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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE<br />
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA<br />
TEORIA DA<br />
LITERATURA <strong>III</strong><br />
Rio de Janeiro / 2007<br />
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À<br />
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO<br />
Todos os direitos reservados à Universi<strong>da</strong>de <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong> - UCB<br />
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzi<strong>da</strong>, armazena<strong>da</strong> ou transmiti<strong>da</strong> de qualquer forma ou por<br />
quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Castelo</strong><br />
<strong>Branco</strong> - UCB.<br />
U n3p Universi<strong>da</strong>de <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong>.<br />
Teoria <strong>da</strong> Literatura <strong>III</strong>–<br />
Rio de Janeiro: UCB, 2007.<br />
72 p.<br />
ISBN 978-85-86912-58-0<br />
Universi<strong>da</strong>de <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong> - UCB<br />
Aveni<strong>da</strong> Santa Cruz, 1.631<br />
Rio de Janeiro - RJ<br />
21710-250<br />
Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696<br />
www.castelobranco.br<br />
1. Ensino a Distância. I. Título.<br />
CDD – 371.39
Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional<br />
Coordenadora de Educação a Distância<br />
Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli<br />
Coordenador do Curso de Graduação<br />
Antonio Carlos Siqueira de Andrade - Letras<br />
Conteudista<br />
Neuza Machado<br />
Supervisor do Centro Editorial – CEDI<br />
Supervisor do Centro Editorial – CEDI<br />
Joselmo Botelho
Apresentação<br />
Prezado(a) Aluno(a):<br />
É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,<br />
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportuni<strong>da</strong>de<br />
para melhoria de seu desempenho profi ssional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a<br />
sua escolha, reafi rmando o compromisso desta Instituição com a quali<strong>da</strong>de, por meio de uma estrutura aberta e<br />
criativa, centra<strong>da</strong> nos princípios de melhoria contínua.<br />
Esperamos que este instrucional seja-lhe grande aju<strong>da</strong> e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento<br />
teórico e para o aperfeiçoamento <strong>da</strong> sua prática pe<strong>da</strong>gógica.<br />
Seja bem-vindo(a)!<br />
Paulo Alcantara Gomes<br />
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo<br />
O presente instrucional está dividido em quatro uni<strong>da</strong>des programáticas, ca<strong>da</strong> uma com objetivos defi nidos e<br />
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam<br />
atingidos com êxito.<br />
Os conteúdos programáticos <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e ativi<strong>da</strong>des complementares.<br />
As Uni<strong>da</strong>des 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.<br />
Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos <strong>da</strong>s quatro uni<strong>da</strong>des.<br />
Havendo a necessi<strong>da</strong>de de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o<br />
conteúdo de to<strong>da</strong>s as Uni<strong>da</strong>des Programáticas.<br />
A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com<br />
os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador <strong>da</strong> disciplina, equivale a 60 horas-aula, que<br />
você administrará de acordo com a sua disponibili<strong>da</strong>de, respeitando-se, naturalmente, as <strong>da</strong>tas dos encontros<br />
presenciais programados pelo Professor Orientador e as <strong>da</strong>tas <strong>da</strong>s avaliações do seu curso.<br />
Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo<br />
1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estu<strong>da</strong>r. Porém, seja<br />
disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.<br />
2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite<br />
interrupções.<br />
3 - Não deixe para estu<strong>da</strong>r na última hora.<br />
4 - Não acumule dúvi<strong>da</strong>s. Anote-as e entre em contato com seu monitor.<br />
5 - Não pule etapas.<br />
6 - Faça to<strong>da</strong>s as tarefas propostas.<br />
7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento<br />
<strong>da</strong> disciplina.<br />
8 - Não relegue a um segundo plano as ativi<strong>da</strong>des complementares e a auto-avaliação.<br />
9 - Não hesite em começar de novo.
SUMÁRIO<br />
Quadro-síntese do conteúdo programático .................................................................................................11<br />
Contextualização <strong>da</strong> disciplina ...................................................................................................................13<br />
UNIDADE I<br />
LINGUAGEM POÉTICA<br />
1.1 – Estética e poesia .................................................................................................................................15<br />
1.2 – Arte poética .......................................................................................................................................25<br />
1.3 – Para o entendimento do termo catársis (catarse) ................................................................................28<br />
1.4 – Defi nições de poética ........................................................................................................................30<br />
1.5 – Arte poética pelo ponto de vista de dois poetas do século XX: Manuel Bandeira e Cecília Meireles .....31<br />
1.6 – Gênero lírico: fenômenos estilísticos ................................................................................................32<br />
1.7 – Formas do gênero lírico .....................................................................................................................34<br />
1.8 – Poética: conceito e generali<strong>da</strong>des .....................................................................................................35<br />
1.9 – Poética: ponto de vista formalista (Teoria <strong>da</strong> Literatura) ..................................................................35<br />
1.10 – Poética: ponto de vista fenomenológico (Teoria Literária) .............................................................36<br />
1.11 – Figuras <strong>da</strong> linguagem poética ..........................................................................................................37<br />
1.12 – Para o entendimento do termo mimésis (Mimese) .........................................................................39<br />
1.13 – A percepção poética pelo ponto de vista lírico de quatro poetas do século XX ..............................40<br />
1.14 – Sobre a linguagem poética ..............................................................................................................42<br />
UNIDADE II<br />
POESIA X POEMA<br />
2.1 – Defi nição de poesia ............................................................................................................................44<br />
2.2 – Defi nição de poema ............................................................................................................................44<br />
2.3 – Verso e ritmo ......................................................................................................................................44<br />
2.4 – Poesia clássica X poesia moderna ...........................................................................................................45<br />
2.5 – Poesia moderna (prosadores x poetas) .................................................................................................45<br />
2.6 – Poema em prosa ou prosa poética ......................................................................................................46<br />
2.7 – O que é poesia paraliterária? ..............................................................................................................47<br />
2.8 – Poema paraliterário de Carlos Drummond de Andrade (crônica em versos) ................................................47<br />
UNIDADE <strong>III</strong><br />
NARRATIVA EM PROSA (FICÇÃO)<br />
3.1 – Defi nição de narrativa em prosa (gênero narrativo fi ccional) ............................................................48<br />
3.2 – Defi nição de narrativa em versos (gênero épico) ...............................................................................48<br />
3.3 – Estrutura <strong>da</strong> narrativa fi ccional tradicional ........................................................................................49<br />
3.4 – Componentes <strong>da</strong> narrativa fi ccional (prosa) ......................................................................................50<br />
3.5 – Para a eluci<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> narrativa fi ccional .............................................................................................50<br />
3.6 – Complexi<strong>da</strong>de narrativa (narrativas do século XX) ...........................................................................52<br />
3.7 – Padrões narrativos ..............................................................................................................................52<br />
3.8 – Estrutura (pós) moderna <strong>da</strong> narrativa em prosa (as inovações <strong>da</strong> narrativa fi ccional no século XX) ........53<br />
3.9 – Texto fi ccional para leitura: A Terceira Margem do Rio, Guimarães Rosa ........................................54<br />
3.10 – Texto fi ccional para leitura: A Caça<strong>da</strong>, Lygia Fagundes Telles .......................................................56<br />
3.11 – Texto fi ccional para leitura: A Outra Margem, Roberto Drummond ...............................................59<br />
3.12 – As narrativas de Roberto Drummond (anos 60/70) .........................................................................60<br />
3.13 – A narrativa fi ccional pós-moderna ...................................................................................................61
UNIDADE IV<br />
FORMAS DA NARRATIVA EM PROSA<br />
4.1 – Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa: histórico ............................................................................................63<br />
4.2 – Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa (fi cção sintagmática) ..........................................................................63<br />
4.3 – Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa (fi cção paradigmática) .......................................................................64<br />
4.4 – Conto (tradicional) .............................................................................................................................65<br />
4.5 – Novela ................................................................................................................................................65<br />
4.6 – Romance (tradicional) ........................................................................................................................65<br />
4.7 – Conto e romance inovadores (pós-modernos/ pós-modernistas) .......................................................66<br />
4.8 – Narrativas paraliterárias (para<strong>literatura</strong>) ............................................................................................66<br />
Referências bibliográfi cas ...........................................................................................................................69
Quadro-síntese do conteúdo<br />
programático<br />
UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS<br />
I – LINGUAGEM POÉTICA<br />
1.1 - Estética e poesia<br />
1.2 - Arte poética<br />
1.3 - Para o entendimento do termo catársis (catarse)<br />
1.4 - Defi nições de poética<br />
1.5 - Arte poética pelo ponto de vista de dois poetas do<br />
século XX: Manuel Bandeira e Cecília Meireles<br />
1.6 - Gênero lírico: fenômenos estilísticos<br />
1.7 - Formas do gênero lírico<br />
1.8 - Poética: conceito e generali<strong>da</strong>des<br />
1.9 - Poética: ponto de vista formalista (Teoria <strong>da</strong> Literatura)<br />
1.10 - Poética: ponto de vista fenomenológico (Teoria<br />
Literária)<br />
1.11 - Figuras <strong>da</strong> linguagem poética<br />
1.12 - Para o entendimento do termo mimésis (Mimese)<br />
1.13 - A percepção poética pelo ponto de vista lírico de<br />
quatro poetas do século XX<br />
1.14 - Sobre a linguagem poética<br />
II – POESIA X POEMA<br />
2.1 - Defi nição de poesia<br />
2.2 - Defi nição de poema<br />
2.3 - Verso e ritmo<br />
2.4 - Poesia clássica X poesia moderna<br />
2.5 - Poesia moderna (prosadores X poetas)<br />
2.6 - Poema em prosa ou prosa poética<br />
2.7 - O que é poesia paraliterária?<br />
2.8 - Poema paraliterário de Carlos Drummond de<br />
Andrade (crônica em versos)<br />
<strong>III</strong> – NARRATIVA EM PROSA (FICÇÃO)<br />
3.1 - Defi nição de narrativa em prosa (gênero narrativo<br />
fi ccional)<br />
3.2 - Defi nição de narrativa em verso (gênero épico)<br />
3.3 - Estrutura <strong>da</strong> narrativa fi ccional tradicional<br />
3.4 - Componentes <strong>da</strong> narrativa fi ccional (prosa)<br />
3.5 - Para a eluci<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> narrativa fi ccional<br />
3.6 - Complexi<strong>da</strong>de narrativa (narrativas do século XX)<br />
3.7 - Padrões narrativos<br />
3.8 - Estrutura (pós)moderna <strong>da</strong> narrativa em prosa<br />
(as inovações <strong>da</strong> narrativa fi ccional no século XX)<br />
3.9 - Texto fi ccional para leitura: A Terceira Margem<br />
do Rio, Guimarães Rosa<br />
3.10 - Texto fi ccional para leitura: A Caça<strong>da</strong>, Lygia<br />
Fagundes Telles<br />
3.11 - Texto fi ccional para leitura: A Outra Margem,<br />
Roberto Drummond<br />
3.12 - As narrativas de Roberto Drummond (anos 60/70)<br />
3.13 - A narrativa fi ccional pós-moderna<br />
•Levar ao aluno informações teóricas que possam<br />
defi nir a Linguagem Poética (Arte Poética),<br />
em forma de versos, como fenômeno exclusivo do<br />
Gênero Lírico.<br />
•Levar o aluno ao reconhecimento <strong>da</strong> forma <strong>da</strong><br />
Poesia escrita em versos em confronto com a forma<br />
<strong>da</strong> prosa poética.<br />
•Levar o aluno a distinguir Poema-Arte de Poema<br />
Paraliterário.<br />
• Levar ao aluno informações teórico-críticas<br />
sobre a estrutura <strong>da</strong> narrativa em prosa tradicional,<br />
confrontando-as (as informações) com as inovações<br />
fi ccionais do século XX.<br />
• Levar o aluno ao entendimento dos diversos<br />
paradigmas <strong>da</strong> Ficção: Narrativa de Personagem,<br />
Narrativa de Espaço e Narrativa de Acontecimento.<br />
11
12<br />
UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS<br />
IV – FORMAS DA NARRATIVA EM PROSA<br />
4.1 - Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa: histórico<br />
4.2 - Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa (fi cção sintagmática)<br />
4.3 - Formas <strong>da</strong> narrativa em prosa (ficção paradigmática)<br />
4.4 - Conto (tradicional)<br />
4.5 - Novela<br />
4.6 - Romance (tradicional)<br />
4.7 - Conto e romance inovadores (pós-modernos/pósmodernistas)<br />
4.8 - Narrativas paraliterárias (para<strong>literatura</strong>)<br />
• Levar ao aluno informações teórico-críticas que o<br />
levem a distinguir a Ficção Sintagmática <strong>da</strong> Ficção<br />
Paradigmática.
Contextualização <strong>da</strong> Disciplina<br />
A disciplina Teoria Literária <strong>III</strong> visa reafi rmar o leque de informações que foram utiliza<strong>da</strong>s no decorrer do<br />
curso de Teoria Literária II e, ao mesmo tempo, contribuir com novas orientações teórico-críticas que possam<br />
continuar a orientação geral, impulsionando o conhecimento do aluno de <strong>literatura</strong>, para que, ao fi nal do curso,<br />
já como professores graduados, ele possa continuar a interagir com as disciplinas afi ns, tais como Literatura<br />
Brasileira, Literatura Portuguesa, Literatura Espanhola e Literatura Inglesa.<br />
Este conhecimento se somará ao conhecimento que foi adquirido nos dois cursos anteriores, pois, além de<br />
explorar to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des e fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Teoria Literária e do reconhecimento dos papéis <strong>da</strong> mímesis<br />
e <strong>da</strong> catársis no fenômeno literário, o aluno continuará a ter condições de se disciplinar a estu<strong>da</strong>r, ca<strong>da</strong> vez mais<br />
com maior empenho, e continuar a desenvolver o senso crítico no intuito de prosseguir em estudos posteriores,<br />
tais como Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Teoria Literária e/ou Literatura propriamente dita, seja<br />
ela brasileira ou estrangeira, ou mesmo em Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu, ou seja, um Mestrado e,<br />
posteriormente, um Doutorado.<br />
As informações conti<strong>da</strong>s nesta disciplina tendem a provocar no aluno a continuação do gosto pelo crescimento<br />
intelectual e levá-lo a pesquisas posteriores, desenvolvendo e ampliando o seu conhecimento ao longo do tempo.<br />
Sem este conhecimento avançado, o aluno não conseguirá atingir o necessário suporte para o seu desenvolvimento<br />
intelectual, ético e profi ssional.<br />
13
UNIDADE I<br />
LINGUAGEM POÉTICA<br />
1.1 – Estética e Poesia<br />
Estética<br />
Etimologia: “Etimologicamente, essa palavra,<br />
vin<strong>da</strong> do grego, signifi ca “sensação”. É uma parte <strong>da</strong><br />
Filosofi a, que se ocupa de uma <strong>teoria</strong> geral <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de.<br />
Foi com este sentido que Kant (1724-1804), na<br />
Crítica <strong>da</strong> Razão Pura, deu-lhe por objetivo o estudo<br />
<strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s formas puras do sentimento.<br />
Para o fi lósofo de Koenigsberg, “estética” será “crítica<br />
do juízo”. Outro alemão – Alexandre G. Baumgarten<br />
(1714-1762) – diz ser a Estética uma ciência<br />
psicológica, limitando seus confi ns pelas balizas do<br />
belo subjetivo. Confrontando-a com a Lógica, que é a<br />
ciência do uso específi co do raciocínio, será a Estética<br />
a ciência do uso específi co <strong>da</strong> sensação. É interessante<br />
observar ter sido Baumgarten o criador <strong>da</strong> palavra que<br />
hoje nomeia a Ciência <strong>da</strong> Arte, quando publicou, em<br />
1750, a sua Aesthetica (Conferir: TAVARES, Hênio.<br />
Teoria Literária. 4. ed. Belo Horizonte: Bernardo Álvares,<br />
1969: 11)<br />
Vocabulário<br />
Balizas – marcos; estacas que assinalam um limite.<br />
Etimologia – “Ciência que investiga as origens próximas<br />
e remotas <strong>da</strong>s palavras e sua evolução histórica.<br />
Do latim etymologia, -ae, deriva do grego etymologia<br />
(Conferir: CUNHA, Antônio Geraldo <strong>da</strong>. Dicionário<br />
Etimológico Nova fronteira. Rio de Janeiro: Nova<br />
Fronteira, 1982: 336).<br />
Filosofi a – “Amor pela sabedoria, experimentado apenas<br />
pelo ser humano consciente de sua própria ignorância.<br />
No platonismo, investigação <strong>da</strong> dimensão essencial e<br />
ontológica do mundo real, ultrapassando a mera opinião<br />
irrefl eti<strong>da</strong> do senso comum que se mantém cativa <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de empírica e <strong>da</strong>s aparências sensíveis.<br />
Dimensão essencial = proporção fun<strong>da</strong>mental.<br />
Dimensão essencial e ontológica = proporção <strong>da</strong> investigação<br />
teórica do ser; proporção relativa ao ser em<br />
si mesmo, em sua dimensão ampla e fun<strong>da</strong>mental.<br />
Koenigsberg – ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Prússia.<br />
Defi nição: A estética é uma forma do pensamento refl exivo.<br />
É a mente humana refl etindo sobre sua própria ativi<strong>da</strong>de,<br />
por meio <strong>da</strong> qual criou todos os templos, to<strong>da</strong>s as catedrais,<br />
todos os palácios, to<strong>da</strong>s as estátuas, to<strong>da</strong>s as pinturas, to<strong>da</strong>s<br />
as melodias, to<strong>da</strong>s as sinfonias, todos os poemas...<br />
Se alguém disser: “Não, é outra coisa. A estética é a<br />
mente humana meditando sobre sua própria sensibili<strong>da</strong>de,<br />
por meio <strong>da</strong> qual se emociona ante o espetáculo<br />
de um pôr de sol ou de uma tempestade, de um belo<br />
rosto ou de um belo corpo”. Respon<strong>da</strong>mos: isto está<br />
compreendido na primeira fórmula. Não há dúvi<strong>da</strong> que<br />
o pintor, ao pintar a tempestade, o escultor, ao esculpir<br />
um belo corpo, necessitam, para essa criação, se<br />
emocionar diante <strong>da</strong> tempestade ou do corpo – e talvez<br />
necessitem aprender a se emocionar diferentemente de<br />
como se emocionaria um marinheiro ou um amante.<br />
Portanto, não oponhamos aquela defi nição a esta, como<br />
duas concepções confl itantes, a exigirem opção. São<br />
solidárias. Se há aí um problema, nós o abor<strong>da</strong>remos<br />
depois, oportunamente. Já sabemos o bastante para<br />
nos orientar.<br />
To<strong>da</strong>via, precisamos nos orientar de modo provisório.<br />
Por quê? Porque a estética, tal como acabamos de<br />
defi ni-la, existiu muito antes <strong>da</strong> palavra que a designa.<br />
Necessitamos coligir os fatos, anteriormente às suas<br />
denominações (Conferir: SOURIAU, Etienne. Chaves<br />
<strong>da</strong> Estética. Tradução de Cesarina Ab<strong>da</strong>lla Belém. Rio<br />
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973: 1-2).<br />
Vocabulário<br />
Coligir – reunir em coleção; ajuntar ou reunir o que<br />
se acha disperso.<br />
Ponto de vista platônico: A estética platônica compreende<br />
duas partes. A primeira inclui as idéias sobre a<br />
arte e o belo, expressas, formalmente, por Platão (427<br />
a.C.-347 a.C.), em seus livros: o Íon, o Banquete, o<br />
Fedra, o Hipias Maior, os livros II e X <strong>da</strong> República,<br />
e as Leis.<br />
Os conceitos mais conhecidos de Platão são: 1 o . Sua<br />
desconfi ança dos poetas. Sabe-se que ele os reconduzia,<br />
coroados de fl ores, às fronteiras de sua República. Assim<br />
procedendo queria mostrar que o poeta inspirado,<br />
que ignora o que diz, não possui a autori<strong>da</strong>de racional<br />
– privativa dos fi lósofos. Para compreendermos o que<br />
desejava exprimir, temos de nos lembrar que Homero,<br />
de certa forma, era a Bíblia <strong>da</strong> Hélade, e que uma citação<br />
de Homero produzia no espírito grego o mesmo<br />
efeito que uma citação <strong>da</strong>s Santas Escrituras, no mundo<br />
15
16<br />
cristão. 2 o . Sua afi rmação <strong>da</strong> existência do Belo em<br />
si, princípio abstrato, ao mesmo tempo ideal e de um<br />
intenso poder de reali<strong>da</strong>de, do qual procederia to<strong>da</strong><br />
beleza concreta e sensível. Diz-se, freqüentemente,<br />
que Platão identifi cava o Belo com o Bem. É falso. O<br />
que afi rmava é que a trin<strong>da</strong>de do Belo, do Ver<strong>da</strong>deiro e<br />
do Bem era, de certa forma, hierárquica: o Belo sendo,<br />
por assim dizer, o vestíbulo do Bem; e que se poderia<br />
chegar ao Bem, princípio supremo e divino, pela via <strong>da</strong><br />
contemplação estética. (...). 3 o . A ascensão à idéia do<br />
Belo é guia<strong>da</strong> pelo Amor, princípio ativo <strong>da</strong> elevação<br />
progressiva, ou mais exatamente, do retorno nostálgico<br />
<strong>da</strong> alma às reali<strong>da</strong>des ideais que conhecera, antes de<br />
ser precipitado no corpo, com o nascimento.<br />
A outra parte <strong>da</strong> estética platônica é a estética informula<strong>da</strong>,<br />
que é, por assim dizer, a alma de todo o<br />
sistema, e que lhe constitui a atmosfera. É preciso<br />
lembrar-nos que to<strong>da</strong> grande fi losofi a, mesmo se não<br />
fala expressamente <strong>da</strong> Arte e do Belo, mesmo se não<br />
fornece um método preciso à pesquisa estética, pode<br />
ter, e geralmente tem, o que se chamaria de irradiação<br />
estética (...).<br />
A atmosfera estética do platonismo é a de uma visão<br />
do mundo, em que a reali<strong>da</strong>de sensível não é, senão, o<br />
refl exo enfraquecido e turvo de um outro mundo original,<br />
esplêndido e perfeito, que to<strong>da</strong> a alma conhecera<br />
antes do nascimento, e rumo ao qual só nos conduz o<br />
amor – no que ele tem de incorpóreo e de nostálgico<br />
(IDEM: 3-4).<br />
Vocabulário<br />
Belo – que tem formas e proporções esteticamente<br />
harmônicas, tendendo a um ideal de perfeição; que tem<br />
beleza; que produz uma viva impressão de deleite e<br />
admiração; quali<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> a objetos e reali<strong>da</strong>des<br />
naturais ou culturais, apreendi<strong>da</strong> primordialmente<br />
através <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de (e não do intelecto), e que<br />
desperta no homem que a contempla uma satisfação,<br />
emoção ou prazer específi cos, de natureza estética.<br />
Incorpóreo – que não tem corpo; que não é constituído<br />
de matéria; imaterial.<br />
Nostálgico – melancólico; triste.<br />
Ponto de vista aristotélico: Embora discípulo de<br />
Platão, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) se lhe opõe,<br />
fortemente (...). Aristóteles não desdenha, como Platão,<br />
a reali<strong>da</strong>de sensível. É ela que deseja estu<strong>da</strong>r, é nela<br />
que espera encontrar as idéias gerais, os universos<br />
procurados por Platão num outro mundo. Com seu<br />
espírito científi co contribui para fun<strong>da</strong>r as ciências<br />
naturais e estabelecer um método de raciocínio que<br />
atravessou e animou uma vintena de séculos. Sua<br />
estética? Infelizmente, a conhecemos apenas fragmenta<strong>da</strong>mente.<br />
Não possuímos suas obras literárias. As<br />
tragédias de sua autoria, que a Antigui<strong>da</strong>de estimava,<br />
não chegaram até nós. Sua principal obra de estética,<br />
a Poética, encontra-se mutila<strong>da</strong>. O que restou exerceu<br />
grande infl uência. Trata-se, sobretudo, de arte teatral<br />
e, particularmente, de tragédia. O que na França do<br />
século XVII se chamava “as regras” – e que se opunha a<br />
Corneille ou a Molière – na<strong>da</strong> mais são que preceitos de<br />
Aristóteles sobre a arte teatral. Sua grande <strong>teoria</strong> sobre<br />
essa arte, <strong>teoria</strong> que ain<strong>da</strong> hoje suscita interesse, é a <strong>da</strong><br />
catharsis, palavra grega que signifi ca tanto purgação<br />
no sentido médico, como purgação no sentido moral.<br />
Para Aristóteles, a arte, sobretudo a trágica, exerce<br />
uma função, de certa forma, socialmente higiênica.<br />
Os homens têm necessi<strong>da</strong>des passionais. Têm sede<br />
de emoções violentas. Ora, uma comuni<strong>da</strong>de próspera<br />
e bem organiza<strong>da</strong> não pode nem deve satisfazer-lhes<br />
tais necessi<strong>da</strong>des. Mas a arte as satisfaz, de maneira<br />
socialmente benéfi ca, porque purifi ca as paixões, as<br />
enobrece e as harmoniza. Funciona como uma espécie<br />
de purgação, isto é, como um remédio, expele os maus<br />
humores, liberta as almas dos anseios perigosos. Para<br />
Aristóteles, o medo e a pie<strong>da</strong>de são as paixões predominantes<br />
na arte trágica (IBIDEM: 4-5).<br />
Vocabulário<br />
Aristóteles – Atenas, 367 ou 366 a.C. Ao grande<br />
centro intelectual e artístico <strong>da</strong> Grécia no século IV a.C.<br />
chega um jovem de cerca de dezoito anos, proveniente<br />
<strong>da</strong> Macedônia. Como muitos outros, vem atraído pela<br />
intensa vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que lhe acenava com<br />
oportuni<strong>da</strong>des para prosseguir seus estudos. Não era<br />
belo e para os padrões vigentes no mundo grego – principalmente<br />
na Atenas <strong>da</strong>quele tempo –, apresentava<br />
características que poderiam difi cultar-lhe a carreira e<br />
a projeção social. Em particular, uma certa difi cul<strong>da</strong>de<br />
em pronunciar corretamente as palavras deveria criarlhe<br />
embaraços e mesmo complexos numa socie<strong>da</strong>de<br />
que, além de valorizar a beleza física e enaltecer os<br />
atletas, admirava a eloqüência e deixava-se conduzir<br />
por oradores (Conferir: OS PENSADORES. Aristóteles.<br />
Poética. Organon. Política. Constituição de Atenas. São<br />
Paulo: Nova Cultural, 2000: 5).<br />
Vintena – conjunto de vinte; vigésima.<br />
Ponto de vista de Plotino: “Plotino (205-270) é o<br />
chefe do neoplatonismo de Alexandria. Suas idéias<br />
estéticas provêm claramente <strong>da</strong>s de Platão. Situa-se<br />
em plena corrente platonizante. Sua fi losofi a geral pode<br />
ser caracteriza<strong>da</strong> como uma metafísica <strong>da</strong> nostalgia.<br />
Os seres individuais e distintos existem, como tais,<br />
em conseqüência do movimento genético que, numa<br />
espécie de rebelião aventureira, os leva a se separarem<br />
do UM, fonte e fun<strong>da</strong>mento de to<strong>da</strong>s as coisas. Mas,<br />
à medi<strong>da</strong> que se separam e se afastam, arrependemse.<br />
Param – para<strong>da</strong> esta que lhes constitui o estatuto<br />
ontológico – no momento em que se equilibram os<br />
dois movimentos, que traspassam e animam to<strong>da</strong>s as<br />
coisas: a promoção, que os separa do UM, e a nostalgia
do retorno a esse UM. Plotino, que atribuía, ao que<br />
hoje chamamos de estética, um lugar orgânico em<br />
sua fi losofi a, orientou-se, esteticamente, num sentido<br />
evidentemente platônico (o que é importante assinalar,<br />
porque outras partes de sua fi losofi a se fi liam a<br />
Aristóteles). Mas sua estética difere <strong>da</strong> de Platão que,<br />
como já o dissemos, opunha a inspiração poética e<br />
artística à meditação fi losófi ca. Plotino, ao contrário, as<br />
assemelha e as considera igualmente místicas. Admite,<br />
como o dizia a seu discípulo Porfírio, que se pode ser,<br />
na mesma obra e ao mesmo tempo, poeta, fi lósofo e<br />
inspirado místico. O artista, segundo ele, não sendo<br />
de modo algum um imitador dos aspectos sensíveis<br />
do mundo, deve procurar representar as Idéias, <strong>da</strong>s<br />
quais os objetos sensíveis não passam de refl exos<br />
imprecisos. Mas, para isso, precisa elevar-se, pela<br />
contemplação mística, até às mais altas regiões que a<br />
alma possa alcançar, atingir as zonas estáticas, onde<br />
se entra em comunhão com Deus. Nessas paragens<br />
supremas, que<strong>da</strong>-se acima <strong>da</strong> própria inteligência e de<br />
to<strong>da</strong> determinação formal (IBIDEM: 6).<br />
Ponto de vista do paganismo: Antes de deixarmos<br />
o mundo pagão, convém recor<strong>da</strong>rmos em que consiste,<br />
independentemente dos grandes pensadores <strong>da</strong><br />
Antigui<strong>da</strong>de que acabamos de citar, a estética implícita<br />
do paganismo. Acredita-se, geralmente, que consiste<br />
numa espécie de valorização incondicional <strong>da</strong> beleza,<br />
em particular, <strong>da</strong> beleza humana em sua nudez, sem que<br />
essa admiração reverente seja vicia<strong>da</strong> ou perturba<strong>da</strong><br />
por qualquer inquietude metafísica ou condenação<br />
moral ao que é carnal. Dar, ao divino, formas humanas,<br />
ver no humano o tipo harmonioso de to<strong>da</strong> beleza,<br />
e procurar em tudo esse refl exo de humani<strong>da</strong>de e de<br />
harmonia – eis o que se considera, mais comumente,<br />
como a lição estética do paganismo. Muitas reservas<br />
poderiam ser feitas a essa estilização <strong>da</strong> mensagem<br />
antiga e pagã. A Antigui<strong>da</strong>de não foi, absolutamente,<br />
ignorante <strong>da</strong> angústia metafísica e <strong>da</strong> moral ascética.<br />
O que se pode afi rmar é que tudo isso pouco aparece<br />
na arte e jamais conduziu a dramas de pensamento ou<br />
de vi<strong>da</strong> (IBIDEM: 7).<br />
Ponto de vista cristão: Inversamente, o que se pode<br />
chamar estética cristã assim se caracteriza: pouco<br />
interesse pela beleza do mundo sensível e do corpo<br />
humano – desprezado e considerado nocivo à alma;<br />
a atenção volta<strong>da</strong>, sobretudo, para o que, no mundo<br />
sensível e corporal, comprove a transparência e a ação<br />
<strong>da</strong>s forças imateriais; presença constante, ao redor do<br />
homem, de enti<strong>da</strong>des espirituais, tais como os anjos<br />
e os santos; correspondências <strong>da</strong>s cenas <strong>da</strong> Antiga e<br />
Nova lei; vocação <strong>da</strong> arte, o “livro dos pobres”, para<br />
explicar e tornar sensíveis aos olhos e ao coração os<br />
grandes dogmas <strong>da</strong> religião.<br />
Enfi m, to<strong>da</strong> uma iconografi a. To<strong>da</strong> religião possui<br />
a sua. A do cristianismo é muito mais rica porque<br />
acrescenta à iconografi a do Novo Testamento, a do<br />
Velho. Foi o cristianismo que lhe deu forma artística.<br />
Porque o ju<strong>da</strong>ísmo não teve, por assim dizer, artes<br />
plásticas (IBIDEM: 8).<br />
Precisamos falar de Santo Agostinho. Porém,<br />
atravessamos uma linha de demarcação importante,<br />
onde surge uma dúvi<strong>da</strong> impossível de ser evita<strong>da</strong>.<br />
Deixamos o mundo pagão para entrarmos no mundo<br />
cristão. Donde a pergunta: haverá uma estética<br />
cristã? A pergunta presta-se à discussão. Seguramente,<br />
nem nos Evangelhos, nem em São Paulo,<br />
nem na dogmática cristã, no que tem de essencial,<br />
há considerações propriamente estéticas. To<strong>da</strong>via,<br />
já o dissemos, em to<strong>da</strong> grande fi losofi a, e pode-se<br />
acrescentar, em to<strong>da</strong> grande concepção do mundo,<br />
existe uma estética implícita. Eis por que, sem maiores<br />
discussões (contentamo-nos em situar, em suas<br />
mais amplas dimensões, a problemática <strong>da</strong> estética),<br />
não hesitamos em responder afirmativamente: há<br />
uma estética cristã, como há, indubitavelmente,<br />
uma estética pagã, ou budista, ou mulçumana<br />
(IBIDEM: 7).<br />
Santo Agostinho (354-430) - Estética Cristã<br />
Pré-Medieval: Falando de Santo Agostinho, não<br />
podemos nos esquecer que, embora intensa e apaixona<strong>da</strong>mente<br />
cristão, pertence ao mundo antigo,<br />
ain<strong>da</strong> vivo.<br />
Filho <strong>da</strong> África do Norte, então profun<strong>da</strong>mente<br />
romaniza<strong>da</strong>, assistiu, no fi nal de sua vi<strong>da</strong>, ao cerco<br />
de Hipona – <strong>da</strong> qual era o bispo – pelos Bárbaros<br />
(os Vân<strong>da</strong>los).<br />
Santo Agostinho interessa aos estetas por dois<br />
motivos principais: primeiramente, por ter sido o<br />
autor de um tratado de música, em que, referindose<br />
a compasso musical, escreveu linhas de sabor<br />
curiosamente bergsoniano (aliás, segundo to<strong>da</strong>s as<br />
probabili<strong>da</strong>des, Bérgson nele encontrou uma <strong>da</strong>s<br />
suas fontes). Em segundo lugar, por sua fi losofi a<br />
geral, fortemente impregna<strong>da</strong> de platonismo e do que<br />
se poderia denominar estetismo metafísico.<br />
Segundo Santo Agostinho, é possível a aproximação<br />
de Deus por via <strong>da</strong> Beleza – um dos transcendentais<br />
atributos divinos.<br />
Manifesta, ain<strong>da</strong>, estetismo até no mundo moral,<br />
quando, por exemplo, justifi ca a existência do mal,<br />
que – como disse Santo Agostinho – está para o<br />
mundo assim como o negro [cor] para um belo<br />
quadro. O negro, “bem empregado, não macula”.<br />
Acrescentamos, por fi m, que seu modo fi losófi co<br />
de se expressar, freqüentemente, faz limite comum<br />
com o lirismo poético (IBIDEM: 10).<br />
17
18<br />
Vocabulário<br />
Bárbaros – para os gregos, romanos e, posteriormente,<br />
para outros povos, que ou quem pertencesse<br />
a outra raça ou civilização e falasse outra língua que<br />
não a deles; estrangeiro.<br />
Beleza – caráter do ser ou <strong>da</strong> coisa que desperta<br />
sentimentos de êxtase, admiração ou prazer através de<br />
sensações visuais, gustativas, auditivas, olfativas etc.;<br />
quali<strong>da</strong>de do ser ou <strong>da</strong> coisa que suscita a admiração<br />
e um sentimento de adesão por seu valor moral ou<br />
intelectual; característica <strong>da</strong>quilo que possui harmonia,<br />
proporção, simetria, imponência etc.<br />
Bérgson – Henri Bérgson (Paris: 1859-1941). Filósofo<br />
francês. Sua fi losofi a <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, de caráter espiritualista,<br />
se orienta contra o positivismo. Em 1928 foi-lhe<br />
concedido o prêmio Nobel de Literatura.<br />
Estetas – pessoas que professam o culto do belo;<br />
indivíduos que afetam grande sensibili<strong>da</strong>de para o belo,<br />
especialmente na arte; especialistas em estética.<br />
Estetismo Metafísico – doutrina comum a fi lósofos<br />
metafísicos, adeptos de pensamentos fi losófi cos que<br />
transcendem a natureza física <strong>da</strong>s coisas; estetismo<br />
complexo, de difícil entendimento, devido a seu alto<br />
grau de abstração; busca <strong>da</strong> essência <strong>da</strong>s coisas.<br />
Hipona – ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de Grega.<br />
São Tomás de Aquino - Estética Cristã Medieval<br />
(1224-1274): “Com ele, eis-nos em plena I<strong>da</strong>de Média<br />
(século X<strong>III</strong>). Esse espírito poderoso foi, simultaneamente,<br />
um místico, um lógico e um arquiteto de<br />
idéias.<br />
Um de seus méritos pertinentes ao nosso assunto<br />
consiste em que nele se encontram algumas <strong>da</strong>s primeiras<br />
expressões do racionalismo estético, revelado,<br />
inclusive, na sua defi nição de arte: “a correta razão <strong>da</strong><br />
coisa a ser feita”. Lamenta-se que Tomás não distingue<br />
claramente a lógica, ou mais exatamente, a dialética<br />
instauradora, alma dessa correção no fazer <strong>da</strong> lógica<br />
demonstrativa, essencialmente analítica, que preconiza<br />
e emprega. É o grande defeito <strong>da</strong> escolástica em geral<br />
e talvez de to<strong>da</strong> a I<strong>da</strong>de Média (IBIDEM: 11).<br />
Vocabulário<br />
Arquiteto – profi ssional <strong>da</strong> arte de construir que<br />
idealiza, planeja, especifi ca materiais e elabora os desenhos<br />
de um espaço ou obra arquitetônica; indivíduo<br />
responsável por uma idéia, realização ou fantasia de<br />
qualquer coisa.<br />
Dialética – em sentido bastante genérico, oposição,<br />
confl ito originado pela contradição entre princípios<br />
teóricos ou fenômenos empíricos; processo de diálogo,<br />
debate entre interlocutores comprometidos profun<strong>da</strong>mente<br />
com a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, através <strong>da</strong> qual a alma<br />
se eleva, gra<strong>da</strong>tivamente, <strong>da</strong>s aparências sensíveis às<br />
reali<strong>da</strong>des inteligíveis ou idéias.<br />
Lógica – parte <strong>da</strong> fi losofi a que trata <strong>da</strong>s formas do<br />
pensamento em geral (dedução, indução, hipótese,<br />
inferência etc.) e <strong>da</strong>s operações intelectuais que visam<br />
à determinação do que é ver<strong>da</strong>deiro ou não.<br />
Lógico – relativo à lógica, de acordo com as regras <strong>da</strong><br />
lógica; cujo raciocínio é rigoroso, coerente, acertado.<br />
Místico – referente aos mistérios, às cerimônias<br />
religiosas secretas; relativo à crença em coisas sobrenaturais,<br />
sem base racional.<br />
Preconiza – apregoa com louvor; faz a apologia ou a<br />
propagan<strong>da</strong> de; recomen<strong>da</strong>, aconselha, prega.<br />
Racionalismo Estético – modo de pensar que atribui<br />
valor somente à razão, ao pensamento lógico.<br />
Ponto de vista oriental: Acrescentaremos algumas<br />
noções sobre a estética de outras religiões, principalmente<br />
as orientais. A estética, por muito tempo,<br />
incorreu no equívoco de se interessar apenas pela arte<br />
ocidental, de procedência helênica. Hoje, sabe-se o<br />
quanto esse erro de perspectiva carece de retifi cação.<br />
Não podendo iniciar o leitor em to<strong>da</strong> a estética oriental,<br />
limitamo-nos a remetê-lo aos estudos especializados.<br />
Para quem sabe inglês, aconselhamos a leitura <strong>da</strong><br />
sóli<strong>da</strong> obra do esteta americano Thomas Munro: Oriental<br />
Aesthetics (Press of Western Reserve University,<br />
Cleveland, 1965). Abor<strong>da</strong>remos, apenas, os grandes<br />
temas que se prestam à refl exão (IBIDEM: 8).<br />
Estética Mulçumana: A estética mulçumana se<br />
distingue pela importância atribuí<strong>da</strong> aos trabalhos de<br />
geometria. É conhecido o desenvolvimento alcançado<br />
pela arte abstrata, no mundo mulçumano, sob forma<br />
de ornamentação geométrica, sobretudo um tipo de<br />
desenvolvimento musical dos diferentes polígonos,<br />
estendendo-se no espaço e o estruturando. Vinculase,<br />
comumente, esse aspecto <strong>da</strong> arte mulçumana<br />
a um preceito do Alcorão, proibindo representar a<br />
fi gura humana. Na reali<strong>da</strong>de, inexiste, nesse livro,<br />
semelhante interdição. Quanto à crença de que o<br />
artista responde pelas fi guras que cria, e que estas,<br />
no Dia do Julgamento, aparecerão para lhe reclamar<br />
uma alma, não passa de simples tradição religiosa,<br />
sem qualquer força de dogma. Em ver<strong>da</strong>de, a arte<br />
mulçumana, como o sabem todos os que conhecem<br />
e amam suas miniaturas, jamais se privou <strong>da</strong> representação<br />
<strong>da</strong> fi gura humana. Apenas, dela se utilizou<br />
– geralmente por uma questão de gosto – de modo<br />
mais decorativo. Quanto à abundância <strong>da</strong> decoração<br />
abstrata, nas ilustrações de manuscrito e nos adornos<br />
de arquitetura, isso refl ete a tendência <strong>da</strong> mística<br />
árabe que aprecia uma espécie de musicali<strong>da</strong>de linear<br />
(IBIDEM: 8-9).<br />
Estética Hindu: A estética hindu se interessou,<br />
particularmente, pela arte teatral. Uma de suas principais<br />
preocupações foi a pesquisa e classifi cação<br />
dos Rasa, ou Gostos, que corresponde, aproxima<strong>da</strong>mente,<br />
às nossas categorias estéticas. É também<br />
muito interessante sua maneira de considerar a
prática <strong>da</strong> arte essencialmente como uma ascese<br />
espiritual para o artista (IBIDEM: 9).<br />
Estética Chinesa: O tema <strong>da</strong> arte como ascese é<br />
igualmente encontrado na estética chinesa, vincula<strong>da</strong><br />
freqüentemente, ain<strong>da</strong> que em dose mínima, ao misticismo<br />
quietista <strong>da</strong> fi losofi a chinesa. Sobre o assunto escreveu<br />
Marcel Granet, em La Pensée Chinoise (1937),<br />
e Mme. Vandier-Nicolas, em Art et Sagesse em Chine<br />
(1963) (IBIDEM: 9).<br />
Estética Japonesa: Tanto na poesia quanto na<br />
pintura, e mesmo na música japonesas, nota-se a infl<br />
uência do budismo, em particular, do chamado Zen.<br />
Trabalhos de M. Akira Tamba analisam a infl uência<br />
do Zen na música, principalmente a música do Nô<br />
(IBIDEM: 9).<br />
Estética Negro-Africana: Por último algumas palavras<br />
sobre a arte negro-africana, vincula<strong>da</strong>s a idéias<br />
religiosas, em cujo clima se desenvolveu. Trabalhos<br />
de M. Jean Laude tratam desse assunto. A estética negro-africana,<br />
mais pressenti<strong>da</strong> que respeita<strong>da</strong> em suas<br />
infl uências sobre a arte européia, engendra um grande<br />
vigor expressivo <strong>da</strong> estilização leva<strong>da</strong> a fundo; isso,<br />
não apenas pelo gosto do simbolismo, mas, também,<br />
pelo desejo de representar mais as forças espirituais do<br />
que o aspecto sensível <strong>da</strong>s coisas e seres – considerados<br />
veículos <strong>da</strong>quelas forças (IBIDEM: 9-10).<br />
Vocabulário<br />
Alcorão – livro sagrado que contém o código religioso,<br />
moral e político dos mulçumanos ou maometanos;<br />
regulamento, prescrição.<br />
Ascese – na fi losofi a grega, conjunto de práticas e<br />
disciplinas caracteriza<strong>da</strong>s pela austeri<strong>da</strong>de e autocontrole<br />
do corpo e do espírito, que acompanham e fortalecem<br />
a especulação teórica em busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. No<br />
cristianismo e em to<strong>da</strong>s as grandes religiões, conjunto<br />
de práticas austeras, comportamentos disciplinados e<br />
evitações morais prescritas aos fi éis, tendo em vista a<br />
realização de desígnios divinos e leis sagra<strong>da</strong>s.<br />
Engendra – tira ou surge aparentemente do na<strong>da</strong>;<br />
forma, gera, dá existência a; concebe na imaginação;<br />
engenha; imagina; inventa.<br />
Esteta – pessoa que professa o culto do belo; indivíduo<br />
que afeta grande sensibili<strong>da</strong>de para o belo,<br />
especialmente na arte; especialista em estética.<br />
Estilização – estilizar de forma diferente; estilo ou<br />
forma estética diferente; <strong>da</strong>r ou adquirir novos traços<br />
estilísticos.<br />
Helênica – relativo à Grécia Antiga (Hélade); tronco<br />
lingüístico do qual originou o coiné e o grego moderno<br />
(koiné = linguagem de transição do grego antigo para<br />
o grego moderno).<br />
Interdição – proibição que impede o funcionamento<br />
de determinado estabelecimento, ou a passagem em<br />
ou o uso de determina<strong>da</strong> área; ação que visa difi cultar<br />
ou impedir, por qualquer meio, o uso de determina<strong>da</strong><br />
área ou rota pelo inimigo.<br />
Mística – conhecimento ou estudo do misticismo;<br />
tendência para a vi<strong>da</strong> religiosa e contemplativa, com<br />
ocupação contínua <strong>da</strong> mente nas doutrinas e práticas<br />
religiosas; fervor religioso que faz o místico alcançar<br />
um estado de êxtase e paixão, e cujo objetivo é a divin<strong>da</strong>de<br />
(Repensar o signifi cado de mística quietista<br />
por intermédio deste verbete).<br />
Música do Nô – no teatro japonês, drama lírico de<br />
caráter religioso e tradicional; gênero teatral japonês<br />
com <strong>da</strong>nças; signifi ca etimologicamente “talento” e/ou<br />
“habili<strong>da</strong>de”.<br />
Perspectiva – forma ou aparência sob a qual algo<br />
se apresenta.<br />
Polígono – qualquer figura plana forma<strong>da</strong> pelo<br />
mesmo número de ângulos e lados, desde o triângulo<br />
(a fi gura de menor número) até a uma forma que se<br />
aproximaria do círculo (por ter um número infi nito<br />
de lados).<br />
Rasa – poema religioso (Ras Shamra – mitologia<br />
fenícia).<br />
Retifi cação – alinhamento, correção, conserto.<br />
Ponto de vista <strong>da</strong> Renascença (Renascimento enquanto<br />
momento de transição <strong>da</strong> Era Medieval para<br />
a Era Moderna. Os quatro séculos fi nais <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de<br />
Média: séculos XII, X<strong>III</strong>, XIV e XV): O mundo<br />
medieval, com sua grandeza, sua nobreza e, por outro<br />
lado, seu excesso de opressão, sua estreiteza de vista<br />
e seu desdém pelo conhecimento concreto, carecia ser<br />
destruído. Nova cultura deveria se instaurar. Quatro<br />
séculos durou essa instauração. E o movimento que<br />
a realizou, como acontece quase sempre, começou,<br />
primeiramente, na arte – a lhe revelar os sintomas –,<br />
muito antes de afetar os costumes, a fi losofi a, a ciência<br />
e a vi<strong>da</strong> religiosa. Diz-se comumente, e a palavra Renascença<br />
o exprime, que aquele movimento não fora<br />
de instauração, mas de restauração <strong>da</strong> cultura antiga.<br />
Trata-se, porém, de falsa perspectiva. Na<strong>da</strong> tão distante<br />
<strong>da</strong> cultura antiga, tal como realmente existiu, no mundo<br />
mediterrâneo, antes <strong>da</strong> era cristã, que a cultura européia<br />
do Renascimento. Absolutamente diferentes os costumes,<br />
a organização social, os métodos, os ideais. A<br />
socie<strong>da</strong>de européia de então, na reali<strong>da</strong>de, restabelecera<br />
contato com a cultura antiga, com a qual se entusiasmara<br />
e muito aprendera. A Renascença sofreu, efetivamente,<br />
infl uência <strong>da</strong> cultura antiga. To<strong>da</strong>via, ao procurar avi<strong>da</strong>mente<br />
os conhecimentos e os ensinamentos <strong>da</strong> cultura<br />
antiga, revelava, apenas, sua intensa necessi<strong>da</strong>de<br />
de renovação ou, mais precisamente, de inovação, e<br />
seu profundo desejo de libertar-se <strong>da</strong> cultura que a precedeu.<br />
A I<strong>da</strong>de Média, com efeito, conheceu a cultura<br />
antiga pelos seus monumentos artísticos e literários,<br />
mas não procurava absolutamente sentir-lhe a alma<br />
ou se inspirar nela. Bem entendido, inúmeras pessoas,<br />
durante aqueles três séculos, contribuíram para<br />
a renovação estética que, pouco a pouco, deveria se<br />
19
20<br />
transformar numa renovação em todos os domínios.<br />
Na Itália, antes de Leonardo [Leonardo <strong>da</strong> Vinci,<br />
1452-1519], teríamos de citar Petrarca [Francesco<br />
Petrarca, 1304-1374], Dante [Dante Alighieri, 1265-<br />
1321], Cennini [Cenino Cennini, escreveu o livro Il<br />
Libro Dell’Arte – século XV] e Alberti [Leon Battista<br />
Alberti, arquiteto, 1404-1472], e na França, Jean<br />
Pelerin [1445-1524] conhecido por Viator, Androuet<br />
du Cerceau [1515-1584] ou Bernard Palissy [1510-<br />
1590] e os teóricos <strong>da</strong> Plêiade. O concurso de todos<br />
permite que se formule uma estética <strong>da</strong> Renascença,<br />
sintetiza<strong>da</strong> em Vinci (Leonard <strong>da</strong> Vinci), sem que,<br />
to<strong>da</strong>via, sejam sua fonte, e cujos principais temas<br />
são os que se seguem.<br />
Em primeiro lugar, a arte é considera<strong>da</strong>, em sua<br />
essência, como um estudo <strong>da</strong> natureza. Fórmula<br />
breve, de imenso significado, com dois grandes<br />
aspectos: primeiro, o aspecto óbvio, técnico e quase<br />
pe<strong>da</strong>gógico – o artista deve estu<strong>da</strong>r a natureza. O<br />
corpo humano, a paisagem devem ser desenhados<br />
sem disfarce, e para isso carecem ser estu<strong>da</strong>dos<br />
a fundo. Então, quantas descobertas admiráveis!<br />
Aproxima<strong>da</strong>mente ao mesmo tempo em que Cristóvão<br />
Colombo descobre a América, Leonardo <strong>da</strong><br />
Vinci descobre o claro-escuro. Sem paradoxo, essa<br />
segun<strong>da</strong> descoberta, de vastas conseqüências, amplia,<br />
prodigiosamente, como a primeira, o mundo humano.<br />
Com efeito, isso signifi ca que, entre o ponto mais<br />
claro e o escuro do que lhes atrai a atenção, o olho<br />
e a alma do homem percebem a existência de um<br />
imenso intervalo, ricamente povoado de inúmeras<br />
presenças. E assim, durante quatro séculos, viveu a<br />
arte em função desse intervalo, tomado como meio<br />
de expressão.<br />
O segundo aspecto diz respeito ao conhecimento<br />
estético. A Renascença, que estabelecera, para a<br />
ciência moderna, fun<strong>da</strong>mentos ain<strong>da</strong> hoje válidos, jamais<br />
opôs o conhecimento estético ao científi co. São<br />
idênticas as forças que operam nos dois domínios. A<br />
mesma Florença que, no século XVI, se não chegou a<br />
ser a capital <strong>da</strong> arte européia, no mínimo, foi uma <strong>da</strong>s<br />
suas capitais; no século XVII, tornou-se, igualmente,<br />
uma <strong>da</strong>s capitais <strong>da</strong> ciência (IBIDEM: 12-13).<br />
Classicismo: O Classicismo [século XVI] encerra<br />
to<strong>da</strong> uma estética que não se congraça com alguns<br />
pensamentos de teóricos desse período, privado de<br />
um nome ver<strong>da</strong>deiramente importante na estética<br />
fi losófi ca. Por defi nição, o classicismo é a doutrina,<br />
segundo a qual, a criação artística, por mais inovadora<br />
que seja, deve permanecer fi el a um modelo,<br />
seja ideal ou encarnado em obras conheci<strong>da</strong>s. Poderá<br />
haver, pois, tantas formas de classicismo, quantos<br />
forem os modelos. Por exemplo, uma, segundo Virgílio,<br />
outra, segundo Cícero, ou Dante, ou Shakespeare.<br />
To<strong>da</strong>via, o classicismo histórico do século XVII<br />
acreditou poder fun<strong>da</strong>mentar na razão a escolha de<br />
seu modelo (IBIDEM: 14-15).<br />
Vocabulário<br />
Operam – realizam; trabalham.<br />
Paradoxo – que tem opinião contrária à comum;<br />
aparente falta de lógica; contradição.<br />
Perspectiva – forma ou aparência sob a qual algo<br />
se apresenta.<br />
Plêiade – reunião de sete pessoas ilustres; grupo<br />
de homens ou literatos famosos.<br />
Ponto de vista do Barroco: O Barroco é a exuberância<br />
<strong>da</strong>s formas proliferando em liber<strong>da</strong>de, sem as<br />
restrições e as aparas do classicismo. Formas, não<br />
obstante, harmoniosas. A harmonia, preserva<strong>da</strong> na<br />
riqueza, e a estética <strong>da</strong> graça, preferi<strong>da</strong> à <strong>da</strong> beleza,<br />
não permitem linha tranqüila. A filosofia desse<br />
sentido estético é a de Leibniz [Gottfried Wilhelm<br />
von Leibniz, 1646-1716], o fi lósofo barroco por<br />
excelência, para quem não há vácuo na natureza,<br />
pois inexiste razão para que Deus não o tivesse<br />
preenchido com alguma coisa; e para quem, outrossim,<br />
nosso universo, por mais denso que seja, goza<br />
de harmonia preestabeleci<strong>da</strong> entre suas partes, to<strong>da</strong>s<br />
vivas e anima<strong>da</strong>s. A inexistência de uma estética de<br />
Leibniz é apenas no sentido formal, por não ter ele<br />
consagrado, expressamente, parte de seu sistema<br />
às questões pertinentes à arte e ao belo. To<strong>da</strong>via,<br />
reencontra-se nele, freqüentemente, uma espécie de<br />
justifi cação estética <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, que já assinalamos<br />
em Santo Agostinho.<br />
Evoca sempre a idéia implícita de Deus artista, e a<br />
de sua obra, o mundo, não somente como o melhor,<br />
mas, o mais belo possível, como quando, por exemplo,<br />
em Monadologia apresenta o conceito de que<br />
ca<strong>da</strong> substância é um espelho vivo e eterno do universo,<br />
de maneira que, assim como uma ci<strong>da</strong>de, vista<br />
de diferentes lados, é multiplica<strong>da</strong>, em perspectiva,<br />
embora guar<strong>da</strong>ndo sua uni<strong>da</strong>de, as mona<strong>da</strong>s não nos<br />
dão senão as perspectivas de um só universo – acrescentando,<br />
como justifi cação (Monadologia, 58): “É o<br />
meio de obter tanta varie<strong>da</strong>de quanto possível, mas<br />
dentro <strong>da</strong> maior ordem possível, ou melhor, é o meio<br />
de se obter a máxima perfeição possível”. Segundo<br />
essa estética, a uni<strong>da</strong>de na varie<strong>da</strong>de, o máximo de<br />
ordem na máxima riqueza é, certamente, uma evocação<br />
ao belo e quase sua defi nição.<br />
Se acrescentarmos que Leibniz foi quem primeiro<br />
descobriu fi losofi camente o inconsciente, e que certos<br />
românticos, que atribuíram ao inconsciente um lugar<br />
defi nido em sua estética (como Goethe), vinculam-se,<br />
nesse ponto, a Leibniz, compreenderemos a fecundi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> estética leibniziana (IBIDEM: 16-17).
Vocabulário<br />
Conceito – produto <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de conceber; facul<strong>da</strong>de<br />
intelectiva (= relativo ao intelecto, à inteligência<br />
intelectual) e cognoscitiva (= que tem o poder ou a<br />
capaci<strong>da</strong>de de conhecer) do ser humano; mente; espírito;<br />
pensamento.<br />
Denso – compacto, espesso; rico, intenso em conteúdo.<br />
Monadologia – <strong>teoria</strong> leibniziana <strong>da</strong>s môna<strong>da</strong>s.<br />
Mona<strong>da</strong>s [môna<strong>da</strong>s] – fi losofi a no leibzianismo;<br />
átomo inextenso com ativi<strong>da</strong>de espiritual, componente<br />
básico de to<strong>da</strong> e qualquer reali<strong>da</strong>de física ou anímica<br />
[alma], e que apresenta as características de imateriali<strong>da</strong>de,<br />
indivisibili<strong>da</strong>de e eterni<strong>da</strong>de.<br />
Perspectiva – forma ou aparência sob a qual algo<br />
se apresenta.<br />
Substância – qualquer espécie de matéria (sóli<strong>da</strong>,<br />
líqui<strong>da</strong> ou gasosa).<br />
Ponto de vista de Baumgartem [1714-1762]:<br />
Pertence à escola de Leibniz. Sua tese, que faz a transição<br />
para a estética romântica, é, hoje, merecedora<br />
de atenção.<br />
As facul<strong>da</strong>des do espírito – diz ele – são de dois<br />
níveis. As mais altas, que constituem a inteligência,<br />
atingem, com clareza e precisão, a essência dos objetos,<br />
isto é, o princípio de sua perfeição. To<strong>da</strong>via, as<br />
facul<strong>da</strong>des mais baixas, que pertencem à sensibili<strong>da</strong>de,<br />
podem também ter uma intuição <strong>da</strong> perfeição. A intuição<br />
permanece, porém, sempre confusa. Mas, por<br />
falta do conhecimento claro e distinto pela inteligência<br />
– conhecimento este nem sempre atingível – o conhecimento<br />
confuso <strong>da</strong> perfeição (do qual a sensibili<strong>da</strong>de ao<br />
belo é caso típico) poderá distinguir, de modo obscuro<br />
e oculto, o conhecimento que a inteligência debalde<br />
procurava obter, de forma clara e distinta. O sucesso<br />
do conhecimento obscuro é próprio do gênio, que<br />
Baumgartem defi nia, de modo digno de nota, como<br />
caracterizado pelas “facul<strong>da</strong>des inferiores do espírito<br />
eleva<strong>da</strong>s à mais alta potência”.<br />
O estudo do tipo de conhecimento confuso é, pois,<br />
frutuoso e indispensável à fi losofi a. A esse estudo<br />
Baumgartem denomina estética. Do grego αισθητ ιχóζ<br />
[aestetikós], que quer dizer: relativo à percepção pelos<br />
sentidos. Com efeito, diz ele, a percepção sensível,<br />
quando orienta<strong>da</strong> pelo sentimento do belo, melhor<br />
atinge a “idéia” do objeto, isto é, seu princípio de perfeição,<br />
tal como a inteligência o atingiria, se pudesse.<br />
Eis porque a palavra estética, na pena de Baumgartem,<br />
adquire o sentido moderno de ‘relativo ao belo’ (IBI-<br />
DEM: 17-18).<br />
Ponto de vista do Romantismo: No romantismo<br />
distinguem-se, de uma parte, a estética implícita <strong>da</strong> arte<br />
romântica, de outra parte, as obras dos grandes estetas<br />
<strong>da</strong> época. Porque o romantismo teve a ventura de ser,<br />
simultaneamente, um grande movimento artístico, e de<br />
ter entusiasmado importantes fi lósofos, que meditaram<br />
nessa arte ou concor<strong>da</strong>ram espiritualmente com ela.<br />
Quais os principais temas <strong>da</strong> estética implícita do<br />
romantismo?<br />
O primeiro foi o de atribuir ao gênio a ver<strong>da</strong>deira<br />
criação artística. Não ao talento, mas ao gênio, concebido<br />
como uma espécie de força vital e espontânea – “a<br />
força que irrompe” – semelhante às forças <strong>da</strong> natureza.<br />
O gênio é uma aptidão universal. Admite-se que habilite,<br />
ao mesmo tempo, à criação poética ou artística,<br />
ao governo <strong>da</strong>s nações, à vitória militar ou política, e<br />
a uma vi<strong>da</strong> transcendente, marca<strong>da</strong> pelo triunfo quase<br />
frenético <strong>da</strong>s paixões, e por um isolamento moral,<br />
que faz do gênio, simultaneamente, uma espécie de<br />
sagração e de maldição.<br />
Com o gênio, se modifi ca, outrossim, a hierarquia <strong>da</strong>s<br />
categorias estéticas. Não é mais o Belo, é o Sublime que<br />
se torna o valor mais louvado e procurado. Também o<br />
“bom gosto”, tido como divulgador <strong>da</strong> harmonia, pela<br />
ausência de qualquer excesso, de qualquer efeito forte,<br />
é rejeitado. Não haveria excesso em valores fortes,<br />
principalmente na afi rmação lírica do eu e no pitoresco<br />
<strong>da</strong>s cores locais. O singular, com seu duplo sentido de<br />
insólito e de “o que jamais se verá duas vezes”, ao invés<br />
de ser banido pelo bom gosto, o substitui na arte. Esta,<br />
como o artista, não mais se mantém adstrita ao respeito<br />
<strong>da</strong> conveniência, ain<strong>da</strong> que moral. A autonomia <strong>da</strong><br />
arte é reivindica<strong>da</strong> e proclama<strong>da</strong>. E a autonomia <strong>da</strong><br />
aventura <strong>da</strong> criação artística – a arte pela arte – é a tal<br />
ponto completa que não hesita em se pôr, a si mesma,<br />
em questão.<br />
Quanto à estética dos teóricos, comporta, no mínimo,<br />
três grandes nomes: Kant [Immanuel Kant, 1724-<br />
1804], Schelling [Friedrich Wilhelm Josef von<br />
Schelling – 1775-1854] e Hegel [Georg Wilhelm<br />
Friedrich Hegel – 1770-1831], aos quais pode-se<br />
acrescentar Schopenhauer [Arthur Schopenhauer<br />
– 1788-1860] (IBIDEM: 18-19).<br />
Ponto de vista de Kant (Immanuel Kant, 1724-<br />
1804): O belo nos causa prazer desinteressado, resultante<br />
<strong>da</strong> concordância <strong>da</strong> nossa imaginação com a nossa<br />
inteligência. Esse acordo procede <strong>da</strong> presença “<strong>da</strong><br />
forma <strong>da</strong> fi nali<strong>da</strong>de sem a representação de um fi m” (o<br />
que basta para defi nir a beleza). O que é percebido sob<br />
essa forma “agra<strong>da</strong> universalmente sem conceito”.<br />
Mas o sublime é também um valor autêntico, embora<br />
oposto. Aqui, a imaginação e a inteligência (ou preferencialmente<br />
a razão, já que o infi nito está em jogo) estão,<br />
ao contrário, em violento desacordo. Quer se trate do<br />
“sublime matemático” (sublime de grandeza) ou do<br />
“sublime dinâmico” (sublime de poder), os sentidos e<br />
21
22<br />
a imaginação procuram, em vão, cingir, alcançar esse<br />
infi nito de grandeza ou de poder, estabelecido pela<br />
razão. Assim, nossa alma experimenta uma espécie<br />
de laceração terrível e voluptuosa, um misto de dor e<br />
de prazer. O gênio, tão apto a criar os meios para isso,<br />
o faz por uma força interior que participa <strong>da</strong> natureza.<br />
“Pelo gênio, a natureza determina regras à arte”. A estética,<br />
essa crítica do julgamento do gosto, que põe em<br />
jogo a forma <strong>da</strong> fi nali<strong>da</strong>de e a natureza, é o preâmbulo<br />
indispensável <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> fi losofi a que estabelece o<br />
problema dos fi ns na natureza e de sua oposição com<br />
o mecanismo. Porque se aproxima, assim, as relações<br />
secretas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> orgânica e <strong>da</strong> arte (indicação que Kant<br />
não desenvolveu, mas que claramente estabeleceu).<br />
Se considerarmos que a principal obra onde são expostas<br />
essas idéias (a Crítica do Julgamento) <strong>da</strong>ta de<br />
1790, fi caremos maravilhados de ver como Kant expôs,<br />
lúci<strong>da</strong> e claramente, alguns dos temas essenciais do<br />
romantismo, que apenas nascia. Admirados fi camos<br />
também ao considerar como um homem, quase sem<br />
qualquer contato com as artes, e talvez sem jamais ter<br />
visto uma obra de arte de alto valor, pode ter escrito um<br />
livro ain<strong>da</strong> hoje tão importante na estética. Mas Kant<br />
refl etiu, demora<strong>da</strong>mente, sobre a estética <strong>da</strong> natureza.<br />
E isso também é muito romântico (IBIDEM: 20-21).<br />
Ponto de vista de Schelling (Friedrich Wilhelm<br />
Josef von Schelling – 1775-1854): “Filósofo e esteta<br />
de primeira grandeza. Seu renome empalideceu, pouco<br />
a pouco, nos últimos cem anos, à medi<strong>da</strong> que aumentava<br />
o de Hegel.<br />
Ninguém atribuiu maior importância ao aspecto<br />
estético num sistema fi losófi co. E não foi sem causa:<br />
todo o seu sistema (inspirado em Kant e Plotino) faz<br />
<strong>da</strong> fi losofi a uma espécie de vasto poema.<br />
Tema essencial do seu “idealismo objetivo”: a identi<strong>da</strong>de<br />
primordial, no absoluto, do sujeito com o objeto,<br />
do ideal com o real, do instinto com a inteligência,<br />
<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de com a necessi<strong>da</strong>de. Desde Descartes, a<br />
fi losofi a persegue um falso problema, ao procurar saber<br />
como o sujeito chega a alcançar o objeto para conhecêlo.<br />
Na reali<strong>da</strong>de, a uni<strong>da</strong>de entre ambos é original.<br />
Trata-se, fi losofi camente, de restaurar essa uni<strong>da</strong>de<br />
pela “intuição intelectual”. E isto é o que a arte pode<br />
fazer, e só ela. Por isso a arte está acima <strong>da</strong> ciência,<br />
que é apenas um degrau inferior <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> espiritual.<br />
Profun<strong>da</strong> conexão entre a arte e a natureza, como ativi<strong>da</strong>des<br />
produtoras. A natureza é um poema escrito em<br />
caracteres cifrados. Quem a interpretasse conheceria<br />
a Odisséia do Espírito. Essa decifração somente seria<br />
possível pela arte, visto ser a obra artística, procedente<br />
do gênio, produto de uma espontanei<strong>da</strong>de semelhante<br />
àquela como se formam as obras <strong>da</strong> natureza. A arte<br />
atribui às coisas uma alma, pela qual o homem se<br />
desembaraça <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de segregadora e pode<br />
participar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s coisas. A alma não é bela (palavra<br />
contra a <strong>teoria</strong> romântica <strong>da</strong> “bela alma”); é a própria<br />
beleza (IBIDEM, 1973: 21).<br />
Vocabulário<br />
Kant – nasceu em Koenigsberg, Prússia, em 1724.<br />
Faleceu em 1804.<br />
Plotino – nasceu no Egito, em 205. Faleceu, em<br />
Roma, em 270.<br />
Ponto de vista de Hegel (Georg Wilhelm Friedrich<br />
Hegel – 1770-1831): Quanto a Hegel, contemporâneo<br />
de Schelling (Hegel era mais velho cinco anos)<br />
e seu competidor, a estética possui, igualmente, em<br />
seu sistema, um lugar orgânico. Mas, longe de fruir a<br />
mesma posição dominante. Sob certos aspectos, essa<br />
posição tende mesmo no sentido de desvalorizar a<br />
arte. Esta, segundo Hegel, é “algo do passado”, está<br />
ultrapassa<strong>da</strong>. Não atende às necessi<strong>da</strong>des espirituais<br />
mais eleva<strong>da</strong>s e, dialeticamente, mais desenvolvi<strong>da</strong>s.<br />
O espírito – segundo expressão hegeliana repeti<strong>da</strong><br />
mais tarde por Leon Brunschvieg (1869-1944) – deve<br />
“passar pela arte sem se deter”. Isto não signifi ca que<br />
a estética se tornara desnecessária; ao contrário, é mais<br />
necessária que nunca, numa época em que a arte deixa<br />
de proporcionar, por si mesma, plena satisfação, e necessita<br />
submeter suas obras a um exame crítico.<br />
Como a religião ou a fi losofi a, a arte pertence à esfera<br />
absoluta do espírito. Revela a ver<strong>da</strong>de à consciência.<br />
A necessi<strong>da</strong>de geral e absoluta, à qual corresponde<br />
a arte, se origina do fato de ser o homem dotado de<br />
consciência.<br />
A necessi<strong>da</strong>de geral <strong>da</strong> arte é a necessi<strong>da</strong>de racional<br />
que impele o homem a tomar consciência do mundo<br />
interior e a transformá-lo num objeto, no qual se reconheça<br />
a si próprio. É peculiar <strong>da</strong> arte oferecer aos<br />
sentidos uma manifestação dos pensamentos universais<br />
do espírito humano. To<strong>da</strong> obra de arte possui, pois, um<br />
duplo aspecto: primeiramente, um conteúdo, um fi m,<br />
uma signifi cação; em segui<strong>da</strong>, a expressão, a manifestação,<br />
a realização desse conteúdo; os dois aspectos<br />
se interpenetram tão intimamente que o exterior, o<br />
particular, não parece feito senão para expor o interior.<br />
Arte é o que revela à consciência a ver<strong>da</strong>de, sob uma<br />
forma sensível. O Belo se defi ne como a manifestação<br />
sensível <strong>da</strong> Idéia. Entendemos que se trate do Belo<br />
artístico, porque o Belo natural não saberia cumprir a<br />
função do belo artístico, de <strong>da</strong>r ao conteúdo interno do<br />
espírito a forma que lhe convém (IBIDEM: 22).<br />
Ponto de vista de Schopenhauer (Arthur Schopenhauer<br />
– 1788-1860): Diremos agora uma palavra<br />
sobre Schopenhauer. Primeiramente, ele integra (...) o<br />
grupo dos grandes teóricos românticos. Em segui<strong>da</strong>,
sua importância resulta <strong>da</strong> infl uência que exerceu, até<br />
mesmo na arte. Sabe-se, por exemplo, o quanto Richard<br />
Wagner se imbuíra de seu pensamento.<br />
A estética de Schopenhauer só pode ser compreendi<strong>da</strong><br />
em função de sua metafísica, cujo tema central<br />
é o seguinte: Schopenhauer, fi lósofo idealista, faz do<br />
mundo sensível uma pura representação. Mas – aqui<br />
sua originali<strong>da</strong>de – essa representação procede, essencialmente,<br />
<strong>da</strong> vontade, que é um querer-ser ou quererviver.<br />
Vontade radicalmente má como o mundo e o<br />
ser. Porque Schopenhauer é, no âmago, pessimista. O<br />
processo criador <strong>da</strong> vontade nos engaja numa desgraça<br />
infi nita de insatisfação e de dor. Nessas condições,<br />
como se libertar desse ciclo trágico? Há dois meios<br />
de redenção. Um, moral: é o sentimento de pie<strong>da</strong>de<br />
que rompe a separação entre os seres. O outro é a arte,<br />
a libertadora arte, que nos desembaraça do quererviver<br />
e que, pela contemplação estética, nos conduz<br />
ao mundo <strong>da</strong>s idéias (concebido de modo platônico).<br />
as idéias, primeiras objetivações <strong>da</strong> vontade, são as<br />
formas <strong>da</strong> arte, em cuja hierarquia a individuali<strong>da</strong>de vai<br />
crescendo (...). O gênio, por intuição pura, contempla<br />
apenas a essência do objeto presente. Assim, a arte<br />
nos liberta, retirando-nos a vontade, o desejo de viver<br />
e permitindo-nos, assim, experimentar a liber<strong>da</strong>de suprema,<br />
somente atingível após a cessação <strong>da</strong> existência.<br />
(IBIDEM: 24-25).<br />
Vocabulário<br />
Adstrita – uni<strong>da</strong> a; liga<strong>da</strong>.<br />
Âmago – a parte que fi ca no centro de qualquer coisa ou<br />
pessoa; parte central; a parte mais íntima ou fun<strong>da</strong>mental;<br />
essência; a parte mais profun<strong>da</strong> ou entranha<strong>da</strong> de um ser;<br />
alma; imo.<br />
Belo – que tem formas e proporções esteticamente<br />
harmônicas, tendendo a um ideal de perfeição; que tem<br />
beleza; que produz uma viva impressão de deleite e de<br />
admiração.<br />
Categorias – ca<strong>da</strong> um dos conceitos fun<strong>da</strong>mentais<br />
do entendimento puro (uni<strong>da</strong>de, plurali<strong>da</strong>de, totali<strong>da</strong>de<br />
etc., que são formas a priori capazes de constituir os<br />
objetos do conhecimento (Kant)); ca<strong>da</strong> um dos conceitos<br />
genéricos, abstratos, fun<strong>da</strong>mentais, de que se pode servir<br />
a mente para elaborar e expressar pensamentos, juízos,<br />
julgamentos etc.<br />
Ciclo – espaço de tempo durante o qual ocorre e se<br />
completa, com regulari<strong>da</strong>de, um fenômeno ou um fato.<br />
Gênio – aptidão natural para algo; dom; extraordinária<br />
capaci<strong>da</strong>de intelectual, nota<strong>da</strong>mente a que se manifesta<br />
em ativi<strong>da</strong>des criativas; indivíduo dotado dessa capaci<strong>da</strong>de<br />
criativa (por exemplo, Leonardo <strong>da</strong> Vinci era um<br />
gênio).<br />
Hierarquia – organização fun<strong>da</strong><strong>da</strong> sobre uma ordem<br />
de priori<strong>da</strong>de entre os elementos de um conjunto ou<br />
sobre relações de subordinação entre os membros de<br />
um grupo.<br />
Implícita – não manifestamente declara<strong>da</strong>.<br />
Laceração – dilaceração; ato ou efeito de lacerar<br />
(fazer em pe<strong>da</strong>ços, quebrar, rasgar, atormentar, espoliar,<br />
espe<strong>da</strong>çar, destruir).<br />
Metafísica – subdivisão fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> fi losofi a,<br />
caracteriza<strong>da</strong> pela investigação <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des que<br />
transcendem a experiência sensível, capaz de fornecer<br />
um fun<strong>da</strong>mento a to<strong>da</strong>s as ciências particulares, por<br />
meio <strong>da</strong> refl exão a respeito <strong>da</strong> natureza primacial do<br />
ser; ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s <strong>teoria</strong>s fi losófi cas a respeito do ser<br />
em geral.<br />
Preâmbulo – parte preliminar em que se anuncia a<br />
promulgação de uma lei ou decreto.<br />
Ser – o que existe realmente; aquilo que é; homem,<br />
pessoa, indivíduo; natureza íntima de algo ou pessoa;<br />
essência; a consciência de si mesmo; aquilo que uma<br />
reali<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deiramente é.<br />
Sublime – que apresenta inexcedível (que não se<br />
pode exceder) perfeição material, moral ou intelectual;<br />
esteticamente perfeito.<br />
Talento – aptidão, capaci<strong>da</strong>de inata adquiri<strong>da</strong> para<br />
a realização de alguma coisa, como, por exemplo,<br />
escrever textos-arte.<br />
Valor – quali<strong>da</strong>de excepcional; talento; habili<strong>da</strong>de;<br />
mestria.<br />
Poesia<br />
“Que será poesia? Várias têm sido as defi nições. Se<br />
ca<strong>da</strong> escola literária tem uma concepção de reali<strong>da</strong>de<br />
estética, se ca<strong>da</strong> artista também pode ter sua própria<br />
concepção, compreende-se desde logo não ser possível<br />
uniformizar um conceito para a Poesia. Etimologicamente,<br />
do grego “poíesis”, signifi ca ato de fazer algo;<br />
portanto, implica a idéia de ação, de criação. E este<br />
é o seu sentido mais vasto. Mas fazer ou criar como,<br />
e com que objetivo? Aqui é que há divergência entre<br />
artistas e também entre os críticos. A distinção que se<br />
fazia tomando-se em consideração apenas o aspecto<br />
exterior e formal para contrastá-la com a prosa, já não<br />
satisfaz; serviria para diferençar prosa de verso, pois<br />
pode haver poesia na prosa, como também haverá verso<br />
sem poesia. (...)<br />
Tradicionalmente, podemos dizer:<br />
– A poesia é a linguagem de conteúdo lírico ou emotivo,<br />
escrita em verso (o que geralmente ocorre) ou em<br />
prosa (Conferir: TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 4.<br />
ed. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1969: 172).<br />
A poesia pode exprimir idéias poéticas em sua forma<br />
e fi losófi cas no conteúdo.” (SOURIAU, op. cit.: 59).<br />
A poesia se relaciona com a retórica: é linguagem que<br />
faz uso abun<strong>da</strong>nte de fi guras de linguagem e linguagem<br />
que visa a ser poderosamente persuasiva (Conferir:<br />
CULLER, Jonathan. Teoria Literária. Tradução de Sandra<br />
Vasconcelos. 1. ed. São Paulo: Beca, 1999: 72).<br />
23
24<br />
Poesia Lírica: A palavra “lírica” deriva do grego<br />
lyrikós (λψρικóσ), que signifi ca algo que concerne à<br />
lira, ou o som proveniente <strong>da</strong> lira, instrumento musical<br />
primitivo, com quatro cor<strong>da</strong>s.<br />
Irmã gêmea <strong>da</strong> epopéia por suas origens, a poesia<br />
lírica nasce do velho fundo de hinos religiosos, assim<br />
como <strong>da</strong> tradição popular. Na Antigui<strong>da</strong>de, a poesia<br />
canta<strong>da</strong> era associa<strong>da</strong> aos principais atos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>: cantigas<br />
de ninar, lamentos de pesar pela morte de alguém,<br />
cantos de pastores e hinos de vitória ou de adoração,<br />
himeneus e cantigas de amor, manifestações coletivas<br />
ou isola<strong>da</strong>s de alegria ou de tristeza, enfi m, to<strong>da</strong>s as<br />
nuanças <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> constituíram a matéria que deu origem<br />
ao lirismo na Grécia. Sobre os ricos instrumentos<br />
musicais como a cítara e a lira, os aedos executavam<br />
os seus versos. Durante dois séculos este lirismo será<br />
o veículo favorito do espírito grego, entre a epopéia,<br />
sempre venera<strong>da</strong>, fonte profun<strong>da</strong> de onde deriva to<strong>da</strong><br />
a poesia, e o drama nascente. A lírica está associa<strong>da</strong><br />
à livre imaginação, onde a emoção supera o pensamento,<br />
<strong>da</strong>í o gênero ser essencialmente polimorfo.<br />
Destacamos, nesta época, duas inspirações claramente<br />
distintas: uma pessoal, onde o poeta faz expressamente<br />
de si mesmo, de seus sentimentos e de suas idéias, a<br />
matéria de seus cantos, e outra geral, impessoal, na medi<strong>da</strong><br />
em que o poeta fala em nome de todos, <strong>da</strong>ndo uma<br />
voz comum à alma <strong>da</strong> multidão (Conferir: ARAGÃO,<br />
Maria Lúcia. Gêneros Literários. In.: SAMUEL, Rogel<br />
(Org.). Manual de Teoria Literária. 6. ed. Petrópolis:<br />
Vozes, 1992:73).<br />
Vocabulário<br />
Aedos – na Grécia Antiga, cantores que apresentavam<br />
suas composições religiosas ou épicas, acompanhandose<br />
ao som <strong>da</strong> cítara; aquele que canta; cantor.<br />
Drama – na Antigui<strong>da</strong>de greco-romana, poema<br />
trágico ou poema cômico em versos, escrito para ser<br />
apresentado em um palco. Posteriormente, texto em<br />
versos ou em prosa, especialmente escrito para ser<br />
encenado, ou a encenação de um texto.<br />
Epopéia – poema épico; Poema narrativo em versos.<br />
Himeneus – cantigas para enlace matrimonial; casamento;<br />
bo<strong>da</strong>s; festa de núpcias.<br />
Polimorfo – que possui diferentes formas.<br />
Veículo – qualquer meio usual para transportar ou<br />
conduzir pessoas, animais ou coisas, de um lugar<br />
para outro.<br />
Poesia Lírica: A lírica sobreviveu no nosso século<br />
[século XX] como força de resistência, manifestação<br />
humana, com a qual nossa época reage contra<br />
a dominação instrumental e funcional. Neste nosso<br />
mundo eletrônico, a poesia aparece como um reduto,<br />
um gueto <strong>da</strong> emoção humana contra este horizonte<br />
armado, metalizado, onde a poesia lírica acontece como<br />
subjetivi<strong>da</strong>de rebelde, enternecendo os duros corações.<br />
Como nos versos de Cecília Meireles:<br />
Eu tinha um cavalo de asas,<br />
que morreu sem ter pascigo.<br />
E em labirintos se movem<br />
os fantasmas que persigo.<br />
Falando de si o poeta lírico fala de nós mesmos, nos<br />
seus ritmos e imagens. Não conta nossa história, mas<br />
recor<strong>da</strong> nossas emoções do passado, a difi cul<strong>da</strong>de<br />
solitária do vazio presente. O lírico é sempre um solitário,<br />
como todos nós somos no mundo individualista.<br />
O lírico faz a subjetivi<strong>da</strong>de rebelde amante, contra<br />
a insipidez do tempo presente, mas sem grito. Sua<br />
disposição resta em não perturbar a subjetivi<strong>da</strong>de<br />
do silêncio de onde vem sua melodiosa voz. O lírico<br />
não revoluciona. A lógica e a coerência não se querem<br />
líricas (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de<br />
Teoria Literária. 1.ed. Petrópolis: Vozes, 2002: 43).<br />
Vocabulário<br />
Disposição – distribuição; arranjo.<br />
Insipidez – que não tem gosto; sem sabor; desprovido<br />
de interesse, de atrativo; sem graça.<br />
Poyesis – POIÉSIS (HISTÓRICO): para os gregos<br />
antigos, a poiésis não era produção de algo a partir<br />
do na<strong>da</strong> (o que era desconhecido para eles), mas uma<br />
transformação de algo em alguma coisa, que assume<br />
uma forma, um aspecto novo, como uma pedra transforma-se<br />
em estátua.<br />
A Poesia Lírica do Século XX<br />
A PEDRA, Gilberto Mendonça Teles<br />
No princípio e no fi m, no vão do meio,<br />
uma pedra nomeia o meu caminho:<br />
dormi como uma pedra ou alguém veio<br />
deixar os meus lençóis em desalinho?<br />
Quem foi que andou pisando a minha vi<strong>da</strong><br />
e me deixou assim meio de fora,<br />
oscilando em mim mesmo, na medi<strong>da</strong><br />
em que nomeio o amor, aqui e agora?<br />
No princípio era a pedra e seu instante<br />
de existência sem nome, reali<strong>da</strong>de<br />
carente de sintaxe e vacilante<br />
no seu jeito de ser pela metade.<br />
No meio, além <strong>da</strong> pedra, a poesia<br />
dessas coisas sem forma, na ante-sala,<br />
onde nomeio a musa que existia<br />
no chão do nome e no colchão <strong>da</strong> fala.<br />
No fi m, tudo é princípio e o meio é meio<br />
de alguém cavar no pó do pergaminho
um sentido fi nal, talvez um veio<br />
na pedra que nomeia o meu caminho.<br />
(Conferir: TELES, Gilberto Mendonça. Hora Aberta. Rio de<br />
Janeiro: José Olympio, 1986: 100)<br />
SOBRE A POESIA DE GILBERTO MENDONÇA<br />
TELES:<br />
Quem foi que andou pisando a minha vi<strong>da</strong><br />
e me deixou assim meio de fora,<br />
oscilando em mim mesmo, na medi<strong>da</strong><br />
em que nomeio o amor, aqui e agora.<br />
Este questionamento do poeta Gilberto Mendonça<br />
Teles refl ete a problemática existencial dos líricos do<br />
século XX. Um outro respeitado poeta deste século,<br />
Carlos Drummond de Andrade, preocupou-se também<br />
com o problema. Em uma refl exão poética, no Poema<br />
<strong>da</strong>s sete faces, poema de abertura do livro Alguma<br />
Poesia, ele se nomeia o próprio agente <strong>da</strong> enunciação:<br />
Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na<br />
sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vi<strong>da</strong>.<br />
Consequentemente, os anjos tortos (seres de um<br />
plano insólito, plano este que, no âmbito <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>,<br />
se caracteriza como privilégio exclusivo dos escritores<br />
atuais, sejam eles fi ccionistas ou poetas) fazem parte<br />
desse espaço recôndito (espaço livre, de tempo ou de<br />
lugar), acessível somente aos marcados pelo estigma<br />
<strong>da</strong> marginali<strong>da</strong>de. É bom lembrar que marginali<strong>da</strong>de,<br />
aqui, não se refere à Poesia marginal, enquanto marca<br />
registra<strong>da</strong> de um determinado fazer poético. Assim,<br />
Recomen<strong>da</strong>mos aos alunos de Teoria <strong>da</strong> Literatura <strong>III</strong> a leitura do texto de<br />
Neuza Machado “Para o entendimento <strong>da</strong> Poesia Lírica do Século XX: Os<br />
Instantes Metafísicos do Tempo de Poesia de Edison Moreira”. In: Teoria <strong>da</strong><br />
Literatura II. INSTRUCIONAL DA COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A<br />
DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO. Rio de Janeiro:<br />
UCB, 2007: 54-57.<br />
1.2 - Arte Poética<br />
Definições de Arte<br />
É a dialética <strong>da</strong> instauração, ou, com mais precisão<br />
e numa linguagem mais técnica: é a dialética <strong>da</strong> promoção<br />
anafórica. A promoção anafórica, isto é, todo<br />
o processo ordenado por uma marcha progressiva<br />
rumo à existência plena do ser, qualquer que seja,<br />
cuja existência ultima<strong>da</strong> constitui o termo do processo<br />
(SOURIAU, op. cit.: 49-50)<br />
A arte é um conjunto de trabalhos que, numa <strong>da</strong><strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de, visa satisfazer-lhe as necessi<strong>da</strong>des estéticas<br />
(ponto de vista <strong>da</strong> psicologia positiva) (IDEM: 90).<br />
se na<strong>da</strong> no poema induz a pensar em um alguém específi<br />
co, que tivesse deixado o sujeito poético meio<br />
oscilante, a Semiologia do Texto Poético, atualmente,<br />
já permite uma explicação intertextual, apoia<strong>da</strong> nas<br />
escrituras de outros poetas, em que o analista busca no<br />
imaginário popular os mitos que estruturam o viver cotidiano<br />
<strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de, carente de um sentido mágico<br />
que a faça sobreviver.<br />
E eis que, neste século XX, ca<strong>da</strong> poeta intui o enredo<br />
amorfo que circun<strong>da</strong> sua esfera conceptual. Ca<strong>da</strong> poeta,<br />
de acordo com sua própria sensibili<strong>da</strong>de, procura<br />
<strong>da</strong>r forma à Poesia que o faz oscilar entre esses dois<br />
espaços. Seria extrapolar limites estéticos, ou mesmo<br />
semiológicos, imaginar que o anjo torto, de Carlos<br />
Drummond de Andrade, seja a própria personifi cação<br />
<strong>da</strong> Poesia, como também o alguém deste poema de<br />
Gilberto Mendonça Teles? Evidentemente, não se trata<br />
de qualquer poesia; aqui se ressalta a Poesia que se<br />
integra em um espaço extra-razão, no qual os conceitos<br />
não podem reinar. A palavra torto, por exemplo, não<br />
possui uma conotação pejorativa no universo poético.<br />
Por este prisma, seria assim inconcebível pensar que<br />
o alguém, que tanto desconcerta o sujeito poético,<br />
deixando os seus lençóis em desalinho, seja a mesma<br />
Poesia que veio/vem, através dos séculos, na cala<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> noite, nas horas mortas, nos momentos de euforia<br />
ou de desilusão, nos sonhos, incomo<strong>da</strong>r a existência<br />
desses seres assinalados, concebidos para vislumbrar<br />
além de suas fronteiras? (Conferir: MACHADO,<br />
Neuza. Criação Poética: Tema e Refl exão (Sobre a<br />
Obra Poética de Gilberto Mendonça Teles). 1. ed. Rio<br />
de Janeiro: NMachado, 2005: 19-20).<br />
A arte é o espírito humano em sua ativi<strong>da</strong>de mais<br />
imediatamente espontânea e criadora (IBIDEM: 54).<br />
O termo “arte”, pela sua abrangência, cobrindo<br />
originariamente todos os tipos de produção <strong>da</strong> linguagem<br />
escrita, é um termo cujas dimensões semânticas<br />
oferecem distinções que devem ser acentua<strong>da</strong>s. A<br />
palavra em português provém do latim ars, mas esta<br />
é uma forma sincopa<strong>da</strong> do grego areté, no sentido de<br />
“virtude”, “coragem” e, sobretudo, “talento”, equivalendo<br />
neste aspecto ao termo téchne que possuía uma<br />
vasta rede de signifi cados, aplicando-se a todos os<br />
trabalhos em que havia regras a obedecer, como a<br />
25
26<br />
gramática, a poética, a retórica, a lógica, a dialética,<br />
além <strong>da</strong>s artes propriamente ditas, como a pintura, a<br />
música, a escultura, a arquitetura e as diferentes formas<br />
literárias. Dessa plurali<strong>da</strong>de de denominações saem<br />
os dois termos que, ain<strong>da</strong> hoje, representam os dois<br />
principais núcleos sêmicos do semema arte: artífi ce,<br />
o que exerce uma arte mecânica; artista, o que exerce<br />
uma arte liberal, expressões que no fundo apontam para<br />
uma antiga classifi cação <strong>da</strong>s artes e explica o sentido<br />
que a palavra arte possuía na I<strong>da</strong>de Média:o de “arte<br />
científi ca” ou de “ciência artística (Conferir: TELES,<br />
Gilberto Mendonça. Retórica do Silêncio: Teoria e<br />
Prática do Texto Literário. 2.ed. Rio de Janeiro: José<br />
Olympio, 1989: 57).<br />
A partir do instante em que o pensamento ocidental<br />
fez a sua opção declara<strong>da</strong>mente científi ca, as outras<br />
formas de conhecimento, apreensão ou manifestação<br />
do real, foram sendo progressivamente desvaloriza<strong>da</strong>s.<br />
Compreende-se: uma história escrita à imagem<br />
e semelhança dos modelos científi cos guar<strong>da</strong>, no seu<br />
incontido unidimensionalismo, uma profun<strong>da</strong> indiferença<br />
para com as demais fi guras de ver<strong>da</strong>de. Todo<br />
o empenho dessa civilização cientifi cizante se foi<br />
concentrando na tarefa de desenvolver e aperfeiçoar<br />
uma técnica – a técnica <strong>da</strong> transformação do mundo.<br />
E de tal modo esse programa se impôs, que a nova<br />
bíblia decorrente chegou a considerar irreal tudo o<br />
que não fosse passível de transformação. A Arte, imediatamente,<br />
passou a ser a pátria <strong>da</strong> irreali<strong>da</strong>de. Mas<br />
enquanto perdurou e perdura o homem, ela sobreviveu<br />
e sobrevive. Através de uma vi<strong>da</strong> constantemente<br />
ameaça<strong>da</strong>, mas sobrevive. Porque seu lugar na estruturação<br />
<strong>da</strong> existência humana não é um lugar supletivo<br />
ou acidental. A arte é a dimensão fun<strong>da</strong>dora do homem.<br />
Restará sempre, para além <strong>da</strong> morte do poema, a dimensão<br />
poética <strong>da</strong> existência (Conferir: PORTELLA,<br />
Eduardo. Fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> Investigação Literária. Rio<br />
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981: 29-30).<br />
Enquanto a ciência é, to<strong>da</strong> ela, uma redução à homogenei<strong>da</strong>de,<br />
a obra de arte [obra de arte literária] se<br />
oferece como um conjunto heterogêneo. Mas heterogêneo<br />
precisamente pela força de atuação <strong>da</strong> linguagem;<br />
cujo desempenho fun<strong>da</strong>mental consiste em promover<br />
permanentemente a abertura do sistema sígnico. E<br />
assim a crítica literária deve preservar a heterogenei<strong>da</strong>de<br />
para implicitar ou explicitar a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra.<br />
Deve crescer por dentro. O que somente será possível<br />
mediante a restauração <strong>da</strong> marca original do literário.<br />
O literário não é apenas discurso, porque dá origem ao<br />
discurso. Não fala; faz falar. É o pré-texto instaurando<br />
o entretexto (IDEM: 69).<br />
Arte e Literatura: A <strong>literatura</strong> faz parte do produto<br />
geral do trabalho humano, isto é, <strong>da</strong> cultura. A cultura<br />
de um povo são suas realizações, em diversos sentidos,<br />
como as ciências e as arte. É um conjunto socialmente<br />
her<strong>da</strong>do, que de certo modo determina a vi<strong>da</strong> dos<br />
indivíduos (SAMUEL, Rogel. Arte e Socie<strong>da</strong>de. In:<br />
SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária.<br />
6. ed. Petrópolis: Vozes, 1992: 7).<br />
Arte e Literatura: Em que consiste materialmente a<br />
obra e de que recursos lança mão o artista para produzir<br />
uma obra de arte literária?<br />
Literatura é a arte <strong>da</strong> palavra. Portanto, necessário se<br />
torna que se empreen<strong>da</strong> um aprofun<strong>da</strong>mento, no que<br />
respeita ao que seja palavra. Uma palavra, em sua<br />
constituição explícita, é composta de sons, uni<strong>da</strong>de<br />
mínimas que se denominam fonemas. O domínio<br />
desse aspecto por quem começa a aprender uma língua<br />
estrangeira já se afi gura como uma conquista. Torna-se<br />
claro, entretanto, que o signifi cado se torna indissociável<br />
<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de sonora. Os signos lingüísticos, que<br />
têm vali<strong>da</strong>de relativa se empregados isola<strong>da</strong>mente, inter-relacionam-se,<br />
compondo-se em uni<strong>da</strong>des sintáticas<br />
que adquirem um sentido mais amplo. Os primeiros<br />
signifi cados <strong>da</strong>s palavras se apreendem no seio familiar,<br />
e se imbuem de grande força emocional.<br />
Dos pontos de vista fonéticos, morfológico e<br />
semântico têm-se os materiais <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> palavra que<br />
constituem a base (estática) sobre a qual se estruturam as<br />
composições do discurso. Este, entretanto, possui como<br />
característica inalienável o dinamismo do processo<br />
de estruturação lingüística. A língua se apresenta com<br />
acentos e intervalos próprios na construção de palavras,<br />
e com o ritmo <strong>da</strong>s palavras nas frases, registrando-se<br />
a maneira por que essas “funcionam ou são usa<strong>da</strong>s<br />
em relação ao assunto (Nota n.º 12 de Telênia Hill:<br />
ALDRICH, Virgil C. Filosofi a <strong>da</strong> arte. Rio de Janeiro:<br />
Zahar, 1976: 102).<br />
Apreendi<strong>da</strong> no ponto de vista fonológico, a emissão<br />
de uma palavra, em seu sentido usual, se assemelha<br />
“ao som de uma nota no teclado <strong>da</strong> imaginação”,<br />
apresentando um efeito harmonioso ou dissonante<br />
(IDEM: 102).<br />
Do ponto de vista <strong>da</strong> estruturação <strong>da</strong> língua, a palavra,<br />
depois de reconhecer-se como uni<strong>da</strong>de isola<strong>da</strong>, passa<br />
a relacionar-se sintaticamente. O signifi cado <strong>da</strong> ação<br />
lingüística resulta do inter-relacionamento dos signifi -<br />
cados <strong>da</strong>s demais palavras, permitindo um sentido mais<br />
amplo, que se depreenderá de um organismo que se<br />
formou. Neste estágio, a palavra se desconhece em sua<br />
independência, passando a ter uma função específi ca.<br />
Ultrapassa-se a materiali<strong>da</strong>de do vocábulo e ingressase<br />
num estágio de abstração. E aí já se pode começar a<br />
falar em arte literária, que busca seus sons fun<strong>da</strong>mentais<br />
na própria arte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (Conferir: HILL, Telênia. As<br />
manifestações artísticas. In: SAMUEL, Rogel (Org.).<br />
Manual de Teoria Literária. 6. ed. Petrópolis: Vozes,<br />
1992: 26-27).
Vocabulário<br />
Abstração – ato ou efeito de abstrair-se. Operação<br />
intelectual (termo, idéia, concepção como objeto de<br />
refl exão).<br />
Base estática – apoio estático; base ou apoio sem<br />
movimento (parado, imóvel).<br />
Composições – organizações; modos pelos quais os<br />
elementos constituintes do todo se dispõem e integram.<br />
Dinamismo – conjunto <strong>da</strong>s forças que movem e animam<br />
o ser (dinamismo vital). Característica <strong>da</strong>quele ou<br />
<strong>da</strong>quilo que é enérgico, ativo; energia; vitali<strong>da</strong>de.<br />
Discurso – texto em que se trata com profundi<strong>da</strong>de algum<br />
assunto; pensamento discursivo. Para os lingüistas,<br />
a palavra discurso é sinônimo de fala.<br />
Estruturação – ato, processo ou efeito de estruturar,<br />
de <strong>da</strong>r ou adquirir estrutura (estrutura = organização, disposição<br />
e ordem dos elementos essenciais que compõem<br />
um corpo (concreto ou abstrato).<br />
Fonético – que diz respeito aos sons <strong>da</strong> fala; que representa<br />
os fonemas ou sílabas de uma língua (alfabeto ou<br />
sistema de escrita); relativo ao som, à palavra.<br />
Inalienável – que não pode ser vendido ou cedido.<br />
Não alienável.<br />
Indissociável – inseparável.<br />
Língua – o sistema abstrato de signos inter-relacionados,<br />
de natureza social e psíquica, obrigatório para todos<br />
os membros de uma comuni<strong>da</strong>de lingüística (Ferdinand<br />
de Saussure).<br />
Lingüística – ciência que tem por objeto a linguagem<br />
humana em seus aspectos fonético, morfológico,<br />
sintático, semântico, social e psicológico. As línguas<br />
considera<strong>da</strong>s como estrutura. Origem, desenvolvimento e<br />
evolução <strong>da</strong>s línguas. As divisões <strong>da</strong>s línguas em grupos,<br />
por tipo de estrutura ou famílias, consoante o critério<br />
seja tipológico ou genético.<br />
Materiali<strong>da</strong>de – caráter. Quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que é<br />
material. Tendência para valorizar somente aquilo que<br />
é material.<br />
Morfológico – relativo à morfologia (morfologia =<br />
estudo <strong>da</strong> forma, <strong>da</strong> confi guração, <strong>da</strong> aparência externa<br />
<strong>da</strong> matéria).<br />
Organismo – forma individual de vi<strong>da</strong>.<br />
Processo – ação continua<strong>da</strong>; realização contínua e<br />
prolonga<strong>da</strong> de alguma ativi<strong>da</strong>de; seguimento; curso;<br />
decurso.<br />
Semântico – relativo a semântica (semântica = ramo<br />
<strong>da</strong> Lingüística que se ocupa do estudo <strong>da</strong> signifi cação<br />
como parte dos sistemas <strong>da</strong>s línguas naturais; pode ser<br />
abor<strong>da</strong>do sincrônica ou diacronicamente. Em um sistema<br />
lingüístico, o componente do sentido <strong>da</strong>s palavras e <strong>da</strong><br />
interpretação <strong>da</strong>s sentenças e dos enunciados.<br />
A arte abala, cria um clima de tensão, transfere e liberta,<br />
ou promete libertar. A arte cria uma tensão para provocar<br />
a libertação. Ao libertar a tensão, libera a liber<strong>da</strong>de. A<br />
liber<strong>da</strong>de é o fi m de to<strong>da</strong> a tensão, mas só é consegui<strong>da</strong><br />
depois <strong>da</strong> tensão de uma crise – a liber<strong>da</strong>de é catártica,<br />
consegui<strong>da</strong> após o extremo.<br />
Quando a <strong>literatura</strong> faz a mimese <strong>da</strong> ação humana,<br />
intensifi cando a percepção, distorcendo a reali<strong>da</strong>de,<br />
pressiona o discurso com suas promessas de liber<strong>da</strong>de.<br />
O potencial próprio <strong>da</strong> arte reside nisso: a não-identifi -<br />
cação com a reali<strong>da</strong>de cria um impasse, cuja solução é<br />
a catarse, que é conseqüência <strong>da</strong> mimese. Fica fora do<br />
repertório <strong>da</strong>s expectativas, ela recorre ao inesperado<br />
(SAMUEL, op. cit.: 12).<br />
A <strong>literatura</strong> especializa um discurso (uso <strong>da</strong> língua). A<br />
arte provoca e mobiliza, com sua visão, com sua negação,<br />
com sua recusa, a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que se situa fora<br />
do mundo. A imaginação do mundo ideal problematiza<br />
a reali<strong>da</strong>de do mundo real, o que não quer dizer que os<br />
artistas assumam uma postura idealista (que é a tendência<br />
de reduzir a reali<strong>da</strong>de a um determinado pensamento).<br />
A arte moderna, ao todo, apresenta nova maneira de ver<br />
a reali<strong>da</strong>de e, portanto, critica a reali<strong>da</strong>de.<br />
Quando se diz que a <strong>literatura</strong> imagina, diz-se que ela<br />
produz imagens, manifestações sensíveis <strong>da</strong>s idéias <strong>da</strong>s<br />
coisas, visibili<strong>da</strong>de mental. “Havia uma pedra no meio do<br />
caminho” – uma imagem, mesmo se no meio do caminho<br />
houver realmente uma pedra. Esta visão de imagens – não<br />
só de objetos, mas de atmosferas, de sentimentos – é dita<br />
fi ccional.<br />
A obra de arte é um sistema complexo. Não é o resultado<br />
<strong>da</strong> experiência individual, mas social. Um único<br />
indivíduo não pode <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. O poeta<br />
consegue ser o porta-voz <strong>da</strong> sua classe, ou do futuro.<br />
A <strong>literatura</strong> potencializa uma causa de experiências<br />
do leitor. Inúmeras possibili<strong>da</strong>des de leituras a obra<br />
literária oferece, e em ca<strong>da</strong> uma delas o leitor tem uma<br />
experiência nova, em ca<strong>da</strong> leitura o leitor toca o coração<br />
<strong>da</strong> matéria estética (IDEM: 13-14).<br />
Poesia signifi ca arte literária e coloca o romance e<br />
o teatro no seu âmbito. Poesia: arte dos conteúdos <strong>da</strong><br />
imaginação literária. A arte não pode ser enclausura<strong>da</strong><br />
num conceito do tipo “arte é isto”. A arte escapa dos<br />
conceitos, convive com incertezas, com seu não-saber,<br />
não acredita em ver<strong>da</strong>des acaba<strong>da</strong>s. To<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de é<br />
totalitária (IBIDEM: 14).<br />
Vocabulário<br />
Anafórica – que encerra anáfora; repetição de uma<br />
palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais<br />
frases sucessivas, para enfatizar o termo repetido.<br />
Dialética – conflito originado pela contradição<br />
entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos;<br />
oposição entre princípios teóricos ou fenômenos<br />
empíricos [empíricos = baseados na experiência ou<br />
na observação].<br />
27
28<br />
Dimensão – extensão mensurável (em todos os<br />
sentidos) que determina a porção de espaço ocupado<br />
por um corpo; tamanho; proporção.<br />
Entretexto – que se localiza entre (dois textos,<br />
duas idéias; enclave; encaixe).<br />
Heterogêneo – que possui natureza desigual;<br />
constituídos por elementos variados (mistura);<br />
composto de partes ou elementos de diferentes<br />
naturezas.<br />
Homogenei<strong>da</strong>de – quali<strong>da</strong>de, característica, proprie<strong>da</strong>de<br />
do que é homogêneo (= que possui igual<br />
natureza e/ou apresenta semelhança de estrutura,<br />
função, distribuição, etc. em relação a (qualquer<br />
coisa em comparação com outra).<br />
1.3 – Para o Entendimento do Termo Catársis (Catarse)<br />
(Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de. A Natureza<br />
do Fenômeno Literário. In: SAMUEL, Rogel<br />
CATÁRSIS = PURIFICAÇÃO<br />
IDADE ANTIGA<br />
Aristóteles (Poética), ao defi nir a tragédia, alude aos<br />
efeitos que ela produz nos espectadores.<br />
A tragédia é uma imitação <strong>da</strong> ação, eleva<strong>da</strong> e<br />
completa, dota<strong>da</strong> de extensão, numa linguagem tempera<strong>da</strong>,<br />
com formas diferentes em ca<strong>da</strong> parte, atuando<br />
os personagens e não mediante narração, e que, por<br />
meio <strong>da</strong> compaixão e do temor, provoca a purifi cação<br />
de tais paixões (op. cit.: 59).<br />
CATÁRSIS – RELACIONADA COM A MIMÉSIS<br />
– OCORRE NO LEITOR<br />
CATÁRSIS<br />
FORA DO LITERÁRIO (se dá no leitor)<br />
Instauração – ato ou efeito de instaurar; processo<br />
ou resultado de criar algo; fun<strong>da</strong>ção; construção;<br />
organização; abertura; instalação.<br />
Pré-texto – que antecede a um texto; que precede<br />
o texto propriamente dito (diz-se de elemento de<br />
uma publicação (folha de rosto, dedicatória, epígrafe,<br />
sumário etc.).<br />
Sistema sígnico – conjunto de sinais / signos<br />
(indício, marca, símbolo).<br />
Supletivo – que completa ou serve de suplemento<br />
(= o que serve para suprir alguma falta).<br />
Unidimensionalismo (unidimensional) – que tem<br />
apenas uma dimensão ou que é considerado sob<br />
uma única dimensão.<br />
(Org.). Manual de Teoria Literária. 6. ed. Petrópolis:<br />
Vozes, 1992: 30-61)<br />
CATÁRSIS – como o efeito se dá no leitor [na<br />
tragédia, no espectador], tende-se a encaminhar o<br />
seu entendimento por esse referente [o leitor]. Ora,<br />
para que produza algum efeito, a catársis deve necessariamente<br />
fazer parte do fenômeno literário e como<br />
tal deve ser pensa<strong>da</strong> (op. cit.: 59).<br />
CATÁRSIS: faz parte do FENÔMENO LITERÁRIO<br />
e como tal deve ser pensa<strong>da</strong>. Normalmente, tal não<br />
acontece (op. cit.: 59).<br />
ATENÇÃO: Para a compreensão <strong>da</strong> catársis, deve-se<br />
evitar valores moralistas.<br />
DENTRO DO LITERÁRIO (o literário produz algo no leitor)<br />
CATÁRSIS / RENASCIMENTO (ATENÇÃO: POSIÇÃO ERRADA)
CATÁRSIS<br />
CATÁRSIS<br />
MORALISTA<br />
(TRAGÉDIA: purifi cação, mera lição de moral)<br />
RACIONALISTA<br />
• opera a clarifi cação racional <strong>da</strong>s paixões leva<strong>da</strong> a cabo pela poesia trágica;<br />
• o espectador, vendo o que se passa no palco, racionaliza sua sujeição<br />
às mesmas desventuras, preparando o espírito em conformi<strong>da</strong>de com<br />
semelhantes coisas.<br />
• conduziria o homem ao equilíbrio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ilumina<strong>da</strong> pela razão<br />
(ILUMINISMO)<br />
TRAGÉDIA (Renascimento) – DICOTOMIA (ATENÇÃO: POSIÇÃO ERRADA)<br />
TRAGÉDIA<br />
CATÁRSIS<br />
– Termo técnico usado pela medicina do tempo de<br />
Aristóteles, signifi cando purgação;<br />
CATÁRSIS<br />
ATENÇÃO: POSIÇÃO ATUAL<br />
Centraliza<strong>da</strong> no espectador: purifi cação, alívio (identifi cação)<br />
Fora do espectador: purifi cação, alívio (não-identifi cação)<br />
– Na linguagem religiosa, no tempo de Aristóteles,<br />
signifi cava expiação, purifi cação;<br />
– Com o passar do tempo, houve entrelaçamento semântico.<br />
Ex.: purgar os pecados (PURGATÓRIO)<br />
Não pode ser conceitua<strong>da</strong> apenas pela ótica do leitor, pois ela faz parte <strong>da</strong> natureza<br />
do fenômeno literário, estando intimamente liga<strong>da</strong> à mimésis na manifestação <strong>da</strong><br />
poiésis (Cf.: Manual de Teoria Literária: 61).<br />
29
30<br />
1.4 – Definições de Poética<br />
A poética, como explicação dos recursos e estratégias<br />
<strong>da</strong> <strong>literatura</strong>, não pode ser reduzi<strong>da</strong> a uma<br />
explicação <strong>da</strong>s fi guras retóricas, mas a poética poderia<br />
ser vista como parte de uma retórica expandi<strong>da</strong> que<br />
estu<strong>da</strong> os recursos para os atos lingüísticos de todos os<br />
tipos (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária.<br />
Tradução de Sandra Vasconcelos. 1. ed. São Paulo:<br />
Beca, 1999: 73).<br />
Vocabulário<br />
Estratégia – arte de coordenar a ação <strong>da</strong>s forças<br />
militares, políticas, econômicas e morais implica<strong>da</strong>s<br />
na condução de um confl ito ou na preparação <strong>da</strong> defesa<br />
de uma nação ou comuni<strong>da</strong>de de nações. Arte de<br />
aplicar com efi cácia os recursos de que se dispõe ou<br />
de explorar as condições favoráveis de que porventura<br />
se desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos.<br />
Ardil engenhoso. Estratagema. Subterfúgio.<br />
Figuras retóricas – representações (visuais ou<br />
auditivas) simbólicas de retórica.<br />
Recursos – aptidões naturais, dons, talentos.<br />
ARTE POÉTICA:<br />
Na Arte Poética o fi lósofo Aristóteles (384-322<br />
a.C.) trata <strong>da</strong> poesia e <strong>da</strong> imitação segundo os meios,<br />
objeto e modo de imitação. Ou seja, os gêneros. (...)<br />
Segundo o fi lósofo, nós temos uma instintiva tendência<br />
à imitação. É pela imitação que nós adquirimos<br />
nossos primeiros conhecimentos, e na imitação experimentamos<br />
prazer. O conhecimento constitui um<br />
“sabor”, isto é, um saber. Sentimos prazer em ver as<br />
imagens que reproduzem os homens e, quanto mais<br />
perfeita a execução, maior o prazer. Outra tendência<br />
natural está no gosto pelo ritmo e pela harmonia<br />
(SAMUEL, op. cit.: 41-42).<br />
É a fi cção ou a criação de uma supra-reali<strong>da</strong>de<br />
pela intuição do artista, mediante a palavra expressivamente<br />
estiliza<strong>da</strong> (Conferir: TAVARES, Hênio.<br />
Teoria Literária. 4. ed. Belo Horizonte: Bernardo<br />
Álvares, 1969: 38).<br />
A arte [poética] é o meio indispensável para a<br />
união do indivíduo com o todo; reflete a infinita<br />
capaci<strong>da</strong>de humana para a associação, para a circulação<br />
de experiências e idéias (Conferir: FISCHER,<br />
Ernst. A Necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Arte. Tradução de Leandro<br />
Konder. Rio de Janeiro: Zahar, 1966: 13).<br />
A obra de arte [poética] deve apoderar-se <strong>da</strong> platéia<br />
[ouvintes] não através <strong>da</strong> identifi cação passiva, mas<br />
através de um apelo à razão que requeira ação e decisão<br />
(IDEM: 15).<br />
A Função <strong>da</strong> Arte [poética]<br />
“A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse<br />
para quê...” Com este encantador e paradoxal epigrama,<br />
Jean Cocteau resumiu ao mesmo tempo a necessi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> arte e o seu discutível papel no derradeiro mundo<br />
burguês.<br />
O pintor Mondrian, por sua vez, falou do possível<br />
“desaparecimento” <strong>da</strong> arte. A reali<strong>da</strong>de, segundo ele<br />
acreditava, iria ca<strong>da</strong> vez mais deslocando a obra de<br />
arte, que essencialmente não passaria de uma compensação<br />
para o equilíbrio defi ciente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
atual. “A arte desaparecerá na medi<strong>da</strong> em que a vi<strong>da</strong><br />
adquirir equilíbrio”.<br />
A arte concebi<strong>da</strong> como “substituto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, a arte<br />
concebi<strong>da</strong> como o meio de colocar o homem em estado<br />
de equilíbrio com o meio circun<strong>da</strong>nte – trata-se de uma<br />
idéia que contém o reconhecimento parcial <strong>da</strong> natureza<br />
<strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> sua necessi<strong>da</strong>de. Desde que um permanente<br />
equilíbrio entre o homem e o mundo que o circun<strong>da</strong> não<br />
pode ser previsto nem para a mais desenvolvi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des, trata-se de uma idéia que sugere, também,<br />
que a arte não só é necessária, mas igualmente que a<br />
arte continuará sempre sendo necessária.<br />
No entanto, será a arte apenas um substituto? Não expressará<br />
ela também uma relação mais profun<strong>da</strong> entre<br />
o homem e o mundo? E, naturalmente, poderá a função<br />
<strong>da</strong> arte ser resumi<strong>da</strong> em uma única fórmula? Não<br />
satisfará ela diversas e varia<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des? E se,<br />
observando as origens <strong>da</strong> arte, chegarmos a conhecer<br />
a sua função inicial, não verifi caremos, também, que<br />
essa função inicial se modifi cou e que novas funções<br />
passaram a existir? (IBIDEM: 11-12).<br />
Vocabulário<br />
Epigrama – entre os antigos gregos, qualquer<br />
inscrição, em prosa ou verso, coloca<strong>da</strong> em monumento,<br />
estátuas, moe<strong>da</strong>s, etc., dedica<strong>da</strong> à lembrança de um<br />
evento memorável, uma vi<strong>da</strong> exemplar etc. Literatura:<br />
pequena composição em verso sobre qualquer assunto.<br />
Literatura: composição poética, breve e satírica, que<br />
expressa, de forma incisiva [incisiva = que corta; que<br />
é própria para cortar] um pensamento ou um conceito<br />
malicioso; sátira. Palavra mor<strong>da</strong>z; dito picante, sarcasmo,<br />
zombaria etc., introduzi<strong>da</strong> em uma composição em<br />
prosa ou em verso, em uma conversa, uma narrativa<br />
etc.; alusão crítica e acerba [acerba = aze<strong>da</strong>; áci<strong>da</strong>].<br />
Palavra estiliza<strong>da</strong> – palavra a que se deu forma<br />
estética diferente <strong>da</strong> original. Palavra representa<strong>da</strong><br />
por meio de símbolos. Palavra cujo traços estilísticos<br />
usuais foram modifi cados e aprimorados.
Paradoxal – que tem opinião contrária à comum.<br />
Aparente falta de lógica.<br />
No mundo alienado em que vivemos, a reali<strong>da</strong>de<br />
social precisa ser mostra<strong>da</strong> no seu mecanismo de<br />
aprisionamento posta sob uma luz que devasse a<br />
“alienação” do tema (...). A obra de arte [literária:<br />
dramática e poética] deve apoderar-se <strong>da</strong> platéia<br />
[ouvintes] não através <strong>da</strong> identifi cação passiva,<br />
mas através de um apelo à razão que requeira ação<br />
e decisão. As normas que fi xam as relações entre os<br />
homens hão de ser trata<strong>da</strong>s (...) como “temporárias e<br />
imperfeitas”, de maneira que o espectador [espectador<br />
e/ou leitor] seja levado a algo mais produtivo do que a<br />
mera observação, seja levado a pensar (...) e incitado<br />
a formular um julgamento (...)<br />
Podemos colocar a questão <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
to<strong>da</strong> arte é condiciona<strong>da</strong> pelo seu tempo e representa<br />
a humani<strong>da</strong>de em consonância com as idéias<br />
e aspirações, as necessi<strong>da</strong>des e as esperanças de<br />
uma situação histórica particular. Mas, ao mesmo<br />
tempo, a arte supera essa limitação e, de dentro do<br />
momento histórico, cria também um momento de<br />
humani<strong>da</strong>de que promete constância no desenvolvimento<br />
(IBIDEM: 15-17).<br />
1.5 - Arte Poética pelo Ponto de Vista de dois Poetas do<br />
Século XX: Manuel Bandeira e Cecília Meireles<br />
POÉTICA<br />
Estou farto do lirismo comedido<br />
Do lirismo bem comportado<br />
Do lirismo funcionário público com livro de ponto<br />
expediente protocolo e manifestações de [apreço ao<br />
senhor diretor<br />
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no<br />
dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo<br />
Abaixo os puristas<br />
To<strong>da</strong>s as palavras sobretudo os barbarismos universais<br />
To<strong>da</strong>s as construções sobretudo as sintaxes de exceção<br />
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis<br />
Estou farto do lirismo namorador<br />
MOTIVO<br />
Eu canto porque o instante existe<br />
e a minha vi<strong>da</strong> está completa.<br />
Não sou alegre nem sou triste:<br />
sou poeta.<br />
Irmão <strong>da</strong>s coisas fugidias,<br />
não sinto gozo nem tormento.<br />
Atravesso noites e dias<br />
no vento.<br />
Político<br />
Raquítico<br />
Sifi lítico<br />
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja<br />
fora de si mesmo.<br />
De resto não é lirismo<br />
Será contabili<strong>da</strong>de tabela de co-senos secretário do<br />
amante exemplar com cem modelos de cartas e<br />
[as diferentes maneiras de agra<strong>da</strong>r às mulheres etc.<br />
Quero antes o lirismo dos loucos<br />
O lirismo dos bêbados<br />
O lirismo difícil e pungente dos bêbados<br />
O lirismo dos clowns de Shakespeare<br />
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.<br />
(BANDEIRA, Manuel. Poética. In: Libertinagem.)<br />
Se desmorono ou se edifi co,<br />
se permaneço ou me desfaço,<br />
─ não sei, não sei. Não sei se fi co<br />
ou passo.<br />
Sei que canto. E a canção é tudo.<br />
Tem sangue eterno e asa ritma<strong>da</strong>.<br />
E um dia sei que estarei mudo:<br />
─ mais na<strong>da</strong>.<br />
(MEIRELES, Cecília. Motivo. In: Viagem.)<br />
31
32<br />
1.6 - Gênero Lírico: Fenômenos Estilísticos<br />
Fenômenos Estilísticos do Gênero Lírico<br />
• MUSICALIDADE / RITMO – O termo lírico<br />
originariamente liga-se a uma espécie de composição<br />
poética que os gregos cantavam ao som <strong>da</strong> lira.<br />
Grande parte do que hoje se denomina composição<br />
lírica era musica<strong>da</strong>, conforme ain<strong>da</strong> atesta a poesia<br />
trovadoresca medieval. Mesmo depois, quando se<br />
destinou apenas à leitura, conservou remanescente<br />
dos seus primórdios, bastando lembrar que uma <strong>da</strong>s<br />
características do Simbolismo era a aproximação <strong>da</strong><br />
música e <strong>da</strong> poesia. (...) Um dos fenômenos estilísticos<br />
mais típicos <strong>da</strong> composição lírica é a musicali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> linguagem, obti<strong>da</strong> através de uma elaboração<br />
especial do ritmo e dos meios sonoros <strong>da</strong> língua,<br />
a rima, a assonânica ou a aliteração. A urdidura <strong>da</strong><br />
cama<strong>da</strong> fônica propicia uma tendência geral para a<br />
identi<strong>da</strong>de entre o sentido <strong>da</strong>s palavras e sua sonori<strong>da</strong>de,<br />
que podemos constatar na “Canção do vento e<br />
<strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>” de Manuel Bandeira: O vento varria<br />
as folhas, / O vento varria os frutos, / O vento varria<br />
as fl ores... / E a minha vi<strong>da</strong> fi cava / Ca<strong>da</strong> vez mais<br />
cheia / De frutos, de fl ores, de folhas. A insistência dos<br />
fonemas fricativos /v/ e /f/ induz a uma aproximação<br />
do som dos versos ao sentido de voragem do vento<br />
varrendo as coisas num ímpeto destruidor. O signifi -<br />
cado metafórico do vento na imagem <strong>da</strong> devastação<br />
desencadea<strong>da</strong> pelo tempo, amplia-se na recorrência<br />
aliterativa dos fonemaa congêneres.<br />
Diversa é a impressão do vento na Cantiga outonal<br />
de Cecília Meireles: Outono. As árvores pensando... /<br />
Tristezas mórbi<strong>da</strong>s no mar... / O vento passa, brando...<br />
brando... / E sinto medo, susto, quando / Escuto o<br />
vento assim passar... O acúmulo do fonema fricativo<br />
sibilante /s/ imprime aos versos, graças à sua fl uidez,<br />
a suavi<strong>da</strong>de de um vento brando, na melancolia <strong>da</strong><br />
paisagem outonal que a rede de fonemas nasais<br />
sombreia. A sensação difere do outro poema, onde os<br />
fonemas labiais são as próprias chicota<strong>da</strong>s violentas<br />
do vento, que agora se faz apenas um sussurro de<br />
brisa (CUNHA, Helena P. Os Gêneros Literários. In:<br />
PORTELLA, Eduardo (Org.). Teoria Literária. Rio de<br />
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976: 98-99).<br />
• REPETIÇÃO – Em correlação direta com a musicali<strong>da</strong>de<br />
surpreendemos a repetição, entre os traços<br />
estilísticos do poema lírico. (...) Entre os processos<br />
mais comuns <strong>da</strong> repetição, citamos o refrão que exemplifi<br />
caremos numa cantiga de amor de D. Dinis: Quanto<br />
me custa, Senhora, / tamanha dor suportar, / quando<br />
me ponho a lembrar / o que pensei desde a hora / em<br />
que formosa vos vi; / e todo este mal sofri / só por<br />
vos amar, senhora. // Desde o momento, senhora, /<br />
em que vos ouvi falar, / não tive senão pesar; / ca<strong>da</strong><br />
dia e ca<strong>da</strong> hora / mais tristezas conheci; / e todo este<br />
mal sofri / só por vos amar, senhora. // Devíeis ter dó,<br />
senhora, / do meu profundo pesar, / <strong>da</strong> minha mágoa<br />
sem par, / porque já sabeis agora / o muito que padeci;<br />
/ e todo este mal sofri / só por vos amar, senhora.”<br />
Todo o campo semântico <strong>da</strong> cantiga é uma repetição<br />
do refrão <strong>da</strong>s três estrofes, que se resume na equação<br />
amor = mal, defi nição <strong>da</strong> atitude trovadoresca medieval<br />
(IDEM: 101- 102).<br />
• DESVIO DA NORMA GRAMATICAL – A<br />
repetição, contrária ao uso lingüístico corrente, demonstra<br />
que a linguagem poética provoca um desvio <strong>da</strong> norma<br />
gramatical. Jean Cohen afi rma que a norma do discurso<br />
poético é a antinorma, e que o poeta busca intencionalmente<br />
o obscurecimento e o equívoco, levando a língua<br />
a perder a fi rmeza. A ambigüi<strong>da</strong>de, característica inerente<br />
a to<strong>da</strong> obra poética, decorre muitas vezes <strong>da</strong> violação<br />
<strong>da</strong> norma. O hipérbato, proveniente <strong>da</strong> inversão na<br />
ordem natural <strong>da</strong>s palavras, é uma <strong>da</strong>s infrações mais<br />
freqüentes, cometi<strong>da</strong> para satisfazer às exigências do<br />
ritmo, do metro ou <strong>da</strong> rima, em prejuízo <strong>da</strong> clareza.<br />
Estes versos de “O navio negreiro” de Castro Alves<br />
ilustram o caso: Era um sonho <strong>da</strong>ntesco... o tombadilho<br />
/ Que <strong>da</strong> luzernas avermelha o brilho, / Em sangue a se<br />
banhar. // Negras mulheres suspendendo às tetas / Magras<br />
crianças, cujas bocas pretas / Rega o sangue <strong>da</strong>s<br />
mães. A língua perde a consistência e faz as palavras<br />
deslizarem de uma classe a outra, assumindo posições<br />
inusita<strong>da</strong>s. Fernando Pessoa utiliza este recurso em<br />
várias passagens: Passou, fora de Quando, / De Porquê<br />
e de Passando... (IBIDEM:100-101).<br />
Ler: PORTELLA, Eduardo. Limites Ilimitados <strong>da</strong><br />
Teoria Literária. (In.: PORTELLA, Eduardo (Org.).<br />
Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,<br />
1976: 7-18): Na peculiar hermenêutica do professor<br />
Leodegário A. de Azevedo Filho, o trovador Pero<br />
Meogo emerge livre <strong>da</strong> lineari<strong>da</strong>de característica dos<br />
nossos estudos medievais. Sobretudo porque o analista<br />
soube ser sensível à peripécia metatextual do analisado.<br />
Colocou-o no centro de um vasto sistema, onde o poeta<br />
aparece como um hábil transgressor de códigos e como<br />
um efi ciente instaurador de símbolos.<br />
• ANTIDISCURSIVIDADE – Susanne Langer denomina<br />
discursivi<strong>da</strong>de a proprie<strong>da</strong>de de uma espécie<br />
de simbolismo, o verbal, segundo o qual as idéias<br />
se enfi leiram, como ocorre nas seqüências frasais.<br />
Existem coisas que não se a<strong>da</strong>ptam à lineari<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
forma gramatical discursiva, havendo outra espécie de<br />
simbolismo, o apresentativo, que funciona de modo<br />
simultâneo e integral. O poema pertence ao simbolismo<br />
apresentativo, porquanto sua signifi cação não é linear<br />
e sim globalizante. A poesia (...) sempre reagiu contra<br />
a sintaxe lógico-gramatical, tentando romper suas imposições.<br />
Desde o período do Simbolismo, os poetas<br />
se rebelaram abertamente contra os procedimentos
sintáticos, numa antecipação à revolução empreendi<strong>da</strong><br />
pelos Ismos dos movimentos vanguardistas, que<br />
fi zeram desta questão uma <strong>da</strong>s plataformas de suas<br />
reivindicações, em favor de uma <strong>literatura</strong> desatrela<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>s amarras tradicionais. A poética atual se empenha<br />
ca<strong>da</strong> vez mais em abolir o discursivo ao suprimir<br />
os elos conectivos sintáticos, chegando mesmo, em<br />
muitos casos, a eliminar a frase, conforme se verifi ca<br />
na Poesia Concreta. Cassiano Ricardo empregou este<br />
procedimento em várias composições, entre as quais<br />
Posições do corpo:<br />
Sob o azul<br />
sobre o azul<br />
subazul<br />
subsol<br />
subsolo<br />
O breve poema opera um desdobramento fonosemântico<br />
do sob e azul (metáfora de tera), na medi<strong>da</strong><br />
em que estes dois termos se diluem nas diversas<br />
variações e combinações. O conteúdo signifi cativo<br />
espacial <strong>da</strong> preposição sob ecoa no prefi xo -sub que<br />
compõe as três últimas palavras. As duas preposições<br />
antitéticas indicam as “posições do corpo”, abaixo <strong>da</strong><br />
terra (enterrado), em cima (na superfície) ou acima (na<br />
estratosfera), resumindo a parábola do homem no seu<br />
irrecorrível destino.<br />
Mesmo sem atingir tais extremos compositivos, as<br />
vivências anímicas rejeitam a rigidez <strong>da</strong>s construções<br />
sintáticas, e repelem o discursivo, que instala o distanciamento<br />
refl exivo, incompatível com a essência lírica<br />
(CUNHA, op. cit.: 103-104).<br />
• ALOGICIDADE – A alogici<strong>da</strong>de caracteriza a<br />
poesia lírica, numa inter-relação com os demais aspectos<br />
típicos, desde que a estrutura lógica do discurso<br />
expressa as formas <strong>da</strong> cogitação racional que não se<br />
concilia com a linguagem lírica. Naturalmente esta<br />
proprie<strong>da</strong>de diz respeito ao componente do imaginário<br />
que integra to<strong>da</strong> criação artística, entretanto, o poema<br />
lírico parece romper com mais veemência os estatutos<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de controla<strong>da</strong> pela razão. É o que verifi camos<br />
na defi nição do amor, através <strong>da</strong> série de oxímoros no<br />
soneto de Camões, numa <strong>da</strong>s mais belas manifestações<br />
do petrarquismo renascentista: Amor é fogo que arde<br />
sem se ver; / É feri<strong>da</strong> que dói e não se sente; / É um<br />
contentamento descontente; / É dor que desatina sem<br />
doer; // É um não querer mais em bem querer; / É<br />
solitário an<strong>da</strong>r por entre a gente; / É um não contentarse<br />
de contente; / É cui<strong>da</strong>r que se ganha em se perder<br />
(IDEM: 104).<br />
Oxímoro [fi gura que consiste em reunir palavras<br />
contraditórias] e paradoxo [contrário ao comum;<br />
contra-senso, absurdo]: Traços Estilísticos<br />
do Gênero Lírico.<br />
A lógica e a coerência não se querem líricas. A lírica<br />
reage à racionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lógica dos controladores, <strong>da</strong><br />
certeza imparcial, impessoal. À brutali<strong>da</strong>de econômico-militar,<br />
a lírica opõe a emanação de seu melodioso<br />
aceno de ternura e afetivi<strong>da</strong>de. Mas a emoção é solitária,<br />
isola<strong>da</strong> no clima de intimi<strong>da</strong>de e confi ssão <strong>da</strong>s<br />
frases soltas, <strong>da</strong>s palavras e sugestões imprecisas, mais<br />
música do que idéias. A poesia pode comunicar-se na<br />
sua musicali<strong>da</strong>de, mais senti<strong>da</strong> do que compreendi<strong>da</strong>,<br />
pois na música está o elemento signifi cativo essencial<br />
(Conferir.: SAMUEL, op. cit.: 43).<br />
• CONSTRUÇÃO PARATÁTICA – Nas composições<br />
mais líricas, predomina o uso <strong>da</strong> construção<br />
paratática (orações coordena<strong>da</strong>s) sobre a hipotática<br />
(orações subordina<strong>da</strong>s). (...) As orações independentes<br />
e as coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> parataxe correspondem<br />
melhor ao fl uxo <strong>da</strong> disposição afetiva. As orações<br />
valem por si, justapondo-se sem priori<strong>da</strong>de, como<br />
acontece na emoção lírica, em que fatos distantes no<br />
tempo e no espaço se aproximam e se fundem nas<br />
vivências <strong>da</strong> alma. Em Meus oito anos de Casimiro<br />
de Abreu, a recor<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> infância une o passado e<br />
presente num reviver repleto de ternura. As breves<br />
orações coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> estrofe que transcrevemos<br />
refl etem a justaposição dos fatos, arrastados pela torrente<br />
lírica: Naqueles tempos ditosos / Ia colher as<br />
pitangas, / Trepava a tirar as mangas, / Brincava à<br />
beira do mar; / Rezava às Ave-Marias, / Achava o céu<br />
sempre lindo, / Adormecia sorrindo, / E despertava<br />
a cantar! (CUNHA, op. cit.: 105-106).<br />
33
34<br />
1.7 – Formas do Gênero Lírico<br />
Pelo ponto de vista didático-literário, o qual busca<br />
sistematizar os Gêneros Literários, e de acordo com<br />
uma classifi cação teórico-cientifi cista, algumas formas<br />
poéticas poderão ser considera<strong>da</strong>s pertencentes ao<br />
Gênero Lírico. Enumeraremos algumas:<br />
• Elegia: Poema composto de versos hexâmetros<br />
[verso grego ou latino composto de seis pés, podendo<br />
os quatro primeiros ser dátilos (versos de uma sílaba<br />
longa e duas subseqüentes breves) ou espondeus (versos<br />
de duas sílabas longas), sendo o quinto dátilo e o<br />
sexto espondeu] e pentrâmetros [verso grego ou latino<br />
de cinco pés; versos alternados próprios para a poesia<br />
iâmbica (espécie de drama satírico em versos)]. Poema<br />
lírico de tom geral terno e triste. Canção de lamento.<br />
• Ode: Entre os antigos gregos, poema lírico destinado<br />
ao canto. Poesia de tom alegre e entusiástica.<br />
• Canção: Na I<strong>da</strong>de Média, poesia lírica de estilo<br />
elevado e refi nado ou satírica, canta<strong>da</strong> pelos trovadores.<br />
Composição descrita para musicar trecho literário,<br />
especialmente poemas, e destina<strong>da</strong> ao canto, com ou<br />
sem acompanhamento de instrumentos musicais.<br />
• Égloga [écloga]: Poesia bucólica em que pastores<br />
dialogam (I<strong>da</strong>de Média); pastorela.<br />
• Idílio: Poema lírico de tema bucólico, pastoril.<br />
• Soneto: Pequena composição poética composta<br />
de 14 versos, com número variável de sílabas, sendo<br />
o mais freqüente o decassílabo, e cujo último verso<br />
(dito chave de ouro) concentra em si a idéia principal<br />
do poema e deve encerrá-lo de maneira a encantar ou<br />
surpreender o leitor.<br />
• Bala<strong>da</strong>: Canção sentimental, em ritmo lento, interpreta<strong>da</strong><br />
por cantores de música popular, acompanha<strong>da</strong><br />
por conjunto de instrumentos. Poema em estrofes que<br />
geralmente narra liricamente uma len<strong>da</strong> popular ou<br />
uma tradição histórica, podendo ser acompanha<strong>da</strong> por<br />
instrumentos musicais. ATENÇÃO: Não confundir a<br />
forma <strong>da</strong> Bala<strong>da</strong> com poema épico, uma vez que os<br />
fenômenos estilísticos são diferentes.<br />
• Rondó: Poema lírico de forma fi xa, composto em<br />
versos de oito ou dez sílabas, em duas rimas, com a<br />
seguinte estrutura: uma quintilha [estrofe de cinco<br />
versos, geralmente heptassílabos (versos que têm sete<br />
sílabas), com arranjo variável de rimas, prevalecendo<br />
abaab], um terceto [estrofe de três versos], ao qual se<br />
ajustam, à guisa de refrão, as primeiras palavras do<br />
texto poético (ou peça poética teatral), e uma segun<strong>da</strong><br />
quintilha, também segui<strong>da</strong> de refrão.<br />
FORMAS DO GÊNERO LÍRICO: Podemos destacar<br />
algumas formas líricas que vigoraram do VII ao V<br />
séculos a.C.: a elegia, ain<strong>da</strong> vizinha <strong>da</strong> epopéia pelo<br />
ritmo e o metro, de estilo severo, com um marcado<br />
gosto pelos aspectos morais, mas que também sabia<br />
exprimir, através de uma grande variação de tons, todos<br />
os sentimentos.<br />
Outra forma lírica que teve grande desenvolvimento<br />
na antigüi<strong>da</strong>de foi a poesia iâmbica, nasci<strong>da</strong> dos sombrios<br />
mistérios de Demeter.<br />
Mas a forma mais propriamente lírica que teve grande<br />
desenvolvimento na Antigüi<strong>da</strong>de, aquela em que a<br />
aliança com a música foi a mais estreita, e na qual a<br />
espontanei<strong>da</strong>de do sentimento e a imaginação tiveram<br />
livre curso foi a ode, cujos principais mestres foram<br />
Alceu e Safo. (...)<br />
O estilo lírico com o decorrer do tempo foi desenvolvendo<br />
novas formas, entre as quais destacamos a<br />
égloga latina, o idílio, a bala<strong>da</strong>, o soneto etc.<br />
A passagem do tempo sempre acarreta transformações<br />
em vários níveis, e a poesia lírica irá absorver<br />
e manifestar os novos temas e consequentemente as<br />
diversas visões de mundo dos poetas. A lírica moderna<br />
se caracteriza por uma grande liber<strong>da</strong>de formal, e para<br />
entendermos em to<strong>da</strong> a sua profundi<strong>da</strong>de o fenômeno<br />
lírico, como um todo, é necessário que apreen<strong>da</strong>mos<br />
a essência do estilo, as suas marcas e a plurali<strong>da</strong>de de<br />
suas manifestações. Não mais podemos entender o<br />
estilo lírico dentro de uma chave formal. (...)<br />
Os modelos foram se multiplicando e seria impossível<br />
estabelecerem-se regras que tivessem vali<strong>da</strong>de geral. O<br />
que achamos importante é reconhecer nas composições<br />
alguns meios de atitudes fun<strong>da</strong>mentais que, embora<br />
saibamos passíveis de transformação, criam, de algum<br />
modo, o clima próprio para o que denominamos de tom<br />
lírico (Conferir: ARAGÃO, op. cit.: 73-74).<br />
Vocabulário<br />
Alceu de Mitilene (630-560 a. C.) – poeta lírico <strong>da</strong><br />
Grécia Antiga (natural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Mitilene, capital<br />
<strong>da</strong> Ilha de Lesbos).<br />
Demeter (Mitologia) – deusa <strong>da</strong> fertili<strong>da</strong>de, deusa<br />
maternal <strong>da</strong> terra, Terra-Mãe, cujo culto remonta à mais<br />
remota Antigüi<strong>da</strong>de.<br />
Metro – medi<strong>da</strong> que estabelece a quanti<strong>da</strong>de de pés<br />
ou sílabas que deve ter ca<strong>da</strong> verso. Forma rítmica de<br />
uma obra poética.<br />
Safo de Mitilene (contemporânea de Alceu de<br />
Mitilene) – poetisa lírica <strong>da</strong> Grécia Antiga (natural <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de de Mitilene, capital <strong>da</strong> Ilha de Lesbos).
1.8 - Poética: Conceito e Generali<strong>da</strong>des<br />
POÉTICA: Como já se disse, desde os bons tempos<br />
latinos Poética e Retórica se confundiam, melhor<br />
dizendo, a Retórica assumiu as funções <strong>da</strong> Poética,<br />
de modo que a <strong>teoria</strong> literária esteve por muitos anos<br />
sujeita às regras retóricas, só se separando novamente<br />
com o advento <strong>da</strong> Estética para novamente se juntar nas<br />
concepções teóricas <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, quando a Retórica<br />
passa a ser compreendi<strong>da</strong> como a ciência responsável<br />
pelas estruturas formais do discurso literário e a Poética<br />
assume a sua categoria de ciência <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>. Neste<br />
sentido, uma supõe a outra, porquanto a operação<br />
retórica (feita pelo poeta na produção e pelo crítico<br />
na descodifi cação) nunca é inocente: está sempre sob<br />
o comando de uma <strong>teoria</strong> (particular ou generaliza<strong>da</strong>),<br />
<strong>teoria</strong> que é, afi nal de contas, a condição de uma Poética,<br />
de um pensamento teórico sobre a <strong>literatura</strong>, como<br />
arte e como linguagem. Também a Poética, como <strong>teoria</strong><br />
pura, só se realiza como ciência aplica<strong>da</strong>, vale dizer,<br />
no desempenho retórico. Em última análise, portanto,<br />
a Retórica está aqui no sentido de ciência que, atuando<br />
num ou diversos níveis do discurso (nos planos de<br />
expressão e do conteúdo), é capaz de torná-lo efi caz,<br />
<strong>da</strong>ndo-lhe valor estético. É por intermédio <strong>da</strong> operação<br />
retórica que o texto é capaz de falar, mesmo estando<br />
em silêncio. Ou talvez por isso mesmo (TELES, op.<br />
cit.: 12-13).<br />
1.9 – Poética: Ponto de Vista Formalista (Teoria <strong>da</strong> Literatura)<br />
A palavra poética pode ser toma<strong>da</strong> em dois sentidos:<br />
1 o – Sentido amplo: É o estudo geral <strong>da</strong> Poesia,<br />
mediante ensaios estéticos e fi losófi cos.<br />
2 o – Sentido restrito: É o simples arrolamento ou<br />
compendiação de preceitos versifi catórios e do estudo<br />
formal dos poemas.<br />
(TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 4. ed. Belo<br />
Horizonte: Bernardo Álvares, 1969: 171-330)<br />
Elementos do verso<br />
1. Ritmo<br />
Conceituação:<br />
Tipos de ritmo<br />
1. Ritmo<br />
2. Metro [forma rítmica de uma obra poética]<br />
3. Estrofe<br />
4. Som<br />
Lógico (= Ritmo expressivo e entoado; explícito)<br />
Melódico Pausas<br />
Neste segundo sentido, que será objeto de nossas<br />
considerações por ser de natureza didática, a Poética<br />
abrange duas partes: Versifi cação e Poemática.<br />
Versifi cação: Verso – [Dicionário: Subdivisão de<br />
um poema que obedece a padrões de métrica (pés) e<br />
de rima (variáveis no tempo e no espaço), ou prescinde<br />
deles (versos brancos e livres), caracterizando-se por<br />
possuir certa linha melódica ou efeitos sonoros, além<br />
de apresentar uni<strong>da</strong>de de sentido.]<br />
Icto (= acento tônico; acento que recai sobre uma determina<strong>da</strong><br />
sílaba de verso de poema)<br />
Cesura<br />
Fim de verso<br />
Fim de estrofe<br />
Encadeamento<br />
Corte<br />
Segmento<br />
Interior ou Psicológico (= Ritmo não-musical; implícito)<br />
35
36<br />
Elementos do ritmo<br />
Sistema Greco-Latino<br />
Sistema Românico<br />
Som<br />
Tempo<br />
Verso<br />
Cadência<br />
Ritmo X Metro [Medi<strong>da</strong> que estabelece a quanti<strong>da</strong>de de pés ou sílabas<br />
que deve ter ca<strong>da</strong> verso. Forma rítmica de uma obra poética]<br />
Pés [padrões de métrica]<br />
Versos<br />
Possibili<strong>da</strong>des e variações rítmicas<br />
Possibili<strong>da</strong>des rítmicas<br />
Versos isorrítmos (apresentam o mesmo esquema rítmico)<br />
Versos heterorrítmos (não apresentam o mesmo esquema rítmico)<br />
Poemática: É a parte <strong>da</strong> Poética que se ocupa do<br />
estudo formal <strong>da</strong>s composições em verso, tratando,<br />
assim, <strong>da</strong> técnica estrutural dos poemas.<br />
Poema: É o nome genérico de to<strong>da</strong> composição<br />
literária com valor poético. O poema pode ser em verso<br />
(o que é mais comum), ou em prosa [prosa poética].<br />
Classificação dos Poemas (poemas em versos,<br />
líricos): Muitas são as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des propostas pelos<br />
autores no que concerne à classifi cação dos poemas<br />
(Conferir: TAVARES, Hênio. Poética. In: Teoria<br />
Literária. 4. ed. Belo Horizonte: Bernardo Álvares,<br />
1969: 171-330 [Classifi cação dos Poemas: Ver Instrucional,<br />
FORMAS DO GÊNERO LÍRICO]).<br />
Para um estudo completo de Poética (pelo ponto de vista didático-literário), recomen<strong>da</strong>mos<br />
o livro de Hênio Tavares, Teoria Literária, <strong>da</strong> Editora Itatiaia, de Belo Horizonte. A edição<br />
do livro assinalado e utilizado aqui neste Instrucional, <strong>da</strong> Editora Bernardo Álvares, de<br />
1969, já não poderá ser encontra<strong>da</strong> nas livrarias, por estar esgota<strong>da</strong>. Há a possibili<strong>da</strong>de desta<br />
edição ser encontra<strong>da</strong> nas livrarias-sebos (livrarias de livros usados). De qualquer maneira,<br />
di<strong>da</strong>ticamente, o livro do Professor Hênio Tavares fornece elementos indispensáveis para<br />
o entendimento <strong>da</strong> Poética, pelo ponto de vista analítico.<br />
1.10 – Poética: Ponto de Vista Fenomenológico (Teoria Literária)<br />
Tentativa de explicar os efeitos literários através <strong>da</strong><br />
descrição <strong>da</strong>s convenções e operações de leitura que<br />
os tornam possíveis. Ela [a Poética] está intimamente<br />
associa<strong>da</strong> à retórica, que, desde a era clássica, é o<br />
estudo dos recursos persuasivos e expressivos <strong>da</strong> linguagem:<br />
as técnicas de linguagem e pensamento que<br />
podem ser usa<strong>da</strong>s para construir discursos efi cazes.<br />
Aristóteles separou a retórica <strong>da</strong> poética, tratando a<br />
retórica como a arte <strong>da</strong> persuasão e a poética como<br />
a arte <strong>da</strong> imitação ou representação. As tradições<br />
medievais e renascentistas, entretanto, assimilaram<br />
as duas: a retórica tornou-se a arte <strong>da</strong> eloqüência e a<br />
poesia (já que busca ensinar, deleitar e comover) era<br />
uma instância superior dessa arte. No século XIX, a<br />
retórica passou a ser vista como artifício divorciado <strong>da</strong>s<br />
ativi<strong>da</strong>des genuínas do pensamento ou <strong>da</strong> imaginação<br />
poética e caiu em desgraça. No fi nal do século XX, a<br />
retórica foi ressuscita<strong>da</strong> como o estudo dos poderes<br />
estruturadores do discurso. (...)<br />
A poética, como explicação dos recursos e estratégias<br />
<strong>da</strong> <strong>literatura</strong>, não pode ser reduzi<strong>da</strong> a uma explicação<br />
<strong>da</strong>s fi guras retóricas, mas a poética poderia ser vista<br />
como parte de uma retórica expandi<strong>da</strong> que estu<strong>da</strong> os<br />
recursos para os atos lingüísticos de todos os tipos<br />
(CULLER, op. cit.: 72-73).<br />
Vocabulário<br />
Arte <strong>da</strong> eloqüência – procedimentos artísticos que se<br />
valem <strong>da</strong> eloqüência (poder de persuasão pela palavra).<br />
Arte de convencer o ouvinte e/ou o leitor.<br />
Artifício – Sutileza; astúcia; recurso engenhoso.
Discursos efi cazes – oratórias efi cazes. Enunciados<br />
signifi cativos. Palavras convincentes.<br />
Instância – iminência, acontecimento, momento,<br />
instante. Empenho, interesse, veemência.<br />
1.11 – Figuras <strong>da</strong> Linguagem Poética<br />
FIGURAS (DICIONÁRIO) – Formas exteriores;<br />
os contornos externos de um corpo; confi gurações; as<br />
representações gráfi cas, não necessariamente proporcionais<br />
ou fi éis, de pessoas ou algo; traços gráfi cos que<br />
reproduzem alguém ou algo (real ou imaginário);<br />
LINGUAGEM (Ponto de vista analítico) – A<br />
linguagem, como a entendemos, é a fonte de to<strong>da</strong> e<br />
qualquer reali<strong>da</strong>de; é precisamente a reali<strong>da</strong>de mais<br />
livre, a menos restrita, a mais aberta. Por isso ela não<br />
se esgota e a sua luz ilumina todo o percurso criador<br />
do homem. O que acontece é que, por viver uma vi<strong>da</strong><br />
esquiva, escondi<strong>da</strong> dos refl etores <strong>da</strong> ribalta, o espectador<br />
desatento ou utilitarista não é capaz de enxergar a<br />
sua luminosi<strong>da</strong>de congênita. Porque a linguagem não<br />
é uma coisa que se diga; é a força do que se diz. O que<br />
retira dela qualquer halo de abstração ou aleatorie<strong>da</strong>de.<br />
A linguagem é atuando, implantando sistemas de<br />
signos. A história, o pensamento, a socie<strong>da</strong>de, a obra<br />
de arte, a língua, a <strong>literatura</strong>, são modos de exercício<br />
do seu vigor. Isto quer dizer que os sistemas sígnicos<br />
são funcionamentos <strong>da</strong> linguagem, uma vez que neles<br />
encontra ela o espaço inevitável de sua objetivação.<br />
Mas a linguagem não é um signo. Quando muito, é o<br />
Signo. Sempre tendo em vista que é na linguagem que<br />
a reali<strong>da</strong>de vive a sua ilimita<strong>da</strong> plenitude – a plenitude<br />
<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Liber<strong>da</strong>de é o processo de libertação, e<br />
aqui consiste em abrir o sistema de signos coator. Neste<br />
núcleo problemático se localiza o bifrontismo essencial<br />
do fazer literário. Como se estrutura a identi<strong>da</strong>de<br />
(linguagem) na diferença (língua)? Essa dinâmica de<br />
atuação é implícita ao nível do pré-texto e explícita<br />
ao nível do texto (Conf.: PORTELLA, Eduardo. Fun<strong>da</strong>mento<br />
<strong>da</strong> Investigação Literária. Rio de Janeiro:<br />
Tempo Brasileiro, 1981:74-75).<br />
Vocabulário<br />
Abstração – operação intelectual; ato ou efeito de<br />
abstrair(-se); observação.<br />
Aleatorie<strong>da</strong>de – quali<strong>da</strong>de ou característica do que<br />
é aleatório [casual, fortuito, que depende de ocorrências<br />
imprevisíveis]; indeterminação; incerteza;<br />
casuali<strong>da</strong>de.<br />
Bifrontismo – quali<strong>da</strong>de ou condição do que é<br />
bifronte [que tem duas frontes, faces ou rostos; que<br />
parece ser o que não é; propenso a mu<strong>da</strong>nças].<br />
Coator – que ou o que coage ou constrange por força;<br />
cobrador de impostos.<br />
Retórica – arte <strong>da</strong> eloqüência. Arte de bem argumentar.<br />
Arte <strong>da</strong> palavra.<br />
Recursos persuasivos – recursos convincentes;<br />
meios persuasivos.<br />
Congênita – inata; natural.<br />
Esquiva – ação de se evitar algo; afasta<strong>da</strong>; distancia<strong>da</strong>.<br />
Halo – círculo brilhante; auréola luminosa.<br />
Utilitarista – que visa a utili<strong>da</strong>de; útil.<br />
POÉTICA (DICIONÁRIO) – Parte dos estudos<br />
literários que se propõe a investigar os processos que<br />
dizem respeito às normas versifi catórias dos textos, os<br />
componentes teóricos de que se revestem, bem como<br />
os compêndios de poética que, desde Aristóteles até os<br />
nossos dias abor<strong>da</strong>ram o assunto. Arte de fazer versos<br />
ou elaborar composição poética. Tratado de versifi -<br />
cação e de poesia. Sistema poético de um escritor, de<br />
uma época, de um país. Talento poético.<br />
Figuras <strong>da</strong> Linguagem Poética (Figuras e Tropos)<br />
FIGURA (DICIONÁRIO): Todo recurso lingüístico<br />
que, desviado de uma norma lingüística, cria efeitos<br />
de expressivi<strong>da</strong>de que revestem uma parte de um<br />
enunciado de realce, contraste, sentimento. As fi guras<br />
podem ser de palavras, de sintaxe e de pensamento.<br />
As fi guras podem ser a representação simbólica de<br />
algo; imagem que remete a alguma coisa; símbolo;<br />
emblema; alegoria.<br />
TROPO (DICIONÁRIO): Emprego figurado de<br />
palavra ou locução; fi gura.<br />
As palavras e expressões apresentam-se em sentido<br />
translato [translato = transcrito; transla<strong>da</strong>do; trasla<strong>da</strong>do,<br />
aquilo que se copiou; fi gurado, metafórico;<br />
transportado, transferido, levado de um lugar para<br />
outro] e não no próprio. Entre os tropos estão:<br />
1. Alegoria [DICIONÁRIO: Modo de expressão ou<br />
interpretação usado no âmbito artístico e intelectual,<br />
que consiste em representar pensamentos, idéias,<br />
quali<strong>da</strong>des sob forma fi gura<strong>da</strong> e em que ca<strong>da</strong> elemento<br />
funciona como disfarce dos elementos <strong>da</strong> idéia representa<strong>da</strong>.]<br />
2. Antonomásia [DICIONÁRIO: Varie<strong>da</strong>de de<br />
metonímia que consiste em substituir um nome de<br />
objeto, enti<strong>da</strong>de, pessoa, etc. por outra denominação,<br />
que pode ser um nome comum (ou uma perífrase =<br />
circunlóquio; frase ou recurso verbal que exprime<br />
aquilo que poderia ser expresso por menor número<br />
de palavras), um gentílico (= diz-se de ou o nome que<br />
37
38<br />
designa o país, a região, o estado, a província, a ci<strong>da</strong>de,<br />
etc. em que alguém nasceu, habita ou de onde procede.<br />
Por exemplo: o gentílico de quem nasce no Estado do<br />
Rio de Janeiro é fluminense), um adjetivo etc., que<br />
seja sugestivo, explicativo, lau<strong>da</strong>tório, eufêmico<br />
(= palavra agradável, para suavizar o peso conotador<br />
de outra palavra não-agradável), irônico ou<br />
pejorativo, e que caracterize uma quali<strong>da</strong>de universal<br />
ou conheci<strong>da</strong> do possuidor. Por exemplo:<br />
Aleijadinho, por ‘Antônio Francisco Lisboa’.]<br />
3. Catacrese [DICIONÁRIO: Metáfora já absorvi<strong>da</strong><br />
no uso comum <strong>da</strong> língua, de emprego tão corrente que<br />
não é mais toma<strong>da</strong> como tal, e que serve para suprir a<br />
falta de uma palavra específi ca que designe determina<strong>da</strong><br />
coisa. Por exemplo: dentes do serrote.]<br />
4. Imagem [DICIONÁRIO: Representação <strong>da</strong> forma<br />
ou do aspecto de ser ou objeto por meios artísticos<br />
(desenhado, gravado, escrito, pintado, esculpido, coreografado,<br />
arquitetado); aspecto particular pelo qual<br />
um ser ou um objeto é percebido.]<br />
5. Metáfora [DICIONÁRIO: Designação de um<br />
objeto ou quali<strong>da</strong>de mediante uma palavra que designa<br />
outro objeto ou quali<strong>da</strong>de que tem com o primeiro<br />
uma relação de semelhança. Por exemplo: ele tem<br />
uma vontade de ferro, para designar uma vontade<br />
forte. Mu<strong>da</strong>nça; transposição (transposição do sentido<br />
próprio ao fi gurado)]<br />
6. Metonímia [DICIONÁRIO: Figura de retórica<br />
que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto<br />
semântico normal, por ter uma signifi cação que<br />
tenha relação objetiva, de contigüi<strong>da</strong>de, material ou<br />
conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente<br />
pensado.]<br />
7. Símbolo [DICIONÁRIO: Aquilo que, por um<br />
princípio de analogia formal ou de outra natureza,<br />
substitui ou sugere algo. Aquilo que, num contexto<br />
cultural, possui valor evocativo, mágico ou místico.<br />
Elemento descritivo ou narrativo ao qual se pode<br />
atribuir mais de um signifi cado, do qual se pode fazer<br />
mais de uma leitura.]<br />
8. Sinédoque [DICIONÁRIO: Tipo especial de<br />
metonímia basea<strong>da</strong> na relação quantitativa entre o<br />
signifi cado original <strong>da</strong> palavra usa<strong>da</strong> e o conteúdo ou<br />
referente mentado (de mente). Os casos mais comuns<br />
são: parte pelo todo: braços para a lavoura por ‘homens<br />
trabalhadores’; gênero pela espécie ou vice-versa:<br />
a socie<strong>da</strong>de por ‘a alta socie<strong>da</strong>de’, a mal<strong>da</strong>de do homem<br />
por ‘espécie humana’; singular pelo plural ou vice-versa:<br />
é preciso pensar na criança por ‘nas crianças’ etc.]<br />
Figuras <strong>da</strong> linguagem Poética (Ponto de<br />
Vista Analítico)<br />
Em sentido lato, a metáfora pode ser considera<strong>da</strong><br />
o tropo genérico, orientação que seguem muitos<br />
tratadistas numa solução cômo<strong>da</strong> e simples. É, então,<br />
a metáfora toma<strong>da</strong> como “princípio onipresente <strong>da</strong><br />
linguagem”(...) e confunde-se com a imagem.<br />
Mas, muito embora os tropos (...) oscilem numa só<br />
faixa de signifi cação, interpenetrando-se e extravasando<br />
uns dos outros, todos eles, não obstante, são<br />
susceptíveis de uma relativa individuação, o que se<br />
revela <strong>da</strong> maior importância quando se tenta abrir<br />
caminho no emaranhado <strong>da</strong>s idéias que lhes dizem<br />
respeito (TAVARES, op. cit.: 379).<br />
[Hênio Tavares, aqui, é seguidor <strong>da</strong> linha teórica<br />
analítica, aquela que observa o texto enquanto cama<strong>da</strong><br />
visível, e, por tal motivo, opõe-se aos adeptos <strong>da</strong><br />
<strong>teoria</strong> literária de base fenomenológica, aqueles que<br />
aceitam, além <strong>da</strong> análise sintagmática, o conhecimento<br />
fenomenológico paradigmático – reconhecimento <strong>da</strong>s<br />
cama<strong>da</strong>s ocultas do texto.]<br />
Figuras <strong>da</strong> Linguagem Poética (Ponto de<br />
Vista Fenomenológico)<br />
Como o intuito é depreender a natureza do fenômeno<br />
literário, dentre as numerosas fi guras e recursos retóricos,<br />
vamo-nos concentrar na metáfora. É evidente<br />
que seria importante estu<strong>da</strong>r a força e alcance de ca<strong>da</strong><br />
fi gura, porque assim poder-se-ia compreender melhor<br />
a <strong>literatura</strong>. Limitamo-nos, porém, à tematização <strong>da</strong><br />
metáfora, por ser também uma <strong>da</strong>s fi guras nucleares.<br />
Se o poeta nos mostra a face dis-semelhante, fi ngidora<br />
do discurso, também aponta a transitivi<strong>da</strong>de para o<br />
ver<strong>da</strong>deiro, o real:<br />
O poeta é um fi ngidor.<br />
Finge tão completamente<br />
Que chega a fi ngir que é dor<br />
A dor que deveras sente.<br />
E os que lêem o que escreve,<br />
Na dor li<strong>da</strong> sentem bem,<br />
Não as duas que ele teve,<br />
Mas só a que eles não têm.<br />
(Fernando Pessoa)<br />
A transitivi<strong>da</strong>de entre o não-ver<strong>da</strong>deiro, ou plano do<br />
discurso, e o ver<strong>da</strong>deiro, ou plano do real, radica na<br />
palavra (fi ngidora) do poeta e na leitura do leitor, aí<br />
que, em planos diferentes, poeta e leitor passam pelo
signo literário frente ao signo lingüístico? É este o<br />
problema que implica a natureza do fenômeno literário<br />
e que é tão antigo quanto a poética, porque radica na<br />
própria natureza e constituição do homem, onde a<br />
não-ver<strong>da</strong>de é o caminho <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de.<br />
(...) Horizontalizando o problema e intentando a<br />
análise e sistematização dos procedimentos, surgiram<br />
as retóricas, substituí<strong>da</strong>s na I<strong>da</strong>de Moderna pelo estudo<br />
dos estilos de época. Limitar o estudo do literário<br />
a tais procedimentos ou características é ignorar<br />
e limitar o real problema <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>. Porque a<br />
questão consiste na relação do signo com o real,<br />
na mimésis.<br />
(...) O lugar mais comum quando se fala <strong>da</strong> metáfora<br />
é a semelhança que estabelece entre duas reali<strong>da</strong>des.<br />
Jakobson incorre no mesmo equívoco, <strong>da</strong>í intitular<br />
uma parte do seu estudo O distúrbio <strong>da</strong> similari<strong>da</strong>de.<br />
Para Ortega y Gasset, o termo metáfora significa<br />
ao mesmo tempo um procedimento e um resultado.<br />
De fato, em to<strong>da</strong> metáfora há uma semelhança real<br />
entre seus elementos e, por isso, equivoca<strong>da</strong>mente,<br />
acreditou-se que a metáfora consistia essencialmente<br />
1.12 – Para o Entendimento do Termo Mimésis (Mimese)<br />
A mimésis é um termo grego geralmente traduzido<br />
como imitação. Imitação em que sentido? Até hoje<br />
são controverti<strong>da</strong>s as interpretações. E isso não é tão<br />
difícil de entender, uma vez que é um conceito que<br />
faz parte dos dois maiores sistemas fi losófi cos gregos:<br />
o platônico e o aristotélico. Assim sendo, qualquer<br />
interpretação implica sempre um determinado posicionamento<br />
a respeito e dentro de tais sistemas. Não<br />
é um conceito literário, porém um conceito fi losófi co<br />
para explicar a arte.<br />
Baseando seu sistema na existência <strong>da</strong>s idéias universais<br />
e permanentes, por oposição às reali<strong>da</strong>des singulares<br />
e transitórias, Platão aceita no Crátilo a mimésis<br />
como uma necessi<strong>da</strong>de humana de manifestar a reali<strong>da</strong>de<br />
por imagens, além de ter um valor gnoseológico,<br />
ou seja, pela mimésis se chega ao conhecimento <strong>da</strong>s<br />
idéias presentes nas coisas. Mas, já na República,<br />
quando trata <strong>da</strong> mimésis na arte, considera que, na<br />
reali<strong>da</strong>de, o poeta, bem como o pintor e o escultor,<br />
faz uma imitação em terceiro grau, portanto, afastado<br />
três graus <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Isto porque Deus é o primeiro,<br />
ao criar a idéia, por exemplo, de cama; o segundo é<br />
o marceneiro que fabricou a cama; o terceiro, fi nalmente,<br />
é o artista, ao representá-la, sendo, portanto,<br />
uma imitação <strong>da</strong> cama do marceneiro, que é aparente,<br />
transitória, e não <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de (a idéia).<br />
Em Aristóteles, a noção de mimésis ocupa um lugar<br />
central para caracterizar a natureza <strong>da</strong> poesia. Na pala-<br />
numa similari<strong>da</strong>de. “E, não obstante, a metáfora nos<br />
satisfaz precisamente porque nela surpreendemos<br />
uma coincidência entre duas coisas mais profun<strong>da</strong> e<br />
decisiva que quaisquer semelhanças” (Ortega y Gasset,<br />
1964: 258). Entre os dois termos <strong>da</strong> metáfora tem de<br />
existir uma semelhança real em algum ponto, mas sem<br />
importância; é uma identi<strong>da</strong>de não essencial. Unidos<br />
por essa insignifi cante semelhança, os restos de ambos<br />
resistem à identifi cação, repelindo-se mutuamente. De<br />
fato, tal semelhança serve para acentuar a não-semelhança<br />
real entre ambas as coisas. Onde a identifi cação real se<br />
verifi ca não há metáfora.<br />
(...) A concepção ortegueana <strong>da</strong> metáfora ultrapassa<br />
o conceito, através do valor verbal e do realizar, de<br />
simples tropo, e nos evidencia seu caráter mimético ou<br />
a mimésis. O questionamento <strong>da</strong> metáfora nos mostrou<br />
que os tropos se reduzem, por natureza, à metáfora e,<br />
esta, à mimésis. Se a metáfora não indica uma simples<br />
semelhança surpreendi<strong>da</strong> no nível do discurso, também<br />
a mimésis não é uma simples imitação (Conferir: CAS-<br />
TRO, Manuel Antônio de. A Natureza do Fenômeno<br />
Literário. In: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria<br />
Literária. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1992: 53-56).<br />
vra poética, embora esta implique vários níveis semânticos,<br />
procura-se o fun<strong>da</strong>mental: a força geradora dos<br />
múltiplos signifi cados. A palavra mimésis é apreendi<strong>da</strong><br />
como a uni<strong>da</strong>de estruturante <strong>da</strong> metáfora. O homem é<br />
o lugar <strong>da</strong> força geradora e <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de estruturante. A<br />
relação mais direta entre a mimésis e o homem decorre<br />
porque, como processo, a imitação se põe ao nível do<br />
homem. No fenômeno literário, o homem é o mediador<br />
do processo que implanta a literarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>.<br />
E, enquanto tal, ele se refere à mimésis, na medi<strong>da</strong> em<br />
que tal referência não diz simplesmente “um nexo entre<br />
duas coisas coordena<strong>da</strong>s. É o suporte <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de do<br />
Ser na existência que faz com que o homem existindo<br />
possa reportar-se ao Ser” (Leão, 1977: 79). A mimésis<br />
não está na estrutura “x” nem na estrutura “y”, mas no<br />
processo pelo qual se realiza uma e outra estrutura, ela<br />
se insere nas encruzilha<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s diferenças, isto é, está<br />
no processo que possibilita haver diferenças. A mimésis<br />
é o processo no homem, na obra e na arte.<br />
A mimésis está estreitamente liga<strong>da</strong> à metáfora como<br />
núcleo do fazer poético. O poeta ao elaborar suas obras,<br />
mais do que ninguém, sabe que a matéria que ele mol<strong>da</strong><br />
é a palavra. Como ele trabalha a palavra? São muitas as<br />
maneiras de mol<strong>da</strong>r os signos verbais, de tal maneira<br />
que não há um só grande poeta que no todo de sua obra<br />
não reserve explicitamente um espaço a este problema,<br />
não dê uma forma teórica, discursiva, porém, através<br />
de poemas cujo tema é o poetar (ver, por exemplo, em<br />
Carlos Drummond de Andrade, O lutador, Procura <strong>da</strong><br />
poesia, Poesia; em Cecília Meireles, Motivo etc.). É um<br />
39
40<br />
equívoco reduzir tal fazer à chama<strong>da</strong> metalinguagem.<br />
Realmente, é uma refl exão poética sobre a natureza e<br />
alcance <strong>da</strong> mimésis. Por que a mimésis é a imitação de<br />
quê? O poeta, consciente do seu fazer no e pelo poetar,<br />
pergunta-se sempre com que imita?<br />
O problema mimésis diz, portanto, respeito a quem<br />
imita, com que imita, o que imita, e em que circunstâncias.<br />
Se fi zemos alusão a uma poética explícita,<br />
devemos agora afi rmar que, ao considerar to<strong>da</strong>s essas<br />
dimensões <strong>da</strong> mimésis, to<strong>da</strong> obra realmente literária é<br />
uma completa e total poética implícita. Por isso, to<strong>da</strong><br />
ela é fi cção. Quem imita? O poeta. Contudo, o poeta<br />
só é poeta quando opera, faz obras. Logo, simplifi cadoramente,<br />
são as obras que dão o status de poeta a<br />
um determinado homem. Com que imita? A resposta<br />
mais óbvia e simples: com o sistema de signos verbais.<br />
(...) Imitar, portanto, é sempre um processo revelador.<br />
Por outro lado, o código não é em si e por si, ele é<br />
sempre código de, ou seja, ele é revelador de. Ele<br />
só se constitui no revelar algo. Temos então: imita o<br />
quê? Demos, primeiramente, uma resposta negativa.<br />
Se imita o já revelado, o já culturalmente instituído,<br />
o que já denominamos como reali<strong>da</strong>des, então não<br />
imita, mas repete ou copia. Para respondermos afi rmativamente,<br />
não podemos separar os três pólos de<br />
referência: quem imita, com que imita, o que imita.<br />
Também não podemos separar o imitador, a imitação,<br />
o imitado. Porque tal denominação e percepção é já<br />
o resultado do processo mimético, ou seja, entender<br />
o que imita é penetrar na ação do imitador imitando,<br />
é compreender que o homem se revela revelando o<br />
real em reali<strong>da</strong>des signifi ca<strong>da</strong>s: a força deste processo<br />
revelador é a mimésis (Conferir: CASTRO, Manuel<br />
Antônio de. A Natureza do Fenômeno Literário. In.:<br />
SAMUEL, Rogel (org.). Manual de Teoria Literária.<br />
6. ed. Petrópolis: Vozes, 1992: 56-59).<br />
MIMESE (DICIONÁRIO): Figura em que o orador,<br />
usando discurso direto, imita outrem, na voz, no<br />
estilo ou nos gestos. Pelo ponto de vista <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>,<br />
mimese é vista como recriação, na obra literária, <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de, a partir dos preceitos platônicos, segundo<br />
os quais o artista, ao <strong>da</strong>r forma à matéria, imita o<br />
mundo <strong>da</strong>s idéias. [É na Poética, de Aristóteles, que<br />
se encontra a primeira teorização acerca desse procedimento<br />
<strong>da</strong> arte; no entanto, para este fi lósofo, a<br />
mimese seria a imitação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> interior dos homens,<br />
suas paixões, seu caráter, seu comportamento etc.<br />
Na <strong>literatura</strong>, a partir do Classicismo (século XV),<br />
a mimese foi o princípio que orientou os artistas<br />
quinhentistas e seiscentistas, que acreditavam ter a<br />
arte greco-latina quali<strong>da</strong>des superiores, devendo por<br />
isto ser imita<strong>da</strong>.]<br />
1.13 – A Percepção Poética pelo Ponto de Vista Lírico de<br />
Quatro Poetas do Século XX<br />
GILBERTO MENDONÇA TELES<br />
Percepção<br />
O mundo te rodeia de cercas e desejos,<br />
te comprime no refúgio de teu quarto<br />
e te restringe à lâmina <strong>da</strong>s coisas<br />
no seu fi no acontecer.<br />
To<strong>da</strong>via, o amor é para to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>,<br />
é para sempre e um dia e mais talvez:<br />
o amor te prende às palavras e te liberta<br />
na invenção de alguns códigos e silêncios.<br />
É possível que a tua cota de reali<strong>da</strong>de<br />
seja agora por demais excessiva<br />
e apenas te deixe perceber os possíveis<br />
de outros planos e subversões.<br />
Vê como as cortinas disfarçam o teu olhar,<br />
como as ruas se enrodilham aos teus pés<br />
e como algumas vere<strong>da</strong>s vão desaparecendo<br />
nos teus desertos e viagens.<br />
Que seria de ti sem os teus espelhos?<br />
sem a jarra-de-fl ores que guarnece<br />
o espaço dessa mesa de pernas para o ar,<br />
com velhas catacreses <strong>da</strong> gaveta?<br />
É para ti que as águas vão polindo<br />
os sentidos desse único sentido<br />
ain<strong>da</strong> vulnerável, mas perdido na cena,<br />
no espetáculo obsceno de ti mesmo.<br />
CHICO BUARQUE DE HOLANDA<br />
A Televisão<br />
O homem <strong>da</strong> rua<br />
Fica só por teimosia<br />
Não encontra companhia<br />
Mas pra casa não vai não<br />
Em casa a ro<strong>da</strong><br />
Já mudou, que a mo<strong>da</strong> mu<strong>da</strong><br />
A ro<strong>da</strong> é triste, a ro<strong>da</strong> é mu<strong>da</strong><br />
Em volta <strong>da</strong> televisão<br />
No céu a lua<br />
Surge grande e muito prosa<br />
Dá uma volta graciosa<br />
Pra chamar as atenções<br />
O homem <strong>da</strong> rua<br />
Que <strong>da</strong> lua está distante
Por ser nego falante<br />
Fala só com seus botões<br />
O homem <strong>da</strong> rua<br />
Com seu tamborim calado<br />
Já pode esperar sentado<br />
Sua escola não vem não<br />
A sua gente<br />
Está aprendendo humildemente<br />
Um batuque diferente<br />
Que vem lá <strong>da</strong> televisão<br />
No céu a lua<br />
Que não estava no programa<br />
Cheia e nua, chega e chama<br />
Pra mostrar evoluções<br />
O homem <strong>da</strong> rua<br />
Não percebe seu chamego<br />
E por falar doutro nego<br />
Samba só com seus botões<br />
Os namorados<br />
Já dispensam seu namoro<br />
Quem quer riso, quem quer choro<br />
Não faz mais esforço não<br />
E a própria vi<strong>da</strong><br />
Ain<strong>da</strong> vai sentar senti<strong>da</strong><br />
Vendo a vi<strong>da</strong> mais vivi<strong>da</strong><br />
Que vem lá <strong>da</strong> televisão<br />
O homem <strong>da</strong> rua<br />
Por ser nego conformado<br />
Deixa a lua ali de lado<br />
Vai ligar os seus botões<br />
No céu a lua<br />
Encabula<strong>da</strong> e já mingua<strong>da</strong><br />
Numa nuvem se ocultando<br />
Vai de volta pros sertões<br />
CARLOS QUEIROZ TELLES<br />
*******************<br />
Não sei pôr para fora<br />
essas idéias malucas<br />
que me sacodem a cabeça.<br />
É coisa muito esquisita,<br />
parece assombração:<br />
palavras que nascem feitas<br />
sem nenhuma explicação.<br />
Contar aos pais<br />
não adianta... vão dizer:<br />
“É tudo imaginação!”<br />
Falar com a turma... não sei.<br />
Pode virar gozação.<br />
O jeito é tentar guar<strong>da</strong>r<br />
esse caso para mim mesmo<br />
e colocar no papel<br />
os recados <strong>da</strong> emoção.<br />
Uma palavra aqui,<br />
outra palavra ali...<br />
Parece que achei o caminho!<br />
Epa! Mas isso tem cara de verso!<br />
Será que sou um poeta?<br />
E agora? Que vergonha!<br />
Só me faltava mais essa...<br />
Outro segredo <strong>da</strong>nado<br />
pra trancar bem trancado<br />
no fundo do coração.<br />
MÁRIO QUINTANA<br />
*******************<br />
Quem disse que a poesia é apenas<br />
agreste avena?<br />
(avena = fl auta pastoril)<br />
A poesia é a eterna toma<strong>da</strong> <strong>da</strong> Bastilha<br />
o eterno quebra-quebra<br />
o enforcar de ju<strong>da</strong>s, executivos e catedráticos em<br />
to<strong>da</strong>s as esquinas<br />
e,<br />
a um rufl ar poderoso de asas,<br />
entre cortinas incendia<strong>da</strong>s,<br />
os Anjos do Senhor estuprando as mais belas fi lhas<br />
dos mortais...<br />
Deles nascem os poetas.<br />
Não todos... Os legítimos<br />
espúrios:<br />
(espúrios = ilegítimos)<br />
um Rimbaud, um Põe, um Cruz e Souza...<br />
(Rege-os, misteriosamente, o décimo-terceiro signo<br />
do Zodíaco.)<br />
41
42<br />
1.14 – Sobre a Linguagem Poética<br />
ATENÇÃO - PONTO DE VISTA DA TEORIA<br />
LITERÁRIA FENOMENOLÓGICA:<br />
Seria uma imprevidência pelo menos técnica confundirem-se<br />
linguagem e super-sujeito organizante [poeta].<br />
A linguagem, ou pré-texto, não está organiza<strong>da</strong>, nem é<br />
organizável; oferece, isto sim, as condições para que<br />
a língua, ou texto, se organize. Por isso a linguagem<br />
não se exaure em nenhuma objetivação específi ca; <strong>da</strong><br />
mesma maneira que a existência humana não se esgota<br />
em nenhuma etapa de realização <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Se<br />
o pré-texto se esvaísse na produção do texto catedral<br />
medieval, a cristan<strong>da</strong>de teria desaparecido aí. A linguagem<br />
sempre pode mais, porque o homem transcende<br />
o seu discurso. E é em razão <strong>da</strong> maior ou menor força<br />
transformadora <strong>da</strong> linguagem que uma época produz<br />
uma tragédia grega, uma catedral, ou um arranha-céu,<br />
operando ca<strong>da</strong> um destes sistemas de signos, exigências<br />
diversas de liber<strong>da</strong>de. Tanto mais que, sendo a linguagem<br />
“a casa do Ser”, e o Ser o horizonte do homem,<br />
o caráter apodigmático de uma época é determinado<br />
pelo grau de essencialização do homem. O signo mais<br />
signo é a própria existência humana, o homem mesmo,<br />
gerador de todos os signos. Mas para que isto aconteça<br />
é indispensável a permanente garantia de liber<strong>da</strong>de.<br />
Existir plenamente é empreender um movimento de<br />
liber<strong>da</strong>de. É o que faz o poeta, é o que faz o homem.<br />
O poeta o faz poeticamente, assistido e acobertado pela<br />
ação reveladora <strong>da</strong> linguagem.<br />
E continuando falando, com maior ou menor proprie<strong>da</strong>de<br />
– teremos feito outra coisa ao longo dessa<br />
prolonga<strong>da</strong> noite ocidental? –, <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> physis,<br />
<strong>da</strong> condição de possibili<strong>da</strong>de de qualquer estruturação.<br />
Se prosseguirmos encaminhando a refl exão até o questionamento<br />
<strong>da</strong> literarie<strong>da</strong>de, do entretexto, teremos de<br />
advertir que uma auto-especifi cação <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong><br />
physis em termos de mímesis é pré-requisito de confi<br />
guração de qualquer discurso poético. Evidentemente<br />
a análise que só tenha olhos para o texto constituído, a<br />
análise que não apenas pressupõe o entretexto como<br />
um fato, mas só o encara e somente o vê enquanto<br />
produção de estrutura pronta, esta análise é cega frente à<br />
dinâmica de possibili<strong>da</strong>de de estruturação <strong>da</strong>s estruturas<br />
prontas, frente a mímesis. Ela ignora que a mímesis é o<br />
dínamo <strong>da</strong>s metáforas, dos símbolos, <strong>da</strong>s metonímias.<br />
A mímesis é a physis <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>. E somente se dá<br />
àqueles que sabem, com paciência e competência,<br />
seguir procurando o “tesouro escondido”. To<strong>da</strong> moe<strong>da</strong><br />
só tem valor se por detrás de si está o lastro, o respaldo,<br />
a garantia do tesouro guar<strong>da</strong>do. A moe<strong>da</strong> é a língua,<br />
os signos, o texto. A linguagem é o Signo, o pré-texto,<br />
o tesouro escondido.<br />
A impossibili<strong>da</strong>de de formalização <strong>da</strong> linguagem é<br />
que abre as diferentes possibili<strong>da</strong>des de formalização,<br />
que são as línguas. E todo discurso é sempre discurso<br />
dentro de uma língua. Expulsar o signo, em nome<br />
de uma desconcertante leitura ao exclusivo nível<br />
<strong>da</strong> linguagem, é cair mais uma vez na armadilha <strong>da</strong><br />
setorização. O que se pretende é uma compreensão<br />
integra<strong>da</strong>, onde se equilibrem o pré-texto, o texto e o<br />
entretexto.<br />
A instância lingüística <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem crítica corresponde<br />
ao delineamento sintático <strong>da</strong> obra literária,<br />
<strong>da</strong>s leis de construção ou sintagmáticas, <strong>da</strong>s regras de<br />
articulação de signifi cado e signifi cante, ou <strong>da</strong>s normas<br />
de engendramento do discurso, enquanto ativi<strong>da</strong>de<br />
executiva ou exercício de construção. Reconhece-se a<br />
tensão saussureana, e prossegue-se o trabalho de previsão<br />
técnica considerando a sintaxe como álgebra <strong>da</strong><br />
palavra, uma vez que a estrutura de ambas compõe-se<br />
de vocabulário e cálculo.<br />
Descrever o sistema sígnico implica defi nir o signo<br />
do sistema enquanto representação <strong>da</strong> coisa, e não<br />
uma simples coisa, porque indício, referência, indicação;<br />
e implica igualmente precisar o sistema do<br />
signo, enquanto função combinatória, já que estamos<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente diante de esquema de combinações<br />
analógicas ou homológicas, objetiva<strong>da</strong>s através de<br />
metáforas, metonímias, dos mais diversifi cados jogos<br />
simbolizadores. As questões semânticas naturalmente<br />
agrupam-se ou decorrem do esforço refl exivo dirigido<br />
para a apreensão do signifi cado. Da mesma maneira<br />
que, do prisma do signifi cante, emergem os problemas<br />
fonológicos e morfológicos. E é no centro ou no interior<br />
de to<strong>da</strong> essa ampla arquitetura que a discussão<br />
sobre a literarie<strong>da</strong>de se reencontra, se dilacera e retoma<br />
a sua perdi<strong>da</strong> peculiari<strong>da</strong>de. Mesmo constatando que<br />
a poesia altera a estrutura <strong>da</strong> língua criando uma outra<br />
estrutura de língua, é indispensável perceber que tudo<br />
isso acontece em conseqüência <strong>da</strong> ação libertadora <strong>da</strong><br />
linguagem. Ain<strong>da</strong> mais: não restam dúvi<strong>da</strong>s de que os<br />
signos mobilizados pela literarie<strong>da</strong>de são os signos <strong>da</strong><br />
língua. O que isto não nos autoriza é a identifi car signo<br />
literário (entretexto) com signo-lingüístico (texto). A<br />
rigor o signo literário é um anti-signo.<br />
No protocolo lingüístico, os signifi cantes são considerados<br />
a partir de uma língua determina<strong>da</strong>. As<br />
alavancas significantes – metáforas, metonímias,<br />
diferentes conexões sensoriais – são meros segmentos<br />
de substituições textuais. To<strong>da</strong> a força problemática,<br />
resultante do pacto polivalente de sujeito e objeto,<br />
fi ca minimiza<strong>da</strong> ou enfraqueci<strong>da</strong>. E essa força, uma<br />
vez preserva<strong>da</strong> no seu ímpeto mais global, é de tal<br />
modo propulsora que se pode afi rmar: “a história <strong>da</strong><br />
metafísica, como a história do Ocidente, será a história<br />
destas metáforas e destas metonímias”. [DERRIDA,<br />
Jacques. L’écriture et la différence. Paris: Seuil,
1967:410-411 – nota de Eduardo Portella]. Mas para<br />
que essas categorias recobrem a sua grandeza degra<strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />
e degra<strong>da</strong><strong>da</strong> por uma leitura conclusiva e fecha<strong>da</strong>,<br />
é preciso despertá-las do pesadelo epistemológico.<br />
No campo aberto <strong>da</strong> linguagem, o signifi cante é a dissolução<br />
do “signifi cante”, desta simples face <strong>da</strong> partilha<br />
dualista a que fora reduzido o signo verbal. O que é<br />
tanto mais ver<strong>da</strong>deiro quanto reconhecemos, ao falar<br />
<strong>da</strong> língua que a poesia gerou, que o sujeito de gerar é<br />
a poesia. (...) O conceito de metáfora ou de símbolo,<br />
desde que metáfora ou símbolo fi gurem como funções<br />
de uma estrutura <strong>da</strong> língua, permanece cau<strong>da</strong>tário de<br />
sua tradicional raiz metafísica. Teríamos de transpor, se<br />
quiséssemos atingir a totali<strong>da</strong>de, os limites acanhados<br />
dessa estranha ontologia deserta<strong>da</strong> (PORTELLA, op.<br />
cit.: 77-81).<br />
Vocabulário<br />
Analógicas – semelhantes.<br />
Apodigmático – possivelmente, relativo a apódose<br />
= restituição, retribuição.<br />
Cau<strong>da</strong>tário – partidário; adepto; que ou o que não<br />
possui opinião, pensamento, princípios ou estilo<br />
próprio; que ou aquele que é desprovido de originali<strong>da</strong>de.<br />
Dínamo – aquilo que impulsiona, que gera o progresso.<br />
Engendramento do discurso – formação do discurso;<br />
produção do discurso (= texto oral ou escrito;<br />
estudo; tratado; dissertação)<br />
Essencialização – relativo à essencial = que constitui<br />
o mais básico; fun<strong>da</strong>mental.<br />
Esvaísse – relativo a esvair = evaporar; desvanecer;<br />
dissipar.<br />
Exaure – esgota inteiramente; consome; gasta todo<br />
o conteúdo.<br />
Fonológicos – relativo a fonema (uni<strong>da</strong>de sonora <strong>da</strong><br />
fala; som <strong>da</strong> fala) e a fonologia (estudo dos sons <strong>da</strong><br />
linguagem humana; fonética).<br />
Homológicas – relativo a homologia = semelhança de<br />
origem e estrutura entre órgãos ou partes de organismos<br />
diversos. Em um discurso, uso reiterado <strong>da</strong>s mesmas<br />
palavras, conceitos, fi guras.<br />
Imprevidência – descuido; ausência de previsão.<br />
Instância lingüística – iminência, acontecimento<br />
lingüístico; insistência lingüística; empenho lingüístico;<br />
domínio lingüístico.<br />
Literarie<strong>da</strong>de – quali<strong>da</strong>de de literário. Conjunto de<br />
características específi cas (lingüísticas, semióticas,<br />
sociológicas) que permitem considerar um texto como<br />
literário. Quali<strong>da</strong>de própria do literário.<br />
Morfológicos – relativo a morfologia = estudo <strong>da</strong><br />
constituição <strong>da</strong>s palavras e dos processos pelos quais<br />
elas são constituí<strong>da</strong>s a partir de suas partes componentes,<br />
os morfemas. Morfemas = a menor uni<strong>da</strong>de<br />
lingüística que possui signifi cado, abarcando raízes e<br />
afi xos (= morfemas não autônomos: prefi xos, sufi xos e<br />
infi xos, usados nas derivações de palavras; por exemplo:<br />
casar, casamento; feliz, infeliz etc., ou para fl exiona-las<br />
em número, gênero, tempo, caso etc.), formas livres<br />
(por exemplo, mar) e formas presas (por exemplo,<br />
sapat-, -o, -eiro) e vocábulos gramaticais (preposições,<br />
conjunções).<br />
Ontologia – parte <strong>da</strong> fi losofi a que tem por objeto o<br />
estudo <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des mais gerais do ser, aparta<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> infi ni<strong>da</strong>de de determinações que, ao qualifi cá-lo<br />
particularmente, ocultam sua natureza plena e integral<br />
(Aristóteles). Metafísica ontológica. Refl exão a respeito<br />
do sentido abrangente do ser, como aquilo que<br />
torna possível as múltiplas existências (Heidegger).<br />
(Heidegger opõe-se à tradição metafísica que, em sua<br />
orientação teológica, teria transformado o ser em geral<br />
num mero ente com atributos divinos.)<br />
Peculiari<strong>da</strong>de – quali<strong>da</strong>de ou condição <strong>da</strong>quilo que<br />
é peculiar. Característica de alguém ou de algo que<br />
se distingue por traços particulares; originali<strong>da</strong>de;<br />
singulari<strong>da</strong>de.<br />
Pesadelo epistemológico – em sentido fi gurado:<br />
‘opressão epistemológica’; ‘opressão causa<strong>da</strong> pela<br />
refl exão em torno <strong>da</strong> natureza, etapas e limites do<br />
conhecimento humano’.<br />
Physis – algo que se desenvolve, transforma e cresce.<br />
Natureza ou maneira de ser de uma coisa. Forma do<br />
corpo, natureza <strong>da</strong> alma. Força produtora.<br />
Polivalente – que apresenta múltiplos valores ou<br />
oferece várias possibili<strong>da</strong>des de emprego, de função;<br />
multifuncional (palavra polivalente). Que executa<br />
diferentes tarefas; versátil (operário polivalente; futebolista<br />
polivalente). Que envolve vários campos de<br />
ativi<strong>da</strong>de (universi<strong>da</strong>de polivalente). Que possui diversas<br />
valências (na química, diz-se de elemento).<br />
Previsão técnica – antevisão técnica; presciência<br />
técnica; antecipação técnica, na base de suposições,<br />
do que ain<strong>da</strong> não aconteceu; conjectura técnica.<br />
Protocolo lingüístico – ‘selo’ lingüístico; registro<br />
ofi cial; ata; recibo; etc.<br />
Setorização – subdivisão; divisão.<br />
Signifi cantes – imagens acústicas que são associa<strong>da</strong>s<br />
a signifi cados numa língua, para formarem<br />
signos lingüísticos. Imagens acústicas = impressões<br />
psíquicas (Saussure).<br />
Signo – indício, marca, símbolo; palavra.<br />
Sintaxe – parte <strong>da</strong> gramática que estu<strong>da</strong> as palavras<br />
enquanto elementos de uma frase, as suas relações de<br />
concordância, de subordinação e de ordem.<br />
Transcende – eleva-se sobre ou ultrapassa os<br />
limites de.<br />
Raiz metafísica – ‘base’ metafísica; ‘base’ de investigação<br />
<strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des que transcendem a experiência<br />
sensível, capaz de fornecer um fun<strong>da</strong>mento a to<strong>da</strong>s as<br />
ciências particulares, por meio <strong>da</strong> refl exão a respeito<br />
<strong>da</strong> natureza primacial do ser.<br />
43
44<br />
UNIDADE II<br />
POESIA X POEMA<br />
2.1 – Definição de Poesia<br />
POESIA (DICIONÁRIO): Arte de compor ou<br />
escrever versos. Composição em versos livres ou<br />
providos de rima cujo conteúdo apresenta uma visão<br />
emocional e/ou conceitual na abor<strong>da</strong>gem de idéias,<br />
estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas<br />
etc.<br />
POESIA: Pouco importa, contudo, defi nir o que<br />
seja poesia. O que importa, literariamente, é que ela<br />
encontre o seu núcleo no poema, feito e trabalhado<br />
2.2 – Definição de Poema<br />
POEMA (DICIONÁRIO): Obra de poesia em verso.<br />
Aquele ou aquilo que tem poesia ou que merece ser<br />
cantado em um poema. Composição em verso. Forma<br />
<strong>da</strong> poesia.<br />
POEMA: A <strong>teoria</strong> literária que enfoca a poesia discute<br />
entre, outras coisas, a importância relativa de maneiras<br />
diferentes de ver os poemas: um poema é tanto<br />
uma estrutura feita de palavras (um texto) quanto um<br />
evento (um ato do poeta, uma experiência do leitor, um<br />
evento na história literária). Para o poema concebido<br />
como construção verbal, uma questão importante é a<br />
relação entre o sentido e os traços não-semânticos <strong>da</strong><br />
linguagem, tais como som e ritmo. Como funcionam<br />
os traços não-semânticos <strong>da</strong> linguagem? Que efeitos,<br />
conscientes e inconscientes, têm? Que tipos de interação<br />
entre os traços semânticos e não-semânticos<br />
podem ser esperados?<br />
Para o poema enquanto ato, uma questão-chave é<br />
a relação entre o ato do autor que escreve o poema e<br />
2.3 – Verso e Ritmo<br />
VERSO (DICIONÁRIO): Subdivisão de um poema que<br />
obedece a padrões de métrica (pés) e de rima (variáveis<br />
no tempo e no espaço), ou prescinde deles (versos brancos<br />
e livres), caracterizando-se por possuir certa linha<br />
melódica ou efeitos sonoros, além de apresentar uni<strong>da</strong>de<br />
de sentido.<br />
VERSO: Verso é uma linha de sentido completo ou<br />
não, que constitui a uni<strong>da</strong>de rítmica de um poema. Na<br />
defi nição do verso estão incluídos dois de seus aspectos<br />
fun<strong>da</strong>mentais: o gráfi co (uma linha) e o sensório (o ritmo)<br />
(TAVARES, op. cit.: 177).<br />
RITMO (DICIONÁRIO): Sucessão de tempos fortes e<br />
fracos que se alternam com intervalos regulares em um ver-<br />
precisamente para consegui-la. Ela é indefi nível, porém<br />
defi nidora. Li<strong>da</strong>-se com ela sem saber o que ela é<br />
– talvez o dom demoníaco de que fala Göethe, insusceptível<br />
de análise. Mas sabemos que ela existe e a<br />
captamos e medimos, seguramente, com uma técnica<br />
própria (CASSIANO, RICARDO. Algumas refl exões<br />
sobre poética de vanguar<strong>da</strong>. In: TAVARES, Hênio.<br />
Teoria Literária. 4. ed. Belo Horizonte: Bernardo<br />
Álvares, 1969: 172).<br />
o falante ou “voz” que fala ali. Esse é um problema<br />
complicado. O autor não fala o poema: para escrevêlo,<br />
o autor se imagina a si mesmo ou a uma outra voz<br />
falando-o. Ler um poema (...) é dizer as palavras. (...)<br />
O poema parece ser uma elocução, mas é a elocução<br />
de uma voz de status indeterminado. Ler suas palavras<br />
é colocar-se na posição de dizê-las ou, então, imaginar<br />
uma outra voz, dizendo-as – a voz, muitas vezes<br />
dizemos, de um narrador ou falante construído pelo<br />
autor. Desse modo temos, por um lado, o indivíduo<br />
histórico (...), e, por outro lado, a voz dessa elocução<br />
específi ca. Intermediária entre aquelas duas fi guras<br />
está uma outra fi gura: a imagem <strong>da</strong> voz poética que<br />
surge do estudo de uma gama de poemas de um único<br />
poeta. (...) A importância dessas diferentes fi guras varia<br />
de um poeta para outro. Mas ao pensar sobre a lírica,<br />
é crucial começar com uma distinção entre a voz que<br />
fala e o poeta que fez o poema, criando dessa maneira<br />
essa fi gura <strong>da</strong> voz (CULLER, op. cit.: 76-77).<br />
so, em uma frase musical etc. Na música, uni<strong>da</strong>de abstrata<br />
de medi<strong>da</strong> do tempo, a partir <strong>da</strong> qual são determina<strong>da</strong>s as<br />
relações rítmicas. Na arte literária, especialmente na poesia,<br />
o ritmo é o efeito estético ocasionado pela ocorrência de<br />
uni<strong>da</strong>des melódicas, dispostas numa seqüência contínua<br />
(poesia com ritmo ou uma prosa que possui ritmo).<br />
RITMO: Em linguagem, o ritmo é uma sucessão alterna<strong>da</strong><br />
de sons tônicos e átonos, repetidos com intervalos<br />
regulares. A reiteração dessas vozes fortes e fracas, produzindo<br />
o ritmo, é que impressionam os nossos sentidos.<br />
Na linguagem há sempre ritmo, seja ela fala<strong>da</strong> ou escrita,<br />
em prosa ou em verso. O ritmo na escrita só pode ser percebido<br />
visualmente, através de sua representação gráfi ca<br />
e simbólica (IDEM: 177).
2.4 – Poesia Clássica X Poesia Moderna<br />
POESIA CLÁSSICA (PONTO DE VISTA ES-<br />
TRUTURALISTA / ANALÍTICO): Na época clássica,<br />
a distinção poesia-prosa afi gurava-se evidente,<br />
porque se fun<strong>da</strong>va no aspecto formal do texto mais do<br />
que no efeito produzido. A poesia é, nesse tempo, um<br />
discurso sobrecarregado ou reforçado que, obedecendo<br />
em larga medi<strong>da</strong> às regras do código <strong>da</strong> língua, se vê,<br />
além disso, informado pelo seu código retórico restrito<br />
referente aos temas (ou tópicos), ao léxico, ao emprego<br />
<strong>da</strong>s fi guras e à prosódia, sendo esta última a injunção<br />
mais evidente – isto é: a mais diretamente visível<br />
(Conferir: LEFEBVE, Maurice-Jean. Estrutura do<br />
Discurso <strong>da</strong> Poesia e <strong>da</strong> Narrativa. 1. ed. portuguesa.<br />
Tradução de José Carlos Seabra Pereira. Coimbra,<br />
Portugal: Almedina, 1980: 154).<br />
Vocabulário<br />
Código retórico restrito – norma e regulamento<br />
retórico restrito. Lei que submete a retórica a uma<br />
expressivi<strong>da</strong>de lingüística limita<strong>da</strong>.<br />
Informado – formalizado.<br />
Injunção – ordem precisa e formal.<br />
Léxico – repertório total de palavras existentes numa<br />
determina<strong>da</strong> língua.<br />
Prosódia – parte <strong>da</strong> gramática tradicional que se<br />
dedica às características <strong>da</strong> emissão dos sons <strong>da</strong> fala,<br />
como o acento e a entoação. Geralmente, está relaciona<strong>da</strong><br />
com os estudos de metrifi cação. Estudo <strong>da</strong><br />
acentuação vocabular.<br />
Temas – assuntos; argumentos; matérias.<br />
2.5 – Poesia Moderna (Prosadores X Poetas)<br />
Ponto de Vista Estruturalista / Analítico (Discurso<br />
<strong>da</strong> Poesia X Discurso <strong>da</strong> Narrativa: Conceitos<br />
Modernos)<br />
Sabemos que, a partir do Pré-romantismo, um outro<br />
código [diferente do código clássico], inconfessado ou<br />
menos manifesto, vem insinuar-se na prosa e <strong>da</strong>r-lhes<br />
poderes semelhantes aos <strong>da</strong> poesia propriamente dita.<br />
A partir de Rousseau, de Chateaubriand, já não é tanto<br />
a forma como o objeto de que se fala que caracteriza a<br />
poesia: “imagens” <strong>da</strong> montanha, <strong>da</strong> fl oresta, <strong>da</strong> noite,<br />
do oceano embravecido, <strong>da</strong>s ruínas e dos túmulos...<br />
Eis-nos longe, parece de uma retórica <strong>da</strong> linguagem.<br />
Não creiamos em tal; a linguagem não é só matéria:<br />
é sentido, recolhendo em si o devaneio <strong>da</strong>s coisas.<br />
Acontece, então, a esses “prosadores” trabalharem com<br />
estas imagens como com palavras. Poderíamos dizer<br />
que a poesia se “semantifi cou” ou “referencializou”: o<br />
código dos símbolos vem estruturar a prosa e poetizála.<br />
Quanto à poesia propriamente dita, acolhe (com<br />
algum atraso) as mesmas imagens, enquanto que as<br />
formas, puramente lingüísticas e prosódicas, começam<br />
a desagregar-se (IDEM: 154-155).<br />
Vocabulário<br />
Código dos símbolos – normas e regulamentos dos<br />
símbolos. Código dos sinais indicativos. Normas e<br />
regulamentos para a expressão de qualquer palavra que<br />
designe uma representação convencional de algo.<br />
Devaneio – produto <strong>da</strong> fantasia, <strong>da</strong> utopia; sonho<br />
(sonhar acor<strong>da</strong>do).<br />
Matéria – qualquer substância sóli<strong>da</strong>, líqui<strong>da</strong> ou<br />
gasosa, que ocupa lugar no espaço.<br />
Prosódicas – referente à prosódia (prosódia = Parte <strong>da</strong><br />
gramática tradicional que se dedica às características <strong>da</strong><br />
emissão dos sons <strong>da</strong> fala, como o acento e a entoação).<br />
Referencializou – relativo à referência (Referência =<br />
sinal ou indicação que remete o leitor a outra fonte de<br />
informação).<br />
Semantifi cou – relativo à semântica (Semântica =<br />
Ramo <strong>da</strong> lingüística que se ocupa com o estudo <strong>da</strong> signifi -<br />
cação como parte dos sistemas <strong>da</strong>s línguas naturais).<br />
Sentido – concentração <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de mental; atenção;<br />
pensamento; conceito, opinião.<br />
Leituras Poéticas<br />
A Paisagem Alarga<br />
de ca<strong>da</strong> lado<br />
<strong>da</strong> estra<strong>da</strong><br />
No fi m encontramos<br />
o esplêndido mundo<br />
destruído<br />
Na esfera luminosa <strong>da</strong> manhã<br />
vesperal <strong>da</strong> paisagem<br />
para sempre <strong>da</strong> tarde<br />
(In: SAMUEL, Rogel. Poemas. 1. ed. Rio de Janeiro,<br />
1990: 128. (Exemplar N.º 3: Esta primeira edição do<br />
volume de Poemas de Rogel Samuel foi tira<strong>da</strong> em nove<br />
exemplares numerados e rubricados pelo autor)<br />
45
46<br />
Federico Garcia<br />
o sol de uma luz trazi<strong>da</strong><br />
e aziaga<br />
te cortava como lâminas<br />
de três gritantes guitarras<br />
E, an<strong>da</strong>luz valente<br />
Passavas poesia no tempo<br />
Federico Garcia<br />
guar<strong>da</strong> civiles de touros<br />
e de praças<br />
não te cobriam de pedras<br />
Por entre as rimas fi ltraram<br />
vozes irmãs <strong>da</strong>s estrelas<br />
que trocariam contigo<br />
essa barca sob o sol<br />
2.6 – Poema em Prosa ou Prosa Poética<br />
Poema em Prosa ou Prosa Poética<br />
A poesia pode estar conti<strong>da</strong> numa linguagem versifi -<br />
ca<strong>da</strong> ou em prosa. Quando ocorre a segun<strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de,<br />
dá-se o poema em prosa ou prosa poética. De um<br />
modo geral, haverá prosa poética quando concorrerem<br />
as seguintes características:<br />
a)Conteúdo lírico ou emotivo;<br />
b)Recriação lírica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de;<br />
c)Utilização artística do poético;<br />
d)Linguagem conotativa, carga lírica <strong>da</strong>s palavras,<br />
devido à capaci<strong>da</strong>de que as mesmas apresentam de<br />
sugerir idéias, visões, imagens, por meio de imitações<br />
sonoras, melódicas e rítmicas (...).<br />
Exemplo: “Verdes mares bravios de minha terra natal,<br />
onde canta a jan<strong>da</strong>ia nas frondes <strong>da</strong> carnaúba; verdes<br />
mares que brilhais, como líqui<strong>da</strong> esmeral<strong>da</strong> aos raios do<br />
sol nascente, perlongando as alvas praias ensombra<strong>da</strong>s<br />
de coqueiros!” (J. de Alencar, in: Iracema).<br />
Poderíamos até dispor o período alencariano em<br />
forma de versos:<br />
Verdes mares bravios (6)<br />
Da minha terra natal (7)<br />
Onde canta a jan<strong>da</strong>ia (6)<br />
Nas frondes <strong>da</strong> carnaúba (7)<br />
Verdes mares que brilhais (7)<br />
Como líqui<strong>da</strong> esmeral<strong>da</strong> (7)<br />
Aos raios do sol nascente (7)<br />
Perlongando as alvas praias (7)<br />
Ensombra<strong>da</strong>s de coqueiros (7)<br />
O ritmo melódico pode ser encontrado na prosa<br />
poética, mas não constitui elemento fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />
mesma. Se assim fosse, teríamos prosa versifi ca<strong>da</strong>,<br />
o que não é o mesmo. Ele [o ritmo melódico] pode<br />
(como muitas vezes acontece) ser simultâneo com os<br />
outros elementos, mas não como elemento primacial<br />
(TAVARES, op. cit.: 172-173).<br />
(In: SAMUEL, Rogel. Poemas. 1. ed. Rio de Janeiro,<br />
1990: 122. (Exemplar N.º 3: Esta primeira edição do<br />
volume de Poemas de Rogel Samuel foi tira<strong>da</strong> em nove<br />
exemplares numerados e rubricados pelo autor)<br />
Leitura de Prosa Poética<br />
Iracema (trecho do 1º capítulo)<br />
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta<br />
a jan<strong>da</strong>ia nas frondes <strong>da</strong> carnaúba;<br />
Verdes mares que brilhais como líqui<strong>da</strong> esmeral<strong>da</strong><br />
aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias<br />
ensombra<strong>da</strong>s de coqueiros;<br />
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga<br />
impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale<br />
à fl or <strong>da</strong>s águas.<br />
Onde vai a afouta janga<strong>da</strong>, que deixa rápi<strong>da</strong> a costa<br />
cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?<br />
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo<br />
pátrio nas solidões do oceano?<br />
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando<br />
veloce, mar em fora.<br />
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue<br />
americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz<br />
no berço <strong>da</strong>s fl orestas, e brincam irmãos, fi lhos ambos<br />
<strong>da</strong> mesma terra selvagem.<br />
A lufa<strong>da</strong> intermitente traz <strong>da</strong> praia um eco vibrante,<br />
que ressoa entre o marulho <strong>da</strong>s vagas:<br />
– Iracema!<br />
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos<br />
presos na sombra fugitiva <strong>da</strong> terra; a espaços o olhar<br />
empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde<br />
folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de<br />
seu infortúnio.<br />
Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro<br />
sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?<br />
Uma história que me contaram nas lin<strong>da</strong>s várzeas<br />
onde nasci, à cala<strong>da</strong> <strong>da</strong> noite, quando a lua passeava<br />
no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos<br />
palmares.<br />
2.7 – O que é Poesia Paraliterária?<br />
Por exemplo, a chama<strong>da</strong> <strong>literatura</strong> de cordel, poemacrônica,<br />
ou os poemas lau<strong>da</strong>tórios (dignifi cando uma<br />
determina<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de: um rei, um político, um<br />
religioso etc.): O discurso poético paraliterário desenvolve<br />
sempre uma estrutura sígnica poética a partir <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de objetiva.<br />
As formas diversas <strong>da</strong> <strong>literatura</strong> oral têm as funções<br />
de preenchimento <strong>da</strong>s horas de lazer, assumindo tare-<br />
(Ler: ALENCAR, José. Romances Ilustrados de<br />
José de Alencar. Iracema. 5. ed. Rio de Janeiro: José<br />
Olympio, 1967: 257-309, vol. 1)<br />
fas lúdicas e catárticas, ensinar princípios, exercitar a<br />
prolação pelo método dos travalínguas, estabelecer a<br />
comunicabili<strong>da</strong>de entre as gerações, ou entre as regiões<br />
rurais e urbanas. São constantes <strong>da</strong> <strong>literatura</strong> oral as<br />
adivinhas, as estórias, as parlen<strong>da</strong>s, os provérbios, as<br />
gestas, as anedotas. (...) (LEITÃO, Cláudio. Literatura<br />
Oral, Cordel e Folclore. In: SAMUEL, Rogel.<br />
Manual de Teoria Literária. 6. ed. Petrópolis: Vozes,<br />
1992:174).<br />
2.8 – Poema Paraliterário de Carlos Drummond de<br />
Andrade (Crônica em Versos)<br />
Crônica-poema de Carlos Drumond de Andrade<br />
publica<strong>da</strong> no Caderno B do Jornal do Brasil, em<br />
11 de Junho de 1983 – Sábado<br />
A LAMENTÁVEL<br />
HISTÓRIA DOS<br />
NAMORADOS<br />
Namorados, namorados,<br />
não vos vejo mais alados,<br />
sublimes, alcandorados<br />
nos mirífi cos estados<br />
de êxtases multiplicados<br />
em horizontes dourados<br />
de mundos ensolarados.<br />
Estais casmurros, calados<br />
entre carinhos cansados<br />
e sonhos desanimados.<br />
Que vos sucede, coitados?<br />
Acaso foram arquivados<br />
os projetos encantados<br />
alvo de fi nos cui<strong>da</strong>dos,<br />
pelos dois armazenados?<br />
Onde os férvidos agrados,<br />
os toques maravilhados<br />
de vossos dias passados?<br />
Namorados, namorados,<br />
deixai-nos desarvorados!<br />
Diviso em vossos semblantes<br />
sombras, traços inquietantes,<br />
diversos dos crepitantes,<br />
abertos e fulgurantes<br />
sinais festivos de antes.<br />
Já não sois doces amantes,<br />
não carregais, exultantes,<br />
o suave peso de instantes<br />
que pareciam diamantes<br />
nos volteios elegantes<br />
de jogos inebriantes<br />
e nos beijos delirantes<br />
quando adultos são infantes<br />
buscando refrigerantes<br />
que em vez de serem calmantes<br />
in<strong>da</strong> são mais excitantes.<br />
Já não sois os bandeirantes<br />
de descobertos faiscantes.<br />
Diviso em vossos semblantes<br />
amarguras humilhantes.<br />
Chegou-me a resposta no ar,<br />
após muito meditar<br />
e mil livros consultar:<br />
A infl ação tentacular,<br />
com guantes de arrebentar,<br />
ferrou-vos na jugular.<br />
Vosso anseio de morar<br />
em casinha à beira-mar<br />
Ou qualquer outro lugar<br />
Desfez-se no limiar.<br />
A recessão de lascar<br />
nem vos deixa respirar,<br />
e de empregos, neste an<strong>da</strong>r,<br />
quem ousa mais cogitar?<br />
Um pacote singular<br />
de rigidez tumular<br />
desaba no patamar<br />
<strong>da</strong> pretensão de casar.<br />
Chegou-me a resposta no ar:<br />
não dá mais pra namorar.<br />
Carlos Drummond de Andrade<br />
47
48<br />
UNIDADE <strong>III</strong><br />
NARRATIVA EM PROSA (FICÇÃO)<br />
3.1 – Definição de Narrativa em Prosa (Gênero Narrativo<br />
Ficcional)<br />
NARRATIVA (DICIONÁRIO): Processo ou efeito<br />
de narrar; narração. Exposição de um acontecimento<br />
ou de uma série de acontecimentos mais ou menos<br />
encadeados, reais ou imaginários, por meio de palavras<br />
ou de imagens. Conto. História. Caso. Novela.<br />
Romance.<br />
PROSA (DICIONÁRIO): Expressão natural <strong>da</strong> linguagem<br />
escrita ou fala<strong>da</strong>, sem metrifi cação intencional<br />
e não sujeita a ritmos regulares. Narrativa de fi cção,<br />
dos romances, novelas e contos. Expressão natural <strong>da</strong><br />
linguagem escrita ou fala<strong>da</strong>.<br />
Semiotização Ficcional do Discurso<br />
(Ponto de vista dos Estudos Semiológicos <strong>da</strong><br />
Literatura)<br />
O processo literário, constituído por uma operação mimética<br />
<strong>da</strong> dinâmica do real, cria o espaço e o personagem,<br />
e, convertido em discurso ao nível <strong>da</strong> elaboração sígnica,<br />
relaciona-os, construindo uma estrutura de reali<strong>da</strong>de<br />
fi ccional que comporta uma dimensão objetiva do<br />
espaço e uma dimensão subjetiva do personagem. A<br />
dimensão objetiva do espaço é apreendi<strong>da</strong> como expressão<br />
objetiva de valores codifi cados, e a dimensão<br />
subjetiva do personagem, como expressão subjetiva<br />
<strong>da</strong> experiência individual. No nível de elaboração <strong>da</strong><br />
proposição de reali<strong>da</strong>de fi ccional, a relação de identi<strong>da</strong>de<br />
do personagem com o espaço narrativo é sustenta<strong>da</strong><br />
pela lógica signifi cante <strong>da</strong> expressão subjetiva,<br />
que, investindo semiologicamente o discurso narrativo,<br />
tornam-se dinâmicas estruturantes (Conforme: SILVA,<br />
Anazildo Vasconcelos <strong>da</strong>. Semiotização Literária do<br />
Discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984: 57).<br />
Literatura e Linguagem<br />
(Ponto de vista dos Estudos Fenomenológicos <strong>da</strong> Literatura)<br />
O discurso, matéria <strong>da</strong> fi cção, redun<strong>da</strong> num dissemelhar,<br />
não porque se “invente” uma estória<br />
simplesmente, mas por causa <strong>da</strong> própria natureza do<br />
signo. Com isso tocamos igualmente na natureza do<br />
conhecimento, do saber. A natureza do conhecimento<br />
está estreitamente liga<strong>da</strong> à natureza dos signos. As<br />
grandes obras-de-arte enchem-nos de um profundo<br />
prazer, porque realizam graus de conhecimento dos<br />
mais radicais. É que elas são criativas ao nível do signo<br />
<strong>da</strong> linguagem do conhecer.<br />
(...) A linguagem [literária: poética ou fi ccional] seria<br />
o vigor, a força de todo sistema [de signos], consistiria<br />
no sentido que o ser do homem se dá ao constituir-se<br />
historicamente. Seria a força que se manifesta no<br />
co-notar, através <strong>da</strong>s diferentes fi guras: metáfora,<br />
metonímia, símbolo, alegoria etc. ao ato de co-notar,<br />
através <strong>da</strong>s diferentes fi guras, <strong>da</strong> fi cção, os gregos<br />
denominaram mimésis. Levar adiante uma melhor<br />
compreensão <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> <strong>literatura</strong> é empreender<br />
uma tematização <strong>da</strong>s fi guras e <strong>da</strong> mimésis (Conferir:<br />
CASTRO, op. cit.: 52-53).<br />
3.2 – Definição de Narrativa em Versos (Gênero Épico)<br />
Poema Narrativo / Epopéia em Versos / Narrativa<br />
em Versos<br />
NARRATIVA (DICIONÁRIO): Processo ou efeito<br />
de narrar; narração. Exposição de um acontecimento<br />
ou de uma série de acontecimentos mais ou menos<br />
encadeados, reais ou imaginários, por meio de palavras<br />
ou de imagens. Conto. História. Caso. Novela.<br />
Romance.<br />
VERSO (DICIONÁRIO): Subdivisão de um poema<br />
que obedece a padrões de métrica (pés) e de rima<br />
(variáveis no tempo e no espaço), ou prescinde deles<br />
(versos brancos e livres), caracterizando-se por possuir<br />
certa linha melódica ou efeitos sonoros, além de<br />
apresentar uni<strong>da</strong>de de sentido.<br />
POEMA (DICIONÁRIO): Obra de poesia em verso.<br />
Aquele ou aquilo que tem poesia ou que merece ser<br />
cantado em um poema. Composição em verso. Forma<br />
<strong>da</strong> poesia.<br />
EPOPÉIA (DICIONÁRIO): Poema épico; poema<br />
narrativo em versos.
Semiotização Épica do Discurso<br />
(Ponto de vista dos Estudos Semiológicos <strong>da</strong> Literatura)<br />
No panorama dos modernos estudos literários, a<br />
formulação épica do discurso é ain<strong>da</strong> uma lacuna que<br />
implica o empobrecimento teórico, verifi cado no estudo<br />
<strong>da</strong>s epopéias modernas. Dispomos tão-somente de<br />
uma teorização clássica do gênero épico, que se torna<br />
inoperante frente à produção épica moderna, <strong>da</strong>ndo-nos<br />
a falsa impressão de que o épico, prendendo-se a uma<br />
época fecha<strong>da</strong>, em que a problemática existencial do<br />
homem se coadunava com a epici<strong>da</strong>de, é incompatível<br />
com a moderni<strong>da</strong>de.<br />
O acompanhamento crítico <strong>da</strong> evolução épica cobre<br />
apenas o percurso que vem do classicismo greco-romano<br />
até o renascimento, a partir <strong>da</strong>í, perde-se por<br />
completo a perspectiva crítico-evolutiva do gênero<br />
épico. Os Lusía<strong>da</strong>s, de Camões, seriam a última obra<br />
a merecer a denominação de epopéia, já que as obras<br />
posteriores são referi<strong>da</strong>s invariavelmente por uma<br />
indecisão adjetiva: poema épico-lírico, de tom épico<br />
etc. E a razão disso é o fato de não contarmos, até o<br />
momento, com uma <strong>teoria</strong> épica do discurso. Dispomos<br />
unicamente <strong>da</strong> formulação aristotélica do gênero<br />
épico, apresenta<strong>da</strong> como uma <strong>teoria</strong> do discurso épico<br />
por Staiger [Emil Staiger], Bowra, Kaiser e Käte Hamburger,<br />
entre muitos outros estudiosos. Acontece que a<br />
proposta de Aristóteles, elabora<strong>da</strong> a partir de um corpus<br />
específi co, a produção grega, é uma proposta crítica<br />
e, como tal, tem sua vali<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> unicamente à<br />
produção épica clássica. A extrapolação <strong>da</strong> proposta<br />
aristotélica do âmbito clássico constitui um equívoco<br />
insustentável, já que a proposição crítica, devido ao<br />
seu caráter estrito e particularizante, tem sua efi cácia<br />
e vali<strong>da</strong>de limitados exclusivamente ao corpus analisado.<br />
Crítica é uma refl exão sobre a manifestação, a<br />
obra como <strong>da</strong>do concreto, <strong>da</strong>í o caráter estrito, ao<br />
contrário <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> que, sendo uma refl exão sobre o ato<br />
<strong>da</strong> criação literária na sua conversão em discurso, tem<br />
um caráter universalizante que estende sua efi cácia e<br />
vali<strong>da</strong>de a to<strong>da</strong>s as manifestações do discurso, objeto<br />
<strong>da</strong> refl exão. O teórico pensa o processo estruturante <strong>da</strong><br />
signifi cação, o discurso. O crítico pensa as estruturas<br />
de manifestação <strong>da</strong> signifi cação. Assim, para ser ver<strong>da</strong>-<br />
deira e poder resgatar a natureza épica <strong>da</strong> narrativa em<br />
ca<strong>da</strong> manifestação particular, a <strong>teoria</strong> épica do discurso<br />
deverá ser uma refl exão sobre o processo literário de<br />
criação, na sua conversão em discurso épico (SILVA,<br />
op. cit.: 9-10).<br />
A NATUREZA DA MATÉRIA ÉPICA X A NA-<br />
TUREZA DA MATÉRIA FICCIONAL<br />
Na perspectiva dos gêneros literários, a epopéia<br />
compõe, juntamente com a fi cção, o gênero narrativo.<br />
De fato a epopéia é narrativa e, por isso mesmo, apresenta<br />
os elementos característicos do gênero, o personagem,<br />
o espaço e o acontecimento que, cosidos pelo fi o narrativo,<br />
constituem um universo sígnico defi nido. Mas,<br />
embora narrativa, distingue-se inicialmente <strong>da</strong> fi cção,<br />
pelo fato de integrar a expressão formal na sua estrutura.<br />
A epopéia organiza-se em cantos, utiliza o verso<br />
como uni<strong>da</strong>de, explora o ritmo e os recursos sonoros.<br />
A integração <strong>da</strong> expressão formal na estrutura narrativa,<br />
se de um lado distingue a epopéia <strong>da</strong> narrativa<br />
de fi cção, por outro, a aproxima <strong>da</strong> lírica. De acordo<br />
com a concepção tradicional dos gêneros literários, a<br />
epopéia defi ne-se como uma narrativa que integra a<br />
expressão formal na sua estrutura, distinguindo-se<br />
assim <strong>da</strong> narrativa de fi cção (IDEM: 12).<br />
NARRATIVA ÉPICA (NARRATIVA EM VERSOS)<br />
(Ponto de vista dos Estudos Fenomenológicos <strong>da</strong><br />
Literatura)<br />
O épico se caracteriza primordialmente por ser um<br />
estilo narrativo, através do qual o poeta narra, descreve<br />
e exalta fatos históricos e personagens heróicos. É o estilo<br />
mais próprio para traduzir os sentimentos coletivos,<br />
a grandiosi<strong>da</strong>de dos cenários, dos heróis, dos combates<br />
e dos sentimentos. A forma mais característica em que<br />
o estilo épico se apresentou foi a epopéia, mas também<br />
podemos destacar outras diferentes concepções<br />
do épico, segundo as épocas: as canções de gesta <strong>da</strong><br />
I<strong>da</strong>de Média [escritas em versos], pequenas narrativas<br />
em versos do século XVI, XVII e XV<strong>III</strong>, poemas<br />
narrativos como o Uraguai de Basílio <strong>da</strong> Gama etc.<br />
(ARAGÃO, op. cit.: 76).<br />
3.3 – Estrutura <strong>da</strong> Narrativa Ficcional Tradicional<br />
Estrutura <strong>da</strong> Narrativa de Ficção (Estrutura<br />
tradicional)<br />
NARRATIVA DE ESTRUTURA SIMPLES (FORMA)<br />
1ª Observação: Não confundir com Narrativa de<br />
Acontecimento Normal, também conheci<strong>da</strong> pelo nome<br />
de Narrativa de Acontecimento Simples;<br />
2ª Observação: Narrativa de Estrutura Simples =<br />
Narrativa de Personagem (Romantismo) e Narrativa<br />
de Espaço (Realismo-Naturalismo).<br />
• Apresentação<br />
• Complicação (Complicações)<br />
• Clímax<br />
• Solução (Resolução ou Epílogo)<br />
49
50<br />
3.4 – Componentes <strong>da</strong> Narrativa Ficcional (Prosa)<br />
Narrativa Ficcional (Prosa)<br />
Estudo básico:<br />
ENREDO (MATÉRIA NARRADA): Personagem;<br />
ação; tempo; espaço; ambiente. O enredo é a ação <strong>da</strong><br />
narrativa, a sucessão e a transformação de fatos, vivências<br />
e situações. É também chamado história/estória,<br />
fábula, enunciado.<br />
Enredo<br />
• Linear ou não;<br />
• Seqüência lógica ou não;<br />
• Princípio, meio e fi m;<br />
• Abertura <strong>da</strong> obra;<br />
• Construção <strong>da</strong> narrativa;<br />
• Estruturação do conjunto;<br />
• Enfoque narrativo;<br />
• Desenvolvimento <strong>da</strong> narrativa;<br />
• Planos <strong>da</strong> narrativa.<br />
Personagens<br />
• A relação entre si;<br />
• A imagem que formam;<br />
• A intriga de que participam;<br />
• Os obstáculos que têm de enfrentar;<br />
• O discurso <strong>da</strong>s personagens.<br />
Ação<br />
• Como se desenvolve;<br />
(Exemplo: Se é desenvolvi<strong>da</strong> no passado; se a ação<br />
do presente é monótona etc.);<br />
• Como as personagens participam <strong>da</strong> ação (a maneira);<br />
• Como o confl ito se estabelece na ação.<br />
Tempo<br />
• Normal - tempo do relógio; tempo sintagmático;<br />
• Lento;<br />
• Acelerado;<br />
• Tempo de memória.<br />
Ambiente<br />
• Urbano;<br />
• Campestre;<br />
• Outros;<br />
• A relação do ambiente com a caracterização <strong>da</strong>s<br />
personagens;<br />
• As personagens nivela<strong>da</strong>s ou não ao ambiente de<br />
que participam.<br />
3.5 – Para a Eluci<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Narrativa Ficcional<br />
PERSONAGEM – Ca<strong>da</strong> um dos seres humanos,<br />
sobrenaturais ou simbólicos idealizados pelo escritor,<br />
e que, como dotados de vi<strong>da</strong> própria, tomam parte na<br />
ação de uma obra literária.<br />
AÇÃO – O conjunto e o desenrolar dos diferentes<br />
acontecimentos de um drama, uma narrativa, uma<br />
película etc. É possível a existência de várias ações simultâneas,<br />
e, igualmente, que a ação lance mão (jogue,<br />
combine) de um papel secundário no conjunto, como<br />
ocorre em determina<strong>da</strong>s novelas modernas. Os teóricos<br />
<strong>da</strong> <strong>literatura</strong>, apesar <strong>da</strong>s tendências modernas, desde a<br />
Poética de Aristóteles, têm exigido a uni<strong>da</strong>de de ação.<br />
Dividem ação em três partes principais: a exposição<br />
(o assentamento, o registro <strong>da</strong> questão ou situação a<br />
ser narra<strong>da</strong>), o nó (ou laço, ou enredo), parte em que a<br />
ação alcança seu ponto máximo (culminante), assim<br />
como o argumento alcança também sua máxima tensão,<br />
e, fi nalmente, o desenlace (conclusão) em que se<br />
resolve o confl ito. É pôr em movimento personagens<br />
que se relacionam entre si. Como na vi<strong>da</strong>, essas relações<br />
podem ser de amor, de amizade, de competição,<br />
de oposição.<br />
TEMPO – As cama<strong>da</strong>s temporais detecta<strong>da</strong>s: tempo<br />
vital (tempo relacionado ao relógio; tempo sintag-<br />
mático); tempo do pensamento (tempo relacionado<br />
aos cogitos superpostos; tempo paradigmático).<br />
ESPAÇO (DICIONÁRIO) – (Literatura) Campo<br />
abrangido idealmente por determina<strong>da</strong> área dos conhecimentos<br />
e fazeres humanos (espaço cultural, espaço<br />
psicológico, espaço literário).<br />
MATÉRIA NARRADA (ENREDO) – É a ação<br />
<strong>da</strong> narrativa, a sucessão e a transformação de fatos,<br />
vivências e situações. É também chama<strong>da</strong> de história,<br />
ou fábula, ou enunciado.<br />
RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS (Funções<br />
que exercem dentro do enredo) – Há entre as<br />
personagens as que se sobressaem, por ser as que mais<br />
“agem” ou as que mais são focaliza<strong>da</strong>s pelo narrador.<br />
São os protagonistas (heróis ou anti-heróis). As que<br />
se relacionam por oposição aos protagonistas são os<br />
antagonistas, também, geralmente, no primeiro plano<br />
dos acontecimentos. À volta dessas, um conjunto de<br />
personagens secundárias dão suporte ao desenrolar<br />
<strong>da</strong> ação.<br />
NÚCLEO DRAMÁTICO (atenção: não confundir<br />
com Gênero Dramático) – É o que se narra. É o núcleo
confl itivo, gerador <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong>s personagens, em torno<br />
do qual se podem criar outros confl itos, confronto de<br />
forças antagônicas, ação gerando ação, em sentido<br />
contrário. Tais forças em luta, no seu inter-relacionamento,<br />
vão impulsionando as mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong>s situações<br />
cria<strong>da</strong>s. Ain<strong>da</strong> em relação ao núcleo dramático: em<br />
muitos casos, a trajetória existencial <strong>da</strong> personagem<br />
(do herói problemático <strong>da</strong>s narrativas modernas ou do<br />
anti-herói), constitui o próprio núcleo enredo.<br />
CONSTITUIÇÃO DO NÚCLEO DRAMÁTICO<br />
DO ENREDO (Romance de Aprendizagem):<br />
– a procura do autoconhecimento;<br />
– a busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong>;<br />
– a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de do outro;<br />
– a busca <strong>da</strong> comunicação intersubjetiva;<br />
– a busca do conhecimento <strong>da</strong>s regras do jogo do mundo.<br />
Às vezes, o núcleo dramático pode parecer um e, a<br />
uma leitura mais atenta, revelar-se outro. Exemplo: a<br />
narrativa fi ccional Grande Sertão: Vere<strong>da</strong>s, de Guimarães<br />
Rosa. Em um primeiro momento: to<strong>da</strong>s as<br />
perguntas do personagem principal parecem ser feitas<br />
para responder se o diabo existe, mas, o grande enigma<br />
é a própria identi<strong>da</strong>de do personagem (identi<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong>,<br />
fenômeno <strong>da</strong>s narrativas <strong>da</strong> Era Moderna). Quem<br />
sou eu? É a questão básica (é a questão básica também<br />
de to<strong>da</strong> narrativa em primeira pessoa).<br />
NÚCLEO DRAMÁTICO NO ROMANTISMO – Predominância<br />
dos enredos de amor. Construção <strong>da</strong> narrativa:<br />
Encontro de dois jovens, inexperientes no amor,<br />
que se apaixonam à primeira vista. To<strong>da</strong>s as situações<br />
que se sucedem ao primeiro encontro vão ser cria<strong>da</strong>s<br />
pela luta obstina<strong>da</strong> do par amoroso para realizar o<br />
seu amor. Os obstáculos a vencer são geralmente as<br />
desigual<strong>da</strong>des sociais, a autori<strong>da</strong>de paterna, um rival<br />
poderoso, o mistério <strong>da</strong> origem de um dos apaixonados,<br />
entre outros. Na conclusão, há sempre a vitória do amor<br />
ou <strong>da</strong> morte, esta sob a forma de loucura ou de entra<strong>da</strong><br />
para um convento (formas de “morrer” para o mundo<br />
= Filosofi a Idealista).<br />
NÚCLEO DRAMÁTICO NO REALISMO-<br />
NATURALISMO – A ênfase dos enredos desloca-se<br />
para o coletivo. No espaço urbano, a degenerescência<br />
social, a marginalização, os aspectos mórbidos <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de vão ser focalizados como forma de reação<br />
à idealização romântica. A Filosofi a Materialista <strong>da</strong><br />
estética do Realismo-Naturalismo se opõe à visão <strong>da</strong><br />
Filosofi a Idealista do Romantismo. Novos fatos, novas<br />
correntes de pensamento, novas <strong>teoria</strong>s científi cas,<br />
mu<strong>da</strong>nças na socie<strong>da</strong>de, com o surgimento e desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> máquina, iriam resultar em diferentes<br />
concepções do mundo e <strong>da</strong> arte.<br />
AS SITUAÇÕES NAS NARRATIVAS LINEARES<br />
– As situações que se criam dentro do núcleo dramático<br />
<strong>da</strong>s narrativas lineares são geralmente articula<strong>da</strong>s entre<br />
as personagens principais. Por exemplo, o núcleo<br />
dramático de Iracema, de José de Alencar, é o amor<br />
proibido entre Martim e Iracema.<br />
NÚCLEO DRAMÁTICO NO MODERNISMO<br />
(SÉCULO XX) – A motivação confl itiva pode recair<br />
na personagem, mas pode ser posta no contexto social<br />
dentro <strong>da</strong> qual as personagens se situam. As relações<br />
entre o trabalho e o capital, as questões de proprie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> terra, a luta pelo poder etc.<br />
AS SITUAÇÕES NARRATIVO-FICCIONAIS (SÉCULO XX) Surgimento<br />
<strong>da</strong> Psicanálise e <strong>da</strong> concepção marxista <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> História, bem como <strong>da</strong><br />
Filosofi a do Existencialismo. Enredo centrado no personagem-narrador (aquele<br />
que enfatiza o social, levando às últimas conseqüências a análise psicológica,<br />
as in<strong>da</strong>gações existenciais e o comportamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em suas relações<br />
econômico-político-culturais.<br />
+<br />
Revivência do mítico, de arquétipos bíblicos, do elemento mágico, do<br />
onírico, do maravilhoso<br />
COMPLEXIDADE NARRATIVA<br />
(NARRATIVAS DO SÉCULO XX)<br />
51
52<br />
3.6 – Complexi<strong>da</strong>de Narrativa (Narrativas do Século XX)<br />
PÓS-MODERNO – Supõe uma refl exão sobre o<br />
tempo (por exemplo: o tempo na Era Medieval / o<br />
tempo na Era Moderna / o tempo na Era Pós-Moderna)<br />
// A que tempo se refere? – Não a um tempo homogêneo,<br />
linear, em que se possa estabelecer um recorte<br />
e fi xar uma <strong>da</strong>ta decisiva, um ato inaugural, como<br />
se poderia esperar <strong>da</strong> visão simplista <strong>da</strong> história,<br />
na qual somos zelosamente educados. Não se pode<br />
defi nir um início preciso e, embora se prenuncie e se<br />
deseje uma superação, ela não é nunca o fi m (Conferir:<br />
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (Org.). Pós-moderni<strong>da</strong>de.<br />
1. ed. Campinas: Unicamp, 1987: 45).<br />
ATITUDE PÓS-MODERNA – Atitude nasci<strong>da</strong><br />
do espanto, do desencanto, <strong>da</strong> amargura afl itiva, que<br />
procura se reconstruir em segui<strong>da</strong> como alternativa<br />
parcial, desprendi<strong>da</strong> do sonho de arrogância, de uni<strong>da</strong>de<br />
e poder, de cujo naufrágio participou, mas decidiu<br />
3.7 – Padrões Narrativos<br />
salvar-se a tempo, levando consigo o que pode resgatar<br />
<strong>da</strong> esperança (IDEM: 45).<br />
Anseio de uma justiça que possa ser sensível ao<br />
pequeno, ao incompleto, ao múltiplo, à condição de<br />
irredutível diferença que marca a materiali<strong>da</strong>de de<br />
ca<strong>da</strong> elemento <strong>da</strong> natureza, de ca<strong>da</strong> ser humano, de<br />
ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, de ca<strong>da</strong> circunstância, ao contrário<br />
do que nos ensinam a metafísica e o positivismo ofi -<br />
ciais. A sensibili<strong>da</strong>de para a expressão inevitável do<br />
acaso, do contraditório, do aleatório. O espaço para o<br />
humor, o prazer, a contemplação, sem outra fi nali<strong>da</strong>de<br />
senão a satisfação que o homem neles experimenta.<br />
O aprendizado humilde <strong>da</strong> convivência difícil, mas<br />
fun<strong>da</strong>mental com o imponderável, o incompreensível,<br />
o inefável – depois de séculos de fé brutal de que<br />
tudo pode ser conhecido, conquistado, controlado<br />
(IBIDEM: 54).<br />
(Cf.: SILVA, Anazildo Vasconcelos <strong>da</strong>. Semiotização Literária do Discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984: 56-81)<br />
NÍVEL DA REALIDADE:<br />
H = M – Mundo: raciocínio que dá sentido objetivo.<br />
A – Ações do homem + ocorrências do mundo = raciocínio que dá sentido objetivo.<br />
Homem: raciocínio que dá sentido objetivo.<br />
**************************************************************************************<br />
NÍVEL DA FICÇÃO:<br />
P = E<br />
A – Ações do personagem / ocorrências do mundo<br />
Personagem: raciocínio que dá sentido subjetivo.<br />
**************************************************************************************<br />
FIO NARRATIVO – ATIVIDADE QUE ESTRUTURA A NARRATIVA<br />
(MOVIMENTO, FORÇA, DINAMISMO)<br />
**************************************************************************************<br />
PADRÕES NARRATIVOS:<br />
– Narrativa de Semiotização do Personagem (Tradicional)<br />
– Narrativa de Semiotização do Espaço (Tradicional)<br />
– Narrativa de Semiotização do Acontecimento<br />
(Inovador)
NARRATIVA DE SEMIOTIZAÇÃO DO PER-<br />
SONAGEM<br />
– O sentido é <strong>da</strong>do a partir do PERSONAGEM;<br />
– O raciocínio que dá sentido subjetivo ao personagem,<br />
aliado ao fi o narrativo, converte o personagem em força<br />
estruturante, para direcionar a proposta de reali<strong>da</strong>de<br />
fi ccional;<br />
– O personagem atinge a plenitude;<br />
– Valorização do aspecto pessoal;<br />
– O espaço faz o possível para sujeitar o PERSONAGEM<br />
(não consegue);<br />
– O acontecimento é uma ocorrência do espaço, tentando<br />
restaurar a identi<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong> (não consegue)<br />
Exemplos: Iracema, de José de Alencar, Amor de<br />
Salvação, de Camilo <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong> e Ivanhoé, de<br />
Walter Scott.<br />
NARRATIVA DE SEMIOTIZAÇÃO DO ES-<br />
PAÇO<br />
– O sentido é <strong>da</strong>do a partir do ESPAÇO;<br />
– O raciocínio que dá o sentido objetivo do espaço,<br />
aliado ao fi o narrativo, converte o espaço em força<br />
estruturante, para direcionar a proposta de reali<strong>da</strong>de<br />
fi ccional;<br />
– O ESPAÇO submete o acontecimento e o personagem<br />
à sua lógica, ou seja, ao seu raciocínio;<br />
– O sentido do acontecimento é <strong>da</strong>do em função de<br />
valores objetivos, sujeitando o personagem;<br />
– A identi<strong>da</strong>de é restabeleci<strong>da</strong> com a punição do<br />
personagem;<br />
– O acontecimento é uma ação do personagem;<br />
– Por mais que o personagem tente projetar sua<br />
experiência por fora dos limites do espaço, não consegue.<br />
Exemplos: Dom Casmurro, de Machado de Assis;<br />
O primo Basílio, de Eça de Queirós e O Cortiço, de<br />
Aluísio de Azevedo<br />
NARRATIVA DE SEMIOTIZAÇÃO DO ACON-<br />
TECIMENTO<br />
– O raciocínio que dá sentido ao ACONTECIMENTO,<br />
aliado ao fi o narrativo, converte o ACONTECIMENTO<br />
em força estruturante, para direcionar a proposta de<br />
reali<strong>da</strong>de fi ccional;<br />
– O acontecimento submete o personagem e o<br />
espaço à sua lógica;<br />
– O personagem e o espaço se desarticulam e passam<br />
a se desconhecer;<br />
– Quebra<strong>da</strong> a identi<strong>da</strong>de, ela não é mais restabeleci<strong>da</strong>;<br />
– A Crítica tem batizado esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de <strong>da</strong> narrativa<br />
com vários nomes: narrativa de acontecimento<br />
normal; narrativa do absurdo; narrativa fantástica;<br />
narrativa do realismo-mágico. To<strong>da</strong>s essas narrativas<br />
pertencem à narrativa de semiotização do<br />
acontecimento, apenas o insólito é realizado de<br />
maneira diferente.<br />
3.8 – Estrutura (Pós)Moderna <strong>da</strong> Narrativa em Prosa<br />
(As Inovações <strong>da</strong> Narrativa Ficcional no Século XX)<br />
As Narrativas de Acontecimento (Século XX): Romances e Contos<br />
Exemplos:<br />
No Brasil:<br />
NARRATIVA DE ESTRUTURA COMPLEXA (FORMA)<br />
• TEMPO DO RELÓGIO X TEMPO DO PENSAMENTO<br />
(SINTAGMÁTICO) (PARADIGMÁTICO)<br />
• PREDOMIÂNCIA DO TEMPO DO PENSAMENTO<br />
(COGITOS SUPERPOSTOS)<br />
• INTROSPECÇÃO DO NARRADOR<br />
• CAOS NARRATIVO<br />
A paixão segundo GH, de Clarice Lispector, que<br />
começa assim:<br />
“- - - - - - estou procurando, estou procurando.” e<br />
termina assim: “E então adoro. - - - - - -.” (exploração<br />
dos confl itos <strong>da</strong> consciência aliena<strong>da</strong> a poderosas<br />
forças sociais).<br />
53
54<br />
Aprendizagem ou Livro dos prazeres, <strong>da</strong> mesma autora,<br />
começa por uma vírgula e com letra minúscula.<br />
Grande Sertão: Vere<strong>da</strong>s, de Guimarães Rosa (acúmulo<br />
de conceitos em forma de fi cção).<br />
As Meninas, de Lygia Fagundes Telles (mistura de<br />
vozes narrativas).<br />
Quando fui morto em Cuba, de Roberto Drummond.<br />
A morte de D. J. em Paris, de Roberto Drummond<br />
(coletânea de contos: personagens metamorfoseados;<br />
ATENÇÃO: As novelas publica<strong>da</strong>s em livro e as novelas escritas e/ou a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para<br />
serem encena<strong>da</strong>s em televisão, incluindo as narrativas fi ccionais escritas e/ou a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para<br />
serem encenados em películas cinematográfi cas (estruturalmente sintagmáticas, lineares,<br />
paraliterárias), não se integram ao que chamamos narrativas fi ccionais inovadoras. Por<br />
exigências <strong>da</strong>s normas <strong>da</strong> linguagem visual e exigências de mercado fi nanceiro televisivo<br />
e cinematográfi co, tais textos terão de seguir obrigatoriamente os mecanismos <strong>da</strong> fi cção<br />
linear (para alcançarem a aprovação emocional do espectador do momento). Mesmo os<br />
chamados fi lmes inovadores não possuem um texto literário inovador (fi lmes inovadores<br />
= os fi lmes que, aparentemente, não se preocupam em contar uma história previsível ou<br />
que não possuem seqüências previsíveis).<br />
3.9 – Texto Ficcional para Leitura: A Terceira Margem<br />
do Rio, Guimarães Rosa<br />
A Terceira Margem do Rio<br />
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e<br />
sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam<br />
as diversas sensatas pessoas, quando in<strong>da</strong>guei<br />
a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não<br />
fi gurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros,<br />
conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem<br />
regia, e que ralhava no diário com a gente – minha<br />
irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso<br />
pai mandou fazer para si uma canoa.<br />
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau<br />
de vinhático, pequena, mal com a tabuinha <strong>da</strong> popa,<br />
como para caber justo o remador. Mas teve de ser to<strong>da</strong><br />
fabrica<strong>da</strong>, escolhi<strong>da</strong> forte e arquea<strong>da</strong> em rijo, própria<br />
para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos.<br />
Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele,<br />
que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para<br />
pescarias e caça<strong>da</strong>s? Nosso pai na<strong>da</strong> não dizia. Nossa<br />
casa, no tempo, ain<strong>da</strong> era mais próxima do rio, obra de<br />
nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande,<br />
fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver<br />
a forma <strong>da</strong> outra beira. E esquecer não posso, do dia<br />
em que a canoa fi cou pronta.<br />
Sem alegria nem cui<strong>da</strong>do, nosso pai encalcou o<br />
chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou<br />
vivem situações absur<strong>da</strong>s, dentro de uma reali<strong>da</strong>de<br />
absur<strong>da</strong>).<br />
O Caso Alice, de Sônia Coutinho (intertextuali<strong>da</strong>de).<br />
Em Portugal:<br />
Sem Tecto, entre ruínas, de Augusto Abelaira.<br />
Bolor, de Augusto Abelaira.<br />
Rumor <strong>Branco</strong>, de Almei<strong>da</strong> Faria.<br />
A Paixão Segundo Jesus Cristo, de José Saramago.<br />
O dia <strong>da</strong> morte de Ricardo Reis, de José Saramago.<br />
outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a<br />
alguma recomen<strong>da</strong>ção. Nossa mãe, a gente achou que<br />
ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de páli<strong>da</strong>,<br />
mascou o beiço e bramou: – “Ce vai, ocê fi que, você<br />
nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou<br />
manso para mim, me acenando de vir também, por uns<br />
passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez<br />
de jeito. O rumo <strong>da</strong>quilo me animava, chega que um<br />
propósito perguntei: – “Pai, o senhor me leva junto,<br />
nessa sua canoa?” Ele só retornou o olhar em mim,<br />
e me botou a bênção, com gesto me man<strong>da</strong>ndo para<br />
trás. Fiz que vim, mas ain<strong>da</strong> virei, na grota do mato,<br />
para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou,<br />
pelo remar. E a canoa saiu se indo – a sombra dela por<br />
igual, feito um jacaré, compri<strong>da</strong> longa.<br />
Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma<br />
parte. Só executava a invenção de permanecer naqueles<br />
espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro <strong>da</strong><br />
canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza<br />
dessa ver<strong>da</strong>de deu para estarrecer de todo a gente.<br />
Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos<br />
e conhecidos nossos se reuniram, tomaram juntamente<br />
conselho.<br />
Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura;<br />
por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que<br />
não queriam falar: doidera. Só uns achavam o entanto
de poder também ser pagamento de promessa; ou que,<br />
nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma<br />
feia doença, que seja, a lepra, se desertava para<br />
outra sina de existir, perto e longe de sua família dele.<br />
As vozes <strong>da</strong>s notícias se <strong>da</strong>ndo pelas certas pessoas<br />
– passadores, moradores <strong>da</strong>s beiras, até do afastado<br />
<strong>da</strong> outra ban<strong>da</strong> – descrevendo que nosso pai nunca<br />
se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia<br />
nem de noite, <strong>da</strong> forma como cursava no rio, solto<br />
solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados<br />
nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse,<br />
ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava<br />
e viajava s’embora, para jamais, o que ao menos se<br />
condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez,<br />
para casa.<br />
No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer<br />
para ele, ca<strong>da</strong> dia, um tanto de comi<strong>da</strong> furta<strong>da</strong>: a idéia<br />
que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal<br />
nosso experimentou de acender fogueiras em beira<strong>da</strong><br />
do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se<br />
chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura,<br />
broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai,<br />
no enfi m de uma hora, tão custosa para sobrevir: só<br />
assim, ele no ao-longe, sentado no fundo <strong>da</strong> canoa,<br />
suspendi<strong>da</strong> no liso do rio. Me viu, não remou para<br />
cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num<br />
oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a<br />
seco de chuva e orvalho. Isso, que fi z, e refi z, sempre,<br />
tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa<br />
mãe sabia desse meu encargo, só não encobrindo de<br />
não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de<br />
coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não<br />
se demonstrava.<br />
Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na<br />
fazen<strong>da</strong> e nos negócios. Mandou vir o mestre, para<br />
nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se<br />
revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar<br />
a nosso pai o dever de desistir <strong>da</strong> tristonha teima.<br />
Deoutra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois<br />
sol<strong>da</strong>dos. Tudo o que não valeu de na<strong>da</strong>. Nosso pai passava<br />
ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa,<br />
sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo<br />
quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que<br />
trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele,<br />
não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra<br />
ban<strong>da</strong>, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há,<br />
por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos,<br />
a escuridão, <strong>da</strong>quele.<br />
A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas,<br />
que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou,<br />
em si, na ver<strong>da</strong>de. Tiro por mim, que, no que queria, e<br />
no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto<br />
que jogava para trás meus pensamentos. O severo que<br />
era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele<br />
agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros,<br />
calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano,<br />
sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por<br />
to<strong>da</strong>s as semanas, e meses, e os anos – sem fazer conta<br />
do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma <strong>da</strong>s duas<br />
beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais<br />
em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para<br />
dormir seu tanto, ele fi zesse amarração <strong>da</strong> canoa, em<br />
alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um<br />
foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca<br />
mais riscou um fósforo. O que consumia de comer,<br />
era só um quase; mesmo do que a gente depositava,<br />
no entre as raízes <strong>da</strong> gameleira, ou na lapinha de pedra<br />
do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não<br />
adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento<br />
na canoa, resistido, mesmo na demasia <strong>da</strong>s enchentes,<br />
no subimento, aí quando no lanço <strong>da</strong> correnteza enorme<br />
do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos<br />
mortos e paus-de-árvore descendo – de espanto de esbarro.<br />
E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma.<br />
Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava.<br />
Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se,<br />
por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para<br />
se despertar de novo, de repente, com a memória, no<br />
passo de outros sobressaltos.<br />
Mina irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A<br />
gente imaginava nele, quando se comia uma comi<strong>da</strong><br />
mais gostosa; assim como, no gasalhado <strong>da</strong> noite,<br />
no desamparo dessas noites de muita chuva, fria,<br />
forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir<br />
esvaziando a canoa <strong>da</strong> água do temporal. Às vezes,<br />
algum conhecido nosso achava que eu ia fi cando mais<br />
parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora<br />
virara cabeludo, aspecto de bicho, conforme quase nu,<br />
mesmo dispondo <strong>da</strong>s peças de roupas que a gente de<br />
tempos em tempos fornecia.<br />
Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por<br />
afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me<br />
louvavam, por causa de algum meu bom procedimento,<br />
eu falava: – “Foi pai que um dia me ensinou a fazer<br />
assim...”; o que não era o certo, exato; mas, que era<br />
mentira por ver<strong>da</strong>de. Sendo que, se ele não se lembrava<br />
mais, nem queria saber <strong>da</strong> gente, por que, então, não<br />
subia ou descia do rio, para outras paragens, longe,<br />
no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha<br />
irmã teve menino, ela mesma entestou que queria<br />
mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco,<br />
foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco,<br />
que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços<br />
a criancinha, o marido dela segurou, para defender os<br />
dois, o guar<strong>da</strong>-sol. A gente chamou, esperou. Nosso<br />
pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí<br />
choramos, abraçados.<br />
Minha irmã se mudou, com o marido, para longe<br />
<strong>da</strong>qui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma ci<strong>da</strong>de.<br />
Os tempos mu<strong>da</strong>vam, no devagar depressa dos tempos.<br />
55
56<br />
Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir<br />
com minha irmã, ela estava envelheci<strong>da</strong>. Eu fi quei aqui,<br />
de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci,<br />
com as bagagens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Nosso pai carecia de mim,<br />
eu sei – na vagação, no rio no ermo – sem <strong>da</strong>r razão<br />
de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e<br />
fi rme in<strong>da</strong>guei, me diz-que-disseram: que constava que<br />
nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação,<br />
ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora,<br />
esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fi zesse<br />
recor<strong>da</strong>ção, de na<strong>da</strong> mais. Só as falsas conversas, sem<br />
senso, como por ocasião, no começo, na vin<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
primeiras cheias do rio, com chuvas que não estavam,<br />
todos temeram o fi m-do-mundo, diziam: que nosso pai<br />
fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa<br />
ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu<br />
pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim<br />
uns primeiros cabelos brancos.<br />
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu<br />
tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo<br />
ausência: e o rio-rio-rio, o rio – pondo perpétuo. Eu<br />
sofria já o começo <strong>da</strong> velhice – esta vi<strong>da</strong> era só o<br />
demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá<br />
de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E<br />
ele? Por que? Devis de padecer demais. De tão idoso,<br />
não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar<br />
que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso,<br />
na leva<strong>da</strong> do rio, para se despenhar horas abaixo, em<br />
tororoma e no tombo <strong>da</strong> cachoeira, brava, com fervimento<br />
e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem<br />
a minha tranqüili<strong>da</strong>de. Sou o culpado do que nem sei,<br />
de dor em aberto, no meu foro. Soubesse – se as coisas<br />
fossem outras. E fui tomando idéia.<br />
Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa,<br />
a palavra doido não se falava, nunca mais se falou,<br />
os anos todos, não se condenava ninguém de doido.<br />
Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fi z, que fui lá.<br />
Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito<br />
no meu sentido. Esperei. Ao por fi m, ele apareceu, aí<br />
e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali,<br />
de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que<br />
me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz:<br />
– “Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora,<br />
o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu,<br />
agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu<br />
tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!...” E, assim<br />
dizendo, meu coração bateu no compasso do mais<br />
certo.<br />
Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n’água,<br />
proava para cá, concor<strong>da</strong>do. E eu tremi, profundo, de<br />
repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço<br />
e feito um sau<strong>da</strong>r de gesto – o primeiro, depois de<br />
tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por<br />
pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de<br />
lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele<br />
me pareceu vir: <strong>da</strong> parte do além. E estou pedindo,<br />
pedindo, pedindo um perdão.<br />
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém<br />
soube mais dele. Sou homem, depois desse<br />
falimento? Sou o que não foi, o que vai fi car calado.<br />
Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vi<strong>da</strong>,<br />
nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, no artigo<br />
<strong>da</strong> morte, peguem em mim, e me depositem também,<br />
numa canoinha de na<strong>da</strong>, nessa água que não pára,<br />
de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a<br />
dentro – o rio.<br />
(Conferir: ROSA, João Guimarães. A Terceira<br />
Margem do Rio. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro:<br />
Nova Fronteira, 1988: 32)<br />
Vocabulário<br />
Assentaram – ajuizaram; combinaram.<br />
Bubuiasse = Bubuiar – manter-se à tona; fl utuar;<br />
boiar.<br />
Cordura – concor<strong>da</strong>do; de acordo; cor<strong>da</strong>to.<br />
Despenhar – precipitar-se de grande altura (penha<br />
= rocha altíssima).<br />
Diluso – diluído; dissolvido.<br />
Encalcou – comprimiu.<br />
Esconso – declive; canto (lugar); oculto; lugar<br />
escondido.<br />
Estúrdio – esquisito, incomum.<br />
Malsinar – agourar; prever infelici<strong>da</strong>de.<br />
Matula – farnel (comi<strong>da</strong>).<br />
Não pojava – não saía <strong>da</strong> canoa.<br />
Tororoma – corrente fluvial impetuosa e<br />
barulhenta.<br />
Vinhático – árvore <strong>da</strong> família <strong>da</strong>s leguminosas, com<br />
madeira de cor amarela<strong>da</strong>.<br />
3.10 – Texto Ficcional para Leitura: A Caça<strong>da</strong>, Lygia<br />
Fagundes Telles<br />
A Caça<strong>da</strong><br />
A loja de antigüi<strong>da</strong>des tinha o cheiro de uma arca de<br />
sacristia com seus panos embolorados e livros comidos<br />
de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa<br />
pilha de quadros. Uma mariposa levantou vôo e foi<br />
chocar-se contra uma imagem de mãos decepa<strong>da</strong>s.<br />
– Bonita imagem – disse ele.<br />
A velha tirou um grampo do coque e limpou a unha<br />
do polegar. Tornou a enfi ar o grampo no cabelo.<br />
– É um São Francisco.
Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que<br />
tomava to<strong>da</strong> a parede do fundo <strong>da</strong> loja. Aproximou-se<br />
mais. A velha aproximou-se também.<br />
– Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso...<br />
Pena que esteja nesse estado.<br />
O homem estendeu a mão até a tapeçaria mas não<br />
chegou a tocá-la.<br />
– Parece que hoje está mais níti<strong>da</strong>...<br />
– Níti<strong>da</strong>? – repetiu a velha pondo os óculos. Deslizou<br />
a mão pela superfície puí<strong>da</strong>. – Níti<strong>da</strong>, como?<br />
– As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma<br />
coisa nela?<br />
A velha encarou-o e baixou o olhar para a imagem de<br />
mãos decepa<strong>da</strong>s. O homem estava tão pálido e perplexo<br />
quanto a imagem.<br />
– Não passei na<strong>da</strong>. Por que o senhor pergunta?<br />
– Notei uma diferença.<br />
– Não, não passei na<strong>da</strong>, essa tapeçaria não agüenta a<br />
mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira<br />
que está sustentando o tecido – acrescentou, tirando<br />
o grampo novamente <strong>da</strong> cabeça. Rodou-o entre os<br />
dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: – Foi um<br />
desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro.<br />
Eu disse que o pano estava por demais estragado, que<br />
era difícil encontrar um comprador mas ele insistiu<br />
tanto... Preguei na parede e aí fi cou. Mas já faz anos<br />
isso. E o tal moço nunca mais apareceu.<br />
– Extraordinário...<br />
A velha não sabia agora se o homem se referia à<br />
tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu<br />
os ombros. Voltou a limpar as unhas com o<br />
grampo.<br />
– Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que<br />
não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é<br />
capaz de cair em pe<strong>da</strong>ços.<br />
O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em<br />
que tempo, meu Deus! Em que tempo teria assistido a<br />
essa mesma cena. E onde?...<br />
Era uma caça<strong>da</strong>. No primeiro plano, estava o caçador<br />
de arco retesado, apontando para uma touceira<br />
espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador<br />
espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era<br />
apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um<br />
esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro<br />
caçador, a barba violenta como um bolo de serpente,<br />
os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse<br />
para desferir-lhe a seta.<br />
O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela<br />
tapeçaria que tinha a cor esverdea<strong>da</strong> de um céu de tempestade.<br />
Envenenando o tom verde-musgo do tecido,<br />
destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que<br />
pareciam escorrer <strong>da</strong> folhagem, deslizar pelas botas<br />
do caçador e espalhar-se pelo chão como um líquido<br />
maligno. A touceira na qual a caça estava escondi<strong>da</strong><br />
também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam<br />
fazer parte do desenho como ser simples efeito do<br />
tempo devorando o pano.<br />
– Parece que hoje tudo está mais próximo – disse<br />
o homem em voz baixa. – É como se... Mas não está<br />
diferente?<br />
A velha fi rmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou<br />
a pô-los.<br />
– Não vejo diferença nenhuma.<br />
– Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado<br />
a seta.<br />
– Que seta? O senhor está vendo alguma seta?<br />
– Aquele pontinho ali no arco...<br />
A velha suspirou.<br />
– Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a<br />
parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de<br />
tudo – lamentou, disfarçando um bocejo. Afastou-se<br />
sem ruído com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto<br />
distraído: – Fique aí à vontade, vou fazer meu chá.<br />
O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho<br />
na sola do sapato. Apertou os maxilares<br />
numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse<br />
caçador, esse céu – conhecia tudo tão bem, mas tão<br />
bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos,<br />
quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido <strong>da</strong><br />
madruga<strong>da</strong>, ah, essa madruga<strong>da</strong>! Quando? Percorrera<br />
aquela mesma vere<strong>da</strong>, aspirara aquele mesmo vapor<br />
que baixava denso do céu verde... Ou subia do chão?<br />
O caçador de barba encaracola<strong>da</strong> parecia sorrir perversamente<br />
embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o<br />
companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando<br />
por entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria.<br />
Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondi<strong>da</strong>.<br />
Só folhas, só silêncio e folhas empasta<strong>da</strong>s na<br />
sombra. Mas detrás <strong>da</strong>s folhas, através <strong>da</strong>s manchas<br />
pressentia o vulto arquejante <strong>da</strong> caça. Compadeceu-se<br />
<strong>da</strong>quele ser em pânico, à espera de uma oportuni<strong>da</strong>de<br />
para prosseguir fugindo. Tão próxima a morte! O mais<br />
leve movimento que fi zesse, e a seta... A velha não a<br />
57
58<br />
distinguira, ninguém poderia percebe-la, reduzi<strong>da</strong> como<br />
estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um<br />
grão de pó em suspensão no arco.<br />
Enxugando o suor <strong>da</strong>s mãos, o homem recuou alguns<br />
passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia<br />
ter feito parte <strong>da</strong> caça<strong>da</strong>. Mas essa era uma paz sem<br />
vi<strong>da</strong>, impregna<strong>da</strong> dos mesmos coágulos traiçoeiros <strong>da</strong><br />
folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que<br />
fez o quadro? Quase to<strong>da</strong>s as antigas tapeçarias eram<br />
reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro<br />
original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados,<br />
to<strong>da</strong> a cena nas suas minúcias: o contorno <strong>da</strong>s árvores,<br />
o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinha<strong>da</strong>, só<br />
músculos e nervos apontando para a touceira... “Mas se<br />
detesto caça<strong>da</strong>s! Por que tenho que estar aí dentro?”<br />
Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse<br />
explicar to<strong>da</strong> essa familiari<strong>da</strong>de medonha, se pudesse ao<br />
menos... E se fosse um simples espectador casual, desses<br />
que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ain<strong>da</strong><br />
ter visto o quadro no original, a caça<strong>da</strong> não passava de<br />
uma fi cção. “Antes do aproveitamento <strong>da</strong> tapeçaria...”<br />
– murmurou , enxugando os vãos dos dedos no lenço.<br />
Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos<br />
cabelos, não, não fi cara do lado de fora mas lá dentro<br />
encravado no cenário! E por que tudo parecia mais<br />
nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais<br />
fortes apesar <strong>da</strong> penumbra? Por que o fascínio que se<br />
desprendia <strong>da</strong> paisagem vinha agora assim vigoroso,<br />
rejuvenescido?...<br />
Saiu de cabeça baixa, as mãos cerra<strong>da</strong>s no fundo dos<br />
bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o corpo<br />
moído, as pálpebras pesa<strong>da</strong>s. E se fosse dormir? Mas<br />
sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia<br />
a segui-lo na mesma marcação <strong>da</strong> sua sombra. Levantou<br />
a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança do<br />
frio <strong>da</strong> tapeçaria? “Que loucura!... E não estou louco”<br />
concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução<br />
fácil. “Mas não estou louco.”<br />
Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em segui<strong>da</strong> e<br />
quando deu acordo de si, estava diante <strong>da</strong> loja de antigüi<strong>da</strong>des,<br />
o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar<br />
a tapeçaria lá no fundo.<br />
Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama<br />
e fi cou de olhos escancarados, fundidos na escuridão. A<br />
voz tremi<strong>da</strong> <strong>da</strong> velha parecia vir de dentro do travesseiro,<br />
uma voz sem corpo, meti<strong>da</strong> em chinelas de lã: “Que<br />
seta? Não estou vendo nenhuma seta...” Misturando-se<br />
à voz, veio vindo o murmurejo <strong>da</strong>s traças em meio de<br />
risadinhas. O algodão abafava as risa<strong>da</strong>s que se entrelaçaram<br />
numa rede esverdinha<strong>da</strong>, compacta, apertando-se<br />
num tecido de manchas que escorreram até o limite <strong>da</strong><br />
tarja. Viu-se enre<strong>da</strong>do nos fi os e quis fugir, mas a tarja<br />
o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo<br />
do fosso podia distinguir as serpentes enlea<strong>da</strong>s num nó<br />
verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas<br />
ao invés <strong>da</strong> barba encontrou a viscosi<strong>da</strong>de do sangue.<br />
Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro<br />
<strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah,<br />
aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E<br />
se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia<br />
revê-la tão níti<strong>da</strong>, tão próxima que, se estendesse a mão,<br />
despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de<br />
destruí-la, não era ver<strong>da</strong>de que além <strong>da</strong>quele trapo detestável<br />
havia alguma coisa mais, tudo não passava de<br />
um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava<br />
sopra-la, sopra-la!<br />
Encontrou a velha na porta <strong>da</strong> loja. Sorriu irônica:<br />
– Hoje o senhor madrugou.<br />
– A senhora deve estar estranhando...<br />
– Já não estranho mais na<strong>da</strong>, moço. Pode entrar, pode<br />
entrar, o senhor conhece o caminho.<br />
“Conheço o caminho” – murmurou, seguindo lívido<br />
por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele<br />
cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro?<br />
E por que a loja foi fi cando embaça<strong>da</strong>, lá longe? Imensa,<br />
real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo<br />
chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinha<strong>da</strong>s.<br />
Quis retroceder, agarrou-se a um armário,<br />
cambaleou resistindo ain<strong>da</strong> e estendeu os braços até a<br />
coluna. Seus dedos afun<strong>da</strong>ram por entre galhos e resvalaram<br />
pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna,<br />
era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado:<br />
penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés<br />
pesados de lama, os cabelos empastados de orvalho. Em<br />
redor tudo parado. Extático. No silêncio <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>,<br />
nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha.<br />
Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça? Não<br />
importava, não importava, sabia apenas que tinha que<br />
seguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando<br />
ou sendo caçado. Ou sendo caçado?... Comprimiu as<br />
palmas <strong>da</strong>s mãos contra a cara esbrasea<strong>da</strong>, enxugou no<br />
punho <strong>da</strong> camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço.<br />
Vertia sangue o lábio gretado.<br />
Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa<br />
touceira. Ouviu o assobio <strong>da</strong> seta varando a folhagem,<br />
a dor!<br />
– “Não...” – gemeu, de joelhos. Tentou ain<strong>da</strong> agarrarse<br />
à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o<br />
coração. (1965)<br />
(TELLES, Lygia Fagundes. A Caça<strong>da</strong>. In.: Mistérios.<br />
4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981: 23-28)
3.11 – Texto Ficcional para Leitura: A Outra Margem,<br />
Roberto Drummond<br />
A Outra Margem<br />
Ofereceram um cigarro. Viu aquela mão muito branca<br />
segurando o maço: a mão tremia de leve.<br />
“Fuma um – disse o <strong>da</strong> mão muito branca. – “Faço<br />
questão que você fume do meu”.<br />
“Não” – demorou a responder; a luz <strong>da</strong> sala doía nos<br />
olhos – “Eu.”<br />
“Quem sabe você prefere um Cônsul?” – falou o <strong>da</strong><br />
blusa molha<strong>da</strong> de suor. – “É mentolado: prova um.”<br />
“Eu” – engoliu seco. – “Eu não fumo com fi ltro.”<br />
“Mas você tira o fi ltro” – era a voz de um outro, o<br />
que sentia dor de cabeça.<br />
“É a mesma coisa” – foi falando o quarto homem, o<br />
que estava com uma crise de tosse. – “Você tira o fi ltro<br />
do Minister e ele fi ca como Hollywood. Que cigarro<br />
você fumava antes?”<br />
“Fumava Hollywood” – parecia ter engolido a voz.<br />
– “Hollywood sem fi ltro.”<br />
“Pois então: o sabor do Minister é o mesmo” – insistiu<br />
o <strong>da</strong> tosse. – Experimenta para você ver.”<br />
“Não” – estava pálido. – “Não.”<br />
Man<strong>da</strong>ram buscar um maço de Hollywood sem fi ltro<br />
no bar mais perto. Tirou um cigarro do maço. Deram<br />
um isqueiro como lembrança. Aspirou a fumaça.<br />
Devolveram a caneta esferográfi ca Bic, o pente com<br />
uma plaquinha doura<strong>da</strong> onde estava escrito o nome<br />
Paulo, os ca<strong>da</strong>rços do sapato marca Elmo que haviam<br />
tomado por precaução – num momento de desespero,<br />
quem sabe?, ele podia atentar contra a própria vi<strong>da</strong>.<br />
Aconselharam que levasse o blazer cor de burro<br />
fugido com etiqueta Renner, a gente nunca sabe, não<br />
é mesmo?, esse tempo an<strong>da</strong> esquisito, a noite pode<br />
esfriar. Pediram que contasse o dinheiro que havia na<br />
carteira de couro marrom.<br />
“Confere?” – perguntaram.<br />
“Confere” – respondeu.<br />
“Não está faltando na<strong>da</strong>?” – tornaram a perguntar.<br />
“Na<strong>da</strong>” – tornou a responder.<br />
Disseram que queriam satisfazer to<strong>da</strong>s as vontades<br />
dele.<br />
“Fala sinceramente: o que você quer?” – pediu o <strong>da</strong><br />
mão muito branca.<br />
“O que tiver a nosso alcance, nós faremos” –acrescentou<br />
o que tossia.<br />
“Pode falar” – era o <strong>da</strong> dor de cabeça. – “Fala.”<br />
“Seja o que for, nós faremos” – disse o que suava.<br />
Estava com a garganta seca: achou que seria ótimo<br />
tomar um chope.<br />
“Eu quero tomar um chope.”<br />
Foram numa C-14 que tocava sirene até um barzinho<br />
ao ar livre. Tomou três chopes duplos, comeu queijo<br />
picado, pensando: viver é tão simples e eu não sabia:<br />
tomar chope e comer queijo é viver; viu uma moça de<br />
verde: ver uma moça de minissaia verde é viver e ver<br />
as pessoas atravessando a rua de noite também é viver.<br />
Tudo tão simples e eu não sabia. Lembrou do pé-demoleque<br />
que a mãe fazia – comer pé-de-moleque que a<br />
mãe <strong>da</strong> gente faz também é viver, mas eu não sabia.<br />
Disputaram quem ia pagar a conta quando o garçom<br />
trouxe a nota.<br />
“Esta é minha, garçom” – a voz do <strong>da</strong> mão muito<br />
branca.<br />
“Não, eu pago, me dá aqui” – a voz do que suava.<br />
“Na<strong>da</strong> disso” – a voz do que tossia. – “Eu tenho<br />
trocado, faço questão.”<br />
“Então nós rachamos” – a voz do que tinha dor de<br />
cabeça.<br />
Esperaram a lua nascer: lamentaram que não fosse<br />
lua cheia.<br />
“Que pena ser lua crescente...”<br />
“Podia tanto ser lua cheia, hein?”<br />
“É mesmo...”<br />
“A gente devia ter pensado nisso.”<br />
Passearam pela ci<strong>da</strong>de com a sirene desliga<strong>da</strong>. Viu o<br />
bairro que mais amava. Pararam numa esquina que, ao<br />
olhar a lua, ele quis rever. Sentiu um arrepio caminhar<br />
na pele como dedos de mulher. Vigiaram de longe.<br />
Ficou muito só, olhando para o passeio: achou que via<br />
59
60<br />
uma mulher frágil, de costas magras. Disse: é você,<br />
Ana Paula? Achou que ouviu uma voz rouca: sou eu,<br />
e a voz rouca foi falando: a gente não é um, a gente é<br />
meio e tem que procurar a outra metade, senão a gente<br />
fi ca como um rio que só tivesse uma margem. Disse:<br />
ah, Ana Paula, por que eu nunca te abracei antes?<br />
Puseram música no rádio <strong>da</strong> C-14, desligaram a<br />
sirene para não atrapalhar. Falou com Ana Paula: nas<br />
suas costas, Ana Paula, eu era capaz de tocar fl auta.<br />
Foram deixando a ci<strong>da</strong>de devagar para que ele pudesse<br />
ver as aveni<strong>da</strong>s dormindo de luz acesa, os casais beijando<br />
encostados nas árvores, um ou outro carro que<br />
passava. Viu os olhos de um gato. Ro<strong>da</strong>ram por uma<br />
estra<strong>da</strong> sem asfalto. Sentiu um frio de julho, mas era<br />
fevereiro: vestiu o blazer cor de burro fugido com<br />
etiqueta Renner.<br />
“Não te avisamos que podia esfriar?”<br />
“Sabíamos que você podia sentir frio”.<br />
“Está vendo? Se a gente não fala...”<br />
“Que bom termos avisado, hein?”<br />
Escolheram um lugar muito bonito. Desceu quase<br />
feliz porque seus joelhos não tremiam: viu as árvores,<br />
a mata para lá <strong>da</strong>s árvores, a lua crescente – achou<br />
que o lugar era mesmo muito bonito. An<strong>da</strong>ram com<br />
ele até debaixo de uma árvore que era também muito<br />
bonita. Sentiu vontade de beber conhaque Dreher.<br />
Perguntaram se queria que ven<strong>da</strong>ssem seus olhos.<br />
Respondeu: não é preciso. An<strong>da</strong>ram com as botas<br />
pisando o cascalho <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>. Disse baixinho: ah,<br />
Ana Paula, se eu soubesse!<br />
Falaram lá atrás, nas costas dele:<br />
“Atira você primeiro, minha cabeça está explodindo.”<br />
“E eu estou ensopado de suor, atira você...”<br />
“Com essa tosse eu não consigo...”<br />
“Vamos atirar os quatro juntos” – era a voz do que<br />
tinha a mão muito branca e era o superior dos outros.<br />
“De olhos fechados?” – perguntaram.<br />
“É...”<br />
Foi repetindo: tive que morrer, Ana Paula, para saber:<br />
você, Ana Paula, minha outra margem: você.<br />
(In: DRUMMOND, Roberto. A Morte de D.J. em<br />
Paris. 7. ed. São Paulo: Ática, 1991: 42-45)<br />
3.12 – As Narrativas de Roberto Drummond (Anos 60/70)<br />
Epígrafe <strong>da</strong> Coletânea de Contos A Morte de D.J. em<br />
Paris, de Roberto Drumond (Citação de versos de um<br />
poema de Bob Dylan):<br />
Os grandes livros foram escritos<br />
os grandes ditos foram ditos<br />
e eu só quero tentar pintar um quadro<br />
do que acontece por aqui de vez em quando<br />
ain<strong>da</strong> que não enten<strong>da</strong> bem o que se passa<br />
sei que morreremos algum dia<br />
e que nenhuma morte deterá o mundo<br />
PERSONAGENS:<br />
– Vivem situações absur<strong>da</strong>s, dentro de uma reali<strong>da</strong>de<br />
absur<strong>da</strong>;<br />
– Copiados <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de;<br />
– Desde o início <strong>da</strong> narrativa, não se identificam<br />
com o mundo (Leis do Mundo). Já começam<br />
desestruturados.<br />
NARRATIVA:<br />
– Reprodução <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de (colagem; cópia direta<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de);<br />
– Não se observa a mímesis literária;<br />
– Mas existe uma mímesis inverti<strong>da</strong> que dignifi ca<br />
as narrativas de Roberto Drummond: a reali<strong>da</strong>de concreta<br />
(dos anos 60 ao fi nal do século XX, no Brasil e<br />
no Mundo) possui algo de fi ccional, enquanto criação<br />
literária;<br />
– Reprodução dos acontecimentos <strong>da</strong> ditadura militar,<br />
pela interpretação do autor.<br />
– Não há recuperação ideológica (narrativa submeti<strong>da</strong><br />
aos acontecimentos; submeti<strong>da</strong> ao momento histórico,<br />
ain<strong>da</strong> não solucionado; narrativa em suspensão: não<br />
se detecta o antes histórico e não há possibili<strong>da</strong>de de<br />
antever o porvir);<br />
– Os personagens começam e terminam sem identi<strong>da</strong>des;<br />
– Os personagens não se identifi cam com o mundo,<br />
assumindo a marginali<strong>da</strong>de;<br />
– Os personagens não estabelecem ligação com o<br />
mundo;<br />
– Por que? Porque as narrativas de Roberto Drummond<br />
(anos 60/70) ain<strong>da</strong> não haviam alcançado uma<br />
solução histórica para os acontecimentos narrados.<br />
– Narrativas de Roberto Drummond (anos 70): total<br />
desarticulação (há tentativas de articulações apenas).<br />
– Personagens de Roberto Drummond: personagens<br />
despadronizados.
RECURSOS IMAGÍSTICOS:<br />
– Personagens metamorfoseados;<br />
3.13 – A Narrativa Ficcional Pós-Moderna<br />
• Literatura bem-humora<strong>da</strong>, fantasiosa, sem “iluminações”,<br />
problematizando ao máximo a percepção <strong>da</strong><br />
experiência e <strong>da</strong> própria <strong>literatura</strong> (OLIVEIRA, op.<br />
cit.: 59).<br />
• Os Artistas se identifi caram no início com a militância<br />
surrealista, ou seja, “a plenitude <strong>da</strong> máquina em seu<br />
máximo desempenho. (...) Os próprios Artistas viamse<br />
como um movimento, um núcleo de combate, uma<br />
vanguar<strong>da</strong>. Metáforas técnicas e militares que prenunciavam<br />
já a guerra tecnológica e o planejamento<br />
totalitário <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des” (IDEM: 47).<br />
• Entropia (desordem) e anti-realismo são os decalques,<br />
na <strong>literatura</strong>, do capitalismo pós-industrial,<br />
baseado na tecnociência e na informação, em ascensão<br />
nos Estados Unidos <strong>da</strong> América. Receptor de mensagens<br />
aleatórias, emiti<strong>da</strong>s pela “mass media” e os sistemas<br />
informatizados, o indivíduo percebe o mundo e a<br />
História como um espetáculo entrópico (desordenado),<br />
fragmentário, sem totali<strong>da</strong>de e irracional, enquanto<br />
à sua volta a reali<strong>da</strong>de se dissolve numa colagem de<br />
signos e simulacros cujos referentes são remotos ou<br />
se perderam. Nesse cosmos tendente ao caos, sem<br />
princípio unifi cador seja ele cristão ou newtoniano, o<br />
sujeito é, quando muito, um átomo estatístico surfando<br />
nas on<strong>da</strong>s do provável e do incongruente (IBIDEM:<br />
60).<br />
• Anos 60: Nova sensibili<strong>da</strong>de, não linear, não<br />
livresca – quântica no seu feitio descontínuo – estava<br />
sendo modela<strong>da</strong> pela TV, a mo<strong>da</strong>, a publici<strong>da</strong>de,<br />
o design, o rock. Era Pop e gregária, dionisíaca e<br />
contracultural, experimentadora e sem hierarquias,<br />
enfeixando o que seria a revanche pós-moderna dos<br />
sentidos contra a inteligência modernista. O consumo<br />
desbancava a Bíblia, McLhuan abalava Marx e<br />
Dylan silenciava Eliot. Aos escritores americanos do<br />
pós-guerra, como Barth, Pynchon, Heller, Vonnegut,<br />
Brautingan, só restava não se oporem a essa sensibili<strong>da</strong>de<br />
pelo intelectualismo, mas pesquisar um estilo ou<br />
anti-estilo para expor sua face apocalíptica, sua farsa<br />
terminal, engendrar uma antiforma para o absurdo sob<br />
o guar<strong>da</strong>-chuva nuclear, numa era de mutação cultural.<br />
(IBIDEM: 60).<br />
• Déca<strong>da</strong> de 60 (nos EUA): O romance tradicional<br />
perdera a efi cácia e a credibili<strong>da</strong>de. A nova complexi<strong>da</strong>de<br />
cultural e social ultrapassava seus meios de<br />
espelhar a reali<strong>da</strong>de (IBIDEM: 60).<br />
– Uso <strong>da</strong> marca registra<strong>da</strong>, simbolizando uma época<br />
de dependência ideológica (anos 60 a 80).<br />
• Anteriormente: Dos Passos, Hemingway, Faulkner<br />
tinham feito a glória trágica do indivíduo e do tempo<br />
esfacelados, tinham explorado os confl itos <strong>da</strong> consciência<br />
aliena<strong>da</strong> a poderosas forças sociais. (...) Esses meios<br />
explorados por esses escritores agora pareciam canhestros<br />
ante um mundo informacionalmente hiperbólico<br />
(IBIDEM: 61).<br />
• 1963: Thomas Pynchon – incoerência grotesca, mas<br />
talentosa (Romance V) (IBIDEM: 61).<br />
• ROMANCE V: Alguma coisa experimental e<br />
lúdica igual ao modernismo emergia irredutível ao<br />
modernismo, excluindo muitos dos seus dogmas.<br />
Vinha sem revelações epifânicas; descartava o privilégio<br />
do artista como guia para iluminar os porões <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de;<br />
substituía a psicologia por uma sociologia<br />
meio alegórica meio delirante; trocava a originali<strong>da</strong>de<br />
formal pela reciclagem, em paródia, dos vários gêneros;<br />
desfazia ou recompunha o enredo sem aludir a<br />
uma mítica toma<strong>da</strong> como quintessência <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de;<br />
criava, enfi m, sem se pretender “cultura superior”<br />
(IBIDEM: 61-62).<br />
Vocabulário<br />
Canhestros – faltos de habili<strong>da</strong>des, de destrezas.<br />
Desajeitados. Inabilidosos. Vergonhosos. Tímidos.<br />
Ressabiados. Medrosos.<br />
Contracultural – relativo a contracultura. Subcultura<br />
que rejeita e questiona valores e práticas <strong>da</strong> cultura<br />
dominante <strong>da</strong> qual faz parte. Por exemplo, o movimento<br />
contracultural dos hippies nos anos 60/70.<br />
Epifânica – manifestação reveladora (de algo).<br />
Apreensão intuitiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />
Gregário – relativo a grei (rebanho de gado miúdo;<br />
partido, socie<strong>da</strong>de, grêmio). Diz-se de animal que faz<br />
parte de uma grei, de um rebanho. Que tende a viver<br />
em bando; sociável.<br />
Incoerência – falta de coerência. Falta de lógica.<br />
Incongruente – contraditório. Incoerente. Inconsistente.<br />
Mass media – meios de informação para a massa<br />
(para o povo): televisão, rádio, jornal.<br />
Pop – cultura popular. Relativo ao público em<br />
geral. ‘Conveniente’ à maioria <strong>da</strong>s pessoas. Aceito ou<br />
aprovado pela maioria (popular, povo).<br />
Quântica – que diz respeito a um sistema físico<br />
cujas grandezas físicas observáveis assumem valores<br />
61
62<br />
discretos, de tal modo que a passagem de um determinado<br />
valor para outro ocorre de maneira descontínua,<br />
segundo as leis <strong>da</strong> mecânica quântica.<br />
Quintessência – elevação ao mais alto grau de<br />
pureza. O mais alto grau de sutileza.<br />
Simulacros – meras semelhanças, imagens (aleatórias).<br />
Revanche – reparação de afronta, de ofensa, etc.<br />
sofri<strong>da</strong> (geralmente dura, rude). Desforro. Vingança.<br />
Desforra. Satisfação. Represália.
UNIDADE IV<br />
FORMAS DA NARRATIVA EM PROSA<br />
4.1 – Formas <strong>da</strong> Narrativa em Prosa: Histórico<br />
Histórico<br />
Antes do século XV<strong>III</strong>, quase tão somente a poesia é<br />
que interessava aos teóricos e pensadores <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>,<br />
que entendiam por poesia a lírica, a épica e o drama. A<br />
tal ponto as formas em prosa possuíam menos cotação<br />
que os poucos estudos acerca do romance anteriores<br />
àquela centúria, via de regra tinham por objetivo<br />
subestimá-lo, considerá-lo inferior à epopéia, e mesmo<br />
à tragédia e à historiografi a, ou satirizá-lo. (...) Com o<br />
Romantismo e a conseqüente criação do romance no<br />
sentido moderno do termo, as <strong>teoria</strong>s a respeito do<br />
romance entraram a destronar a velha preocupação<br />
pela poesia épica e pelo teatro (Conferir: MOISÉS, M.<br />
A criação literária. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos,<br />
1973: 113).<br />
O romance é a mais importante forma do gênero narrativo<br />
em prosa, surgi<strong>da</strong> até agora. Qual é a sua gênese,<br />
a sua história? (...)<br />
O estudo do romance enquanto gênero literário<br />
apresenta dificul<strong>da</strong>des particulares, porque é um<br />
gênero que está permanentemente em evolução, principalmente<br />
em nossos dias. Os outros gêneros mais<br />
antigos, em to<strong>da</strong>s as suas formas, já têm suas estruturas<br />
consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, mas o romance é o mais jovem e vem<br />
recebendo e a<strong>da</strong>ptando as novi<strong>da</strong>des que se apresentam<br />
constantemente. (...) Ele parodia os outros gêneros,<br />
denuncia suas formas e sua linguagem convencional<br />
elimina uns e integra outros em sua própria estrutura,<br />
reinterpretando-os e lhes <strong>da</strong>ndo uma outra ressonância<br />
(ARAGÃO, op. cit.: 86-87).<br />
Etimologias<br />
• FICÇÃO: ato ou efeito de fi ngir; simulação, coisa<br />
imaginária (1813). Talvez a<strong>da</strong>ptado do francês fi ction<br />
e, este, do latim fi ctio, -onis, cujo radical fi ct é<br />
o mesmo do supino [= forma nominal do verbo] de<br />
fi ngĕre = modelar, criar, inventar.<br />
• CONTO (CONTAR): relatar, narrar, calcular,<br />
computar (século X<strong>III</strong>). Do latim cǒmpǔtāre ║ conta<br />
= ato ou efeito de contar, na segun<strong>da</strong> acepção (século<br />
X<strong>III</strong>) ║ contista = autor de contos literários (século<br />
XX) ║ conto = relato, narração, cálculo, cômputo<br />
(século X<strong>III</strong>). Do latim compŭtus.<br />
• NOVELA: conto, romance curto sobre fatos<br />
geralmente verossímeis │ nouela (século XIV),<br />
nouella (século XIV) │ Do francês nouvelle, derivado<br />
do italiano novella ║ novellista (1881) ║<br />
novelESCO (século XX)<br />
• ROMANCE (origem <strong>da</strong> palavra): a língua dos<br />
povos romanizados │modernamente: obra de fi cção,<br />
em prosa, contendo a narração <strong>da</strong>s ações e dos sentimentos<br />
de personagens fi ctícios (século XIX). Do<br />
advérbio latino römänǐce; a variação romanço provém<br />
do latim medieval romancium. Na acepção moderna,<br />
o vocábulo sofreu a infl uência do inglês romance ║<br />
romancEAR (século XVII) ║ romancEIRO (1841).<br />
A<strong>da</strong>ptação do castelhano romancero.<br />
4.2 – Formas <strong>da</strong> Narrativa em Prosa (Ficção Sintagmática)<br />
ESTRUTURA SIMPLES<br />
• Conto à mo<strong>da</strong> tradicional – de estrutura simples<br />
– Romantismo e Realismo.<br />
• Novela – qualquer novela, independente de seu<br />
momento estético, possui estrutura simples – a novela<br />
publica<strong>da</strong> em livro e a novela escrita para ser encena<strong>da</strong><br />
em televisão.<br />
63
64<br />
4.3 – Formas <strong>da</strong> Narrativa em Prosa (Ficção Paradigmática)<br />
ESTRUTURA COMPLEXA<br />
• Conto à mo<strong>da</strong> tradicional – alguns já apresentando<br />
o embrião de uma estrutura complexa, por exemplo,<br />
os contos de Machado de Assis – Realismo<br />
• Conto do Século XX – as inovações, por exemplo,<br />
os contos de Guimarães Rosa, Clarice Lispector,<br />
Murilo Rubião, Roberto Drummond, Sônia Coutinho<br />
e outros.<br />
• Romance (o Romance Moderno – Era Moderna – se<br />
caracteriza por sua estrutura complexa)<br />
ROMANCE<br />
(NARRATIVA FICCIONAL EM PROSA)<br />
ROMANCE PSICOLÓGICO ≠ ROMANCE INTROSPECTIVO<br />
(diferente)<br />
To<strong>da</strong> narrativa sintagmática é psicológica (NARRA-<br />
TIVA DE PERSONAGEM). Conto, novela e romance<br />
são transposições, ou representações, de seres vivos<br />
para o plano <strong>da</strong> fi cção / criações de uma relação psicológica<br />
com o mundo exterior).<br />
Personagem + Psicologia = ligação dinâmica (de acordo<br />
com o poder analítico do fi ccionista). Por exemplo:<br />
Senhora, de José de Alencar (Romantismo).<br />
Os confl itos <strong>da</strong>s personagens situam-se ao nível do<br />
relacionamento social, mas sem buscar-lhes causas profun<strong>da</strong>s<br />
nem recorrer às analogias psíquicas que revelam<br />
complexi<strong>da</strong>des subjacentes às opções de ordem ética ou<br />
sentimental. O romance psicológico localiza os dramas<br />
na consciência (MOISÉS, op. cit.: 113).<br />
ROMANCE INTROSPECTIVO – DENSIDADE<br />
• Evidencia o máximo de densi<strong>da</strong>de dramática a<br />
que pode chegar a prosa de fi cção (NARRATIVA DE<br />
ESPAÇO);<br />
• Ergue-se ao ponto mais alto de uma curva inicia<strong>da</strong><br />
nas novelas e nos romances lineares;<br />
• À medi<strong>da</strong> que decresce a intensi<strong>da</strong>de aumenta a<br />
densi<strong>da</strong>de, e vice-versa;<br />
• Por exemplo: Dom Casmurro, de Machado de Assis.<br />
Primeiros capítulos: adolescência dos personagens<br />
– decorre lentamente (acompanha o demorado amadurecer<br />
dos personagens) – INTENSIDADE.<br />
Depois, ÁPICE NARRATIVO – “De repente, a<br />
ação põe-se a acelerar, e a intensi<strong>da</strong>de cede lugar à<br />
densi<strong>da</strong>de.”<br />
ROMANCE PSICOLÓGICO – INTENSIDADE<br />
O romance introspectivo invade a subconsciência e a<br />
inconsciência, o que equivale a perquirir o mundo <strong>da</strong><br />
memória, dos sonhos, dos devaneios, dos monólogos<br />
interiores, dos lapsos de linguagem, as associações<br />
involuntárias (IDEM: 114).<br />
Como explicar esta mu<strong>da</strong>nça de ação narrativa?<br />
A mu<strong>da</strong>nça no an<strong>da</strong>mento dramático obedeceu a razões<br />
inerentes à própria fabulação [Narrativa de Espaço].<br />
Para o quadro social e psicológico que tinha em mira,<br />
Machado de Assis teve de criar um ritmo em “tempos”<br />
diferentes, pois do contrário atentaria contra a verossimilhança<br />
(tão cara aos realistas) (IBIDEM: 114).<br />
ADOLESCÊNCIA DO PERSONAGEM/NAR-<br />
RADOR BENTINHO<br />
• Assinala a lenta maturação dos personagens;<br />
• Constitui a época em que se plasmam as condições<br />
para a tragédia que defl agraria nos capítulos restantes,<br />
de intensi<strong>da</strong>de reduzi<strong>da</strong>.<br />
CÂMARA LENTA (capítulos iniciais de Dom<br />
Casmurro)<br />
• Proporciona a verossimilhança;<br />
• Níti<strong>da</strong> impressão de crescimento duma equação<br />
psicológica fatal: o leitor visualiza o inexorável<br />
<strong>da</strong>queles destinos, sente quão “verídica” é a narrativa.<br />
PRECIPITAÇÃO (capítulos fi nais de (Dom Casmurro)<br />
= DENSIDADE
4.4 – Conto (Tradicional)<br />
CONTO (DICIONÁRIO): Narrativa breve e concisa,<br />
contendo um só confl ito, uma única ação (com<br />
espaço geralmente limitado a um único ambiente),<br />
uni<strong>da</strong>de de tempo, e número restrito de personagens.<br />
CONTO (TRADICIONAL): Geralmente o conto é<br />
defi nido como sendo uma forma narrativa em prosa, de<br />
pequena extensão. É claro que não podemos reconhecer<br />
um conto só a partir do número de páginas em que se<br />
enquadra uma história. Por ser um tipo de narrativa<br />
volta<strong>da</strong> para objetivos bem determinados, a sua forma<br />
acompanhará o conjunto dos elementos específi cos a<br />
esse tipo de narrativa. A chave para o entendimento<br />
do conto como gênero está na concentração de sua<br />
trama. O conto geralmente trata de uma determina<strong>da</strong><br />
situação e não de várias, e acompanha o seu desenrolar<br />
sem pausas, nem digressões, pois o seu objetivo é<br />
4.5 – Novela<br />
NOVELA (DICIONÁRIO): Narrativa breve, maior<br />
do que um conto e menor do que um romance, e que<br />
se caracteriza por apresentar uma espécie de concentração<br />
temática em torno de um número restrito de<br />
personagens. Novela de rádio e tevê: trama narra<strong>da</strong><br />
em capítulos, especialmente escrita para rádio e/ou<br />
televisão. Caso extenso e cheio de peripécias. Novelão:<br />
novela, geralmente televisiva, de fácil assimilação e em<br />
cujo enredo sentimental, melodramático, são inseri<strong>da</strong>s<br />
numerosas personagens quase sempre passionais.<br />
4.6 – Romance (Tradicional)<br />
ROMANCE (DICIONÁRIO): Prosa, mais ou menos<br />
longa, na qual se narram fatos imaginários, às vezes<br />
inspirados em fatos reais, cujo centro de interesse pode<br />
estar no relato de aventuras, no estudo de costumes ou<br />
tipos psicológicos, na crítica social, etc. Fato real que,<br />
por ser muito complicado, parece inacreditável.<br />
ROMANCE (TRADICIONAL): O romance é a<br />
mais importante forma de gênero narrativo em prosa,<br />
surgi<strong>da</strong> até agora. Qual a sua gênese, a sua história?<br />
(...)<br />
O estudo do romance enquanto gênero literário apresenta<br />
difi cul<strong>da</strong>des particulares, porque é um gênero que<br />
está permanentemente em evolução, principalmente em<br />
nossos dias. Os outros gêneros mais antigos, em to<strong>da</strong>s<br />
as suas formas, já têm suas estruturas consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s,<br />
mas o romance é o mais jovem e vem recebendo e a<strong>da</strong>ptando<br />
as novi<strong>da</strong>des que se apresentam constantemente.<br />
Segundo Bakhtine, “ele é o único gênero a evoluir<br />
ain<strong>da</strong> no meio de gêneros já formados há muito tempo.<br />
levar o leitor ao desfecho, que coincide com o clímax<br />
<strong>da</strong> história, com o máximo de tensão e o mínimo de<br />
descrições. Essa forma narrativa possui suas próprias<br />
leis internas, que a singularizam diante <strong>da</strong>s outras formas<br />
narrativas. Quanto às leis gerais, ou melhor, as que<br />
são comuns a to<strong>da</strong>s as outras formas em prosa literária,<br />
tais como a presença de personagens, de um enredo, de<br />
um <strong>da</strong>do tempo e um <strong>da</strong>do espaço etc., não podemos<br />
dizer que haja diferenças fun<strong>da</strong>mentais. O que o conto<br />
vai realizar é um maior rigor na seleção dos <strong>da</strong>dos a<br />
serem apresentados ao leitor, no sentido de não deixar<br />
decrescer a curva de interesse na história narra<strong>da</strong>. Não<br />
deve haver motivações psicológicas complica<strong>da</strong>s, nem<br />
múltiplas peripécias. O tempo e o espaço geralmente<br />
são reduzidos ao mínimo indispensável para a elaboração<br />
<strong>da</strong> trama, assim como são poucos os protagonistas<br />
(ARAGÃO, op. cit.: 84-85).<br />
ATENÇÃO: As novelas não se enquadram<br />
na categoria “inovadora” porque sua estrutura<br />
será sempre sintagmática (linear), independente<br />
do momento estético de sua representação. A<br />
novi<strong>da</strong>de, se existir, ficará sempre por conta<br />
<strong>da</strong>s normas ideológicas nelas inseri<strong>da</strong>s. Ca<strong>da</strong><br />
momento histórico tem suas próprias características<br />
e exigências de convivência social. A novela<br />
limitar-se-á em acompanhar tais características<br />
e exigências.<br />
Ele parodia os outros gêneros, denuncia suas formas<br />
e sua linguagem convencional elimina uns e integra<br />
outros em sua própria estrutura, reinterpretando-os e<br />
lhes <strong>da</strong>ndo uma nova ressonância (Nota 16, de Maria<br />
Lúcia Aragão: BAKHTINE, Mikhail. Esthétique et<br />
théorie du roman. Paris: Gallimard, 1978: 443).<br />
O romance, pois, ao reinterpretar os outros gêneros,<br />
torna-os vivos, renovados.<br />
Na grande maioria dos casos, as pesquisas sobre o<br />
romance limitam-se a recensear e a descrever o maior<br />
número possível de suas variantes, mas não conseguem<br />
chegar a uma síntese teórica do romance enquanto<br />
gênero. (...)<br />
É um gênero que se busca eternamente, se analisa,<br />
reconsidera suas formas adquiri<strong>da</strong>s. Não se submete<br />
a cânones, liberta-se de tudo o que é convencional,<br />
necrosado, amorfo, de tudo o que freia sua própria<br />
evolução (ARAGÃO, op. cit.: 86-87).<br />
65
66<br />
4.7 – Conto e Romance Inovadores (Pós-Modernos /<br />
Pós-Modernistas)<br />
PÓS-MODERNO – Anseio de uma justiça que possa<br />
ser sensível ao pequeno, ao incompleto, ao múltiplo,<br />
à condição de irredutível diferença que marca a materiali<strong>da</strong>de<br />
de ca<strong>da</strong> elemento <strong>da</strong> natureza, de ca<strong>da</strong> ser<br />
humano, de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, de ca<strong>da</strong> circunstância,<br />
ao contrário do que nos ensinam a metafísica e o<br />
positivismo ofi ciais. A sensibili<strong>da</strong>de para a expressão<br />
inevitável do acaso, do contraditório, do aleatório. O<br />
espaço para o humor, o prazer, a contemplação, sem<br />
outra fi nali<strong>da</strong>de senão a satisfação que o homem neles<br />
experimenta. O aprendizado humilde <strong>da</strong> convivência<br />
difícil, mas fun<strong>da</strong>mental, com o imponderável, o<br />
incompreensível, o inefável – depois de séculos de fé<br />
brutal de que tudo pode ser conhecido, conquistado,<br />
controlado (OLIVEIRA, op. cit., 1987: 54).<br />
PÓS-MODERNISMO – Não há sequer acordo sobre<br />
o signifi cado desse termo.<br />
Para os americanos: mera correspondência na área<br />
cultural do advento <strong>da</strong> tecnologia pós-industrial, basea<strong>da</strong><br />
nos recursos <strong>da</strong> cibernética e informática.<br />
Para alguns autores: crítica volta<strong>da</strong> à negação total<br />
<strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s, que exalta o período anterior ao<br />
modernismo e se inclina para um retorno às fontes <strong>da</strong><br />
história e do passado. Outros ain<strong>da</strong> denunciam como<br />
uma mera pasteurização dos cacoetes <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s,<br />
sem vitali<strong>da</strong>de e sem compromissos. To<strong>da</strong>s essas concepções<br />
são de fundo reacionário e esvaziam o sentido<br />
crítico profundo do movimento.<br />
Há autores que se autoproclamam pós-modernista. Há<br />
latências passíveis de discussão como os riscos do esteticismo<br />
hermético de Aldo Rossi, ou <strong>da</strong> fetichização<br />
do passado em Palladio, por exemplo, para só falarmos<br />
<strong>da</strong> arquitetura. Há o monumentalismo autoritário e a<br />
sedução comprometedora pela técnica de Philip Johnson<br />
e dos autores do edifício do Centro Pompidou. O<br />
pós-moderno sem dúvi<strong>da</strong> traz ambigüi<strong>da</strong>des – aliás é<br />
feito delas – e deve ser criticado e superado. É isso que<br />
ele propõe: a prudência como método, a ironia como<br />
crítica, o fragmento como base e o descontínuo como<br />
limite (OLIVEIRA, op. cit.: 53-54).<br />
4.8 – Narrativas Paraliterárias (Para<strong>literatura</strong>)<br />
Para<strong>literatura</strong><br />
PONTO DE VISTA SEMIOLÓGICO / ANALÍTICO<br />
O termo para<strong>literatura</strong> foi criado para substituir as<br />
designações correntes de “má <strong>literatura</strong>” e de “sub<strong>literatura</strong>”.<br />
Do ponto de vista teórico, o termo para<strong>literatura</strong><br />
implica o reconhecimento de um discurso paraliterário<br />
com características próprias e defi ni<strong>da</strong>s, resultando de<br />
suas múltiplas manifestações o produto de massa, ou<br />
paraliterário. Reconhecer que o produto de massa é<br />
manifestação de um discurso específi co e não <strong>da</strong> utilização<br />
medíocre ou defeituosa do discurso literário,<br />
liberta-o do jogo <strong>da</strong> <strong>literatura</strong> e impede a comparação<br />
redutora com o produto literário. Há assim um discurso<br />
paraliterário, diferente do discurso literário, cuja manifestação<br />
cria, segundo sua especifi ci<strong>da</strong>de, o produto<br />
literário. Resultando <strong>da</strong> manifestação de um discurso<br />
específi co e não <strong>da</strong> má utilização do discurso literário,<br />
o produto paraliterário na<strong>da</strong> tem a ver com o produto<br />
literário. É uma outra coisa que não <strong>literatura</strong>, e se<br />
defi ne por suas próprias características.<br />
Jean Tortel, o proponente do termo, coloca to<strong>da</strong> a<br />
massa <strong>da</strong> escritura contemporânea, <strong>da</strong> carta comercial<br />
à novela, e <strong>da</strong> receita culinária ao romance policial, no<br />
âmbito <strong>da</strong> para<strong>literatura</strong>. Excetuando uma ilhota que<br />
constitui a <strong>literatura</strong> propriamente dita, todo o resto<br />
<strong>da</strong> escritura é paraliterária. Tortel propõe uma divisão<br />
<strong>da</strong> para<strong>literatura</strong> em didática, abrangendo as formas<br />
esteriotipa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> comunicação, e de imaginação,<br />
abrangendo as formas excludentes <strong>da</strong> prática comunicativa,<br />
defi ni<strong>da</strong> (SILVA, op. cit: 169).<br />
Narrativa Paraliterária<br />
PONTO DE VISTA SEMIOLÓGICO / ANALÍTICO<br />
Reconhecer a existência de um discurso paraliterário<br />
é reconhecer também a existência de um processo<br />
paraliterário de criação, como investimento semiológico<br />
desse discurso. E esse processo de criação poderia<br />
ser apreendido na sua conversão em discurso narrativo<br />
paraliterário,por exemplo. E para a estruturação do<br />
universo sígnico, o discurso paraliterário estaria semiologicamente<br />
investido pelos discursos fi ccionais<br />
do espaço, do personagem e do acontecimento. O<br />
desenvolvimento desta perspectiva teórica levaria<br />
a defi nir o processo paraliterário como imitação do<br />
processo literário que é, por sua vez, imitativo do<br />
processo do real (IDEM: 170).
Texto-Objeto / Texto Técnico (Terminologia<br />
Fenomenológica)<br />
PONTO DE VISTA FENOMENOLÓGICO /<br />
INTERPRETATIVO<br />
O texto-objeto é constituído sobre tudo pelo discurso<br />
referencial cotidiano e técnico. Nele predomina uma<br />
oposição entre sujeito e objeto, onde o sistema expressivo,<br />
como tal, é colocado em plano secundário. Se<br />
alguém quer transmitir uma ordem ou então enunciar<br />
uma instrução técnica, não vai escolher palavras bonitas<br />
nem elaborar frases harmoniosas. O importante é<br />
ser compreendido o mais claramente possível, <strong>da</strong>í ser<br />
objetivo e prático. Noutras palavras, tal texto será tanto<br />
melhor quanto for objetivo, impessoal, útil e funcional<br />
(CASTRO, op. cit.: 32).<br />
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68<br />
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Parabéns!
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