecia voltado ao estado normal. Injectámos<br />

successivamenle pela saphena, <strong>de</strong> quarto em quarto <strong>de</strong> hora,<br />

três centímetros cúbicos da solução ilc veneno ; nas primeiras<br />

horas não apresentou senão acci<strong>de</strong>ntes pouco notáveis, mas<br />

terminou por succumbir no dia seguinte,com lesões múltiplas.<br />

« Po<strong>de</strong>r-se-hia, pois, admittir, segundo estas primeiras<br />

experiências, que o permanganato <strong>de</strong> potássio apressava a<br />

morte pelo veneno, em logar <strong>de</strong> impedil-a; maseu conhecia<br />

bem a falta <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> dos acci<strong>de</strong>ntes com as quantida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> veneno introduzidas, as differenças <strong>de</strong> suscepti-<br />

bilida<strong>de</strong> individual, para não tirar ainda nenhuma conclusão.<br />

« Finalmente fiz algumas experiências com doses consi<strong>de</strong>ráveis<br />

<strong>de</strong> veneno e todas me provaram que os animaes<br />

assim tratados pelo permanganato <strong>de</strong> potássio,morriam como<br />

i


— 103 —<br />

os outros,- apresentando na autópsia—infiltrações hemorrha-<br />

gicas das meningeas, do coração, dos pulmões e outras vísceras,<br />

lesões que, segundo nossas pesquizas são caracteriscas<br />

da acção do veneno introduzido no sangue. Verifiquei também<br />

que os cães apresentavam antes <strong>de</strong> succumbir os mesmos<br />

acci<strong>de</strong>ntes, tivessem ou não recebido injecção intravenosa <strong>de</strong><br />

solução aquosa <strong>de</strong> permanganato: eram—vômitos, evacuações,<br />

micções, hemorrhagias externas e internas e convulsões irregulares,<br />

como também era a mesma diversida<strong>de</strong> do mechanismo<br />

da morte: um cão submettido á acção do permanganato<br />

<strong>de</strong> potássio <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> injecção intravenosa <strong>de</strong> veneno, morria<br />

em alguns minutos por parada do coração ; outro suecumbia<br />

em três horas a uma paralysia progressiva dos centros ner­<br />

vosos.<br />

« Para terminar, fiz algumas experiências com doses pequenas,<br />

produzindo perturbações mórbidas, <strong>de</strong> que as curas<br />

espontâneas p<strong>de</strong>lem facilmente fazer crer em uma acção curativa<br />

<strong>de</strong> tal ou tal antidoto ensaiado : aqui ainda me convenci<br />

<strong>de</strong> que a penetração do permanganato <strong>de</strong> potássio no sangue<br />

não fazia cessar os acci<strong>de</strong>ntes quando existiam, e os quaes elle<br />

<strong>de</strong>ixava se produzirem, mesmo para estas pequenas quanti<br />

da<strong>de</strong>s,lesões hemorrhagicas do coração e dos pulmões, que se<br />

encontravam na autópsia,se o animal era sacrificado por outros<br />

meios.<br />

« Mostrei ao meu collaborador <strong>de</strong>sejos<strong>de</strong> que continuasse,<br />

por si, estas observações para modificar suas primeiras conclusões<br />

; me abslive, esperando, <strong>de</strong> nada publicar, e aclual-<br />

rnente vou realizar o projecto que havia formado <strong>de</strong> fazer<br />

experiências <strong>de</strong> injecção <strong>de</strong> peçonha e <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong><br />

potássio sob a pelle. Este sal <strong>de</strong> potassa, que pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>compor


— 104 —<br />

o veneno introduzido localmente nos tecidos, ainda não ab­<br />

sorvido, terá, sob este ponto <strong>de</strong> vista, uma acção chimica<br />

superior á <strong>de</strong> diversos líquidos <strong>de</strong>struidores, <strong>de</strong> muito tempo<br />

empregados praticamente? E' o que procurarei estudar brevemente<br />

; mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já sou auctorisado a concluir :<br />

« 1 °—que o permanganato <strong>de</strong> potássio foi recommendado<br />

como agente thecapeutico dos acci<strong>de</strong>ntes produzidos pelas<br />

mor<strong>de</strong>duras das serpentes venenosas, sem provas experimen-<br />

taes suíficientes;<br />

« 2.°—que elle não é antidoto physiologico (l)da peçonha<br />

do Bothrops, pois que não paralysa sua acção quando este<br />

veneno tem peneirado seja no sangue, seja nos diversos ele­<br />

mentos anatômicos dos tecidos. »<br />

Não conhecemos referencia nenhuma do Dr Ldacerda a<br />

tão solemne protesto, refutação nenhuma a estas experiências.<br />

E' que ellas são irrefutáveis<br />

Mas não foi só o Dr Couty ; Richards, Badaloni, Urueta<br />

e outros, experimentaram e chegaram ás mesmas conclusões,<br />

em differentes logares e em épocas diversas, experiências<br />

que não transcrevemos porque julgamos que não pô<strong>de</strong> haver<br />

a menor duvida no espirito <strong>de</strong> quem nos lê, <strong>de</strong> que o<br />

Dr Lacerda exagerou (mesmo com os seus trabalhos) os benefícios<br />

que podia prestar o permanganato <strong>de</strong> potássio.<br />

O Sr. Dr. Pedro Affonso Franco, lente <strong>de</strong> pathologia<br />

cirúrgica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro; o<br />

Dr, Renicio <strong>de</strong> Abreu, lente di pathologia geral da mesma Fa­<br />

culda<strong>de</strong>, para citar apenas dous gran<strong>de</strong>s vultos, que só por si<br />

bastam,expen<strong>de</strong>ram,em suas lições, as idéas que professamos.<br />

(1) O que chamamos antidoto dynamico,


— 105 —<br />

O Dr. João Paulo, adjunto á ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> physiologia,<br />

forneceu, em aulas officiaes, a prova pratica Depois <strong>de</strong> verificar,<br />

por experiências antecipadas, qual a dose máxima do<br />

veneno que <strong>de</strong> uma só vez podia ser supportada por um cão<br />

<strong>de</strong> peso dado, fez as seguintes experiências:<br />

Em um primeiro cão injectou na saphena essa dose máxima<br />

compatível com a vida. Este, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apresentar todos<br />

os phenomenos graves <strong>de</strong> entoxicação, restabeleceu-se sem<br />

medicação nenhuma<br />

Em um segundo cão fez injecção <strong>de</strong> dose maior, isto é,<br />

mortai, mas por doses fraccionadas, n'uma hora 0 cão também<br />

soffreu muito, mas restabeleceu-se.<br />

Em um terceiro cão esta uttima dose foi injectada <strong>de</strong><br />

uma só vez, ao mesmo tempo que um ajudante introduzia<br />

o permanganato pela saphena opposta: o cão morreu<br />

Em um quarto cão esta ultima dose foi injectada e no<br />

mesmo ponto da veia immediatamente <strong>de</strong>pois, a solução <strong>de</strong><br />

permanganato: o cão salvou-se.<br />

Em um quinto cão esta dose gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno foi<br />

injectada; esperou-se um minuto <strong>de</strong>pois do qual injeclou-se o<br />

permanganato em dóscalla: o cão morreu como no caso da<br />

não injecção do permanganato.<br />

Mas o Dr Lacerda ainda appella para & clinica<br />

Quanto a isto diremos que a clinica do Dr. Lacerda,<br />

a julgar-se pelas suas publicações, (I) resume-se em communicações<br />

aos jornaes diários do Brazil por fazen<strong>de</strong>iros ou indi­<br />

viduos leigos á medicina na maior parte, salvo um ou outro<br />

medico<br />

(1) Faitscliniques reemiti!-• par le Dr. Lacerda -Rio, 1SSJ.<br />

11 1WH--R


— 106 —<br />

E nós po<strong>de</strong>riamos citar muitos exemplos em que o per­<br />

manganato <strong>de</strong> polassio, mesmo injectado logo <strong>de</strong>pois da picada<br />

da cobra, não impedio a morte do indivíduo. Guardamo-nos,<br />

porém, para um trabalho posterior que preten<strong>de</strong>mos publicar.<br />

Concluindo, dizemos em nome <strong>de</strong> todos os que se têm<br />

occupado do assumpto :<br />

0 permanganato <strong>de</strong> potássio é simplesmente antidoto estático<br />

da peçonha dos ophidios porque sobre o veneno collocado em<br />

ponto um pouco distante, mesmo que não absorvido, ou sobre<br />

o que tenha sido absorvido, elle não exerce a menor acção.<br />

As injecções intravenosas <strong>de</strong> permanganato são, além <strong>de</strong><br />

inúteis, perigosas.


Tratasu&to raciona»!<br />

— 107 —<br />

CAPITULO III<br />

Bases racionaes e methodicas, orientação que ellas <strong>de</strong>vem<br />

dar ao tratamento, eis o que será o presente capitulo.<br />

Não instituir um tratamento <strong>de</strong> accòrdo com o juizo que formamos<br />

do seu valor ou da natureza da moléstia, é empírico<br />

ou charlatão.<br />

Devemos atten<strong>de</strong>r ás lesões locaes e ás geraes—tratamento<br />

local e tratamento geral; ao tempo—tratamento immediato,<br />

dos phenomenos secundários e dos phenomenos terciarios<br />

.


— 108 —<br />

Tratamiato local<br />

1 ° SUBTRAHIR o VENENO DA FERIDA é a primeira indi­<br />

cação a preencher Para isto, immediatamente <strong>de</strong>pois da picada,<br />

o indivíduo faz compressões methodicas em direcção á<br />

ferida, circumdando-a, afim <strong>de</strong> espremer o veneno ao mesmo<br />

tempo que enxuga com um panno secco, lavando em seguida<br />

a parte ; immediatamente applica uma ligadura circular<br />

logo acima e faz a sucção, meio po<strong>de</strong>roso que por si só<br />

muitas vezes é sufficiente para retirar, senão todo, pelo menos<br />

em gran<strong>de</strong> parte, o veneno inoculado, como provou<br />

Barry. A sucção pô<strong>de</strong> ser feita por meio <strong>de</strong> ventosas<strong>de</strong> borracha,<br />

fáceis <strong>de</strong> ser conduzidas Pravaz inventou mesmo um<br />

apparelho apropriado, mas cujo uso não se generalisou. Se a<br />

ventosa é applicada, <strong>de</strong> maneira conveniente, diz Barry, duas<br />

ou três horas, todos os acci<strong>de</strong>ntes da intoxicação po<strong>de</strong>m ser<br />

evitados. Na falta entretanto <strong>de</strong> uma ventosa, a sucção com a<br />

bocca presta relevantes serviços, pois que, salvo o caso <strong>de</strong> ter<br />

o indivíduo que a pratica uma solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na<br />

mucosa da bocca, elle não soffre o menor acci<strong>de</strong>nle, pois que<br />

sabemos que o veneno ophidio ingerido por essa via não causa<br />

o menor mal.<br />

Se acaso ficou um colchete cravado na pelle da victma,<br />

é imprescindível retiral-o incontinenti; se elle estiver muito<br />

preso ou fundo, faz-se o <strong>de</strong>bridamento suficiente ao mesmo<br />

tempo que comprimem-se fortemente os tecidos para retirar,<br />

com o sangue,também o veneno. Alguns médicos aconselham<br />

sempre o <strong>de</strong>bridamento, a escharificação. O melhor processo


— 109 —<br />

é unir por um golpe <strong>de</strong> bistury os dois orifícios <strong>de</strong>ixados pelos<br />

colchetes do réptil.<br />

Contrario, justamente, éo nosso pensar quanto á amputação<br />

do membro. Ella só po<strong>de</strong>ria verda<strong>de</strong>iramente valer,<br />

quando praticada logo <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura ; ora, se nos é<br />

dada a ventura <strong>de</strong> actuar tão cedo, o conjuncto dos preceitos<br />

aqui formulados neste capitulo, evitam todos os acci<strong>de</strong>ntes<br />

locaes, salvando com certeza, quanta certeza possa haver em<br />

medicina, a vida do indivíduo mordido. Reservando a amputação<br />

para os casos forçados <strong>de</strong> gangrena, etc, rejeitamol-a<br />

completamente nesta primeira phase do tratamento.<br />

E' <strong>de</strong> presumir que não se possa retirar todo o veneno,<br />

mesmo porque quasi «empre os soecorros médicos são prestados<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certo tempo eentão <strong>de</strong>vemos:<br />

2.° DESTRUIR o VENENO IN LOCO—A electricida<strong>de</strong>, com<br />

os pólos <strong>de</strong> platina, mergulhados nos buracos <strong>de</strong>ixados pelos<br />

colchetes, foi muito preconisada por Pravaz, que obteve<br />

optimos resultados, applicando assim correntes <strong>de</strong> trinta ele­<br />

mentos.<br />

Parece-nos que essas applicações tiveram gran<strong>de</strong> parle<br />

nas curas maravilhosas que Halford attribuiu ás injecções<br />

intravenosas <strong>de</strong> ammonea, segundo já vimos.<br />

O calor, sob a fôrma <strong>de</strong> caulerios potenciaes, pô<strong>de</strong> prestar<br />

serviços. O ferro quente, neste caso, produzindo eschara,<br />

circurnscreve uma barreira que impe<strong>de</strong> a absorpção do veneno<br />

; como vimos a alteração chimica e tóxica do veneno<br />

ophidio pelo calor, é ainda questão litigiosa.<br />

O mesmo diremos <strong>de</strong> todos esses cáusticos chimicos em­<br />

pregados.


— 110 —<br />

Gruère manda regeitar os ácidos concentrados, os óleos<br />

quentes, a pólvora queimada no logar, etc, dando preferencia<br />

á manteiga <strong>de</strong> antimonio, ao nitrato <strong>de</strong> prata, aos alcalis<br />

cáusticos, menos a ammonea. Blôl faz quasi a mesma escolha.<br />

A Gautier addicionava antecipadamente o veneno a<br />

essas substancias e injectava <strong>de</strong>pois nos animaes, tendo<br />

o resultado seguinte :<br />

Perchlorureto <strong>de</strong> ferro—nenhuma alteração nos phenomenos<br />

da intoxicação.<br />

Carbonato <strong>de</strong> sódio e <strong>de</strong> potássio—i<strong>de</strong>m.<br />

Ammonea—mo<strong>de</strong>ra um pouco a acção do veneno.<br />

Nitrato <strong>de</strong> prata—mo<strong>de</strong>ra e retarda a acção, mas não a<br />

annulla<br />

Alcalis fixos —aniquilam completamente as proprieda<strong>de</strong>s<br />

tóxicas do veneno.<br />

Toda a serie enorme dos cáusticos tem sido empregada<br />

com mais ou menos elogio.<br />

Quanto a nós, achamos que não se <strong>de</strong>ve ser tão enthusiasta<br />

como o professor Berne. Applicados em superfície<br />

sobre a pelle não penetram nos tecidos suficientemente para<br />

encontrar o veneno, produzem extensas escharas sem a menor<br />

utilida<strong>de</strong>, como vimos em um indivíduo que fora consultar<br />

com o Dr. João Paulo, não mais pela intoxicação, mas pela<br />

ulcera, que <strong>de</strong>ixara uma extensa eschara produzida pela<br />

ammonea. A fazer uso portanto dos cáusticos, <strong>de</strong>vemos dar<br />

preferencia ás flexas <strong>de</strong> potassa e cal, ao lápis <strong>de</strong> nitrato <strong>de</strong><br />

prata, e finalmente ao ferro quente (por exemplo a ponta fina<br />

<strong>de</strong> um prego limpo aquecido ao vermelho), introduzidos nos<br />

dois orifícios da ferida convenientemente alargados com o<br />

bistury.


— 111 —<br />

Melhor que tudo isso é o uso das injecções hypo<strong>de</strong>rmicas,<br />

cuja occasião precisa é agora.<br />

E' este o momento preciso das injecções medicamentosas<br />

ten<strong>de</strong>ntes a <strong>de</strong>struir o veneno. Como as substancias que alteram<br />

chimicamenle o veneno são os alcalis fixos e o permanganato<br />

<strong>de</strong> potássio,até novas <strong>de</strong>scobertas, <strong>de</strong>vemos preferil-as<br />

ás outras.<br />

Mas, como vimos que o permanganato se altera logo em<br />

contado com os tecidos, damos preferencia ainda aos alcalis<br />

fixos por po<strong>de</strong>rem exercer sua acção por mais tempo e em<br />

muito maior extensão. Estas vistas theoricas têm tão plena<br />

alfirmativa nas experiências <strong>de</strong> Gautier e Richards (I) como<br />

na clinica <strong>de</strong> Shortt. (2)<br />

A fórmula seguinte :<br />

Potassa eaustica secca (ao álcool) 10 centlgrs.<br />

Água distillada.. 100 grms.<br />

não se altera e pô<strong>de</strong> ser empregada sem receio <strong>de</strong> conseqüências<br />

más. As injecções <strong>de</strong>vem ser em numero <strong>de</strong> duas,<br />

mergulhando-se a agulha nos dois orifícios já existentes da<br />

ferida.<br />

A fórmula do permanganato é esta:<br />

Permanganato <strong>de</strong> potássio 1 centigr.<br />

Água distillada • 10 grms.<br />

que <strong>de</strong>ve ser preparada na occasião sómenle <strong>de</strong> ser appli-<br />

cada.<br />

(1) V. Eichards- -The Lancet, 1 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> ÍSQ-J, pag. 1097.<br />

(2) I. Shortt.— The Lancet, 1870 e


— 112 —<br />

Na falta d'esles, o melhor é absler-se <strong>de</strong> injecções e fazer<br />

então uso dos cáusticos que já dissemos preferíveis.<br />

Infelizmente chegamos sempre um pouco tar<strong>de</strong> ; mesmo<br />

que tal não se dê, é <strong>de</strong> presumir que pelo menos alguma quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> veneno fique intacta nos tecidos,e portanto <strong>de</strong>vemos:<br />

3 o IMPEDIR o VENENO DE PASSAR EM MASSA A TORRENTE CIR­<br />

CULATÓRIA. A compressão circular <strong>de</strong>ve ser feita por uma lira<br />

<strong>de</strong> doisa trcs centimetros não muito cerrada e nunca ficar por<br />

mais <strong>de</strong> uma hora. O verda<strong>de</strong>iro processo, seguro <strong>de</strong> evitar a<br />

passagem do veneno e a gangrena do membro, é este : logo<br />

que o indivíduo foi mordido, applica-se a ligadura bem perto<br />

da ferida ; prestados os soccorros acima referidos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

meia. hora, afrouxa-se o laço por um a dois minutos, tornando<br />

a collocal-o um pouco mais acima durante outra meia hora ;<br />

retira se, applica-se acima, e assim até á raiz do membro.<br />

E' este processo chamado da ligadura intermitlente, que bem<br />

dirigido presta resultados esplendidos sem o menor risco <strong>de</strong><br />

gangrena.<br />

Castelneau refere uma observação interessante em que<br />

<strong>de</strong> cada vez que se retirava a ligadura, apresentavam-se phenomenos<br />

<strong>de</strong> intoxicação, por convulsões generalisadas, etc,<br />

tudo cessando sempre com a reapplicação, conseguindo assim<br />

salvar-se o doente, que sem esse meio não teria resistido á<br />

gran<strong>de</strong> dose <strong>de</strong> veneno <strong>de</strong> uma só vez no sangue e portanto<br />

seria victima da morte.<br />

Ainda têm applicação aqui as injecções medicamentosas<br />

a que nos referimos, feitas acima da ferida, on<strong>de</strong> sé presume,<br />

pelo <strong>de</strong>senvolvimento dos phenomenos locaes, haver mais<br />

veneno. Os resultados aqui já ?ão muito secundários.


— 113 —<br />

As applicações frias continuas, <strong>de</strong> maneira a não pro­<br />

vocar reacção local, po<strong>de</strong>m, retardando a circulação local, ser<br />

úteis; mas além <strong>de</strong> incommodo, é um meio infiel.<br />

Resta-nos agora:<br />

4.° COMBATER os ACCIDENTES LOCAES. — Contra os phe­<br />

nomenos locaes secundários <strong>de</strong> que o mais importante é a<br />

tumefacção inflammatoria, instituímos um tratamento antiphlogistico<br />

conveniente—banhos mornos, cataplasmas, etc.<br />

Quando a infiltração é gran<strong>de</strong>, a pelle muito distendida, é<br />

bom, por puncções, etc, evacuar a serosida<strong>de</strong> sanguinolenta<br />

subcutanea; <strong>de</strong>vemos romper as phlyctenas,evacuar os abcessos.<br />

Quanto ás variadissimas lesões locaes que se po<strong>de</strong>m apresentar,—phlegmões,<br />

angioleucites, etc, proce<strong>de</strong>-se inteiramente<br />

como nos casos ordinários e não per<strong>de</strong>remos espaço<br />

com isso. O mesmo dizemos quanto aos acci<strong>de</strong>ntes locaes<br />

terciarios.<br />

15<br />

1888-B


— 114 —<br />

Tratameato £«al<br />

Vêm aqui nos servir <strong>de</strong> guia as conclusões que tirámos<br />

sobre a acção physiologica da peçonha, baseadas, sobretudo,<br />

na symptomalologia. Além d'isto é o que aconselha a pratica<br />

<strong>de</strong> todos os expeii montadores sem idéas preconcebidas, é o<br />

que manda a observação <strong>de</strong> todos os clínicos conscienciosos.<br />

Sabendo nós que o veneno actua por um lado chimicamenle<br />

sobre o sangue, por outro lado biologicamente sobre o<br />

systema nervoso central, teremos em vista os antídotos dyna­<br />

micos e os anlagonistas ; mas como já sabemos que estes estão<br />

ainda por se encontrar, faremos carga sobre os eliminadores,<br />

ainda proce<strong>de</strong>ndo assim <strong>de</strong> harmonia com os factos.<br />

ANTÍDOTOS DYNAMICOS, isto é, medicamentos que possam<br />

ir <strong>de</strong>struir chirnicamente ou impedir lambem por acção chimica<br />

o agente tóxico, ainda estão por se encontrar, como já<br />

provámos. Regeitamos in limine, como inúteis e perigosas as<br />

injecções intravenosas <strong>de</strong> ammonea e principalmente <strong>de</strong> permanganato<br />

<strong>de</strong> potássio. Mesmo o lieor potassico, por essa via,<br />

não <strong>de</strong>o resultados a Shoril. Quanto aosantidotos preconisados<br />

em ingestão pela bocca, como iodureto <strong>de</strong> potássio, etc, são<br />

absolutamente falsos, ineírlcazes<br />

ANTAGONISTAS, também não têm sido encontrados na pra­<br />

tica. Lembremos que no começo da intoxicação ha um<br />

período <strong>de</strong> accrescimo da excitabilida<strong>de</strong> nervosa, logo seguido<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão Só pois n'esse primeiro período teria razão <strong>de</strong>


- 115 —<br />

ser o emprego do chloral, tão preconisado pelo nosso compa­<br />

triota Dr Lisboa, do bromureto <strong>de</strong> potássio, etc, mas esse<br />

período é<strong>de</strong> curta duração geralmente e, portanto, a pensar<br />

em antagonista, <strong>de</strong>vemos antes procurar medicamentos <strong>de</strong><br />

acção contraria ao chloral, bromureto, etc, medicamentos<br />

que augmentem o po<strong>de</strong>r dos centros motores e vaso-motores.<br />

A estrychnina, que já havia sido empregada, voltou este anno<br />

á or<strong>de</strong>m do dia por uma communicação do Sr Müller (1) á<br />

Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Victoria (Austrália), em que este<br />

medico mostrava-se enthusiasta d'aquelle agente empregado<br />

em sua clinica.<br />

Müller faz injecções subcutaneas <strong>de</strong> um centigramma<br />

<strong>de</strong> strychnina, e repete a dose se ha necessida<strong>de</strong><br />

E' um ponto digno <strong>de</strong> ser elucidado.<br />

Contra os phenomenos adynamicos, prostração, abatimento,<br />

etc, prescreveremos os excitantes diffusivos, como os<br />

ammoniacaes, mas principalmente os alcoólicos em alta<br />

dose.<br />

Os ELIMINADORES são <strong>de</strong> valor capital. Todas essas plantas<br />

recommendadas entre o povo como po<strong>de</strong>rosos medicamentos<br />

para taes casos, não passam <strong>de</strong> eliminadores do veneno. Como<br />

vimos, são os sudorificos, diureticos e purgativos os que mais<br />

resultados dão na pratica, porque tudo nos faz por outro lado<br />

suppôr que o veneno se elimina principalmente pelas glândulas<br />

sudoriparas, pelos rins e pelo tubo gaslro-intestinal.<br />

Os sudorificos usados são as bebidas quentes, os ammo­<br />

niacaes ; mas os principaes, os preferíveis são os alcoólicos<br />

(1) \i<strong>de</strong>~Semaine Médicale,—8 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1888.


— 116 —<br />

em alta dose, e principalmente o jaborandy, ou melhor o seu<br />

alcalói<strong>de</strong>, a pilocarpina, medicamento seguro e cuja acçaò<br />

não falha.<br />

Os diureticos são lambem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, a digila-<br />

lis, a scylla, a cafeína e um que por sua fácil obtenção no<br />

interior das províncias e acção prompta <strong>de</strong>ve sempre ser<br />

lembrado, referimo-nos aos estygmates <strong>de</strong> milho em infusão.<br />

Os purgativas nunca <strong>de</strong>vem ser esquecidos ; são prefe­<br />

ríveis os purgalivos brandos e os salinos, óleo <strong>de</strong> ricino puro,<br />

saes <strong>de</strong> magnesia, <strong>de</strong> sódio, etc Não ha nunca necessida<strong>de</strong><br />

dos emeto-catharticos,a fazer uso prefira-se a ipeca. O tartaroemetico<br />

<strong>de</strong>ve ser completamente regeilado.<br />

Quanto aos acci<strong>de</strong>ntes terciarios, <strong>de</strong> cachexia, etc, procuraremos<br />

levantar as forças do doente com os tônicos—vi­<br />

nho quinado, ferruginosos, com os exercícios, etc.<br />

Resumindo, diremos, que, para um indivíduo que foi<br />

mordido por uma cobra venenosa, <strong>de</strong>vemos proce<strong>de</strong>r da seguinte<br />

maneira:<br />

A) 1 Sublrahir o veneno da ferida (ligadura circular,<br />

compressões methodicas no sentido <strong>de</strong> espremer o veneno e<br />

sucção).<br />

2." Destruir o veneno que ainda fica nos tecidos (electricida<strong>de</strong>,<br />

ferro quente, cáusticos chimicos), sendo preferíveis<br />

as injecções <strong>de</strong> licor <strong>de</strong> potassa e na falta <strong>de</strong>ste as <strong>de</strong> permanganato<br />

<strong>de</strong> potássio<br />

3.° Impedir o veneno <strong>de</strong> passar em dose gran<strong>de</strong> para a<br />

torrente circulatória (ligadura intermiltenle e em certos casos<br />

injecções hypo<strong>de</strong>rmicas acima da ferida).


— 117 —<br />

B) Logo que se manifestarem os primeiros indícios <strong>de</strong><br />

absorpção geral do veneno, eliminal-o pelas vias—cutânea<br />

(álcool em alta dose, jaborandy ou melhor pilocarpina, bebidas<br />

quentes) renal (digitatis, eslygmales <strong>de</strong> milho, etc) gastrointestinal<br />

(purgativos brandos).<br />

C) Tratar, conforme o caso, os acci<strong>de</strong>ntes locaes secundários<br />

e terciarios; sustentar as forças do doente (tônicos, exercícios<br />

etc)


g»*m


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