Download - Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais - USP
Download - Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais - USP
Download - Biblioteca Digital de Obras Raras e Especiais - USP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
^<br />
r BIBLIOTHECA<br />
DA<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> S. Paulo<br />
Secçâo "Dr. Mathias Valladâo"<br />
^<br />
Classificação<br />
(Sstante<br />
'Prateleira 3VC?..<br />
3£^i-;C<br />
J<br />
DEDALUS - Acervo - FM<br />
10700060186
*-*. ^mjvmüwmm'.'
, /n -
i:<br />
oe<br />
SEU TRATAMENTO<br />
PELO<br />
Dr. ScBastiáo JWtoso<br />
RIO DE JANEIRO<br />
Typographia I_'uiversai <strong>de</strong> LAEMMEKT & C'<br />
71, Rua dos Inválidos, 71<br />
1889
4.SS9
INTRODUCÇÃO<br />
A serpente ! Animal terrivel que, pronunciar o seu<br />
nome é horripilar-nos <strong>de</strong> repulsão e pavor Com razão anathematisada<br />
pela humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as lendas do catholicismo inspirou<br />
sempre o mais vivo terror a ponto <strong>de</strong>,na antigüida<strong>de</strong>, ser<br />
feita Deus, pelos homens que, por meio <strong>de</strong> offerendas, procuravam<br />
aplacar-lhe a cólera e não serem dizimados por ella.<br />
Assim aconteceu com o próprio povo <strong>de</strong> Deus, quando<br />
victima dos constantes ataques do terrível réptil, e Moysés<br />
implantou no <strong>de</strong>serto, para cural-o, uma serpente <strong>de</strong> arame.<br />
Sob o mesmo caracter foi a serpente idolatrada na Grécia,<br />
como nos attesta Fergusson (1): na Itália, segundo escreveu<br />
Vallerius Maximus (Serpente <strong>de</strong> Esculapio); na índia e Indochina,<br />
como se vé das esculpturas dos monumentos boudhicos<br />
(Serpente Naja); no Egypto, como está figurado nos seus mais<br />
antigos monumentos (entre outros o templo <strong>de</strong> Den<strong>de</strong>rah); e,<br />
para não ir mais longe em citações, mencionemos, na actualida<strong>de</strong>,<br />
a África, e po<strong>de</strong>-se affirmal-o, uma parte da índia por<br />
intermédio dos seus Fakirs.<br />
(1) J. Fergusson—Le culte <strong>de</strong> Varbre et <strong>de</strong>sserpents. (Revue <strong>de</strong>s cours littéraires—<br />
28 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1869).<br />
1 1888—B
— 2 —<br />
Não assim com o espirito esclarecido dos povos cultos<br />
hodiernos que não confiam no reconhecimento da serpente,<br />
muito que seja obsequiada, ao contrario, fazem-lhe guerra<br />
franca e terrivel.<br />
E' assim que na índia ingleza, (nos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong><br />
noroeste e no Oudh) ha os kanjars, caçadores <strong>de</strong> serpentes,<br />
pagos pelo governo a 2 rupias mensaes (approximadamente<br />
2$000) e mais 200 réis por cada cabeça que passe <strong>de</strong> 20 por<br />
mez, apresentadas aos commissarios em chefe a quem são distribuid"S<br />
mappas coloridos das espécies venenosas. Também<br />
por uma estatística official, morreram em 1880—19,060 e<br />
em 1881—18,610 pessoas, victimas da extraordinária quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ophidios que existem ahi.<br />
Em outros paizes diversos meios lêm sido tentados. O Dr.<br />
Urueta, mencionando a existência, no seu paiz natal—a Colômbia,<br />
<strong>de</strong> dous pássaros—culebrero e guacabo, aventa a idéa<br />
<strong>de</strong> domestical-os e fazer crescer <strong>de</strong> qualquer modo o seu numero<br />
(elles são muito ariscos e raros), pois vivem quasi exclusivamente<br />
<strong>de</strong> serpentes.<br />
No Brazil, como mostraremos no primeiro capitulo do<br />
nosso trabalho, abundam extraordinariamente as serpentes<br />
venenosas, e parecendo-nos difficillimo, para não dizer impossível,<br />
acabar ou mesmo diminuir-lhes muito o numero, os<br />
meios que se nos apresentam praticaveis são <strong>de</strong> duas or<strong>de</strong>ns :<br />
procurar evitar as mor<strong>de</strong>duras por precauções em cujo <strong>de</strong>talhe<br />
não <strong>de</strong>vemos entrar ou, uma vez penetrado o veneno<br />
nos nossos tecidos, aniquilal-o em seus perniciosos effeitos.<br />
Este foi o fim que tivemos, escolhendo para assumpto <strong>de</strong><br />
nossa dissertação inaugural as feridas envenenadas pela peconha<br />
dos ophidios, sabendo, <strong>de</strong> ha muito, que ura nosso
— 3 —<br />
distincto compatriota, o Dr João Baptista <strong>de</strong> Lacerda, proclamava<br />
a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um medicamento po<strong>de</strong>rosíssimo para<br />
taes casos; e, publicando mais um trabalho sobre o assumpto,<br />
concorreríamos para divulgar mais essa <strong>de</strong>scoberta, a bem<br />
da humanida<strong>de</strong> c gloria da nossa pátria. As convicções que<br />
adquirimos do estudo que proce<strong>de</strong>mos a respeito, serão ditas<br />
no logar competente. Que penosissima foi a nossa tarefa, excusadoé<br />
dizel-o, porque, se a luz do século tem arrebatado dos<br />
anthroscavos do maravilhoso alguns ramos da sciencia, ainda<br />
não conseguio fazel-o <strong>de</strong> todo com esta parte, dos conhecimentos<br />
médicos, que nos occupa, on<strong>de</strong> as fábulas são tantas<br />
que, algumas, têm comsigo arrastado verda<strong>de</strong>iros talentos ás<br />
fauces hiantes <strong>de</strong> um charlatanismo inconsciente, por isso<br />
mesmo que <strong>de</strong>sculpavel. Além disto, assumpto que mais <strong>de</strong>vera<br />
ter chamado a attenção dos médicos e que, no entanto,<br />
mais tenha sido <strong>de</strong>spresado, é elle.<br />
Dividimos o nosso trabalho em três partes da seguinte<br />
maneira :<br />
PRIMEIRA PARTE—OPHIOLOGIA.<br />
Capitulo 1—Os Ophidios.<br />
Capitulo II—A peçonha dos ophidios.<br />
SEGUNDA PARTE—FERIDAS ENVENENADAS PELA PEÇONHA DOS<br />
OPHIDIOS<br />
Capitulo I—Symptomatologia.<br />
§ 1—Symptomas primitivos.<br />
o II J • \ locaes<br />
8 II— » secundários.<br />
^ / geraes<br />
n ni i \ locaes<br />
8 II— » tercianos.<br />
* geraes
— 4 —<br />
Capitulo II—Marcha, duração, terminações.<br />
Capitulo III—Anatomia e Physiologia palhologicas.<br />
Capitulo IV—Prognostico.<br />
TERCEIRA PARTE—TRATAMENTO<br />
Capitulo I—Tratamento empírico.<br />
Capitulo II— » especifico.<br />
§ 1—0 que seja um antídoto, um especifico.<br />
§ II—Os proclamados específicos das peçonhas dos<br />
ophidios.<br />
§ 111—O permanganato <strong>de</strong> potássio, estudos :<br />
A—theoricos.<br />
B—experimentaes.<br />
C—clínicos.<br />
Capitulo III—Tratamento racional.<br />
§ I- local<br />
§ II—geral.<br />
Pedimos permissão ao amigo Dr João Paulo <strong>de</strong> Carvalho,<br />
conhecido clinico <strong>de</strong>sta corte, illuslrado adjuncto da<br />
ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Physiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, para aqui<br />
patentearmos profundo reconhecimento ao gran<strong>de</strong> auxilio<br />
que voluntariamente se dignou prestar á confecção do nosso<br />
trabalho.
Oi Ophidios<br />
PRII1RA PARTI<br />
O^PHIOLOGIA<br />
CAPITULO 1<br />
As Serpentes ou Ophidios são vertebrados, allantoidianos<br />
da classe dos reptis, <strong>de</strong> pelle escamosa, corpo alongado,<br />
arredondado e estreito, <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> membros<br />
propriamente ditos, sem cintura escapular nem bexiga<br />
urinaria<br />
Por estes caracteres vê-se que separamos completamente<br />
os Ophidios dos Saurianos e dos Batracios ; que não<br />
entra no nosso estudo a Anguinha (Anguis fragilis), que<br />
consi<strong>de</strong>ramos sauriano, nem as Cecilias {Cecília lombricoi<strong>de</strong>,<br />
etc), que para nós é batracio.<br />
E' nosso intuito dar, neste capitulo, apenas uma idéa<br />
summaria da historia natural dos Ophidios, só dizer o estrictamente<br />
necessário para comprehensão do que conslitue<br />
mais propriamente o assumpto <strong>de</strong> nosso trabalho, tornando-o<br />
assim tão completo quanto possível, ao mesmo tempo sem<br />
ultrapassar-lhe os limites.
— 6 —<br />
Anatomia. — 0 ESQUELETO compõe-se dos ossos da<br />
cabeça, columna vertebral e costellas. O craneo é sempre<br />
muito alongado, pela prolongação, para diante, dos frontaes<br />
e parietaes. Uma particularida<strong>de</strong> notável nos ossos do craneo<br />
e da face, é a extrema mobilida<strong>de</strong> que têm uns sobre os<br />
outros, resultante dahi a gran<strong>de</strong> dilatação que pô<strong>de</strong> ter a<br />
bocca do animal, que assim pô<strong>de</strong>, muitas vezes, <strong>de</strong>glutir<br />
um outro em <strong>de</strong>sproporção gran<strong>de</strong> com o talhe apparente <strong>de</strong><br />
suas fauces.Oosso intermaxillar éeslreitamente ligado ao osso<br />
nasal, mas o maxillar superior, optervgoidiano e os palatinos<br />
são muito moveis, tanto para os lados como para diante e<br />
para traz. A raandibula inferior compõe-se <strong>de</strong> duas partes<br />
alongadas, po<strong>de</strong>ndo afastar-se uma da outra porque são<br />
reunidas na linha mediana apenas por feixes ligamentosos<br />
frouxos; são ligadas ao osso tympanico movei, este ao<br />
osso mastoidêo, que ainda por sua vez é ligado ao craneo<br />
por músculos e ligamentos. A cabeça articula para traz com<br />
a columna vertebral por meio <strong>de</strong> um só condylo. A columna<br />
vertebral compõe-se <strong>de</strong> um numero consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> vertebras<br />
todas semelhantes, po<strong>de</strong>ndo algumas vezes apresentar<br />
caracteres distinctivos não só para espécies differenles, como,<br />
no mesmo animal, para regiões diversas da columna. Cada<br />
vertebra tem para traz um só condylo que encaixa-se em<br />
uma cavida<strong>de</strong> da parte anterior da vertebra que fica alraz;<br />
além <strong>de</strong>ste meio <strong>de</strong> união ha, anteriormente ao corpo,—os<br />
zygosphenosfapophyses) recebidos em espécies <strong>de</strong> cavida<strong>de</strong>s—<br />
os zygantros da parte posterior do corpo da vertebra seguinte.<br />
Pois que vão da cabeça á extremida<strong>de</strong> caudal, é consi<strong>de</strong>rável<br />
o numero das vertebras, po<strong>de</strong>ndo attingir a 435 em<br />
um Pvthon As costellas, que existem em todas as vertebras,
fazem continuação com urna cartilagem pela extremida<strong>de</strong><br />
livre, formando assim anneis completos que po<strong>de</strong>m se<br />
dilatar; estas cartilagens são fortemente unidas ás escamas<br />
do ventre por um tecido aponevrotico; são os membros da<br />
locomoção, pois que, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros, só existem rudimentos,<br />
mesmo assim em poucas espécies, taes como os Pteropo<strong>de</strong>s e<br />
que <strong>de</strong> nada servem<br />
A PELLE elástica é cobert i no dorso por escamas pequenas,<br />
e por escamas compridas transversaes no ventre<br />
[gastrosteges) e na face inferior da cauda (urosteges). A cabeça<br />
é coberta por placas semelhantes ás dos Saurianos e tendo<br />
uma nomenclatura em cujo <strong>de</strong>talhe não entramos apezar <strong>de</strong><br />
fornecerem ellas muitas vezes bons caracteres para a <strong>de</strong>terminação<br />
das espécies. Na extremida<strong>de</strong> caudal dos Crotaes,<br />
a pelle forma, cornificada, anneis ocos que, roçando uns<br />
sobre os outros, produzem um ruido particular, o numero<br />
dos anneis <strong>de</strong>ste chocalho não está em relação com os annos<br />
<strong>de</strong> vida, nem tão pouco com o numero das mudas do animal.<br />
Devemos mencionar aqui a lingua que serve nas serpentes<br />
<strong>de</strong> ORGÀO TÁCTIL e não gustalivo. Longa, <strong>de</strong>lgada,<br />
fendida em dois filetes compridos cobertos por uma substan<br />
cia cornea, pô<strong>de</strong> o animal dar<strong>de</strong>jal-a, mesmo com a bocca<br />
fechada (por um espaço intermaxillar mediano) em todos os<br />
sentidos para explorar os corpos circumdantes.<br />
Nos CENTROS NERVOSOS, O cérebro é pequeno, mas a me<br />
dula, tendo toda a extensão da columna vertebral, é relativa<br />
mente gran<strong>de</strong>.<br />
Exteriormente não se vê ÓRGÃO AUDITIVO que é bastante<br />
imperfeito; nelle não se encontra senão o caracol, faltando o<br />
conduclo auditivo externo, a caixa e a membrana do tvmpano.
— 8 —<br />
Idêntica imperfeição existe no ÓRGÃO DO OLFACTO ; as<br />
fossasnasaes são curtas, forradas por uma membrana vascular<br />
on<strong>de</strong> v3o ter poucos filetes nervosos.<br />
Os ÓRGÃOS VISUAES, <strong>de</strong> particular fixi<strong>de</strong>z, são <strong>de</strong>sprovidos<br />
<strong>de</strong> palpebras e cobertos pela pelle a<strong>de</strong>lgaçada até a transpa<br />
rência, que fôrma a cada olho, como um vidro <strong>de</strong> relógio,<br />
uma Cápsula que communica com a cavida<strong>de</strong> nasal por um<br />
largo canal lacrymal. Esta pelle lambem ca'e por occasião da<br />
muda,tornando-se então, durante esse tempo,o olho completa<br />
mente opaco eesbranquiçado. A ms, muitas vezes, tem brilho<br />
particular A pupilla pô<strong>de</strong> ser vertical ou circular.<br />
0 APPARELHO CIRCULATÓRIO consta do coração, envolvido<br />
em pericardio resistente e fibroso e situado no quarto anterior<br />
da cavida<strong>de</strong> visceral commum, é dividido em duas auriculas<br />
e um só ventrieulo subdividido este em duas lojas; <strong>de</strong> duas ar<br />
térias aortas que partem <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas lojas e vão logo<br />
se reunir em uma só artéria abdominal; das artérias carótidas<br />
direita e esquerda; da veia pulmonar; da artéria pulmonar;<br />
das veias jugullares e cavas.<br />
No APPARELHO RESPIRATÓRIO não existe propriamente larynge;<br />
as serpentes não têm voz, quando muito só po<strong>de</strong>m pro<br />
duzir um silvo mais ou menos intenso, proveniente da passa<br />
gem rápida, pelas vias aéreas, do ar impellido pelo pulmão.<br />
A glotte projecta-se para diante fazendo saliência no exterior,<br />
no momento da <strong>de</strong>glutição, permittindo o acto respiratório<br />
effectuar-se, mesmo quando o gran<strong>de</strong> volume do alimento<br />
comprima extraordinariamente esses órgãos; contribue para o<br />
mesmo fim a resistência dos anneis cartilaginosos da trachéa<br />
geralmente longa. O pulmão esquerdo é quasi sempre rudi<br />
mentar, ao contrario do direito que toma gran<strong>de</strong> proporção
Este, muitas vezes só respira propriamente na sua parte an<br />
terior, a posterior servindo apenas <strong>de</strong> reservatório <strong>de</strong> ar,<br />
provisão indispensável ás serpentes d'agua—Hydrophidios.<br />
O APPARELHO DIGESTIVO é o mais complicado <strong>de</strong> todos<br />
Comecemos pela extremida<strong>de</strong> anterior a bocca. Os <strong>de</strong>ntes são<br />
sempre retentivos e têm por fim unicamente não <strong>de</strong>ixar a presa<br />
escapar Nas serpentes não venenosas—Azemiophidios, elles<br />
existem ora em um, ora em outro maxillar somente, são os<br />
Opoterodontes. Á não ser nosUropeltis e gêneros vizinhos que<br />
não têm <strong>de</strong>ntes naabobada palatina, todos os outros Azemiophidios<br />
os têm, não só nos maxillares como nos palatinos e<br />
pterygoidianos. Elles são curvos para traz, cheios, massiços,<br />
tendo a base penetrada nas gengivas, mas simplesmente accollada<br />
a superfície óssea. Bastante numerosos são ás vezes,<br />
a ponto <strong>de</strong> Brehm contar 100 em um Python.<br />
Nas serpentes venenosas—Thanatophidios ouToxicophidios,<br />
além dos <strong>de</strong>ntes massiços e lisos <strong>de</strong> que acabamos <strong>de</strong><br />
fallar, ha os <strong>de</strong>ntes injectores <strong>de</strong> veneno, sempre curvos para<br />
traz; são, ou simplesmente sulcados na face posterior e po<strong>de</strong>ndo<br />
existir quer no fundo da bocca—Opistoglyphos, quer na<br />
parte anterior d'esta—Proteroglyphos, ou então atravessados<br />
em todo o comprimento por um canal—Solenoglyphos. Nos<br />
ophidios mais temíveis que são os Solenoglyphos, os colchetes<br />
são implantados nos ossos intermaxillares aqui bastante<br />
<strong>de</strong>senvolvidos e moveis sobre os maxillares, mobilida<strong>de</strong> esta<br />
que permitte aos <strong>de</strong>ntes, quando a serpente está calma e com<br />
a bocca fechada,voltarem para trazoccultando-se no sulco gen-<br />
gival don<strong>de</strong> não saem senão nas occasiões <strong>de</strong> ataque Ainda<br />
não para aqui a curiosida<strong>de</strong> da perfeição <strong>de</strong>ste apparelho ter<br />
rível que fazdaserpente inimigo fortíssimo: <strong>de</strong> cada lado, para<br />
2 1888—B
— 10 —<br />
traz dos chamados colchetes em exercício em numero <strong>de</strong> dois a<br />
quatro, ha um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> outros no estado rudimentar<br />
e <strong>de</strong>stinados a crescer e occupar o lugar dos primeiros<br />
quando, por qualquer circumstancia, venham a ser arrancados.<br />
As glândulas po<strong>de</strong>m ser divididas em quatro grupos : (°, sublinguaes;<br />
T, sub-rnaxillares ou labiaes inferiores; 3,° parotidianas<br />
ou maxillares superiores; 4", sub-orbitarias. «São as<br />
glândulas da terceira categoria, as parotidianas que nas serpentes<br />
venenosas soíírem certa modificação, tornando-se<br />
aptas para secretar veneno. Enchendo <strong>de</strong> cada lado gran<strong>de</strong><br />
parte da fossa-temporal e envolvidas em uma cápsula fibrosa<br />
que recebe alguns filetes do músculo temporal, estas glândulas<br />
se compõem <strong>de</strong> tubos terminados em fundo <strong>de</strong> sacco<br />
abrindo em um canal excretor commum dirigido para diante<br />
e indo ter á base dos colchetes; são comprimidas fortemente<br />
quando o temporal e o masseter conlrahem-se para fechar<br />
bruscamente os maxillares e dará <strong>de</strong>ntada e por conseguinte<br />
o producto <strong>de</strong> secreção expellido mechanicamente, escorre-se<br />
ao longo do sulco ou do canal do <strong>de</strong>nte venenoso e<br />
penetra na ferida estreita e profunda, causada pela ponta<br />
acerada <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>nte. Nas serpentes muito menos perigosas<br />
chamadas Opistoglyphos, que não possuem <strong>de</strong>ntes sulcados<br />
senão no fundo da bocca, as glândulas venenosas são muito<br />
menos <strong>de</strong>senvolvidas confundindo-se muitas vezes com a série<br />
<strong>de</strong> glândulas labiaes ou sub-maxillares. > (1)<br />
Em alguns Solenoglyphos estes órgãos veneniferos são<br />
tão <strong>de</strong>senvolvidos que prolongam-se até as primeiras costellas.<br />
O pharynge não existindo propriamente, o oesophago é a<br />
(1) E. Oustalet—Art. Serpeals do üicc. <strong>de</strong> Dechambre.
— 11 —<br />
continuação da bocca. Este conducto, muito dobrado sobre si<br />
mesmo em pregas longitudinaes, pô<strong>de</strong>, por isto mesmo, dar<br />
passagem a gran<strong>de</strong>s massas <strong>de</strong> alimento. O estômago, que não<br />
passa <strong>de</strong> uma dilatação da extremida<strong>de</strong> cesophagiana, é longo,<br />
ao contrario dos intestinos que são curtos. Pela ausência do<br />
ccecum, a distincção entre os intestinos <strong>de</strong>lgado e grosso é<br />
muitas vezes difíicil; este ultimo abre-se, alargada a extremida<strong>de</strong>,<br />
na cloaca, on<strong>de</strong> vão ter os canaes excretores dos<br />
órgãos urinarios e dos apparelhos <strong>de</strong>stinados á perpetuida<strong>de</strong><br />
da espécie; abre-se esta cloaca por uma fenda transversal, o<br />
ânus. O pancreas^ amarello-avermelhado, é uma glândula<br />
alongada, ligada ao baçòe ao estômago em um ponto estreitado<br />
<strong>de</strong>ste. O fígado, como todos os orgSos prece<strong>de</strong>ntes, é muito<br />
comprido—vai do coração até o pyloro ; a vesicula biliar é<br />
<strong>de</strong>lle separada e tem um canal bastante longo.<br />
Coloração.— Está em geral, ern relação com o habitai<br />
e costumes <strong>de</strong> cada espécie : ver<strong>de</strong> nas que vivem enlaçadas<br />
nos ramos das arvores, côr <strong>de</strong> folha secca nas que andam<br />
pelos logares sombrios das mattasetc. furlando-se <strong>de</strong>ste modo,<br />
facilmente, aos olhos dos outros animaes. Pô<strong>de</strong> variar extraordinariamente.<br />
O typo mais bello, talvez, que possue o<br />
Brazil é a cobra-coral (Elaps corallinus), mas não serve <strong>de</strong><br />
adorno ás moças brazileiras como diz Arthur Mangin na sua<br />
phantasia scientifica intitulada Nos ennemis, acompanhado<br />
pelo auctor do artigo—Serpents do Diccionario <strong>de</strong> Jaccoud<br />
Muda.— Os ophidios mudam <strong>de</strong> vestidura diversas vezes<br />
no anno. O <strong>de</strong>scollamento começa pelos lábios, e o animal<br />
roçando por páos e por pedras completa-o, <strong>de</strong>spojando-se
— 12 —<br />
<strong>de</strong> uma só vez do anligo envolucro escamoso já então<br />
subslituido por outro mais elegante porque mais novo. E'<br />
commum encontrarem-se estas cascas <strong>de</strong> cobra inteiras da<br />
cabeça á cauda, o que se dá raramente quando o animal<br />
está preso ; nesta circumstancia a pelle é sempre rompida<br />
em diversos pontos. Por occasião da muda acredita o povo<br />
que a cobra não tenha veneno. Não é exacto; o que se dá<br />
é que ella torna-se abatida, recusando mor<strong>de</strong>r, fugindo<br />
mesmo dos outros animaes; é o que observámos com um<br />
jararacussú (Bothrops jararacussú), que tivemos no laboratório<br />
<strong>de</strong> physiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, é o que observam<br />
todos os erpetologistas. Depois da muda as mor<strong>de</strong>duras são<br />
muito mais perigosas: o veneno accumulara-se na glândula<br />
e então é injectado em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>.<br />
Hibernação.—Nos paizes frios, durante o inverno, as<br />
serpentes, como os outros animaes <strong>de</strong> sangue frio, refugiam-se<br />
em escondrijos on<strong>de</strong> ficam cahidas em uma espécie<br />
<strong>de</strong> somno lethargico, <strong>de</strong> que não saem nem para tomar<br />
alimento ; esta vida oscillante é o que se chama hibernação.<br />
No nosso clima tropical, se bem que diminua o numero<br />
das serpentes durante o inverno, porque algumas realmente<br />
se escon<strong>de</strong>m, em qualquer época do anno, estamos sugeitos<br />
a encontral-as a cada passo e a qualquer hora do dia (jararacussú)<br />
ou da noite (jararaca)<br />
Alimentação.—Consta sempre <strong>de</strong> animaes—balracios,<br />
aves, etc. Os Proteroglyphos e Solenoglyphos mor<strong>de</strong>m primeiro<br />
a victima, esperando que esta morra para só então<br />
ser <strong>de</strong>glutida. Os Opistoglvphos vão introduzindo-a na bocca
— 13 —<br />
até attingir os <strong>de</strong>ntes venenosos; quando a viclima não dá<br />
mais o menor signal <strong>de</strong> vida é ingerida. Os Azemiophi-<br />
dios pequenos matam-n'as por uma <strong>de</strong>mora prolongada<br />
entre os <strong>de</strong>ntes, os gran<strong>de</strong>s (giboias, etc.) nella se enroscam.<br />
apertam os anneis esmigalhando-a. E' notável o tempo que<br />
uma serpenle pô<strong>de</strong> passar sem alimento, fazendo este facto<br />
que o povo pense que a abstinência é absoluta e que seja<br />
seu alimento o veneno. O Dr Ladisláo Netto, director do<br />
Museu Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, refere que uma giboia<br />
(Bòa constrictor) recusava tomar qualquer espécie <strong>de</strong> alimento<br />
havia já três annos. A digestão é extremamente laboriosa e<br />
<strong>de</strong>morada.<br />
Postura.—Os ophidios, na maior parte, põem ovos<br />
e mesmo incubam-n'os, elevando-se então o calor do animal<br />
que assim mantém os ovos em temperatura relativamente<br />
alta. Estes têm uma casca apergaminhada. Outras espécies<br />
são ovoviviparas, isto é, que os ovos abrem ainda no ventre<br />
do animal, vendo-se então sahir já a prole formada.<br />
Classificação.—A classificação mais geralmente acceita<br />
e, na verda<strong>de</strong>, a melhor, sob todos os pontos <strong>de</strong> vista, é a<br />
que fazem Dumeril e Bibron na segunda edição (1853) da sua<br />
Erpetologia geral. Partindo da venenosida<strong>de</strong> ou não das serpentes,<br />
estes auctores tiraram os caracteres toxonomicos<br />
básicos da conformação, cstructura, distribuição dos <strong>de</strong>ntes,<br />
servindo-se da conformação externa da cabeça, cauda, etc,<br />
dos costumes, para caracterisar as famílias, os gêneros c<br />
as espécies. Por esta classificação a or<strong>de</strong>m dos Ophidios é<br />
dividida em cinco sub-or<strong>de</strong>ns, sendo as duas primeiras
— 14 —<br />
completamente <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> peçonha, a terceira raramente.<br />
perigosa, a quarta bastante e a quinta muitíssimo fatal em<br />
suas mor<strong>de</strong>duras.<br />
Para evitar prolixida<strong>de</strong>, apresentamos este quadro que<br />
faz bem conhecer a classificação a que nos referimos :<br />
faltando em um ou em outro maxillar Opoterodontes )<br />
Í | Azemiophidios<br />
todos cheios e lisos Aglyphodontes )<br />
existindo /<br />
dois n m S axil- L^OT^lmmVÍ^^-SP 1 ? 0 ^?^? 8 I Toxico P nidios<br />
lares " se col locados ( adiante Proteroglyphos ou<br />
( Lse moveis!. Solenoglyphos ) Thanatophidios<br />
Os naturalistas allemães reúnem os Aglyphodontes e<br />
os Opistoglyphos em uma só sub-or<strong>de</strong>m a dos Colubriformes,<br />
o que apresenta o inconveniente <strong>de</strong> reunir serpentes<br />
completamente inoííensivas a outras cujas picadas são ás<br />
vezes fataes, tanto assim que elles, reconhecendo o <strong>de</strong>feito<br />
<strong>de</strong> tal classificação, subdivi<strong>de</strong>m os Colubriformes em C. aglyphos<br />
e C.opistoglygphos. Antes ficar, portanto, com Dumeril<br />
e Bibron.<br />
Estas cinco sub-or<strong>de</strong>ns são subdivididas em muitas famílias,<br />
gêneros e espécies numerosíssimas, que, mencionar,<br />
seria tomar-nos um espaço enorme inutilmente. Fallemos<br />
apenas das duas ultimas sub-or<strong>de</strong>ns que são as verda<strong>de</strong>iramente<br />
perigosas.<br />
Aos Proteroglyphos, Dumeril e Bibron divi<strong>de</strong>m em duas<br />
famílias: Conocercas (cauda conica), cujos principaes gêneros<br />
são os Elaps e os Najas, os quaes vivem nas regiões<br />
quentes do globo, no meio das pedras; Platycercas (cauda<br />
achatada), <strong>de</strong> que os principaes gêneros são os Platures e<br />
os Hydrophidios que vivem nos mares tropicaes. Os Soleno<br />
glyphos são também divididos em duas familias: Viperianos
— 15 —<br />
i Viperi<strong>de</strong>os, que não têm <strong>de</strong>pressão abaixo e atraz das<br />
rinas e cujos gêneros principaes são: Acanthophidios,<br />
iliadas, Viboras, Echidnéas, Cerastes, Echi<strong>de</strong>s, etc ; Cro-<br />
lianos, que têm, no bordo dos lábios e adiante dos olhos,<br />
pressões e fossetas cujo uso não é ainda bem conhecido;<br />
gêneros Crotal, Lachesis, Trigonocephalo, Leiolepido,<br />
)throps, Alrcpos, etc, são os principaes.<br />
Serpentes venenosas do Brazil.—Entre os Opistogly-<br />
íos encontramos a cobra-cipó — Coluber bicarinatus, Neuw.,<br />
limpa-matto—Coluber ceuchria, Neuw , cujas mor<strong>de</strong>duras<br />
o quasi sempre sem máos acci<strong>de</strong>ntes. Entre os Proteroglytos<br />
temos a cobra-coral—Elaps corallinus. Infelizmente, nos<br />
<strong>de</strong>noglyphos contamos gran<strong>de</strong> numero: urutu — Bothrops<br />
utú, Lacerda, a mais rara, porém a mais perigosa; jararaca<br />
)throps jararaca, extraordinariamente espalhado no Brazil;<br />
raracussú—Bothrops jararacussú, Lac. (B. atrox, Wagler);<br />
rucucú — Lachesis mutus—Daudin (Bothrops surucucu,<br />
r agler, Lachesis rombeata, Neuwied); surucutínga (que na<br />
igua indígena quer dizer surucucu branco), consi<strong>de</strong>rada<br />
:1o Dr. Lacerda como a fêmea do surucucu; cascavel—<br />
otalus horridus. Para maior <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>stas espécies braziiras<br />
vejam-se os livros do Dr. Lacerda (1) e <strong>de</strong> E. Brehm (2).<br />
(1) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda— Leçons Sur \e venin <strong>de</strong>s serpents du Brésil, Rio, 1884.<br />
ri) A. E. Brehm—Les reptiles et les batraciens, Paris, 1885.
— 14 —<br />
completamente <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> peçonha, a terceira raramente<br />
perigosa, a quarta bastante e a quinta muilissimo fatal em<br />
suas mor<strong>de</strong>duras.<br />
Para evitar prolixida<strong>de</strong>, apresentamos este quadro que<br />
faz bem conhecer a classificação a que nos referimos :<br />
faltando em um ou em outro maxillar<br />
todos cheios e lisos<br />
existindo<br />
Opoterodontes )<br />
> Azemiophidios<br />
Aglyphodontes<br />
dois n m S axil- I S Í Í o - i ^ - Opistoglyphos J Toxicophidios<br />
lares ve feSllocidos ( adiante Proteroglyphos ou<br />
Sosei^S.. Solenoglyphos Thanatophidios<br />
Os naturalistas allemães reúnem os Aglyphodontes c<br />
os Opistoglyphos em uma só sub-or<strong>de</strong>m a dos Colubriformes,<br />
o que apresenta o inconveniente <strong>de</strong> reunir serpentes<br />
completamente inoííensivas a outras cujas picadas são ás<br />
vezes fataes, tanto assim que elles, reconhecendo o <strong>de</strong>feito<br />
<strong>de</strong> tal classificação, subdivi<strong>de</strong>m os Colubriformes em C. aglyphos<br />
e C. opistoglygphos. Antes ficar, portanto, com Dumeril<br />
e Bibron.<br />
Estas cinco sub-or<strong>de</strong>ns são subdivididas em muitas famílias,<br />
gêneros e espécies numerosíssimas, que, mencionar,<br />
seria tomar-nos um espaço enorme inutilmente. Fallemos<br />
apenas das duas ultimas sub-or<strong>de</strong>ns que são as verda<strong>de</strong>iramente<br />
perigosas.<br />
Aos Proteroglyphos, Dumeril e Bibron divi<strong>de</strong>m em duas<br />
famílias: Conocercas (cauda conica), cujos principaes gêneros<br />
são os Elaps e os Najas, os quaes vivem nas regiões<br />
quentes do globo, no meio das pedras; Platycercas (cauda<br />
achatada), <strong>de</strong> que os principaes gêneros são os Plalures e<br />
os Hydrophidios que vivem nos mares tropicaes. Os Soleno<br />
glyphos são também divididos em duas famílias: Viperianos
— 15 —<br />
Viperi<strong>de</strong>os, que não têm <strong>de</strong>pressão abaixo e atraz das<br />
rinas e cujos gêneros principaes são: Acanthophidios,<br />
liadas, Víboras, Echidnéas, Cerastes, Echi<strong>de</strong>s, etc ; Cro-<br />
ianos, que têm, no bordo dos lábios e adiante dos olhos,<br />
pressões e fossetas cujo uso não é ainda bem conhecido;<br />
gêneros Crotal, Lachesis, Trigonocephalo, Leiolepido,<br />
throps, Alrcpos, etc, são os principaes.<br />
Serpentes venenosas do Brazil.—Entre os Opistoglyos<br />
encontramos a cobra-cipó — Coluber bicarinatus, Neuw.,<br />
limpa-matto—Coluber ceuchria, Neuw., cujas mor<strong>de</strong>duras<br />
) quasi sempre sem máos acci<strong>de</strong>ntes. Entre os Proterogly-<br />
os temos a cobra-coral—Elaps corallinus. Infelizmente, nos<br />
lenoglyphos contamos gran<strong>de</strong> numero: urutu — Bothrops<br />
utú, Lacerda, a mais rara, porém a mais perigosa; jararaca<br />
throps jararaca, extraordinariamente espalhado no Brazil;<br />
'aracussú—Bothrops jararacussú, Lac. (B. atrox, Wagler);<br />
rucucú — Lachesis mutus—Daudin (Bothrops surucucu,<br />
agler, Lachesis rombeata, Neuwied); surucutínga (que na<br />
gua indígena quer dizer surucucu branco), consi<strong>de</strong>rada<br />
Io Dr. Lacerda como a fêmea do surucucu; cascavel—<br />
atalus horridus. Para maior <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong>stas espécies brazi-<br />
ras vejam-se os livros do Dr. Lacerda (1) e <strong>de</strong> E. Brehm (2).<br />
(1) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda— Leçons sur te venin <strong>de</strong>s serpents du Brésil, Rio, 1881.<br />
(-2) A. E. Brehm—les reptiles et les batraciens, Paris, 1885.
— 16 —<br />
CAPITULO II<br />
1 peçasha dos ophldlai<br />
A peçonha ophidia é o producto <strong>de</strong> elaboração physiologica<br />
<strong>de</strong> um apparelho situado na mandibula superior das<br />
serpentes e capaz <strong>de</strong>, injectado nos tecidos animaes, produzir<br />
acci<strong>de</strong>ntes mórbidos mais ou menos graves.<br />
De cor geralmente amarella semelhante á da gemma<br />
d'ovo nas espécies brazileiras, pô<strong>de</strong> em cerlas outras ir até o<br />
amarello-pallido ou esver<strong>de</strong>ado. Sem ser viscoso, é um liquido<br />
<strong>de</strong> consistência gommosa, <strong>de</strong>ssecca-se ao ar,torna-se solido,<br />
apresentando neste caso, muitas vezes, superfície vitrea, brilhante,<br />
quebrada— verda<strong>de</strong>iracrystallisação superficial, qui-<br />
zeram James e Mead,—pura illusão óptica, provaram alente<br />
e o microscópio. Inodoro é <strong>de</strong> sabor adstringente mas não<br />
cáustico.<br />
Ha divergência entre os ophiologistas sobre a acção das<br />
peçonhas ophidias ao papel <strong>de</strong> tournesol. «Estas divergências<br />
são <strong>de</strong>vidas, muito provavelmente, ás condições diversas em<br />
que a reacção tem sido ensaiada. Kaufmann, entregue ultimamente<br />
a estudos accurados sobre a peçonha da vibora, no<br />
Laboratório <strong>de</strong> Physiologia da Escola Veterinária <strong>de</strong> Lyão,<br />
estudos ainda inéditos, observou que a peçonha fresca da vi<br />
bora é sempre ácida e envermelhece fortemente o papel azul<br />
<strong>de</strong> tournesol, emquanto que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns dias <strong>de</strong> conser<br />
vação em solução aquosa ella se limita a <strong>de</strong>scorar o papel
— 17 —<br />
azul.» (1)E'o liquido buccal quem lhe <strong>de</strong>stróe a aci<strong>de</strong>z,queé<br />
<strong>de</strong>vida unicamente ao phosphato <strong>de</strong> cal,que na peçonha existe<br />
Viaud-Grand-Marais). (2)<br />
Coagulavel pelo álcool, insoluvel no ether, é bastante<br />
solúvel n'agua, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> secca pela exposição ao<br />
ir ou calor, communicando á solução a sua cor própria ama-<br />
•ella. Conserva a activida<strong>de</strong> tóxica por muitos mezes, princi-<br />
Dalmente quando secca e ao abrigo do ar humido que lhe faz<br />
offrer a transformação ammoniacal que a <strong>de</strong>stróe complela-<br />
uente.<br />
Pelo calor, em uma cápsula, ferve, sécca, se carbonisa<br />
>or fim <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ndo o cheiro das substancias corneas em<br />
gnição. Aquecendo a 100° a peçonha da Bothrops jararacussú,<br />
) Dr Lacerda diz ter-lhe alterado a composição, aniquilado<br />
:ompletamente a activida<strong>de</strong> tóxica, ao contrario <strong>de</strong> A. Gau-<br />
ier que levou a 125° a da Cobra-capello eWlníer-Blylh a 100°<br />
<strong>de</strong> outra Para Weir-Mitchel uma ebulição prolongada não<br />
iltera a peçonha do Crotalus durissus, emquanto que a 70° a<br />
Io Crotalus adimanteus per<strong>de</strong>ria as proprieda<strong>de</strong>s tóxicas. A 5<br />
liversida<strong>de</strong> das espécies em experiência ou á das condições<br />
esta se <strong>de</strong>ve attribuir o <strong>de</strong>saccôrdo ?Inclinamo-nos á ultima<br />
iypothese, o que motivaremos d'aqui a pouco. E a necessida<strong>de</strong><br />
a elucidação d'esle facto é capital, quer no ponto <strong>de</strong> vista<br />
implesmente especulativo, quer no ponto <strong>de</strong> vista clinico.<br />
Quando a peçonha ophidia está secca, os ácidos fortes<br />
penas a diluem em uma pasta liquida, o que não acontece<br />
om a maior parle dos ácidos vegetaes. O ácido azotico colore-a<br />
m amarello. Os ácidos azotico, chlorhydrico precipitam a<br />
(1) Arloing, in Dict. ency. <strong>de</strong>s sciences rnédicales, 1886, art. Venín.<br />
(2) Viaud-Grand-Marais-id 1883 art. Serpents.<br />
3 1888—B
— 18 —<br />
solução do veneno em flocos que se redissolvem por um ex<br />
cesso <strong>de</strong> ácido ou ennegrecem por um pouco <strong>de</strong> ácido sulfurieo.<br />
Ha com o ácido tannico um precipitado branco abun<br />
dante que se redissolve na ammonea; com a água chlorada<br />
precipitação abundante, com a solução iodo-iodurada lambem<br />
precipitado abundante solúvel em excesso <strong>de</strong> reactivo. A analyse<br />
chimica da peçonha dos ophidios ainda paira no labyrinlho<br />
das divergências, ainda não disse a ultima palavra.<br />
Procedamos chronologicamente na rápida revista que<br />
faremos dos trabalhos mais importantes que têm apparecido,<br />
procurando esclarecer este ponto importante da Ophiologia.<br />
E, para tornarmos o nosso trabalho menos fastidioso aos<br />
que o lerem, poremos <strong>de</strong> lado velhas opiniões inteiramente<br />
errôneas, como a <strong>de</strong> Fontana, que consi<strong>de</strong>rava o veneno<br />
ophidio uma gomma animal, para mais utilmente preenchermos<br />
este espaço com o <strong>de</strong>talhar <strong>de</strong> analyses chimicas<br />
mo<strong>de</strong>rnas, só dignas <strong>de</strong> attenção.<br />
Destas a mais antiga e importante é a do príncipe Luciano<br />
Bonaparte (1843), sobre a peçonha da vibora que assim<br />
diz elle constituída:<br />
uma matéria corante amarella ;<br />
uma substancia solúvel no álcool;<br />
albumina ou mucusque po<strong>de</strong>m falhar;<br />
uma matéria graxa;<br />
saes (phosphatos chloruretos);<br />
um principio particular a que elle chamou<br />
echidnina ou viperina. Eis resumidamente o processo <strong>de</strong> que<br />
serviu-se Bonaparte para obtenção d'este ultimo corpo :—<br />
Coagula a peçonha por gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool, filtra e<br />
lava o resíduo com mais álcool ; o que ficou <strong>de</strong>ntro do filtro
— 19 —<br />
elle sécca, trata pela água distillada, evapora a solução, trata<br />
pelo ether, evapora <strong>de</strong> novo e o residuo será constituído<br />
pela echidnina <strong>de</strong> mistura com alguns saes <strong>de</strong> que ainda se<br />
pô<strong>de</strong> separal-a, tratando algumas vezes por água acidulada<br />
por ácido acetico e lavagens com álcool. Este principio<br />
assim obtido, inodoro, incolor, <strong>de</strong> aspecto gommoso, solúvel<br />
n'agua fria ou quente, tem reacção neutra. Não é uma<br />
gomma: dissolvida a quente com um pouco <strong>de</strong> ácido azotico,<br />
e solidificada <strong>de</strong>pois pelo resfriamento não dá ácido mucico:<br />
é um principio azotado Precipitada pelo álcool redissolve-se<br />
n'agua o que a approxima dos fermentos dos suecos<br />
digestivos, ptyalina, etc, afastando-se, entretanto, <strong>de</strong>stes<br />
por precipitar-se pelo sulphato <strong>de</strong> sesquioxydo <strong>de</strong> ferro.<br />
Como a albumina, a gelatina, etc, ella tinge <strong>de</strong> violete o<br />
bioxydo <strong>de</strong> cobre hydratado,se fôr antecipadamente dissolvida<br />
n'agua com potassa. Putrefaz-se dando produetos infectos<br />
como as substancias proteicas. Aquecida com um pouco <strong>de</strong><br />
potassa, <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> ammonea.<br />
Winter Blyth <strong>de</strong>scobre, na proporção <strong>de</strong> 0,1 por 100<br />
uma substancia ácida, cryslallisada em pequenas agulhas,<br />
muito tóxica, que elle acredita ser o principio activo do<br />
veneno ophidio, tendo se servido do seguinte meio :—Coagula<br />
a peçonha pelo álcool, filtra, secca pela evaporação o residuo<br />
do filtro, retoma pelo acetato plumbico que dá um precipitado<br />
abundante, prelo, que se <strong>de</strong>compõe pelo ácido sulphydrico ;<br />
pela evaporação ohtêm-se pequenas a^uihas.<br />
Weir-Mitchel por processos análogos aos <strong>de</strong> L. Bonaparte,<br />
assim consi<strong>de</strong>ra a peçonha das Crotaes :<br />
— substancias albuminoi<strong>de</strong>s coagulaveis na<br />
temperatura da água fervente;
— 20 —<br />
— matérias corantes ver<strong>de</strong> e amarella ;<br />
— traços <strong>de</strong> substancias graxas;<br />
— saes—chloruretos, phosphatos (phosphaloammoniaco-magnesiano,<br />
etc);<br />
— água servindo <strong>de</strong> vehiculo;<br />
— emfim uma substancia albuminoi<strong>de</strong> não<br />
coagulavel a 100°—a crotalina.<br />
Mais tar<strong>de</strong> ainda Weir-Mitchel <strong>de</strong> collaboração com T<br />
Reichert communicaram á Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Sciencias <strong>de</strong> Phila<strong>de</strong>lphia<br />
trabalhos sobre algumas serpentes da Norte-America,<br />
cujos resultados eram que naquellas espécies a peçonha constituia-se<br />
por três substancias proteicas: pepto-peçonha, globulino-peçonha,<br />
albumino-peçonha. Experimentando em pombos,<br />
<strong>de</strong>ram como resultado ser a globulino-peçonha a mais<br />
activa e actuar como veneno completo; a pepto-peçonha que<br />
é solúvel n'agua distillada como aquella, mas não coagulavel<br />
a 100°, ser <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> tóxica menor, nada po<strong>de</strong>ndo affirmar<br />
esses illustres experimentadores sobre o po<strong>de</strong>r tóxico da<br />
terceira substancia.<br />
E' por processos mais ou menos semelhantes que os<br />
erpetologistas têm retirado do terrivel liquido <strong>de</strong> secreção<br />
das serpentes, princípios activos dando-lhes nomes <strong>de</strong>rivados<br />
das espécies animaes don<strong>de</strong> provêm como—najina, elaphina<br />
etc. Como classifical-os chimicamente ? Que papel representam<br />
elles perante as peçonhas ophidias, estas perante as<br />
serpentes e suas victimas? Dil-o-hemos d'aqui a pouco.<br />
D'aqui a pouco, sim, porque manifestar a nossa opinião<br />
é ir <strong>de</strong> encontro á <strong>de</strong> um dos maiores vultos da chimica biológica<br />
em França, o Sr Armand Gautier; e para isso força é
— 21 —<br />
discutir os seus trabalhos,mostrando,pelo menos.que elles são<br />
insuíficienies para fornecer convicção das conclusões a que<br />
chega o illuslre discípulo <strong>de</strong> Wurtz.<br />
Estudando asptomainase leucomainas A. Gautier esten<strong>de</strong>u<br />
suaspesquizas ás peçonhas da Cobra-capello {Naja tripudiam)<br />
e doTrigonocephalo (Trigonocephalus contortrixf). Cite-<br />
mol-o textualmente : « Retirei <strong>de</strong> umapequenaquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
peçonha do Trigonocephalo e sobretudo do Naja da índia, dois<br />
alcalói<strong>de</strong>s que precipitam pelo lannino, reactivos <strong>de</strong> Meyer,<br />
<strong>de</strong> Nessler, iodureto <strong>de</strong> potássio iodurado e outros reactivos<br />
geraes das bases orgânicas dando chloroplatina*tos e chlorauratos<br />
cryslalüsaveisjchlorhydratos solúveis ecrystallisados,um<br />
pouco <strong>de</strong>liquoscentes.Estes alcalói<strong>de</strong>s têm,além disto,a proprie<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar inimediatamente azul da Prússia, em licor neu<br />
tro ou ligeiramente ácido, quando tratados successivamente<br />
pelo ferricyanurelo <strong>de</strong> potássio e os saes ferricos. São pois,<br />
evi<strong>de</strong>ntemente duas substancias da classe das ptomainas.<br />
Mas a analogia das peçonhas com os extractos cadavericos ou<br />
urinarios vai mais longe. Ao lado <strong>de</strong>stes alcalói<strong>de</strong>s que con<br />
tribuem para a acção tóxica das peçonhas das serpentes,<br />
encontra-se, pelo menos na do Naja que mais particular<br />
mente estu<strong>de</strong>i, uma substancia á qual esta secreção chimica<br />
<strong>de</strong>ve suas tão temíveis proprieda<strong>de</strong>s. Por falta <strong>de</strong> material<br />
não pu<strong>de</strong> ainda fazer-lhe o estudo completo, mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já<br />
posso aííirmar que ella não é nem alcaloidica, nem albuminoi<strong>de</strong>,<br />
se allera rapidameute nos alcalis fixos, é insoluvel no<br />
álcool e sua acção tóxica resiste a 100° e mesmo a 125°, prova<br />
evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que nãoé da natureza dos fermentos.» (1)<br />
(1) A. Gautier-Les alcalói<strong>de</strong>s <strong>de</strong>rives <strong>de</strong>s matières proteiques sous l'iníluence <strong>de</strong><br />
Ia vie <strong>de</strong>s ferments et <strong>de</strong>s tissus-in Journal
— 22 —<br />
D'on<strong>de</strong> se conclue, resumindo, que para A. Gautier:<br />
1.° A principal matéria activa das peçonhas não é albuminoi<strong>de</strong><br />
porque: a) «<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terextrahido <strong>de</strong>stas substancias<br />
todas as matérias proteicas que continham, conservam-se ellas<br />
activas; b) as substancias albuminoi<strong>de</strong>s d'ahi retiradas não<br />
têm acção tóxica.» (1)<br />
2.° Nãoé também alcaloidica, si bem que pouco tempo<br />
antes elle dissesse perante a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Paris baseando-se<br />
nos mesmos factos que motivaram as conclusões do primeiro<br />
artigo citado : «As matérias activas extrahidas pertencem ás<br />
funcções alcaloidicas ou neutras e não ás albuminoi<strong>de</strong>s.» (2)<br />
3.° Altera-se sempre pelos alcalis fixos.<br />
4° Nãoé solúvel no álcool porque « <strong>de</strong>pois do esgotamento<br />
pelo álcool a frio e a quente a peçonha nada per<strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong> sua activida<strong>de</strong> »<br />
5.° Não é da natureza dos fermentos solúveis ou diastasicos<br />
como a ptyalina, pepsina, pancreatina etc porque pô<strong>de</strong><br />
ser levada a 100° e mesmo a 125° sem per<strong>de</strong>r a activida<strong>de</strong><br />
tóxica. E é este o ponto capital da nossa divergência com<br />
A. Gautier<br />
Comecemos pela base em que se fundou elle. Tomemos<br />
a pancreatina em suas três partes.Não sabemos nós que a myopsina<br />
(Defresne) ou trypsina (Kühne) pô<strong>de</strong>, sem per<strong>de</strong>r suas<br />
proprieda<strong>de</strong>s sobre os albuminoi<strong>de</strong>s, ser aquecida a 100°<br />
quando secca e que em solução altera-se em muito mais<br />
baixa temperatura? Que ainda a amylapsina per<strong>de</strong> todas as<br />
suas proprieda<strong>de</strong>s diastasicas em solução, ao passo que <strong>de</strong>sseccada<br />
não se altera mesmo a 100° ? Si bem que nada<br />
(1) Bulletin <strong>de</strong> 1'Acaâ. <strong>de</strong>Med. <strong>de</strong> Paris—1881—pag. 947.<br />
(.) A. Gautier—Bu lletin <strong>de</strong> V Acad. <strong>de</strong>Med. <strong>de</strong> Paris—1881—pag. 948.
— 23 —<br />
possa se affirmar por ainda não ter sido isolada, é pelo menos<br />
provável que o mesmo se dê com a steapsina, pois que faclo<br />
idêntico passa-se com outras diastases como por exemplo a<br />
pepsina que, secca, resiste ao calor <strong>de</strong> 100° (1). E' verda<strong>de</strong><br />
que A. Gautier aqueceu o veneno das cobras, em solução,<br />
mas é ainda verda<strong>de</strong> que fica provada a insuficiência plena<br />
do argumento. Ainda mais, a conservação da activida<strong>de</strong> tóxica<br />
é incompativel com a perda da proprieda<strong>de</strong> fermentescivel ?<br />
E' o que A. Gautier não diz e no entanto era imprescindivel<br />
para mesmo assim, como acabamos <strong>de</strong> mostrar, ainda ter<br />
pouco valor o argumento do eminente chimico francez, não<br />
precisando nós contrapôr-lhe os resultados contrários, a que<br />
chegaram Weir-Mitchel e o Dr Lacerda, já referidos.<br />
Bechamps eBaltus,com o sueco panerealico,Lacerdacom<br />
a pancreatina, Vulpian com a saliva normal do homem (2)<br />
fazendo injecções hypo<strong>de</strong>rmicas em differentes animaes ob<br />
tiveram effeitos, senão iguaes, pelo menos muito análogos<br />
aos das mor<strong>de</strong>duras das cobras. O próprio A. Gautier obteve<br />
com esses suecos animaes os mesmos effeitos, e, tendo encontrado<br />
n'elles ainda princípios, uns alcaloidicos e outros<br />
não alcaloidicos, conclue, surprehen<strong>de</strong>ndo a quem o lê,<br />
nestes termos: « A peçonha das serpentes não me perece<br />
difíerençar-se da nossa saliva senão pela intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
seus effeitos e não por sua natureza intima. »<br />
Se magna é a analogia no ponto <strong>de</strong> vista toxicologico,<br />
maior é ella no ponto <strong>de</strong> vista chimico : as proprieda<strong>de</strong>s<br />
(D H. Beaunis— Physiologie humaine 2 m e. edition pags. 692 e 668.<br />
(2i Não nos referimos aqui á chamada scepticemia <strong>de</strong> Pasleur, moléstia nova, resultante<br />
da injecção dos micróbios encontrados na saliva do homem são, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
soltrerem cultura em caldo, seruin etc; falíamos das injecções da própria saliva e nu<br />
estado fresco, os symptomas notados pelos ex.peri,nentadòres citadus suo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns<br />
nervosas, extravasaròes sangüíneas etc.
— 24 —<br />
geraes da echidnina ou viperina, crotalina, tiagina etc que<br />
são tão approximadas em todas as proprieda<strong>de</strong>s a po<strong>de</strong>rem<br />
ser consi<strong>de</strong>radas idênticas e reunidas, sob um nome genérico,<br />
n'um grupo o dos fermentos ophitos a que chamaremos<br />
thanatophiases ou melhor toxicophiases com mais proprieda<strong>de</strong><br />
do que echidnases, como quer Viaud Grand-Marais, essas<br />
proprieda<strong>de</strong>s geraes, diziamos, são as que caracterisam<br />
lambem todas as zymases conhecidas, segregadas, quer por<br />
animaes ptyalina, quer por vegetaes papaina, quer ainda<br />
pelos fermentos figurados a amylase do Aspergillus glaucus.<br />
Ei-las, as principaes:<br />
São neutras, o que as afasta das substancias básicas ; o<br />
bioxydo<strong>de</strong> cobre hydratado as colore em violete como todas<br />
as substancias proleicas; como todas as zymases são muito<br />
solúveis n'agua fria ou quente, d'on<strong>de</strong> são precipitadas pelo<br />
álcool, mas não o são pelo subacetato <strong>de</strong> chumbo; pela calcinação<br />
<strong>de</strong>spren<strong>de</strong>m o cheiro das substancias corneas em<br />
ignição e outros caracteres que já foram apontados a propósito<br />
<strong>de</strong> suas preparações. O processo acima referido <strong>de</strong><br />
Winter Blyth é baseado na seguinte proprieda<strong>de</strong> notável das<br />
zymases: « a facilida<strong>de</strong> com a qual são arrastadas <strong>de</strong> sua solução<br />
aquosa por todos os precipitados amorphos a que se dá<br />
nascimento no liquido. E' assim que ellas são englobadas e<br />
arrastadas pelos precipitados que o sublimado corrosivo, saes<br />
plumbicos e a maior parte dos saes metallicos formam com<br />
as matérias albuminoi<strong>de</strong>s; mas quando se <strong>de</strong>compõem estes<br />
precipitados pelo ácido sulphydrico, o fermento se redissolve<br />
acompanhado <strong>de</strong> mais ou menos matérias albuminoi<strong>de</strong>s. » (1)<br />
(1) Garnier—Ferments et fermentations pag. 15, 1888.
— 25 —<br />
Eis aqui, finalmente, as provas directas que mostram<br />
peremptoriamente serem as toxicophiases da categoria dos<br />
fermentos diastasicos,— será peçonha dos ophidios um sueco<br />
digestivo.<br />
« Um fragmento <strong>de</strong> músculo bovino fresco foi contundido<br />
ligeiramente e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> havermol-o separado em 3 ou 4 pedaços,<br />
lançámos tudo em uma cápsula contendo um pouco<br />
d'agua distillada. Deixou-se cahir então <strong>de</strong>ntro da cápsula,<br />
pequena quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma solução aquosa do veneno do<br />
surucucu guardado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos dias. Logo que a solução do<br />
veneno foi lançada <strong>de</strong>ntro da cápsula, o músculo per<strong>de</strong>u o seu<br />
aspecto normal, tornando-se pallido, como que crispado, as<br />
fibras mais apparentcse já um pouco <strong>de</strong>sassociadas. A cápsula<br />
com o seu conteúdo foi <strong>de</strong>pois introduzida em uma estufa <strong>de</strong><br />
temperatura constante d'Arsonval mantendo-se a temperatura<br />
a 30°, O aquecimento durou apenas 4 horas. Deseseis horas<br />
<strong>de</strong>pois foi retirada a cápsula da estufa e examinando o seu<br />
conteúdo, encontrámos no meio <strong>de</strong> um liquido <strong>de</strong> cor escura<br />
esver<strong>de</strong>ada, com forte rcacção ácida e um cheiro sui generis,<br />
os fragmentos do músculo completamente <strong>de</strong>scorados, alguns<br />
já muito amollecidos e as fibras <strong>de</strong>sassociadas, outros ainda<br />
resistentes e como retrahidos. Na superfície <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses<br />
fragmentos o aspecto fibrillar havia <strong>de</strong>sapparecido. Não se<br />
notava nelle cheiro <strong>de</strong> putrefacção, mas um cheiro um pouco<br />
ácido como o da carne macerada. Pelo exame microscópico<br />
vimos que algumas fibras tiradas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses fragmentos<br />
<strong>de</strong> músculo tinham ainda a sua striação normal » (1)<br />
(I) Dr. J. B. <strong>de</strong> Lacerda—Provas experimentaes <strong>de</strong> que a peçonha dos ophidios<br />
é um sueco digestivo. Rio <strong>de</strong> Janeiro—1881.<br />
i 1888—B
— 26 —<br />
Por esta experiência o nosso dislinclo compatriota, o<br />
Dr. Lacerda moslra ter havido aqui um começo <strong>de</strong> digestão<br />
incontestável que teria sido completa se maior fosse a quanti<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno empregado e mais prolongada a acção do<br />
calor. Por experiências variadas e numerosas, realisadas no<br />
laboratório do Museu Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, experiências<br />
que não transcrevemos para não transpormos os<br />
limites traçados pelo programma da Faculda<strong>de</strong>, não só o<br />
Dr Lacerda como o pranteado e distinctissimo Dr. Couly,<br />
viram que a digestão da albumina do ovo coagulada pelo calor<br />
é completa, e que esta no eslado liquido é modificada a<br />
ponto <strong>de</strong> apresentar pelo calor um coagulo muito differente ;<br />
que o leite é coagulado e a caseina <strong>de</strong>sassociada pela peçonha<br />
dos ophidios que c portanto um fermento dos albuminoi<strong>de</strong>s—tal<br />
como a pepsina, myopsina (Defresne), casease<br />
(Duclaux).<br />
Não é só isto. A emulsão das gorduras é perfeita e persistente<br />
— tal como a steapsina.<br />
Cousa notável, o amido cozido, tratado pela solução do<br />
veneno n'agua distillada não dá, pelo licor <strong>de</strong> Fehling, a re-<br />
acção da glycose Não se trata pois <strong>de</strong> um fermento amylaceo.<br />
A peçonha dos ophidios, pois, approxima-se mais do<br />
sueco pancreatico do que da saliva, o que é perfeitamente<br />
explicável em um animal essencialmente carnívoro.<br />
Para saber-se qual o fim que teve a natureza com a<br />
peçonha ophita, não ha mister entrarmos no maremagnum<br />
das discussões philosophicas geralmente estéreis <strong>de</strong> resultados<br />
positivos, piincipalmente em questões <strong>de</strong>stas, on<strong>de</strong> os<br />
espíritos apaixonadamente doutrinários estão sempre em<br />
exclusivismo mal cabido. Não será um sueco digestivo a
— 27 —<br />
nossa saliva? E terá ella por único objectivo a transformação<br />
dos amylaceos em substancias assimiláveis? Não, certamente<br />
não—serve ainda para a <strong>de</strong>glutição, etc, etc.<br />
Em conclusão — a peçonha ophita foi dada aos toxicophidios<br />
para scr-lhes útil com o duplo fim, pelo menos, <strong>de</strong><br />
arma e sueco digestivo.<br />
Differençaras peçonhas dos vírus, venenos propriamente<br />
ditos, etc, seria per<strong>de</strong>r tempo e espaço ; faremol-o, entretanto,<br />
no correr do nosso trabalho per acci<strong>de</strong>ns nos <strong>de</strong>vidos logares.<br />
O Dr. Halford, examinando o liquido <strong>de</strong> secreção le-<br />
thifera das cobras, encontrou pequenas cellulas, que elle con<br />
si<strong>de</strong>rou como germens <strong>de</strong> matéria viva que se multiplicavam<br />
<strong>de</strong> uma maneira prodigiosa no sangue dos animaes inoculados<br />
com a peçonha. Vulpian não encontrou esses corpusculos.<br />
O Dr Lacerda encontrou-os mesmo ainda nos canaes dos<br />
<strong>de</strong>ntes inoculadores e vio n'elles movimentos brawnianos<br />
e amiboi<strong>de</strong>s. Destruindo o po<strong>de</strong>r tóxico do veneno por alta<br />
temperatura, esses corpusculos conservam-se ainda vivos e<br />
intactos, mostrando assim a nullida<strong>de</strong> do papel que elles representam<br />
nos effeitos tóxicos. No sangue não se reproduzem.<br />
Culturas feitas em extractos <strong>de</strong> carne, seru n sangüíneo,<br />
nenhum resultado <strong>de</strong>ram Serão os corpusculos zgmogeneos <strong>de</strong><br />
Bechamps que em contacto co.n as cellulas glandulares,<br />
por um verda<strong>de</strong>iro phenomeno <strong>de</strong> fermentação anacrobia<br />
como •magistralmente <strong>de</strong>screveram Gautier e Pasleur. como<br />
parece se dar com a saliva humana normal, e que uma vez<br />
sahidos do seu laboratório nada possam produzir, po<strong>de</strong>ndo,<br />
entretanto, se conservar vivos bastante tempo? Ou, para tor<br />
nar-nos mais claro, serão o fermento figurado cujo produeto<br />
é a toxicophiase?
— 28 —<br />
Nada <strong>de</strong> positivo pô<strong>de</strong> dizer a sciencia no estado<br />
actual<br />
A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno que uma cobra pô<strong>de</strong> injectar<br />
em cada mor<strong>de</strong>dura e a sua posologia tóxica, será tratada no<br />
capitulo do prognostico.
SfiffllA PARTE<br />
Feridas envenenadas pela peçonha dos ophidios<br />
CAPITULO I<br />
SymptQn&tdogia<br />
A exemplo <strong>de</strong> Viaud Grand-Marais, do professor Berne,<br />
<strong>de</strong>screveremos os symptomas da intoxicação ophidiana classificando-os<br />
em primitivos, secundários e lerciarios. Assim proce<strong>de</strong>ndo,<br />
lemos por principio a clareza, por base o methodo, por<br />
fim a verda<strong>de</strong>. No presente capitulo assignalaremos todos os<br />
symptomas que se po<strong>de</strong>m observar; no seguinte estudaremos<br />
a sua evolução costumeira, isto é, a marcha, duração e terminação<br />
Teremos sempre <strong>de</strong> vista a clinica, escudada na experimentação<br />
e observação.<br />
§ I. Symptomas primitivos<br />
São estes, como em toda a ferida por instrumento<br />
cortante, contun<strong>de</strong>nte ou picante — dôr immediata, escorrimento<br />
<strong>de</strong> sangue, impressão do agente vulnerante, apresentando<br />
cada um a individualida<strong>de</strong> própria da causa primeira.
A dor é na maior parte das vezes immediata e intensa :<br />
os indivíduos picados pela cobra dizem sentir milhares <strong>de</strong><br />
agulhas penetrando, percorrendo pelo membro acima, abaixo,<br />
em todos os sentidos, dores exasperadas pelo menor movimento<br />
da parte. Outras vezes é uma sensação <strong>de</strong> quei<br />
madura.<br />
Não é, entretanto, <strong>de</strong> constância infallivel, em casos<br />
raros vem tardiamente Expeiiencias <strong>de</strong> Mitchell, o mais<br />
tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grand-Marais, mostraram claramente que os caracteres<br />
acima são <strong>de</strong>vidos á introduccão do veneno nos tecidos,<br />
que a dôr produzida pelos colchetes é insignificantissima.<br />
A não ser picada uma artéria ou qualquer vaso <strong>de</strong> certa<br />
importância calibrosa, casos em que'ha um pequeno escorrimento<br />
<strong>de</strong> sangue, este é geralmente nullo: quando muito<br />
uma gotticula <strong>de</strong> sangue mostra o logar <strong>de</strong> cada colchete.<br />
Os signaes impressos sobre a victima são orifícios em numero<br />
<strong>de</strong> dous geralmente, pois que nos Proteroglyphos os<br />
<strong>de</strong>ntes pre-inoculadores po<strong>de</strong>m também <strong>de</strong>ixar signaes <strong>de</strong><br />
penetração, que se distinguem dos primeiros porqueaquelles,<br />
isto é, os orifícios <strong>de</strong>ixados pelos <strong>de</strong>ntes inoeuladores, têm<br />
bordos que tornam-se logo tumefaclos. Entretanto, pela retracção<br />
dos tecidos, <strong>de</strong>lga<strong>de</strong>za dos colchetes que pouco pene<br />
traram, gran<strong>de</strong> tumefacção inflammatoria c extensa e por<br />
outras causas, muitas vezes torna-se diílicillimo encontrar os<br />
signaes a que nos referimos. Não muito raro, a serpente<br />
<strong>de</strong>ixa um ou mesmo dous colchetes cravados na victima, inteiros<br />
ou quebrados, representando, neste caso, na ferida,<br />
papel <strong>de</strong> corpo estranho-<br />
Nestes primeiros momentos não ha symptomas geraes,<br />
po<strong>de</strong>ndo-se attribuir ao terror, o facto <strong>de</strong> certos indivíduos
— 31 —<br />
cahirem <strong>de</strong>sfallecidos, lerem um abalo nervoso que po<strong>de</strong> ir<br />
á syncope, pois a experimentação sobre animaes nunca fez<br />
observar laes phenomenos.<br />
Blol (l) que menciona dous casos <strong>de</strong> morte por assim<br />
dizer súbita, é inteiramente <strong>de</strong> nossa opinião.<br />
§11. Symptomas secundários<br />
Distinguiremos neste período SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS<br />
LOCAES 6 SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS GERAES OU DE INTOXICAÇÃO.<br />
Os LOCAES mais ou menos constantes são :<br />
— tumefacção inflammaloria,<br />
— dor secundaria,<br />
— entorpecimento,<br />
— resfriamento,<br />
— manchas lividas,<br />
— algumas lesões <strong>de</strong> Iocalisação inflammatoria,<br />
— gangrena precoce,<br />
— paralysia, conlraclura do membro, etc.<br />
A tumefacção inflammatoria é phenomeno constante, a<br />
não ser que medicação local bem dirigida, evacuando ou<br />
neutralisando o veneno immediatamente, possa impedil-a,<br />
a não ter sido picada uma .veia, caso em que o veneno é promplamente<br />
levado á circulação geral. Na maioria dos casos, por<br />
assim dizer immediata, só apparece em alguns, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
cinco, seis horas ou mais. Começando por uma aureola vio-<br />
lacea que circumda a ferida, esta tumefacção ce<strong>de</strong>matosa, que<br />
(1) J. Ch. Blol— í.n nior.
— 32 —<br />
não offerece os caracteres da inflammação clássica, inva<strong>de</strong><br />
rapidamente os tecidos vizinhos, tomando um membro inteiro<br />
em poucas horas; ás vezes pára bruscamente cm um<br />
ponto e d'ahi retrograda. E' notável esta tendência a ir in<br />
vadindo progressivamente os tecidos; é assim que injectado<br />
na pare<strong>de</strong> abdominal, o veneno pô<strong>de</strong> ir até o pcrhoneo e vísceras,<br />
nos membros, até os ossos. Resultam da gran<strong>de</strong> distensão,<br />
em certas regiões como por exemplo o pescoço, symptomas<br />
notáveis <strong>de</strong> compressão. Geralmente as partes tumefaclas tornam-se<br />
avermelhadas e quentes, outras vezes são pallidas e<br />
frias; outras vezes ainda tornam-se negras, <strong>de</strong> aspecto gangrenoso<br />
ou <strong>de</strong> asphyxia local. Depois <strong>de</strong> alguns dias a vermelhidão<br />
e o calor já não existem, persistindo só o engorgitamento<br />
ce<strong>de</strong>matoso, que <strong>de</strong>sapparece lentamente. Não muito raro<br />
estas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns terminam-se rapidamente pela mortificação<br />
A dor secundaria é uma sensação <strong>de</strong> tensão, resultante<br />
naturalmente das <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns acima referidas, exasperada pelo<br />
menor movimento dos músculos da região, o que é facilmente<br />
comprehensivel, tanto mais quanto veremos que o veneno,<br />
por verda<strong>de</strong>ira embebição, antes <strong>de</strong> attingiras partes profundas,<br />
atravessa, corroendo, os músculos.<br />
O entorpecimento geralmente proporcional á distensão<br />
dos tecidos é <strong>de</strong>vido á compressão dos filetes nervosos pelas<br />
malhas do tecido cellular infiltrado..<br />
O calor local inicial é substituído por um resfriamento<br />
notável, primeiro limitado á parte lesada, on<strong>de</strong> o thermomelro<br />
baixa a 31° e 30°, <strong>de</strong>poisgeneralisado Tem por causa a diminuição<br />
das combustões oiganicas pela profunda e especial<br />
alteração que soffre o sangue como veremos no capitulo III<br />
<strong>de</strong>sta segunda parte.
— 33 —<br />
Se bem que menos constantes e mais tardias que a tumefacção,<br />
^manchas lividas constituem symptoma importante.<br />
Variáveis em dimensão, intensida<strong>de</strong>, conformação; <strong>de</strong> cor<br />
vermelha, violacea, azulada ou negra; apparecem primeiro<br />
no membro ferido, <strong>de</strong>pois no correspon<strong>de</strong>nte opposlo. Muitas<br />
vezes <strong>de</strong>sapparecem em poucos dias, muitas mais, porém, duram<br />
até um mez. Sua evolução, <strong>de</strong>sapparecendo, é a mesma<br />
das ecchymoses quanto á successão das cores, fazendo com<br />
razão ao professor Berne chamal-as manchas ecchymoticas.<br />
Algumas localisaçôes inflammatorias se fazendo, trazem<br />
como resultado o apparecimento <strong>de</strong> angioleucites, abcessos,<br />
phlegmões, escharas, phlyctenas etc. Estas duas ultimas<br />
or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> lesão tem quasi sempre como causa a applicação<br />
<strong>de</strong>scuidada da ligadura do membro, abuso ou emprego mal<br />
dirigido <strong>de</strong> certos tópicos como seja a ammonea ; aquellas<br />
outras são muitas vezes conseqüência <strong>de</strong> injecções hypo<strong>de</strong>rmicas<br />
medicamentosas como a <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong> potássio<br />
e outras.<br />
Uma terminação <strong>de</strong>stes phenomenos locaes para a qual<br />
Encognère (1) chama a attenção e que temos notado na realida<strong>de</strong><br />
ser freqüente, é a gangrena que rápida ou vagarosamente<br />
ataca as partes em que foi <strong>de</strong>positado o veneno,<br />
impondo assim muitas vezes a amputação <strong>de</strong> um membro<br />
inteiro.<br />
Outro phenomeno para o qual chama a attenção o<br />
Dr. Urueta é a paralysia que fere immediatamente o membro<br />
envenenado A's vezes é o contrario que se verifica—uma<br />
contractura.<br />
(1) Encognère.—These <strong>de</strong> Montpellier—186*>.<br />
'•> 1888—B
— 34 —<br />
Estudaremos os SYMPTOMAS SECUNDÁRIOS GERAES ou DE<br />
INTOXICAÇÃO conforme osapparelhos em que esses symptomas<br />
se manifestam, porque se a elecção tóxica é uma realida<strong>de</strong>,<br />
não o é menos a variabilida<strong>de</strong> nos effeitos pelas mil circumstancias<br />
do individualismo agente e paciente, tornando assim<br />
<strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> ingente uma <strong>de</strong>scripção <strong>de</strong> conjuncto como <strong>de</strong>ve<br />
ser a presente, <strong>de</strong> tudo quanto po<strong>de</strong>mos observar na pratica.<br />
E é muito <strong>de</strong> industria que transcreveremos no capitulo seguinte<br />
em que estudaremos a marcha, duração, modo <strong>de</strong> successão,<br />
<strong>de</strong> terminação que têm geralmente esses phenomenos<br />
mórbidos, bem como em outros logares, algumas relações<br />
exactas <strong>de</strong> fados clinicos bem observados. Estudaremos, pois,<br />
estes symptomas geraes percorrendo os órgãos dos apparelhos<br />
digestivo, circulatório, respiratório, urinario, da innervação e<br />
órgãos dos sentidos; terminaremos, emfim, pelos symptomas<br />
<strong>de</strong>reacção que na realida<strong>de</strong> representam o erguer-se victorioso<br />
do organismo inteiro, da lucta que sustentara com o terriveJ.<br />
inimigo—a peçonha.<br />
Os symptomas fornecidos pelo apparelho digestivo são<br />
náuseas, anxiedadc epigastrica intensa, quasi sempre acompanhadas<br />
<strong>de</strong> vômitos, a principio alimeníares, <strong>de</strong>pois biliosos<br />
e por fim <strong>de</strong> mucosida<strong>de</strong>s sanguinolentas ou não. Vem <strong>de</strong>pois<br />
a anxieda<strong>de</strong> ou dor umbilical logo seguida <strong>de</strong> <strong>de</strong>jecções diarrheicas,<br />
tenesmos etc Nos últimos periodos a lingua torna-se<br />
fuliginosa e o hálito fétido, o que é quasi sempre <strong>de</strong><br />
prognostico fatal. Ha muitas vezes ictericia que Gubler filia a<br />
um espasmo das vias biliares, porém que V.-Grand-Marais<br />
attribue, parece-nos que com muito mais razão, á alteração<br />
do sangue secundada, accrescentamos nós, pelas profundas<br />
perturbações <strong>de</strong> todo o systema nervoso. Não achamos razão
— 35 —<br />
em Blot(l)quando altribuea freqüência <strong>de</strong>stasgastro-enterites<br />
á medicação irritante interna <strong>de</strong>smedida a que geralmente,<br />
diz elle, submeltem-se os individuos. Acreditamos que quando<br />
tal se dê, o álcool, a ammonea etc, em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>,<br />
possam ler gran<strong>de</strong> parte na producção <strong>de</strong> taes perturbações,<br />
como no caso em que este auctor cita <strong>de</strong> Orfila; mas d'aqui<br />
a vêr nisto, já não dizemos a causa única mas a primordial,<br />
vai erro gran<strong>de</strong>, porque estes phenomenos são freqüentes e<br />
apparecem em individuos que não ingeriram taes medicamentos<br />
e porque a experimentação sobre os animaes mostra<br />
que elles faltam raramente. Viaud-Grand-Marais, pois, tem<br />
plena razão quando faz da eliminação da peçonha pelo<br />
canal digestivo o faclor principal.<br />
Referimo-nos aosphenomenos <strong>de</strong> natureza inflammatoria<br />
que só apparecem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> absorvido o veneno, emquanto<br />
que as náuseas, vômitos, isto é, os phenomenos observados<br />
logo em começo são sempre <strong>de</strong> natureza nervosa.<br />
Para o lado do apparelho urinaria notam-se ás vezes<br />
urinas ensangüentadas. Elias são geralmente escassas no começo<br />
para tornar-se mais abundantes para o fim, o que é quasi<br />
sempre favorável ao prognostico.<br />
Pô<strong>de</strong> haver albumina. O Dr Urueta, experimentando em<br />
animaes, notou algumas vezes gotticulas <strong>de</strong> aspecto oleoso na<br />
superfície do liquido urinario que ao microscópio tornavamse<br />
bem patentes e que elle pensou ser o óleo da sonda com<br />
que retirara a urina. Mas em experiências posteriores, on<strong>de</strong> a<br />
sonda estava completamente secca e bastante limpos os vasos<br />
em que <strong>de</strong>positava o liquido, as mesmas gottas appareceram<br />
(1) Blot—. Op. cit.
— 36 —<br />
fazendo ao iIlustre experimentador attribuil-as a uma <strong>de</strong>generescencia<br />
dos canaliculos renaes.<br />
Para o lado do apparelho circulatório ha symptomas interessantes<br />
que muito bem <strong>de</strong>screveremos transcrevendo o qne<br />
diz o Dr. Lacerda(1); «Havemos feito numerosas experiências<br />
com o fim <strong>de</strong> apreciar as modificações da tensão nas artérias<br />
fazendo communicar a carótida do animal com o tubo do<br />
kimographo, convenientemente instalado para inscrever o<br />
traçado do coração. O kimographo annunciava modificação<br />
15 ou 20 segundos <strong>de</strong>pois da injecçao do veneno na veia. Em<br />
começo, ha, ás vezes, ligeiro augmento <strong>de</strong> tensão logo seguido<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scida lenta e gradual, a columna <strong>de</strong> mercúrio baixa 4 a<br />
5 centimetros no espaço <strong>de</strong> 2 a 3 minutos; ao mesmo tempo<br />
as linhas inscriptas pelo coração traduzem o estado <strong>de</strong> fraqueza<br />
<strong>de</strong>ste órgão e a acceleração excessiva dos seus batimentos.<br />
Quando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno injectada é consi<strong>de</strong>rável, a<br />
<strong>de</strong>scida é brusca e a pressão arterial faz baixar o mercúrio <strong>de</strong><br />
4 a 5 centimetros no curto espaço <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> 2 a 3 segundos.<br />
Não se faz <strong>de</strong>morar a contracção do coração com batimentos<br />
lentos e espaçados e no fim <strong>de</strong> 1 a 2 minulos o nivel<br />
da columna <strong>de</strong> mercúrio se tem elevado, sem todavia atlingir<br />
mais a altura primitiva. Ao mesmo tempo os batimentos do<br />
coração acceleram tornando-se fracos, <strong>de</strong> maneira que a agulhado<br />
kimographo traça uma linha ligeiramente sinuosa que<br />
se approxima da linha recla<br />
«Posto que na maior parte dos casos, a suspensão <strong>de</strong>finitiva<br />
da respiração preceda á cessação dos batimentos cardíacos,<br />
o inverso, não obstante, se produz algumas vezes.» O<br />
(1) Dr. Lacerda.—Leçons sur le venin <strong>de</strong>s serpents du Brézil—18*1—pags. 76 e 78.
— 37 —<br />
exame do pulso e das pulsações cardíacas, no homem, fazem<br />
ver os mesmos factos.<br />
As extravasações sangüíneas são os symptomas secun<br />
dários mais constantes. Manifestam-se por toda a parte, nos<br />
capillares <strong>de</strong> todos os órgãos occasionando assim a symptomatologia<br />
mais variada possível. Primitivamente manifestam-se<br />
nas proximida<strong>de</strong>s do ponto em que foi inoculadoo veneno—<br />
taes são as manchas ecchymoticas <strong>de</strong> que temos fallado;<br />
secundariamente, isto é, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> transportado o veneno á circulação<br />
geral, apparecem emtodasas visceras, principalmente<br />
no pulmão—taes são os vômitos, escarrhos, urinas, <strong>de</strong>jecções<br />
sanguinolentas <strong>de</strong> que já falíamos. Nos casos graves citam-se,<br />
ainda, hemorrhagias pelas vias respiratórias, pelos ouvidos e<br />
mesmo pelos conductos lacrymaes e glandulares da pelle.<br />
Quando o apparelho respiratório apresenta symptomas<br />
immediatos, são sempre <strong>de</strong> natureza paralytica. Como symptomas<br />
mais tardios,são as dores thoracicas, dyspnéa intensa,<br />
hemoptyses, tosse acompanhada <strong>de</strong> escarros muco-sanguinolentos,<br />
symptomas estes resultantes do engasgamento, fluxão<br />
pulmonar, hemorrhagias capillares no parenchyma do<br />
órgão, profunda alteração sauguinea etc<br />
Os órgãos dos sentidos não raro são lesados em sua eslru-<br />
ctura e funccionalismo. O órgão da vista é o que mais vezes<br />
soffre; citam-se casos <strong>de</strong> cegueira quasi immediata e sempre<br />
<strong>de</strong>finitiva. A quarta observação <strong>de</strong> Blot é <strong>de</strong>sta natureza. Diz-se<br />
que é phenomeno dos mais communs nas mor<strong>de</strong>duras da urutu<br />
(Bothrops urutu—Lac.) Citam-se ainda sur<strong>de</strong>z e amaurose<br />
<strong>de</strong>finitivas rebel<strong>de</strong>s a todo o tratamento. Diz-se que os<br />
cães <strong>de</strong> caça per<strong>de</strong>m commummente o olfacto. Entretanto,<br />
na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, os acci<strong>de</strong>ntes limitam-se a
— 38 —<br />
obscurecimentos da vista e atordoamentos <strong>de</strong> ouvido geralmente<br />
passageiros.<br />
Os symptomas que se manifestam para o apparelho da<br />
innervação, os symptomas atoxo-adynamicos, typhoi<strong>de</strong>s,<br />
são variáveis. Durante toda a moléstia, syncopes; lypothimias<br />
po<strong>de</strong>m apparecer repetidas vezes. O resfriamento da parte<br />
primitivamente lesada inva<strong>de</strong> o organismo inteiro, suores<br />
frios e viscosos cobrem a pelle, a prostração é extrema, a<br />
tendência ao somno invencível, terminando muitas vezes esta<br />
scena um coma profundo.<br />
Estes symptomas que só apparecem nos últimos momentos<br />
dos acci<strong>de</strong>ntes da intoxicação ophidiana, differem dos<br />
que se po<strong>de</strong>m manifestar pouco tempo <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura<br />
e que são phenomenos <strong>de</strong> excitação logo seguida geralmente<br />
<strong>de</strong> paralysia. E'assim que a bexiga, o estômago, os intestinos,<br />
contrahindo-se, <strong>de</strong>ixam escapar o seu conteúdo ; as conlracluras<br />
são primeiro limitadas ao membro ferido <strong>de</strong>pois generalisadas,<br />
logo seguidas <strong>de</strong> relaxamento muscular completo<br />
A pupilla estreita-se para <strong>de</strong>pois dilatar-se. As glândulas<br />
<strong>de</strong>ixam escorrer os seus produetos—saliva, lagrymas, etc,por<br />
uma verda<strong>de</strong>ira hypersecreção. E quando no homem estes phenomenos<br />
<strong>de</strong> excitação nervosa se manifestam por sobresaltos<br />
dos tendões, caimbras, agitação, <strong>de</strong>lírio, convulsões,—dizem<br />
proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terminação fatal. Felizmente maior é o numero<br />
dos casos em que as cousas não chegam áquelies extremos;<br />
mesmo, porém, que tal se dê, a cura não raro pô<strong>de</strong><br />
se fazer, e então vemos apparecer os symptomas <strong>de</strong> reacção. O<br />
pulso que era miserável vai se levantando, o suor frio e<br />
viscoso <strong>de</strong>sapparecendo, para dar logar a suor perfeita<br />
mente normal, acompanhado <strong>de</strong> movimento febril mo<strong>de</strong>rado,
— 39 —<br />
irregularmente intermittente, porém que se repete por dois ou<br />
ires dias; a face encovada, hippocratica, reanima-see adquire<br />
expressão ; tudo emfim vai-se, persistindo unicamente os<br />
phenomenos locaes, que por sua vez vão <strong>de</strong>sapparecendo mais<br />
ou menos rapidamente, ficando quasi sempre em ultimo<br />
logar a tumefacção inflammatoria.<br />
§ 111. Symptomas terciarios<br />
Quando a cura <strong>de</strong>finitiva não se estabelece, vemos apparecerem<br />
os symptomas terciarios que são ainda LOCAES OU GERAES<br />
po<strong>de</strong>ndo ser, uns e outros, <strong>de</strong> persistência ou <strong>de</strong> repetição.<br />
Os symptomas locaes <strong>de</strong> persistência são na maioria dos<br />
casos a continuação dos estados mórbidos <strong>de</strong>scriptos acima<br />
e que tornam-se rebel<strong>de</strong>s por mezes ou annos a lodo o trata<br />
mento :—ulcerações, ce<strong>de</strong>macias, endurecimentos, etc. que<br />
po<strong>de</strong>m terminar pela gangrena ou alrophiado membro. Lembremos<br />
ainda a perda <strong>de</strong>finitiva das funcções <strong>de</strong> alguns órgãos<br />
dos sentidos a que já nos referimos. Os geraes <strong>de</strong> persis<br />
tência, são phenomenos <strong>de</strong> cachexia: palli<strong>de</strong>z geral, abatimento<br />
physico e intellectual, morosida<strong>de</strong> nas digestões,<br />
fungosida<strong>de</strong> nas gengivas, abaixamenlo na temperatura geral,<br />
parada <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nas crianças, velhice precoce<br />
nos adultos que tornam-se veleludinarios,—vão pouco a<br />
pouco minando a existência do indivíduo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> escapo<br />
aos accidcntes agudos.<br />
Os symptomas locaes <strong>de</strong> repetição são os que sobrevêm<br />
quando o indivíduo, curado apparentemente, recáe d'ahi a<br />
mezes, annos, com os mesmos acci<strong>de</strong>ntes que soffréra—
— 40 —<br />
tuaaefacção, dòr, etc, acompanhados muitas vezes <strong>de</strong> phenomenos<br />
geraes, como se <strong>de</strong> novo fora mordido pelo mesmo<br />
réptil e no mesmo ponto. A explicação mais plausível é que<br />
alguma quantida<strong>de</strong> da substancia lethal ficara enkistada em<br />
um ponto e que no momento dado, ella, achando-se livre por<br />
qualquer circumstancia, actúa como se fora injectada na<br />
occasião; não sabemos que ella conserva-se tóxica por muito<br />
tempo, mesmo em contado com os mais fortes reactivos?<br />
Algumas vezes faltam os symptomas locaes, os phenomenos<br />
acima referidos <strong>de</strong> cachexia accommettem o indivíduo que ha<br />
muito se julgara isento do menor perigo porque achava se em<br />
perfeita saú<strong>de</strong>,levando-o ao túmulo.<br />
Estes acci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> repetição são muito raros. Citam-se<br />
ainda casos em que durante muito tempo (ha uma observação<br />
<strong>de</strong> 39 annos consecutivos) (1) os indivíduos mordidos<br />
são, por períodos certos, aecomrnettidoá <strong>de</strong> um conjuncto <strong>de</strong><br />
acci<strong>de</strong>ntes muito semelhantes ao da intoxicação que estudamos.<br />
Po<strong>de</strong>riam ser chamados symptomas periódicos que não<br />
admittimos sejam produzidos ainda pelo veneno propriamente<br />
em substancia, porque este, salvo o fado possível <strong>de</strong> enkislamento<br />
(que não pô<strong>de</strong> fazer rompimentos periodicamente<br />
certos), se elemina todo e com rapi<strong>de</strong>z. Provado que elle seja<br />
principalmente um veneno hematico e um veneno nevrotico,<br />
não é mais lógico attribuir taes factos ás alterações que ficam<br />
sobre esses elementos sangüíneo e nervoso, trazendo como<br />
resultado a irrupção <strong>de</strong> uma diathese latente ou creando um<br />
novo estado mórbido diathesico? E não é natural que as<br />
manifestações <strong>de</strong>ssa diathese se façam principalmente nos<br />
(1) Gazette hebdomadaire—Q <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 18K3
— 41 —<br />
órgãos primitivamente lesados—lociminoris resistências, assemelhando<br />
assim as duas symptomatologias ? Estes casos precisam<br />
muito ainda que sejam observados com maisaccuria.<br />
Mencionemos em ultimo logar o facto <strong>de</strong> certos individuos<br />
curados já <strong>de</strong> bastante tempo serem accommettidos <strong>de</strong><br />
morte súbita por acci<strong>de</strong>ntes cerebraes. Até hoje nenhuma autópsia<br />
veio dizer se trata-se aqui <strong>de</strong> acci<strong>de</strong>ntes hemorrhagicos,<br />
embolicos ou <strong>de</strong> outra natureza.<br />
Como já dissemos, estes symptomas terciarios são bastante<br />
raros e a <strong>de</strong>scripção que fizemos foi por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> freqüência.<br />
1888—B
— 42 —<br />
CAPITULO II<br />
Marcha, du?ft$&e, terain&ç&o<br />
A marcha da intoxicação ophidiana.<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<strong>de</strong>innumeras<br />
circumstancias que estudaremos no capitulo do prognostico,offerece,<br />
como todo o envenenamento, todas as nuances,todas<br />
as gradações possíveis.Entretanto,po<strong>de</strong>mos distinguir<br />
os acci<strong>de</strong>ntes que fazem ser a marcha super-aguda, aguda ou<br />
chronica, prevenindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a transformação <strong>de</strong> uma<br />
em outra faz-se commummente.<br />
Na intoxicação super-aguda dominam a scena os symptomas<br />
geraes—os symptomas <strong>de</strong> origem nervosa que apontámos<br />
em todos os apparelhos. A morte sobrevem então por<br />
convulsões ou lelhargia, asphyxia (paralysia dos músculos<br />
thoracicos), syncope, notando-se que em geral o coração é o<br />
ultimus moriens. E' notável a analogia que existe entre estes<br />
acci<strong>de</strong>ntes super-agudos e a symptomatologia do shock dos<br />
auctores inglezes em suas duas fôrmas principaes. Se bem<br />
que os auctores mencionem casos <strong>de</strong> morte fulminante em<br />
que a victima dá um grito e cáe morta (como as duas primeiras<br />
observações <strong>de</strong> Blot), estes fados felizmente são rarissimos<br />
e po<strong>de</strong>m talvez ser attribuidos ao abalo nervoso produzido<br />
pelo terror como quer Blot. (1) Geralmente estes acci<strong>de</strong>ntes<br />
(1) Blot — loc. cit., pag. 22.
— 43 —<br />
duram 6 e 8 horas, apresentando então o indivíduo, já nas<br />
proximida<strong>de</strong>s da morte, o cortejo dos phenomenos locaes<br />
<strong>de</strong>scriptos no capitulo prece<strong>de</strong>nte.<br />
Se a morte não termina o quadro, o progresso das lesões<br />
locaes, a alteração profunda do sangue que então se faz, tornam<br />
a marcha aguda; isto é, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparecidos os acci<strong>de</strong>ntes<br />
assustadores acima referidos, todos <strong>de</strong> origem nervosa,<br />
ha como que um momento <strong>de</strong> sedação para <strong>de</strong>pois fazerem<br />
continuação os phenomenos causados pela acção do veneno<br />
já todo absorvido e actuando sobre o sangue e órgãos visceraes;<br />
outras vezes, e éa maioria dos casos, faltam estes<br />
phenomenos <strong>de</strong> origem nervosa e a marcha apresenta-se<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo aguda. Nestes dous últimos casos, são os phenomenos<br />
originados do estado do sangue principalmente que<br />
dominam, e então a morte resulta nos primeiros cinco a seis<br />
dias das hemorrhagias, perturbações da hematose, etc.<br />
Depois <strong>de</strong>stes dias ou o estado do sangue melhora e a<br />
cura é rápida, porque rápida é a eliminação do agente tóxico<br />
a ponto <strong>de</strong>, no espaço <strong>de</strong> 24 horas, um indivíduo que se julgara<br />
já morto, restabelecer-se completamente, mas ainda o<br />
indivíduo se acha nas eminências <strong>de</strong> phenomenos scepticemicos<br />
originados das lesões locaes,<strong>de</strong> phenomenos adynamicos<br />
causados pela <strong>de</strong>pressão do organismo que não pô<strong>de</strong> offerecer<br />
a reacção prenuncia <strong>de</strong> cura,etc; ou o estado do sangue não<br />
melhora e apezar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparecerem as lesões locaes e em<br />
apparencia os symptomas geraes, o doente guarda o leito em<br />
abatimento orgânico, <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong> espirito que em 15 ou 20<br />
dias trazem como resultado a morte, por adynamia, por consumpção.<br />
Muitas vezes, na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, vêm os
— 44 —<br />
symptomas chamados àereacção,—elevação do pulso, reacção<br />
febril mo<strong>de</strong>rada, ligeiro suor e no fim <strong>de</strong> um a três dias do<br />
seu apparecimento, está tudo restabelecido e a cura perfeita<br />
e <strong>de</strong>finitiva, persistindo ainda, ás vezes, como dissemos no<br />
capitulo prece<strong>de</strong>nte, algumas lesões locaes—abcessos, ulcerações,<br />
etc, que po<strong>de</strong>m terminar pela necessida<strong>de</strong> da ampu<br />
tação da parte.<br />
Esta marcha terminada pela cura é a fôrma mais commum<br />
da intoxicação ophidiana.<br />
Quanto á marcha chronica1 ella é quasi sempre succedida<br />
aos acci<strong>de</strong>ntes superagudos e agudos ; são os symptomas que<br />
chamámos terciarios—os <strong>de</strong> cachexia, <strong>de</strong> repetição, fraqueza,<br />
<strong>de</strong>sanimo, velhice precoce, etc, terminando por tornar os<br />
individuos valetudinarios, por dar-lhes extrema vulnerabilida<strong>de</strong><br />
mórbida. Uma terminação <strong>de</strong>stes acci<strong>de</strong>ntes a que já<br />
nos referimos é a morte que mezes, annos <strong>de</strong>pois, pô<strong>de</strong> sobrevir<br />
por acci<strong>de</strong>ntes cerebraes neste período <strong>de</strong> cachexia ou<br />
mesmo quando a cura havia parecido <strong>de</strong>finitiva.<br />
Para que se possa ainda mais fazer uma idéa exacta do<br />
que seja a variabilida<strong>de</strong> na marcha da intoxicação ophidiana,<br />
eis estas observações que transcrevemos:<br />
(BLOT)<br />
OBSERVAÇÃO 1<br />
Negra, escrava do Sr. Cannes dá um grito e cáe. E' cercada immediata-<br />
mente dos to:, panheiros que ainda vêm o réptil fugindo, e levam-n'a para a casa<br />
perto. Antes, porém, <strong>de</strong> lá chegar, ella morre no fim <strong>de</strong> poucos minutos.
— 45 —<br />
OBSERVAÇÃO II<br />
.><br />
O soldado Haubois é mordido no dorso da mão por uma vibora, ás 5 i/2 horas<br />
da tar<strong>de</strong>. Voltou para o quartel contando, muito <strong>de</strong>spreoccupado, o facto sem se<br />
importar <strong>de</strong> medicar-se. A' noite começou sentir dorna parte mordida que já<br />
tumefazia-se. Cauterisa então a ferida e envolve a mào em pannos imbebidos em<br />
uma mistura <strong>de</strong> água e ammonea, mistura esta que também é administrada inter<br />
namente .<br />
No dia seguinte, apparecendo ligeiras dores epigastricas e abdominaes, faz-se<br />
applicação <strong>de</strong> banhos e clysteres e no membro tumefacto 12 sanguesugas.<br />
No outro dia as dores abdominaes são intoleráveis ; braço e ante-braço muito<br />
tumefactos. O doente toma um banho e applica-se-lhe um vesicatorio no ab<br />
dômen ; a morte sobrevem entretanto cerca <strong>de</strong> meio-dia.<br />
(RAMON URUETA *)<br />
OBSERVAÇÃO III<br />
M. G., pintor <strong>de</strong> caças, trabalhava na floresta <strong>de</strong> Fontainebleau com seu<br />
filho <strong>de</strong> 10 annos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, quando este queixou-se <strong>de</strong> ter sido ferido no tornozelo.<br />
O pai não suppuzera que a criança havia sido mordida por uma vibora. Entre<br />
tanto, no fim <strong>de</strong> 10 minutos a criança empalli<strong>de</strong>ceu, sentio-se mal e cahio. Tirado<br />
o calçado, foi então verificada a marca dos colchetes da vibora. Indo para a casa<br />
pouco tempo <strong>de</strong>pois, era bastante tar<strong>de</strong> para que os cuidados prestados tivessem<br />
probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> successo e com eífeito a criança morreu na manhan do terceiro<br />
dia por asphyxia.<br />
Se os factos annunciados pelas duas observações prece<strong>de</strong>ntes<br />
são raros, a estatística mostra que um terço seguramente<br />
das mordcduras dos thanatophidios <strong>de</strong>ixa na victima traço<br />
in<strong>de</strong>lével.<br />
i Dr. Ramon Urueta—Recherches anatoino-pathologiques sur 1'action du venin<br />
<strong>de</strong>s serpents—These <strong>de</strong> Paris. 1881.
— 46 —<br />
E' assim que Encognère menciona cinco observações todas<br />
terminando pela gangrena dos membros feridos, que por<br />
isso foram victimas <strong>de</strong> amputação ; Urueta uma paralysia<br />
<strong>de</strong>finitiva no braço <strong>de</strong> um indivíduo mordido na mão correspon<strong>de</strong>nte;Blotocaso<strong>de</strong>uma<br />
negra mordida no maleolo externo<br />
da perna esquerda e que per<strong>de</strong>ra immediatamente e para<br />
sempre a vista.<br />
Até aqui temos resumido as observações dos casos mais<br />
fataes; vamos agora, para dar uma idéa precisa do que seja a<br />
symptomatologia, marcha, duração e terminação, transcrever<br />
corn minuciosida<strong>de</strong> as observações seguintes, porque ellas<br />
exprimem a generalida<strong>de</strong> dos fados que se apresentam na<br />
clinica, e como já fizemos ver, é nosso intuito que o presente<br />
trabalho tenha um cunho essencialmente pratico.<br />
OBSERVAÇÃO IV<br />
(URUETA)<br />
No dia 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1851, estando a caçar um official, Woodruff, a<br />
serviço dos Estados-Unidos da America do Norte, achou-se perto <strong>de</strong> uma cascavel<br />
que atirou-se para elle, que entretanto conseguiu dar-lhe uma bordoada e quebrar-<br />
lhe a columna vertebral. Curioso <strong>de</strong> conservar a serpente que constituia um bello<br />
typo da espécie, não quiz mais feril-a ; collocou a espingarda na cabeça do<br />
réptil para mantel-a e segurar immediatamente atraz, no pescoço. Infelizmente<br />
segurara longe e a serpente voltou a cabeça a <strong>de</strong>speito da pressão exercida pela<br />
espingarda mor<strong>de</strong>ndo o official no in<strong>de</strong>x da mão esquerda. A dôr foi muito<br />
forte e acompanhada <strong>de</strong> náuseas. Suga immediatamente a ferida, applica uma<br />
ligadura em roda do membro que elle escharificou e continuou a sugar voltando ao<br />
campo d'on<strong>de</strong> tinha partido. Ahi chegando fez-se applicação <strong>de</strong> ammonea na<br />
mor<strong>de</strong>dura e uma das pessoas presentes aconselhou o emprego <strong>de</strong> um meio <strong>de</strong> trata<br />
mento conhecido pelo nome <strong>de</strong> remédio <strong>de</strong> Oeste e que consiste em embriagar-se.<br />
O conselho foi adoptado e havendo uma garrafa <strong>de</strong> whisky o ferido bebeu uma meia
— 47 —<br />
pinta (quasi 500 gr.). As glândulas axillares estavam tumefactas e dolorosas.<br />
Ammonea internamente.<br />
O <strong>de</strong>do foi <strong>de</strong> novo escharificado e mergulhado em água quente, on<strong>de</strong> sangrou<br />
abundantemente, e <strong>de</strong>pois mergulhado em ammonea. Aguar<strong>de</strong>nte internamente.<br />
A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ammonea e aguar<strong>de</strong>nte que o ferido tomou foi enorme, pois<br />
que elle <strong>de</strong>clara que nas circumstancias ordinárias, teria bastado para matar um<br />
homem; resultou uma embriaguez <strong>de</strong> quatro horas durante a qual houve repetidos<br />
vômitos. Quando esta embriaguez dissipou-se o doente tirou a ligadura e applicou<br />
sobre a ferida uma cataplasma <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong> linhaça. Ammonea internamente,<br />
pílulas purgativas <strong>de</strong> calomelanos e coloquintidas, 50 centigr. <strong>de</strong> pós <strong>de</strong> Dower.<br />
Dia 18.—A noite foi má: dôr muito intensa,linha vermelha estendida do braço<br />
á axilla. Fricções sobre o braço com tintura <strong>de</strong> iodo, iodureto <strong>de</strong> potássio interna<br />
mente. As pílulas purgativas nãodando resultado, odoente toma sulfato <strong>de</strong> magnesia<br />
que produz bom effeito. Pô<strong>de</strong> tomar algum alimento. Ensaiou andar, porém<br />
dores violentas e náuseas obrigaram-n'o a cessara tentativa.<br />
Dia 20.—Dores violentas, lado esquerdo tumefacto até a região iliaca ; náuseas<br />
a cada tentativa <strong>de</strong> andar. Cataplasmas e internamente iodo, iodureto <strong>de</strong> potássio,<br />
pílulas mercuriaes, pós <strong>de</strong> Dower.<br />
Dia 21.—A inchação ha <strong>de</strong>sapparecido,o braço está ainda um pouco tumefacto.<br />
E' conseguido dar alguns passos sem náuseas nem vômitos.<br />
Dia 2O.—A melhora conthiúa posto que a ferida esteja <strong>de</strong> m áo aspecto.<br />
Dia 24. —O doente põe-se em marcha com o corpo <strong>de</strong> batalhão ao qual per<br />
tencia. O calor e os movimentos do animal que montava, fizeram-lhe soffrer<br />
muito durante uma caminhada <strong>de</strong> seis milhas. A unha cahio nesse dia. A melhora<br />
continuou lentameute a se fazer.<br />
Para o fim <strong>de</strong> Outubro uma eschara <strong>de</strong>slíga-se e <strong>de</strong>ixa o osso da phalange<br />
<strong>de</strong>snudado em dous pontos. A cicatrização só se completou a 7 <strong>de</strong> Fevereiro.<br />
(American journal of medicai sciences.)<br />
Vê-se bem claro que gran<strong>de</strong> parte dos symptomas alarmantes<br />
apresentados nesta observação tiveram origem na<br />
medicação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada e forte a que se submetteu o doente.<br />
Nesta seguinte, qire vamos transcrever, ha o gran<strong>de</strong> valor <strong>de</strong><br />
será victima um medico, e aredacção <strong>de</strong> seu próprio punho.
(URUETA)<br />
— 48 —<br />
OBSERVAÇÃO V<br />
No dia 27 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1853, ao meio dia, apartando algumas hervas com a<br />
mão, fui mordido por uma vibora (Vipera chersea) na face dorsal da ultima pha-<br />
lange do <strong>de</strong>do indicador direito. Immediatamente senti, não no ponto em que a<br />
mor<strong>de</strong>dura apenas visível houvera sido feita, porém na dobra do cotovelo, uma dôr<br />
viva e lancinante; apressei-me em praticar a sucçío e consegui espremer alguma^<br />
gottas <strong>de</strong> sangue. Entretanto como a dôr já começasse no in<strong>de</strong>x e no medius, a<br />
tumefacção fosse já sensível e crescesse rapidamente, cauterizei com azotato <strong>de</strong><br />
prata, envolvi a mào em pannos impregnados <strong>de</strong> água fresca e dirigi-me para a<br />
cida<strong>de</strong> vizinha, distante talvez meia légua. A' chegada, mão e ante-braço<br />
duplicados em volume; dores violentas, lancinantes, terebrantes, sensação <strong>de</strong> quei<br />
madura que se esten<strong>de</strong> ao longo do bor Io radial do braço. Comecei enfio a sentir<br />
fadiga, agitação, angustia precordial com contractura penosa do diaphragma, sec-<br />
cura da garganta, espasmos da bexiga, <strong>de</strong>sfallecimentos, calafrios. A conselho do<br />
professor Dumreicher, applicação <strong>de</strong> 15 sanguesugas ao longo dos vasos lympha-<br />
ticos no ponto em que existem vergões vermelhos ; cataplasmas <strong>de</strong> gelo renovadas<br />
<strong>de</strong> 10 em 10 minutos; internamente 5 milligrs. <strong>de</strong> acetato <strong>de</strong>morphina. Tive alg im<br />
allivio; á agitação succe<strong>de</strong>u somno interrompido por <strong>de</strong>lido. No dia seguinte <strong>de</strong><br />
manhan os symptomas mais fatigantes, os movimentos spasmodicos do diaphragma<br />
e do cesophago se tinham acalmado, a tumefacção do braço havia consi<strong>de</strong>ravelmente<br />
augmentado. O membro tumefacto era frio á excepção dos cordões vermelhos da<br />
lymphangite, a febre persistia, o pulso a 104. Fricções com unguento napolitano.<br />
Dia 26 <strong>de</strong> Agosto.—A febre não baixou, a tumefacção esten<strong>de</strong>u-se á espadoa,<br />
ao peito e ao abdômen, sendo limitada pela clavicula, esterno e ligamento <strong>de</strong> Pou-<br />
part. Elevaram-se, acima da mor<strong>de</strong>dura e das picadas das sanguesugas, bolhas <strong>de</strong><br />
um pardo plumbico ou <strong>de</strong> côr mais carregada cheias <strong>de</strong> sangue fluido.<br />
Dia 30.—Ecchymoses negras ao longo do trajecto dos vasos lymphaticos, na<br />
face externa do braço, no dorso, na axilla; tumefacção, febre, dôr como na véspera.<br />
Até o dia 31, continuação das applicações frias,banhos mornos, laxativos, fricções<br />
com óleo <strong>de</strong> meimendro.<br />
Dia 3 <strong>de</strong> Setembro.—A reabsorpção não se completou senão em 14 dias, pro<br />
vocando sempre violentas e dolorosas convulsões do ante-braço que <strong>de</strong>spertavam-<br />
me á noite, dores que repercutiam no cotovelo ; os outros acci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sappare-<br />
ceram também gradualmente, porém com mais lentidão.<br />
(Da. CHEÜTZEE . •— Wiener Zeitschr. 1853).
— 49 —<br />
A observação que se vai seguir é notável e interessante,<br />
porque os phenomenos mórbidos vão se <strong>de</strong>senvolvendo, sem<br />
que a influencia <strong>de</strong> qualquer medicação lenha podido vir<br />
transviar <strong>de</strong> qualquer modo o seu caracter Por ser em um<br />
animal, cremos, não lhe <strong>de</strong>ve ser diminuída a importância<br />
que tem.<br />
OBSERVAÇÃO VI<br />
( URUETA. )<br />
Cão pequeno, branco, muito vigoroso, do peso <strong>de</strong> 8 k ,300, <strong>de</strong> temperatura<br />
rectal <strong>de</strong> 38°,9, é mordido ás 10 horas e 16 minutos por uma crotal <strong>de</strong> talhe<br />
médio das que faziam parte da collecção do Museu <strong>de</strong> Historia Natural <strong>de</strong> Paris.<br />
Retirando o animal da caixa das serpentes, elle começa a dar uivos plangentes e<br />
immediatamente nota-se a paralysia da pata sobre que teve logar a inoculação.<br />
IO' 1 ,45. — O animal está completamente abatido. O coração se contráe<br />
com rapi<strong>de</strong>z e notam-se algumas irregularida<strong>de</strong>s que se reproduzem por inter-<br />
mittencias.<br />
IO 1 ',5!). —Temperatura rectal, 3 ( J°,4. Pupillas um pouco dilatadas. <br />
membro mórbido paralysado e as outras patas incapazes para sustentar o<br />
peso do corpo. O coração contráe-se com rapi<strong>de</strong>z tal, qu3 é impossivel contai-<br />
as pulsações (pulso, pelo que me foi possivel contar, a 200 pulsações). Estas con-<br />
tracções cardíacas não têm, entretanto, a energia habitual e vêm-se <strong>de</strong> tempos a<br />
tempos algumas irregularida<strong>de</strong>s.<br />
II 1 ',40.—Temperatura rectal 38°,6. Notamos que cs gazes da expiração<br />
são frios. O animal continua <strong>de</strong>itado, parece sentir frio e apresenta horripilações<br />
fibrillares por todo o corpo.<br />
3'',45.—Abatimento completo. A intelligencia parece conservada. Ha tume<br />
facção notável <strong>de</strong> todo o membro, se<strong>de</strong> da mor<strong>de</strong>dura. estado <strong>de</strong>ste animal<br />
nos faz prever morte certa.<br />
Dia seguinte, ás 8 horas da manhan.—O cão immerso em prostração absoluta.<br />
Paralysia dos membros, completa. Temperatura rectal 37",6. Intelligencia con<br />
servada. Recusa <strong>de</strong> qualquer alimento.<br />
Xo outro dia (S <strong>de</strong> Março), ás 8 i/, horas da manhã, encontrámos o animal em<br />
estado menos alarmante.Parece menos abatido e correspon<strong>de</strong> ás caricias que lhe são<br />
"' 1888 —B
— 50 —<br />
feitas. Forçado a sahir do nicho, este cão não se serve da pata ferida, mas pô<strong>de</strong><br />
sustentar-se e dar alguns passos com difficulda<strong>de</strong>, tornando logo a <strong>de</strong>itar-se. A<br />
temperatura rectal volta a 38 o ,6. Recusa ainda tola a alimentação.<br />
Dia 9 <strong>de</strong> Março.—O estado <strong>de</strong> melhora continua, mas o animal não tem ainda<br />
tomado nenhum alimento. Eecolhem-se suas urinas por meio <strong>de</strong> uma sonda. Não<br />
ha albuaiina, mas o exame microscópico permitte <strong>de</strong>scobrir glóbulos gordurosos<br />
em gran<strong>de</strong> abundância. Pensámos que estes glóbulos refringentes, solúveis no<br />
ether, não eram outra cousa senão o óleo que havia servido para facilitar o escor-<br />
regamento da sonda; mas, corno encontrámos em maior quantida<strong>de</strong> a presença<br />
<strong>de</strong>stes glóbulos oleosos na <strong>de</strong> entro cão mordido por uma serpente, perguntamos<br />
se não se tratará aqui <strong>de</strong> uma lesão <strong>de</strong> <strong>de</strong>generescencia pai-ticular. Voltaremos<br />
sobre este phenomeno.<br />
Dia 10.—O estado do cão é muito melhor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a véspera. Leite que lhe é<br />
apresentado jé bebido com avi<strong>de</strong>z. Temperatura rectal 39° Des<strong>de</strong> o começo <strong>de</strong>sta<br />
experiência este cão não expellio nenhuma matéria fecal e parece ter emittido<br />
muito pouca urina.<br />
A partir <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Março as melhora3 se pronunciam cada dia mais ; as forças<br />
voltam, posto que o cão tenha emmagrecido 2 kilogrs. em três dias ; os alimentos<br />
são tomados com avi<strong>de</strong>z. Entretanto o cão conserva-se somnolento e preguiçoso.<br />
Por vezes ouve-se <strong>de</strong> repente elle dar um grito como se softresse um abalo, um<br />
choque doloroso. Fora <strong>de</strong>stes factos elle tem tomado todas as apparencias <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />
Fazem já 39 dias <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura.<br />
0 Dr Urueta faz com razão notar que se houvera experimentado<br />
qualquer medicação, a ella altribuiria a cura, e,<br />
pois, este fado prova, digamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que, na intoxicação<br />
que nosoecupa, muitas vezes, os esforços da natureza são ludibriados<br />
pela fama <strong>de</strong> um antídoto imaginário.
— 51 —<br />
CAPITULO III<br />
Ânaiamia e physiologia pathologlc&s<br />
Este importantíssimo ponto tem merecido sempre se<br />
cundaria importância por parte dos ophiologistas. De pouco<br />
tempo a esta parte é que a anatomia e physiologia palhologicas<br />
da intoxicação ophidiana tem sido objecto <strong>de</strong> attenção<br />
dos experimentadores, <strong>de</strong>vendo a sciencia aos Drs. Lacerda<br />
e Urueta o maior contingente <strong>de</strong> luzes.<br />
Do estudo das lesões materiaes encontradas iu loco c<br />
circumvizinhaaças em que foi <strong>de</strong>positado o veneno, passaremos<br />
ás lesões produzidas á distancia pelo veneno ainda, mas<br />
já transportado na torrente circulatória e finalmente ás alterações<br />
<strong>de</strong> sua passagem no sangue.<br />
O grau das lesões locaes varia com o tempo <strong>de</strong>corrido do<br />
momento da intoxicação, da dose do tóxico, da maior ou menor<br />
profundida<strong>de</strong> na penetrarão dos colchetes c outras circunstancias<br />
que serão minuciosamente exaradas no capitulo seguinte.<br />
A epi<strong>de</strong>rme ás vezes é levantada—ha phlyctenas, ás<br />
vezes e\folia-sc; a pelle amollecida pô<strong>de</strong> romper-se á disleneão<br />
lumefactoria e o escalpello que dissecea tecidos taes, impressiona<br />
o anatomo-pathologisla com um quadro extranho<br />
pela multiplicida<strong>de</strong> dos phenomenos patenteados. A primeira<br />
vi4a julga-se elle em frente a uma forte contusão, tal é o<br />
aspecto do tecido subeulaneo infiltrado todo <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> sanguinolenta;<br />
taes são as rupturas capillares mostrando aqui e
alli numerosos <strong>de</strong>rrames <strong>de</strong> sangue negro, ás vezes coagulado,<br />
mas na maior parle d'ellas liquido; tal é o aspecto dos músculos,<br />
congestos e infiltrados da mesma maneira e cujas fibras<br />
são mollcs e friaveis. Esta hypolhese, não obstante, varresc-lhe<br />
logo da mente porque elle vê trajectos longos d'esses<br />
estragos marginados muitas vezes por tecidos sãos e normaes;<br />
vê que a congestão po<strong>de</strong> ir até o periosleo (nos membros),<br />
até as vísceras (nas vizinhanças das gran<strong>de</strong>s cavida<strong>de</strong>s); vê<br />
que os tendões e as aponevroses são geralmente sãos e illesos.<br />
O quadro po<strong>de</strong> ainda complicar-se mais, porque verda<strong>de</strong>iros<br />
abeessos e phlegmões, verda<strong>de</strong>iras angioleucites, po<strong>de</strong>m ser<br />
encontrados a par das lesões acima referidas.<br />
As serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas, examinadas ao microscópio,<br />
<strong>de</strong>ixaram vêr ao Dr Urueta gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> glóbulos<br />
vermelhos alterados e cm via <strong>de</strong> dissolução. Muitos d'esses<br />
glóbulos são <strong>de</strong> aspecto muriforme, crenados nos bordos, mas<br />
não privados <strong>de</strong> hemoglobina; outros privados d'ella e reduzidos<br />
a seu esiroma O numero <strong>de</strong> bactérias abi é consi<strong>de</strong>rá<br />
vel ; são bastonetes <strong>de</strong> que os mais longos não passam <strong>de</strong> 8<br />
micromillimetros. No meio d'estas bactérias existe gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vesiculas refringentes que parecem outros tantos<br />
pequenos micrococá porém que bem reparados mostram<br />
ser vesiculas gordurosas<br />
Ao microscópio, as fibras musculares que estiveram em<br />
contado com o veneno, não têm cslriação e aprescnlam-sc<br />
como que <strong>de</strong>sassociadas; nas mesmas condições <strong>de</strong> contado<br />
as fibras nervosas são <strong>de</strong>sorganisadas, <strong>de</strong>generadas.<br />
Se proce<strong>de</strong>rmos á abertura das gran<strong>de</strong>s cavida<strong>de</strong>s fica<br />
remos algumas vezes na difficuldadc <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r dizer ao<br />
certo qual foi a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> lesões que oceasionou a morte do
— 53 —<br />
animal. Se ella foi rápida, encontramos muito poucas alterações;<br />
os pulmões são apenas retrahidos com se o animal houvera<br />
morrido a uma serie <strong>de</strong> expirações forçadas, porque<br />
n'esles casos predominaram os symptomas <strong>de</strong> origem nervosa<br />
<strong>de</strong> que o principal é a paralysia dos músculos respiratórios;<br />
nos outros órgãos ha n'um ou n outro ponto pequenas extra-<br />
vasações sangüíneas, principalmente no cérebro. Quando a<br />
morte não foi rápida, vemos, ao contrario, todos os órgãos<br />
lesados: por toda a parte congestões, hemorrhagias capillares<br />
<strong>de</strong> um sangue fluido e escuro, <strong>de</strong>rrames <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> san-<br />
guinolenla entre as rneningeas, pleuras, folhas pericardicas,<br />
peritoneaes etc<br />
Percorramos isoladamente os órgãos n'esles casos <strong>de</strong><br />
intoxicação lenta<br />
Enccplialo c mcdtilla.—As rneningeas são congestiona<br />
das havendo pontos hemorrhagicos c ecchymoses em diversos<br />
logares. O cérebro apresenta lambem o mesmo ponlilhado ;<br />
a substancia parda, segundo alguns observadores, é normal,<br />
outros atem encontradoamollecida; nos venlriculos cerebraes<br />
ha sempre <strong>de</strong>rrame <strong>de</strong> serosida<strong>de</strong> sanguinolenta. Na medulla<br />
as alterações são idênticas<br />
Pulmões—Hemorrhagias disseminadas na superfície e<br />
no parenchyma do órgão, engasgamento, congestão mais ou<br />
menos generalisada, eis tudo. Nas pleuras. ccchy.noses por<br />
vezes extensas.<br />
Coração.—Parado em diastole, cheio <strong>de</strong> sangue negro<br />
e liquido, principalmente no ventrieulo direito. A' vezes ha
— 54 —<br />
ahi coágulos molles, pouco resistentes. As pare<strong>de</strong>s auriculoventriculares<br />
são roseas po<strong>de</strong>ndo haver um ponlilhado hemorrhagico<br />
que se nota lambem na superfície externa do<br />
órgão principalmente nostrajeclos dascoronarias on<strong>de</strong> tomam<br />
as proporções <strong>de</strong> extensas ecchvmoses. A fibra muscular car<br />
díaca é san, geralmente Ha, entretanto, em certos casos, extravasações<br />
entre os feixes <strong>de</strong> fibras musculares que então são<br />
amollecidas.<br />
IVestas lesões as mais communs são, internamente, as<br />
hemorrhagias sub-endoeardicas, o que para alguns auctores<br />
constitue traço característico da inloxitação ophidica, e externamente<br />
as das ramificações das coronarias.<br />
Tubo gastro-intestinal.—A mucosa gastro-intestinal é<br />
geralmente congestionada,com ccchymoses <strong>de</strong> dous a três mil-<br />
limetros dispersadas aqui e alli c que cm casos não raros inva<strong>de</strong>m<br />
do cesophago até o recto. Muitas vezes ha verda<strong>de</strong>ira gastro-enterite.<br />
As cavida<strong>de</strong>s são cheias <strong>de</strong> mucosida<strong>de</strong> glutinosa<br />
e sanguinolenta.<br />
Figado.—Em uma autópsia o Dr. Urueta encontrou<br />
manchas ecchymoticas em diversos pontos da superfície<br />
hepalica ; por um corte ao nivel dVllas, verificou que não<br />
interessavam toda a espessura do órgão c que não invadiam<br />
em profundida<strong>de</strong> senão Ires a quatro millimetros do tecido<br />
hepatico. Elle pergunta se essas manchas não seriam alterações<br />
'post-morlem, visto a pulrefacção que havia. JXâo ha duvidar<br />
que a putrefacção possa produzir taes manchas n'esses casos,<br />
mas é certo também que o veneno ophidico por si só as engendra<br />
no fígado, como nos outros órgãos. O tecido hepatico<br />
é mais ou menos congesto.
Baço.-r-Tem sido por vezes encontrado amollecido e<br />
mais escuro<br />
Órgãos urinaríos.—Os rins são quasi sempre hyperhemiados<br />
em toda a extensão principalmente o esquerdo e sobre<br />
tudo na parte dos bassinetes. N'um exame feito pelo Dr. Malassez,elle<br />
viu que os tubuli contorti da mesma maneira que os<br />
corpusculos <strong>de</strong> Malpighi eram normaes, mas viu certa quanti<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> tubos rectos cujo epilhelio <strong>de</strong>sapparecêra e que eram<br />
cheios <strong>de</strong> granulações e golticulas gordurosas ; as cavida<strong>de</strong>s<br />
d'esses tubos não eram mais dislinclas e elles pareciam em ge<br />
ral augmentados <strong>de</strong> volume; as gotliculas gordurosas tingiamse<br />
<strong>de</strong> negro pelo ácido osmico; aobalsamo <strong>de</strong> Canadá as cellulas<br />
<strong>de</strong>generadas e consequentemente ao <strong>de</strong>sapparecimento<br />
da gordura, mostravam-se cheias <strong>de</strong> vacuolos, cada um d'estes<br />
correspon<strong>de</strong>ndo a uma vesicula <strong>de</strong> gordura. Nenhuma alteração<br />
tem sido notada nas cápsulas supra-renaes; só n'um<br />
caso o Dr Lacerda encontrou n'ellas um foco hemorrhagico.<br />
A bexiga contem geralmente urinas sanguinolentas que então<br />
são sedimentosas com <strong>de</strong>posito <strong>de</strong> massa branca e por vezes<br />
abundante Este <strong>de</strong>posito examinado pelo Dr Urueta conti<br />
nha gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gianulações refringentes animadas<br />
cie movimento consi<strong>de</strong>rável tanto mais rápido quanto me<br />
nores eram, e que, <strong>de</strong> tamanho variável, lembravam exactamente<br />
as encontradas no sangue e nas serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas<br />
examinadas por elle<br />
Como se vè, são insignificantes os conhecimentos que<br />
possuímos das lesões microscópicas apresentadas pelos órgãos,<br />
na intoxicação ophidíca.
— 56 —<br />
Sangue. Examinando agora o sangue, ou melhor, procurando<br />
o que os observadores encontraram <strong>de</strong> anormal no<br />
sangue dos animaes inloxicados pelo veneno ophilo, ficaremos<br />
á primeira vista embaraçados sobre a orientação que <strong>de</strong>ve<br />
tomar o nosso espirito em uma opinião a abraçar, taes são as<br />
controvérsias. Tendo em vista, porém, que um phenomeno<br />
observado é sempre fado positivo, cabe-nos o <strong>de</strong>ver unicamente<br />
<strong>de</strong> indagar, pela synthese, on<strong>de</strong> paira o falsear das interpretações<br />
exclusivistas em que caem muitas vezes os ana-<br />
lysadores que só vêm o lado muitas vezes coinci<strong>de</strong>ntemente<br />
particular <strong>de</strong> sua única observação pessoal c dão como inex-<br />
acto o que é enunciado por outrem.<br />
Se Fayrer e Brunlon não encontram no sangue alterações<br />
importantes e dizem que elle se coaguala facilmente, Vul-<br />
pian, ao contrario, encontra n'esse liquido todos os indicios<br />
<strong>de</strong> uma dissolução globular e viu que elle se coagula com<br />
diííiculda<strong>de</strong> e c escuro, Lacerda e Urueta nos mostram que<br />
os fados são exactos, dadas as circumstancias, isto é, n'um<br />
animal que morreu ao veneno ophidico, tanto se pô<strong>de</strong> encontrar<br />
o que viram Fayrer e Brunlon, como o que viu<br />
Valpian. E ? assim que quando a dose do veneno foi forte,<br />
a resistência tóxica do envenenado fraca, em fim a morte<br />
foi rápida, por paralysia dos músculos respiratórios por<br />
exemplo, as alterações que se encontram no sangue são insignificantes.<br />
Quasi sempre, n'estes casos, ha apenas os caracteres<br />
do sangue do indivíduo asphyxiado Quando se dão<br />
as condições contrarias em que a morte do indivíduo se<br />
faz <strong>de</strong>morar, em que o veneno absorvido teve tempo suííi-<br />
ciente <strong>de</strong> actuar sobre o sangue, são consi<strong>de</strong>ráveis e importantes<br />
as alterações.
— 57 —<br />
Vejamos pois quaes sejam essas alterações.<br />
Em urn primeiro grau, poucas são ellas. O sangue<br />
é <strong>de</strong> um vermelho escuro e coagula-se embora um pouco<br />
<strong>de</strong>moradamente. Este sangue pô<strong>de</strong> retomar a cor normal no<br />
fim <strong>de</strong> certo tempo <strong>de</strong> exposição ao ar.<br />
Em grau mais avançado, a cor é mais escura, a incoagulabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finitiva e por vezes completa, a flui<strong>de</strong>z consi<strong>de</strong>rável<br />
Em que pese a Mitchell este sangue não mais readquire<br />
a cor normal exposto ao ar; é o que nos dizem Urueta e outros<br />
e o que nos fazia prever o exame microscópico.<br />
N'um animal, portanto, que morreu a uma intoxicação<br />
lenta da peçonha dos ophidios <strong>de</strong> qualquer espécie que seja,<br />
as alterações sangüíneas que attráem logo a attenção do<br />
observador são : cor escura, perda da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> coagular-se,<br />
flui<strong>de</strong>z excessiva.<br />
Examinando ao microscópio este sangue, vemos o que<br />
se segue:<br />
Se a morte do animal foi rápida, nada ha <strong>de</strong> anormal.<br />
Quando porém ella se fez <strong>de</strong>morar e os effeitos foram se <strong>de</strong>senrolando<br />
com certa lentidão, notamos graus diversos <strong>de</strong><br />
alterações, conforme foi maior ou menor a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno<br />
absorvido em contado com o sangue e ainda conforme<br />
o tempo d'esse contado. Em gran<strong>de</strong> parte do elemento globular<br />
notam-se logo alterações na forma e na côr. Alguns,<br />
na maior parte, têm a circumferencia dos bordos crenada,<br />
em fôrma <strong>de</strong> roda <strong>de</strong>ntada; outros são como que insuflados,<br />
<strong>de</strong>formados, alongados e separam-se em diversos fragmentos;<br />
t outros, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter apresentado na superfície do disco numerosos<br />
pequenos pontos brilhantes,se separamem granulações<br />
refringentes animadas <strong>de</strong> movimento browniano» (Lacerda).<br />
ti 1888—B
— 58 —<br />
Urueta viu também granulações gordurosas refringentes análogas<br />
ás encontradas no serum e serosida<strong>de</strong>s sanguinolentas<br />
acima referidas, que elle julga ter sido o primeiro a ver e as<br />
quaes sendo muito pouco apparentes n uma preparação secca,<br />
precisam, para ser percebidas, que se dissolvam e <strong>de</strong>struam totalmente<br />
os glóbulos vermelhos ; para isto trata-se uma preparação<br />
secca <strong>de</strong> sangue por uma solução aquosa <strong>de</strong> hematoxilina<br />
ou d'eosina, os glóbulos <strong>de</strong>sapparecem e vêm-se muito<br />
nitidamente estas granulações gordurosas <strong>de</strong> tamanho e talhe<br />
differentes e muito refringentes (Urueta).<br />
Quanto ás modificações <strong>de</strong> coloração, já Brainard, ha<br />
muito, assignalou o <strong>de</strong>scoramenlo globular Vê-se em alguns<br />
glóbulos côr marron com um bordo obscuro em toda a circumferencia<br />
do disco, ao passo que outros se mostram inteiramente<br />
<strong>de</strong>scorados tendo ainda a fôrma normal.<br />
Os glóbulos brancos são sempre pouco alterados na fôrma,<br />
seu numero não é exagerado, os núcleos são simplesmente<br />
apparentes. Ha poucos hematoblastos no sangue e nas<br />
preparações vêm-se, por vezes, aqui e alli, aggregações hematoblasticas<br />
bastante consi<strong>de</strong>ráveis -<br />
O exame do sangue, feito simplesmente pelo processo <strong>de</strong><br />
Hayem, é insuíficiente para mostrar este <strong>de</strong>scoramento globular,<br />
porque nestas circumstancias os glóbulos tornam-se difficilmente<br />
visíveis; é preciso que se sirva <strong>de</strong> reactivos corantes<br />
<strong>de</strong> que o melhor n'este caso é o reactivoiodo-iodurado (Urueta).<br />
Talvez por não ter attendido a estes cuidados <strong>de</strong> technica<br />
microscópica, Mitchell tivesse encontrado os glóbulos sangüíneos<br />
admirável mente intactos, o que é erro.<br />
« Ha entre os glóbulos numerosos micróbios que se agitam<br />
com rápidos movimentos em todos os sentidos. Muitas
— 59 —<br />
vezes é curioso vêl-os agruparem-se n'uma multidão compacta<br />
sobre o cadáver d'um glóbulo, semelhante a um bando<br />
<strong>de</strong> corvos sobre os <strong>de</strong>spojos d'um animal. A massa do<br />
glóbulo <strong>de</strong>sapparece em poucos momentos como se fosse<br />
<strong>de</strong>vorada por esta espécie <strong>de</strong> abutre microscópica >. (Lacerda).<br />
Como já vimos, Halford attribue a estes microorganismos<br />
gran<strong>de</strong> importância na intoxicação que estudamos.<br />
Mas este modo <strong>de</strong> pensar não tem sido confirmado<br />
por nenhum experimentador o que é muito, e foi completamente<br />
combatido por Vulpian e Lacerda, o que é tudo.<br />
Vejamos agora o que nos faz conhecer a experiência<br />
in-vitro. « Se tomarmos dous proveles graduados, um contendo<br />
uma certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno <strong>de</strong> cobra, e que nos<br />
dous se faça <strong>de</strong>rramar uma egual quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue,<br />
extrahido da artéria carótida <strong>de</strong> uni cão, vemos o sangue do<br />
provete que contém o veneno tomar, em alguns momentos,<br />
uma coloração violacea nas camadas mais profundas, coloração<br />
que se torna negra e se propaga rapidamente até as<br />
camadas superficiaes do sangue. Se no fim <strong>de</strong> certo tempo<br />
compararmos o sangue dos dous provetes em questão, encontraremos<br />
uma difíerença sensível <strong>de</strong> aspecto e <strong>de</strong> coloração :<br />
o sangue envenenado é negro, carbonisado, como o sangue<br />
na asphyxia; é quasi inteiramente fluido, e, algumas vezes<br />
apresenta um pequeno coagulo <strong>de</strong> sangue molle, gelatinoso,<br />
difluente, que occupa o fundo do vaso. O serum separa-se<br />
rapidamente. O outro sangue, o não venenoso, é, ao contrario,<br />
coagulado inteiramente e tem uma cor escarlate viva.<br />
No fim <strong>de</strong> 24 horas, o coagulo do primeiro <strong>de</strong>sapparece totalmente.<br />
Este sangue negro, que tem a apparencia d'uma
— 60 —<br />
forte infusão <strong>de</strong> café, é <strong>de</strong> uma flui<strong>de</strong>z aquosa. Sua <strong>de</strong>composição<br />
pútrida é rápida. Estes phenomenos foram constantes<br />
em numerosas experiências que fizemos » t Todavia<br />
se mudarmos as condições <strong>de</strong> contado do veneno com o<br />
sangue, isto é, se reduzirmos consi<strong>de</strong>ravelmente a quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sangue sobre a qual <strong>de</strong>ve o veneno agir, as alterações<br />
são muito mais profundas e mais rápidas, tão rápidas quanto<br />
po<strong>de</strong>riam sel-o as transformações produzidas por um reactivo<br />
chimico. Com efíeito, quando, a uma gotta <strong>de</strong> sangue fresco<br />
e normal, juntamos um pouco <strong>de</strong> veneno puro e quando levamos<br />
esta mistura ao foco <strong>de</strong> um microscópio <strong>de</strong> conveniente<br />
augmento, eis aqui o que observamos : primeiramente<br />
os glóbulos vermelhos reunem-se em massa,collam-se uns aos<br />
outros e começam logo a per<strong>de</strong>r as fôrmas normaes. A dissolução<br />
é completa em poucos minutos. Não resta então,<br />
senão uma matéria proloplasmica amorpha, semi-liquida,<br />
<strong>de</strong> cor amarello uniforme, com estrias vermelhas e muito<br />
vivas » (Lacerda).<br />
A apparente coníradicção que parece haver no facto <strong>de</strong><br />
encontrarmos o sangue normal ou muito pouco alterado<br />
quando a morte do animal foi rápida e, ao contrario, gran<strong>de</strong>s<br />
alterações quando ella foi lenta e <strong>de</strong>morada, é que no<br />
primeiro caso o veneno não teve tempo <strong>de</strong> ser absorvido, <strong>de</strong><br />
difTundir-se e actuar suficientemente sobre o sangue.<br />
Por que mechanismo chega o veneno ophidico a produzir<br />
sobre o sangue as alterações que acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver?<br />
E' o que estudaremos d'aqui a pouco.<br />
Os dados que possue a sciencia sobre a acção physiologica<br />
do veneno ophidico são ainda poucos e incertos. Seremos
— 61 —<br />
por este motivo apenas o echo das opiniões dos competentes<br />
resumindo-as a poucas palavras.<br />
Absorpção.—Como diremos no seguinte capitulo, a<br />
absorpção do veneno ophidico introduzido hypo<strong>de</strong>rmicamenle<br />
varia conforme a região, conforme a profundida<strong>de</strong> em que é<br />
<strong>de</strong>positado, circurnstancias que não carecem ser discutidas<br />
por nada terem <strong>de</strong> notável em relação ás outras substancias<br />
tóxicas conhecidas. Em egualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circurnstancias, porém,<br />
e <strong>de</strong> modo geral, pô<strong>de</strong> se dizer que, em injecção hvpo<strong>de</strong>rmica,<br />
a absorpção da peçonha ophita faz-se com certa lentidão;<br />
seja porque ella se diffunda em gran<strong>de</strong> superfície atravessando<br />
os tecidos, seja pelos phenomenos da reacção que<br />
provoca in loco, seja por qualquer motivo, o certo é que geralmente<br />
só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo começam os phenomenos<br />
núncios <strong>de</strong> alteração sangüínea, isto é, cie absorpção.<br />
Fontana, ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certo tempo salvava frangos<br />
amputando-lhes o membro em cuja extremida<strong>de</strong> havia<br />
sido <strong>de</strong>positado o veneno; e nós sabemos que «as aves<br />
são os reactivos physiologicos da peçonha dos ophidios »<br />
pela sua sensibilida<strong>de</strong> extrema.<br />
Assignalemos um facto <strong>de</strong> importância clinica que é a<br />
proporção inversa que existe entre o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
dos phenomenos locaes e a absorpção. Exagerando este<br />
facto, como quasi sempre acontece, diz o povo que doente<br />
que incha não morre.<br />
Acreditamos que n'estes casos a gran<strong>de</strong> diffusão em que<br />
se acha o veneno faz com que elle seja absorvido muito aos<br />
poucos, dando tempo áeliminação <strong>de</strong>conjurar todos os perigos<br />
da accumulação <strong>de</strong> dose massiça no sangue. Os Srs. Cheron
— 62 —<br />
e Goujon (1) fizeram experiências <strong>de</strong> injecção não só do serumsanguinolento<br />
encontrado nas cavida<strong>de</strong>s das serosas, como<br />
também do encontrado ao nivel da picada, obtendo effeitos<br />
muito análogos aos da peçonha. Estas poucas experiências<br />
infelizmente, são passíveis <strong>de</strong> muitas objecções. Concorre<br />
ainda a lentidão da circulação da parle, pela compressão que<br />
soffrem os vasos.<br />
Introduzido n'uma veia ou artéria, a acção é rápida e<br />
pó<strong>de</strong>-se n'este caso comparal-o aos venenos mais activos<br />
conhecidos.<br />
Depositado sobre a pelle intacta, nada faz. Sobre as mu-<br />
cosas dos animaes superiores também não tem acção, pois<br />
que Fontana <strong>de</strong>positando sobre a lingua a peçonha da vibora<br />
não diluída, sentiu apenas sensação <strong>de</strong>sagradável<br />
<strong>de</strong> adstringencia, durável, e nada mais. Vulpian (2), <strong>de</strong>positando-asobreamucosa<br />
buccal da ran,observou que no fim <strong>de</strong><br />
certo tempo ella <strong>de</strong>batia-se procurando retirar com as palas o<br />
que tinha na bocca,parecendo sentir dôr; os effeitos geraes, se<br />
bem que <strong>de</strong>moradamente, appareceram como se houvera sido<br />
injectada hypo<strong>de</strong>rmicamente a peçonha. A <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za extrema<br />
d'essas mucosas explicam suííicientemente a apparente contradicção.<br />
Pela via estomachalé sabido que venenum serpent um non<br />
gustu sedin vulnere nocet (Celso). Cabe-nos apenas aindagar o<br />
porque d'este facto que aliasse dá com as peçonhas dos outros<br />
animaes.<br />
(1)—Cheron et Goujon.—Compt. rend. <strong>de</strong> VAcad. <strong>de</strong>s Sc. <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong><br />
1868 pag. 962—Sur iaction du veatn <strong>de</strong> Ia vipere.<br />
(2)—Vulpian—Ar
— 63 —<br />
Quanto á peçonha dos ophidios a razão não pô<strong>de</strong> ser a<br />
presença do sueco gástrico <strong>de</strong>struindo chimicamente ou aniquilando<br />
a acção, pois que A Gautier fazendo injecções<br />
<strong>de</strong> peçonha da Naja tripudians antecipadamenteaddicionada<br />
a sueco gástrico fresco,obteve intoxicação prompta, chegando<br />
mesmo á conclusão inesperada <strong>de</strong> que elle augmenta consi<br />
<strong>de</strong>ravelmente a activida<strong>de</strong> tóxica da peçonha, <strong>de</strong> mistura injectados<br />
hypo<strong>de</strong>rmicamente. Em vista <strong>de</strong> tal resultado Dujardin-Beaumetz<br />
pensa n'alguma alteração soffrida pela peço_<br />
nha, atravessando o fígado analogamente a outras substancias<br />
tóxicas, no que é acompanhado por A. Gautier. Entretanto<br />
Colin faz notar com razão que essa explicação não tem fundamento,<br />
porquanto a <strong>de</strong>mora que a peçonha tem no estômago<br />
e antes <strong>de</strong> passar pelo fígado, era mais que sufficiente<br />
para ser absorvida e actuar sobre o sangue.<br />
Eis aqui o complexo <strong>de</strong> circumstancias que concorrem, a<br />
nosso ver, para tal fim : Em prim eiro logar se está provado<br />
que o estômago absorve, também está fora <strong>de</strong> duvida que esta<br />
absorpção é sempre extraordinariamente lenta, dando tempo<br />
assim que, no casoVertente, o veneno se elimine sem produzir<br />
a menor perturbação. Em seguida, passando para os<br />
intestinos, a peçonha soffre a acção da biles que, segundo o<br />
mesmo Sr, A. Gautier já havia annunciado (1), <strong>de</strong>slroe-lhe<br />
completamente a activida<strong>de</strong>. Em ultimo logar, atravessando<br />
o figado, o que tenha escapado á acção da biles, pô<strong>de</strong> ser então<br />
<strong>de</strong>struido. Finalmente não nos esqueçamos <strong>de</strong> que a peçonha<br />
dos ophidios é um sueco digestivo e que todos elles<br />
são bastante tóxicos em injecção hypo<strong>de</strong>rmica.<br />
*<br />
(1) A. Gautier—Chimie appliquée á Ia Physiol. à Ia Path. et à THygiene,<br />
Paris 1874—t. I pag. 267 (nota).
— 64 —<br />
Eliminação.—Estudar a eliminação <strong>de</strong> um agente qualquer,<br />
que tenha actuado por absorpção em um organismo<br />
vivo, é sempre <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal diíiiculda<strong>de</strong>. Em primeiro<br />
logar temos que atten<strong>de</strong>r ao tempo: po<strong>de</strong>remos chegar cedo<br />
ou tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais para proce<strong>de</strong>r a pesquiza, ir sorprehen<strong>de</strong>l-o<br />
em sua passagem pelos emunctorios naturaes ou<br />
esperar encontral-o nos primeiros ou nos últimos liquidos <strong>de</strong><br />
excreção d'estes mesmos emunctorios. Em segundo logar<br />
saber quaes as vias preferidas por on<strong>de</strong> se elimina a totalida<strong>de</strong><br />
ou a maior parte do veneno. Em ultimo, saber se elle<br />
estará em natureza ou alterado em sua composição chimica.<br />
Quanto ao tempo, absolutamente ninguém tentou indagal-o.<br />
Opiniões contradidorias existem. Alguns dizem que<br />
o veneno se elimina com lentidão extraordinária, tendo em<br />
vista os acci<strong>de</strong>ntes periódicos ecacheticos que ás vezes accommettem<br />
os individuos que foram victimas da serpente; quando<br />
tratámos da symptomalogia (Cap. I 2 a parte) explicámos este<br />
facto e não voltaremos a elle. Tudo ao contrario nos faz prever<br />
que o veneno ophidico elimina-se com rapi<strong>de</strong>z, porque<br />
é facto commum <strong>de</strong>ixar-se um indivíduo'hoje no apogêo da<br />
intoxicação e encontral-o amanhan completamente restabelecido;<br />
dous a quatro dias, no máximo, é o tempo geralmente<br />
gasto pelo veneno ophidio para penetrar e sahir <strong>de</strong> um organismo<br />
vivo, po<strong>de</strong>ndo se dizer, baseado na observação, que<br />
a absorpção está para a eliminação, como 5:3.<br />
As vias preferidas, nos parece dizer ainda a observação<br />
somente que sejam o tubo gastro-intestinal e a pelle, vindo<br />
em seguida os rinse que todas as outras participam d'essa<br />
incumbência embora em menor escala. Como já dissemos,esta<br />
questão não tem sido estudada como <strong>de</strong>vera. Urueta tentou
— 65 —<br />
elucidal-a, fazendo injecções <strong>de</strong> urina <strong>de</strong> animaes intoxicados,<br />
mas suas experiências são tão poucas e sujeitas a tantas objecções<br />
que não nos adiantam cousa alguma E para ter valor<br />
esse processo seguido por Urueta, força seria que primeiro<br />
verificasse se o principio aclivo da peçonha se elimina em<br />
natureza e nenhum, absolutamente nenhum trabalho, tem<br />
sido tentado n'este sentido.<br />
Acção sobre o sangue.:—Qual o mechanismo pelo qual<br />
o veneno ophidico produz no sangue as alterações que apontámos?<br />
O Dr Lacerda limita-se a conjecturar « que a peçonha,<br />
ávida <strong>de</strong> oxygenio, como as ptomainas suas congêneres,<br />
apo<strong>de</strong>ra-se d'este gaz contido no sangue e o põe assim<br />
nas condições <strong>de</strong> um sangue asphyxiado ou carbonisado. »<br />
A analyse microscópica mostra que simplesmente<br />
essa razão não satisfaz ao espirito e a analyse espectroscopica<br />
não foi ainda feita. Também este auctor apressa-se em avisar<br />
que « isto não passa <strong>de</strong> pura hypolhese e que, melhor e<br />
mais pru<strong>de</strong>nte em taes casos, é confessar nossa completa ignorância,<br />
do que expôr-nos a ser joguetes <strong>de</strong> nossos erros e <strong>de</strong><br />
nossas illusões. »<br />
Mitchell pensa n'um phenomeno da natureza das fermentações<br />
sem dizer a que espécie <strong>de</strong> fermentação allu<strong>de</strong><br />
Mas como dissemos, este auctor só encontrava flui<strong>de</strong>z excessiva,<br />
côr negra e incoagulabilida<strong>de</strong> como únicas alterações san.<br />
guineas. Não têm valor, pois, as conclusões a que chegou o<br />
i Ilustre experimenlador<br />
Vejamos o que diz o Dr. Urueta :<br />
« O que torna-se a fibrina no envenenamento pela pe<br />
çonha da serpente e qual a causa da alteração produzida nas<br />
!> 1888—B
— 66 —<br />
proprieda<strong>de</strong>s coagulanles da fibrina ? Tal c a fôrma sob que<br />
se apresenta naturalmente o problema. Ha aqui effediva-<br />
mcnte, difficil questão a resolver ; e lendo os trabalhos <strong>de</strong><br />
Hayem sobre a formação <strong>de</strong> concreções sangüíneas intravasculares<br />
(Revue scientifique 24 Juilet 1883 pag. 83), acreditamos<br />
po<strong>de</strong>r assemelhar este phenomeno aos que se passam na<br />
transfusão, em um animal, <strong>de</strong> serum sangüíneo retirado<br />
<strong>de</strong> outro. Vemos com eííeito nos dous casos, alterações<br />
visceraes da mesma natureza e completamente idênticas. »<br />
Esses symptomas são—diarrhéa sanguinolenla,por vezes<br />
muito abundante, anuria quasi sempre completa, abaixamento<br />
da temperatura central, symptomas estes a que succumbe<br />
rapidamente o animal. A autópsia revela congestões<br />
e infarctus hemorrhagicos no parenehyma dos pulmões, do<br />
fígado, dos rins, nas mucosas estomachal, intestinal e vesical,<br />
em conseqüência <strong>de</strong> embolias capillares múltiplas. O sangue<br />
é escuro e incoagulavel<br />
« Resulta pois, continua Urueta, que o veneno da serpente<br />
contém um fermento particular, micróbio ou não, que<br />
goza d'esla singular proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> actuar sobre a matéria fi~<br />
brino-plastica do sangue e <strong>de</strong>terminar coagulações capillares<br />
e microscópicas, análogas ás concreções assignaladas pelo<br />
professor Hayem, nas coagulações por precipitação Isto<br />
coinci<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>struição e dissolução globular »<br />
Ficam assim explicadas para Urueta as hemorrhagias<br />
capillares, a flui<strong>de</strong>z e a incoagulabilida<strong>de</strong> sangüíneas.<br />
O Dr. Lacerda parece ter pensado n'essas coagulações<br />
microscópicas para explicar as hemorrhagias, se bem que<br />
não torne bem claro o seu pensamento. Explica a maior<br />
freqüência das alterações pulmonares em relação ás outras
— 67 —<br />
vísceras por ser o pulmão o primeiro órgão visceral por cujo<br />
parenchyma passa o veneno na generalida<strong>de</strong> dos casos.<br />
Quanto ás vísceras abdominaes, acredita elle que as<br />
congestões e hemorrhagias capillares sejam <strong>de</strong>vidas em gran<strong>de</strong><br />
parte ao facto do abaixamento da pressão arterial, phenomeno<br />
a que sempre correspon<strong>de</strong> uma dilatação dos vasos abdomi<br />
naes sob a influencia do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong> Cyon, diz elle.<br />
O auctor citado é o primeiro a não dar valor a esta opinião<br />
Não negamos que logo em começo possa haver tal interfe<br />
rência nervosa. Esse acto, puramente reflexo, não seria duradouro<br />
e suííiciente para explicar a intensida<strong>de</strong> e a generalysação<br />
(como vimos no cérebro, medulla, meningeas etc.) <strong>de</strong><br />
taes congestões e muito menos das hemorrhagias. Demais,<br />
essa queda brusca e por. vezes consi<strong>de</strong>rável da tensão arlerial<br />
nem sempre se observa, ao passo que as congestõss e hemorrhagias<br />
a que nos referimos são os phenomenos mais commnns<br />
da intoxicação ophidica. Mesmo que assim fosse, é quando<br />
augmenta a tensão arterial que se pô<strong>de</strong> dar a vaso-dilatação<br />
abdominal sob a influencia reflexa do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong><br />
Cyon; e como dissemos que no começo da intoxicação ha<br />
muitas vezes, não diminuição porérn, augmento da tensão ar<br />
terial que em breve se dissipa, só neste curto período estas<br />
congestões e tão somente ellas (não as hemorrhagias) corre<br />
riam por conta do nervo <strong>de</strong>pressor <strong>de</strong> Cyon. E' o que nos<br />
dizem os physiologistas Acreditamos na influencia nervosa,<br />
mas exercida directamentesobre os centros vaso motores, pelo<br />
veneno, acção que se faz sentir em quanto elle está presente<br />
e não se elimina; isto, entretanto não basta e não po<strong>de</strong>mos<br />
negar que as alterações sangüíneas são os principaes factores.<br />
Explicar as modificações <strong>de</strong> coloração do sangue nos
— 68 —<br />
casos que estudamos,tem sido paia os auctores um aventurar<br />
<strong>de</strong> hypotheses sem valor porquanto não baseam-se em cri<br />
teriosas analyses chimicas ou em exames espectroscopicos.<br />
E não querendo nós cahir no mesmo <strong>de</strong>saire, diremos<br />
simplesmente que a matéria corante soffre, n'um primeiro<br />
gráo, alterações não muito gran<strong>de</strong>s, mas que não po<strong>de</strong>mos<br />
aírirmar que seja reducção (Lacerda, Mitchell), <strong>de</strong>sdobramento<br />
ou qnalquer outra mudança chimica como as produzidas pelo<br />
gaz sulphydrico e outros venenos hematicos ; que em gráo<br />
mais avançado são profundas e <strong>de</strong>finitivas as alterações, pare<br />
cendo mesmo que <strong>de</strong> alguns glóbulos a matéria se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong><br />
totalmente<br />
Acção sobre o systema nervoso.—Sustentam o Dr.<br />
Lacerda e outros que os nervos conservam-se inalterados em<br />
todas as funeções ; que apenas osquesoffrem contado directo<br />
com o veneno apresentam certas alterações. Vulpian e outros,<br />
aííirmam entretanto que a neurilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapparece completamente<br />
On<strong>de</strong> não pô<strong>de</strong> haver duvida, é que o veneno<br />
exerça acção sobre os centros, porque se ha pleno accôrdo<br />
em que a contractibilida<strong>de</strong> muscular conserva-se intacta a<br />
não ser nos músculos que estiveram em contado directo com<br />
o veneno, como explicar as paralysias que sempre apparecem<br />
quando a dose do veneno é gran<strong>de</strong> ?<br />
Verda<strong>de</strong> é que ha algumas vezes, logo em começo, com<br />
tracluras, convulsões generalisadas mesmo, porém que logo<br />
são seguidas <strong>de</strong> relaxamento muscular completo e paralysia;<br />
queoDr. Lacerda conseguiu fazer <strong>de</strong>sapparecercontracturas,<br />
c opUlhotonos em um cão em cuja pata havia sido injectado o<br />
veneno, seecionando o nervo scialico que ia ter a essa pata
— 69 —<br />
Esses reflexos, <strong>de</strong>vidos á irritação peripherica produzida pela<br />
acção directa do veneno em contado com os til<strong>de</strong>s nervosos<br />
do membro, provam simplesmente que o veneno ainda não<br />
tendo sido absorvido, não pô<strong>de</strong> actuar sobre os centros ner<br />
vosos; porque nas injecções intra-venosas são raros; porque<br />
nós conhecemos muitas substancias <strong>de</strong>primentes do systema<br />
nervoso central, precedidas <strong>de</strong>ste primeiro período <strong>de</strong> excitação.<br />
O veneno ophidico em dose alta, actua, pois, sobre os<br />
centros medullares, tirando-lhes o po<strong>de</strong>r excito-motor<br />
Se o leitor lembrar-se do que dissemos no capitulo da<br />
symptomatologia, sobre o funccionalismo cardíaco e pul<br />
monar, ficará impressionado com a semelhança que existe<br />
entre as conseqüências da secção dos pneumogastricos e os<br />
symptomas apresentados pelos animaes em que forte dose<br />
<strong>de</strong> veneno foi injectada.<br />
Com effeito, no coração, observamos fraqueza das<br />
contracções <strong>de</strong> par com acceleração notável e irregularida<strong>de</strong><br />
sempre crescentes até parada do órgão. No funccionalismo<br />
pulmonar, observamos essa dyspnéa característica que<br />
termina na parada brusca da respiração.<br />
Isto quer dizer que o veneno ophidico actua também<br />
sobre os centros respiratório e cardíaco, isto é, sobre as origens<br />
do pneumogastrico {no bulbo) paralysando-as<br />
Apresenta-se agora questão importante que por certo já<br />
assaltou a mente do leitor Será o mesmo agente que ora<br />
actua sobre o sangue, ora sobre o systema nervoso conforme<br />
a menor ou maior dose ? Serão dous os princípios activos,<br />
um peculiar a certas espécies, outro peculiar a oulras ? Ou<br />
apenas, na mesma espécie ou em espécies differentes, estes
— 70 —<br />
dous principios po<strong>de</strong>m se apresentar em doses variáveis, um<br />
em relação ao outro?<br />
E' a ultima opinião que abraçamos, sem comtudo termos,<br />
com o que existe, a veleida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir-lhe a exactidão<br />
Não é pretensão ousada : é franqueza, é o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong><br />
em expormos francamente as nossas idéas.<br />
E nós fornos levados a esta opinião pelo seguinte :<br />
Julius Gnedza (1) (<strong>de</strong> Berlin) acredita que a acção do<br />
veneno da Naja tripudiam se faz principalmente sobre o<br />
systema nervoso e que a da Daboia Russelii mais sobre o<br />
sangue Entretanto da leitura dos seus trabalhos vê-se que<br />
mesmo no primeiro caso, quando a morte foi <strong>de</strong>morada, as<br />
alterações sangüíneas fazem-se notar da mesma maneira. Ahi<br />
estão as experiências <strong>de</strong> Vulpian com o veneno da mesma Naja<br />
tripudians confirmando a nossa asserção.<br />
Será esta divergência <strong>de</strong>vida á proveniencia diversa do<br />
réptil ?<br />
Wolfen<strong>de</strong>n (2), <strong>de</strong> cujos trabalhos só tivemos conhecimento<br />
quando nos chegou ás mãos o livro <strong>de</strong> Roux, publicado<br />
este anno sobre as moléstias dos paizes quentes, motivo<br />
porque não nos referimos a elles no logar competente, mas que<br />
felizmente em nada transviam as nossas idéas a respeito da<br />
natureza chimica do veneno, encontrou tanto na peçonha da<br />
Naja como da Daboia (vibora da Índia), além <strong>de</strong> outras, uma<br />
substancia albuminoi<strong>de</strong> paralysante a que elle chamou globulinaeque,<br />
sempre presente, apenas variava na quantida<strong>de</strong>.<br />
d) Congresso <strong>de</strong> Washington, 8 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1888 e Roux.—Maladies <strong>de</strong>s pays<br />
rhndd:—^ol. 3, 1888 pag.<br />
(2) N. Wolfen<strong>de</strong>n— Revue scientifique, pag. 541—23 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1886.
— 71 —<br />
CoacluBe<br />
Do estudo que fizemos acreditamos po<strong>de</strong>r tirar as se<br />
guintes conclusões:<br />
1 ° A peçonha dos ophidios actua localmente sobre os<br />
tecidos como nas experiências in vitro certos suecos diges<br />
tivos—• o sueco gástrico, parte do pancreatico<br />
2.° Contém um veneno hematico que actua ao mesmo<br />
tempo sobre os glóbulos e sobre o plasma.<br />
3.° Contém, em menor áó^e, porém, <strong>de</strong> acção mais<br />
rápida e mais tóxica, um veneno dos cenfros nervosos, do<br />
grupo dos paralysanles.<br />
4.° Estes dous venenos sempre estão presentes na pe<br />
çonha, apenas variando na proporção relativa um para<br />
o outro conforme a espécie <strong>de</strong> serpente (Gnedza) ou, na<br />
espécie (Wolfen<strong>de</strong>n), conforme a localida<strong>de</strong>, o clima, a ali<br />
mentação, etc.<br />
5 ° A peçonha dos ophidios é finalmente um sueco<br />
digestivo que contém, além do fermento solúvel—a tóxicophiase,<br />
dous agentes tóxicos ainda não isolados.
PíGg&Q&tíCO<br />
— 72 —<br />
CAPITULO IV<br />
Em frente <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> intoxicação ophidiana, dizer o<br />
que elle será <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal complexo <strong>de</strong> circumstancias, que<br />
éextremamente diíficil e na maior parle das vezes impossível.<br />
Agente e vicíima, eis os dous factores principaes que,<br />
sendo variáveis ao infinito, fazem que a trajectoria <strong>de</strong> cada<br />
phenomeno, como o fiel <strong>de</strong> uma balança, accuse as mais<br />
insignificantes modalida<strong>de</strong>s com que se apresentem elles.<br />
Vamos pois tratar das circumstancias que po<strong>de</strong>m influir<br />
sobre o prognostico, oriundas da serpente e da victima.<br />
Digamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a mortalida<strong>de</strong> não é tão gran<strong>de</strong><br />
como pensam alguns, nem tão pequena como outros acreditam.<br />
Robin (1), abraçando a opinião <strong>de</strong> Fontana(2), acredita<br />
ser excepecionalissima a morte causada pela intoxicação ophidia,<br />
ao passo que para Encognère a proporção é <strong>de</strong> 20 a 25 por<br />
100° dos mortos em relação aos feridos. Para Bilroth e<br />
V Grand-Marais(3) é <strong>de</strong> 3 a 4 por 100° E'esta ultima proporção<br />
que hoje é acceila pelos pathologistas europeus; entre<br />
nós acreditamos que ella seja essa mais ou menos.<br />
(1)—Bul. <strong>de</strong> VAcad. <strong>de</strong> med. <strong>de</strong> Paris. 1874 pag. 55?<br />
(2)—Traité sur te venin <strong>de</strong> Ia Vipere. 1782.<br />
(3)—Op. cit. et Ia lethalilé du venin <strong>de</strong> Ia Vipere in Assoc. f. pour Vavanctment<br />
<strong>de</strong>s sciences. Nantes 1875 pag. 1059.
— 73 —<br />
As condições inherentes ao ferido que po<strong>de</strong>m influir<br />
sobre o prognostico são as seguintes:<br />
I o .—Peso. Foi estabelecendo a relação entre as doses<br />
necessárias para matar um pombo, um gato, um cão etc,<br />
que Fontana concluio não conter, nunca, uma Vibora da Eu<br />
ropa, peçonha suííiciente para, n'uma só mor<strong>de</strong>dura, causar<br />
a morte ao homem adulto. Como todas as <strong>de</strong>duções d'este<br />
gênero sem a base dos factos, isto é exagero como já fizemos<br />
notar e as outras muitas circumstancias, que vamos pas<br />
sar em revista, que po<strong>de</strong>m aggravar o prognostico, dispensam-nos<br />
qualquer argumento. Entretanto não queremos<br />
dizer que soffra aqui excepção a gran<strong>de</strong> lei <strong>de</strong> Cl. Bernard e<br />
em egualda<strong>de</strong> das outras circumstancias, tanto mais resis<br />
tência offerece o animal intoxicado quanto maior é o seu<br />
peso.<br />
2 o .—A parte ferida tem gran<strong>de</strong> importância por muitas<br />
razões: <strong>de</strong>segualda<strong>de</strong> na rapi<strong>de</strong>z da absorpção; maior ou<br />
menor penetração dos colchetes—os arranhamenlos pura<br />
mente da pelle não têm senão ligeiros phenomenos locaes;<br />
a penetração no tecido subcutaneo, que é o caso commum,<br />
traz phenomenos locaes e geraes; em uma veia predominam<br />
estes últimos e a rapi<strong>de</strong>z da acção é extraordinária, assim<br />
como o caso torna-se geralmente muito sério ; em uma artéria<br />
po<strong>de</strong> até ser favorável ao prognostico, porque o pequeno<br />
escorrimento <strong>de</strong> sangue que então se faz, traz sempre a evacuação<br />
<strong>de</strong> alguma parte do agente tóxico; a situação das<br />
partes—a lingua apresenta glossite ce<strong>de</strong>matosa enorme, o<br />
pescoço tumefacrão, que po<strong>de</strong>m levar gran<strong>de</strong>s perturbações<br />
ao acto respiratório.<br />
3 o .—• As condições da região ferida, oíferecendo obstáculos<br />
10 1888—B
— 74 —<br />
á penetração dos colchetes (rigeza da parte, calçados etc.)<br />
ou ao veneno (vestimentas facilmente impregnaveis etc.) têm<br />
importância.<br />
4 o .—A espécie do animal. Alguns animaes são mais sensí<br />
veis do que outros. Os <strong>de</strong> sangue frio resistem muito, razão<br />
por que as serpentes passam por não soffrer o menor<br />
acci<strong>de</strong>nle se fôr picada por outra serpente, na opinião <strong>de</strong><br />
alguns como Fontana e Guyon(l). Muitos experimentadores,<br />
entre outros Cl. Bernard (2) e entre nós o Dr Lacerda mostram<br />
cabalmente a pouca razão d'esse modo <strong>de</strong> vêr Coutance (3)<br />
acceita o facto para espécies diíferentes, mas põe em duvida<br />
que, exemplificando, uma jararaca seja sensível á mor<strong>de</strong>dura<br />
<strong>de</strong> uma jararaca, opinião que elle não motiva e on<strong>de</strong><br />
não vemos razão <strong>de</strong> ser Será <strong>de</strong>vido este facto á baixa temperatura<br />
ou á circulação vagarosa e pequena d'esses animaes?<br />
« Se collocarmos um animal <strong>de</strong> sangue frio em uma<br />
estufa, diz V Grand-Marais, veremos a intoxicação se fazer<br />
n'elle como n'um animal <strong>de</strong> sangue quente. * Não sabemos se é<br />
simples conjectura ou facto experimentado Em todo o caso<br />
acreditamos mais que o motivo resida não na temperatura<br />
propriamente, mas na circulação e que n'aquellas circumstancias,<br />
esta se accelerando, traga como resultado maior e<br />
mais rápida absorpção <strong>de</strong> veneno, porque a contra-prova nos<br />
é fornecida pelo Dr Lacerda que resfriando o membro <strong>de</strong><br />
um animal a 13° e injectando o veneno, a intoxicação fez-se<br />
como se quasi nada houvesse<br />
ii) Guyon.—Le venin <strong>de</strong>s serpents cxeree-t-il sur en.r mame* Idclion gn'il<br />
c.verce sur" les autres animaux ' Compt. /• 1861, pag. 12.<br />
2—Cl. Bernard—Substances loxiqucs et médica atenienses Paris 1857 pa
— 75 —<br />
Entre os animaes <strong>de</strong> sangue quente, o porco, pela dureza<br />
da pelle, gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> tecido adipososubcutaneo que,<br />
tornam muito difficil ou muito <strong>de</strong>morada a inlroducção do<br />
veneno á circulação geral, estão quasi sempre isentos <strong>de</strong> perigo,<br />
fazendo mesmo que elles sejam um dos peiores inimigos<br />
das serpentes e em certas localida<strong>de</strong>s o seu maior <strong>de</strong>struidor;<br />
quasi sempre, dissemos, porque elles não são immunes totalmente<br />
fallando ; sendo mordidos em certas regiões, como<br />
os beiços, on<strong>de</strong> a absorpção seja fácil, soffrem como qualquer<br />
outro animal O gato soffre muito, porém raramente morre-<br />
O boi não é dos mais sensíveis; o cão e o cavallo o são<br />
bastante.<br />
O homem é um dos mais fracos porque, além <strong>de</strong> outras<br />
circumstancias, a que se segue é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta.<br />
5 o Impressionabilida<strong>de</strong>.—Já fizemos vêr qual a influencia<br />
que ella tem e não repetiremos ; dizendo todavia que sob<br />
este ponto <strong>de</strong> vista o homem está em peiores condições do<br />
que o animal irracional.<br />
6 o . Ida<strong>de</strong>.—As crianças, mesmo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />
peso, são menos resistentes do que os adultos; da mesma<br />
maneira os velhos.<br />
7°.—A fraqueza, o estado valetudinario, todas as causas<br />
emfim que collocam o organismo em difticulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar<br />
reacção efficaz aos agentes mórbidos que o acommet-<br />
tem, tornam mais sério o prognostico da intoxicação ophita.<br />
8 o .—O facto <strong>de</strong> uma intoxicação anterior, longe <strong>de</strong> ame.<br />
nisar as conseqüências da actua], como acredita o povo, é <strong>de</strong><br />
máo presagio, maximè se aquella é <strong>de</strong> data recente ou se<br />
occasionou no indivíduo a cachexia, o estado valetudinario<br />
<strong>de</strong> que tratámos nos dous primeiros capítulos d'e c -fa segunda
— 76 —<br />
parle- Os pretendidos curados <strong>de</strong> cobra só existem na imaginação<br />
exaltada do povo. propensa a tudo quanto é cio domínio<br />
do maravilhoso incognoscivel. Tal convicção nossa é o corol.<br />
lario forçado do que pensamos e dissemos da theoria <strong>de</strong><br />
Halford (segundo capitulo da primeira parte), da pharmacodynamica<br />
da peçonha ophidia (terceiro capitulo d'esta segunda<br />
parte) e finalmente do que em breve vamos dizer sobre<br />
a questão da relação que existe entre a dose <strong>de</strong> veneno inje-<br />
ctado e os phenomenos mórbidos apresentados pela victima.<br />
9 o .—O estado do estômago e das funcções digestivas,<br />
comprehen<strong>de</strong>-se, tem influencia, porque, como já vimos, o<br />
apparelho digestivo é uma das boas vias <strong>de</strong> eliminação da<br />
peçonha. Com o estômago cheio o animal se acha em muito<br />
peiores condições do que em jejum e para aquelles que facilmente<br />
vomitam é esta uma circumstancia bem favorável<br />
10.—Crises physiologicas. A época dos calamenios, a prenhez,se<br />
bem quecircuinstancias <strong>de</strong>sfavoráveis, não são entretanto<br />
causas para produzir a morte, e nem e suspensão brusca<br />
dos calamenios, nem o aborto, são conseqüências forçadas, po<strong>de</strong>ndo<br />
entretanto se dar; mas então geralmente ha a intervenção<br />
do gran<strong>de</strong> faetor —abalo nervoso causado pelo terror<br />
11.—Immunida<strong>de</strong> original. Os pshyllas (espécies <strong>de</strong> ba~<br />
teleiros da índia que têm sempre em seu po<strong>de</strong>r serpentes<br />
vivas) dizem-se fora <strong>de</strong> perigo porque em suas veias corre o<br />
mesmo sangue das serpentes ; os marsas (povo da antiga<br />
Lamnium que era uma região da Itália, a E. do Latium), diziam-se<br />
parentes <strong>de</strong> S. Paulo e este o motivo <strong>de</strong> sua pretendida<br />
immunida<strong>de</strong>. Será preciso dizer que tudo isto não passa<br />
<strong>de</strong> ciendices <strong>de</strong> ignorância, verda<strong>de</strong>iros embustes ao critério<br />
alheio, feit pelos interessados em possuir tal immunida<strong>de</strong> ?
— 77 —<br />
On<strong>de</strong> se tem procurado verificar o facto, a mystificação se<br />
patenlêa. E' assim que, entre nós o Dr. Lacei da vio um africano<br />
feiticeiro que fazia-se mor<strong>de</strong>r por serpentes venenosas<br />
sem ter com isto o menor acci<strong>de</strong>nte ; o Dr Eduardo Guimarães<br />
obtendo a muito custo uma d'essas serpentes, viu que<br />
lhe tinham sido perifamente arrancados os <strong>de</strong>ntes inoculadores<br />
E' mesmo este o segredo dos encantadores <strong>de</strong> serpentes<br />
da índia segundo nos attesla Rousselet que assislio a<br />
um sapwallah chamar o réptil ao som do toumril, pren<br />
<strong>de</strong>l-o com precauções <strong>de</strong>xtras e amestradas, e arrancar-lhe os<br />
colchetes immediatamente; é ainda o que viu Huilet com um<br />
velho forçado indiano, antigo sapwallah celebre, que consentira<br />
em mostrar-lhe praticamente o segredo <strong>de</strong> sua magia<br />
em uma cobra-capello posta á disposição (l).<br />
E não ser mordido pela serpente não quer dizer que o<br />
veneno seja sem acção uma vez inoeulado Tudo pois está no<br />
acto da apprehensão do animal. Dextreza ou fascinação real<br />
da serpente, eis a primeira condição a atten<strong>de</strong>r, arrancar os<br />
<strong>de</strong>ntes inoculadores immediatamente, eis a segunda. Fasci"<br />
nação, dissemos, porque não é só a espécie humana que<br />
é susceptível do hypnolismo, mas sim outra qualquer espécie<br />
animal. Não entro na questão <strong>de</strong> discernir o hypnotismo na<br />
espécie humana do magnetismo particular aos animaes. O<br />
caso é que ninguém ignora que ha animaes que são muito<br />
susceptiveis <strong>de</strong> fascinação • (2)<br />
Para nós,pois,aimmunida<strong>de</strong>original comoacomprehen<strong>de</strong>m<br />
algunsescriptores, não existe para a peçonha dos ophidios.<br />
di—Contance—op. cit. — paçr? 206 e 209.<br />
I — Dr. F Fajardo—O hj,pnotí,wxj. Fn <strong>de</strong> Janeiro ) ^ p?c 117—(HvpnDtw<br />
cão <strong>de</strong> animaes
— 78 —<br />
Resumindo, as condições inherentes ao ferido capazes<br />
<strong>de</strong> influir sobre o prognostico, po<strong>de</strong>m ser reduzidas<br />
ás seguintes : I o ,— maior uu menor absorpção (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
da parte ferida, maior ou menor protecção em<br />
que está etc ); 2 o ,— resistência oferecida pela econo<br />
mia á acção do veneno (conforme o peso do ferido, ida<strong>de</strong>,<br />
estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, impressionabilida<strong>de</strong> etc); 3 o ,—estado das<br />
funcções elxminadoras (sobre que influem o estado do tubo<br />
gastro-intestinal, as crises physiologicas etc).<br />
As condições próprias ao réptil são as seguintes:<br />
1 o .—Espécie. Se um Naja possue em suas glândulas<br />
1 er ' 50 <strong>de</strong> peçonha, uma Vibora 0 gr - 15, a gravida<strong>de</strong><br />
da ferida produzida pela primeira é muito maior do que a produzida<br />
pela segunda E' uma explicação do que a observação<br />
mostra e que salta ao espirito. Quanto á hypothese <strong>de</strong> maior<br />
concentração do veneno, isto é, mais principios activos em<br />
menos vehiculo, seria possivel mas não ê provado, ao con<br />
trario tudo induz a crer na homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua proporção<br />
posologica em relação ao vehiculo nas diversas espécies <strong>de</strong><br />
serpentes<br />
2 o .—A ida<strong>de</strong> e o tamanho, pela mesma razão, <strong>de</strong>vem ser<br />
consi<strong>de</strong>radas, porque é claro que um surucucu <strong>de</strong> 3 mezes<br />
tem muito menos peçonha do que um <strong>de</strong> 3 annos.<br />
3.°—A força, fazendo variaj- a profundida<strong>de</strong> da ferida; a<br />
duração da mor<strong>de</strong>dura, isto é, o tempo que os colchetes estão<br />
em contado com os tecidos da victima; o estado <strong>de</strong> excitação<br />
do réptil, são circumstancias cuja influencia não nos<br />
é preciso <strong>de</strong>monstrar<br />
4\—0 numero <strong>de</strong> picadas. Em cada uma que se faz,
— 79 —<br />
nova quantida<strong>de</strong>, se bem que menor sendo o mesmo réptil, é<br />
injectada.<br />
5 o .—A <strong>de</strong>speza recente, pelo que acabamos <strong>de</strong> dizer,<br />
atenua o prognostico : em diversos animaes mordidos pela<br />
mesma serpente e na mesma occasião, o prognostico vae se<br />
atenuando sensivelmente do primeiro para o ultimo que, se<br />
teve muitos intermediários, nada soffrerá<br />
6 o —Certas condições <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>, fazendo que os ophidios<br />
possam viver occultos, em perfeita paz, portanto ser<br />
mais numerosos e mais fortes, torna-os mas temiveis. E' a<br />
razão que V Grand-Marais attribue á gravida<strong>de</strong> e ao gran<strong>de</strong><br />
numero dos acci<strong>de</strong>ntes causados pela Vibora na Vandéa, on<strong>de</strong><br />
em geral vivem occultas em uma sarça muito <strong>de</strong>nsa<br />
Do que acabamos <strong>de</strong> dizer, vê-se que em relação ao réptil,<br />
tudo resume-se na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peçonha injectada<br />
e absorvida: tanto maior é ella, tanto mais sério o prognostico.<br />
Além d'estas condições peculiares a cada um—réptil e<br />
ferido, ha a circumstancia commum do clima. Nos climas<br />
quentes não só os ophidios venenosos existem em muito<br />
maior numero, como também as feridas por elles feitas re<br />
vestem-se geralmente <strong>de</strong> mais gravida<strong>de</strong><br />
Ainda mais uma vez dizemos, e esta verda<strong>de</strong> não pe<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstração no nosso Brazil, as mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobras terminam<br />
pela cura na gran<strong>de</strong> maioria dos casos. Os doentes<br />
apresentam symptomas assustadores, tudo faz crer n uma<br />
próxima terminação fatal e noemtantotudo vae se amainando<br />
lenta ou rapidamente, succe<strong>de</strong>ndo perfeita saú<strong>de</strong> no fim <strong>de</strong><br />
poucos dias; por exemplo as hemorrhagias externas que<br />
tanto assustam ao homem do povo, os vômitos etc, só têm
— 80 —<br />
como resultado a mais rápida eliminação do veneno e portanto<br />
favorecem a cura.<br />
Tratámos aqui das condições que po<strong>de</strong>m influir sobre o<br />
prognostico, que po<strong>de</strong>ríamos chamar — preexistentes.<br />
Quanto á apreciação <strong>de</strong> tal ou tal symploma que pô<strong>de</strong><br />
aggravar este ou aquelle caso, já o fizemos nos capitulos prece<strong>de</strong>ntes<br />
e não <strong>de</strong>vemos repelir
Tratamento<br />
CAPITULO I<br />
Tr&t&Birato ospivico<br />
mCHRA PARTE<br />
Enumerar seccamente, sem <strong>de</strong>scripção, sem commentarios,<br />
já não dizemos tudo o que tem havido <strong>de</strong> empírico,<br />
mas somente o que tem tido certo renome entre os povos das<br />
diversas regiões do globo, como meio <strong>de</strong> tratamento infallivel<br />
contra as mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra, seria encher grosso volume<br />
<strong>de</strong> paginas <strong>de</strong> absoluta inutilida<strong>de</strong>. Absurdos alguns,<br />
irrisórios outros, taes são esses meios. Fallemos, pois, somente<br />
do que é empregado entre nós.<br />
Ha sempre nas pequenas localida<strong>de</strong>s do interior <strong>de</strong> nossas<br />
províncias um caboclo astuto ou um africano boçal, <strong>de</strong><br />
ares reservados, pouco falladores, sempre mettidos comsigo,<br />
mo<strong>de</strong>stos mas muito entendidos em raizes do matto e<br />
sabedores <strong>de</strong> certas rezas, cujas reputações fizeram-se por<br />
muitas vezes haverem tirado, como por encanto, quebrantos e<br />
mrío olhado, por muitas curas extraordinárias <strong>de</strong> toda a<br />
espécie <strong>de</strong> moléstia incurável, On<strong>de</strong>, porém a mandinga faz<br />
11 1888-B
— 82 —<br />
prodígios é nas mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobras, tudo por meio <strong>de</strong> umas<br />
raizesque só elles conhecem, seguidas infallivelmente <strong>de</strong> uma<br />
dose <strong>de</strong> três Padre-nosso, Ires Ave-Maria elres Creio-em-Beus-<br />
Padre, rezadas três vezes sobre três cruzes traçadas sobre a<br />
ferida, terminando tudo por uma reza muito longa, feita em<br />
concentração intima, e na qual está todo o segredo do benzedor<br />
Na classe ignorante e mesmo em alguns homens cultos<br />
do interior do nosso paiz, estes sortilegios têm a<strong>de</strong>ptos, e não é<br />
para admirar, pois que a beatice cren<strong>de</strong>ira no Brazil vem tão<br />
<strong>de</strong> Cima.<br />
Estes meios burlescos são innumeros, quasi todos im<br />
portados da África.<br />
Abrir uma gallinha ou qualquer animal, n'elle ainda<br />
quente introduzir a parte ferida por algum tempo; enterrar o<br />
membro ferido com o réptil morto e estendido sobre a terra<br />
que cobre a pequena cova até cessarem as dores ; friccionar a<br />
ferida com a cabeça da cobra, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esmagada é applicada<br />
em cataplasma na mesma ferida, pratica perigosa, porque<br />
pô<strong>de</strong> introduzir ainda mais veneno; pôr <strong>de</strong> maceração<br />
em aguar<strong>de</strong>nte, as visceras e principalmente o fígado da cobra,<br />
coar e ingerir o liquido ; torrar a cabeça da cobra e dal-a<br />
suspensa em álcool internamente;... estas e muitas outras praticas<br />
têm em cada localida<strong>de</strong> o seu domínio. Devêramos dizer<br />
tiveram, porque felizmente o secujo XIX tem conseguido fazer<br />
penetrar já os seus raios <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> até nós.<br />
Lançando vistas para o arsenal therapeuíico, não ficamos<br />
menos admirado da varieda<strong>de</strong>. Além dos que já apontámos<br />
(é bom recordar que só nos referimos ao Brazil), ha os<br />
seguintes :<br />
Óleos vegetaes e animaes—óleo <strong>de</strong> copahyba (Copahyfera
— 83 —<br />
officinalis L.), <strong>de</strong> amêndoas (Amydalus dulcis) etc, gor<br />
dura <strong>de</strong> lagarto, <strong>de</strong> ema, etc. Diversos vegetaes—herva <strong>de</strong><br />
lagarto (Casearea Cambesse<strong>de</strong>sii Eich), mil homens (Aristolochia<br />
antihysterica Mart.), jarrinha (Aristolochia brasi-<br />
liensis Mart.), cainca (Chicorcea racemosa R. P.), mostarda,<br />
alho, essências diversas, guaco (Mikania guaco Humb.-<br />
Bompl.) sobre o qual ainda voltaremos, tabaco, herva<br />
botão, etc.<br />
Esta serie enorme <strong>de</strong> medicamentos cad i qual mais irafallivel,<br />
não precisa ser estudada por nós, porque já o foi<br />
por outros e basta que digamos—<strong>de</strong> nada vale. Alguns são<br />
perigosos, como o fumo em vista da nicotina, e o Dr. Lacerda<br />
diz que conhece um caso authentico <strong>de</strong> envenenamento por<br />
esse meio <strong>de</strong> tratamento. Costumam esmagar um pouco <strong>de</strong><br />
fumo preparado em aguar<strong>de</strong>nte, coar e beber o liquido escuro<br />
que resulta. Felizmente o meio mais seguido é este: o<br />
indivíduo, se está só e a região o permitte, suga a ferida <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> ter mascado um pouco <strong>de</strong> fumo <strong>de</strong> seu uso, applicando<br />
em seguida sobre a parte esse fumo assim impregnado <strong>de</strong><br />
saliva. Se ha outra pessoa ella faz a operação.<br />
A herva botão (Mikania opifera ?) gosa especialmente <strong>de</strong><br />
extraordinária reputação entre os fazen<strong>de</strong>iros das províncias<br />
<strong>de</strong> Minas-Geraes e Rio. O Dr. Francisco Silveira, distindo clinico<br />
actualmente na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Passos, nos referiu que um<br />
collega da província do Rio pretendia apresentar uma estatística<br />
admirável <strong>de</strong> curas por este meio- Infelizmente não<br />
nos foi dado conhecer esses trabalhos. Limitamo-nos, pois, a<br />
registrar o facto. Os caules (parte mais rica em sueco) e as<br />
folhas da planta fresca, são applicados sobre a ferida, e<br />
o sueco retirado administrado internamente na dose <strong>de</strong>
— 84 —<br />
uma colher <strong>de</strong> chá em muita aguar<strong>de</strong>nte. Ignoramos a<br />
acção physiologica d'esta planta ; parece que é muilo diuretica.<br />
Sabemos, porém, que é tóxica acima d'aquella<br />
dose<br />
Do reino mineral também têm sido tirados muitos<br />
medicamentos.<br />
O mercúrio doce, protochlorureto impuro {mercúrio <strong>de</strong><br />
bicheira, como chamam), em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte<br />
é administrado internamente. Verda<strong>de</strong>ira intoxicação<br />
mercurial ou acção purgativa em <strong>de</strong>masia, taes são os inconvenientes<br />
d'este tratamento. A ammonea intus ei extra, o nitrato<br />
<strong>de</strong> prata e muitos outros são empregados no interior do<br />
Brazil.<br />
Muito <strong>de</strong> propósito não mencionámos os medicamentos<br />
que com egual/ama são usados nos outros paizes.<br />
Note-se uma particularida<strong>de</strong> notável: tanto entre nós<br />
como no estrangeiro, os medicamentos locaes são mais ou<br />
menos cáusticos, os internos mais ou menos sudorificos, diureticos<br />
ou purgativos, figurando sempre o álcool como elemento<br />
indispensável; por este lado fica, em parte, explicado<br />
haver tantos medicamentos infalliveis entre o povo, quando os<br />
médicos não conhecem um só.<br />
Porém as praticas absurdas? Os gran<strong>de</strong>s créditos que<br />
encontram no povo taes processos <strong>de</strong> tratamento empírico das<br />
mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra (benzeduras etc), têm para nós duas razões<br />
<strong>de</strong> ser: primeiro, terminação, geralmente pela cura da<br />
intoxicação ophidica; segundo, influencia benéfica real exercida<br />
pela suggestão, attenta a fé com que os individuos se<br />
submettem Não sabemos que o veneno actua principalmente<br />
sobre o sangue e o systema nervoso? Não vimos que Blot fez
— 85 —<br />
mesmo da impressionabilida<strong>de</strong> moral o factor principal ou<br />
único, dos phenomenos alarmantes <strong>de</strong> origem nervosa do<br />
primeiro período <strong>de</strong> intoxicação? No estado actual da sciencia<br />
ninguém pô<strong>de</strong> negar, em taes casos, a influencia da suggestão,<br />
como prova a escola <strong>de</strong> Nancy pelo seu maior representante,<br />
o professor Bernheim
Tr&tamnto especilc®<br />
— 86 —<br />
CAPITULO II<br />
§ I.—O que seja um antídoto um especifico.<br />
Para que as conclusões finaes d'esle capitulo sejam comprehendidas<br />
e não se prestem a interpretações <strong>de</strong> subterfúgio,<br />
faz-se mister que digamos com clareza quaes as signi<br />
ficações que em nosso enten<strong>de</strong>r têm as palavras — antidoto,<br />
antagonista, especifico, etc.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos antidoto toda a substancia que em contado<br />
com um veneno altera-o, tornando-o incapaz <strong>de</strong> produ<br />
zir effeitos tóxicos. Acção puramente chimica.<br />
Se estas duas substancias, veneno e antidoto, forem antecipadamente<br />
addicionadas uma á outra nas proporções convenientes,<br />
é obvio não dar-se envenenamento, porque em<br />
linguagem chimica rigorosa já não está ahi o primitivo corpo<br />
tóxico, embora a alteração tenha sido <strong>de</strong> simples passagem ao<br />
estado insoluvel. Quando o veneno porém já penetrou isolado<br />
no organismo, ainda o antidoto pô<strong>de</strong> impedir sua acção nos<br />
seguintes casos :Estando no tubo gastro-intestinal e ainda não<br />
absorvido ; em certas mucosas (vagina etc.) e também não<br />
absorvido; sob a pelle e nas mesmas condições, o que é já<br />
diflicil, visto a rapi<strong>de</strong>z com que as substancias passam<br />
por essa via á circulação geral, e estando um veneno<br />
no sangue elle vai ter immediatamente aos elementos <strong>de</strong><br />
elecção não <strong>de</strong>ixando ao antidoto (mesmo injectado no
— 87 —<br />
sangue) attingil-o a tempo <strong>de</strong> aniquilação. No estado actual<br />
dasciencia, param aqui todos os benefícios dos antídotos, na<br />
opinião da generalida<strong>de</strong> dos tóxicologistas.<br />
Por nossa parte não julgamos que o atrazo medico<br />
auctorise<strong>de</strong> modo algum a aífirmar que quando uma substancia<br />
acha-se em circulação não possa mais soffrer acção chimica<br />
<strong>de</strong> um agente qualquer (o antidoto) favorável ao orga<br />
nismo. E se os toxicologistas dizem que quando o veneno já foi<br />
absorvido o medico só <strong>de</strong>ve pensar em eliminal-o e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
parte os antídotos, é porque ainda não conhecemos esses que<br />
então po<strong>de</strong>riam constituir os verda<strong>de</strong>iros antídotos dyna-<br />
micos, isto é, que procurariam as substancias on<strong>de</strong> ellas se<br />
achassem para <strong>de</strong>slruil-as.<br />
Objecções praticas muito sérias, á primeira vista mesmo<br />
insuperáveis, se apresentam contra estas vistas theoricas.<br />
Ellas porém não reduzem a utopia as nossas idéas que, estamos<br />
certo, constituirão, não longe, fados innegaveis <strong>de</strong><br />
conhecimento vulgar<br />
A primeira objecção é a rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> acção uma vez penetrado<br />
o veneno no sangue; ma 4 se temos tempo <strong>de</strong> eliminal-o,<br />
porque não po<strong>de</strong>remos pensar em <strong>de</strong>struil-o ? E essa<br />
eliminação não será muitas vezes uma acção chimica para nós<br />
ainda <strong>de</strong>sapercebida ? Não estão ahi, para não argumentarmos<br />
senão com factosconhecidos, as intoxicações plumbicae mer-<br />
curial em que Melsens mostrou que o iodureto <strong>de</strong> potássio<br />
ia tornar solúveis os compostos insoluveis que aquelles corpos<br />
haviam formado nos tecidos e no sangue, facilitando-lhes<br />
assim a eliminação?<br />
A segunda objecção é que, uma vez absorvidos, os vene<br />
nos soffrem alterações chimicas importantes, que n'isto
— 88 —<br />
mesmo consiste muitas vezes sua acção, isto é, esses venenos<br />
formam, nos líquidos do organismo, combinações das quaes<br />
resulta toda a perturbação funccional. Seriam, permittam-nos<br />
as expressões para tornarmos mais claro o nosso pensamento,<br />
seriam venenos chimicos, em opposição aos venenos physiologicos.<br />
Entre aquelles estariam collocados, por exemplo, o nitrato<br />
<strong>de</strong> prata que tanto localmente,como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> absorvido,<br />
fôrma albuminatos insoluveis, os venenos hematicos em geral<br />
etc; entre estes figurariam, a pilocarpina excitando as glândulas<br />
do suor, estreitando a pupilla, a generalida<strong>de</strong> dos venenos<br />
nevroticos etc.<br />
Ou, objectar-nos-hão ainda, é preciso que o antidoto,<br />
absorvendo-se ou penetrando no sangue, não soffra por sua<br />
vez alterações capazes <strong>de</strong> aniquilar n'elle o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agir<br />
chimicamente <strong>de</strong>struindo o po<strong>de</strong>r tóxico do veneno.<br />
Estas duas objecções eqüivalem a negar a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>, dado embora o encontro a tempo, haver no sangue uma<br />
acção chimica útil á vida, funesta ao progredir da intoxicação.<br />
Mas as inhalações <strong>de</strong> oxygeneo nos casos <strong>de</strong> intoxicação<br />
pelos gazes ácido sulphydrico e sulphydrato <strong>de</strong> ammonea,<br />
pó<strong>de</strong>-se dizer mesmo o gaz carbônico, corroboram a nossa<br />
opinião. Se nós obtemos a reacção, no sangue, da amygdalina<br />
sobre a emulsina (corpos completamente innocuos isoladamente)<br />
produzindo ácido prussico, embora ellas ahi tenham<br />
attingido por vias differentes, porque ser impossível a<br />
reaçcão <strong>de</strong> um antidoto A sobre um veneno B, cujo resultado<br />
será o aniquilamento da activida<strong>de</strong> tóxica d'este, pois<br />
que era ambos os casos temos phenomenos chimicos submettidos<br />
ás mesmas leis geraes <strong>de</strong> alomicida<strong>de</strong> ?<br />
Tempo virá, talvez próximo, em que a Toxicologia obtenha
— 89 —<br />
d'estes triumphos esplendidos ; acreditamos mesmo que se<br />
esta, idéa da possibilida<strong>de</strong> da transformação benéfica dos<br />
venenos já mesmo absorvidos, presidissem ás experimentações<br />
toxicologicas, as tentativas que n'este sentido seriam mais<br />
reiteradas, estariam talvez hoje, pelo menos algumas, coroadas<br />
<strong>de</strong> êxito. Por esse tempo, a divisão dos antídotos será feita em<br />
estáticos e dynamicos. As condições principaes d'estes últi<br />
mos são que elles sejam <strong>de</strong> absorpção rápida e que, absorvendo-se,<br />
cheguem em estado <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r actuar chimicamente<br />
sobre os venenos <strong>de</strong> predilecção <strong>de</strong> cada um.<br />
A significação da palavra antagonismo é fácil <strong>de</strong> ser comprehendida.<br />
Antagonista é a substancia que, actuando sobre os<br />
mesmos elementos orgânicos que uma outra, produz effeitos<br />
oppostos. Uma substancia actuando sobre o nervo motor<br />
ocular commum excitando-o, istoé, estreitando a pupilla, como<br />
é o caso da pilocarpina, é antagonista <strong>de</strong> uma outra que,<br />
actuando sobre o mesmo nervo, paralyse-o, isto é, dilate a<br />
pupilla, como é o caso da atropina.<br />
Mas isto não quer dizer que toda a substancia que es<br />
treite a pupilla seja antagonista da que a dilate, pois que o<br />
estreitar <strong>de</strong> uma pô<strong>de</strong> ser o effeito da paralysação dos filetes<br />
sympathicos que vão ter ás fibras radiadas da íris, e o dilatar<br />
<strong>de</strong> outra a excitação do oculo-motor (fibras circularesj. Os<br />
effeitos visiveis são oppostos, mas não por uma acção sobre os<br />
mesmos elementos. E' o caso, por exemplo, do curare, que<br />
traz paralysias actuando sobre o systema nervoso peripherico<br />
e a strychnina que produz contracturas e convulsões actuando<br />
sobre o systema central. O antagonismo, pois, n'estes casos, é<br />
simplesmente apparente, <strong>de</strong>nominação que não <strong>de</strong>ve ser sub<br />
stituída pela <strong>de</strong> physiologico, como encontramos em alguns<br />
li 1888—B
— 90 —<br />
auctores porque a significação consagrada ao termo antago<br />
nista já traz comsigo a noção <strong>de</strong> effeito physiologico. Se<br />
quizessemos, no exemplo citado, combater um envenena<br />
mento pela strychnina adminislrandp curare, morreria o<br />
nosso doente pelas duas substancias, portanto muito mais rapidamente.<br />
Não conhecemos nenhum antagonista completo, que<br />
seria o que percorresse todos os mesmos elementos que uma<br />
outra substancia, com effeitos oppostos. A atropina e a mor-<br />
phina : aquella paralysa os pneumogastricos, esta excita-os;<br />
aquella excita o centro respiratório, esta paralysa-o ; são,<br />
pois, quanto a estas proprieda<strong>de</strong>s, antagonislãs. Mas ambas<br />
estas substancias excitam e paralysam os nervos sensitivos,<br />
os centros vaso-molores ; portanto não ha aqui antagonismo,<br />
ao contrario, ha synergia <strong>de</strong> acção Mas isto não quer dizer<br />
que a sciencia não possa <strong>de</strong>scobrir um antagonista completo.<br />
Para nós, pois, as únicas expressões admissíveis são estas:<br />
antagonista completo e incompleto ou parcial, real e falso ou<br />
apparente, nunca porém, physiologico.<br />
Finalmente sobre a significação da palavra especifico, diremos<br />
que, da mesma maneira que as expressões antidoto dynamico<br />
e antagonista completo, ella, se bem que não constitua<br />
um i<strong>de</strong>al irrealisavel em Toxicologia, não pô<strong>de</strong>, no estado<br />
aclual, ser verda<strong>de</strong>iramente applicavel a nenhum corpo. Pensamos<br />
que especifico, em Toxicologia, <strong>de</strong>ve ser comprehendido<br />
o medicamento que, introduzido n ; um organismo intoxicado<br />
por certo veneno, paralyse ou impeça immediatamente<br />
toda a acção tóxica cfesse veneno, quer este tenha ou<br />
não, sido absorvido. Questão toda relativa e não queremos di<br />
zer que o especifico salve infallivelmente ávida do intoxicado;
— 91 —<br />
não, o veneno pô<strong>de</strong> ter produzido <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, o especi<br />
fico vir e não consentir que essas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns sejam maiores,<br />
mas as que já existiam eram incompatíveis com a vida; ape-<br />
zar <strong>de</strong> já não existir, por assim dizer, acção tóxica, a morte<br />
é o resultado. A não ser assim ou não ha especifico ou ha<br />
muitíssimos.<br />
Ou não ha, nem haverá, porque um medicamento não<br />
po<strong>de</strong> operar milagres<br />
Ou ha muitíssimos, porque, exemplificando, a magnesia<br />
seria especifico dos compostos arsenicaes consi<strong>de</strong>rada corno<br />
antídoto estático somente ; o iodureto <strong>de</strong> potássio, dos saes <strong>de</strong><br />
mercúrio como antidoto dynamico somente; a morphina,<br />
da atropina quanto á acção scbre os pneumogastricos e o<br />
centro respiratório somente, <strong>de</strong> maneira a confundirem-se<br />
os termos — especifico e medicamento<br />
A conclusão que tiramos das consi<strong>de</strong>rações feitas; é que<br />
um especifico só pô<strong>de</strong> ser tirado entre os antídotos dynamicos e<br />
entre os anlagonistas, aquelles mais applicaveis aos venenos<br />
chimicos, estes aos physiologicos<br />
De tudo quanto dissemos, vemos que um organismo<br />
sob a acção <strong>de</strong> agente tóxico, pô<strong>de</strong> ser beneficamente in<br />
fluenciado pelos seguintes meios:<br />
I o Agentes physicos—calor, electricida<strong>de</strong>, sucções, la<br />
vagens, absorventes, sondas gástricas etc.<br />
2 o Agentes chimicos—antídotos estáticos e dynamicos.<br />
3 o Agentes biológicos—antagonistas e evacuantes ou<br />
eliminadores ou melhor ainda auxiliares da natureza (vomitivos,<br />
purgalivos, sudorificos, diureticos etc)-<br />
Tornada assim bem clara a nossa maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />
essas expressães todas, será nossa opinião comprehendida a
— 92 —<br />
propósito <strong>de</strong> cada medicamento preconisado contra a intoxicação<br />
ophidiana.<br />
§ II.—Medicamentos proclamados específicos<br />
Ammonea.—Parece ter sido J. Mead o primeiro que<br />
aconselhou o uso dos ammoniacaes nos acci<strong>de</strong>ntes que estudamos,<br />
provavelmente por serem já <strong>de</strong> uso popular, em seu<br />
livro intitulado — A mechanical accounl of poisons— London,<br />
1702 Mais tar<strong>de</strong> (1747) Bernard <strong>de</strong> Jussieu fazia a apologia<br />
da água <strong>de</strong> Luce, que é um álcool ammoniacal succinado.<br />
E os ammoniacaes tiveram gran<strong>de</strong> voga.<br />
Fontana (1782) emprehen<strong>de</strong>u experiências numerosas,<br />
chegando á conclusão indiscutível <strong>de</strong> que a ammonea e seus<br />
<strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> nada valiam. No emtanto, algum tempo <strong>de</strong>pois,<br />
Volisnieri tornava publico, pelos jornaes italianos, um facto<br />
<strong>de</strong> cura em que a ammonea parecia ter lido influencia extraordinária;<br />
logo e:n seguida outros casos appareceram do<br />
mesmo jaez. Fontana, impressionado, voltou ás experiências<br />
dizendo por fim no seu — Opusculi scientifici que, mais do que<br />
nunca, se firmara em seu espirito a nullida<strong>de</strong>do papel representado<br />
pela ammonea nos casos <strong>de</strong> intoxicação ophidiana.<br />
Diversos insuccessos clinicos referidos em vários jornaes,<br />
entre outros, — dous <strong>de</strong> Paulet, um <strong>de</strong> Gerdy, fizeram que <strong>de</strong><br />
novo os ammoniacaes cahissem em completo <strong>de</strong>scrédito e<br />
esquecimento até 1869<br />
N'aquelle anno, porém, Halford publica nos jornaes australianos<br />
o resultado <strong>de</strong> quatro experiências em animaes e<br />
oito observações no homem, havendo apenas um caso <strong>de</strong>
— 93 —<br />
morte, attribuindo todas essas curas ás injecções intravenosas<br />
<strong>de</strong> ammonea que haviam sido feitas Pela certeza que temos<br />
<strong>de</strong> saber toda a gente, que tem lido um pouco, até on<strong>de</strong> pô<strong>de</strong><br />
ir o tresvairar <strong>de</strong> espíritos eminentes embora, mas dominados<br />
por uma idéa fixa, excusamo-nos remexer a archeologia<br />
medica, trazendo o trabalho <strong>de</strong> Halford á critica imparcial;<br />
e nem o tempo e nem o espaço, permittir-nos-hiam. Apezar<br />
d'isso elle provocou certo agitar do mundo medico eque esta<br />
importância lhe seja dada : d'essa agitação resultou o <strong>de</strong>finitivo<br />
<strong>de</strong>scrédito do alcali volátil como especifico<br />
Foi assim que, transcripto esse trabalho no Times, noti<br />
ciado na Gazette hebdomadaire, teve quatro das observações<br />
traduzidas por extenso na these <strong>de</strong> La<strong>de</strong>vi-Roche — Histoire<br />
<strong>de</strong>s injections dans les veines <strong>de</strong>puisleur <strong>de</strong>couvertejusqu à nos<br />
jours (1870).<br />
Inspirando-se na leitura da these <strong>de</strong> La<strong>de</strong>vi-Roche, Oré<br />
tenta reviver em França a pratica das injecções intravenosas ;<br />
tendo conseguido adormecer um doente por injecção intravenosa<br />
<strong>de</strong>chloroformio, fez, logo <strong>de</strong>pois, injecção intravenosa<br />
<strong>de</strong> ammonea em um caso que se lhe apresenlou <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>dura<br />
<strong>de</strong> vibora e o doente curou-se. Estes fados communicados á<br />
Aca<strong>de</strong>mia Franceza, levantam discussão viva sobre os perigos<br />
e utilida<strong>de</strong>s das injecçõea medicamentosas nas veias<br />
Nomeia-se uma commissão para estudar a questão e ella é<br />
<strong>de</strong> parecer que se abandone tal via medicamentosa na clinica<br />
Por essa oceasião, Fevrier (<strong>de</strong> Monlenegro) manda communicação<br />
á Aca<strong>de</strong>mia Franceza <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> cura <strong>de</strong><br />
•t or<strong>de</strong>dura <strong>de</strong> serpente,por injecção intravenosa <strong>de</strong> ammonea<br />
e n esse dia, 23 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1874, a discussão parlicularisa a<br />
questão que estudamos, ^ó então tornam-se conhecidos em
— 94 —<br />
França os trabalhos <strong>de</strong> Fayrer, reunidos em seu livro — Tha-<br />
natophidia indica, publicado em 1872, ern que são completamente<br />
combatidas todas as conclusões <strong>de</strong> Halford. Nos Buli<br />
gen. <strong>de</strong> therap. <strong>de</strong> 1874—t. 86, pag. 559, encontra-se um<br />
resumo d'essa obra, assim como a traducção, por extenso, da<br />
<strong>de</strong> Halford no t. 87, pag. 258 do mesmo anno. D'essa me<br />
morável discussão resultou o completo abandono da ammonea<br />
como indicação capital. Entre outros, Gautier fez experiências<br />
<strong>de</strong>cisivas.<br />
De facto, <strong>de</strong> então para cá, todos os experimentadores<br />
e clinicos,—particularmente Gautier, Richards, Grand-<br />
Marais, Urueta e Lacerda, têm chegado a se expressar n'este<br />
theor :<br />
1 ° A ammonea não é um antidoto estático do veneno<br />
ophidico,porque addicionada antecipadamente a elle e assim<br />
juntos injectados, a intoxicação se faz sem a menor alte<br />
ração .<br />
2.° Injectado primeiro o veneno, <strong>de</strong>pois a ammonea<br />
ou vice-versa, lambem a intoxicação não se modifica ; portanto<br />
também não é um antidoto dynamico<br />
3.° A única vantagem d'esse medicamento é favorecer,<br />
muito indirectamente a eliminação do veneno, sendo, ainda<br />
aqui, inferior aos outros eliminadores.<br />
4." As injecções intravenosas <strong>de</strong> ammonea,nestes casos,<br />
são completamente inúteis e perigosas bastante.<br />
Guaco. —Foi exportada <strong>de</strong> Santa-Fé a gran<strong>de</strong> nomeada<br />
<strong>de</strong> que gozou o guaco {Mikania guaco Humb. e Bompl ).<br />
Fallando <strong>de</strong>ssa planta, dizia em 1798 o Sr. Zea ao Sr.Mutis:<br />
« Ninguém morre maisá mor<strong>de</strong>dura das cobras » Humboldt
— 95 —<br />
quiz vèr o que havia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ixou-se cahir também<br />
até certo ponto victima<strong>de</strong> santa-fê...<br />
Diz em seu relatório que o sueco da planta, applicado<br />
sobre incisões praticadas, uma em cada membro e duas no<br />
tronco, conferia completa immunida<strong>de</strong> fazendo mesmo que<br />
as cobras fugissem <strong>de</strong>sses individuos assim vaccinados. A<br />
alguns que contentavam-se em trazer comsigo as folhas <strong>de</strong><br />
guaco, o effeito era egual Contra a mor<strong>de</strong>dura, o sueco<br />
sobre a ferida e dado internamente em álcool, trazia cura imínediata.<br />
Humboldt viu uma Colluber corallinus recusar a<br />
mor<strong>de</strong>r a ponta <strong>de</strong> um bastão molhado em sueco do guaco.<br />
Gruyon, porém, apresentou um outro nas mesmas condições<br />
a uma vibora eella mor<strong>de</strong>u-o.<br />
Quem tem feito experiências e procurado obter o<br />
veneno pelo processo do algodão, sabe como é difficil, ás vezes,<br />
conseguir-se que as cobras mordam a pequena bola <strong>de</strong> algodão<br />
que se pren<strong>de</strong> á ponta <strong>de</strong> um estyllele qualquer, como<br />
nos aconteceu com uma jararacussú, da qual não pu<strong>de</strong>mos<br />
retirar nem uma golta <strong>de</strong> veneno e varia % jararacasque tivemos<br />
presas. Uma que hoje pegava bem no algodão, amanhan<br />
se recusava ou acontecia o contrario A's vezes acontece que<br />
muilo perseguidas, intimidam-se, não sendo possível absolutamente<br />
obter-se que mordam.<br />
E nós não per<strong>de</strong>remos tempo em.mostrar como Guyon,<br />
Urueta e outros provaram que as proprieda<strong>de</strong>s maravilhosas<br />
do guaco não passavam <strong>de</strong> phantasia, alimentada pela curabilida<strong>de</strong><br />
espontânea das intoxicações ophitas em geral, curas<br />
auxiliadas pelo emprego dos alcoólicos, diureticos, purgati-<br />
vos, sudorificos, etc, que lambem eram administrados aos<br />
doentes.
— 96 —<br />
A mesma sorte da ammonea e do guaco tiveram a<br />
Simaba cedron (J C. PI ) e a Picrolemna valdivia (G. PI.)<br />
don<strong>de</strong> se retiram a cedrina e a valdivina que Dujardin-Beaumetz<br />
(1) diz serem bastante tóxicas e serem diureticas.<br />
E é esta a historia <strong>de</strong> todos os infalliveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a anti<br />
güida<strong>de</strong>, como o antidoto <strong>de</strong> Bibron, etc, etc.<br />
O chloral muito preconisado por um brazileiro, o Dr,<br />
Lisboa, não <strong>de</strong>u resultado nenhum ao Dr Lacerda que até<br />
servia-se <strong>de</strong>lle como bom vehiculo e conservador do veneno<br />
que <strong>de</strong>via servir para experiências.<br />
E' chegado o momento do permanganato <strong>de</strong> potássio<br />
que valeu ao Dr Lacerda um prêmio do Estado.<br />
Como o seu reinado, prestes a expirar, é ainda amparado<br />
por alguns clinicos brazileiros e certo favor popular sempre<br />
prompto a acceitar sem discutir o que se lhe diz, nos <strong>de</strong>moraremos<br />
mais um pouco no seu estudo, passando das consi<strong>de</strong>rações<br />
theoricas ás razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m experimental e clinica que<br />
nos fazem collocar esse medicamento, para o caso presente,<br />
como mero antidoto estático e mesmo assim inferior a<br />
outros<br />
§ III.—0 permanganato <strong>de</strong> potássio<br />
Raciocinemos um pouco sobre o valor que pô<strong>de</strong> ter o permanganato<br />
<strong>de</strong> potássio nas mor<strong>de</strong>duras <strong>de</strong> cobra, procurando<br />
nos servir sempre <strong>de</strong> palavras e experiências do Dr. Lacerda,<br />
que tanto lhe faz a apologia.<br />
(1) Dujardin-Beaumetz—Compt. r.—1881.
— 97 —<br />
Se administrado pela bocca, nenhum beneficio trará,<br />
porque logo ao chegar no estômago altera-se, resultando d'ahi<br />
um corpo insoluvel, que, portanto, não sendo absorvivel, não<br />
pô<strong>de</strong> ir atacar o veneno no sangue, diz o Dr Lacerda, no que<br />
todos estão <strong>de</strong>accordo. Mencionando, entretanto, um facto em<br />
que esse medicamento, além <strong>de</strong> injectado em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />
em diversos pontos do membro, fora também tomado<br />
internamente, o Dr. Lacerda, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> notar que esta ultima<br />
dose fora inútil, concluo que e o caso <strong>de</strong> dizer-se quod<br />
abundai non nocet. Pedimos licença para notar que em<br />
medicina racional e séria não tem applicação aquella phrase;<br />
em medicina tudo que é <strong>de</strong> mais ou <strong>de</strong> menos, faz mal.<br />
Pela via subcutanea, « se o permanganato <strong>de</strong> potássio e<br />
injectado a tempo <strong>de</strong> encontrar o veneno na ferida, este será<br />
modificado immediatamente e a sua acção ficará nulla. (I)<br />
Ninguém contesta o Dr. Lacerda neste ponto : todos são una<br />
nimes em reconhecer que uma vez que o permanganato (não<br />
alterado) encontre o veneno, este é <strong>de</strong>sorganisado e per<strong>de</strong> toda<br />
a activida<strong>de</strong> tóxica.<br />
f Se porém, a injecção é praticada tardiamente, quando<br />
o veneno já se tem diffundido nos tecidos ou entrado na circulação<br />
geral, os seus offeitos antídotos não se po<strong>de</strong>m realizar<br />
ou pelo menos serão muito duvidosos. D'ahi a conveniência<br />
das applicações immediatas como garantia do successo. »<br />
(I<strong>de</strong>m pag. 37) Esta verda<strong>de</strong> é o corollario forçado do que<br />
disse o Dr Lacerda sobre a administração do permanganato<br />
pela bocca, isto é, da allerabilida<strong>de</strong> d'este ; porque, se o<br />
veneno já se diffundiu pelos tecidos, aquelle medicamento,<br />
(1) Lacerda. - O veneno ophidico e os seus antídotos—Rio, 1881, pag. 37.<br />
18 1888—B
— 98 —<br />
injectado <strong>de</strong>baixo da pelle, altera-se logo nesse ponto,não passando<br />
d'ahi nem por absorpção,nem porembebição ou diffusão<br />
(como directamente provou Vulpian, e entre nós o Dr. C-uly<br />
em trabalhos <strong>de</strong> collaboração com o Dr Lacerda), não po<br />
<strong>de</strong>ndo portanto exercer acção chimica sobre o veneno que se<br />
achar n'um ponto próximo, mesmo que não absorvido, que<br />
ahi tenha chegado por simples embebição ou diffusão.<br />
On<strong>de</strong> não comprehen<strong>de</strong>mos o nosso illustre experimen-<br />
tador,é quando elle atlribue o <strong>de</strong>sapparecimento <strong>de</strong> symptomas<br />
geraes da intoxicação, ou melhor, as curas <strong>de</strong> casos em que<br />
houve phenomenos patentes <strong>de</strong> absorpção geral do veneno, a<br />
injecções hypo<strong>de</strong>rmicas <strong>de</strong> permanganato. Não comprehen<strong>de</strong>mos<br />
como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aflirmar que a garantia do successo está<br />
tia applicação immediata do permanganato, que quando a injecção<br />
é praticada tardiamente os sois effeitos antídotos não se<br />
po<strong>de</strong>m realizar; como <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dizer que o permanganato<br />
allera-se logo que é injectado <strong>de</strong>baixo da pelle, e não se<br />
absorve; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> leconbecer estes fados indiscutíveis,<br />
venha nos apresentar casos <strong>de</strong> cura em que os individuos<br />
soffreram a absorpção do veneno, aítribuindo taes curas a<br />
injecções hypo<strong>de</strong>rmicas <strong>de</strong> permanganato !<br />
Não seria mais natural que o Dr Lacerda dissesse que o<br />
veneno se absorve lentamente e algumas vezes soffre como<br />
(pie um enkistamento e que, portanto, sobre essa parle não<br />
absorvida, po<strong>de</strong> acíuar o permanganato, sendo assim co-<br />
he rente com sigo mesmo ?<br />
Mas elle vai mais longe, e manda que, se as injecções hypo<strong>de</strong>rmicas<br />
não bastarem ou se o medico,chegando far<strong>de</strong>,en<br />
contrar signaes <strong>de</strong> que o veneno já passou á torrente circulatória,<br />
façam-se injecções intravenosas. Vejamos qual seja o
— 99 —<br />
valor <strong>de</strong>sta pratica, servindo-nos ainda das suas idéas e expe<br />
riências.<br />
E' baseado no facto da alteração do permanganato que<br />
elle explica a acção <strong>de</strong>ste sobre o veneno. Acredita, e neste<br />
ponto não ha divergência, que é o oxygeneo <strong>de</strong>sprendido do<br />
permanganato logo que esteja em contado com qualquer<br />
substancia orgânica (até mesmo as poeiras orgânicas da almosphera,<br />
don<strong>de</strong> o seu judicioso conselho <strong>de</strong> preparar a solução<br />
só no momento da applicação), oxygeneo que ataca o veneno<br />
aniquilando nelle todas as proprieda<strong>de</strong>s tóxicas Ora, não se<br />
compara a insignificancia <strong>de</strong>sse oxygeneo, mesmo nas maiores<br />
doses compativeis com a vida, com o que é introduzido<br />
no sangue pela respiração pulmonar, que no emtanto não<br />
basta, visto a acção rápida do veneno uma vez no sangue, e<br />
extrema diffusão em que fica; e sendo assim, era mais<br />
lógico fossem aconselhadas as inhalações <strong>de</strong> oxygeneo<br />
Mesmo que tal não fora o mechanismo da alteração<br />
(o que não pô<strong>de</strong> ser, porque se misturarmos veneno a permanganato<br />
já anteriormente alterado, isto é, já tendo <strong>de</strong>sprendido<br />
o seu oxygeneo, e injeclarmos n'um animal essa mistura, a<br />
intoxicação será corno se o veneno estiverasó,como reconhece<br />
o próprio Dr Lacerda e <strong>de</strong> outro modo se comprehen<strong>de</strong>ria<br />
o conselho <strong>de</strong> só se empregarem soluções muito recentes),<br />
mesmo que fora por esse mechanismo <strong>de</strong>sconhecido, para o<br />
qual appella em ultimo logar, com aquella diffusão extrema<br />
em que ficam as duas substancias, a dose <strong>de</strong> permanganato<br />
<strong>de</strong>veria ser muito gran<strong>de</strong>, occasionando só por si a morte do<br />
indivíduo, ou compativel com a vida e então <strong>de</strong> inefficacia<br />
plena, como provaram Vulpian e Couty<br />
E' esta ultima or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações que nos manda
— 100 —<br />
não aconselhar no homem as injecções intravenosas da solu<br />
ção <strong>de</strong> potassa que no em tanto <strong>de</strong>stróe o veneno tão bem como<br />
o permanganato<br />
E tanto é assim que Shortt <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1869 obtém esplendidos<br />
resultados com esse medicamento em injecção hypo<strong>de</strong>r-<br />
mica, mas não o aconselha em injecção intravenosa. Pergunta<br />
mos ao Dr Lacerda se elle dá bichlorureto <strong>de</strong> mercúrio em<br />
dose sufficiente para matar micróbios <strong>de</strong> indivíduo atacado<br />
por moléstia infecciosa.<br />
O papel do medico, nestes casos, é impedir a penetra<br />
ção, tfemblèe, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> veneno no sangue, masque<br />
uma vez dada essa penetração, confesse com lealda<strong>de</strong>, que a<br />
sciencia ainda não <strong>de</strong>scobriu meios directos <strong>de</strong> impedir as<br />
suas conseqüências, mas não aconselhar, nunca, tentativas<br />
perigosas. O papel do medico é aqui procurar eliminar, tão<br />
<strong>de</strong>pressa quanto possível, o veneno, pelos meios indirectos<br />
racionaes, únicos reconhecidamente eíficazes, dos emunctorios<br />
naturaes<br />
Mas o Dr Lacerda, fatiando no tal mechanismo <strong>de</strong>sco<br />
nhecido,ainda fazappello á sua experimentação e observação.<br />
Pois appellemos para a experimentação ainda do<br />
Dr Lacerda.<br />
Vamos provar que o Dr Lacei da ou não diz tudo o que<br />
vê, ou não vê tudo o que diz.<br />
Não diz tudo o que vê, porque tendo collaborado primeiro<br />
nos trabalhos do Dr Coutv, trabalhos que fizeram a<br />
este ultimo <strong>de</strong>screr do permanganato, quando o veneno já<br />
fora absorvido, não se refere a esses trabalhos em urn livro<br />
logo <strong>de</strong>poi, publicado e em outros ainda postei iores, porque
— 101 —<br />
seria impossibilitar-se completamente a tirar as conclusões<br />
que <strong>de</strong>sejava, dizendo mesmo que o Dr Couty partilhava das<br />
mesmas idéas Este ultimo experimenlador vendo sua opi<br />
nião assim adulterada, levantou um protesto soiemne, c então<br />
publicou o resultado dos seus trabalhos <strong>de</strong> collaboração com<br />
o Dr Lacerda.<br />
A questão é assim referida pelo Dr. Couty que nunca<br />
teve o menor protesto do seu collaborador do Museu Nacional<br />
: Trabalhavam juntos, e d'esses estudos resultou o<br />
<strong>de</strong>scrédito do permanganato. Não po<strong>de</strong>ndo proseguir, o<br />
Dr. Couty pediu ao Dr. Lacerda repelir e continual-os por<br />
si, mostrando por essa fôrma, o critério e a sensatez que empregava<br />
para não tirar conclusões apressadas. Sc essas experiências<br />
eram erradas, nunca o Dr Lacerda tentou apontar<br />
lhes os erros.<br />
Mas <strong>de</strong>mos a palavra ao Dr. Couty. (1)<br />
« Alguns mezes mais tar<strong>de</strong> estas pesquizas não tendo<br />
sido feitas, eu próprio emprehendi algumas experiências e<br />
vou referir aquellas que o Dr Lacerda assistiu :<br />
. Misturámos uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno forne<br />
cido por diversas serpentes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nos ter certificado <strong>de</strong><br />
que seus effeitos eram comparáveis. Um centímetro cúbico<br />
d'esta mistura foi injectado pela saphena em varias oceasiões<br />
a um primeiro cão e não se produziram senão acci<strong>de</strong>ntes<br />
pouco graves e passageiros—vômitos, <strong>de</strong>fecação, ligeira sali-<br />
vação, etc<br />
« Tomámos um segundo cão e injectámos dois centímetros<br />
cúbicos cia mesma solução <strong>de</strong> veneno, emquanto que o<br />
~yT^^D^lãction du pcmanyanacs oe poia.se contre les acci<strong>de</strong>nts du<br />
renin du Bothrops—Compt.-r., 1-^2.
— 102 —<br />
Dr, Lacerda introduzia permanganato <strong>de</strong> potássio em solução<br />
ao centésimo, pela saphena opposta ; o cão morreu em alguns<br />
minutos, embora se lhe tivessem feito novas injecções do li<br />
quido preservador<br />
• Em outro animal, quasi do mesmo peso, injectámos,<br />
pela veia saphena, dois centimetros cúbicos do mesmo veneno ;<br />
elle teve immediatamente acci<strong>de</strong>ntes graves, mas resistio duas<br />
horas antes <strong>de</strong> succumbir<br />
« Tendo tomado outro cão do mesmo tamanho, continuámos<br />
estas co »>parações. Elle recebeu lambem no sangue, dois<br />
centimetros cúbicos da solução <strong>de</strong> veneno e diversos cen<br />
timetros cúbicos da solução aquosa <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong><br />
potássio ao centésimo ; apresentou perturbações múltiplas e<br />
morreu no fim <strong>de</strong> três horas.<br />
« Tomámos então o cão no qual a injecção intravenosa <strong>de</strong><br />
um centímetro cúbico <strong>de</strong> veneno, só havia produzido ligeiros<br />
symptomas; parecia voltado ao estado normal. Injectámos<br />
successivamenle pela saphena, <strong>de</strong> quarto em quarto <strong>de</strong> hora,<br />
três centímetros cúbicos da solução ilc veneno ; nas primeiras<br />
horas não apresentou senão acci<strong>de</strong>ntes pouco notáveis, mas<br />
terminou por succumbir no dia seguinte,com lesões múltiplas.<br />
« Po<strong>de</strong>r-se-hia, pois, admittir, segundo estas primeiras<br />
experiências, que o permanganato <strong>de</strong> potássio apressava a<br />
morte pelo veneno, em logar <strong>de</strong> impedil-a; maseu conhecia<br />
bem a falta <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> dos acci<strong>de</strong>ntes com as quantida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> veneno introduzidas, as differenças <strong>de</strong> suscepti-<br />
bilida<strong>de</strong> individual, para não tirar ainda nenhuma conclusão.<br />
« Finalmente fiz algumas experiências com doses consi<strong>de</strong>ráveis<br />
<strong>de</strong> veneno e todas me provaram que os animaes<br />
assim tratados pelo permanganato <strong>de</strong> potássio,morriam como<br />
i
— 103 —<br />
os outros,- apresentando na autópsia—infiltrações hemorrha-<br />
gicas das meningeas, do coração, dos pulmões e outras vísceras,<br />
lesões que, segundo nossas pesquizas são caracteriscas<br />
da acção do veneno introduzido no sangue. Verifiquei também<br />
que os cães apresentavam antes <strong>de</strong> succumbir os mesmos<br />
acci<strong>de</strong>ntes, tivessem ou não recebido injecção intravenosa <strong>de</strong><br />
solução aquosa <strong>de</strong> permanganato: eram—vômitos, evacuações,<br />
micções, hemorrhagias externas e internas e convulsões irregulares,<br />
como também era a mesma diversida<strong>de</strong> do mechanismo<br />
da morte: um cão submettido á acção do permanganato<br />
<strong>de</strong> potássio <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> injecção intravenosa <strong>de</strong> veneno, morria<br />
em alguns minutos por parada do coração ; outro suecumbia<br />
em três horas a uma paralysia progressiva dos centros ner<br />
vosos.<br />
« Para terminar, fiz algumas experiências com doses pequenas,<br />
produzindo perturbações mórbidas, <strong>de</strong> que as curas<br />
espontâneas p<strong>de</strong>lem facilmente fazer crer em uma acção curativa<br />
<strong>de</strong> tal ou tal antidoto ensaiado : aqui ainda me convenci<br />
<strong>de</strong> que a penetração do permanganato <strong>de</strong> potássio no sangue<br />
não fazia cessar os acci<strong>de</strong>ntes quando existiam, e os quaes elle<br />
<strong>de</strong>ixava se produzirem, mesmo para estas pequenas quanti<br />
da<strong>de</strong>s,lesões hemorrhagicas do coração e dos pulmões, que se<br />
encontravam na autópsia,se o animal era sacrificado por outros<br />
meios.<br />
« Mostrei ao meu collaborador <strong>de</strong>sejos<strong>de</strong> que continuasse,<br />
por si, estas observações para modificar suas primeiras conclusões<br />
; me abslive, esperando, <strong>de</strong> nada publicar, e aclual-<br />
rnente vou realizar o projecto que havia formado <strong>de</strong> fazer<br />
experiências <strong>de</strong> injecção <strong>de</strong> peçonha e <strong>de</strong> permanganato <strong>de</strong><br />
potássio sob a pelle. Este sal <strong>de</strong> potassa, que pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>compor
— 104 —<br />
o veneno introduzido localmente nos tecidos, ainda não ab<br />
sorvido, terá, sob este ponto <strong>de</strong> vista, uma acção chimica<br />
superior á <strong>de</strong> diversos líquidos <strong>de</strong>struidores, <strong>de</strong> muito tempo<br />
empregados praticamente? E' o que procurarei estudar brevemente<br />
; mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já sou auctorisado a concluir :<br />
« 1 °—que o permanganato <strong>de</strong> potássio foi recommendado<br />
como agente thecapeutico dos acci<strong>de</strong>ntes produzidos pelas<br />
mor<strong>de</strong>duras das serpentes venenosas, sem provas experimen-<br />
taes suíficientes;<br />
« 2.°—que elle não é antidoto physiologico (l)da peçonha<br />
do Bothrops, pois que não paralysa sua acção quando este<br />
veneno tem peneirado seja no sangue, seja nos diversos ele<br />
mentos anatômicos dos tecidos. »<br />
Não conhecemos referencia nenhuma do Dr Ldacerda a<br />
tão solemne protesto, refutação nenhuma a estas experiências.<br />
E' que ellas são irrefutáveis<br />
Mas não foi só o Dr Couty ; Richards, Badaloni, Urueta<br />
e outros, experimentaram e chegaram ás mesmas conclusões,<br />
em differentes logares e em épocas diversas, experiências<br />
que não transcrevemos porque julgamos que não pô<strong>de</strong> haver<br />
a menor duvida no espirito <strong>de</strong> quem nos lê, <strong>de</strong> que o<br />
Dr Lacerda exagerou (mesmo com os seus trabalhos) os benefícios<br />
que podia prestar o permanganato <strong>de</strong> potássio.<br />
O Sr. Dr. Pedro Affonso Franco, lente <strong>de</strong> pathologia<br />
cirúrgica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro; o<br />
Dr, Renicio <strong>de</strong> Abreu, lente di pathologia geral da mesma Fa<br />
culda<strong>de</strong>, para citar apenas dous gran<strong>de</strong>s vultos, que só por si<br />
bastam,expen<strong>de</strong>ram,em suas lições, as idéas que professamos.<br />
(1) O que chamamos antidoto dynamico,
— 105 —<br />
O Dr. João Paulo, adjunto á ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> physiologia,<br />
forneceu, em aulas officiaes, a prova pratica Depois <strong>de</strong> verificar,<br />
por experiências antecipadas, qual a dose máxima do<br />
veneno que <strong>de</strong> uma só vez podia ser supportada por um cão<br />
<strong>de</strong> peso dado, fez as seguintes experiências:<br />
Em um primeiro cão injectou na saphena essa dose máxima<br />
compatível com a vida. Este, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apresentar todos<br />
os phenomenos graves <strong>de</strong> entoxicação, restabeleceu-se sem<br />
medicação nenhuma<br />
Em um segundo cão fez injecção <strong>de</strong> dose maior, isto é,<br />
mortai, mas por doses fraccionadas, n'uma hora 0 cão também<br />
soffreu muito, mas restabeleceu-se.<br />
Em um terceiro cão esta uttima dose foi injectada <strong>de</strong><br />
uma só vez, ao mesmo tempo que um ajudante introduzia<br />
o permanganato pela saphena opposta: o cão morreu<br />
Em um quarto cão esta ultima dose foi injectada e no<br />
mesmo ponto da veia immediatamente <strong>de</strong>pois, a solução <strong>de</strong><br />
permanganato: o cão salvou-se.<br />
Em um quinto cão esta dose gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> veneno foi<br />
injectada; esperou-se um minuto <strong>de</strong>pois do qual injeclou-se o<br />
permanganato em dóscalla: o cão morreu como no caso da<br />
não injecção do permanganato.<br />
Mas o Dr Lacerda ainda appella para & clinica<br />
Quanto a isto diremos que a clinica do Dr. Lacerda,<br />
a julgar-se pelas suas publicações, (I) resume-se em communicações<br />
aos jornaes diários do Brazil por fazen<strong>de</strong>iros ou indi<br />
viduos leigos á medicina na maior parte, salvo um ou outro<br />
medico<br />
(1) Faitscliniques reemiti!-• par le Dr. Lacerda -Rio, 1SSJ.<br />
11 1WH--R
— 106 —<br />
E nós po<strong>de</strong>riamos citar muitos exemplos em que o per<br />
manganato <strong>de</strong> polassio, mesmo injectado logo <strong>de</strong>pois da picada<br />
da cobra, não impedio a morte do indivíduo. Guardamo-nos,<br />
porém, para um trabalho posterior que preten<strong>de</strong>mos publicar.<br />
Concluindo, dizemos em nome <strong>de</strong> todos os que se têm<br />
occupado do assumpto :<br />
0 permanganato <strong>de</strong> potássio é simplesmente antidoto estático<br />
da peçonha dos ophidios porque sobre o veneno collocado em<br />
ponto um pouco distante, mesmo que não absorvido, ou sobre<br />
o que tenha sido absorvido, elle não exerce a menor acção.<br />
As injecções intravenosas <strong>de</strong> permanganato são, além <strong>de</strong><br />
inúteis, perigosas.
Tratasu&to raciona»!<br />
— 107 —<br />
CAPITULO III<br />
Bases racionaes e methodicas, orientação que ellas <strong>de</strong>vem<br />
dar ao tratamento, eis o que será o presente capitulo.<br />
Não instituir um tratamento <strong>de</strong> accòrdo com o juizo que formamos<br />
do seu valor ou da natureza da moléstia, é empírico<br />
ou charlatão.<br />
Devemos atten<strong>de</strong>r ás lesões locaes e ás geraes—tratamento<br />
local e tratamento geral; ao tempo—tratamento immediato,<br />
dos phenomenos secundários e dos phenomenos terciarios<br />
.
— 108 —<br />
Tratamiato local<br />
1 ° SUBTRAHIR o VENENO DA FERIDA é a primeira indi<br />
cação a preencher Para isto, immediatamente <strong>de</strong>pois da picada,<br />
o indivíduo faz compressões methodicas em direcção á<br />
ferida, circumdando-a, afim <strong>de</strong> espremer o veneno ao mesmo<br />
tempo que enxuga com um panno secco, lavando em seguida<br />
a parte ; immediatamente applica uma ligadura circular<br />
logo acima e faz a sucção, meio po<strong>de</strong>roso que por si só<br />
muitas vezes é sufficiente para retirar, senão todo, pelo menos<br />
em gran<strong>de</strong> parte, o veneno inoculado, como provou<br />
Barry. A sucção pô<strong>de</strong> ser feita por meio <strong>de</strong> ventosas<strong>de</strong> borracha,<br />
fáceis <strong>de</strong> ser conduzidas Pravaz inventou mesmo um<br />
apparelho apropriado, mas cujo uso não se generalisou. Se a<br />
ventosa é applicada, <strong>de</strong> maneira conveniente, diz Barry, duas<br />
ou três horas, todos os acci<strong>de</strong>ntes da intoxicação po<strong>de</strong>m ser<br />
evitados. Na falta entretanto <strong>de</strong> uma ventosa, a sucção com a<br />
bocca presta relevantes serviços, pois que, salvo o caso <strong>de</strong> ter<br />
o indivíduo que a pratica uma solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na<br />
mucosa da bocca, elle não soffre o menor acci<strong>de</strong>nle, pois que<br />
sabemos que o veneno ophidio ingerido por essa via não causa<br />
o menor mal.<br />
Se acaso ficou um colchete cravado na pelle da victma,<br />
é imprescindível retiral-o incontinenti; se elle estiver muito<br />
preso ou fundo, faz-se o <strong>de</strong>bridamento suficiente ao mesmo<br />
tempo que comprimem-se fortemente os tecidos para retirar,<br />
com o sangue,também o veneno. Alguns médicos aconselham<br />
sempre o <strong>de</strong>bridamento, a escharificação. O melhor processo
— 109 —<br />
é unir por um golpe <strong>de</strong> bistury os dois orifícios <strong>de</strong>ixados pelos<br />
colchetes do réptil.<br />
Contrario, justamente, éo nosso pensar quanto á amputação<br />
do membro. Ella só po<strong>de</strong>ria verda<strong>de</strong>iramente valer,<br />
quando praticada logo <strong>de</strong>pois da mor<strong>de</strong>dura ; ora, se nos é<br />
dada a ventura <strong>de</strong> actuar tão cedo, o conjuncto dos preceitos<br />
aqui formulados neste capitulo, evitam todos os acci<strong>de</strong>ntes<br />
locaes, salvando com certeza, quanta certeza possa haver em<br />
medicina, a vida do indivíduo mordido. Reservando a amputação<br />
para os casos forçados <strong>de</strong> gangrena, etc, rejeitamol-a<br />
completamente nesta primeira phase do tratamento.<br />
E' <strong>de</strong> presumir que não se possa retirar todo o veneno,<br />
mesmo porque quasi «empre os soecorros médicos são prestados<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certo tempo eentão <strong>de</strong>vemos:<br />
2.° DESTRUIR o VENENO IN LOCO—A electricida<strong>de</strong>, com<br />
os pólos <strong>de</strong> platina, mergulhados nos buracos <strong>de</strong>ixados pelos<br />
colchetes, foi muito preconisada por Pravaz, que obteve<br />
optimos resultados, applicando assim correntes <strong>de</strong> trinta ele<br />
mentos.<br />
Parece-nos que essas applicações tiveram gran<strong>de</strong> parle<br />
nas curas maravilhosas que Halford attribuiu ás injecções<br />
intravenosas <strong>de</strong> ammonea, segundo já vimos.<br />
O calor, sob a fôrma <strong>de</strong> caulerios potenciaes, pô<strong>de</strong> prestar<br />
serviços. O ferro quente, neste caso, produzindo eschara,<br />
circurnscreve uma barreira que impe<strong>de</strong> a absorpção do veneno<br />
; como vimos a alteração chimica e tóxica do veneno<br />
ophidio pelo calor, é ainda questão litigiosa.<br />
O mesmo diremos <strong>de</strong> todos esses cáusticos chimicos em<br />
pregados.
— 110 —<br />
Gruère manda regeitar os ácidos concentrados, os óleos<br />
quentes, a pólvora queimada no logar, etc, dando preferencia<br />
á manteiga <strong>de</strong> antimonio, ao nitrato <strong>de</strong> prata, aos alcalis<br />
cáusticos, menos a ammonea. Blôl faz quasi a mesma escolha.<br />
A Gautier addicionava antecipadamente o veneno a<br />
essas substancias e injectava <strong>de</strong>pois nos animaes, tendo<br />
o resultado seguinte :<br />
Perchlorureto <strong>de</strong> ferro—nenhuma alteração nos phenomenos<br />
da intoxicação.<br />
Carbonato <strong>de</strong> sódio e <strong>de</strong> potássio—i<strong>de</strong>m.<br />
Ammonea—mo<strong>de</strong>ra um pouco a acção do veneno.<br />
Nitrato <strong>de</strong> prata—mo<strong>de</strong>ra e retarda a acção, mas não a<br />
annulla<br />
Alcalis fixos —aniquilam completamente as proprieda<strong>de</strong>s<br />
tóxicas do veneno.<br />
Toda a serie enorme dos cáusticos tem sido empregada<br />
com mais ou menos elogio.<br />
Quanto a nós, achamos que não se <strong>de</strong>ve ser tão enthusiasta<br />
como o professor Berne. Applicados em superfície<br />
sobre a pelle não penetram nos tecidos suficientemente para<br />
encontrar o veneno, produzem extensas escharas sem a menor<br />
utilida<strong>de</strong>, como vimos em um indivíduo que fora consultar<br />
com o Dr. João Paulo, não mais pela intoxicação, mas pela<br />
ulcera, que <strong>de</strong>ixara uma extensa eschara produzida pela<br />
ammonea. A fazer uso portanto dos cáusticos, <strong>de</strong>vemos dar<br />
preferencia ás flexas <strong>de</strong> potassa e cal, ao lápis <strong>de</strong> nitrato <strong>de</strong><br />
prata, e finalmente ao ferro quente (por exemplo a ponta fina<br />
<strong>de</strong> um prego limpo aquecido ao vermelho), introduzidos nos<br />
dois orifícios da ferida convenientemente alargados com o<br />
bistury.
— 111 —<br />
Melhor que tudo isso é o uso das injecções hypo<strong>de</strong>rmicas,<br />
cuja occasião precisa é agora.<br />
E' este o momento preciso das injecções medicamentosas<br />
ten<strong>de</strong>ntes a <strong>de</strong>struir o veneno. Como as substancias que alteram<br />
chimicamenle o veneno são os alcalis fixos e o permanganato<br />
<strong>de</strong> potássio,até novas <strong>de</strong>scobertas, <strong>de</strong>vemos preferil-as<br />
ás outras.<br />
Mas, como vimos que o permanganato se altera logo em<br />
contado com os tecidos, damos preferencia ainda aos alcalis<br />
fixos por po<strong>de</strong>rem exercer sua acção por mais tempo e em<br />
muito maior extensão. Estas vistas theoricas têm tão plena<br />
alfirmativa nas experiências <strong>de</strong> Gautier e Richards (I) como<br />
na clinica <strong>de</strong> Shortt. (2)<br />
A fórmula seguinte :<br />
Potassa eaustica secca (ao álcool) 10 centlgrs.<br />
Água distillada.. 100 grms.<br />
não se altera e pô<strong>de</strong> ser empregada sem receio <strong>de</strong> conseqüências<br />
más. As injecções <strong>de</strong>vem ser em numero <strong>de</strong> duas,<br />
mergulhando-se a agulha nos dois orifícios já existentes da<br />
ferida.<br />
A fórmula do permanganato é esta:<br />
Permanganato <strong>de</strong> potássio 1 centigr.<br />
Água distillada • 10 grms.<br />
que <strong>de</strong>ve ser preparada na occasião sómenle <strong>de</strong> ser appli-<br />
cada.<br />
(1) V. Eichards- -The Lancet, 1 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> ÍSQ-J, pag. 1097.<br />
(2) I. Shortt.— The Lancet, 1870 e
— 112 —<br />
Na falta d'esles, o melhor é absler-se <strong>de</strong> injecções e fazer<br />
então uso dos cáusticos que já dissemos preferíveis.<br />
Infelizmente chegamos sempre um pouco tar<strong>de</strong> ; mesmo<br />
que tal não se dê, é <strong>de</strong> presumir que pelo menos alguma quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> veneno fique intacta nos tecidos,e portanto <strong>de</strong>vemos:<br />
3 o IMPEDIR o VENENO DE PASSAR EM MASSA A TORRENTE CIR<br />
CULATÓRIA. A compressão circular <strong>de</strong>ve ser feita por uma lira<br />
<strong>de</strong> doisa trcs centimetros não muito cerrada e nunca ficar por<br />
mais <strong>de</strong> uma hora. O verda<strong>de</strong>iro processo, seguro <strong>de</strong> evitar a<br />
passagem do veneno e a gangrena do membro, é este : logo<br />
que o indivíduo foi mordido, applica-se a ligadura bem perto<br />
da ferida ; prestados os soccorros acima referidos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
meia. hora, afrouxa-se o laço por um a dois minutos, tornando<br />
a collocal-o um pouco mais acima durante outra meia hora ;<br />
retira se, applica-se acima, e assim até á raiz do membro.<br />
E' este processo chamado da ligadura intermitlente, que bem<br />
dirigido presta resultados esplendidos sem o menor risco <strong>de</strong><br />
gangrena.<br />
Castelneau refere uma observação interessante em que<br />
<strong>de</strong> cada vez que se retirava a ligadura, apresentavam-se phenomenos<br />
<strong>de</strong> intoxicação, por convulsões generalisadas, etc,<br />
tudo cessando sempre com a reapplicação, conseguindo assim<br />
salvar-se o doente, que sem esse meio não teria resistido á<br />
gran<strong>de</strong> dose <strong>de</strong> veneno <strong>de</strong> uma só vez no sangue e portanto<br />
seria victima da morte.<br />
Ainda têm applicação aqui as injecções medicamentosas<br />
a que nos referimos, feitas acima da ferida, on<strong>de</strong> sé presume,<br />
pelo <strong>de</strong>senvolvimento dos phenomenos locaes, haver mais<br />
veneno. Os resultados aqui já ?ão muito secundários.
— 113 —<br />
As applicações frias continuas, <strong>de</strong> maneira a não pro<br />
vocar reacção local, po<strong>de</strong>m, retardando a circulação local, ser<br />
úteis; mas além <strong>de</strong> incommodo, é um meio infiel.<br />
Resta-nos agora:<br />
4.° COMBATER os ACCIDENTES LOCAES. — Contra os phe<br />
nomenos locaes secundários <strong>de</strong> que o mais importante é a<br />
tumefacção inflammatoria, instituímos um tratamento antiphlogistico<br />
conveniente—banhos mornos, cataplasmas, etc.<br />
Quando a infiltração é gran<strong>de</strong>, a pelle muito distendida, é<br />
bom, por puncções, etc, evacuar a serosida<strong>de</strong> sanguinolenta<br />
subcutanea; <strong>de</strong>vemos romper as phlyctenas,evacuar os abcessos.<br />
Quanto ás variadissimas lesões locaes que se po<strong>de</strong>m apresentar,—phlegmões,<br />
angioleucites, etc, proce<strong>de</strong>-se inteiramente<br />
como nos casos ordinários e não per<strong>de</strong>remos espaço<br />
com isso. O mesmo dizemos quanto aos acci<strong>de</strong>ntes locaes<br />
terciarios.<br />
15<br />
1888-B
— 114 —<br />
Tratameato £«al<br />
Vêm aqui nos servir <strong>de</strong> guia as conclusões que tirámos<br />
sobre a acção physiologica da peçonha, baseadas, sobretudo,<br />
na symptomalologia. Além d'isto é o que aconselha a pratica<br />
<strong>de</strong> todos os expeii montadores sem idéas preconcebidas, é o<br />
que manda a observação <strong>de</strong> todos os clínicos conscienciosos.<br />
Sabendo nós que o veneno actua por um lado chimicamenle<br />
sobre o sangue, por outro lado biologicamente sobre o<br />
systema nervoso central, teremos em vista os antídotos dyna<br />
micos e os anlagonistas ; mas como já sabemos que estes estão<br />
ainda por se encontrar, faremos carga sobre os eliminadores,<br />
ainda proce<strong>de</strong>ndo assim <strong>de</strong> harmonia com os factos.<br />
ANTÍDOTOS DYNAMICOS, isto é, medicamentos que possam<br />
ir <strong>de</strong>struir chirnicamente ou impedir lambem por acção chimica<br />
o agente tóxico, ainda estão por se encontrar, como já<br />
provámos. Regeitamos in limine, como inúteis e perigosas as<br />
injecções intravenosas <strong>de</strong> ammonea e principalmente <strong>de</strong> permanganato<br />
<strong>de</strong> potássio. Mesmo o lieor potassico, por essa via,<br />
não <strong>de</strong>o resultados a Shoril. Quanto aosantidotos preconisados<br />
em ingestão pela bocca, como iodureto <strong>de</strong> potássio, etc, são<br />
absolutamente falsos, ineírlcazes<br />
ANTAGONISTAS, também não têm sido encontrados na pra<br />
tica. Lembremos que no começo da intoxicação ha um<br />
período <strong>de</strong> accrescimo da excitabilida<strong>de</strong> nervosa, logo seguido<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão Só pois n'esse primeiro período teria razão <strong>de</strong>
- 115 —<br />
ser o emprego do chloral, tão preconisado pelo nosso compa<br />
triota Dr Lisboa, do bromureto <strong>de</strong> potássio, etc, mas esse<br />
período é<strong>de</strong> curta duração geralmente e, portanto, a pensar<br />
em antagonista, <strong>de</strong>vemos antes procurar medicamentos <strong>de</strong><br />
acção contraria ao chloral, bromureto, etc, medicamentos<br />
que augmentem o po<strong>de</strong>r dos centros motores e vaso-motores.<br />
A estrychnina, que já havia sido empregada, voltou este anno<br />
á or<strong>de</strong>m do dia por uma communicação do Sr Müller (1) á<br />
Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Victoria (Austrália), em que este<br />
medico mostrava-se enthusiasta d'aquelle agente empregado<br />
em sua clinica.<br />
Müller faz injecções subcutaneas <strong>de</strong> um centigramma<br />
<strong>de</strong> strychnina, e repete a dose se ha necessida<strong>de</strong><br />
E' um ponto digno <strong>de</strong> ser elucidado.<br />
Contra os phenomenos adynamicos, prostração, abatimento,<br />
etc, prescreveremos os excitantes diffusivos, como os<br />
ammoniacaes, mas principalmente os alcoólicos em alta<br />
dose.<br />
Os ELIMINADORES são <strong>de</strong> valor capital. Todas essas plantas<br />
recommendadas entre o povo como po<strong>de</strong>rosos medicamentos<br />
para taes casos, não passam <strong>de</strong> eliminadores do veneno. Como<br />
vimos, são os sudorificos, diureticos e purgativos os que mais<br />
resultados dão na pratica, porque tudo nos faz por outro lado<br />
suppôr que o veneno se elimina principalmente pelas glândulas<br />
sudoriparas, pelos rins e pelo tubo gaslro-intestinal.<br />
Os sudorificos usados são as bebidas quentes, os ammo<br />
niacaes ; mas os principaes, os preferíveis são os alcoólicos<br />
(1) \i<strong>de</strong>~Semaine Médicale,—8 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1888.
— 116 —<br />
em alta dose, e principalmente o jaborandy, ou melhor o seu<br />
alcalói<strong>de</strong>, a pilocarpina, medicamento seguro e cuja acçaò<br />
não falha.<br />
Os diureticos são lambem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, a digila-<br />
lis, a scylla, a cafeína e um que por sua fácil obtenção no<br />
interior das províncias e acção prompta <strong>de</strong>ve sempre ser<br />
lembrado, referimo-nos aos estygmates <strong>de</strong> milho em infusão.<br />
Os purgativas nunca <strong>de</strong>vem ser esquecidos ; são prefe<br />
ríveis os purgalivos brandos e os salinos, óleo <strong>de</strong> ricino puro,<br />
saes <strong>de</strong> magnesia, <strong>de</strong> sódio, etc Não ha nunca necessida<strong>de</strong><br />
dos emeto-catharticos,a fazer uso prefira-se a ipeca. O tartaroemetico<br />
<strong>de</strong>ve ser completamente regeilado.<br />
Quanto aos acci<strong>de</strong>ntes terciarios, <strong>de</strong> cachexia, etc, procuraremos<br />
levantar as forças do doente com os tônicos—vi<br />
nho quinado, ferruginosos, com os exercícios, etc.<br />
Resumindo, diremos, que, para um indivíduo que foi<br />
mordido por uma cobra venenosa, <strong>de</strong>vemos proce<strong>de</strong>r da seguinte<br />
maneira:<br />
A) 1 Sublrahir o veneno da ferida (ligadura circular,<br />
compressões methodicas no sentido <strong>de</strong> espremer o veneno e<br />
sucção).<br />
2." Destruir o veneno que ainda fica nos tecidos (electricida<strong>de</strong>,<br />
ferro quente, cáusticos chimicos), sendo preferíveis<br />
as injecções <strong>de</strong> licor <strong>de</strong> potassa e na falta <strong>de</strong>ste as <strong>de</strong> permanganato<br />
<strong>de</strong> potássio<br />
3.° Impedir o veneno <strong>de</strong> passar em dose gran<strong>de</strong> para a<br />
torrente circulatória (ligadura intermiltenle e em certos casos<br />
injecções hypo<strong>de</strong>rmicas acima da ferida).
— 117 —<br />
B) Logo que se manifestarem os primeiros indícios <strong>de</strong><br />
absorpção geral do veneno, eliminal-o pelas vias—cutânea<br />
(álcool em alta dose, jaborandy ou melhor pilocarpina, bebidas<br />
quentes) renal (digitatis, eslygmales <strong>de</strong> milho, etc) gastrointestinal<br />
(purgativos brandos).<br />
C) Tratar, conforme o caso, os acci<strong>de</strong>ntes locaes secundários<br />
e terciarios; sustentar as forças do doente (tônicos, exercícios<br />
etc)
g»*m
ORIENTAÇÕES PARA O USO<br />
Esta é uma cópia digital <strong>de</strong> um documento (ou parte <strong>de</strong>le) que pertence<br />
a um dos acervos que fazem parte da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Digital</strong> <strong>de</strong> <strong>Obras</strong> <strong>Raras</strong> e<br />
<strong>Especiais</strong> da <strong>USP</strong>. Trata-se <strong>de</strong> uma referência a um documento original.<br />
Neste sentido, procuramos manter a integrida<strong>de</strong> e a autenticida<strong>de</strong> da<br />
fonte, não realizando alterações no ambiente digital – com exceção <strong>de</strong><br />
ajustes <strong>de</strong> cor, contraste e <strong>de</strong>finição.<br />
1. Você apenas <strong>de</strong>ve utilizar esta obra para fins não comerciais. Os<br />
livros, textos e imagens que publicamos na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Digital</strong> <strong>de</strong> <strong>Obras</strong><br />
<strong>Raras</strong> e <strong>Especiais</strong> da <strong>USP</strong> são <strong>de</strong> domínio público, no entanto, é proibido<br />
o uso comercial das nossas imagens.<br />
2. Atribuição. Quando utilizar este documento em outro contexto, você<br />
<strong>de</strong>ve dar crédito ao autor (ou autores), à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Digital</strong> <strong>de</strong> <strong>Obras</strong><br />
<strong>Raras</strong> e <strong>Especiais</strong> da <strong>USP</strong> e ao acervo original, da forma como aparece na<br />
ficha catalográfica (metadados) do repositório digital. Pedimos que você<br />
não republique este conteúdo na re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> computadores<br />
(internet) sem a nossa expressa autorização.<br />
3. Direitos do autor. No Brasil, os direitos do autor são regulados pela<br />
Lei n.º 9.610, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1998. Os direitos do autor estão<br />
também respaldados na Convenção <strong>de</strong> Berna, <strong>de</strong> 1971. Sabemos das<br />
dificulda<strong>de</strong>s existentes para a verificação se uma obra realmente<br />
encontra‐se em domínio público. Neste sentido, se você acreditar que<br />
algum documento publicado na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Digital</strong> <strong>de</strong> <strong>Obras</strong> <strong>Raras</strong> e<br />
<strong>Especiais</strong> da <strong>USP</strong> esteja violando direitos autorais <strong>de</strong> tradução, versão,<br />
exibição, reprodução ou quaisquer outros, solicitamos que nos informe<br />
imediatamente (dtsibi@usp.br).