renúncia de Bento XVI - Paróquia São Maximiliano
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RENUNCIA DO PAPA BENTO <strong>XVI</strong><br />
Dossiê sobre a surpreen<strong>de</strong>nte notícia da <strong>renúncia</strong> do papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
Quarta, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Um papa po<strong>de</strong> renunciar? Sim, um papa po<strong>de</strong> renunciar – até 10 papas na história po<strong>de</strong>m ter<br />
renunciado, mas as provas históricas são limitadas.<br />
A análise é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, membro sênior do Woodstock<br />
Theological Center, da Georgetown University, e ex-diretor da revista America, dos jesuítas<br />
dos EUA. O artigo foi publicado no jornal National Catholic Reporter, 11-02-2013. A tradução<br />
é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Sim, um papa po<strong>de</strong> renunciar – até 10 papas na história po<strong>de</strong>m ter renunciado, mas as provas<br />
históricas são limitadas. Mais recentemente, durante o Concílio <strong>de</strong> Constança, no século XV, o<br />
Papa Gregório XII renunciou para trazer o fim do Gran<strong>de</strong> Cisma do Oci<strong>de</strong>nte, e um novo<br />
papa foi eleito em 1417. A <strong>renúncia</strong> do Papa Celestino V, em 1294, é a mais famosa, porque<br />
Dante o colocou no inferno por causa disso.<br />
Papas mais mo<strong>de</strong>rno sentiram que a <strong>renúncia</strong> é inaceitável. Como disse Paulo VI, a paternida<strong>de</strong><br />
não po<strong>de</strong> ser renunciada. Além disso, Paulo VI temia criar um prece<strong>de</strong>nte que po<strong>de</strong>ria incentivar
facções na Igreja a pressionar futuro papas a renunciar por outras razões que não a saú<strong>de</strong>. No<br />
entanto, o Código <strong>de</strong> Direito Canônico <strong>de</strong> 1917 previa a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> um papa, assim como os<br />
regulamentos estabelecidos por Paulo VI em 1975 e por João Paulo II em 1996. No entanto,<br />
uma <strong>renúncia</strong> induzida por medo ou frau<strong>de</strong> seria inválida. Além disso, os canonistas argumentam<br />
que uma pessoa que renuncia <strong>de</strong> um ofício <strong>de</strong>ve po<strong>de</strong>r fazer o "uso da razão" (Cânone 187).<br />
Em 1989 e em 1994, João Paulo II secretamente preparou cartas oferecendo ao Colégio dos<br />
Car<strong>de</strong>ais a sua <strong>renúncia</strong> em caso <strong>de</strong> uma doença incurável ou outra condição que o impedisse <strong>de</strong><br />
cumprir o seu ministério, segundo Mons. Slawomir O<strong>de</strong>r, postulador da causa do papa falecido.<br />
O sítio Catholic News Service noticia: "A carta <strong>de</strong> 1989 era breve e direta ao ponto; ela diz que,<br />
no caso <strong>de</strong> uma doença incurável que o impeça <strong>de</strong> 'exercer suficientemente as funções do meu<br />
ministério apostólico' ou por causa <strong>de</strong> algum outro impedimento grave e prolongado, 'eu<br />
renuncio ao meu ofício sagrado e canônico, tanto como bispo <strong>de</strong> Roma, quanto como chefe da<br />
Igreja Católica'".<br />
"Em sua carta <strong>de</strong> 1994 – continua a notícia –, o papa disse que passou anos se perguntando se um<br />
papa <strong>de</strong>veria renunciar aos 75 anos, a ida<strong>de</strong> normal <strong>de</strong> aposentadoria para os bispos. Ele também<br />
disse que, dois anos antes, quando ele pensou que po<strong>de</strong>ria ter um tumor maligno <strong>de</strong> cólon, ele<br />
pensava que Deus já havia <strong>de</strong>cidido por ele."<br />
Então, segundo a reportagem, "ele <strong>de</strong>cidiu seguir o exemplo do Papa Paulo VI, que, em 1965,<br />
concluiu que um papa 'não po<strong>de</strong>ria renunciar ao mandato apostólico, exceto na presença <strong>de</strong> uma<br />
doença incurável ou <strong>de</strong> um impedimento que impedisse o exercício das funções do sucessor <strong>de</strong><br />
Pedro".<br />
"Fora <strong>de</strong>stas hipóteses, eu sinto uma grave obrigação <strong>de</strong> consciência a continuar a cumprir a<br />
tarefa para a qual Cristo, o Senhor, me chamou, enquanto, no misterioso <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> sua<br />
providência, ele <strong>de</strong>sejar", diz a carta.<br />
As provas históricas para as <strong>renúncia</strong>s papais são limitadas, especialmente se eliminarmos as<br />
<strong>renúncia</strong>s que po<strong>de</strong>m ter sido forçadas.<br />
1. Clemente I (92?-101): Epifânio afirmou que Clemente abriu mão do pontificado a Lino em<br />
prol da paz e se tornou papa novamente após a morte <strong>de</strong> Cleto.<br />
2. Ponciano (230-235): supostamente renunciou após ser exilado para as minas da Sar<strong>de</strong>nha<br />
durante a perseguição <strong>de</strong> Maximinus Thrax.<br />
3. Ciríaco: um personagem fictício criado na Ida<strong>de</strong> Média que supostamente recebeu um<br />
mandato celestial para renunciar.<br />
4. Marcelino (296-304): abdicou ou foi <strong>de</strong>posto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprir a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Diocleciano <strong>de</strong><br />
oferecer sacrifício a <strong>de</strong>uses pagãos.<br />
5. Martinho I (649-655): exilado pelo imperador Constâncio II para a Crimeia. Antes <strong>de</strong><br />
morrer, o clero <strong>de</strong> Roma elegeu um sucessor que ele parece ter aprovado.
6. <strong>Bento</strong> V (964): <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um mês no cargo, ele aceitou a <strong>de</strong>posição por parte do imperador<br />
Otto I.<br />
7. <strong>Bento</strong> IX (1032-1045): <strong>Bento</strong> renunciou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r o papado ao seu padrinho Gregório<br />
VI.<br />
8. Gregório VI (1045-1046): <strong>de</strong>posto por simonia por Henrique III.<br />
9. Celestino V (1294): eremita, eleito aos 80 anos e oprimido pelo ofício, renunciou. Foi preso<br />
pelo seu sucessor.<br />
10. Gregório XII (1406-1415): renunciou a pedido do Concílio <strong>de</strong> Constança para ajudar a<br />
acabar com o Gran<strong>de</strong> Cisma do Oci<strong>de</strong>nte.<br />
[Fonte: Patrick Granfield, Papal Resignation (Revista The Jurist, inverno-primavera <strong>de</strong> 1978);<br />
e J. N. D. Kelly, The Oxford Dictionary of Popes (1986).]<br />
Em Luz do Mundo, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma inequívoca a uma pergunta sobre se<br />
um papa po<strong>de</strong>ria renunciar: "Sim. Quando um papa chega à clara consciência <strong>de</strong> já não se<br />
encontrar em condições físicas, mentais e espirituais <strong>de</strong> exercer o encargo que lhe foi confiado,<br />
então tem o direito – e, em algumas circunstâncias, também o <strong>de</strong>ver – <strong>de</strong> renunciar".<br />
Por outro lado, ele não favoreceu a <strong>renúncia</strong> simplesmente porque o fardo do papado é gran<strong>de</strong>.<br />
"Quando o perigo é gran<strong>de</strong>, não é possível escapar. Eis por que este, certamente, não é o<br />
momento <strong>de</strong> renunciar. Precisamente em momentos como estes é que se faz necessário resistir e<br />
suportar as situações difíceis. Este é o meu pensamento. É possível renunciar em um momento<br />
<strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> ou quando simplesmente já não se aguenta. Não é possível, porém, fugir<br />
justamente no momento do perigo e dizer: 'Que outro cui<strong>de</strong> disso'".<br />
Quarta, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Os dois pontífices no Vaticano. Artigo <strong>de</strong> Vito Mancuso.<br />
A inédita situação <strong>de</strong>terminada pela <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda para compreen<strong>de</strong>r<br />
o que significa realmente ser papa. Até ontem, "ser papa" e "fazer o papel <strong>de</strong> papa" era a mesma<br />
coisa. A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é o fim <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o papado e po<strong>de</strong> ser o<br />
nascimento <strong>de</strong> algo novo.<br />
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San<br />
Raffaele, <strong>de</strong> Milão. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 12-02-2013. A tradução é<br />
<strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Segundo o teólogo, "no mundo <strong>de</strong> ontem, sugere <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, a distinção entre pessoa e papel<br />
ainda podia não emergir, e um Joseph Ratzinger enfraquecido ainda po<strong>de</strong>ria continuar<br />
<strong>de</strong>sempenhando o papel <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. No mundo <strong>de</strong> hoje, ao invés, não é mais assim. Eu<br />
consi<strong>de</strong>ro essas palavras não somente uma gran<strong>de</strong> lição <strong>de</strong> autoconsciência e <strong>de</strong> laicida<strong>de</strong>, mas<br />
também uma gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repensamento para o governo da Igreja".
A partir da Páscoa, a Igreja Católica terá dois papas, um só <strong>de</strong> facto, mas ambos os dois <strong>de</strong> iure?<br />
À parte o célebre caso <strong>de</strong> Celestino V e <strong>de</strong> Bonifácio VIII, no fim do século XIII, uma situação<br />
<strong>de</strong>sse tipo nunca havia sido verificada nos 2.000 anos <strong>de</strong> história, sem consi<strong>de</strong>rar que o Papa<br />
Celestino passou o tempo <strong>de</strong> ex-papa antes errante e <strong>de</strong>pois preso a muita distância <strong>de</strong> Roma,<br />
enquanto <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> continuará habitando no Vaticano a poucas centenas <strong>de</strong> metros do sucessor.<br />
Constituirá para ele uma sombra ou uma fonte <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> inspiração? Obviamente, ninguém<br />
sabe, nem mesmo o próprio <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, que certamente é uma pessoa discreta e muito respeitosa<br />
das formas, mas cujo peso intelectual e espiritual não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> exercer uma pressão sobre<br />
quem quer que assuma o seu posto.<br />
Uma coisa, porém, <strong>de</strong>ve ficar clara: na Páscoa, não haverá dois papas, mas um só, porque<br />
Joseph Ratzinger não será mais bispo <strong>de</strong> Roma, e ser papa significa, acima <strong>de</strong> tudo e<br />
essencialmente, ser "bispo <strong>de</strong> Roma".<br />
A inédita situação <strong>de</strong>terminada pela <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda para compreen<strong>de</strong>r<br />
o que significa realmente ser papa. Até ontem, "ser papa" e "fazer o papel <strong>de</strong> papa" era a mesma<br />
coisa. Até ontem, a pessoa e o papel se i<strong>de</strong>ntificavam, não havia solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, e, ao<br />
contrário, se entre as duas dimensões uma <strong>de</strong>via prevalecer, certamente era a <strong>de</strong> "ser papa" que<br />
prevalecia, fazendo passar para o segundo plano o fato <strong>de</strong> ter ou não as plenas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r fazê-lo.<br />
Todos se lembram, nos tempos da conclamada doença <strong>de</strong> João Paulo II, das repetidas garantias<br />
da Sala <strong>de</strong> Imprensa vaticana sobre as suas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. João Paulo II não podia mais<br />
fazer o papel <strong>de</strong> papa, mas o era, e isso bastava. Prevalecia a dimensão sacral, ligada à essência,<br />
ao carisma, ao status, ao ser papa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente até do próprio corpo.<br />
E, não por acaso, João Paulo II, quando alguém lhe sugeria a hipótese da <strong>renúncia</strong>, costumava<br />
repetir que "da cruz não se <strong>de</strong>sce". <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> quer, talvez, <strong>de</strong>sce da cruz? Não, trata-se <strong>de</strong> outra<br />
coisa, simplesmente do fato <strong>de</strong> que ele reconheceu antes, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>clarou<br />
publicamente que o <strong>de</strong>clínio progressivo das forças físicas e psíquicas não lhe permite mais<br />
"fazer o papel <strong>de</strong> papa" e, portanto, preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> "ser papa". A função levou a melhor sobre<br />
a essência, o papel sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Eu acrescento que a laicida<strong>de</strong> levou a melhor sobre a<br />
sacralida<strong>de</strong>.<br />
De fato, tratou-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão laica, porque realiza uma distinção, e on<strong>de</strong> há distinção há<br />
laicida<strong>de</strong>. A distinção entre a pessoa e o papel introduzida nessa segunda-feira por <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>,<br />
com a sua <strong>renúncia</strong>, se concretiza nestas palavras ditas em latim aos car<strong>de</strong>ais: "As minhas forças,<br />
<strong>de</strong>vido à ida<strong>de</strong> avançada, já não são idôneas para exercer a<strong>de</strong>quadamente o ministério petrino".<br />
Há um ministério, uma função, um papel, um serviço, que tem priorida<strong>de</strong> sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da<br />
pessoa.<br />
A palavra <strong>de</strong>cisiva no anúncio papal <strong>de</strong>ssa segunda-feira, no entanto, é outra, a seguinte: "No<br />
mundo <strong>de</strong> hoje". Eis as suas palavras: "No mundo <strong>de</strong> hoje, para governar a barca <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, é<br />
necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi<br />
diminuindo".
No mundo <strong>de</strong> ontem, sugere <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, a distinção entre pessoa e papel ainda podia não<br />
emergir, e um Joseph Ratzinger enfraquecido ainda po<strong>de</strong>ria continuar <strong>de</strong>sempenhando o papel<br />
<strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. No mundo <strong>de</strong> hoje, ao invés, não é mais assim. Eu consi<strong>de</strong>ro essas palavras não<br />
somente uma gran<strong>de</strong> lição <strong>de</strong> autoconsciência e <strong>de</strong> laicida<strong>de</strong>, mas também uma gran<strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repensamento para o governo da Igreja.<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> po<strong>de</strong> conduzir a uma reforma da concepção monárquica e sacral do<br />
papado nascida na Ida<strong>de</strong> Média e retomar a concepção mais aberta e funcional que o papel do<br />
papa tinha nos primeiros séculos cristãos?<br />
É difícil que isso aconteça, mas permanece a urgência <strong>de</strong> colocar novamente no centro do<br />
governo da Igreja a espiritualida<strong>de</strong> do Novo Testamento, passando <strong>de</strong> uma concepção que<br />
confere ao papado um po<strong>de</strong>r absoluto e solitário, a uma concepção mais aberta e capaz <strong>de</strong> fazer<br />
viver na cotidianida<strong>de</strong> o método conciliar.<br />
Não se trata, <strong>de</strong> fato, somente das condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> Joseph Ratzinger que diminuem. É<br />
preciso ir além e chegar a fazer-se a inevitável interrogação: "No mundo <strong>de</strong> hoje", um único<br />
homem é capaz <strong>de</strong> guiar a barca <strong>de</strong> Pedro? Po<strong>de</strong>r-se-á objetar que o papa não está sozinho, mas<br />
está cercado por inúmeros colaboradores. Mas se trata <strong>de</strong> colaboradores obsequiosos, muitas<br />
vezes escolhidos <strong>de</strong>ntre yes-men que aplau<strong>de</strong>m e sem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituir um verda<strong>de</strong>iro<br />
<strong>de</strong>bate e uma cerrada dialética interna, condições indispensáveis para tomar <strong>de</strong>cisões capazes <strong>de</strong><br />
fazer com que a barca <strong>de</strong> Pedro navegue "no mundo <strong>de</strong> hoje".<br />
No início, porém, não era assim. <strong>São</strong> Pedro certamente tinha um papel <strong>de</strong> guia na primeira<br />
comunida<strong>de</strong>, como se apreen<strong>de</strong> do livro dos Atos, mas não exercia tal função com po<strong>de</strong>r<br />
absoluto, porque senão não se enten<strong>de</strong>ria o concílio realizado em Jerusalém por volta do ano 50 e<br />
a aberta oposição <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo com relação a ele no episódio <strong>de</strong> Antioquia.<br />
O anúncio papal <strong>de</strong>ssa segunda-feira ocorreu no contexto <strong>de</strong> algumas canonizações, uma das<br />
quais se referia aos Mártires <strong>de</strong> Otranto, os 800 cristãos mortos pelos otomanos em 1480 por<br />
não terem renegado a fé. Martírio é testemunho. A tradição da Igreja, porém, para além do<br />
martírio vermelho do sangue <strong>de</strong>rramado, conhece o martírio ver<strong>de</strong> da vida itinerante pelo<br />
apostolado, e o martírio branco pelo abandono <strong>de</strong> todos os próprios bens.<br />
No caso <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, estamos diante <strong>de</strong> um martírio-testemunho <strong>de</strong> outra cor, a do<br />
reconhecimento da própria fraqueza, da própria incapacida<strong>de</strong>, do próprio não estar à altura. É o<br />
fim <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o papado e po<strong>de</strong> ser o nascimento <strong>de</strong> algo novo.<br />
Quarta, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Por que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> renunciou? O Papa não está doente. O Papa está bem. A razão da <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> renunciar ao ministério petrino é <strong>de</strong>vida à fragilida<strong>de</strong> proveniente do envelhecimento e da<br />
consequente impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governar a Igreja melhor.<br />
Padre Fe<strong>de</strong>rico Lombardi explicou com clareza as causas subjacentes da histórica <strong>de</strong>cisão<br />
anunciada ontem pelo Pontífice. Uma "<strong>de</strong>cisão consciente, espiritual, bem fundamentada do<br />
ponto <strong>de</strong> vista da fé e humano”, como <strong>de</strong>clarou na coletiva <strong>de</strong> hoje com os jornalistas na Sala <strong>de</strong><br />
Imprensa vaticana.
A reportagem é <strong>de</strong> Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 12-02-2013.<br />
Em particular, o porta-voz do Vaticano, quis "eliminar" algumas insinuações que saíram ontem<br />
pelos meios <strong>de</strong> comunicação italianos, sobre uma possível doença do Santo Padre, que ainda<br />
estivesse escondida e sobre alguns procedimentos cardíacos que o Papa teria sofrido<br />
recentemente.<br />
"Não existem doenças específicas", afirmou Pe. Lombardi, nem sequer “algum intervenção<br />
especial”. É verda<strong>de</strong> que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nos meses passados se submeteu a uma pequena operação<br />
cardíaca, mas – explicou Lombardi – foi apenas uma substituição das baterias do marcapasso.<br />
Portanto, uma intervenção “normal, <strong>de</strong> rotina, como <strong>de</strong> todas as pessoas que têm um controlador<br />
cardíaco” que não tem nenhum importância na <strong>de</strong>cisão do Pontífice, porque foi algo “irrelevante<br />
sob todos os pontos <strong>de</strong> vista”.<br />
O diretor da Assessoria <strong>de</strong> Imprensa Vaticana confirmou que até o dia 28 <strong>de</strong> fevereiro – data em<br />
que a Sé ficará vacante – a agenda <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> não sofrerá nenhuma variação. Trata-se das<br />
últimas intervenções do Papa Ratzinger, portanto, “ocasiões preciosas” que o Padre Lombardi<br />
convidou a “prestar muita atenção”.<br />
Sobretudo, prestemos atenção na Audiência geral <strong>de</strong> amanhã (a primeira aparição pública post<br />
<strong>de</strong>claratio), e a celebração das Cinzas que, por questões <strong>de</strong> espaço, não será mais na Santa Sabina<br />
no Aventino, mas na Basílica <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, justamente “para acolher mais fieis e tantos<br />
car<strong>de</strong>ais” que participarão daquela que, <strong>de</strong> fato, é “a última gran<strong>de</strong> concelebração do Papa”.<br />
Depois ainda acontecerá, na quinta-feira <strong>de</strong> manhã, na Sala Paulo VI, a antiga tradição do<br />
encontro – conversa do Papa com o clero romano. Naquela ocasião, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> “falará<br />
espontaneamente com anotações preparadas”, e <strong>de</strong> acordo com o que disse Pe. Lombardi,<br />
“falará da sua experiência no Concílio Vaticano II”.<br />
Permanecem inalterados também outros eventos, como os Angelus do domingo, as visitas ad<br />
limina dos bispos italianos, as audiências aos presi<strong>de</strong>ntes da Romania e Guatemala, a intervenção<br />
no final dos exercícios espirituais e a última audiência do 27 <strong>de</strong> fevereiro, que acontecerá<br />
provavelmente na Praça <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, “para dar possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma participação maior na<br />
saudação ao Santo Padre”.<br />
Respon<strong>de</strong>ndo a uma questão urgente, o porta-voz do Vaticano também falou da possível<br />
encíclica sobre a fé e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que seja publicada no final do mês. "Que eu saiba não -<br />
disse - porque não estava preparada para ser traduzida, publicada, terminada em pouco tempo".<br />
"Se haverá <strong>de</strong>pois outro modo em que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nos fará participantes das suas reflexões sobre<br />
a fé, muito bem”, acrescentou. Porém, “a Encíclica como tal, publicada pelo Papa não po<strong>de</strong>mos<br />
pensar que a teremos até o final do mês".<br />
Perguntado sobre o motivo que fez o Papa não ter <strong>de</strong>finido uma data que lhe tivesse dado mais<br />
tempo para entregar o importante documento, padre Lombardi respon<strong>de</strong>u “a escolha da data <strong>de</strong><br />
uma comunicação e <strong>de</strong>pois a se<strong>de</strong> vacante é uma escolha feita com uma reflexão ampla também<br />
em base a um calendário litúrgico e aos compromissos da Igreja".
"Esse - afirmou – era um bom tempo para ter um espaço <strong>de</strong> um anúncio e <strong>de</strong>pois a convocação<br />
do conclave, <strong>de</strong> tal forma que se chegasse à Páscoa e ao período pascal com a eleição do novo<br />
Papa”. Consciente, portanto, da “sua condição <strong>de</strong> forças que diminuem”, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> consi<strong>de</strong>rou<br />
já o momento amadurecido para <strong>de</strong>ixar que fosse um outro Papa a enfrentar os novos<br />
compromissos e concluir o Ano da fé.<br />
Continuando o tema dos "tempos", Lombardi explicou que o Papa <strong>de</strong>ixará as suas funções às<br />
20hs e não às 24hs do dia 28 <strong>de</strong> fevereiro, porque naquela hora acaba “normalmente” a jornada<br />
<strong>de</strong> trabalho do Papa, “antes <strong>de</strong> retirar-se em oração e <strong>de</strong>pois repousar”.<br />
Gran<strong>de</strong> preocupação dos jornalistas foi, então, compreen<strong>de</strong>r como se chamará ou vestirá <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> quando volte ao Vaticano <strong>de</strong>pois da sua estada em Castel Gandolfo. “<strong>São</strong> questões ainda<br />
não <strong>de</strong>finidas” disse Lombardi.<br />
Notícia certa é, pelo contrário, que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> “não voltará car<strong>de</strong>al”, nem “será Bispo emérito<br />
<strong>de</strong> Roma” ainda se, por agora, não existem fórmulas oficiais. É certo, porém, que não terá<br />
nenhum papel no próximo conclave, enquanto que permanece a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que, como é<br />
normal, o anel petrino seja quebrado.<br />
O diretor da Sala <strong>de</strong> Imprensa do Vaticano confirmou o início em novembro dos trabalhos <strong>de</strong><br />
restauração do mosteiro Mater Ecclesiae "no Vaticano, que há um tempo era ocupado por irmãs<br />
<strong>de</strong> clausura, on<strong>de</strong> o Papa residirá.<br />
Embora tenha sido "ampliado com a construção <strong>de</strong> uma capela ao longo do muro que <strong>de</strong>sce da<br />
torre da Colina”, o Mater Ecclesiae “permanece portanto um edifício pequeno – disse Lombardi<br />
– on<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m estar unidos a residência das religiosas e a do Papa".<br />
Quando perguntado sobre o motivo que fez o Papa <strong>de</strong>cidir morar neste lugar, o porta-voz<br />
respon<strong>de</strong>u que foi uma <strong>de</strong>cisão do Papa, porque “ninguém lhe impõe on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ir ou o que <strong>de</strong>ve<br />
fazer”. “O Papa conhece muito bem o Vaticano – acrescentou – e portanto sabia perfeitamente o<br />
que era o convento, on<strong>de</strong> estava e se po<strong>de</strong>ria ser uma colocação a<strong>de</strong>quada” que garantisse uma<br />
certa “autonomia e liberda<strong>de</strong>”.<br />
Uma última questão levantada é a <strong>de</strong> que foi a mesma viagem a Cuba e ao México que<br />
<strong>de</strong>terminou, <strong>de</strong>vido à fadiga, a <strong>de</strong>cisão do Pontífice <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir-se. Na realida<strong>de</strong>, assinalou Padre<br />
Lombardi, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> tinha consi<strong>de</strong>rado esta hipótese já no livro-entrevista do 2010, “Luz do<br />
Mundo”, <strong>de</strong> Peter Seewald.<br />
Portanto, era um tema já claro antes da viagem ao México e Cuba, “in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> eventos<br />
específicos". Além disso, <strong>de</strong>pois da experiência da viagem intercontinental, o Santo Padre "não<br />
colocou no calendário outras gran<strong>de</strong>s viagens, mas só afirmou que para Rio era normal que o<br />
Papa estivesse presente, mas não quer dizer que seria ele mesmo que estaria presente”.<br />
Em conclusão, à questão "escaldante": conseguirão conviver dois Papas no Vaticano? Pe.<br />
Lombardi respon<strong>de</strong>u calmamente: "É uma situação nova, mas acho que não haverá nenhum
problema para o seu sucessor". Na verda<strong>de</strong>, afirmou, “o sucessor provavelmente se sentirá<br />
sustentado pela oração, por uma presença intensa <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong> participação da pessoa que mais<br />
do que qualquer outra no mundo po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e participar das preocupações do seu<br />
sucessor”.<br />
Quarta, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Que tipo <strong>de</strong> Papa? As tensões internas da Igreja atual<br />
"Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no<br />
interior <strong>de</strong> uma crise ecológica e social <strong>de</strong> gravíssimas consequências. O problema central não é<br />
a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa<br />
travessia? Só dialogando e somando forças com todos", escreve Leonardo Boff, teólogo,<br />
filósofo e escritor.<br />
Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, coisa que foi feito com<br />
competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma<br />
tensão sempre viva <strong>de</strong>ntro da Igreja e que marca o perfil <strong>de</strong> cada Papa. A questão central é esta:<br />
qual a posição e a missão da Igreja no mundo?<br />
Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada <strong>de</strong>ve assentar-se sobre duas pilastras<br />
fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central <strong>de</strong> Jesus, sua utopia <strong>de</strong> uma<br />
revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar on<strong>de</strong><br />
a Igreja realiza seu serviço ao Reino e on<strong>de</strong> ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja<br />
<strong>de</strong>masiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco <strong>de</strong> espiritualização e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alismo. Se<br />
<strong>de</strong>masiadamente próxima do mundo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização.<br />
Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui<br />
uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcen<strong>de</strong>nte.<br />
Como viver esta tensão <strong>de</strong>ntro do mundo e da história? Apresentam-se dois mo<strong>de</strong>los diferentes<br />
e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.<br />
O mo<strong>de</strong>lo do testemunho afirma com convicção: temos o <strong>de</strong>pósito da fé, <strong>de</strong>ntro do qual estão<br />
todas as verda<strong>de</strong>s necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça;<br />
temos uma moral bem <strong>de</strong>finida; temos a certeza <strong>de</strong> que a Igreja Católica é a Igreja <strong>de</strong> Cristo, a<br />
única verda<strong>de</strong>ira; temos o Papa que goza <strong>de</strong> infalibilida<strong>de</strong> em questões <strong>de</strong> fé e moral; temos uma<br />
hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa <strong>de</strong> assistência permanente do Espírito<br />
Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para on<strong>de</strong> vai e que por si<br />
mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não<br />
há salvação.<br />
Os cristãos <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos <strong>de</strong> uma missão<br />
salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já<br />
temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong>.<br />
O mo<strong>de</strong>lo do diálogo parte <strong>de</strong> outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece<br />
também uma realização secular, sempre on<strong>de</strong> há verda<strong>de</strong>, amor e justiça; o Cristo ressuscitado<br />
possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre
presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos<br />
na forma <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece<br />
chance <strong>de</strong> salvação, pois os tirou <strong>de</strong> seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos<br />
libertos. A missão da Igreja é ser sinal <strong>de</strong>sta história <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>ntro da história humana e<br />
também um instrumento <strong>de</strong> sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a<br />
realida<strong>de</strong> tanto religiosa quanto secular está empapada <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>vemos todos dialogar: trocar,<br />
apren<strong>de</strong>r uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais<br />
segura.<br />
O primeiro mo<strong>de</strong>lo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na<br />
África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e<br />
dominação <strong>de</strong> muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o mo<strong>de</strong>lo do Papa João Paulo<br />
II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho <strong>de</strong> que ai vinha a salvação. Era o<br />
mo<strong>de</strong>lo, mais radicalizado ainda, <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> que negou o título <strong>de</strong> “Igreja” às igrejas<br />
evangélicas, ofen<strong>de</strong>ndo-as duramente; atacou diretamente a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, pois a via<br />
negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores, mas<br />
via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada<br />
<strong>de</strong> inimigos por todos os lados contra os quais importa se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r.<br />
O mo<strong>de</strong>lo do diálogo é do Concílio Vaticano II, <strong>de</strong> Paulo VI e <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llin e <strong>de</strong> Puebla na<br />
América Latina. Viam o cristianismo não como um <strong>de</strong>pósito, sistema fechado com o risco <strong>de</strong><br />
ficar fossilizado, mas como uma fonte <strong>de</strong> águas vivas e cristalinas que po<strong>de</strong>m ser canalizadas por<br />
muitos condutos culturais, um lugar <strong>de</strong> aprendizado mútuo porque todos são portadores do<br />
Espírito Criador e da essência do sonho <strong>de</strong> Jesus.<br />
O primeiro mo<strong>de</strong>lo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e<br />
<strong>de</strong>svalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e,<br />
<strong>de</strong>sconsolados, se afastavam da instituição, mas não do Cristianismo como valor e utopia<br />
generosa <strong>de</strong> Jesus.<br />
O segundo mo<strong>de</strong>lo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a<br />
construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>. Assim vale a pena ser cristão.<br />
Esse mo<strong>de</strong>lo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se<br />
meteu e que atingiu seu ponto <strong>de</strong> honra: a moralida<strong>de</strong> (os pedófilos) e a espiritualida<strong>de</strong> (roubo <strong>de</strong><br />
documentos secretos e problemas graves <strong>de</strong> transparência no Banco do Vaticano).<br />
Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no<br />
interior <strong>de</strong> uma crise ecológica e social <strong>de</strong> gravíssimas consequências. O problema central não é<br />
a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa<br />
travessia? Só dialogando e somando forças com todos.<br />
Terça, 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Ratzinger é brilhante como teólogo, mas fracassou como papa
Para Ratzinger, "a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> igreja é a <strong>de</strong> um pequeno grupo coeso <strong>de</strong> crentes, fiéis ao magistério<br />
da igreja (conjunto <strong>de</strong> normas para condução moral da vida), distante das "modas mo<strong>de</strong>rninhas",<br />
escreve Luiz Felipe Pondé, professor da PUC-SP, em artigo publicado no jornal Folha <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, 12-02-2013.<br />
Segundo ele, "a igreja hoje tem um sério problema <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> quadros".<br />
"A Igreja Católica agoniza diante <strong>de</strong> um mundo que cada vez é mais opaco para quem pensa,<br />
como ela, que a vida seja algo mais do que conforto, prazer e liberda<strong>de</strong> pra transar com quem<br />
quisermos e quando quisermos", conclui Pondé.<br />
Joseph Ratzinger é um dos maiores teólogos vivos do cristianismo. Como papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>,<br />
fracassou.<br />
Conservador, um tanto liberal no começo <strong>de</strong> sua carreira, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> iniciou seu papado com um<br />
projeto, já em curso quando era a eminência parda intelectual <strong>de</strong> João Paulo II, <strong>de</strong> pôr "medida"<br />
na herança do Concílio Vaticano II, verda<strong>de</strong>ira "revolução liberal" na Igreja Católica.<br />
Já nos anos 80 atacava a teologia da libertação latino-americana por consi<strong>de</strong>rá-la certa quanto ao<br />
carisma profético bíblico <strong>de</strong> procurar justiça no mundo, mas errada quanto a assumir o marxismo<br />
como ferramenta <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta justiça.<br />
Foi um duro crítico da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a igreja <strong>de</strong>va aceitar soluções mo<strong>de</strong>rnas para problemas<br />
mo<strong>de</strong>rnos.<br />
Nesse sentido, apesar <strong>de</strong> ter resistido bravamente, com a ida<strong>de</strong> e a fraqueza que esta implica,<br />
acabou por ser um papa acuado pelas <strong>de</strong>mandas mo<strong>de</strong>rnas feitas à igreja e por uma incapacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pôr em marcha sua "infantaria", que nunca aceitou plenamente seu perfil <strong>de</strong> intelectual alemão<br />
eurocêntrico.<br />
Sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> igreja é a <strong>de</strong> um pequeno grupo coeso <strong>de</strong> crentes, fiéis ao magistério da igreja<br />
(conjunto <strong>de</strong> normas para condução moral da vida), distante das "modas mo<strong>de</strong>rninhas".<br />
Quais seriam algumas <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>mandas mo<strong>de</strong>rnas? Diálogo simétrico com outros credos<br />
(multiculturalismo), casamento gay, divórcio, sacerdócio das mulheres, fim do celibato, uso <strong>de</strong><br />
contraceptivos, aborto, punição pública <strong>de</strong> padres pedófilos (a igreja <strong>de</strong>veria passar esses padres<br />
para a Justiça comum), aceitação <strong>de</strong> avanços da medicina pré-natal como i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> fetos<br />
sem cérebro e consequente aborto, alinhamento político do clero com causas sociais e políticas<br />
do terceiro mundo - enfim, <strong>de</strong>safios típicos do contemporâneo.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> esbarrou com o fato <strong>de</strong> que a maior parte dos católicos militantes hoje é <strong>de</strong> países<br />
pobres (afora o caso dos EUA, o cristianismo é uma religião <strong>de</strong> país pobre).<br />
Os fiéis, portanto, estão mais próximos <strong>de</strong> um discurso contaminado pelas teorias políticas <strong>de</strong><br />
esquerda, que fala <strong>de</strong> justiça social como um direito "divino" e aproxima Jesus <strong>de</strong> Che Guevara,<br />
do que da complicada discussão acerca dos excessos do iluminismo racionalista ou da crítica<br />
bíblica que ten<strong>de</strong> a humanizar Cristo excessivamente em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> sua divinda<strong>de</strong>.
Seu próprio clero (sua "infantaria") ajudou no fracasso <strong>de</strong> seu papado, resistindo<br />
sistematicamente à "romanização da igreja", o que em jargão técnico significa centralização das<br />
<strong>de</strong>cisões relativas ao cotidiano da instituição na lenta burocracia do Vaticano, com sua típica<br />
alienação europeia, distante do "caos" do mundo real do Terceiro Mundo. O Vaticano é muito<br />
europeu, inclusive em sua <strong>de</strong>cadência como referência para o mundo no século XXI.<br />
Mas há dimensões que transcen<strong>de</strong>m as dificulda<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong> seu projeto conservador e<br />
tocam dificulda<strong>de</strong>s da Igreja Católica contemporânea como um todo.<br />
A igreja hoje tem um sério problema <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> quadros. Antes era "um bom negócio"<br />
entrar para a igreja; hoje, quem o faz, salvo casos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vocação mística e espiritual ou <strong>de</strong><br />
revolta contra as ditas "injustiças sociais", é muitas vezes gente sem muita opção <strong>de</strong> vida.<br />
Quando não, tal como é visto por parte da população secular, gente com <strong>de</strong>svios sexuais graves.<br />
Os cursos <strong>de</strong> formação do clero, quando não totalmente contaminados pelos próprios teóricos<br />
que João Paulo II chamava em sua encíclica "Fi<strong>de</strong>s et Ratio" ("Fé e Razão") <strong>de</strong> "pensadores da<br />
suspeita" contra a fé e a razão (Marx, Nietzsche, Freud, Foucault), são fracos, com professores<br />
mal formados e conteúdos vazios. Claro que existem exceções, que, como sempre, em sendo<br />
exceções, confirmam a regra.<br />
Enfim, o papado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> fracassou, em gran<strong>de</strong> parte, em razão do fogo amigo: sua própria<br />
infantaria.<br />
A Igreja Católica agoniza diante <strong>de</strong> um mundo que cada vez é mais opaco para quem pensa,<br />
como ela, que a vida seja algo mais do que conforto, prazer e liberda<strong>de</strong> pra transar com quem<br />
quisermos e quando quisermos.<br />
Quarta, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O car<strong>de</strong>al Angelo Scola contra os sul-americanos<br />
A direção <strong>de</strong> Ratzinger foi precisa. Dar duas semanas <strong>de</strong> tempo antes da sua saída <strong>de</strong> cena para<br />
que o catolicismo mundial possa absorver a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ixar, a partir o dia 1º <strong>de</strong> março,<br />
uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> dias à disposição dos car<strong>de</strong>ais-eleitores para que, em Roma, troquem-se i<strong>de</strong>ias<br />
para i<strong>de</strong>ntificar a plataforma programática do próximo pontificado. "I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e tradição" era a<br />
palavra-chave do núcleo conservador ibérico e latino-americano, que em 2005 levou à vitória o<br />
car<strong>de</strong>al Ratzinger.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 12-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
A nova eleição ocorre em um momento <strong>de</strong> notáveis disparida<strong>de</strong>s nas análises dos "príncipes da<br />
Igreja", que se reunirão na Capela Sistina. De um lado, há um gran<strong>de</strong> grupo que teme o<br />
"tsunami da secularização", e, <strong>de</strong> outro, há uma fileira ainda dificilmente quantificável, que sente<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nova relação com o mundo contemporâneo e a urgência <strong>de</strong> reformas na<br />
organização e no modo <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r da Igreja.
No meio, como sempre, uma área que ainda busca se orientar. Nomes <strong>de</strong> papáveis já circulavam<br />
no ano passado, enquanto se aprofundava a crise do pontificado, mas a <strong>de</strong>cisão do Papa<br />
Ratzinger surpreen<strong>de</strong>u a todos e força agora os grupos <strong>de</strong> pressão ou <strong>de</strong> "proposta" a acelerar a<br />
tessitura dos contatos necessários para levar um candidato.<br />
Os car<strong>de</strong>ais italianos representam ainda um forte componente do conclave, e certamente a figura<br />
<strong>de</strong> referência – não <strong>de</strong> hoje – é a do arcebispo <strong>de</strong> Milão, car<strong>de</strong>al Angelo Scola. É conhecido<br />
como ótimo organizador, homem <strong>de</strong> cultura, atento aos problemas sociais (é forte o seu<br />
compromisso com as famílias pobres das dioceses) e comprometido com o diálogo com o Islã e<br />
as culturas asiáticas.<br />
No entanto, é bastante forte entre os car<strong>de</strong>ais "estrangeiros" a intenção <strong>de</strong> prosseguir a<br />
internacionalização do papado. E, portanto, <strong>de</strong>pois do polonês Wojtyla e do alemão Ratzinger,<br />
abre espaço a hipótese <strong>de</strong> levar em consi<strong>de</strong>ração um papa não europeu.<br />
Na primeira fila – segundo essa perspectiva – está o car<strong>de</strong>al cana<strong>de</strong>nse Marc Ouellet, <strong>de</strong> 68 anos,<br />
prefeito da Congregação para os Bispos. Ele tem muitas cartas a seu favor: conhece a máquina<br />
da Cúria, conhece os problemas das dioceses do mundo, teve uma experiência pastoral<br />
importante como arcebispo do Quebec e trabalhou várias vezes na América Latina, continentechave<br />
do catolicismo mundial.<br />
Da América Latina, que hospeda quase a meta<strong>de</strong> dos católicos do globo, outros candidatos<br />
estão <strong>de</strong>stinados a emergir nas próximas semanas, porque ainda no conclave <strong>de</strong> 2005 o único<br />
concorrente <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque do car<strong>de</strong>al Ratzinger era justamente um latino-americano: o argentino<br />
Jorge Maria Bergoglio, arcebispo <strong>de</strong> Buenos Aires, personalida<strong>de</strong> dotada <strong>de</strong> uma forte<br />
espiritualida<strong>de</strong>, mas também mo<strong>de</strong>radamente disponível para realizar reformas. Mesmo nesta<br />
vigília o seu nome aparece.<br />
Mas há também outros dois papáveis da América do Sul. O hondurenho Oscar Maradiaga,<br />
dinâmico presi<strong>de</strong>nte da Caritas Internationalis, homem <strong>de</strong> notável carisma humano e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
abertura para os problemas sociais, é há anos o ídolo daqueles que gostariam <strong>de</strong> um pontífice<br />
próximo dos problemas dos católicos do dia a dia, mas o fato <strong>de</strong> o seu nome concorrer há anos<br />
nem sempre ajuda no Vaticano.<br />
Outro possível forasteiro é o brasileiro João Braz <strong>de</strong> Avis, atual prefeito da Congregação para<br />
os Religiosos, uma personalida<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>, com um forte caráter pastoral, que fisicamente, por<br />
imediaticida<strong>de</strong> e simplicida<strong>de</strong>, lembra o Papa João XXIII.<br />
Mas, no entanto, este será um conclave das surpresas.<br />
Tudo ainda está muito fluido. Ao contrário <strong>de</strong> 2005, não há um "candidato forte", na primeira<br />
posição, que já goze <strong>de</strong> um bom pacote <strong>de</strong> consensos, a priori, como aconteceu com o car<strong>de</strong>al<br />
Ratzinger. Mas, diferentemente dos conclaves <strong>de</strong> 1978 (que elegeram João Paulo I e o Papa<br />
Wojtyla), também não se <strong>de</strong>senvolveu nestes anos um <strong>de</strong>bate aberto sobre os problemas da<br />
Igreja. Por isso, com relação a muitos candidatos ou aspirantes papáveis, não é fácil adivinhar até<br />
que ponto eles estão dispostos a reformas.
Os jogos estão realmente em aberto. Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spontar um húngaro como o car<strong>de</strong>al Peter Erdő,<br />
presi<strong>de</strong>nte dos episcopados católicos europeus, ou o norte-americano Seán O'Malley, o frei<br />
capuchinho que limpou a diocese <strong>de</strong> Boston <strong>de</strong>pois do escândalo dos abusos sexuais.<br />
Mas a verda<strong>de</strong>ira surpresa seria o "papa negro": o car<strong>de</strong>al ganense Peter Turkson, favorito<br />
segundo as casas <strong>de</strong> apostas britânicas.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''Voltar ao Concílio, bússola para a Igreja do futuro'', afirma <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
"A mídia oferecem uma imagem distorcida do Concílio. Agora, é necessária uma leitura do<br />
espírito do Vaticano II", afirmou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> no seu último encontro com os padres <strong>de</strong> Roma.<br />
A reportagem é do sítio Vatican Insi<strong>de</strong>r, 14-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O papa contou no encontro com o clero romano na Sala Paulo VI o seu Concílio como jovem<br />
perito e a<strong>de</strong>ntrou na interpretação do seu significado, indicando-o como ponto <strong>de</strong> referência para<br />
retomar o tema da renovação da Igreja.<br />
Antes da sua intervenção após as palavras do car<strong>de</strong>al vigário Agostino Vallini, o papa disse aos<br />
sacerdotes <strong>de</strong> Roma: "Obrigado a vocês, obrigado pelo seu afeto. Retiro-me, mas eu próximo <strong>de</strong><br />
vocês".<br />
Não foi, portanto, uma catequese, mas sim um testemunho humano e espiritual da cotidianida<strong>de</strong><br />
do Concílio. O jovem padre e teólogo Ratziger que vai a Roma para fazer uma experiência da<br />
universalida<strong>de</strong> da Igreja, colabora com o car<strong>de</strong>al Frings em contato com os 2.500 bispos<br />
presentes em Roma, na dimensão universal do cristianismo. Depois, lembrou a emoção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
conhecer e falar com gran<strong>de</strong>s teólogos como De Lubac e Daniélou.<br />
No Concílio, disse o papa, ''todos acreditávamos que se <strong>de</strong>via prosseguir na renovação, um novo<br />
Pentecostes" para a Igreja. E, com efeito, os seus frutos levaram a afirmar que "nós somos a<br />
Igreja, todos juntos, não uma estrutura. Mas nós, cristãos, somos o corpo da Igreja".<br />
O pontífice recordou, <strong>de</strong>pois, as discussões sobre o conceito <strong>de</strong> "colegialida<strong>de</strong>" na Igreja,<br />
afirmando que, nos trabalhos conciliares, houve, talvez, sobre esse tema "uma discussão<br />
exagerada, talvez furiosa". Mas, esclareceu, "não se tratou <strong>de</strong> uma luta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mas sim uma<br />
busca <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> no corpo da Igreja", afirmando que os bispos são um "elemento portante da<br />
Igreja".<br />
Há ainda "muito a fazer para chegar a uma leitura das Sagradas Escrituras no espírito do
Concílio, ela ainda não está completa", acrescentou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> na sua longa lectio, citando o seu<br />
livro sobre Jesus.<br />
Referências importantes à liturgia (Sacrosanctum Concilium), à Igreja (Lumen Gentium) e à<br />
Palavra <strong>de</strong> Deus revelada ao ser humano (Dei Verbum), fundamento <strong>de</strong> uma reflexão que uniu a<br />
mensagem <strong>de</strong> salvação <strong>de</strong> Cristo morto e ressuscitado, a longa tradição da Igreja e a história da<br />
Igreja na história da humanida<strong>de</strong>.<br />
Com Gaudium et Spes, Dignitatis Humanae e Nostra Aetate, compõe-se uma gran<strong>de</strong> trilogia <strong>de</strong><br />
documentos do Vaticano II, disse o Papa Ratzinger. Eles <strong>de</strong>ram um impulso importante para<br />
<strong>de</strong>finir o diálogo na diferença e na diversida<strong>de</strong> como momento fundamental para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do ser humano, na confirmação da fé da unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo. No diálogo,<br />
porém, compreen<strong>de</strong>-se como é necessário sempre um espírito <strong>de</strong> diálogo, porque em toda<br />
experiência religiosa há uma luz que ilumina todo ser humano.<br />
Finalmente, uma crítica aos meios <strong>de</strong> comunicação, que, nos anos 1960, relataram um Concílio<br />
Vaticano II "virtual", focando a atenção na "soberania popular". Uma interpretação que <strong>de</strong>u<br />
passagem a "tantas calamida<strong>de</strong>s, tantos problemas, tantas misérias: seminários fechados,<br />
conventos fechados, liturgia banalizada".<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Papa cita hipocrisia religiosa e <strong>de</strong>sfiguração da Igreja<br />
Em sua primeira aparição pública <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anunciar que vai <strong>de</strong>ixar o cargo no próximo dia 28, o<br />
papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> citou, na quarta-feira (13), a "hipocrisia religiosa", afirmando que "a divisão do<br />
clero" e "a falta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>" estão "<strong>de</strong>sfigurando a Igreja".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> falou, pela manhã, durante a audiência geral no Vaticano e, à tar<strong>de</strong>, na missa <strong>de</strong><br />
quarta-Feira <strong>de</strong> cinzas - a última que celebrou na Basílica <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro. Na audiência, ele disse<br />
que sua <strong>renúncia</strong> - a primeira <strong>de</strong> um papa em 600 anos - foi para o "bem da Igreja". Mais tar<strong>de</strong>,<br />
na homilia, diante <strong>de</strong> car<strong>de</strong>ais, o pontífice citou os que estariam "instrumentalizando Deus" para<br />
a obtenção <strong>de</strong> "prestígio pessoal e po<strong>de</strong>r".<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Jamil Cha<strong>de</strong> e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, 14-02-2013.<br />
Em sua edição <strong>de</strong> quarta-feira (13), o jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo mostrou que a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> estaria relacionada não apenas à sua suposta fragilida<strong>de</strong> física, mas à disputa <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro da Igreja - que seria li<strong>de</strong>rada por Tarcisio Bertone, o número 2 do Vaticano -, que<br />
o <strong>de</strong>ixou isolado. Para frear um governo paralelo, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> optou por <strong>de</strong>sfazer seu pontificado<br />
e convocar novas eleições.
Na quarta-feira (13), <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>u indicações <strong>de</strong> que a divisão da Igreja pesou em sua <strong>de</strong>cisão.<br />
O clima na Basílica <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro durante a missa não foi <strong>de</strong> festa. Ao chegar ao altar construído<br />
sobre o túmulo do apóstolo Pedro, a monumental construção parecia diminuir ainda mais o já<br />
fragilizado papa. Mas bastou ele dar sua mensagem para que sua voz frágil mandasse um dos<br />
recados mais fortes que já ecoaram nos últimos anos nos afrescos e pilares <strong>de</strong> dimensões<br />
<strong>de</strong>sproporcionais da basílica.<br />
Seu alvo foi o grupo <strong>de</strong> car<strong>de</strong>ais que provoca discórdia <strong>de</strong>ntro da Igreja Católica e teria<br />
provocado uma guerra interna. "O rosto da Igreja às vezes é <strong>de</strong>sfigurado", disse o papa. "Penso<br />
em particular nos pecados contra a unida<strong>de</strong> da Igreja, nas divisões no corpo eclesial." O pontífice<br />
afirmou que ela <strong>de</strong>ve superar "individualismos e rivalida<strong>de</strong>s", especialmente no tempo da<br />
Quaresma - período <strong>de</strong> 40 dias antes da Páscoa em que os cristãos intensificam a oração, a<br />
esmola e o jejum.<br />
Durante sua homilia, o papa citou texto do apóstolo Paulo no qual diz "Eis o momento<br />
favorável, o dia da salvação" e o aplicou ao momento atual, em que há uma urgência <strong>de</strong><br />
mudanças "que não admitem ausências ou inércias", pois a unida<strong>de</strong> da Igreja está ameaçada.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma ocasião única e irrepetível para a reconciliação, disse o papa, <strong>de</strong> modo que é<br />
necessário que os cristãos retornem a Deus "com todo o coração".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> completou a crítica à <strong>de</strong>sunião na Igreja, à busca pelo po<strong>de</strong>r e à instrumentalização<br />
da fé recordando que, no texto bíblico, Jesus <strong>de</strong>nuncia a "hipocrisia religiosa, o comportamento<br />
que quer aparecer, as relações que buscam o aplauso e a aprovação". Em vez disso, o verda<strong>de</strong>iro<br />
cristão "não serve a si mesmo ou ao público, mas ao seu Senhor, na simplicida<strong>de</strong> e na<br />
generosida<strong>de</strong>".<br />
Não distante <strong>de</strong>le estavam <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> car<strong>de</strong>ais, bispos e membros do corpo diplomático que não<br />
disfarçavam o mal-estar. Ao terminar a missa, muitos <strong>de</strong>les se recusaram a falar com a imprensa,<br />
visivelmente abatidos.<br />
O car<strong>de</strong>al Giovanni Lajolo, presi<strong>de</strong>nte emérito da Pontifícia Comissão para a Cida<strong>de</strong>-Estado do<br />
Vaticano, admitiu ao jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo que a mensagem <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> foi<br />
surpreen<strong>de</strong>nte: "Ficamos sem palavras. Ele mostrou uma profunda intimida<strong>de</strong> com Deus",<br />
<strong>de</strong>clarou o italiano, que participará do próximo conclave - marcado para ocorrer a partir do dia<br />
15 <strong>de</strong> março. Já o car<strong>de</strong>al cana<strong>de</strong>nse Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos,<br />
disse ao jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo que recebeu a mensagem <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> na Igreja proferida<br />
pelo papa "com o coração aberto".<br />
Po<strong>de</strong>r mundano?
Antes, pela manhã, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>u a primeira parte <strong>de</strong> seu recado, na audiência pública que<br />
realizou com grupos <strong>de</strong> todo o mundo. "Não é o po<strong>de</strong>r mundano que salva o mundo, mas o po<strong>de</strong>r<br />
da cruz, da humilda<strong>de</strong> e do amor", <strong>de</strong>clarou. A mensagem, voltada a todos os cristãos do mundo,<br />
no atual contexto pareceu ser mais <strong>de</strong>stinada àqueles que preten<strong>de</strong>m fazer da Igreja um lugar <strong>de</strong><br />
"po<strong>de</strong>r mundano".<br />
Referindo-se às ambições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> todo ser humano, o papa fez uma analogia com as<br />
tentações que Cristo sofreu durante 40 dias no <strong>de</strong>serto, segundo o relato bíblico. Ele recordou<br />
que Jesus encontrou serenida<strong>de</strong> e um lugar <strong>de</strong> "silêncio e <strong>de</strong> pobreza". Em mais uma possível<br />
referência ao materialismo na Igreja, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> criticou a instrumentalização <strong>de</strong> Deus, dizendo<br />
que todo cristão <strong>de</strong>ve "superar a tentação <strong>de</strong> submeter Deus a si e ao próprio interesse".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> procurou justificar aos fiéis os motivos <strong>de</strong> sua saída - <strong>de</strong>sta vez falando em italiano e<br />
não em latim, como havia feito na reunião com car<strong>de</strong>ais na segunda-feira. "Fiz isso com plena<br />
liberda<strong>de</strong>, para o bem da Igreja, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter rezado por muito tempo e <strong>de</strong> ter examinada diante<br />
<strong>de</strong> Deus a minha consciência", explicou.<br />
"O que é que verda<strong>de</strong>iramente conta na minha vida?", questionou o papa renunciante. Referindo-<br />
se, na verda<strong>de</strong>, à vida <strong>de</strong> todo cristão, mas numa clara alusão também à sua <strong>de</strong>cisão pessoal <strong>de</strong><br />
abandonar o papado, <strong>de</strong>clarou: "Quando se vai ao essencial, é mais fácil <strong>de</strong> encontrar Deus".<br />
Homilia <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> na Missa <strong>de</strong> Quarta-feira <strong>de</strong> Cinzas -13/02/13<br />
Boletim Sala <strong>de</strong> Imprensa da Santa Sé<br />
Venerados Irmãos,<br />
Caros irmãos e irmãs!<br />
Hoje, Quarta-feira <strong>de</strong> Cinzas, iniciamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se<br />
esten<strong>de</strong> por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a<br />
morte. Seguindo a antiquíssima tradição romana da stationes quaresimais, nos reunimos hoje<br />
para a Celebração da Eucaristia. Tal tradição prevê que a primeira statio tenha acontecido na<br />
Basílica <strong>de</strong> Santa Sabina na colina Aventino. As circunstâncias sugeriram reunir-se na Basílica<br />
Vaticana. Somos numerosos reunidos ao redor do Túmulo do Apóstolo Pedro também para pedir<br />
sua intercessão para o caminho da Igreja neste momento particular, renovando nossa fé no Pastor<br />
Supremo, Cristo Senhor. Para mim é uma ocasião propícia para agra<strong>de</strong>cer a todos, especialmente<br />
aos fiéis da Diocese <strong>de</strong> Roma, neste momento em que estou para concluir o ministério petrino, e<br />
para pedir especial lembrança na oração.
As leituras que foram proclamadas nos oferecem i<strong>de</strong>ias que, com a graça <strong>de</strong> Deus, são chamados<br />
a se tornarem atitu<strong>de</strong>s e comportamentos concretos nesta Quaresma. A Igreja nos repropõe, antes<br />
<strong>de</strong> tudo, o forte chamado que o profeta Joel dirige ao povo <strong>de</strong> Israel: “Agora, diz o Senhor, voltai<br />
para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos” (2,12). Sublinhamos a<br />
expressão “com todo o coração”, que significa do centro <strong>de</strong> nossos pensamentos e sentimentos,<br />
das raízes das nossas <strong>de</strong>cisões, escolhas e ações, com um gesto <strong>de</strong> total e radical liberda<strong>de</strong>. Mas é<br />
possível este retorno a Deus? Sim, porque há uma força que não mora em nosso coração, mas<br />
que nasce do coração do próprio Deus. É a força da sua misericórdia. Diz ainda o profeta:<br />
“Voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio <strong>de</strong> misericórdia,<br />
inclinado a perdoar o castigo” (v.13). O retorno ao Senhor é possível como 'graça', porque é obra<br />
<strong>de</strong> Deus e fruto da fé que nós <strong>de</strong>positamos na sua misericórdia. Este retornar a Deus torna-se<br />
realida<strong>de</strong> concreta na nossa vida somente quando a graça do Senhor penetra no íntimo e o toca<br />
doando-nos a força <strong>de</strong> “rasgar o coração”. É ainda o profeta a fazer ressoar da parte <strong>de</strong> Deus<br />
estas palavras: “Rasgai o coração, e não as vestes” (v.13). Com efeito, também em nossos dias,<br />
muitos estão prontos a “rasgar as vestes” diante <strong>de</strong> escândalos e injustiças – naturalmente<br />
cometidos por outros -, mas poucos parecem disponíveis a agir sobre o próprio “coração”, sobre<br />
a própria consciência e sobre as próprias intenções, <strong>de</strong>ixando que o Senhor transforme, renove e<br />
converta.<br />
Aquele “voltai para mim com todo o vosso coração”, é ainda um apelo que envolve não só o<br />
particular, mas a comunida<strong>de</strong>. Ouvimos na primeira Leitura: “Tocai trombeta em Sião,<br />
prescrevei o jejum sagrado, convocai a assembleia; congregai o povo, realizai cerimônias <strong>de</strong><br />
culto, reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; <strong>de</strong>ixe o esposo seu aposento, e a esposa, seu<br />
leito” (vv.15-16). A dimensão comunitária é um elemento essencial na fé e na vida cristã. Cristo<br />
veio “para reunir os filhos <strong>de</strong> Deus dispersos” (cfr Jo 11,52). O “Nós” da Igreja é a comunida<strong>de</strong><br />
na qual Jesus nos reúne juntos (cfr Jo 12,32): a fé é necessariamente eclesial. E isto é importante<br />
recordá-lo e vivê-lo neste Tempo da Quaresma: cada um esteja consciente <strong>de</strong> que o caminho<br />
penitencial não se percorre sozinho, mas junto com tantos irmãos e irmãs, na Igreja.<br />
O profeta, enfim, se <strong>de</strong>tém sobre a oração dos sacerdotes, os quais, com lágrimas nos olhos, se<br />
dirigem a Deus dizendo: “Não <strong>de</strong>ixes que esta tua herança sofra infâmia e que as nações a<br />
dominem. Por que se haveria <strong>de</strong> dizer entre os povos: 'On<strong>de</strong> está o Deus <strong>de</strong>les?'” (v.17). Esta<br />
oração nos faz refletir sobre a importância do testemunho <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> vida cristã <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong><br />
nós e das nossas comunida<strong>de</strong>s para manifestar a face da Igreja e como esta face seja, muitas<br />
vezes, <strong>de</strong>turpada. Penso especialmente nas culpas contra a unida<strong>de</strong> da Igreja, nas divisões no<br />
corpo eclesial. Viver a Quaresma em uma mais intensa e evi<strong>de</strong>nte comunhão eclesial, superando<br />
individualismos e rivalida<strong>de</strong>, é um sinal humil<strong>de</strong> e precioso para aqueles que estão distantes da fé<br />
ou indiferentes.
"É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação!” (2 Cor 6,2). As palavras do apóstolo<br />
Paulo aos cristãos <strong>de</strong> Corinto ressoam também para nós com uma urgência que não admite<br />
ausências ou omissões. O termo “agora” repetido várias vezes diz que este momento não po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>sperdiçado, ele é oferecido a nós como uma oportunida<strong>de</strong> única e irrepetível. E o olhar do<br />
Apóstolo se concentra sobre a partilha com a qual Cristo quis caracterizar sua existência,<br />
assumindo todo o humano até carregar o pecado dos homens. A frase <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo é muito forte:<br />
Deus “o fez pecado por nós”. Jesus, o inocente, o Santo, “Aquele que não cometeu pecado”(2<br />
Cor 5,21), carregou o peso do pecado partilhando com a humanida<strong>de</strong> o êxito da morte, e da<br />
morte <strong>de</strong> cruz. A reconciliação que nos é oferecida teve um preço altíssimo, o da cruz elevada<br />
sobre o Gólgota, sobre a qual foi pendurado o Filho <strong>de</strong> Deus feito homem. Nesta imersão <strong>de</strong><br />
Deus no sofrimento humano e no abismo do mal está a raiz da nossa justificação. O “voltar a<br />
Deus <strong>de</strong> todo o coração” no nosso caminho quaresmal passa através da Cruz, o seguir Cristo<br />
sobre a estrada que conduz ao Calvário, ao dom total <strong>de</strong> si. É um caminho no qual se apren<strong>de</strong><br />
cada dia a sair sempre mais do nosso egoísmo e dos nossos fechamentos, para dar espaço a Deus<br />
que abre e transforma o coração. E <strong>São</strong> Paulo recorda como o anúncio da Cruz ressoa em nós<br />
graças a pregação da Palavra, da qual o próprio Apóstolo é embaixador; um chamado para nós<br />
para que este caminho quaresmal seja caracterizado por uma escuta mais atenta e assídua da<br />
Palavra <strong>de</strong> Deus, luz que ilumina nossos passos.<br />
Na página do Evangelho <strong>de</strong> Mateus, que pertence ao assim chamado Discurso da montanha,<br />
Jesus faz referência a três práticas fundamentais previstas pela Lei Mosaica: a esmola, a oração e<br />
jejum: são também indicações tradicionais no caminho quaresmal para respon<strong>de</strong>r ao convite <strong>de</strong><br />
“voltar a Deus como todo o coração”. Mas Jesus <strong>de</strong>staca que seja a qualida<strong>de</strong> e a verda<strong>de</strong> da<br />
relação com Deus o que qualifica a autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada gesto religioso. Por isso, Ele <strong>de</strong>nuncia<br />
a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer aparecer, as atitu<strong>de</strong>s que buscam o aplauso e a<br />
aprovação. O verda<strong>de</strong>iro discípulo não serve a si mesmo ou ao “público”, mas ao seu Senhor, na<br />
simplicida<strong>de</strong> e na generosida<strong>de</strong>: “E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa” (Mt<br />
6,4.6.18). O nosso testemunho então será sempre mais incisivo quando menos buscarmos nossa<br />
glória e formos conscientes que a recompensa do justo é o próprio Deus, o ser unido a Ele, aqui,<br />
no caminho da fé, e, ao término da vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para<br />
sempre (cfr 1 Cor 13,12).<br />
Queridos irmãos e irmãs, iniciemos confiantes e alegres o itinerário quaresmal. Ressoe forte em<br />
nós o convite à conversão, a “voltar para Deus com todo o coração”, acolhendo a sua graça que<br />
nos faz homens novos, com aquela surpreen<strong>de</strong>nte novida<strong>de</strong> que é participação à vida do próprio<br />
Jesus. Nenhum <strong>de</strong> nós, portanto, seja surdo a este apelo, que nos é dirigido também no austero<br />
rito, tão simples e ao mesmo tempo tão sugestivo, da imposição das cinzas, que daqui a pouco
ealizaremos. Nos acompanhe neste tempo a Virgem Maria, Mãe da Igreja e mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> todo<br />
autêntico discípulo do Senhor. Amém!<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Tudo aquilo que ainda se gostaria <strong>de</strong> saber sobre a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
Um Papa que renuncia é um evento que não acontece todos os dias, <strong>de</strong> fato, para ser mais<br />
preciso, não acontecia há 600 anos. Ainda são muitas, portanto, as curiosida<strong>de</strong>s e perguntas que<br />
animam a imprensa e as pessoas comuns. No briefing <strong>de</strong> hoje com os jornalistas, no qual se<br />
apresentou o calendáro dos últimos eventos do Pontificado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, padre Fe<strong>de</strong>rico<br />
Lombardi respon<strong>de</strong>u a várias questões sobre o que acontecerá antes e <strong>de</strong>pois do fatídico 28 <strong>de</strong><br />
fevereiro.<br />
De particular importância são as informações fornecidas pelo porta-voz vaticano sobre o início<br />
do Conclave. De acordo com o previsto pela Constituição – explicou – a partir do começo da<br />
se<strong>de</strong> vacante abre-se espaço para as congregações dos car<strong>de</strong>ais.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 13-02-2013.<br />
Esses momentos serão muito importantes, mas também <strong>de</strong>licados, durante os quais, além das<br />
várias obrigações legais, se prevém conversações e intercâmbios entre car<strong>de</strong>ais sobre os<br />
problemas a serem resolvidos e a situação da Igreja, “<strong>de</strong> modo a amadurecer também para os<br />
membros do colégio, critérios e informações uteis sobre as eleições”. "Há um trabalho que não<br />
leva às eleições rapidamente – sublinhou Lombardi – um discernimento que <strong>de</strong>ve ser feito pelo<br />
colégio que chega até os dias chaves do conclave e eleição com uma preparação”. Por isso, a<br />
normativa prevê que o começo do conclave tenha que ser estabelecido entre 15 e 20 dias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
começo da se<strong>de</strong> vacante. Portanto – continuou o diretor da Sala <strong>de</strong> Imprensa vaticana – “se tudo<br />
correr normalmente, espera-se que o conclave possa começar entre o 15 e o 19 <strong>de</strong> Março",<br />
embora se ainda "não seja possível dar uma data exata porque são os car<strong>de</strong>ais que estabelecerão<br />
exatamente o calendário”. Com relação às perguntas do nome e da vestimenta <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
<strong>de</strong>pois do 28 <strong>de</strong> fevereiro, padre Lombardi <strong>de</strong>clarou que, "ainda que essas questões possam<br />
parecer secundárias e formais”, exigem “importantes aspectos <strong>de</strong> caráter jurídico e implicações<br />
sobre as quais refletir, nas quais o Papa mesmo está envolvido”. Portanto, atualmente, não<br />
existem informações confiáveis.<br />
Não haverá também um momento especialmente significativo ou juridicamente relevante que<br />
i<strong>de</strong>ntificará o final do Pontificado do Papa Ratzinger. As normas do código <strong>de</strong> direito canônico –<br />
explicou Lombardi – prevém a opção <strong>de</strong> que o Papa possa renunciar ao seu ministério, com a<br />
condição <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão seja “tomada livremente e manifestada <strong>de</strong>vidamente”. "Isso o Papa fez<br />
- disse ele -. Então, não há nada mais a ser feito, a <strong>renúncia</strong> é válida na sua forma, dado que
segunda-feira foi feita em latim, assinada pelo Papa e pronunciada na frente dos car<strong>de</strong>ais”.<br />
Os mesmos car<strong>de</strong>ais que, diante das palavras do Papa mostraram vivamente a sua admiração,<br />
Sua Eminência Sodano em primeiro lugar... Mas agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três dias do shock inicial da<br />
notícia, qual é o espírito que paira no vaticano? A questão é curiosa e Pe. Lombardi respon<strong>de</strong><br />
que “para muitos o estado <strong>de</strong> ânimo fundamental ainda é <strong>de</strong> surpresa, e portanto <strong>de</strong> reflexão<br />
sobre o significado que esta <strong>de</strong>cisão comporta para a Igreja e para a Cúria romana que está<br />
envolvida”.<br />
"De minha parte - acrescentou - tenho um sentimento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> admiração por esta <strong>de</strong>cisão livre,<br />
humil<strong>de</strong>, responsável, lúcida do Santo Padre, com as motivações claríssimas que o levou à<br />
avaliação das suas forças que diminuem e do bem da Igreja”.<br />
"Todos nós o vimos tornar-se mais frágil – continuou – ainda que esta avaliação competia só à<br />
ele avaliar a gravida<strong>de</strong> ou serieda<strong>de</strong>. Estou admirado pelo fato <strong>de</strong> que o Papa tenha feito este<br />
exame tendo vivido plenamente o seu ministério até hoje, e é admirável que ele analise “Cumpri<br />
o meu ministério até hoje, agora para que seja levado adiante a<strong>de</strong>quadamente no mundo atual,<br />
precisa-se <strong>de</strong> mais forças”.<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> um Papa ao seu próprio ministério, reiterou o porta-voz da Santa Sé, “não foi<br />
inventada por <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>”, ele “somente a colocou em prática, mostrando uma gran<strong>de</strong> coragem<br />
para utilizá-la primeiro <strong>de</strong>sta forma, com um espírito <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> amor à Igreja”.<br />
E justamente por causa <strong>de</strong>sta forte ligação com a Igreja e pela gran<strong>de</strong> discrição e sabedoria que<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre caracteriza a sua personalida<strong>de</strong>, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, apesar <strong>de</strong> que a partir do 1 º <strong>de</strong> março<br />
estará livre para mover-se <strong>de</strong>ntro do Estado da Cida<strong>de</strong> do Vaticano, irá abster-se <strong>de</strong> toda forma<br />
<strong>de</strong> comunicação ou interferência.<br />
Tanto a nível pessoal com os car<strong>de</strong>ais ou outros homens da Cúria, para <strong>de</strong>ixar claro a sua plena<br />
liberda<strong>de</strong> e autonomia (isso justifica também a escolha <strong>de</strong> ir por um tempo para Castel<br />
Gandolfo). Seja a nível público, evitando <strong>de</strong>clarações que po<strong>de</strong>riam “dar origem a um sentido <strong>de</strong><br />
interferência ou <strong>de</strong> tomadas <strong>de</strong> posição influenciantes”. Porém, <strong>de</strong>stacou Lombardi, “se trata-se<br />
<strong>de</strong> escrever um texto teológico espiritual, alimento útil para o Povo <strong>de</strong> Deus, é bem possível que<br />
isso aconteça”.<br />
Por este motivo, o padre Lombardi disse, "não há nenhuma preocupação por parte do colégio<br />
car<strong>de</strong>nalício <strong>de</strong> que o Papa continue a residir no Vaticano”. Na verda<strong>de</strong>, “é uma sábia <strong>de</strong>cisão<br />
permanecer <strong>de</strong>ntro dos muros vaticanos, com a sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar e rezar. E também os<br />
car<strong>de</strong>ais estarão felizes <strong>de</strong> ter muito próximo uma pessoa que mais do que todas po<strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r quais são as necessida<strong>de</strong>s espirituais da Igreja e do sucessor <strong>de</strong> Pedro”.
Entre as curiosida<strong>de</strong>s também está o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> monsenhor Georg Gaenswein. Continuará<br />
Prefeito na se<strong>de</strong> vacante ou irá com o Papa como secretário? "Eu acho que essas questões<br />
precisam ser respondidas por Dom Georg", disse Pe. Lombardi. É certo que a tarefa <strong>de</strong> Prefeito<br />
da Casa Pontifícia não <strong>de</strong>cai, e sobre o papel <strong>de</strong> secretário pessoal Lombardi assegurou: "Se eu<br />
conheço o estilo do Santo Padre, eu não acho que ele queira recorrer, no seu retiro no mosteiro, a<br />
um bispo como secretário pessoal”.<br />
Importante, também, a notícia <strong>de</strong> uma possível nomeação nos próximos dias, do novo<br />
presi<strong>de</strong>nte do IOR, dado que o processo "vinha acontecendo há algum tempo, e não foi<br />
interrompido porque o Papa anunciou a sua <strong>renúncia</strong>".<br />
A última questão foi resolvida no final do briefing: "Se um dia Joseph Ratzinger como ex Papa<br />
discordasse <strong>de</strong> uma escolha do seu sucessor, quem teria razão?" Perguntam os jornalistas. O<br />
porta-voz respon<strong>de</strong>u simplesmente: "O Papa é o Papa, e como a teologia o ensina existem<br />
condições para a assistência do Espírito Santo. Condições raras que estão ligadas ao ministério<br />
petrino, ao serviço como Papa.” Portanto, "a pessoa que renunciou esse ministério não tem este<br />
título <strong>de</strong> assistência especial, <strong>de</strong> guia da Igreja universal, e portanto o problema não se coloca”.<br />
NOTÍCIAS » Notícias<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
'Renúncia irritou ala conservadora da Igreja', constata vaticanista<br />
A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong> renunciar foi um gesto <strong>de</strong> "realpolitik", pragmático. A avaliação é <strong>de</strong><br />
um dos principais vaticanistas, o italiano Marco Politi, que acaba <strong>de</strong> publicar um livro sobre o<br />
pontificado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Em entrevista, Politi apontou que, no fundo, a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> foi sua "única gran<strong>de</strong> reforma" nos oito anos <strong>de</strong> seu pontificado. Mas uma iniciativa que<br />
ficará para a história e fará muitos pensarem sobre o futuro da Igreja.<br />
A entrevista é <strong>de</strong> Jamil Cha<strong>de</strong> e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, 14-02-2013.<br />
Segundo o especialista, a ala mais conservadora da Igreja teria ficado irritadíssima com <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> por conta <strong>de</strong> sua <strong>renúncia</strong>, temendo uma "<strong>de</strong>smistificação" do cargo <strong>de</strong> papa a partir <strong>de</strong><br />
agora.<br />
Como foi a reação <strong>de</strong>ntro do Vaticano diante da <strong>renúncia</strong>?<br />
Os conservadores temem a <strong>de</strong>cisão. O temor é <strong>de</strong> que isso possa causar uma <strong>de</strong>smistificação do<br />
papel do papa. E que, no futuro, um papa possa ser colocado sob pressão para se <strong>de</strong>mitir em<br />
<strong>de</strong>terminadas situações. Mas a <strong>de</strong>cisão foi muito lúcida e muito bem planificada. Foi um gesto
evolucionário - a única gran<strong>de</strong> reforma <strong>de</strong> seu pontificado, um exemplo e um estímulo à<br />
reflexão. Na Alemanha, há car<strong>de</strong>ais que já falam abertamente <strong>de</strong> que seria justo colocar um<br />
limite <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> para o papa. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> completou a reforma <strong>de</strong> João Paulo II, estabelecendo<br />
ida<strong>de</strong>s para car<strong>de</strong>ais e sua participação no conclave. Agora, mandou a mensagem <strong>de</strong> que um<br />
papa po<strong>de</strong>, sim, renunciar. Nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, não se po<strong>de</strong> permitir um papa doente.<br />
Fala-se muito <strong>de</strong> que a <strong>renúncia</strong> foi um ato político. Como o sr. avalia isso? Foi um gesto <strong>de</strong><br />
realpolitik e <strong>de</strong> reconhecimento da incapacida<strong>de</strong> sua <strong>de</strong> cuidar da Igreja, pois não basta ser um<br />
intelectual ou teólogo. Para guiar a instituição <strong>de</strong> 1 bilhão <strong>de</strong> fiéis, ele precisava <strong>de</strong> um pulso <strong>de</strong><br />
governador.<br />
Há o risco <strong>de</strong> que católicos no mundo não entendam essa <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>? Acho que a<br />
massa dos fiéis enten<strong>de</strong>u. Muitos ficaram surpresos e, no começo, <strong>de</strong>sorientados. Mas não houve<br />
uma oposição ou mau humor. Na Praça <strong>São</strong> Pedro, não vimos nenhum grupo pedindo que ele<br />
fique. Enten<strong>de</strong>ram que foi justamente uma troca <strong>de</strong> governo. O papa foi muito pragmático.<br />
Quais são as perspectivas para o conclave, diante <strong>de</strong>ssa situação inédita? Dentro do<br />
conclave, todas as cartas estão embaralhadas. Será um conclave muito complicado. Em 2005,<br />
havia um grupo forte <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong> mobilização pela candidatura <strong>de</strong> Ratzinger. Mas ele era o<br />
único ator mais forte. O car<strong>de</strong>al Martini seria uma opção, mas estava doente. Hoje, temos vários<br />
candidatos. Mas nenhum <strong>de</strong>les tem um pacote <strong>de</strong> votos claro. O vencedor será um candidato <strong>de</strong><br />
centro. Não po<strong>de</strong>rá ser alguém <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ratzinger. Mas não sabemos se essa pessoa<br />
está disposta a fazer as reformas que a Igreja precisa para enfrentar seus <strong>de</strong>safios.<br />
Quais são esses <strong>de</strong>safios? O primeiro é a crise <strong>de</strong> padres. Não há padres para todas as<br />
paróquias. Outro é o papel das mulheres <strong>de</strong>ntro da Vaticano. Há ainda o tema da sensualida<strong>de</strong> no<br />
mundo mo<strong>de</strong>rno, o homossexualismo, o divórcio. Finalmente, há a questão do papel do papa.<br />
Um papa do mundo em <strong>de</strong>senvolvimento estaria sendo consi<strong>de</strong>rado? A primeira questão é se<br />
haverá um papa italiano ou não. Os 29 car<strong>de</strong>ais italianos no conclave estão sobrerrepresentados.<br />
Mas isso não quer dizer que todos eles queiram um italiano. Há divisões. No passado, eram os<br />
estrangeiros que pediam para que o papa fosse um italiano. Mas há a impressão <strong>de</strong>pois que os<br />
escândalos <strong>de</strong> corrupção foram revelados <strong>de</strong> que muitos querem que a internacionalização do<br />
papado continue. Ele po<strong>de</strong>rá vir da América do Norte ou Sul. Eu dou menos chances aos<br />
africanos. Na América Latina existem vários candidatos. Mas há que ver se haverá um mais forte<br />
que concentre a atenção. Em 2005, no conclave, os latino-americanos fecharam um acordo <strong>de</strong><br />
que apoiariam um nome da região se um car<strong>de</strong>al começasse a se <strong>de</strong>stacar.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, o último papa <strong>de</strong> Nietzsche. Artigo <strong>de</strong> Marco Vannini
O verda<strong>de</strong>iro drama do papa diz respeito a uma coisa realmente essencial: uma fé que per<strong>de</strong>u os<br />
seus fundamentos históricos.<br />
A opinião é <strong>de</strong> Marco Vannini, um dos maiores estudiosos italianos <strong>de</strong> mística especulativa. Em<br />
português, foi traduzida a sua Introdução à mística (Edições Loyola, 2005). O artigo foi<br />
publicado no jornal Il Manifesto, 13-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> surpreen<strong>de</strong>u a todos por ser inesperada. Devo dizer, porém, que eu<br />
não me abalei muito, porque eu a vi naquela que eu acredito que seja a sua realida<strong>de</strong> mais<br />
simples e verda<strong>de</strong>ira, isto é, como a <strong>renúncia</strong> a um cargo que se tornou pesado <strong>de</strong>mais pelo peso<br />
da ida<strong>de</strong> e das condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precárias. Vendo na TV o rosto do papa enquanto ele lia no<br />
consistório o anúncio da <strong>renúncia</strong>, percebi os sinais da velhice, do cansaço, por parte <strong>de</strong> um<br />
homem que provavelmente – que Deus não o queira e o conserve em vida ad multos annos! – se<br />
sente próximo do fim.<br />
Vendo, ao contrário, aquelas que po<strong>de</strong>m ser razões diferentes <strong>de</strong>ssa <strong>renúncia</strong>, relativas a<br />
problemas do seu próprio cargo, e portanto inerentes aos problemas da Igreja Católica neste<br />
momento histórico, digo com igual franqueza que as consi<strong>de</strong>rações dos vaticanistas ou dos<br />
opinadores do setor parecem-me inapropriadas e redutivas. Talvez não sejam equivocadas, no<br />
sentido <strong>de</strong> que elas provavelmente também <strong>de</strong>sempenharam um papel no fato <strong>de</strong> fazer com que o<br />
papa sinta todo o peso do seu ofício, mas certamente não são essenciais, porque as questões que<br />
tornavam pesada para o papa a sua cruz, realmente cruciais, eram e são bem outras.<br />
Certamente, as brigas e as intrigas curiais são cansativas, mas não são novas, ao contrário,<br />
sempre estiveram presentes. O episódio dos padres pedófilos foi e é penosa para a Igreja <strong>de</strong>stes<br />
anos, mas não é uma novida<strong>de</strong>: padres, bispos, car<strong>de</strong>ais sodomitas, assim como mulherengos,<br />
sempre houve: no romance <strong>de</strong> Abraham Giu<strong>de</strong>o e Giannotto di Civigny no Decamerão se<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, paradoxalmente, que a sua presença <strong>de</strong>monstra que Deus assiste a sua Igreja.<br />
Doloroso, mas também <strong>de</strong>stinado a se esgotar em uma temporada, foi o episódio das cartas<br />
roubadas pelo secretário-mordomo: certamente não é o evento que afunda um barco que<br />
percorreu muitos outros mares e enfrentou muitas outras tempesta<strong>de</strong>s. Também outros<br />
problemas, mais sérios, como o celibato dos padres ou do sacerdócio feminino, não são novos,<br />
nem tais a ponto <strong>de</strong> sacudir muito uma instituição acostumada a pensar em termos <strong>de</strong> séculos,<br />
senão <strong>de</strong> milênios.<br />
O verda<strong>de</strong>iro drama do papa é outro e diz respeito a uma coisa realmente essencial: uma fé que<br />
per<strong>de</strong>u os seus fundamentos históricos. Lembro que o principal esforço <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nestes<br />
anos foi a redação <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> Jesus, da qual no Natal passado foi publicado o último<br />
volume, <strong>de</strong>dicado à infância do próprio Jesus. Muito significativamente, a obra foi apresentada
como um estudo científico, do qual o autor, justamente, era o professor Joseph Ratzinger, o<br />
especialista em história do cristianismo, que dialoga com os doutos, antes mesmo do que o<br />
pontífice romano que fala ex cathedra.<br />
Eu acredito que um homem culto como o papa, a quem não são <strong>de</strong>sconhecidos os resultados da<br />
pesquisa histórica, não po<strong>de</strong> honestamente acreditar nas histórias bíblicas, mas sabe muito bem<br />
que o Gênesis, as histórias dos patriarcas, o Êxodo etc. são invenções. Mais ainda: são<br />
construções míticas a história do nascimento <strong>de</strong> Jesus, a concepção virginal, assim como é<br />
lendária boa parte do relato evangélico, inclusive – talvez – a própria ressurreição.<br />
Mas o drama não está só nisso, está também no fato <strong>de</strong> que o papa conhece muito bem a<br />
profundida<strong>de</strong> espiritual do cristianismo, a fé não como crença em um ou mais fatos históricos,<br />
mas como experiência do espírito. E, portanto, o verda<strong>de</strong>iro drama vem da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />
compreen<strong>de</strong>r que a verda<strong>de</strong> do cristianismo subsiste intacta – ou, melhor, vem realmente à luz –<br />
também sem aquelas crenças tradicionais, às quais foi confiada por dois milênios. Fazer com que<br />
o cristianismo passe <strong>de</strong> uma fé ingênua ao conhecimento do espírito no espírito é, na realida<strong>de</strong>,<br />
uma tarefa que requer séculos, provavelmente, e forças muito superiores às <strong>de</strong> um velho papa.<br />
Por isso, a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> fazem vir à mente o "último papa" <strong>de</strong> que Nietzsche fala<br />
profeticamente, na verda<strong>de</strong>, no seu Zaratustra: aquele velho papa ex-Ausser Dienst,<br />
aposentado, justamente, porque o seu Deus, "um Deus escondido, cheio <strong>de</strong> mistério", está morto.<br />
Foi morto por aquele mesmo amor <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que fez com que um mestre dissesse: "'Deus é<br />
espírito', dando assim o maior passo rumo à incredulida<strong>de</strong>: não é fácil, <strong>de</strong> fato, sobre a terra,<br />
remediar tal palavra".<br />
Mas <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também conhece outras palavras daquele mestre: "É bom para vocês que eu vá,<br />
porque, se eu não for, o espírito não virá até vocês. Ele conduzirá vocês a toda a verda<strong>de</strong>".<br />
Por isso, ele se <strong>de</strong>spediu com dignida<strong>de</strong> e humilda<strong>de</strong> comoventes, mas também e sobretudo com<br />
gran<strong>de</strong> serenida<strong>de</strong>, fruto <strong>de</strong> uma fé que não é crença, mas saber.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> trouxe o papado a um nível humano''. Entrevista com Zygmunt Bauman<br />
Um papa que joga a toalha, como ele mesmo diz, "pelo bem da Igreja". É um gesto totalmente<br />
novo que assume o ambicioso objetivo <strong>de</strong> restituir dignida<strong>de</strong> moral a uma Igreja em crise. Assim<br />
pensa Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1971, vive e leciona na<br />
Inglaterra. Bauman tornou-se célebre pela teoria da "socieda<strong>de</strong> líquida", com a qual explica uma<br />
"pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>" que se tornou cada vez mais presa do consumismo e <strong>de</strong> uma vida frenética<br />
quase <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> valores que as instituições em crise já não sabem como manter vivas.
A reportagem é <strong>de</strong> Alberto Guarnieri e Massimo Pedretti, publicada no jornal Il Messaggero,<br />
13-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Professor, a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também foi lida como o sacrifício <strong>de</strong> um pontífice<br />
intelectual provavelmente <strong>de</strong>rrotado, além <strong>de</strong> pela ida<strong>de</strong> e pelo mal-estar, pela crise <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Igreja-instituição. O senhor concorda? A realida<strong>de</strong> da Igreja é uma realida<strong>de</strong><br />
institucional muito importante, que se diferencia <strong>de</strong> todas as realida<strong>de</strong>s laicas, pois atua como<br />
mediadora entre Deus e homem. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, com a escolha <strong>de</strong> renunciar, trouxe o papado a um<br />
nível humano, confessando-se publicamente e admitindo que todo ser humano, até mesmo sendo<br />
papa, tem limites.<br />
Mas, recuperando individualmente essa humanida<strong>de</strong>, Joseph Ratzinger não coloca em risco<br />
a sacralida<strong>de</strong> da Igreja e da figura do vigário <strong>de</strong> Cristo? A gran<strong>de</strong>za do gesto <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
também po<strong>de</strong> ser explicada assim: o homem que é her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro <strong>de</strong>cidiu <strong>de</strong>spojar-se da<br />
sacralida<strong>de</strong> do seu ser reconhecendo o conflito, neste caso específico entre o papel e o homem<br />
(idoso, fraco, talvez doente). O Papa Wojtyla escolheu o papel; o Papa Ratzinger, na<br />
conclusão <strong>de</strong> uma longa reflexão, escolheu o homem.<br />
Muitas das suas teorias referem-se ao ensino da Igreja. Falando <strong>de</strong> crise da esperança, o<br />
senhor <strong>de</strong>staca a excessiva confiança no progresso tecnológico e os danos que a economia<br />
capitalista <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> regras provoca. Exato. Muitas vezes nos perguntamos se o<br />
humanismo, categoria em que o ensino da Igreja se insere, tem futuro. Eu me pergunto: o futuro<br />
tem um humanismo?<br />
Se o gesto do papa é uma rendição, o senhor não teme que a crise que o senhor <strong>de</strong>nuncia se<br />
agrave? Ser humano significa ter esperança. Os animais sentem o fim antes <strong>de</strong> nós, mas só por<br />
instinto. Se ligássemos a cultura à mortalida<strong>de</strong>, não teria sentido criar a cultura. A escolha do<br />
papa é socrática? Mesmo que fosse, certamente não significaria o fim dos valores da Igreja.<br />
O senhor se recusa a <strong>de</strong>finir as suas análises como pessimistas. On<strong>de</strong> está a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma mudança? Esperar significa cultivar a solidarieda<strong>de</strong> humana. Instituições e indivíduos<br />
estão em crise, é verda<strong>de</strong>. Deve ser reaberto um diálogo que, passo a passo, reforce a cooperação<br />
social, um jogo on<strong>de</strong> não há vencedores e vencidos, mas sim vantagens para todos.<br />
Portanto, o senhor é otimista? Conheço bem o Gramsci <strong>de</strong> vocês: o otimismo da vonta<strong>de</strong><br />
contra o pessimismo da inteligência.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
E se o papa teve uma crise <strong>de</strong> fé? Artigo <strong>de</strong> Gianni Vattimo
"O mandamento da carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a<br />
racionalização social que constituíram a força do Oci<strong>de</strong>nte e a sua triunfante agressivida<strong>de</strong>",<br />
afirma Gianni Vattimo, filósofo e <strong>de</strong>putado italiano, em artigo publicado no jornal Il Fatto<br />
Quotidiano, 13-02-2013.<br />
E ele alerta: "Não <strong>de</strong>ixemos que a mensagem <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> caia nas fofocas ou na conspiração<br />
vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que<br />
lhe compete".<br />
A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
E se realmente tivessem vencido Flores e Odifreddi, e os tantos cientistas dogmáticos como<br />
eles, <strong>de</strong>terminando no pobre Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> uma crise <strong>de</strong> fé a tal ponto <strong>de</strong> induzi-lo a<br />
renunciar? É uma hipótese, <strong>de</strong> fato, nada injuriosa e inverossímil: o Papa Ratzinger sempre<br />
apoiou com toda a sua força que razão e fé não estão em contraste, e que, portanto, a a<strong>de</strong>são ao<br />
cristianismo se fundamenta naqueles preambula fi<strong>de</strong>i que foram expostos por <strong>São</strong> Tomás e que,<br />
por séculos, foram a base do ensino nos seminários católicos.<br />
Pois bem, dada a absoluta imprevisibilida<strong>de</strong> e gratuida<strong>de</strong> do seu gesto – certamente o maior e<br />
mais nobremente edificante <strong>de</strong> todo o seu pontificado –, a única explicação que se po<strong>de</strong> dar a ela,<br />
e que ele mesmo forneceu na sua <strong>de</strong>claração ao consistório <strong>de</strong> segunda-feira <strong>de</strong> manhã, é a <strong>de</strong> um<br />
ato <strong>de</strong> consciência, <strong>de</strong>cidido em homenagem a uma obrigação interior à qual ele não quis se<br />
isentar.<br />
Diante <strong>de</strong> todas as motivações práticas, políticas, econômicas (alguém po<strong>de</strong>ria pensar no IOR),<br />
ele provavelmente se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que, na situação da Igreja hoje, a <strong>renúncia</strong> é a única coisa que<br />
um papa po<strong>de</strong> seriamente fazer, em vez <strong>de</strong> continuar lutando para isentar o Vaticano do ICI<br />
[imposto predial do qual a Igreja está isenta], ou excomungado preservativos, homossexuais,<br />
uniões civis.<br />
É com o distanciamento <strong>de</strong> todas as "funcionalida<strong>de</strong>s" terrenas e, portanto, mostrando finalmente<br />
a face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho, que o cristianismo po<strong>de</strong> voltar a<br />
ser uma escolha <strong>de</strong> vida possível para as pessoas do nosso tempo.<br />
Se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores, ele abandonaria imediatamente o<br />
Vaticano, talvez voltaria para a Palestina para estar próximo dos perseguidos e espoliados <strong>de</strong> lá,<br />
certamente não per<strong>de</strong>ria mais tempo, e alma, seguindo as vicissitu<strong>de</strong>s da política italiana, ou<br />
pressionando as autorida<strong>de</strong>s civis <strong>de</strong> todo o mundo para que, em homenagem à "antropologia<br />
bíblica", as leis proíbam a eutanásia, a fecundação heteróloga, a adoção por parte <strong>de</strong> casais gays<br />
e, naturalmente, o aborto e o divórcio.
De fato, não é extravagante pensar que essa crise <strong>de</strong> consciência papal possa ser realmente, ou ao<br />
menos legitimamente, interpretada como um evento <strong>de</strong>cisivo nas relações do cristianismo com a<br />
"racionalida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal", que por um longo tempo, e com boas razões, já liquidou os preambula<br />
fi<strong>de</strong>i, revelando-se aquilo que é: racionalida<strong>de</strong> calculista do mundo "economicamente"<br />
organizado, dos técnicos motivados pelo seu saber "objetivo" e, no fim, da lógica bancária que<br />
todos conhecemos e sofremos na nossa pele.<br />
Insistir na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a fé em Jesus Cristo é uma escolha racionalmente motivada significa<br />
realmente con<strong>de</strong>nar-se a perecer junto com o Oci<strong>de</strong>nte capitalista, já em <strong>de</strong>cadência.<br />
Além disso, o mandamento da carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e<br />
com a racionalização social que constituíram a força do Oci<strong>de</strong>nte e a sua triunfante<br />
agressivida<strong>de</strong>.<br />
Não <strong>de</strong>ixemos que a mensagem <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca.<br />
Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe<br />
compete.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Renúncia papal: uma questão <strong>de</strong> consciência. Artigo <strong>de</strong> Mary Hunt<br />
"Se um papa po<strong>de</strong> abdicar antes <strong>de</strong> ser carregado para fora sem que o céu caia sobre nós, então<br />
novos mo<strong>de</strong>los igualitários <strong>de</strong> Igreja também po<strong>de</strong>m e vão emergir".<br />
A opinião é da teóloga norte-americana Mary E. Hunt, cofundadora e codiretora da Women's<br />
Alliance for Theology, Ethics and Ritual (Water), nos EUA. Também é autora do Ca<strong>de</strong>rnos<br />
Teologia Pública n. 66, intitulado Discurso feminista sobre o divino em um mundo pós-<br />
mo<strong>de</strong>rno.<br />
O artigo foi publicado no sítio Religion Dispatches, 11-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés<br />
Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O inesperado anúncio da <strong>renúncia</strong> do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é uma bem-vinda lufada <strong>de</strong> ar fresco. Um<br />
ser humano, mesmo sendo papa, <strong>de</strong>ve ter a opção <strong>de</strong> dizer "basta, eu fiz o que pu<strong>de</strong>, e agora é<br />
hora <strong>de</strong> outra pessoa assumir". Eu aplaudo a sua medida e a leio como um sinal <strong>de</strong> esperança em<br />
uma triste cena eclesial.<br />
As especulações sobre a saú<strong>de</strong> são crescentes. Tal como acontece com muitos idosos cujos filhos<br />
armam complôs para levar as chaves do carro, eu suspeito que houve algum lobby por trás dos<br />
panos para fazer com que essa <strong>renúncia</strong> acontecesse. Mas eu me atrevo a esperar que, ao menos<br />
em parte, esse tenha sido o juízo pon<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> um octogenário que viu o seu antecessor<br />
amparado por muito tempo <strong>de</strong>pois do seu auge e não quis o mesmo para si mesmo.
Mas antes <strong>de</strong> olhar para o pano <strong>de</strong> fundo, há algo na <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> que<br />
vale a pena ressaltar: "Depois <strong>de</strong> ter examinado repetidamente a minha consciência diante <strong>de</strong><br />
Deus, cheguei à certeza <strong>de</strong> que as minhas forças, <strong>de</strong>vido à ida<strong>de</strong> avançada, já não são idôneas<br />
para exercer a<strong>de</strong>quadamente o ministério petrino".<br />
A consciência, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nos lembra hoje, ainda é primordial para os católicos. Exame <strong>de</strong><br />
consciência: essa apenas é a fórmula que milhões <strong>de</strong> nós usamos para explicar por que usamos o<br />
controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sfrutamos da nossa sexualida<strong>de</strong> em uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e<br />
vemos o enorme bem em outras tradições religiosas. A consciência é o árbitro final, e o papa<br />
confiou na sua. Bom para ele e bom para o restante <strong>de</strong> nós.<br />
Houve um monte <strong>de</strong> falsificações na questão da consciência nas últimas décadas. A hierarquia<br />
pós-Vaticano II reivindicou que a consciência é primordial se, e somente se, for formada como<br />
convém a eles. Mas o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> está dando à consciência um novo sopro <strong>de</strong> vida. O que<br />
é bom para um é bom para o outro – o apelo à consciência não po<strong>de</strong> ser negado agora que o<br />
próprio papa recorreu a ele.<br />
Outra concessão: só porque um papa não renunciava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Gregório XII em 1415 não significa<br />
que isso não possa ser feito. Nada é para sempre. Muito do que passa como "é assim mesmo" em<br />
Roma é realmente apenas costume – como não or<strong>de</strong>nar mulheres, afirmar que o controle <strong>de</strong><br />
natalida<strong>de</strong> é um pecado, consi<strong>de</strong>rar o amor entre pessoas do mesmo sexo como moralmente<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado e afins. Os costumes mudam. Os relações-públicas romanos dizem: "Na plenitu<strong>de</strong><br />
da revelação tal e tal coisa passam a valer agora". Então, o novo emerge como "é assim mesmo",<br />
e a vida continua. Espero plenamente que o próximo papa seja do mesmo porte <strong>de</strong>ste, mas não há<br />
como frear a sensação <strong>de</strong> que a pressão para mudar os costumes é simplesmente avassaladora.<br />
As notícias do anúncio papal incluem o fato <strong>de</strong> que muitos dos car<strong>de</strong>ais no consistório em que<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> silenciosamente <strong>de</strong>u a notícia não enten<strong>de</strong>ram imediatamente as suas palavras,<br />
porque elas foram ditas em latim. Uma rápida tradução em seus iPads certamente retificaria essa<br />
situação. Mas é fascinante notar que muitos dos 118 car<strong>de</strong>ais que vão eleger o seu sucessor não<br />
são competentes o suficiente na antiga língua para enten<strong>de</strong>r "Quapropter bene conscius pon<strong>de</strong>ris<br />
huius actus plena libertate <strong>de</strong>claro me ministerio Episcopi Romae, Successoris Sancti Petri, mihi<br />
per manus Cardinalium die 19 aprilis MMV commissum renuntiare ita ut a die 28 februarii<br />
MMXIII, hora 20, se<strong>de</strong>s Romae, se<strong>de</strong>s Sancti Petri vacet et Conclave ad eligendum novum<br />
Summum Pontificem ab his quibus competit convocandum esse". Tradução rápida: até o fim do<br />
mês eu vou cair fora daqui, e vocês precisam eleger uma nova pessoa.
Isso realmente <strong>de</strong>smistifica o processo um pouco. Lição aprendida: o latim é útil, mas saber<br />
como apertar o botão <strong>de</strong> tradução é outra habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que os lí<strong>de</strong>res religiosos precisam. Indo<br />
mais direto ao ponto, precisamos <strong>de</strong> pessoas que possam ouvir e discernir o que significam as<br />
palavras que eles não compreen<strong>de</strong>m que vêm <strong>de</strong> pessoas que eles não conhecem. Em nosso<br />
mundo bem conectado, a língua universal não é mais o latim, mas sim a escuta.<br />
A novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta vez é que os católicos comuns querem uma nova Igreja, não apenas um novo<br />
papa.<br />
Sabemos que a mudança está no ar, porque nós a colocamos lá. Os católicos progressistas <strong>de</strong><br />
todo o mundo estão criando novas formas <strong>de</strong> Igreja, já que a velha está tão completamente<br />
<strong>de</strong>sacreditada. Nenhuma instituição po<strong>de</strong> resistir sem maiores mudanças ao ataque violento <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> negativa que o Vaticano recebeu <strong>de</strong>vido aos abusos sexuais do clero e os<br />
encobrimentos episcopais. Nenhuma hierarquia, embora fortificada, po<strong>de</strong> durar para sempre<br />
contra os passos cheios <strong>de</strong> espírito no sentido da igualda<strong>de</strong> e da justiça. Desta vez, apenas eleger<br />
um novo papa não vai ser suficiente. Nem trancar um grupo <strong>de</strong> eleitores <strong>de</strong> elite responsáveis por<br />
ninguém mais a não ser a si mesmos em um processo eleitoral.<br />
O povo católico também tem consciência. Esperamos ter uma palavra a dizer sobre como nos<br />
organizamos e governamos a nós mesmos. Não po<strong>de</strong>mos, em consciência, abdicar da nossa<br />
autorida<strong>de</strong> a 118 homens idosos em sua maioria. Esses dias acabaram. Se um papa po<strong>de</strong> abdicar<br />
antes <strong>de</strong> ser carregado para fora sem que o céu caia sobre nós, então novos mo<strong>de</strong>los igualitários<br />
<strong>de</strong> Igreja também po<strong>de</strong>m e vão emergir.<br />
Mesmo que o conhecimento <strong>de</strong> latim aparentemente não seja mais necessário para a li<strong>de</strong>rança,<br />
temos muitas pessoas – mulheres, homens casados, gays e lésbicas, bissexuais e transgêneros<br />
abertamente católicos – que estão "prontos e dispostos" a assumir o ministério e a li<strong>de</strong>rança. Eu<br />
conheço centenas <strong>de</strong>les que já estão ativamente envolvidos em comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base, paróquias,<br />
comunida<strong>de</strong>s religiosas e grupos <strong>de</strong> mudança social, fazendo um trabalho maravilhoso vivendo<br />
novas formas <strong>de</strong> ser Igreja. Alguns <strong>de</strong>les até sabem latim.<br />
O que se dá ao papa por ocasião da sua aposentadoria? Tenho certeza que ele tem mais relógios<br />
Rolex do que precisa, e os sapatos vermelhos <strong>de</strong> que ele gosta estão fora da minha faixa <strong>de</strong><br />
preço. Mas uma nova Igreja seria exatamente a coisa certa para lhe assegurar uma velhice digna.<br />
Em vez <strong>de</strong> simplesmente se retirar silenciosamente para Castel Gandolfo, se a sua saú<strong>de</strong> lhe<br />
permitir, Joseph Ratzinger po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> uma boa cerveja bávara com o restante <strong>de</strong> nós,<br />
como parte <strong>de</strong> uma Igreja renovada, on<strong>de</strong> todos e todas são bem-vindos.
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O pastor e o po<strong>de</strong>r. Artigo <strong>de</strong> Eugenio Scalfari<br />
As consequências da secularização e laicização promovidas por <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> em sua <strong>renúncia</strong><br />
referem-se à distribuição dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ntro da Igreja: paralelamente à diminuição do papel do<br />
papa, aumentará a dos concílios e dos sínodos, isto é, das assembleias dos bispos.<br />
A opinião é <strong>de</strong> Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 12-02-<br />
2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Um ato revolucionário a <strong>renúncia</strong> do papa. E certamente o é. Isso nunca havia acontecido, salvo<br />
com Celestino V, que foi obrigado pelos franceses que <strong>de</strong>pois continuaram exercendo o seu<br />
po<strong>de</strong>r sobre Bonifácio VIII até o tapa <strong>de</strong> Anagni. E salvo um par <strong>de</strong> papas e <strong>de</strong> antipapas eleitos<br />
por concílios e conclaves medievais contrapostos.<br />
O cânone prevê a <strong>renúncia</strong>, e até mesmo o Papa Ratzinger admitiu a sua possibilida<strong>de</strong> em um<br />
livro-entrevista seu <strong>de</strong> dois anos atrás; mas uma coisa é dizer, outra é fazer.<br />
Portanto, um fato revolucionário. Mas qual é a natureza e quais serão as consequências <strong>de</strong>ssa<br />
revolução? A natureza é evi<strong>de</strong>nte: a Igreja se laiciza. O papa até agora foi consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>ntro da<br />
Igreja e da comunida<strong>de</strong> dos fiéis como Vigário <strong>de</strong> Cristo na terra e, <strong>de</strong> fato, quando fala "ex<br />
cathedra" sobre questões <strong>de</strong> fé a sua palavra é infalível, como <strong>de</strong>cretou o Concílio Vaticano I <strong>de</strong><br />
1870.<br />
Esse ponto ainda é o obstáculo não superado que impediu a unificação entre católicos e<br />
anglicanos, e entre católicos e ortodoxos da Igreja Oriental. Os outros obstáculos estavam em<br />
gran<strong>de</strong> parte superados, até os da supremacia do bispo <strong>de</strong> Roma sobre todos os outros: o primaz<br />
da Rússia estava pronto para reconhecer ao bispo <strong>de</strong> Roma a primazia <strong>de</strong> "primus inter pares",<br />
mas não a <strong>de</strong> Vigário da Divinda<strong>de</strong> na terra.<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> anula esse obstáculo; o cânone, <strong>de</strong> fato, põe uma única condição: que<br />
o papa tome a sua <strong>de</strong>cisão em plena liberda<strong>de</strong>, isto é, que não pese sobre ela alguma sombra <strong>de</strong><br />
pressão e <strong>de</strong> chantagem. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo não é nem citada, nem Ratzinger faz menção a ela<br />
nas breves palavras com as quais comunicou a sua <strong>de</strong>cisão ao Consistório convocado na manhã<br />
<strong>de</strong>ssa segunda-feira para se ocupar <strong>de</strong> objetos totalmente diferentes.<br />
Portanto, diminui a relação direta entre o Chefe da Igreja e o Filho <strong>de</strong> Deus, e a autorida<strong>de</strong> do<br />
bispo <strong>de</strong> Roma sobre toda a cristanda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> outra coisa que da eleição em conclave por<br />
parte dos car<strong>de</strong>ais, uma cerimônia totalmente laica, salvo o lugar em que ocorre (a Capela<br />
Sistina, que é uma igreja consagrada) e o perfume <strong>de</strong> incenso e o som dos sinos que<br />
acompanham o Veni Creator Spiritus.
As consequências <strong>de</strong>ssa secularização e laicização referem-se à distribuição dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ntro<br />
da Igreja: paralelamente à diminuição do papel do papa, aumentará a dos concílios e dos sínodos,<br />
isto é, das assembleias dos bispos.<br />
Esse foi o pedido implícito mas evi<strong>de</strong>nte do Vaticano II, mas foi por mais <strong>de</strong> 30 anos a tese<br />
explicitamente <strong>de</strong>fendida pelo car<strong>de</strong>al Martini. A Igreja como instituição – disse e escreveu<br />
Martini em livros, pregações e diálogos – se fundamenta sobre duas autorida<strong>de</strong>s, a do papa e a<br />
dos concílios e dos sínodos. O papa participa <strong>de</strong> uns e <strong>de</strong> outros com funções <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação e<br />
<strong>de</strong> direção, mas as <strong>de</strong>cisões são tomadas pelos bispos, que são os <strong>de</strong>positários do legado dos<br />
Apóstolos <strong>de</strong> Jesus.<br />
Não se trata <strong>de</strong> um fenômeno <strong>de</strong> pouco relevo. Basta consi<strong>de</strong>rar que os bispos estão muito mais<br />
interessados na pastoralida<strong>de</strong> do que no po<strong>de</strong>r da hierarquia curial. A hierarquia curial <strong>de</strong>veria,<br />
em teoria, fornecer à pastoralida<strong>de</strong> os instrumentos e os meios materiais para evangelizar as<br />
almas e difundir o credo. A Igreja militante é confiada aos pastores <strong>de</strong> almas, bispos, párocos,<br />
sacerdotes, or<strong>de</strong>ns religiosas. Mas essa é historicamente somente uma parte da realida<strong>de</strong>.<br />
A Igreja-instituição <strong>de</strong>veria representar a custódia da Igreja militante e pastoral; ao invés,<br />
ocorreu o contrário. Por séculos e milênios, a instituição sufocou a pastoralida<strong>de</strong> e promoveu<br />
guerras, inquisições, corrupção, simonia. Não se tratou <strong>de</strong> episódios, mas sim <strong>de</strong> uma<br />
continuida<strong>de</strong> histórica, cujo pivô era o po<strong>de</strong>r temporal. Lembram-se das Cruzadas? Lembram-se<br />
da Guerra das Investiduras que teve Canossa como etapa essencial? Lembram-se do exílio <strong>de</strong><br />
Avignon? As alianças, o nepotismo, as dinastias fundadas pelos papas: os Colonna, os Orsini,<br />
os Caetani, os Farnese, os Piccolomini, os Borghese, os Della Rovere. E os Borgia?<br />
A pastoralida<strong>de</strong>, no entanto, continuou e espalhou a sua semente larga e preciosamente, e isso foi<br />
um verda<strong>de</strong>iro milagre. Mas o rosto abrangente da Igreja saiu em gran<strong>de</strong> parte manchado. As<br />
suas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se confrontar com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> foram fortemente reduzidas.<br />
Essa situação po<strong>de</strong>ria ter melhorado com o fim do po<strong>de</strong>r temporal propriamente dito, mas não foi<br />
assim. A Igreja-instituição manteve a supremacia sobre a Igreja militante e pastoral, recuperando<br />
aquele po<strong>de</strong>r através da política e do fascínio do espetáculo.<br />
O pontificado do Papa Pacelli foi o cume da temporalida<strong>de</strong> política, não por acaso precedido<br />
pela concordata Pio XI-Mussolini; o espetáculo, ao invés, teve a sua estrela mais brilhante na<br />
figura do Papa Wojtyla, enfrentando sofrimentos terríveis, até mesmo a sua agonia e a sua<br />
morte.<br />
Mas esses milagres (porque foram milagres <strong>de</strong> inteligência e também <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> dor) não<br />
resolveram os problemas da Igreja. Evadiram-nos e os <strong>de</strong>ixaram aos sucessores.
Esses problemas, com o passar do tempo, se agravaram. Referem-se à recuperação do Sagrado, à<br />
<strong>de</strong>dicação dos fiéis à carida<strong>de</strong>, à Igreja pobre, à Igreja missionária, à fé na vida, ao contraste<br />
entre a liberda<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>rnos e a dogmática dos tradicionalistas. E as centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />
problemas postos pela bioética, pela psicologia do profundo, pelas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s do mundo. As<br />
diferenças não curadas e talvez incuráveis entre a Igreja <strong>de</strong> Paulo, a <strong>de</strong> Agostinho, a <strong>de</strong> <strong>Bento</strong>, a<br />
<strong>de</strong> Francisco.<br />
A nós, não crentes, agradaria muito que o futuro papa e bispo <strong>de</strong> Roma, em meio a tantas<br />
proclamações <strong>de</strong> santos que não fazem mais milagres (admitindo-se que os do passado os<br />
fizeram), propusesse a <strong>de</strong> Pascal. Seria o verda<strong>de</strong>iro sinal <strong>de</strong> que algo está mudando nos palácios<br />
apostólicos. Se tivesse vivido por mais tempo, talvez o Papa João a teria feito.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''O papa menos mo<strong>de</strong>rno fez a escolha mais mo<strong>de</strong>rna possível''. Entrevista com Carl Bernstein<br />
"A <strong>de</strong>cisão mais mo<strong>de</strong>rna, tomada pelo papa menos mo<strong>de</strong>rno das últimas décadas". Essa é a<br />
opinião <strong>de</strong> Carl Bernstein, protagonista do escândalo Watergate juntamente com Bob<br />
Woodward, e <strong>de</strong>pois autor com Marco Politi do livro Sua Santida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>dicado ao pontificado<br />
<strong>de</strong> João Paulo II. "Essa medida, no entanto, oferece à Igreja a gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
finalmente se medir com o mundo que muda e custa a se reconhecer nos seus ensinamentos".<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 12-02-2013. A tradução é<br />
<strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O senhor, juntamente com Woodward, causou a <strong>renúncia</strong> mais chocante do século passado,<br />
do presi<strong>de</strong>nte Nixon. Há semelhanças? No episódio, não. Nixon era um criminoso, que foi<br />
forçado a <strong>de</strong>ixar a Casa Branca por causa dos crimes cometidos, com os quais havia violado a<br />
Constituição. Ratzinger é uma pessoa já fraca <strong>de</strong>mais no plano físico e intelectual, que optou<br />
por abandonar o seu cargo. É verda<strong>de</strong> que um ato <strong>de</strong>sse tipo não ocorria há 700 anos, mas o seu<br />
valor histórico <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá mais do que o conclave irá <strong>de</strong>cidir fazer agora, do que na <strong>renúncia</strong> em<br />
si mesma.<br />
Por quê?<br />
O conclave anterior não fez um gran<strong>de</strong> serviço à Igreja, aos católicos e ao mundo inteiro. Ele<br />
escolheu uma pessoa muito avançada na ida<strong>de</strong>, mas principalmente caracterizada por uma<br />
relação difícil com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> escolheu seguir o rastro traçado por João Paulo<br />
II para todas as coisas menos populares e <strong>de</strong> menor sucesso do pontífice anterior: penso no papel<br />
das mulheres na Igreja, ou também no modo como tentou encobrir o problema dos abusos<br />
sexuais cometidos pelos sacerdotes. No plano da comunicação, ao invés, esse papa não
conseguiu conciliar a teologia eterna do catolicismo com a realida<strong>de</strong> em rápida evolução do<br />
nosso mundo. Wojtyla, por fim, era um gênio da geopolítica, enquanto Ratzinger não tinha<br />
feeling com essas questões. Talvez as críticas que eu estou fazendo sejam injustas, porque<br />
estamos falando <strong>de</strong> duas pessoas diferentes que viveram o papado em momentos diferentes, mas<br />
mesmo assim o resultado é uma Igreja cada vez mais insular como instituição.<br />
Admitindo-se que o senhor tenha razão, a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> não assume um valor<br />
ainda maior como tomada <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>sses problemas? Como jornalista, eu trabalharia<br />
acima <strong>de</strong> tudo sobre as motivações físicas do gesto: há coisas que não sabemos acerca das<br />
verda<strong>de</strong>iras condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e as capacida<strong>de</strong>s mentais do papa? Os recentes escândalos<br />
tiveram um papel? Apurado isso, não há dúvida <strong>de</strong> que o aspecto mais importante da história é a<br />
forma como a Igreja reagirá. O papa menos mo<strong>de</strong>rno das últimas décadas fez uma escolha muito<br />
mo<strong>de</strong>rna, que <strong>de</strong> certa forma muda a sua herança. Agora, o <strong>de</strong>safio está nas mãos do conclave,<br />
que é dominado pelos homens escolhidos por Wojtyla e Ratzinger, mas tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
finalmente abrir a Igreja ao mundo. Nesse sentido, talvez, há o único ponto <strong>de</strong> contato com o<br />
episódio Nixon: a possibilida<strong>de</strong> oferecida a uma gran<strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> se renovar e <strong>de</strong> se relançar.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O <strong>de</strong>cano e o camerlengo: as duas Igrejas <strong>de</strong> Sodano e Bertone<br />
Nos primeiros meses como secretário <strong>de</strong> Estado, o car<strong>de</strong>al Tarcisio Bertone (Romano<br />
Canavese, 1934) se assomava <strong>de</strong> vez em quando ao apartamento a ele reservado ao lado dos<br />
seus escritórios, no primeiro andar, sob os afrescos <strong>de</strong> Rafael. Todas as vezes, fumaça preta: o<br />
apartamento ainda estava ocupado. O antecessor, car<strong>de</strong>al Angelo Sodano (Isola D'Asti, 1927),<br />
ainda não havia ido embora. Assim, Bertone se resignava a subir ao seu alojamento provisório,<br />
na torre <strong>de</strong> <strong>São</strong> João.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere <strong>de</strong>lla Sera, 13-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Hoje, dois homens que não se amam se encontram regendo a Igreja em uma transição muito<br />
<strong>de</strong>licada, sem prece<strong>de</strong>ntes no mundo mo<strong>de</strong>rno, com um papa a ser eleito e outro ainda em vida, e<br />
com o conclave mais numeroso da história – 117 car<strong>de</strong>ais –, mas sem uma figura hegemônica.<br />
Não são homens do futuro. Sodano regeu o governo vaticano na segunda parte da era <strong>de</strong> João<br />
Paulo II; Bertone exerceu a mesma função no atribulado pontificado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Agora são<br />
chamados à última missão: um como <strong>de</strong>cano do Sacro Colégio; outro, como camerlengo.<br />
Sodano terá o papel que, após a morte <strong>de</strong> Wotjyla, coube a Ratzinger: servir <strong>de</strong> catalisador das<br />
ansieda<strong>de</strong>s e das esperanças dos car<strong>de</strong>ais, ser o seu confi<strong>de</strong>nte e o seu guia, e celebrar a missa
"Pro Eligendo Romano Pontifice", em que Ratzinger proferiu a histórica homilia contra o<br />
relativismo, antes <strong>de</strong> conduzir os purpurados ao conclave.<br />
Mas Sodano não irá ao conclave, tendo superado os 80 anos. Ao contrário, Bertone irá. Que,<br />
como camerlengo, convocará os car<strong>de</strong>ais a Roma, presidirá as três ou mais reuniões<br />
preparatórias do Conselho, i<strong>de</strong>ntificará os relatores que apresentarão a situação da Igreja,<br />
incluindo aquele que terá a tarefa particularmente <strong>de</strong>licada <strong>de</strong> falar aos colegas sobre a situação<br />
financeira.<br />
Tanto Sodano quanto Bertone são do Piemonte. E os piemonteses não se tornam papas.<br />
Nenhum, em 2.000 anos (haveria Pio V, o papa <strong>de</strong> Lepanto, nascido em Bosco Marengo, que<br />
hoje é província <strong>de</strong> Alessandria, mas à época fazia parte do Ducado <strong>de</strong> Milão). Sodano, no<br />
entanto, teve um papel no conclave <strong>de</strong> 2005, enfileirando os car<strong>de</strong>ais da Cúria ao lado <strong>de</strong><br />
Ratzinger, que o manteve por mais <strong>de</strong> um ano no mesmo posto, antes da (lenta) passagem <strong>de</strong><br />
consignas.<br />
E Bertone terá o que dizer no próximo conclave vindouro. Não é verda<strong>de</strong> que a <strong>renúncia</strong><br />
repentina o <strong>de</strong>slocou. O papa, assim, se isentou das pressões que vinham <strong>de</strong> fora e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do<br />
Vaticano para que substituísse o secretário <strong>de</strong> Estado. E evitou que fosse cortado do conclave,<br />
como aconteceria em menos <strong>de</strong> dois anos. Bertone tem poucas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se tornar papa.<br />
Ele tem muitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> impedir que um homem <strong>de</strong> quem ele não gosta se torne papa.<br />
Sodano não gostou quando Bertone substituiu rapidamente os seus homens, para além da lógica<br />
normal da alternância. O novo secretário <strong>de</strong> Estado tomou posse no dia 15 <strong>de</strong> setembro, e no fim<br />
<strong>de</strong> outubro removeu Castrillón Hoyos da li<strong>de</strong>rança da Congregação para o Clero. Sete meses<br />
<strong>de</strong>pois, o substituto <strong>de</strong> Sodano, Leonardo Sandri, tornou-se prefeito da Congregação para as<br />
Igrejas Orientais, com uma promoção interpretada como uma remoção.<br />
As relações entre Bertone e Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos,<br />
também não são fáceis: o po<strong>de</strong>roso prelado da Bréscia foi substituído pelo cana<strong>de</strong>nse Ouellet,<br />
hoje na linha da frente entre os papáveis. O início do governo <strong>de</strong> Bertone foi manchado por um<br />
evento que, nas crônicas <strong>de</strong>ssa segunda-feira, não foi lembrado, mas no passado foi usado contra<br />
ele no Vaticano: o novo arcebispo <strong>de</strong> Varsóvia, Stanislaw Wielgus, foi forçado a renunciar no<br />
mesmo dia da sua posse, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter confessado que havia sido um informante do regime<br />
comunista polonês, nos mesmos anos em que o car<strong>de</strong>al Wojtyla era vigiado pela polícia política.<br />
Desastrosa também foi a gestão da paz com os lefebvrianos, incluindo o antissemita Williamson.<br />
Mas a acusação mais grave que os homens <strong>de</strong> Sodano movem contra a temporada <strong>de</strong> Bertone
diz respeito ao IOR: o papa fez a escolha da transparência justamente enquanto o Banco do<br />
Vaticano estava envolvido nas duas investigações mais incan<strong>de</strong>scentes abertas pela magistratura<br />
italiana, sobre Finmeccanica [segundo maior grupo industrial da Itália] e sobre a aquisição do<br />
Antonveneta [9º maior banco da Itália] (não por acaso, nessa segunda-feira à noite, na recepção<br />
na embaixada junto à Santa Sé, Bertone assegurava que não existem no IOR contas referentes ao<br />
caso Antonveneta-MPS).<br />
Dom Viganò é um homem crescido com Sodano. Ele escreveu ao papa quando <strong>de</strong>scobriu que<br />
Bertone pretendia removê-lo do governatorato do Vaticano para mandá-lo para os Estados<br />
Unidos. Enquanto isso, o prelado do IOR, Piero Pioppo, durante muito tempo secretário <strong>de</strong><br />
Sodano, foi transferido para o Camarões. Quanto a Pietro Parolin, que Sodano havia nomeado<br />
como subsecretário para as Relações com os Estados, foi enviado para a Venezuela.<br />
Seria um erro, porém, pensar em uma relação <strong>de</strong>teriorada e áspera no plano pessoal. No<br />
Vaticano, não seria possível, muito menos em uma fase histórica como a que estamos vivendo.<br />
Os dois car<strong>de</strong>ais se respeitam e, às vezes, também estiveram do mesmo lado: como quando o<br />
papa convocou o seu pupilo Schönborn, réu por ter criticado a expressão – "fofocas" – com a<br />
qual o <strong>de</strong>cano havia rotulado a ressonância midiática sobre o escândalo da pedofilia; o arcebispo<br />
<strong>de</strong> Viena encontrou no escritório papal tanto Bertone quanto Sodano e foi forçado a fazer um<br />
pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas público.<br />
A verda<strong>de</strong>ira diferença entre os dois, além do caráter, está na biografia e no estilo.<br />
Sodano vem da escola da diplomacia vaticana. Estudou na Gregoriana e na Lateranense,<br />
trabalhou nas nunciaturas do Equador e do Uruguai, em 1968 Casaroli o chamou para a<br />
Secretaria <strong>de</strong> Estado e lhe confiou dossiês <strong>de</strong>licadíssimos com os países do Leste, como a<br />
libertação do car<strong>de</strong>al Mindszenty das prisões húngaras. Dez anos <strong>de</strong>pois, quando foi núncio no<br />
Chile <strong>de</strong> Pinochet, não evitou as inevitáveis polêmicas, mas saiu ileso.<br />
Bertone não é um diplomata. É um salesiano. Formou-se em Turim, entre o lendário oratório<br />
Valdocco, o <strong>de</strong> Dom Bosco, e o liceu Valsalice, on<strong>de</strong> jogava futebol como zagueiro,<br />
amadurecendo a fé juventina. Acredita nas obras e na ativida<strong>de</strong>, às vezes <strong>de</strong>generada – segundo<br />
os críticos – em ativismo. É mais impetuoso do que <strong>de</strong>licado, mais sem escrúpulos do que<br />
pru<strong>de</strong>nte.<br />
Sodano saía com um único carro <strong>de</strong> escolta; Bertone se move com a gendarmeria vaticana atrás.<br />
Sodano sempre se manteve distante do trabalho <strong>de</strong> Ruini na presidência da CEI [Conferência<br />
Episcopal Italiana]; Bertone escreveu para Bagnasco reivindicando para si as relações com o<br />
Estado italiano (mesmo que o novo chefe dos bispos logo tenha conquistado a própria<br />
autonomia).
Segundo a velha escola diplomática, a coroa sempre era protegida, ad effusionem sanguinis,<br />
como Sodano gosta <strong>de</strong> repetir: até o <strong>de</strong>rramamento do próprio sangue. Bertone é acusado <strong>de</strong> ter<br />
forçado o papa a se expor para remediar os seus erros. É verda<strong>de</strong>, porém, que nunca lhe faltou o<br />
apoio do papa. De 1995 a 2003, Bertone foi secretário da Congregação para a Doutrina da Fé,<br />
da qual Ratzinger era prefeito.<br />
Nos últimos tempos, quando <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> aparecia em público na sua fragilida<strong>de</strong>, ele sempre<br />
procurava com os olhos o secretário <strong>de</strong> Estado na primeira fila, e quando cruzava o olhar com ele<br />
se sentia mais seguro. No fim, ao invés <strong>de</strong> removê-lo, preferiu ele mesmo ir embora.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> renunciou, viva o papa!<br />
"A história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas po<strong>de</strong>m ir sendo<br />
revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos<br />
novos na socieda<strong>de</strong>, seculares e republicanos, não po<strong>de</strong>rá ficar à margem <strong>de</strong> um processo<br />
histórico contagiante", escreve Luiz Alberto Gómez <strong>de</strong> Souza, sociólogo, diretor do Programa<br />
Ciência e Religião da UCAM.<br />
Assim se proclamava, nas monarquias, quando um rei morria ou era <strong>de</strong>posto e o sucessor vinha<br />
saudado. Mais importante do que o panegírico do que partia, era hora <strong>de</strong> olhar para a frente, com<br />
esperança ou receios.<br />
Eu estava numa reunião no palácio <strong>São</strong> Joaquim, aqui no Rio, em 2005, durante o último<br />
conclave, almoçando com os bispos auxiliares, quando foi anunciada a fumaça branca. Saímos<br />
da mesa e corremos à televisão. Foi quando eu disse: “Não sei quem será, mas vai chamar-se<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>”. Quando Ratzinger saiu no balcão, alguns me olharam como se eu tivesse feito<br />
uma adivinhação. Na verda<strong>de</strong>, foi uma aposta por eliminação. O novo papa certamente não<br />
retomaria a série dos Pios, não seria um seguimento <strong>de</strong> João ou <strong>de</strong> Paulo, nem do composto João<br />
Paulo. Restava, no século XX, um papa, <strong>Bento</strong> XV, que ficara poucos anos, <strong>de</strong> 1914 a 1922, mas<br />
que interrompera a caça antimo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> Pio X. Não saiu papa um reacionário como o<br />
secretário <strong>de</strong> estado espanhol Merry Del Val (o Sodano ou o Bertone daquele momento). Era<br />
um bispo <strong>de</strong> uma diocese importante, Bolonha, que fora pouco antes <strong>de</strong>nunciado <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnista,<br />
em carta, a seu antecessor. O novo papa abriu a missiva, lacrada por ocasião da morte <strong>de</strong> Pio X e<br />
convocou o assustado acusador.<br />
Uma lógica <strong>de</strong>stas apontaria, indo um pouco mais atrás, na eleição <strong>de</strong> 1878, para um possível<br />
futuro Leão XIV. O papa anterior do mesmo nome também interrompera a prática <strong>de</strong> seus dois
antecessores reacionários, Gregório <strong>XVI</strong> e Pio IX. E indicou que esperassem o próximo<br />
consistório, para verem seu novo estilo. E foi então quando nomeou car<strong>de</strong>al o gran<strong>de</strong> teólogo<br />
John H. Newman, convertido da Igreja Anglicana, crítico do Vaticano I e mal visto pelo outro<br />
car<strong>de</strong>al inglês, Henry Manning. Aliás, o papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> tinha Newman em gran<strong>de</strong> admiração<br />
e o beatificou em 2010 (alguns historiadores, para incômodo <strong>de</strong> muitos, falaram <strong>de</strong> um<br />
companheiro <strong>de</strong> toda a vida, enterrado junto com ele, numa possível porém incerta relação<br />
homosexual, o que não diminuiria em nada seu enorme valor). Mas atenção, voltando ao<br />
presente, as lógicas não se repetem e o futuro é sempre inesperado.<br />
Com o atual prece<strong>de</strong>nte, um papa po<strong>de</strong> (e até <strong>de</strong>ve, em certos casos) <strong>de</strong>ixar o po<strong>de</strong>r ainda em<br />
vida, num movimento que passa dos po<strong>de</strong>res absolutos e pro vita, para uma visão com possíveis<br />
prazos para o exercício <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r que aparecia nos últimos séculos como irrenunciável.<br />
O importante agora é <strong>de</strong>scobrir o que estará diante do futuro papa. Tudo parece indicar que João<br />
Paulo I morreu ao tomar consciência da dimensão dos problemas que o esperavam. Carlo<br />
Martini (que tantos sonhamos como um possível “Papa bianco”), em 1999 lembrou temas<br />
estratégicos a serem enfrentados por possíveis futuros concílios: a posição da mulher na<br />
socieda<strong>de</strong> e na Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilida<strong>de</strong>s ministeriais, a<br />
sexualida<strong>de</strong>, a disciplina do matrimônio, a prática do sacramento da penitência, a relação com as<br />
Igrejas irmãs da ortodoxia e, em um nível mais amplo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reavivar a esperança<br />
ecumênica. Po<strong>de</strong>ríamos agora dizer que são temas colocados hoje diante do papa que vem aí.<br />
Cada vez é mais importante <strong>de</strong>sbloquear posições congeladas. Uma, urgente, seria superar o<br />
impasse criado por Paulo VI em 1968, no seu documento Humanae Vitae, sobre a<br />
contracepção. Tratar-se-ia <strong>de</strong> aceitar, ao nível do magistério, o que já é uma prática normal <strong>de</strong><br />
um número enorme <strong>de</strong> fiéis: o uso dos contraceptivos.<br />
Mas nos textos <strong>de</strong> teólogos espanhóis, sacerdotes alemães e austríacos, <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> bispos<br />
australianos, estão outros pontos da agenda. Haveria que começar por superar a dualida<strong>de</strong> e uma<br />
hierarquia rígidas entre ministérios or<strong>de</strong>nados (dos padres) e não or<strong>de</strong>nados, abrindo para uma<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministérios (serviços), como na Igreja dos primeiros séculos. E aí se coloca o tema<br />
da or<strong>de</strong>nação das mulheres. No dia da ressurreição, as mulheres foram as primeiras a serem<br />
enviadas (or<strong>de</strong>nadas) a anunciar a Boa Nova (Mateus, 28,7; Marcos, 16,7:”I<strong>de</strong> dizer aos<br />
discípulos e também a Pedro...”; Lucas, 24,9; João, 20,17).<br />
Teria também que <strong>de</strong>saparecer o que é apenas próprio da Igreja latina <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o milênio passado: o<br />
celibato obrigatório. O celibato é próprio da vida religiosa em comunida<strong>de</strong> e não<br />
necessariamente dos presbíteros (sacerdotes). Os escândalos recentes <strong>de</strong> uma sexualida<strong>de</strong><br />
reprimida e doentia estão exigindo uma severa revisão. Isso levaria a or<strong>de</strong>nar homens e mulheres<br />
casados.
Há que levar a sério a i<strong>de</strong>ia da colegialida<strong>de</strong> do Vaticano II, sendo o bispo <strong>de</strong> Roma o primeiro<br />
entre todos no episcopado. Numa visão ecumênica, o segundo seria o Patriarca <strong>de</strong><br />
Constantinopla, que vive no Fanar, um bairro grego pobre <strong>de</strong> Istambul, on<strong>de</strong> estive no ano<br />
passado. Os encontros fraternos e a oração em comum <strong>de</strong> João XXIII e <strong>de</strong> Paulo VI com o<br />
patriarca Atenágoras, foram abrindo caminho nessa direção.<br />
Claro, são antes <strong>de</strong> tudo anseios, mais do que possibilida<strong>de</strong>s certas. Mas a história é inexorável e,<br />
pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas po<strong>de</strong>m ir sendo revistas ou, pelo menos, vão<br />
crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na socieda<strong>de</strong>, seculares e<br />
republicanos, não po<strong>de</strong>rá ficar à margem <strong>de</strong> um processo histórico contagiante. Talvez temas<br />
congelados terão que esperar futuros pontificados ou outros concílios, mas estarão cada vez mais<br />
presentes e incômodos, num horizonte que <strong>de</strong>safia os imobilismos.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Reflexões em torno da <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
Faustino Teixeira, professor do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Ciência da Religião, da<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora – UFJF, comenta a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e as<br />
perspectivas para a Igreja.<br />
Muita complexa a situação da Igreja Católica Romana (ICAR). Lemos hoje, 13/02/2013, na FSP,<br />
em reportagem <strong>de</strong> Patrícia Britto, que o car<strong>de</strong>al Cláudio Hummes, arcebispo emérito <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />
Paulo (e que participará do próximo conclave) sublinhou que “dificilmente o papa que substituirá<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> mudará a forma como a igreja lida com temas consi<strong>de</strong>rados polêmicos” e “que será<br />
difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela socieda<strong>de</strong> ou pelos legisladores”. Essa<br />
é, infelizmente, a cantilena que sempre estamos a ouvir por parte <strong>de</strong> segmentos da hierarquia<br />
atual. Uma dificulda<strong>de</strong> impressionante <strong>de</strong> ousadia e profetismo.<br />
Vale ressaltar algumas notícias dos periódicos internacionais sobre a atual crise no Vaticano, em<br />
particular as reflexões <strong>de</strong> Massimo Franco no Corriere <strong>de</strong>lla Sera. Na sua avaliação, o que<br />
assistimos hoje é o “sintoma extremo, final, irrevogável da crise <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> governo e <strong>de</strong><br />
uma forma <strong>de</strong> papado”. E fala da <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma igreja-instituição que em poucos anos passou da<br />
condição <strong>de</strong> “mestra <strong>de</strong> vida” para “pecadora”, <strong>de</strong> “ponto <strong>de</strong> referência moral da opinião pública<br />
oci<strong>de</strong>ntal, a uma espécie <strong>de</strong> 'acusada global`, agredida e pressionada por segmentos<br />
diversificados.<br />
Clovis Rossi chega a falar em sua coluna na FSP <strong>de</strong> uma “guerra civil no Vaticano”. E o filósofo<br />
italiano Gianni Vattimo, em seu blog – reproduzido no jornal Il fato quotidiano (13/02/2013) –<br />
sublinha que a <strong>de</strong>missão era a única coisa que um papa po<strong>de</strong>ria seriamente fazer. Ele acrescenta<br />
que se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores “abandonaria imediatamente o
Vaticano, e talvez retornasse à Palestina para estar junto aos perseguidos e expropriados daquele<br />
lugar, e não per<strong>de</strong>ria mais seu tempo, e alma, seguindo as vicissitu<strong>de</strong>s da política italiana (...)”.<br />
Para Vattimo, a <strong>renúncia</strong> papal indica um distanciamento das “funcionalida<strong>de</strong>s terrenas” e a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apontar, talvez, a “face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho”,<br />
abrindo a possibilida<strong>de</strong> para o cristianismo <strong>de</strong> se tornar novamente “uma escolha <strong>de</strong> vida<br />
possível para as pessoas <strong>de</strong> nosso tempo”.<br />
Leonardo Boff fala também no último texto sobre a importância <strong>de</strong> retomada <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
dialogal para a igreja, <strong>de</strong> sintonia com o Vaticano II, Me<strong>de</strong>llin e Puebla, <strong>de</strong> uma “Igreja-aprendiz<br />
e aberta ao diálogo com todos”, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e criativida<strong>de</strong>. E Hans Küng em seu recente livro –<br />
Salviamo la Chiesa (1) -, indica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um tratamento para a igreja, <strong>de</strong> uma “terapia<br />
ecumênica” que aju<strong>de</strong> a vencer a “osteoporose do sistema eclesiástico”. E coloca o <strong>de</strong>do na<br />
ferida, ao falar da necessida<strong>de</strong> imperiosa <strong>de</strong> uma reforma da cúria romana à luz do Evangelho.<br />
Uma reforma que <strong>de</strong>verá contemplar: humilda<strong>de</strong> evangélica (com <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> todos os títulos<br />
honoríficos estranhos à Bíblia), simplicida<strong>de</strong> evangélica, fraternida<strong>de</strong> evangélica e liberda<strong>de</strong><br />
evangélica.<br />
Nesse <strong>de</strong>licado momento <strong>de</strong> preparação do conclave que escolherá o novo papa, os analistas<br />
chamam a atenção para problemas internos da cúria romana, que também pressionaram a <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Em entrevista publicada hoje no O Globo, o renomado teólogo<br />
espanhol, José Ignacio González Faus faz menção a tais pressões. Ele sinaliza: "Não estranharia<br />
que a <strong>renúncia</strong> estivesse ligada a problemas com a Cúria". O papa "já arrastava problemas com a<br />
Cúria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que afastou do sacerdócio Marcial Maciel, acusado <strong>de</strong> abusos sexuais". Chama a<br />
atenção para aquela oração proferida pelo então car<strong>de</strong>al Ratzinger na cerimônia da sexta feira<br />
santa em Roma, em comentário da IX estação da via sacra. Reproduzo aqui o que ele disse na<br />
ocasião:<br />
"Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, <strong>de</strong>veriam<br />
pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência!” “Senhor, muitas vezes<br />
a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos<br />
os lados. E mesmo no vosso campo <strong>de</strong> trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto<br />
tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós<br />
mesmos que Vos traímos sempre, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todas as nossas gran<strong>de</strong>s palavras, os nossos gran<strong>de</strong>s<br />
gestos."<br />
Segundo González Faus, os intérpretes em avaliação feita na época, achavam que ele estivesse<br />
se referindo à pedofilia na igreja, mas em verda<strong>de</strong>, os indícios apontam que po<strong>de</strong>ria ser uma<br />
alusão à Cúria romana, essa mesma cúria que terá voz ativa na eleição do próximo papa em<br />
2013.<br />
Nota:
1.- O livro, originalmente publicado em alemão, Ist die Kirche noch zu retten? (2011), foi<br />
traduzido e publicado em português com o título "A Igreja ainda tem salvação?" pela Editora<br />
Paulus, 2012. (Nota da IHU On-Line)<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Tributos ao papa ''corajoso''<br />
Os lí<strong>de</strong>res religiosos hoje prestam homenagens ao Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, que anunciou na manhã<br />
<strong>de</strong>ssa segunda-feira que irá se aposentar efetivamente a partir do dia 28 <strong>de</strong> fevereiro.<br />
A reportagem é do sítio da revista católica britânica The Tablet, 11-02-2013. A tradução é <strong>de</strong><br />
Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O arcebispo Vincent Nichols, presi<strong>de</strong>nte da Conferência dos Bispos da Inglaterra e do País<br />
<strong>de</strong> Gales e arcebispo <strong>de</strong> Westminster, disse: "O anúncio do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong> hoje chocou e<br />
surpreen<strong>de</strong>u a todos. No entanto, refletindo, tenho a certeza <strong>de</strong> que muitos irão reconhecê-la<br />
como uma <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> coragem e clareza características <strong>de</strong> mente e <strong>de</strong> ação.<br />
"O Santo Padre reconhece os <strong>de</strong>safios enfrentados pela Igreja e que 'a força da mente e do corpo<br />
são necessárias' para as suas tarefas <strong>de</strong> governar a Igreja e anunciar o Evangelho".<br />
"Eu saúdo a sua coragem e a sua <strong>de</strong>cisão".<br />
"Eu peço às pessoas <strong>de</strong> fé que continuem rezando pelo Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Nós, católicos, o<br />
faremos com gran<strong>de</strong> afeto e com a mais alta estima pelo seu ministério como nosso Santo Padre,<br />
lembrando com alegria a sua visita ao Reino Unido em 2010. Rezemos, também, pela Igreja e<br />
por todos os passos que <strong>de</strong>verão ocorrer nas próximas semanas. Confiamo-nos à Providência<br />
amorosa <strong>de</strong> Deus e à orientação do Espírito Santo".<br />
O car<strong>de</strong>al Keith O'Brien, arcebispo <strong>de</strong> St. Andrews e Edimburgo, disse: "Assim como muitas<br />
pessoas em todo o mundo, eu fiquei chocado e triste ao saber da <strong>de</strong>cisão do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> a<br />
renunciar. Eu sei que a sua <strong>de</strong>cisão foi levada em consi<strong>de</strong>ração muito cuidadosamente e que veio<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita oração e reflexão".<br />
"Eu ofereço as minhas orações pelo Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e convido a comunida<strong>de</strong> católica da<br />
Escócia a se unir a mim na oração por ele, neste momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração da sua saú<strong>de</strong> enquanto<br />
ele reconhece a sua incapacida<strong>de</strong> para cumprir a<strong>de</strong>quadamente o ministério que lhe foi<br />
confiado".<br />
"Eu espero que eu também possa contar com as orações dos católicos <strong>de</strong> todo o mundo pelos
car<strong>de</strong>ais eleitores enquanto nos preparamos para viajar a Roma a fim <strong>de</strong> participar do conclave,<br />
que será convocado para eleger um sucessor como Bispo <strong>de</strong> Roma e Sumo Pontífice".<br />
O car<strong>de</strong>al Timothy Dolan, presi<strong>de</strong>nte da Conferência dos Bispos dos EUA, disse que <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> unificou os católicos. Ele disse: "O Santo Padre trouxe o coração terno <strong>de</strong> um pastor, a<br />
mente incisiva <strong>de</strong> um estudioso e a confiança <strong>de</strong> uma alma unida ao seu Deus em tudo o que ele<br />
fez. A sua <strong>renúncia</strong> nada mais é do que outro sinal <strong>de</strong> seu gran<strong>de</strong> cuidado pela Igreja. Estamos<br />
tristes que ele irá renunciar, mas gratos pelos seus oito anos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança altruísta como sucessor<br />
<strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro".<br />
"Embora com 78 anos quando eleito papa em 2005, ele foi ao encontro do seu povo – e eram <strong>de</strong><br />
todas as fés – em todo o mundo. Ele visitou os ameaçados religiosos – ju<strong>de</strong>us, muçulmanos e<br />
cristãos no Oriente Médio <strong>de</strong>vastado pela guerra, os <strong>de</strong>sesperadamente pobres da África e os<br />
jovens do mundo reunidos para encontrá-lo na Austrália, Alemanha, Espanha e Brasil".<br />
"Ele se <strong>de</strong>leitou com os nossos amados Estados Unidos da América quando visitou<br />
Washington e Nova York, em 2008. Como estadista estimado, ele cumprimentou notáveis na<br />
Casa Branca. Como lí<strong>de</strong>r espiritual, ele levou a comunida<strong>de</strong> católica à oração no Nationals<br />
Park, no Yankee Stadium e na Catedral <strong>de</strong> St Patrick. Como um pastor que sentiu dor em<br />
uma reunião agitada e privada na nunciatura vaticana em Washington, ele levou um coração<br />
ouvinte às vítimas <strong>de</strong> abuso sexual por parte <strong>de</strong> clérigos.<br />
"O Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> frequentemente citava a importância das verda<strong>de</strong>s eternas e alertava para<br />
uma ditadura do relativismo. Alguns valores, tais como a vida humana, <strong>de</strong>stacam-se acima <strong>de</strong><br />
todos os outros, como ele ensinava uma e outra vez. É uma mensagem para a eternida<strong>de</strong>".<br />
"Ele unificou os católicos e esten<strong>de</strong>u a mão para grupos cismáticos na esperança <strong>de</strong> atraí-los <strong>de</strong><br />
volta para a Igreja. Mais coisas nos unem do que nos divi<strong>de</strong>m, disse ele por palavras e ações.<br />
Essa mensagem é para a eternida<strong>de</strong>."<br />
Do Palácio <strong>de</strong> Lambeth, Justin Welby, o arcebispo recém-eleito <strong>de</strong> Canterbury, elogiou o<br />
papa pela sua "dignida<strong>de</strong>, intuição e coragem". Ele disse: "Foi com um coração pesado, mas com<br />
completa compreensão que ficamos sabendo nesta manhã da <strong>de</strong>claração do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong><br />
sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>por a carga do ministério <strong>de</strong> bispo <strong>de</strong> Roma, um ofício que ele carregou com<br />
gran<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, intuição e coragem. Enquanto me preparo para assumir o ofício, eu falo não só<br />
por mim e pelos meus antecessores como arcebispo, mas também pelos anglicanos em todo o<br />
mundo, dando graças a Deus por uma vida sacerdotal totalmente <strong>de</strong>dicada, em palavras e ações,<br />
à oração e ao caro serviço, para seguir a Cristo. Ele colocou diante <strong>de</strong> nós algo do significado do<br />
ministério petrino para construir o povo <strong>de</strong> Deus até a plena maturida<strong>de</strong>".
"Em sua visita ao Reino Unido, o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nos mostrou um pouco do que a vocação da<br />
Sé <strong>de</strong> Roma po<strong>de</strong> significar na prática – um testemunho para o alcance universal do Evangelho e<br />
um mensageiro <strong>de</strong> esperança em um momento em que a fé cristã está sendo posta em questão.<br />
Em seu ensino e escrita, ele trouxe uma mente teológica notável e criativa para suportar as<br />
questões <strong>de</strong> hoje. Nós, que pertencemos a outras famílias cristãs, reconhecemos alegremente a<br />
importância <strong>de</strong>sse testemunho e unimo-nos a nossos irmãos e irmãs católicos romanos para<br />
agra<strong>de</strong>cer a Deus pela inspiração e pelo <strong>de</strong>safio do ministério do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>".<br />
"Rezamos para que Deus o abençoe profundamente na aposentadoria com saú<strong>de</strong> e paz <strong>de</strong> espírito<br />
e coração, e confiamos ao Espírito Santo aqueles que têm a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleger o seu<br />
sucessor."<br />
David Cameron, primeiro-ministro britânico, emitiu um breve comunicado na manhã <strong>de</strong>ssa<br />
segunda-feira. Ele disse: "Envio meus melhores votos para o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> após o seu<br />
anúncio <strong>de</strong> hoje. Ele tem trabalhado incansavelmente para fortalecer as relações da Grã-Bretanha<br />
com a Santa Sé. Sua visita à Grã-Bretanha em 2010 é lembrada com gran<strong>de</strong> respeito e afeto.<br />
Ele fará falta como lí<strong>de</strong>r espiritual <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas".<br />
Edward Leigh MP, presi<strong>de</strong>nte do Grupo Parlamentar Pluripartidário sobre a Santa Sé,<br />
expressou a sua surpresa na manhã <strong>de</strong>ssa segunda-feira diante da notícia da iminente<br />
aposentadoria do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.<br />
"Eu sei que eu posso falar por muitos católicos no serviço público e por outros em todo o país<br />
quando eu louvo o papa pelo trabalho que ele fez. A relação entre a Grã-Bretanha e a Santa Sé<br />
é mais forte agora do que em qualquer outra época <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Reforma, e muito disso se <strong>de</strong>ve aos<br />
esforços <strong>de</strong>terminados do Santo Padre".<br />
"Ficamos todos impressionados com a enorme resposta do público britânico à visita <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong><br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> em 2010. Fiquei profundamente comovido pelo discurso <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> no<br />
Westminster Hall, quando a sua espiritualida<strong>de</strong> e a sua imensa inteligência ofereceram uma<br />
intuição provocativa ao pensamento sobre a história, a natureza do governo e o mundo<br />
mo<strong>de</strong>rno".<br />
"Embora surpreso e entristecido com a sua saída da Cátedra <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, estou certo <strong>de</strong> que<br />
os membros do Grupo Parlamentar Pluripartidário sobre a Santa Sé irão se unir a mim na<br />
oração pela saú<strong>de</strong> e bem-estar futuros do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Nós também esperamos em<br />
antecipação orante pelo conclave vindouro, quando um novo pontífice será escolhido".<br />
O Lor<strong>de</strong> Sacks, rabino-chefe da Grã-Bretanha, que viajou a Roma para visitar o papa após a
visita papal à Grã-Bretanha, observou a sua "gentileza" e consi<strong>de</strong>ração. "Tive a honra <strong>de</strong><br />
acolher o Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> à Grã-Bretanha em nome das fés não cristãs em 2010 e <strong>de</strong> passar um<br />
tempo com ele durante uma visita ao Vaticano em 2011. Vi-o como um homem <strong>de</strong> gentileza, <strong>de</strong><br />
quietu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> calma, um indivíduo profundamente pensativo e compassivo, que trazia consigo<br />
uma aura <strong>de</strong> graça e sabedoria. Eu <strong>de</strong>sejo a ele boa saú<strong>de</strong>, bênçãos e os melhores votos para o<br />
futuro".<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A profecia do bispo Bettazzi: ''O papa sairá antes <strong>de</strong> não conseguir mais''<br />
A notícia da <strong>renúncia</strong> do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> havia sido dada com um ano <strong>de</strong> antecedência,<br />
exatamente no dia 13 fevereiro <strong>de</strong> 2012, durante a transmissão do programa da Radio due Rai<br />
Un giorno da pecora: "O Papa Ratzinger pensa na <strong>renúncia</strong>", <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando o inevitável<br />
alvoroço que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre acompanha as suas <strong>de</strong>clarações. Dom Luigi Bettazzi, bispo emérito<br />
<strong>de</strong> Ivrea, não havia usado o condicional, certo como estava da notícia e, sobretudo, da sua fonte.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Guido Novaria, publicada no jornal La Stampa, 12-02-2013. A tradução é<br />
<strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Bettazzi havia excluído a existência <strong>de</strong> um complô para matar o Papa Ratzinger: "Não, não<br />
acredito. Se fosse o papa anterior, eu enten<strong>de</strong>ria, mas este papa me parece muito manso,<br />
religioso. Não po<strong>de</strong>ria encontrar os motivos para um atentado", dissera ele no rádio.<br />
Ouvindo-a novamente um ano <strong>de</strong>pois, aquela entrevista radiofônica tem um sabor quase<br />
profético: "Acho que a teoria do complô é um sistema para preparar a eventualida<strong>de</strong> da <strong>renúncia</strong>.<br />
Para preparar esse choque – porque a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> um papa seria um choque – começam a jogar<br />
ali a coisa do complô".<br />
E à pergunta sobre se Ratzinger tinha a intenção <strong>de</strong> renunciar, a resposta <strong>de</strong> Bettazzi havia sido<br />
muito clara: "Eu acredito que sim, embora tenham negado. Um velho car<strong>de</strong>al, porém, sempre me<br />
dizia: se o Vaticano <strong>de</strong>smente, quer dizer que é verda<strong>de</strong>. Eu penso que ele se sente muito<br />
cansado. Basta vê-lo. É um habituado aos estudos teológicos, à meditação". E acrescentou:<br />
"Diante dos problemas que existem, talvez também diante das tensões existentes <strong>de</strong>ntro da Cúria,<br />
ele po<strong>de</strong>ria pensar que o novo papa se ocuparia <strong>de</strong>ssas coisas".<br />
Sobre o suposto complô contra o papa, o porta-voz do Vaticano, padre Fe<strong>de</strong>rico Lombardi,<br />
também havia se pronunciado: "É uma história que não merece ser levado a sério", explicou.<br />
O bispo emérito <strong>de</strong> Ivrea também havia confirmado novamente a teoria da <strong>renúncia</strong> após aquele<br />
chocante anúncio <strong>de</strong> um ano atrás: "O papa po<strong>de</strong>ria renunciar, antes que chegue aquele momento
em que não é mais o pontífice que guia a Igreja. Ele viu os últimos anos <strong>de</strong> João Paulo II e sabia<br />
que ele queria renunciar, mas não o <strong>de</strong>ixaram. Eu <strong>de</strong>sejo a ele uma longa vida e luci<strong>de</strong>z, mas se<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> se <strong>de</strong>r conta <strong>de</strong> que as coisas estão mudando, ele teria a coragem <strong>de</strong> renunciar".<br />
Para valorizar a tese da <strong>renúncia</strong>, segundo Dom Bettazzi, teria chegado a "sistematização" do<br />
seu secretário particular: "Quando o padre Georg foi consagrado arcebispo e promovido a<br />
prefeito da Casa Pontifícia, intuí que os tempos estavam maduros. Depois <strong>de</strong> ter resolvido a<br />
questão do seu secretário, que não permanecerá a disposição <strong>de</strong> todos, mas terá garantido um<br />
posto como bispo, ele se sentiu mais livre para renunciar. Além disso, se um bispo <strong>de</strong>pois dos 75<br />
anos não po<strong>de</strong> reger a sua diocese, e os car<strong>de</strong>ais com mais <strong>de</strong> 80 anos não po<strong>de</strong>m participar do<br />
conclave para a eleição do papa, parece-me coerente que um papa que tenha chegado a certos<br />
limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se o seu físico não lhe permite continuar, também possa renunciar".<br />
Sobre o futuro do Vaticano, o bispo emérito <strong>de</strong> Ivrea, que neste ano completará 90 anos, não<br />
per<strong>de</strong> o equilíbrio: "Eu rezo para que o Espírito Santo aju<strong>de</strong> os car<strong>de</strong>ais, que também vêm dos<br />
continentes com mais dificulda<strong>de</strong>s, a enten<strong>de</strong>r a situação da Igreja e a escolher um papa adaptado<br />
aos nossos tempos".<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O Papa renuncia e o IOR terá um novo presi<strong>de</strong>nte em breve<br />
Fontes muito autorizadas, tanto do Vaticano como italianas, confirmaram que, ontem à tar<strong>de</strong>, o<br />
car<strong>de</strong>al secretário <strong>de</strong> Estado Tarcisio Bertone, durante conversa com a <strong>de</strong>legação italiana, na<br />
Embaixada da Itália ante a Santa Sé, por ocasião da tradicional comemoração dos Pactos<br />
Lateranenses, anunciou que em breve será nomeado o novo presi<strong>de</strong>nte do IOR (Instituto para<br />
as Obras <strong>de</strong> Religião). Cargo vacante, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2012, após a clamorosa <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />
Ettore Gotti Te<strong>de</strong>schi, nomeado menos <strong>de</strong> três anos antes. Uma <strong>de</strong>missão que foi acompanhada<br />
pela <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> sua figura humana e profissional, sem prece<strong>de</strong>ntes na história recente da<br />
Santa Sé.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insi<strong>de</strong>r, 13-02-2013. A tradução é<br />
do Cepat.<br />
Desta maneira, antes que se torne oficial o início da se<strong>de</strong> vacante (na fatídica noite do dia 28 <strong>de</strong><br />
fevereiro, quando <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> renunciará oficialmente seu Pontificado e <strong>de</strong>ixará o Trono <strong>de</strong><br />
Pedro) haverá algumas nomeações e entre elas se <strong>de</strong>staca, sobretudo, a do novo presi<strong>de</strong>nte do<br />
banco vaticano. É claro que se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como um sinal positivo o fato <strong>de</strong> que, após<br />
tantos meses <strong>de</strong> discussão e do processo <strong>de</strong> seleção tão atento para escolher os candidatos,
finalmente se chega ao perfil do novo chefe do IOR, que, pelo que parece, não será italiano<br />
(talvez belga ou alemão).<br />
Contudo, não há dúvidas <strong>de</strong> que o anúncio da nomeação não po<strong>de</strong>ria vir num momento pior. Os<br />
fiéis do mundo todo estão sem respiro pelo gesto <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, mesmo compreen<strong>de</strong>ndo suas<br />
razões, as mesmas que o Pontífice explicou em seu breve e histórico discurso, na segunda-feira<br />
<strong>de</strong> manhã. Eles se reúnem com afeto ao redor do Papa que se vai e rezam pelo Papa que virá. Os<br />
car<strong>de</strong>ais se perguntam sobre quem será seu sucessor, como é natural, após a surpresa <strong>de</strong> <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong>.<br />
No entanto, nestas importantes e, em certo sentido, dramáticas semanas, em que a Igreja<br />
católica <strong>de</strong>ve enfrentar a situação <strong>de</strong> um Papa que será “emérito”, a máquina curial proce<strong>de</strong> com<br />
normalida<strong>de</strong>, apesar da evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sorientação que reina, inclusive, <strong>de</strong>ntro do Vaticano.<br />
É verda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer, que o Papa continuará em seu posto até o dia 28 <strong>de</strong> fevereiro, pois sua<br />
<strong>renúncia</strong> ainda não é oficial; é normal que seja assim. Claro. Entretanto, é muito mais do que<br />
legítimo perguntar se verda<strong>de</strong>iramente o anúncio do novo presi<strong>de</strong>nte do IOR era tão urgente, tão<br />
indispensável assim, para chegar após o anúncio “choque” da <strong>renúncia</strong> papal.<br />
Qualquer comparação com o passado po<strong>de</strong> ser banal, mas há alguns que lembram a avalanche <strong>de</strong><br />
nomeações episcopais e <strong>de</strong> novos núncios anunciados pela Santa Sé, durante a agonia <strong>de</strong> João<br />
Paulo II. Entre as nomeações estava a do novo arcebispo <strong>de</strong> Manágua, a partir da qual o car<strong>de</strong>al<br />
Miguel Obando Bravo se tornou “emérito” um pouco antes do Conclave. Nessa ocasião foi dito<br />
que, na realida<strong>de</strong>, eram nomeações <strong>de</strong>cididas antecipadamente e que apenas precisavam ser<br />
anunciadas. A nomeação do novo presi<strong>de</strong>nte do IOR entra nesta categoria? Talvez sim. Contudo,<br />
o que surpreen<strong>de</strong> é que um Pontificado como o <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> termine com uma nomeação (que,<br />
além <strong>de</strong> tudo, não é papal, mas que acontece a partir das indicações dos car<strong>de</strong>ais) como a do<br />
novo presi<strong>de</strong>nte do banco vaticano.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um instituto que se encontra no olho do furacão em razão dos diferentes escândalos<br />
verda<strong>de</strong>iros, e muitos outros falsos, que, seja como for, não teve uma boa presença. A Secretaria<br />
<strong>de</strong> Estado, seguindo indicações do Papa, trabalhou muito durante os últimos anos pela<br />
transparência, como <strong>de</strong>monstra todo o trabalho certificado pelo Moneyval. Um instituto que<br />
possui todo o direito <strong>de</strong> ter um novo presi<strong>de</strong>nte. Todavia, era tão indispensável nomeá-lo após o<br />
anúncio da <strong>renúncia</strong> do Papa? O que mudaria se a nomeação viesse daqui a um mês?<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A <strong>de</strong>cisão do Papa “contagia” os car<strong>de</strong>ais
“É um trabalho implacável, não sou a<strong>de</strong>quado”, indicou o salesiano Óscar Andrés Rodríguez<br />
Maradiaga. A <strong>de</strong>cisão do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> começa a ter seguidores. E assim, através do Sacro<br />
Colégio se contagia a “fuga”. Mas, aparentemente, não é uma novida<strong>de</strong>.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Giacomo Galeazzi e publicada por Vatican Insi<strong>de</strong>r, 13-02-2013. A tradução<br />
é do Cepat.<br />
No manual <strong>de</strong> bons costumes do conclavista, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong>finir-se como “não candidato”<br />
correspon<strong>de</strong> a uma prudência secular, a uma “pré-tática” amadurecida nos Sacros Palácios. Os<br />
tons felpudos e o caráter <strong>de</strong> serviço dos encarregados eclesiásticos da Cida<strong>de</strong> Eterna são<br />
manifestados com <strong>de</strong>clarações antipessoais. Inclusive porque, como indica a sabedoria popular,<br />
“quem entra Papa na Capela Sistina, sai car<strong>de</strong>al”, como aconteceu três vezes com o super<br />
favorito Giuseppe Siri. Quanto mais se ambiciona uma meta, mais é preciso ter muita cautela ao<br />
dar cada passo, sem revelar as ambições ou os projetos em mente. Mas <strong>de</strong>sta vez há um fator<br />
novo que muda a linguagem e o conteúdo dos encontros formais pré-Conclave. Ou seja, um<br />
Pontífice que renuncia porque suas forças já não são as melhores para exercer “<strong>de</strong> forma<br />
a<strong>de</strong>quada o ministério petrino”.<br />
O efeito-emulação é imediato entre os car<strong>de</strong>ais que po<strong>de</strong>riam ser escolhidos como seu sucessor.<br />
“Eu não me sinto apto” para ser Papa, porque “é um trabalho implacável, sem <strong>de</strong>scanso, no qual<br />
não se tem tempo para si mesmo, porque tudo se concentra no bem da Igreja”, dá um passo para<br />
trás o car<strong>de</strong>al hondurenho Rodríguez Maradiaga que, como em 2005, é uma das figuras da lista<br />
dos “papáveis”.<br />
O “mo<strong>de</strong>lo Ratzinger” da humil<strong>de</strong> resolução diante da titânica tarefa <strong>de</strong> guiar o timão da barca<br />
<strong>de</strong> Pedro torna-se um gesto automático na hipótese <strong>de</strong> uma possível candidatura à sucessão.<br />
Rodríguez Maradiaga se explica melhor: “É uma coisa que ninguém po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar<br />
humanamente, é algo que vem da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, que se expressa através da <strong>de</strong>cisão do<br />
Colégio dos car<strong>de</strong>ais, razão pela que só aspirar a ela te <strong>de</strong>squalifica”. Também o car<strong>de</strong>al chileno<br />
Francisco Errázuriz exclui sua candidatura, <strong>de</strong>stacando que “é outro o caminho que tenho<br />
diante <strong>de</strong> mim”. O presi<strong>de</strong>nte dos bispos italianos, Angelo Bagnasco, também consi<strong>de</strong>rado<br />
“papável” entre seus compatriotas, adverte: “Não fazemos caso das hipóteses, dos prognósticos,<br />
das conjecturas que se farão nestes dias. Rezamos, com o olhar fixo em Jesus, para que a Igreja<br />
siga sua história <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a Cristo e ao homem”.<br />
Des<strong>de</strong> sempre a expressão “não sou digno” é o leitmotiv <strong>de</strong> todos os que participam da eleição do<br />
novo Pontífice. “Non sum dignus”, ou antes, “meus ombros são muito fracos para sustentar o<br />
peso da Igreja universal”. Diferentes formas <strong>de</strong> um mesmo discurso. Inclusive para os postos na<br />
Cúria é uma prática comum <strong>de</strong>finir-se publicamente “pouco a<strong>de</strong>quado” diante dos rumores <strong>de</strong><br />
uma iminente nomeação. O célebre diplomata pontifício, o car<strong>de</strong>al Domenico Tardini, que foi
Secretário <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> João XXIII, chegou inclusive a parodiar a hipótese, na realida<strong>de</strong> sempre<br />
<strong>de</strong>sejada, <strong>de</strong> receber a púrpura cardinalícia. Da mesma maneira, inclusive o lí<strong>de</strong>r da Igreja norte-<br />
americana, o arcebispo <strong>de</strong> Nova York, Timothy M. Dolan, exclui-se da lista dos “papáveis”: “É<br />
muito improvável que eu seja levado em consi<strong>de</strong>ração”.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Gilberto Carvalho diz que episódio com <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nas eleições <strong>de</strong> 2010 foi superado<br />
O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse nessa quarta-feira que<br />
a posição do governo brasileiro sobre a <strong>renúncia</strong> do papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, que <strong>de</strong>ixa o cargo a partir<br />
do dia 28, é <strong>de</strong> respeito e reverência pela <strong>de</strong>cisão. Ele disse ainda que “está superado” o episódio<br />
ocorrido às vésperas do segundo turno das eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2010, quando o pontífice<br />
con<strong>de</strong>nou projetos políticos a favor da legalização do aborto.<br />
A reportagem é Mariana Branco e publicada pela Agência Brasil, 13-02-2013.<br />
“Nossa posição é acima <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong> respeito e reverência. Estamos atentos à chegada do novo<br />
papa para retomar as conversações do governo brasileiro com a Santa Sé no melhor nível<br />
possível. Não nos cabe nos pronunciar sobre a natureza da <strong>de</strong>cisão do papa”, <strong>de</strong>clarou. Segundo<br />
Gilberto Carvalho, o posicionamento é também o da presi<strong>de</strong>nta Dilma Rousseff. O ministro fez<br />
as <strong>de</strong>clarações durante o lançamento da Campanha da Fraternida<strong>de</strong> 2013, da Confe<strong>de</strong>ração<br />
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema é Fraternida<strong>de</strong> e Juventu<strong>de</strong>. Ele não<br />
esclareceu se a própria presi<strong>de</strong>nta divulgará nota.<br />
O ministro disse ainda que não houve <strong>de</strong>mora no pronunciamento do governo brasileiro sobre a<br />
<strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e que o episódio da campanha presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 2010 foi superado. Na<br />
época, o papa recomendou que os lí<strong>de</strong>res da Igreja no Brasil orientassem a população a não votar<br />
em candidatos a favor da legalização do aborto. A CNBB <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo, pouco antes, chegou a<br />
distribuir carta <strong>de</strong>saconselhando o voto em Dilma e <strong>de</strong>pois recuou.<br />
“Nós temos gratidão ao papel que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>sempenhou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. Somos gratos a ele,<br />
nossas relações foram as melhores possíveis. O governo brasileiro não se apressou em fazer um<br />
gran<strong>de</strong> pronunciamento. Outros governos da América Latina não se pronunciaram”, disse<br />
Gilberto Carvalho.<br />
Carvalho disse ainda <strong>de</strong>sejar “muita energia e muita luz” para a escolha do novo papa e que<br />
seria “uma gran<strong>de</strong> honra” se o escolhido for brasileiro. Cinco car<strong>de</strong>ais do Brasil participarão do<br />
conclave.<br />
O secretário-geral da CNBB e bispo auxiliar <strong>de</strong> Brasília, D. Leonardo Steiner, disse que,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da nacionalida<strong>de</strong>, é importante que o novo papa esteja disposto a <strong>de</strong>bater
temas atuais, como meio ambiente e pobreza. "A chance existe (<strong>de</strong> ser um brasileiro). Mas o<br />
povo do Brasil tem um afeto muito gran<strong>de</strong> pelo papa e continuará existindo essa relação", disse.<br />
Quinta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Os conservadores argentinos sonham com um papa próprio<br />
Como em 2005, quando Ratzinger foi eleito, os conservadores argentinos voltam a sonhar em<br />
ter um homem seu no Vaticano: o car<strong>de</strong>al. Mas o papel <strong>de</strong>sempenhado pela Igreja argentina e<br />
pelo car<strong>de</strong>al na ditadura militar (1976-1983) torna quase impossível a escolha <strong>de</strong> um personagem<br />
com semelhante currículo. O comentário é <strong>de</strong> Oscar Guisoni em artigo publicado por Carta<br />
Maior, 13-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Katarina Peixoto. Foto: Wikipedia.<br />
Eis o artigo.<br />
“Quando João Paulo II morreu todos nos iludimos com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que nosso car<strong>de</strong>al<br />
Bergoglio assumisse como papa. Mas não aconteceu. Oxalá <strong>de</strong>sta vez ocorra”, exclama sem<br />
ruborizar uma conhecida jornalista local em uma das tantas transmissões improvisadas da<br />
televisão argentina surpreendida, como o resto do mundo, com a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. “Deus<br />
não o permita”, respon<strong>de</strong> o colunista Fernando D’Addario, no Página/12.<br />
Como ocorreu em 2005, quando foi eleito o Papa Joseph Ratzinger, os conservadores e<br />
ultramontanos argentinos voltam a se iludir com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar seu homem no<br />
Vaticano: o car<strong>de</strong>al Jorge Bergoglio. Mas o papel <strong>de</strong>sempenhado pela Igreja argentina e pelo<br />
citado car<strong>de</strong>al em particular durante a última ditadura militar (1976-1983) torna quase impossível<br />
que o Vaticano opte por habilitar com a “fumaça branca” um personagem com semelhante<br />
currículo. Salvo que “assim como nos anos 80 escolheram Karol Wojtyla para canalizar<br />
religiosamente a luta do povo polonês (isto é, a do mundo oci<strong>de</strong>ntal e cristão) contra o<br />
totalitarismo soviético”, sustenta D’Addario com aci<strong>de</strong>z, “agora escolham um papa argentino<br />
para salvar-nos do populismo gay e favorável ao aborto que se expan<strong>de</strong> como uma peste por<br />
estes pampas”.<br />
A polêmica, que em apenas algumas horas voltou a impregnar gran<strong>de</strong> parte da imprensa<br />
argentina, trouxe à tona <strong>de</strong> novo a triste memória do papel <strong>de</strong>sempenhado pela Igreja local<br />
durante a última ditadura militar e suas implicações no presente. Assim, enquanto o setor mais<br />
conservador e católico da classe média local volta a sonhar em ter seu próprio Papa, os<br />
organismos <strong>de</strong> Direitos Humanos e as associações que agrupam os familiares dos 30 mil <strong>de</strong>tidos<br />
<strong>de</strong>saparecidos na última ditadura recordam que a Igreja não só colocou uma venda nos olhos<br />
diante da matança organizada pelo Estado, como se fez <strong>de</strong> distraída inclusive frente o assassinato<br />
<strong>de</strong> seus próprios sacerdotes, comprometidos com a “opção pelos pobres’ e com a Teologia da<br />
Libertação que havia iluminado o Concílio Vaticano II.
Uma prova da atualida<strong>de</strong> da polêmica é a recente <strong>de</strong>cisão judicial do tribunal que julgou na<br />
província <strong>de</strong> La Rioja o assassinato dos padres Carlos <strong>de</strong> Dios Murias e Gabriel Longueville,<br />
ligados ao também assassinado bispo Enrique Angelelli, uma das figuras emblemáticas da<br />
“Igreja comprometida” dos anos setenta na Argentina. Nesta sentença inédita anunciada na<br />
semana passada fala-se pela primeira vez da “cumplicida<strong>de</strong>” da Igreja Católica local com os<br />
crimes cometidos pelos militares, ao mesmo tempo em que se assinala a “indiferença” e a<br />
“conivência da hierarquia eclesiástica com o aparato repressivo” dirigido contra os sacerdotes<br />
terceiro-mundistas. Chama a atenção, diz ainda a sentença, que “ainda hoje persiste uma atitu<strong>de</strong><br />
resistência por parte <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s eclesiásticas e <strong>de</strong> membros do clero ao esclarecimento dos<br />
crimes”.<br />
Como ocorreu em 2005, enquanto por trás dos muros do Vaticano se escolhia o sucessor <strong>de</strong> João<br />
Paulo II, a discussão pública leva os argentinos a olhar para sua própria Igreja no espelho que<br />
mais os envergonha: do outro lado da Cordilheira, a Igreja Católica tem outra cara para mostrar,<br />
já que sua atitu<strong>de</strong> frente à ditadura <strong>de</strong> Augusto Pinochet foi exatamente a oposta à adotada pela<br />
hierarquia argentina. A polêmica transcen<strong>de</strong> rapidamente o âmbito religioso e se instala no<br />
cenário político cada vez mais radicalizado, que encontra os partidários da política <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos promovida pelo governo kirchnerista no caminho oposto ao dos conservadores que<br />
<strong>de</strong>sejam encerrar os julgamentos contra os responsáveis pelos crimes contra a humanida<strong>de</strong><br />
executados pela ditadura antes que os processos comecem a bater às portas dos cúmplices civis<br />
do regime, o que já começou a acontecer.<br />
Enquanto isso, o candidato em questão, o atual arcebispo <strong>de</strong> Buenos Aires, Jorge Bergoglio,<br />
sonha em alcançar um papado impossível. Nascido em 1936 e presi<strong>de</strong>nte da Conferência<br />
Episcopal durante dois períodos (cargo que abandonou recentemente por doenças da ida<strong>de</strong>), é<br />
difícil que o Vaticano se arrisque a colocar no trono <strong>de</strong> Pedro um homem citado em vários<br />
processos judiciais por sua cumplicida<strong>de</strong> com a ditadura e que conseguiu evitar seu próprio<br />
julgamento por conta <strong>de</strong> influências e argúcias <strong>de</strong> advogados. Nada disso impe<strong>de</strong>, porém, os<br />
ultramontanos argentinos <strong>de</strong> sonhar com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter um Papa em Roma que os aju<strong>de</strong> a<br />
acabar <strong>de</strong> uma vez por todas com um governo que consi<strong>de</strong>ram o pior inimigo da Igreja Católica<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o presi<strong>de</strong>nte Juan Domingo Perón enfrentou-se <strong>de</strong> forma virulenta (incluindo a<br />
queima <strong>de</strong> algumas igrejas) com a hierarquia católica no final <strong>de</strong> seu governo em 1955.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O fim <strong>de</strong> um pontificado <strong>de</strong> transição: <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiu e para on<strong>de</strong> nos leva?
"Como uma espécie <strong>de</strong> herança <strong>de</strong>stes breves 7 anos <strong>de</strong> pontificado, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>ixa por<br />
implementar o projeto <strong>de</strong> Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é um<br />
novo termo mais palatável para o mesmo projeto <strong>de</strong> Cristanda<strong>de</strong> ou se é realmente algo “novo”,<br />
no sentido <strong>de</strong> uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et Spes", escreve Sérgio<br />
Ricardo Coutinho.<br />
Sérgio Ricardo Coutinho é mestre (UnB) e doutorando (UFG) em História Social; professor <strong>de</strong><br />
“História da Igreja” no Instituto <strong>São</strong> Boaventura e <strong>de</strong> “Formação Política e Econômica do Brasil”<br />
e <strong>de</strong> “Teoria Política” no Centro Universitário IESB, em Brasília; membro da Associação<br />
Brasileira <strong>de</strong> História das Religiões (ABHR) e presi<strong>de</strong>nte do Centro <strong>de</strong> Estudos em História da<br />
Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil).<br />
Eis o artigo.<br />
A <strong>renúncia</strong> do papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> acontece em meio às comemorações dos 50 anos do Concílio<br />
Vaticano II. Há cinquenta anos atrás também estava um “papa <strong>de</strong> transição” e que percebeu qual<br />
<strong>de</strong>veria ser a relação da Igreja com a socieda<strong>de</strong>, com o mundo, com a história.<br />
Des<strong>de</strong> as primeiras intervenções, João XXIII reafirmava a sua intenção <strong>de</strong> que o Concílio<br />
estivesse em continuida<strong>de</strong> com o ensinamento da Igreja e que o apresentasse a todos os homens,<br />
levando em conta, porém, os <strong>de</strong>svios, as exigências e as oportunida<strong>de</strong>s do nosso tempo. Portanto,<br />
como disse Giuseppe Alberigo (1a), “não uma continuida<strong>de</strong> abstrata e atemporal, mas<br />
historicizada; com referência não só aos erros, mas também às novas instancias e possibilida<strong>de</strong>s<br />
(...) uma continuida<strong>de</strong> que não fosse surda às mudanças da história, nem dominada pela categoria<br />
do erro”.<br />
Assim, João XXIII acentuou, então, as modificações dinâmicas iniciadas na socieda<strong>de</strong> mundial<br />
e na atitu<strong>de</strong> positiva da fé cristã e da Igreja diante disso. Por isso, ele rejeitava com gran<strong>de</strong><br />
veemência a posição <strong>de</strong> quem via “nos tempos mo<strong>de</strong>rnos tão só prevaricação e ruína”, e daí, um<br />
regresso em relação ao passado. Pelo contrário, <strong>de</strong>clarou solenemente que tinha <strong>de</strong> discordar<br />
“<strong>de</strong>sses profetas da <strong>de</strong>sgraça”.<br />
Quarenta anos <strong>de</strong>pois do encerramento do Concílio, um <strong>de</strong> seus peritos chegava ao pontificado<br />
sob o nome <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. A escolha do nome já carrega em si um projeto: a recristianização do<br />
Oci<strong>de</strong>nte. Um “novo” <strong>Bento</strong> <strong>de</strong> Núrcia.<br />
Diferentemente <strong>de</strong> João XXIII, seu pontificado <strong>de</strong> “transição” se manteve sim em continuida<strong>de</strong><br />
com o ensinamento da Igreja, mas cometeu o mesmo equívoco <strong>de</strong> seu antecessor: uma<br />
continuida<strong>de</strong> surda aos “sinais dos tempos”.<br />
Seu <strong>de</strong>safio maior continuou sendo o mesmo <strong>de</strong> João Paulo II: como restaurar autorida<strong>de</strong> moral<br />
e política da Igreja diante <strong>de</strong> um mundo cada vez mais globalizado e secularizado? A resposta<br />
continuou a mesma: não há verda<strong>de</strong>ira civilização nem autêntica convivência humana fora <strong>de</strong><br />
uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a Igreja dite as regras e os valores do viver social. Ou seja, não po<strong>de</strong> haver<br />
uma socieda<strong>de</strong> globalizadamente cristã fora dos princípios da Cristanda<strong>de</strong>.<br />
A questão é que a secularização também penetrou fundo no interior da Igreja. Daí que seu<br />
pontificado foi quase que totalmente preocupado com as questões internas em vista das externas:
a pedofilia no clero, o “vatileaks” e a luta por po<strong>de</strong>r na Cúria Romana, os cismas explícitos<br />
(lefebvrianos) e implícitos (as “<strong>de</strong>sobediências”), e o projeto <strong>de</strong> Nova Evangelização.<br />
Um dos maiores <strong>de</strong>safios foi o <strong>de</strong> retomar a credibilida<strong>de</strong> interna e externa agindo <strong>de</strong> forma<br />
firme e enérgica diante dos milhares <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> abusos sexuais por parte <strong>de</strong> padres e religiosos,<br />
tanto na Europa como nos Estados Unidos. Isto custou muito sofrimento não só às vítimas, mas<br />
também ao próprio papa (1).<br />
Estes fatos o convencem <strong>de</strong> uma coisa: só se po<strong>de</strong>rá restaurar a “civilização cristã” com um clero<br />
fortalecido na moral e na obediência. De certa forma, isto explica a busca <strong>de</strong> diálogo e <strong>de</strong><br />
retornar à comunhão com a Fraternida<strong>de</strong> <strong>São</strong> Pio X fundada pelo bispo tradicionalista<br />
Monsenhor Marcel Lefebvre. Ali encontraria um clero com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica acima <strong>de</strong><br />
qualquer suspeita. Primeiro, dois gestos <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e simpatia: o levantamento da excomunhão<br />
<strong>de</strong> quatro bispos da Fraternida<strong>de</strong> e a publicação do Motu Proprio que autorizava e restaurava a<br />
missa em latim. O resultado: os lefebvrianos continuam mais cismáticos do que nunca e não<br />
aceitam <strong>de</strong> forma alguma os termos <strong>de</strong> retorno à luz da aceitação do Concílio Vaticano II. Uma<br />
<strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> sua diplomacia que ele não contava (2).<br />
Outro passo nesta mesma direção: restaurar os Legionários <strong>de</strong> Cristo. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>,<br />
corajosamente, levou a cabo uma investigação, há muito interrompida, acerca do comportamento<br />
moral do fundador dos Legionários, o padre Marcial Maciel. Depois <strong>de</strong> sua morte, veio à tona<br />
ainda outros fatos mais impressionantes que <strong>de</strong>ixaram o papa perplexo. Resultado: a nomeação<br />
<strong>de</strong> um interventor pontifício e a reforma das regras dos Legionários. Com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> não per<strong>de</strong>r<br />
as gran<strong>de</strong>s bases econômicas <strong>de</strong>ste Instituto, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também queria dar continuida<strong>de</strong> a<br />
“fornada” <strong>de</strong> novos padres com forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> católica. Neste ponto, nos parece que sua ação<br />
teve sucesso (3).<br />
Por outro lado, teve que ver fortes manifestações <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sobediência” por parte <strong>de</strong> padres e<br />
teólogos “esclarecidos” (4). Tanto na sua terra natal como nas vizinhas Áustria e Suíça os<br />
padres fizeram um “Apelo à Desobediência”. O programa era bem conhecido: celibato dos<br />
padres, or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> mulheres, valorização do laicato, formação <strong>de</strong> pequenas comunida<strong>de</strong>s,<br />
inclusão <strong>de</strong> casais <strong>de</strong> segunda união e <strong>de</strong> homoafetivos entre outros. O movimento alcançou um<br />
número impressionante <strong>de</strong> assinaturas. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> encarregou seu car<strong>de</strong>al, agora papável,<br />
Christian Schönborn para acompanhar o caso mais <strong>de</strong> perto e “apelando para a obediência” (5).<br />
A maior <strong>de</strong>sobediência talvez tenha vindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da própria Cúria Romana. Com o<br />
enfraquecimento e diminuição da importância política dos Legionários, outros dois grupos<br />
neointegristas avançam <strong>de</strong>cididamente em busca do papado: o Opus Dei e o Comunhão e<br />
Libertação. O chamado “vatileaks” nada mais foi que a busca por informações privilegiadas em<br />
vista do xeque mate no jogo do próximo conclave, que já estava plenamente aberto na cara <strong>de</strong><br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> (6).<br />
O discurso do papa aos recém purpurados em fevereiro <strong>de</strong> 2012, dava bem o tom <strong>de</strong> seu<br />
sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção: quis propor aos novos car<strong>de</strong>ais uma imagem da Igreja incomparável<br />
com as lutas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, os negócios, a busca da glória e do carreirismo. (7). <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> não teve<br />
força política, ou pelo menos não quis exercê-lo, para uma reforma profunda na Cúria. O jeito<br />
que encontrou foi tentar torná-la mais universal e menos europeia. O breve consistório <strong>de</strong><br />
novembro do ano passado incluiu nomes vindos <strong>de</strong> regiões on<strong>de</strong> o catolicismo é minoritário e
perseguido, mas muito florescente. (8). Ao nosso ver, o “golpe” <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> contra a Cúria<br />
teve dois atos: o primeiro foi este, o segundo foi a sua surpreen<strong>de</strong>nte <strong>renúncia</strong>.<br />
Finalmente, como uma espécie <strong>de</strong> herança <strong>de</strong>stes breves 7 anos <strong>de</strong> pontificado, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>ixa<br />
por implementar o projeto <strong>de</strong> Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é<br />
um novo termo mais palatável para o mesmo projeto <strong>de</strong> Cristanda<strong>de</strong> ou se é realmente algo<br />
“novo”, no sentido <strong>de</strong> uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et Spes.<br />
Em artigo nosso anterior, sobre as Proposições do Sínodo sobre a Nova Evangelização,<br />
encontramos ali alguma coisa sobre este projeto, ou melhor, sobre as relações entre Igreja e<br />
socieda<strong>de</strong>, entre Igreja e mundo, entre Igreja e história. Como a imensa maioria dos bispos e<br />
car<strong>de</strong>ais foram feitos, nestes últimos 35 anos, por João Paulo II e <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, precisaremos<br />
ficar atentos quando da alocução Urbi et Orbi do novo papa eleito, em fins <strong>de</strong> março próximo,<br />
pois ali estará explicitado seu “programa <strong>de</strong> governo” e po<strong>de</strong> muito bem ser este:<br />
“Somos cristãos vivendo em um mundo secularizado. Consi<strong>de</strong>rando que o mundo é e continua<br />
sendo a criação <strong>de</strong> Deus, a secularização se insere na esfera da cultura humana. Como cristãos,<br />
não po<strong>de</strong>mos ficar indiferentes ao processo <strong>de</strong> secularização. Estamos, <strong>de</strong> fato, em uma situação<br />
semelhante à dos primeiros cristãos e, como tal, <strong>de</strong>vemos ver isso tanto como <strong>de</strong>safio e<br />
possibilida<strong>de</strong>. Vivemos neste mundo, mas não somos <strong>de</strong>ste mundo (cf. Jo 15, 19;17, 11-16). O<br />
mundo é criação <strong>de</strong> Deus e manifesta seu amor. Em e através <strong>de</strong> Jesus Cristo, recebemos a<br />
salvação <strong>de</strong> Deus e somos capazes <strong>de</strong> discernir o progresso <strong>de</strong> sua criação. Jesus abre as portas<br />
para nós <strong>de</strong> novo, <strong>de</strong> modo que, sem medo, possamos abraçar amorosamente as feridas da Igreja<br />
e do mundo (cf. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>) (Prop. 8). (...) A mensagem <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> beleza [do Evangelho]<br />
po<strong>de</strong> ajudar as pessoas a fugir da solidão e da falta <strong>de</strong> sentido on<strong>de</strong> muitas vezes estão relegadas<br />
nas condições da socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna. Portanto, os crentes <strong>de</strong>vem se esforçar para mostrar ao<br />
mundo o esplendor <strong>de</strong> uma humanida<strong>de</strong> baseada no mistério <strong>de</strong> Cristo. (Prop. 13) (...) Em um<br />
mundo que está cindido por guerras e violência, um mundo ferido por um individualismo muito<br />
difundido, que separa os seres humanos entre si, e coloca um contra o outro, a Igreja <strong>de</strong>ve<br />
<strong>de</strong>sempenhar o seu ministério <strong>de</strong> reconciliação <strong>de</strong> maneira calma e firme. (...) a Igreja tem que<br />
fazer um esforço para <strong>de</strong>rrubar os muros que separam os seres humanos. (...) ela tem que pregar<br />
a novida<strong>de</strong> do Evangelho salvífico <strong>de</strong> Nosso Senhor, que veio para nos libertar <strong>de</strong> nossos<br />
pecados e para nos convidar a construir a paz, harmonia e justiça entre os povos”. (Prop. 14)<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''Voltar ao Concílio, bússola para a Igreja do futuro'', afirma <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
"A mídia oferece uma imagem distorcida do Concílio. Agora, é necessária uma leitura do<br />
espírito do Vaticano II", afirmou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> no seu último encontro com os padres <strong>de</strong> Roma.<br />
A reportagem é do sítio Vatican Insi<strong>de</strong>r, 14-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O papa contou no encontro com o clero romano, na manhã <strong>de</strong>sta quinta-feira, 14 <strong>de</strong> fevereiro,<br />
na Sala Paulo VI, o seu Concílio como jovem perito e a<strong>de</strong>ntrou na interpretação do seu<br />
significado, indicando-o como ponto <strong>de</strong> referência para retomar o tema da renovação da Igreja.
Antes da sua intervenção após as palavras do car<strong>de</strong>al vigário Agostino Vallini, o papa disse aos<br />
sacerdotes <strong>de</strong> Roma: "Obrigado a vocês, obrigado pelo seu afeto. Retiro-me, mas permaneço<br />
próximo <strong>de</strong> vocês".<br />
Não foi, portanto, uma catequese, mas sim um testemunho humano e espiritual da cotidianida<strong>de</strong><br />
do Concílio. O jovem padre e teólogo Ratziger que vai a Roma para fazer uma experiência da<br />
universalida<strong>de</strong> da Igreja, colabora com o car<strong>de</strong>al Frings em contato com os 2.500 bispos<br />
presentes em Roma, na dimensão universal do cristianismo. Depois, lembrou a emoção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
conhecer e falar com gran<strong>de</strong>s teólogos como De Lubac e Daniélou.<br />
No Concílio, disse o papa, ''todos acreditávamos que se <strong>de</strong>via prosseguir na renovação, um novo<br />
Pentecostes" para a Igreja. E, com efeito, os seus frutos levaram a afirmar que "nós somos a<br />
Igreja, todos juntos, não uma estrutura. Nós, cristãos, somos o corpo da Igreja".<br />
O pontífice recordou, <strong>de</strong>pois, as discussões sobre o conceito <strong>de</strong> "colegialida<strong>de</strong>" na Igreja,<br />
afirmando que, nos trabalhos conciliares, houve, talvez, sobre esse tema "uma discussão<br />
exagerada, talvez furiosa". Mas, esclareceu, "não se tratou <strong>de</strong> uma luta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, mas sim uma<br />
busca <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> no corpo da Igreja", afirmando que os bispos são um "elemento portante da<br />
Igreja".<br />
Há ainda "muito a fazer para se chegar a uma leitura das Sagradas Escrituras no espírito do<br />
Concílio, ela ainda não está completa", acrescentou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> na sua longa lectio, citando o seu<br />
livro sobre Jesus.<br />
Referências importantes à liturgia (Sacrosanctum Concilium), à Igreja (Lumen Gentium) e à<br />
Palavra <strong>de</strong> Deus revelada ao ser humano (Dei Verbum), fundamento <strong>de</strong> uma reflexão que uniu a<br />
mensagem <strong>de</strong> salvação <strong>de</strong> Cristo morto e ressuscitado, a longa tradição da Igreja e a história da<br />
Igreja na história da humanida<strong>de</strong>.<br />
Com Gaudium et Spes, Dignitatis Humanae e Nostra Aetate, compõe-se uma gran<strong>de</strong> trilogia <strong>de</strong><br />
documentos do Vaticano II, disse o Papa Ratzinger. Eles <strong>de</strong>ram um impulso importante para<br />
<strong>de</strong>finir o diálogo na diferença e na diversida<strong>de</strong> como momento fundamental para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do ser humano, na confirmação da fé da unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo. No diálogo,<br />
porém, compreen<strong>de</strong>-se como é sempre necessário um espírito <strong>de</strong> diálogo, porque em toda<br />
experiência religiosa há uma luz que ilumina todo ser humano.<br />
Finalmente, uma crítica aos meios <strong>de</strong> comunicação, que, nos anos 1960, relataram um Concílio<br />
Vaticano II "virtual", focando a atenção na "soberania popular". Uma interpretação que <strong>de</strong>u<br />
passagem a "tantas calamida<strong>de</strong>s, tantos problemas, tantas misérias: seminários fechados,<br />
conventos fechados, liturgia banalizada".<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Com bom humor, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> passeia pelas estradas da memória
Um papa também é o bispo <strong>de</strong> Roma e, nessa quinta-feira, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> teve seu último encontro<br />
com o clero da sua diocese em uma sessão lotada com os padres <strong>de</strong> Roma realizada na sala <strong>de</strong><br />
audiências Paulo VI, no Vaticano.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 14-02-<br />
2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Foi um encontro planejado para falar sobre as experiências <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> no Concílio Vaticano<br />
II (1962-1965), on<strong>de</strong> o jovem Joseph Ratzinger atuou em todas as quatro sessões como perito<br />
em teologia. No contexto das últimas 72 horas, no entanto, ele também se tornou uma emotiva<br />
<strong>de</strong>spedida ao primeiro bispo <strong>de</strong> Roma a renunciar ao seu ofício em séculos.<br />
Sentado a uma mesa no palco do salão, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> falou <strong>de</strong> improviso, sem um texto preparado.<br />
Ele começou agra<strong>de</strong>cendo o clero pelo seu apoio.<br />
"Mesmo que eu me retire agora, vou ficar perto <strong>de</strong> vocês, assim como eu tenho certeza que vocês<br />
ficarão perto <strong>de</strong> mim", disse <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, "mesmo que eu permaneça escondido para o mundo".<br />
Foi uma sessão marcante, em que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> exibiu uma informalida<strong>de</strong> e um senso <strong>de</strong> humor<br />
raramente vistos em público.<br />
O papa lembrou que, quando era um jovem teólogo, o car<strong>de</strong>al Joseph Frings, <strong>de</strong> Colônia,<br />
pediu-lhe para ajudar a preparar um discurso expondo uma visão para o Vaticano II, que<br />
estabeleceu um programa <strong>de</strong> reformas. Mais tar<strong>de</strong>, Frings levou Ratzinger consigo para Roma,<br />
e, enquanto se aproximavam do Vaticano para uma cerimônia, Frings estava nervoso pelo fato<br />
do seu discurso ter ido longe <strong>de</strong>mais.<br />
"Esta po<strong>de</strong> ser a última vez que eu uso a púrpura", disse a Ratzinger, no sentido <strong>de</strong> que talvez<br />
seria <strong>de</strong>posto como bispo.<br />
Ao invés, disse <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, o Papa João XXIII o abraçou e disse: "Sua Eminência, obrigado<br />
pelo seu discurso. O senhor disse exatamente o que eu queria dizer, mas não conseguia encontrar<br />
as palavras".<br />
Essa anedota trouxe risos e aplausos por toda a sala.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> continuou lembrando outras memórias do Concílio, incluindo encontros com vários<br />
leões do período conciliar – teólogos, prelados e outros luminares.<br />
"Foi uma experiência da universalida<strong>de</strong> da Igreja e das realida<strong>de</strong>s concretas da Igreja, que não<br />
são simples", disse.<br />
A visão geral <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> sobre como o Vaticano II evoluiu, resumiu basicamente os<br />
<strong>de</strong>staques da maioria das histórias-padrão. Os mais bem preparados <strong>de</strong> antemão, disse, eram os<br />
bispos <strong>de</strong> França, da Alemanha, da Bélgica e da Holanda, e eles assumiram o controle das<br />
fases iniciais do Concílio, preparando o palco para as reformas que viriam. O ato <strong>de</strong> abertura foi<br />
formado por <strong>de</strong>bates sobre a liturgia, com base em uma renovação que começou com o Papa Pio<br />
XII, que se abriu para outros assuntos.
"Eu fiquei feliz porque começou com a liturgia, porque assim o primado <strong>de</strong> Deus ficou claro",<br />
disse <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.<br />
"O primeiro ato substancial foi falar sobre Deus e sobre a adoração <strong>de</strong> Deus na liturgia<br />
comunitária centrada no corpo e no sangue <strong>de</strong> Cristo."<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> passou a esboçar algumas das gran<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ias do Vaticano II sobre a liturgia:<br />
• A restauração da Páscoa e do espírito da Páscoa ao centro da vida cristã, especialmente o<br />
encontro com o Cristo ressuscitado;<br />
• A inteligibilida<strong>de</strong> do culto;<br />
• A participação ativa na liturgia.<br />
"Esses princípios, às vezes, foram mal compreendidos", disse <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. "Inteligibilida<strong>de</strong> não<br />
significa banalida<strong>de</strong>".<br />
O papa disse que uma formação permanente é necessária para realmente enten<strong>de</strong>r o que<br />
"significa inteligibilida<strong>de</strong>".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, então, se voltou para o ensino do Vaticano II sobre a Igreja, dizendo que o período<br />
pós-Segunda Guerra Mundial trouxe um foco renovado sobre a Igreja no pensamento católico.<br />
"A Igreja não é uma organização, algo <strong>de</strong> estrutural, jurídico, institucional, isso também, mas sim<br />
um organismo. É uma realida<strong>de</strong> vital, que entra na minha alma", afirmou.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> notou a ironia <strong>de</strong> que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que "nós somos a Igreja" também cresceu nesse<br />
contexto. Essa frase tem sido usada por alguns dos mais ferozes críticos <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> da<br />
esquerda católica: "Nós somos Igreja" é o nome do maior movimento <strong>de</strong> reforma católica da<br />
Europa.<br />
No entanto, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> insistiu que ela não se refere a "algum grupo que se <strong>de</strong>clara Igreja", mas<br />
sim à inserção pessoal dos fiéis na comunida<strong>de</strong> maior da Igreja.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> abordou o tema da colegialida<strong>de</strong>, ou seja, a autorida<strong>de</strong> compartilhada na Igreja entre<br />
os bispos, em vez <strong>de</strong> algo exclusivamente concentrado no topo.<br />
"A muitos, ela parecia ser como uma luta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r", disse, "mas, substancialmente, é uma<br />
questão <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>". Ele disse que <strong>de</strong>veria haver um equilíbrio.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também refletiu sobre o termo "Povo <strong>de</strong> Deus", dizendo que o Concílio quis vinculálo<br />
ao conceito <strong>de</strong> comunhão, que encontra a sua máxima expressão na Eucaristia.<br />
Voltando-se para a revelação divina, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> disse que os <strong>de</strong>bates sobre a relação entre<br />
Escritura e Tradição foram "conflituosos". Os biblistas, disse, queriam mais liberda<strong>de</strong> para<br />
explorar os textos sem serem submetidos todas as vezes ao magistério, ou seja, à autorida<strong>de</strong> do<br />
ensino da Igreja.
"A Igreja é o sujeito vivo da Escritura", afirmou. "Sem a Igreja, a Escritura é apenas um livro e<br />
se abre a diversas interpretações e não oferece uma clareza <strong>de</strong>finitiva".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> expressou admiração pela "<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za" com que o Papa Paulo VI tentou encontrar<br />
um equilíbrio durante o Concílio, ajudando a navegar entre suas tensões.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> lembrou <strong>de</strong> memória a fórmula em latim sobre a revelação que o Concílio adotou.<br />
Hoje, disse o papa, a exegese bíblica ten<strong>de</strong> a ler a Bíblia à parte da Igreja, confiando somente no<br />
método histórico-crítico. Ao contrário, disse, ela <strong>de</strong>ve ser lida <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da Igreja e à luz da fé<br />
"Há muito a fazer para chegar a uma leitura realmente no espírito do Concílio", afirmou.<br />
Sobre o ecumenismo, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> disse que o impulso à unida<strong>de</strong> dos cristãos parecia uma<br />
priorida<strong>de</strong> óbvia, "acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>pois da paixão dos cristãos durante a época do nazismo".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> disse que, nas fases posteriores do Concílio, os bispos <strong>de</strong> outras partes do mundo<br />
<strong>de</strong>sempenharam um papel mais forte. Os norte-americanos, afirmou, estiveram especialmente<br />
envolvidos no impulso ao reconhecimento da liberda<strong>de</strong> religiosa.<br />
"Não po<strong>de</strong>mos voltar para casa sem uma <strong>de</strong>claração sobre a liberda<strong>de</strong> religiosa em nossas<br />
malas", disse o papa, citando seus colegas norte-americanos.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> elogiou a Gaudium et Spes por <strong>de</strong>stacar a relação entre a escatologia cristã e o<br />
progresso social.<br />
O papa também <strong>de</strong>screveu as tensões <strong>de</strong>ntro do Vaticano II acerca do documento sobre as<br />
relações com as outras religiões, Nostra Aetate.<br />
O car<strong>de</strong>al Agostino Vallini, vigário da diocese <strong>de</strong> Roma, saudou <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, dizendo-lhe que o<br />
clero romano reagiu à sua <strong>de</strong>cisão tanto com "tristeza e respeito", assim como com "admiração e<br />
pesar".<br />
Claramente emocionado, Vallini disse que eles "amam verda<strong>de</strong>iramente" o papa e prometeu<br />
rezar por ele.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> encerrou lamentando a forma como o Concílio, às vezes, foi popularmente<br />
entendido.<br />
"O Concílio dos jornalistas se realizou <strong>de</strong>ntro das categorias dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> hoje,<br />
uma hermenêutica política. Para eles, o Concílio era uma luta política, uma luta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, e era<br />
natural que eles tomassem posição mais próximas do mundo em que viviam".<br />
Especificamente, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> citou i<strong>de</strong>ias como a <strong>de</strong>scentralização da Igreja, mais po<strong>de</strong>r para os<br />
bispos, e a expressão "Povo <strong>de</strong> Deus" como abreviação para um maior po<strong>de</strong>r aos leigos como<br />
pontos que ganharam importância nessa agenda.
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> sugeriu que as apresentações midiáticas do Concílio muitas vezes levaram a<br />
interpretações equivocadas e excessos.<br />
"Esse Concílio dos meios <strong>de</strong> comunicação era acessível a todos, e criou inúmeros problemas. Ele<br />
criou muitas misérias, seminários fechados, conventos fechados, a liturgia banalizada. O<br />
Concílio real teve gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> para se realizar, porque o Concílio virtual era mais<br />
po<strong>de</strong>roso".<br />
"Cinquenta anos <strong>de</strong>pois do Vaticano II, vemos como esse Concílio virtual separou as coisas",<br />
afirmou. "Temos que trabalhar para que o Concílio real, com o Espírito Santo, se realize".<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A reforma da Igreja é possível: agora está <strong>de</strong>monstrado<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> disse e "mostrou em ato" que a figura eclesial está sempre historicamente em <strong>de</strong>vir.<br />
<strong>São</strong> palavras que sugerem, portanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovar também uma instituição complexa<br />
e secular como a Igreja Católica Romana.<br />
A opinião é da teóloga italiana Serena Noceti, professora da Faculda<strong>de</strong> Teológica da Itália<br />
Central, em artigo publicado no jornal L'Unità, 13-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés<br />
Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, tendo se tornado papa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>dicado a sua vida a pensar a fé como teólogo e<br />
como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, <strong>de</strong>senvolveu o seu ministério acima <strong>de</strong><br />
tudo em torno da força da palavra. A palavra como suporte <strong>de</strong> um magistério <strong>de</strong>cidido e <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>, voltado a <strong>de</strong>finir a doutrina da verda<strong>de</strong> em um contexto sociocultural, principalmente<br />
europeu, <strong>de</strong> céleres mudanças e <strong>de</strong> contornos cada vez mais fluidos, em uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tardia<br />
que vê no <strong>de</strong>vir contínuo e na lógica do "outro possível" a figura mais profunda da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
e natureza.<br />
Se o seu antecessor havia confiado ao gesto e a atos simbólicos <strong>de</strong> impacto imediato, à<br />
visibilida<strong>de</strong> do corpo e não só às palavras, a sua mensagem ao mundo, Joseph Ratzinger, tendo<br />
se tornado papa, manteve a palavra (dos textos escritos e da pregação) como meio principal para<br />
o seu comunicar.<br />
Na conclusão do seu pontificado, ele põe uma palavra solene "com plena liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>claro<br />
renunciar ao ministério <strong>de</strong> bispo <strong>de</strong> Roma, sucessor <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro", que – com força performativa<br />
– po<strong>de</strong>ria gerar cenários inéditos para a vida da Igreja Católica.<br />
A história registra outros casos <strong>de</strong> <strong>renúncia</strong> por parte <strong>de</strong> pontífices, mas o sentido e o contexto<br />
mais profundo <strong>de</strong>ssa passagem <strong>de</strong>vem ser traçados na visão eclesiológica do Concílio Vaticano<br />
II, que <strong>de</strong>fine, indubitavelmente, um contexto diferente do ocorrido com Celestino V ou para<br />
outros papas.<br />
O modo <strong>de</strong> pensar o episcopado, a relação entre papa e colégio dos bispos, a articulação entre<br />
Igrejas locais e Igreja universal (e, portanto, o papel da Cúria Romana) saem do evento conciliar<br />
e das páginas dos documentos do Vaticano II profundamente repensados.
Mas a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> se coloca ainda mais <strong>de</strong>ntro da profunda mudança ocorrida na<br />
autoconsciência eclesial e eclesiológica com o Vaticano II: é uma Igreja que se pensa segundo<br />
uma historicida<strong>de</strong> real. O Vaticano II chamou à permanente renovação e à sempre necessária<br />
reforma, porque a Igreja é um sujeito que evolui, cresce, se transforma, cujas formas <strong>de</strong><br />
existência, <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> gestão do po<strong>de</strong>r e da autorida<strong>de</strong>, cujas instituições são todas<br />
marcadas pela figura fugaz <strong>de</strong>ste mundo (cf. Lumen gentium, 48).<br />
Diante do que, aos olhos do mundo, parecia, no fundo, em gran<strong>de</strong> parte, inamovível, marcado<br />
por uma perenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e <strong>de</strong> tradições soldadas pela sua secularida<strong>de</strong> (e, por isso,<br />
largamente incompreensível para muitos, mas certamente reconfortantes em uma civilização da<br />
mudança e do risco), a palavra <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> criou um espaço <strong>de</strong> interrupção real, <strong>de</strong>slocante e<br />
pedagógica, que evoca uma "possibilida<strong>de</strong> outra" com relação ao usual, capaz, por isso, <strong>de</strong><br />
produzir uma mudança real.<br />
Ele disse e "mostrou em ato" que a figura eclesial está sempre historicamente em <strong>de</strong>vir. <strong>São</strong><br />
palavras que sugerem, portanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovar também uma instituição complexa e<br />
secular como a Igreja Católica Romana.<br />
É esse o <strong>de</strong>safio eclesial ao qual o papa remete, em primeiro lugar, o conclave e os seus<br />
sucessores, mas também a Igreja inteira em todos os seus componentes. E a sua palavra-ato<br />
reenvia ao coração da reforma necessária: <strong>de</strong> um lado, a gran<strong>de</strong> questão das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
governo na Igreja, as formas <strong>de</strong> exercício da colegialida<strong>de</strong> episcopal e o papel específico dos<br />
órgãos que estão a serviço da Igreja universal; <strong>de</strong> outro, o princípio que regenera a Igreja, o<br />
anúncio evangélico.<br />
Porque não é suficiente limitar-se a uma a<strong>de</strong>quação das estruturas e dos institutos já existentes,<br />
mas é preciso olhar para os processos, para as dinâmicas, que "fazem a Igreja", e orientar sobre<br />
eles a necessária renovação das formas eclesiais. Os processos <strong>de</strong> reforma nunca são indolores e<br />
se <strong>de</strong>param com uma natural resistência à mudança que marca todas as gran<strong>de</strong>s instituições,<br />
ainda mais aquelas ricas em uma história secular: ce<strong>de</strong>r à tentação <strong>de</strong> repetir o passado, indultar<br />
em prudência, ou limitar-se a uma cautelosa hesitação significaria, no fundo, trair a verda<strong>de</strong>ira<br />
natureza da Igreja.<br />
A escolha do Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ensina, também nisso, a conjugar a consciência lúcida da<br />
fragilida<strong>de</strong> e do limite à igualmente consciente liberda<strong>de</strong> e esperança.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
'É ilusório querer reconduzir os cristãos para <strong>de</strong>ntro do sistema eclesiástico atual', diz<br />
Hans Küng<br />
"A Cúria é o obstáculo principal da renovação da Igreja, do diálogo ecumênico e <strong>de</strong> uma abertura<br />
ao mundo mo<strong>de</strong>rno", constata Hans Küng, teólogo, em entrevista concedida a Andrea Tarquini<br />
e publicada pelo jornal La Repubblica, 14-02-2013.<br />
A tradução é do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.<br />
Eis a entrevista.
Professor Küng, o senhor sempre contestou a infalibilida<strong>de</strong> papal. O que significa a<br />
<strong>renúncia</strong> do Papa?<br />
É uma <strong>de</strong>smitização somente para aqueles que veem no Papa um vice-Deus na Terra, e não<br />
tomam em consi<strong>de</strong>ração que também o Papa é somente um homem, e por isso, por força das<br />
coisas, o seu magistério é limitado pelo tempo.<br />
A <strong>renúncia</strong> é o ato mais importante do seu pontificado?<br />
Presumo que o pontificado <strong>de</strong> Joseph Ratzinger permanecerá na História da Igreja porque ele<br />
foi o primeiro Papa no tempo mo<strong>de</strong>rno que <strong>de</strong>cidiu renunciar. Por isso ele permanecerá nos<br />
Anais.<br />
A <strong>renúncia</strong> e as palavras do Papa abrem novas esperanças?<br />
Abre a esperança que finalmente agora a crise da Igreja católica e do papel do Pontífice sejam<br />
reconhecidas também no Vaticano. O perigo é que Ratzinger, permanecendo em Roma, assuma<br />
<strong>de</strong> fato o papel <strong>de</strong> um papa-sombra. Eu preferia que ele optasse por retirar em meditação e<br />
oração na Baviera. Permanecendo em Roma, contatos, conversas, são inevitáveis. Já<br />
constrangedor se numa paróquia o velho pároco permanece junto com o novo. Imaginemos um<br />
velho papa ao lado do novo.<br />
O que espera do próximo Conclave?<br />
Ele po<strong>de</strong>rá dar um impulso somente se os car<strong>de</strong>ais aceitarem a análise, exposta no meu livro “A<br />
Igreja ainda tem salvação?” (Editora Paulus, 2012), e tomarem consciência da profunda crise<br />
da Igreja católica e enfrentarem o tema central da vida do catolicismo.<br />
Qual será o papel <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, <strong>de</strong>pois das suas palavras proferidas na Audiência Geral e<br />
na homilia da Missa <strong>de</strong> Quarta-Feira <strong>de</strong> Cinzas?<br />
Ele não participará do Conclave, mas espero que ele não jogue nenhum papel no novo<br />
Pontificado. Caso contrário, criar-se-ão novas e perigosas polarizações entre os que sustentam o<br />
novo Papa e os seguidores do velho Papa. Isto tornaria impossível um governo unitário da Igreja.<br />
Um Papa mais jovem seria <strong>de</strong>sejável?<br />
O novo Papa não <strong>de</strong>veria ser muito velho, mas, ao mesmo tempo, não precisa ser jovem para<br />
<strong>de</strong>pois ficar no pontificado por 20 ou 30 anos. Um pontificado longo levaria a uma petrificação<br />
da Igreja.<br />
E seria melhor um Papa não europeu?<br />
Don<strong>de</strong> ele virá, não é importante. O que conta é que não acabe por ser “romanizado” e<br />
“curializado”. Ratzinger não era <strong>de</strong> Roma mas se tornou o mais romano dos romanos e da Cúria.<br />
Se um Papa alemão ou negro termina por ser integrado no sistema da Cúria, a sua origem não diz<br />
nada.
Deseja que os futuros Papas se preparem para não ficarem no po<strong>de</strong>r até a morte?<br />
A regra da ida<strong>de</strong> dos bispos, 75 anos, <strong>de</strong>veria valer também para o bispo <strong>de</strong> Roma. A partir dos<br />
75 anos os bispos <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>ixar a pastoreio da diocese. Essa regra foi introduzida pela car<strong>de</strong>al<br />
Suenens (arcebispo <strong>de</strong> Bruxelas-Malines, Bélgica, e um dos quatro mo<strong>de</strong>radores do Concílio<br />
Vaticano II. Nota da IHU On-Line). Ele pediu que fosse excluído da regra o Bispo <strong>de</strong> Roma, o<br />
Pontífice. Ele me disse que se não tivesse introduzido esta exceção, a regra não teria sido<br />
aprovada pela maioria. Agora constatamos o quanto é negativo que um Papa permaneça por<br />
tanto tempo no cargo.<br />
O seu balanço <strong>de</strong>ste pontificado é negativo?<br />
Temo que, provavelmente, permanecerá na História com um balanço negativo, com <strong>de</strong>ficiências<br />
e limites, e ocasiões perdidas. O caso do bispo antisemita Williamson, ou o não acordo sobre<br />
uma maior compreensão com as igreja ortodoxas e protestantes.<br />
Crise das vocações, êxodo dos fieis: a crise da Igreja é dramática. O novo Papa como <strong>de</strong>ve<br />
afrontá-la?<br />
Em latim se diz: “Ceterum censeo romanam curiam esse reformandam”. Depen<strong>de</strong> se a Corte<br />
medieval-barroca vaticana po<strong>de</strong>rá ser transformada numa mo<strong>de</strong>rna, eficiente administração<br />
central da Igreja. É preciso começar da base e ver o que acontece. É ilusório querer reconduzir os<br />
cristãos para <strong>de</strong>ntro do sistema eclesiástico atual. A Cúria romana era contra o Concílio<br />
Vaticano II antes que fosse anunciado. Durante o Concílio impediu o que não apreciava e <strong>de</strong>pois<br />
guiou a restauração com os efeitos <strong>de</strong>vastadores da crise. Se essa Cúria não será reformada e<br />
transformada em centro eficiente, qualquer reforma será impossível. A Cúria é o obstáculo<br />
principal da renovação da Igreja, do diálogo ecumênico e <strong>de</strong> uma abertura ao mundo mo<strong>de</strong>rno.<br />
A sua análise recorda o Império soviético que caiu. Pensa em processos semelhantes?<br />
O <strong>de</strong>stino da União Soviética, a sua implosão, <strong>de</strong>veria servir com uma admoestação para o<br />
Conclave. É muito importante que os car<strong>de</strong>ais não discutam se isolando do mundo. Sobretudo<br />
antes do Conclave. No último Conclave, Ratzinger disciplinou a todos. Isso não <strong>de</strong>ve se repetir<br />
se se quiser uma atmosfera livre que propicie a discussão no colégio dos car<strong>de</strong>ais.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Car<strong>de</strong>al diz que escândalos po<strong>de</strong>m ter influenciado a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
Repetidamente ao longo dos últimos três dias, as agências <strong>de</strong> notícias me pediram para comentar<br />
sobre a seguinte questão: será que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> realmente renunciou só porque ele está velho e<br />
cansado, ou foi realmente por causa da crise dos abusos sexuais, da bagunça do Vatileaks e <strong>de</strong><br />
vários outros colapsos ocorridos sob a sua supervisão?<br />
A reportagem é <strong>de</strong> John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-02-<br />
2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.
A minha resposta foi: nem uma coisa nem outra. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> po<strong>de</strong> não ter renunciado "por causa"<br />
dos escândalos <strong>de</strong> pedofilia ou por qualquer outra polêmica específica, mas é difícil acreditar que<br />
eles não tiveram um papel, ao menos como pano <strong>de</strong> fundo.<br />
Certamente po<strong>de</strong>-se acreditar na palavra <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong> que ele sente que as suas forças estão<br />
<strong>de</strong>saparecendo e também acreditar simplesmente que ele não tem mais a capacida<strong>de</strong> para fazer o<br />
trabalho. No entanto, <strong>de</strong>safia a realida<strong>de</strong> acreditar que as várias fontes <strong>de</strong> turbulência nos últimos<br />
sete anos não cobraram o seu preço e que elas ajudam a explicar a fadiga que ele sente agora.<br />
É claro que elas lhe causaram angústia. Ainda em 2009, quando a sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> revogar a<br />
excomunhão <strong>de</strong> quatro bispos tradicionalistas <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma tempesta<strong>de</strong> global quando<br />
<strong>de</strong>scobriu-se que um <strong>de</strong>les era um negacionista do Holocausto, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> enviou uma carta a<br />
todos os bispos do mundo para explicar o que havia acontecido. Ele se <strong>de</strong>sculpou pelo tratamento<br />
dado pelo Vaticano à situação e confessou abertamente a sua própria consternação diante da<br />
crítica que isso <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou.<br />
"Fiquei entristecido pelo fato <strong>de</strong> que até mesmo católicos, que no fundo po<strong>de</strong>riam saber melhor<br />
como estão as coisas, se sentiram no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> atacar-me e com uma hostilida<strong>de</strong> pronta ao<br />
ataque", escreveu ele em um ponto. Em outro, ele disse que sentia que havia sido tratado em<br />
alguns setores "com ódio, sem temor ou reserva".<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é um realista e, sem dúvida, reconhece que os aci<strong>de</strong>ntes, como o caso Williamson,<br />
sugerem que algo precisa ser corrigido na gestão interna do Vaticano. Sua <strong>renúncia</strong> sugere que,<br />
dada a sua ida<strong>de</strong> e talvez o seu conjunto <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, ele concluiu que não é o único que po<strong>de</strong><br />
corrigi-la.<br />
Hoje, houve uma espécie <strong>de</strong> semiconfirmação <strong>de</strong>ssa leitura dos eventos por parte do car<strong>de</strong>al<br />
português José Saraiva Martins, um membro veterano do Vaticano, <strong>de</strong> 80 anos e que, portanto,<br />
não vai participar do próximo conclave. O jornalista italiano Andrea Tornielli perguntou a<br />
Saraiva Martins se o Vatileaks e os outros escândalos dos últimos anos po<strong>de</strong>m ter feito parte da<br />
razão pela qual <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> chegou a essa <strong>de</strong>cisão.<br />
"Eu imagino que também possam ter influenciado", disse Saraiva Martins.<br />
Com o avanço das revelações, não se trata exatamente <strong>de</strong> algo surpreen<strong>de</strong>nte. No entanto, é a<br />
primeira vez que um car<strong>de</strong>al vaticano disse em voz alta o que quase todo mundo acredita: o papa<br />
não vive no vácuo e, se ele se encontra fraco, a longa lista <strong>de</strong> incêndios que ele se esforçou para<br />
apagar <strong>de</strong>ve fazer parte da razão que explica isso.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A reforma fracassada da Cúria e as últimas angústias do papa<br />
Nos dias seguintes, da discrição hermética do apartamento papal começam a vazar alguns<br />
elementos que ajudam a enten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>cisão extraordinária <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e os mecanismos que
o levaram àquela que uma pessoa próxima a ele não hesita em <strong>de</strong>finir como "uma <strong>de</strong>cisão<br />
traumática" para a Igreja.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Marco Tosatti, publicada no jornal La Stampa, 13-02-2013. A tradução é <strong>de</strong><br />
Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O pensamento da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renunciar estava na mente do papa como possibilida<strong>de</strong> há<br />
algum tempo, mas essa reflexão se concretizou <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>finitiva, segundo quem o conhece,<br />
em torno da Epifania. O <strong>de</strong>tonador foi a conscientização <strong>de</strong> um progressivo, mas contínuo,<br />
enfraquecimento das suas forças.<br />
Já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o verão passado, observa-se, o ritmo das audiências se diluiu muito. Nas visitas ad<br />
limina, foram cortadas as conversas com os bispos individuais, para não cansar <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. E,<br />
embora tenha estado presente durante o Sínodo dos Bispos do outono europeu, muitas vezes ele<br />
parecia exausto.<br />
A <strong>de</strong>cisão foi amadurecida sem consultar ninguém. Os primeiros a serem informados foram – há<br />
cerca <strong>de</strong> 20 dias, segundo as nossas informações – o car<strong>de</strong>al secretário <strong>de</strong> Estado, Tarcisio<br />
Bertone, e o secretário particular, Dom Georg Gänswein. Posteriormente, o cerimonialista do<br />
papa, Mons. Guido Marini, foi posto a par do segredo; e, finalmente, há três dias, o exsecretário<br />
<strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong>cano do Sacro Colégio, o car<strong>de</strong>al Angelo Sodano.<br />
Já se falou sobre os problemas físicos do papa ; o coração, a pressão em certos momentos quase<br />
fora <strong>de</strong> controle, o quadril e o joelho, o temor <strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse se repetir o <strong>de</strong>rrame que o atingiu<br />
em um verão do início dos anos 1990 em Bressanone, enquanto estava <strong>de</strong> férias no seminário<br />
diocesano com o seu irmão Georg. Mas quem o conhece também fala <strong>de</strong> uma característica sua,<br />
que o acompanhou durante toda a sua vida, isto é, a tendência a somatizar problemas e<br />
dificulda<strong>de</strong>s da Igreja. E também do seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ver implementadas algumas reformas, mas<br />
que ele não conseguiu pôr em obras.<br />
Há quem pense que ele se sentiu um pouco sufocado e não suficientemente apoiado e garantido<br />
em particular no que se referia ao governo da Igreja. Ele conhece a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do secretário <strong>de</strong><br />
Estado, Bertone, mas se sentiu cada vez mais exposto justamente naquele que era o seu (do<br />
papa) lado fraco, ou seja, o governo.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> estava bem consciente <strong>de</strong> que a primeira reforma necessária seria a da Cúria<br />
Romana, on<strong>de</strong> a sistematização <strong>de</strong> Paulo VI começa a mostrar todo o peso dos anos. Mas ele<br />
não foi capaz <strong>de</strong> organizá-la, e esse é um arrependimento. Assim como não teve a energia, e os<br />
instrumentos "políticos" necessários, para implementar a reforma das conferências episcopais,<br />
que já assumiram um po<strong>de</strong>r tal a ponto <strong>de</strong> muitas vezes pôr em dúvida o papel <strong>de</strong> Roma. Quando<br />
era car<strong>de</strong>al, ele falou longamente sobre esse problema, mas como papa não conseguiu enfrentá-lo<br />
e se sentiu prisioneiro <strong>de</strong> mecanismos que não conseguia modificar.
Ele realizou muitas coisas como Magistério e também na liturgia. Mas foi posto em cima <strong>de</strong>le – e<br />
ele viveu isso com <strong>de</strong>sconforto – uma parte do manto <strong>de</strong> João Paulo II, com comportamentos e<br />
compromissos que não lhe eram agradáveis, que o cansaram física e psicologicamente. E, por<br />
fim, houve a Comissão sobre o Vatileaks.<br />
Sobre esse ponto, não há achados pontuais, mas pessoas próximas a ele estão convencidas <strong>de</strong> que<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ficou profundamente ferido, psicologicamente, até mesmo com um efeito <strong>de</strong><br />
prostração a partir do quadro que a Comissão dos três car<strong>de</strong>ais lhe apresentou sobre o estado da<br />
Cúria Romana. Agravado pela emergência <strong>de</strong> problemas contínuos <strong>de</strong> gestão, que evi<strong>de</strong>nciavam<br />
uma crise <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governo.<br />
Do San Raffaele ao IOR, até a questão do IDI [Istituto Dermopatico <strong>de</strong>ll'Immacolata] <strong>de</strong>stes<br />
dias. Um crescendo que o convenceu da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confiar a Igreja a mãos menos gastas e<br />
cansa.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Wojtyla e o ''não'' à <strong>renúncia</strong>: ''Um prece<strong>de</strong>nte perigoso''<br />
A <strong>renúncia</strong> do papa é "um prece<strong>de</strong>nte perigoso". Com essas palavras, Karol Wojtyla <strong>de</strong>finiu a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o cargo. Por essa razão, ele <strong>de</strong>cidiu não renunciar. É o que se lê em uma<br />
nota do car<strong>de</strong>al Julián Herranz, especialista em direito canônico, purpurado que, em 2004, foi<br />
secretamente consultado por João Paulo II para discutir a hipótese da <strong>de</strong>missão. Herranz,<br />
proveniente do clero do Opus Dei, é o car<strong>de</strong>al ao qual <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> confiou a investigação interna<br />
sobre o Vatileaks.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Andrea Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 13-02-2013. A tradução é<br />
<strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O purpurado espanhol, em 2006, havia publicado um grosso volume intitulado Nei dintorni di<br />
Gerico [Nos arredores <strong>de</strong> Jericó] (Edizioni Ares). No livro, Herranz conta como foi interpelado<br />
no fim do pontificado wojtyliano e reporta o conteúdo <strong>de</strong> uma nota pessoal escrita por ele no dia<br />
17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004.<br />
Não ignoremos a data: falta pouco mais <strong>de</strong> um mês para a primeira grave crise que levará, pela<br />
primeira vez, João Paulo II ao Hospital Gemelli. Justamente naqueles dias, os empregados da<br />
Secretaria <strong>de</strong> Estado foram informados do fato <strong>de</strong> que as férias <strong>de</strong> janeiro seriam suspensas<br />
porque era evi<strong>de</strong>nte que, para o pontífice, começava uma fase crítica e final da doença. O car<strong>de</strong>al<br />
escreveu a nota "<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma conversa" com o secretário particular <strong>de</strong> Wojtyla, Stanislaw<br />
Dziwisz, hoje arcebispo <strong>de</strong> Cracóvia.<br />
"Quanto à eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renunciar por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, eu escrevi naquela nota – e agora<br />
me parece oportuno fazê-lo conhecer, como exemplo da obediência e da prudência heroicas <strong>de</strong><br />
João Paulo II: "Ele (Dom Stanislaw) se limitou a comentar que o papa – que pessoalmente está<br />
muito distante do cargo – vive abandonado à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Ele se confia à divina
Providência. Além disso, ele teme criar um prece<strong>de</strong>nte perigoso para os seus sucessores, porque<br />
po<strong>de</strong>riam ser expostos a manobras e pressões sutis por parte <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>sejasse <strong>de</strong>pô-lo".<br />
Portanto, o Papa Wojtyla, apesar da prolongada <strong>de</strong>cadência física e da doença <strong>de</strong>bilitante, havia<br />
<strong>de</strong>cidido não <strong>de</strong>ixar o pontificado para não criar um prece<strong>de</strong>nte consi<strong>de</strong>rado "perigoso" – ao<br />
menos nas palavras atribuídas a ele pelo seu secretário – e para não expor eventualmente um<br />
sucessor às manobras e às pressões.<br />
Todas motivações que certamente Joseph Ratzinger levou em consi<strong>de</strong>ração, tendo vivido<br />
justamente naqueles anos ao lado do papa polonês por ele proclamado beato em 2011. Apesar<br />
disso, ele não as consi<strong>de</strong>rou relevantes para o seu caso. Até porque a <strong>de</strong>cisão da <strong>renúncia</strong> foi<br />
tomada não sob o impulso <strong>de</strong> uma grave doença ou sob a pressão <strong>de</strong> qualquer re<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
interno. Foi tomado, ao invés, em absoluta liberda<strong>de</strong> e autonomia.<br />
A discreta investigação <strong>de</strong> 2004 foi apenas a última <strong>de</strong> uma longa série: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, <strong>de</strong> fato,<br />
João Paulo II havia consi<strong>de</strong>rado seriamente a possibilida<strong>de</strong> da <strong>renúncia</strong>, concluindo sempre que<br />
era melhor adiar.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A <strong>renúncia</strong> abre um cenário que apresenta incógnitas<br />
O papa cessante quis submeter a uma prova extrema o sistema <strong>de</strong> governo central da Igreja, que,<br />
nos últimos anos, <strong>de</strong> João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras.<br />
A análise é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor <strong>de</strong> história do cristianismo da<br />
University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal<br />
Europa, 12-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Eis o texto.<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> do pontificado é um fato único, não raro, na história do pontificado<br />
mo<strong>de</strong>rno. O único paralelo possível é com a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> Celestino V, em 1294, que se <strong>de</strong>mitiu<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apenas alguns meses e em uma Igreja que à época estava geograficamente limitada ao<br />
mundo europeu, mas sobretudo italiano, quando a Sé Apostólica era mais um reino temporal do<br />
que um ministério espiritual global como hoje, especialmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim do po<strong>de</strong>r temporal do<br />
papa em diante.<br />
Um dos cenários sobre os quais é possível fazer apenas hipóteses é o que se refere à "coabitação"<br />
entre dois papas, o papa recém-eleito pelo próximo conclave e o papa cessante, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Qual<br />
será o estilo <strong>de</strong> vida do papa emérito? Continuará publicando livros, editados e publicados em<br />
várias línguas pela fundação a ele intitulada? O seu sucessor o consultará, citará os seus<br />
ensinamentos, continuará a sua agenda, perceberá a sua sombra? O que será do inner circle<br />
ratzingeriano, no Vaticano e na Igreja mundial?<br />
Além <strong>de</strong>sses elementos <strong>de</strong> logística do pontificado emérito, há questões menos visíveis, mas não<br />
menos cruciais. O pontificado romano, <strong>de</strong> fato, evoluiu nas últimas décadas na direção <strong>de</strong> um
ministério espiritual, mas mantém fortes e visíveis elementos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na Igreja: alguns<br />
codificados, alguns incodificáveis.<br />
Entre os elementos não codificados por não serem codificáveis está o fato <strong>de</strong> que todo papa da<br />
era mo<strong>de</strong>rna cria um séquito seu, muito mais importante do que o que po<strong>de</strong> ser contabilizado<br />
pelos "seguidores" do Twitter. O papa hoje tem, graças também aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />
massa, um séquito midiático, um séquito espiritual, her<strong>de</strong>iros teológicos, admiradores<br />
i<strong>de</strong>ológicos e clientes <strong>de</strong>ntro do sistema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da Cúria Romana.<br />
Cada um <strong>de</strong>sses séquitos <strong>de</strong>verá (conscientemente ou não) escolher entre a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à pessoa <strong>de</strong><br />
Joseph Ratzinger, ex-papa ou "papa emérito", e a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao novo papa, e <strong>de</strong>verá escolher <strong>de</strong><br />
um modo muito mais rápido do que no caso <strong>de</strong> nova eleição do papa pela morte do seu<br />
antecessor.<br />
Em outros tempos, teria se falado sobre o risco <strong>de</strong> um cisma <strong>de</strong>ntro do catolicismo, entre a<br />
obediência a <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e a obediência ao antipapa recém-eleito.<br />
Mas não há dúvida <strong>de</strong> que a coabitação é um cenário que apresenta incógnitas. Se, do ponto <strong>de</strong><br />
vista espiritual e cultural é uma operação dolorosa, mas possível para todo fiel católico, do ponto<br />
<strong>de</strong> vista funcional o refinado spoils system da Cúria Romana enfrenta uma prova sem<br />
prece<strong>de</strong>ntes.<br />
O papa cessante quis submeter assim a uma prova extrema o sistema <strong>de</strong> governo central da<br />
Igreja, que, nos últimos anos, <strong>de</strong> João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras.<br />
Na semana passada, o arcebispo Gomez, <strong>de</strong> Los Angeles, havia se permitido censurar<br />
publicamente o seu pre<strong>de</strong>cessor, o car<strong>de</strong>al da Santa Igreja Romana Mahony, pela gestão do<br />
escândalo dos abusos sexuais. Mas o car<strong>de</strong>al Mahony po<strong>de</strong>rá participar do conclave, com todo o<br />
respeito ao seu arcebispo.<br />
As coabitações são muito difíceis em uma Igreja ainda amplamente monárquica.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
“Um antes e um <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>", constata historiador<br />
“Para mim, há verda<strong>de</strong>iramente um antes e um <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: doravante, o papa po<strong>de</strong>rá<br />
renunciar ao seu cargo caso se sentir oprimido pelo ritmo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Ele será confrontado<br />
com o prazo da sua fraqueza. É uma verda<strong>de</strong>ira mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>”. A reflexão é <strong>de</strong> Philippe<br />
Levillain analisando a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.<br />
Philippe Levillain é historiador especialista do catolicismo e do papado, membro da Aca<strong>de</strong>mia<br />
das Ciências Morais e Políticas e professor emérito da Universida<strong>de</strong> Paris Ouest Nanterre-<br />
La Défense.<br />
A entrevista é <strong>de</strong> Anne-Judith Dana e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 13-02-<br />
2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>clarou não ter mais as forças necessárias para exercer suas funções <strong>de</strong> chefe<br />
da Igreja. No que elas estão esgotadas?<br />
O papa é ao mesmo tempo chefe espiritual, uma vez que é o guardião do <strong>de</strong>pósito e da<br />
interpretação da fé, e chefe <strong>de</strong> Estado: ele recebe em audiência, presi<strong>de</strong> sessões, escreveu livros,<br />
e viaja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Paulo VI visitou a Terra Santa, em 1964. Embora eleito pelo voto indireto,<br />
tem a vida <strong>de</strong> um Presi<strong>de</strong>nte à frente <strong>de</strong> um Estado sem fronteiras povoado por um bilhão <strong>de</strong><br />
católicos.<br />
A <strong>renúncia</strong> sempre fez parte do horizonte <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: na minha opinião, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
primeiros dias <strong>de</strong> seu pontificado ele pensava nisso como uma possibilida<strong>de</strong> que lhe permitiria<br />
retomar sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem comum, caso se sentisse muito cansado. Ele aceitou a<br />
responsabilida<strong>de</strong>, porque ele sentiu nisso o caminho da Providência: ele foi eleito por uma boa<br />
margem <strong>de</strong> votos. É um <strong>de</strong>ver ao qual não se furta.<br />
Mas eu penso que ele não julgou ser útil oferecer ao mundo um novo espetáculo <strong>de</strong> papa<br />
agonizante, como João Paulo II, que, durante cinco anos, realmente não governou a Igreja<br />
porque estava doente.<br />
Qual <strong>de</strong>verá ser o perfil do próximo papa?<br />
Ele terá menos <strong>de</strong> 75 anos. Será teólogo, poliglota, como <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, e <strong>de</strong>verá adaptar a<br />
linguagem da Igreja à linguagem do mundo, como o Vaticano II o preten<strong>de</strong>u e que foi difícil<br />
realizar.<br />
Que impacto a <strong>renúncia</strong> terá sobre a visão que teremos sobre a Igreja?<br />
Teremos a imagem <strong>de</strong> uma Igreja mo<strong>de</strong>rna on<strong>de</strong> o papa tem o status <strong>de</strong> um Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Estado:<br />
há um mandato que po<strong>de</strong> se autolimitar, e que não é limitado por uma regra. Para mim, há<br />
verda<strong>de</strong>iramente um antes e um <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>: doravante, o papa po<strong>de</strong>rá renunciar ao seu<br />
cargo caso se sentir oprimido pelo ritmo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Ele será confrontado com o prazo da<br />
sua fraqueza. É uma verda<strong>de</strong>ira mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O problema não é o Papa... o problema é o Papado<br />
“O problema da Igreja não é o papa, é o papado, da forma como está organizado e como<br />
funciona, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem seja o homem que ocupa o trono papal”, escreve José Maria<br />
Castillo, teólogo espanhol, autor <strong>de</strong> inúmeros livros, inclusive traduzidos para o português, em<br />
artigo publicado em seu blog Teologia sin Censura, 12-02-2013. A tradução é do Cepat.<br />
Eis o artigo.<br />
Entre os numerosos comentários, que logicamente a notícia da <strong>renúncia</strong> do papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
está suscitando, sinto falta <strong>de</strong> uma reflexão que, no meu modo <strong>de</strong> ver, parece ser a mais
importante, a mais urgente, a que mais po<strong>de</strong> (e <strong>de</strong>veria) influir no futuro da Igreja e em sua<br />
possível influência para o bem <strong>de</strong>ste mundo tão atormentado no qual vivemos. Refiro-me à<br />
reflexão que distingue entre o que é e representa a pessoa do “papa”, por um lado, e o que é e<br />
representa a instituição do “papado”, por outro.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, ninguém duvida que seja importante analisar, avaliar e saber valorizar os acertos<br />
e <strong>de</strong>sacertos que o papa Ratzinger teve em seus anos <strong>de</strong> pontificado. É evi<strong>de</strong>nte, também, que<br />
certamente é ainda mais importante propor e saber escolher o homem mais competente que,<br />
neste momento, teria que ocupar o cargo <strong>de</strong> Sumo Pontífice. Ninguém duvida <strong>de</strong> tudo isso pois é<br />
<strong>de</strong> enorme interesse nestes dias.<br />
Contudo, por mais importante que seja avaliar as pessoas, tanto do passado como do possível<br />
futuro imediato, ninguém colocará em dúvida – pelo que me parece – que seja muito mais<br />
<strong>de</strong>terminante se <strong>de</strong>ter em pensar sobre o que representa, e o que <strong>de</strong>veria representar, não este<br />
papa ou o outro, mas aquilo que realmente é e faz a instituição que, <strong>de</strong> fato, é o papado, da<br />
maneira como é organizada, como funciona, e como é administrada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem seja<br />
o papa que a presidiu ou que a po<strong>de</strong> presidir.<br />
Porque, vamos ver, é o melhor para a Igreja que todo o po<strong>de</strong>r para governar uma instituição, a<br />
qual pertence mais <strong>de</strong> 1, 2 bilhão <strong>de</strong> seres humanos, esteja concentrado num só homem, sem<br />
mais limitações a não ser as impostas pela própria crença <strong>de</strong>sse homem, que ocupa o papado? Da<br />
forma como está disposto no vigente Código <strong>de</strong> Direito Canônico, é assim que está pensado,<br />
legislado, e assim funciona o papado (can. 331; 333; 1404; 1372). Porque, entre outras coisas, o<br />
papa retira e nomeia os mais altos e mais baixos cargos da Cúria. Retira e coloca car<strong>de</strong>ais,<br />
bispos e cargos eclesiásticos <strong>de</strong> toda índole. E faz tudo isto sem ter que dar explicações a<br />
ninguém, sem que ninguém possa lhe pedir responsabilida<strong>de</strong>s. Além do mais, tudo se mantem<br />
<strong>de</strong>sta forma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem seja o papa reinante, da ida<strong>de</strong> que possua, da saú<strong>de</strong> que goze<br />
ou pa<strong>de</strong>ça, <strong>de</strong> sua mentalida<strong>de</strong>, preferências e até <strong>de</strong> suas possíveis manias.<br />
Além disso, não abrimos mão, ingenuamente, da presença do Espírito Santo e <strong>de</strong> sua suposta<br />
constante inspiração na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do papa reinante. Não. Essa suposta intervenção do<br />
Espírito Santo não está <strong>de</strong>monstrada em nenhuma parte. Como também não está <strong>de</strong>monstrado,<br />
nem há argumentos para provar, que o bispo <strong>de</strong> Roma, por mais que seja sucessor <strong>de</strong> Pedro,<br />
precise acumular todo o po<strong>de</strong>r que o Papa e seus teólogos incondicionais garantem que acumula<br />
por vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.<br />
Em que lugar está dito isto? Em quais argumentos se baseia? O car<strong>de</strong>al Y. Congar, o melhor<br />
conhecedor <strong>de</strong> toda esta história, com o qual a Igreja pô<strong>de</strong> contar no último século, <strong>de</strong>ixou<br />
escrito em seu diário pessoal que tudo isso era uma manipulação organizada pelos interesses <strong>de</strong><br />
Roma, cujas raízes chegam até o século segundo da história do cristianismo.<br />
Em todo caso, o certo é que, em todo o Novo Testamento, em nenhuma parte consta que a<br />
Igreja precise estar organizada <strong>de</strong>sta forma e assim tenha que ser administrada. E, por favor, que<br />
ninguém me venha agora com o famoso texto <strong>de</strong> Mt 16, 18-19. Entre os melhores estudiosos do<br />
Evangelho <strong>de</strong> Mateus, a cada dia aumenta o número daqueles que afirmam que essas palavras<br />
não saíram da boca <strong>de</strong> Jesus. É um texto “redacional”, muito posterior ao texto original,<br />
acrescentado ao Evangelho pelo último redator do texto que nos chegou.
Enfim, por hoje, basta o que foi dito. Continuaremos falando <strong>de</strong>stas coisas nos próximos dias.<br />
Todavia, parece-me importante terminar dizendo que a Igreja está, precisamente nestes dias,<br />
num momento privilegiado para enfrentar sem medo estas questões que apontam para problemas<br />
<strong>de</strong> fundo, que ela ainda não resolveu. Se não forem enfrentados e levados a sério, esta Igreja<br />
continuará perdida (e calada), por mais lúcido e mais valioso que seja o futuro papa. Porque,<br />
insisto, o problema da Igreja não é o papa, é o papado, da forma como está organizado e como<br />
funciona, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem seja o homem que ocupa o trono papal.<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Dom Georg permanece ao lado <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, segundo porta-voz do Vaticano<br />
Continuam as manchetes sobre a notícia que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> segunda-feira, ocupa as primeiras páginas <strong>de</strong><br />
todas as mídias do mundo: a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Na verda<strong>de</strong>, a "<strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>"<br />
como <strong>de</strong>ixou claro Padre Fe<strong>de</strong>rico Lombardi durante encontro com os jornalistas no quarto<br />
briefing realizado na sala <strong>de</strong> imprensa do Vaticano.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 14-02-2013.<br />
O porta-voz da Santa Sé <strong>de</strong>u a conhecer algumas informações relevantes sobre a <strong>de</strong>cisão<br />
histórica do Papa: primeiro, a situação do secretário particular mons. Georg Gaenswein. Já na<br />
conferência <strong>de</strong> imprensa <strong>de</strong> ontem, padre Lombardi havia enfrentado a questão sobre a dupla<br />
função <strong>de</strong> secretário <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> e Prefeito da Casa Pontifícia. Atribuição conferida por<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> em <strong>de</strong>zembro do ano passado, sinal <strong>de</strong> plena confiança do Papa em um <strong>de</strong> seus<br />
colaboradores mais próximos.<br />
Se ontem era certo que o arcebispo <strong>de</strong>sempenharia apenas o papel <strong>de</strong> prefeito – já que não <strong>de</strong>cai,<br />
apesar da <strong>renúncia</strong> do Papa – hoje foi confirmado também que Gaenswein acompanhará <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> a Castel Gandolfo e <strong>de</strong>pois ao mosteiro Mater Ecclesiae, continuando seu trabalho como<br />
secretário particular.<br />
Juntamente com ele, acompanharão Ratzinger os quatro Memores Domini <strong>de</strong> Comunhão e<br />
Libertação, como sempre prestando serviço na capela, cozinha, arquivo e secretariando o Santo<br />
Padre. "O núcleo fundamental da família pontifícia - disse Pe. Lombardi – continuará a<br />
acompanhar <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> nessa transição”.<br />
Ainda sobre dom Georg, o porta-voz do Vaticano afirmou que, mesmo permanecendo Prefeito e<br />
Secretário, ele não terá qualquer tipo <strong>de</strong> influência sobre o novo Papa, enquanto "suas<br />
competências não dizem respeito ao governo ou às <strong>de</strong>cisões da Igreja", mas sim a "funções<br />
práticas e logísticas relativas à organização das audiências <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong>”.<br />
No que diz respeito ao mons. Alfred Xuereb, o segundo secretário do Papa, o Diretor da Sala <strong>de</strong><br />
Imprensa, disse que em um primeiro momento ele irá para Castel Gandolfo, e provavelmente,<br />
será por um tempo o secretário <strong>de</strong> seu sucessor, “<strong>de</strong> modo a introduzir a prática e a vida do<br />
apartamento papal”.
O porta-voz do Vaticano também negou o relatório publicado esta manhã por alguns jornais<br />
anunciando a nomeação do belga Bernard De Corte como novo Presi<strong>de</strong>nte do IOR. "Eu não sei<br />
e não confirmo que foi eleito um novo presi<strong>de</strong>nte", disse ele, prevendo, no entanto, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma nomeação até o final da semana.<br />
Outra questão levantada foi o inci<strong>de</strong>nte do Papa durante sua viagem ao México, notícia<br />
divulgada esta manhã. Com base em algumas informações <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> teria caído e ferido a<br />
cabeça e isso - segundo fontes – teria sido um sinal que conduziria à tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da<br />
segunda-feira. "Eu não tenho que negar que houve este episódio - disse Pe. Lombardi - mas não<br />
influenciou nem a viagem, nem a <strong>de</strong>cisão como tal”.<br />
"Aconteceram alguns inci<strong>de</strong>ntes nos últimos anos e neste período- acrescentou - mas o Papa,<br />
sobre a <strong>renúncia</strong>, se referia apenas a sua condição <strong>de</strong> envelhecimento geral e as forças que são<br />
menores nos últimos meses. As interpretações que ligam a um episódio ao invés <strong>de</strong> outro não são<br />
pertinentes”.<br />
"A Constituição conserva todo o seu valor" respon<strong>de</strong>u Pe. Fe<strong>de</strong>rico Lombardi às perguntas<br />
sobre uma hipotética redisposição <strong>de</strong> normas para antecipar o Conclave. O jesuíta <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />
firmemente que não foi feita e nem mesmo levada em consi<strong>de</strong>ração a idéia <strong>de</strong> uma mudança nas<br />
leis. E nem que o Conclave, segundo as normas, seria após 15-20 dias da se<strong>de</strong> vacante. A data<br />
exata será anunciada durante este período pelos car<strong>de</strong>ais que chegarão nos próximos dias ao<br />
Vaticano e se estabelecerão a partir <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> março, e não antes, na Casa Santa Marta.<br />
O porta-voz esclareceu também que o discurso sobre o limite <strong>de</strong> 80 anos para votar no Conclave,<br />
se refere àqueles que já completaram essa ida<strong>de</strong> no primeiro dia da se<strong>de</strong> vacante. Então, seja o<br />
car<strong>de</strong>al Walter Kasper como o Car<strong>de</strong>al Severino Poletto participarão, pois ambos completam<br />
80 anos em março.<br />
Finalmente, o leit-motiv do briefing: "Como se po<strong>de</strong>rá chamar o Papa no futuro?". "Ainda não<br />
está claro a questão do nome - explicou o diretor da Sala <strong>de</strong> Imprensa - nem o fato <strong>de</strong> que <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> será Bispo emérito <strong>de</strong> Roma".<br />
"Acho que posso reiterar - concluiu - que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é um título ao qual não po<strong>de</strong> renunciar. É o<br />
seu nome como Papa que ele levou a toda a Igreja e ao mundo oficialmente por oito anos. Então,<br />
certamente, continuaremos a chamá-lo <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Isso não muda e não po<strong>de</strong> obviamente<br />
mudar."<br />
Sexta, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
'Brasil será o 1º palco internacional do próximo papa', diz porta-voz do Vaticano<br />
O Brasil será o primeiro palco internacional do próximo papa e sediará seu primeiro gran<strong>de</strong><br />
encontro com um grupo estratégico, os jovens. A informação é do porta-voz do Vaticano, padre<br />
Fe<strong>de</strong>rico Lombardi. Mas ele alertou que não será a escolha <strong>de</strong> um papa latino-americano que<br />
permitirá que a Igreja possa compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma mais a<strong>de</strong>quada as necessida<strong>de</strong>s da região. Eis<br />
os principais trechos da entrevista, concedida em seu escritório, repleto <strong>de</strong> papeis e com uma<br />
enorme foto do papa João Paulo II na pare<strong>de</strong>.
A entrevista é <strong>de</strong> Jamil Cha<strong>de</strong> e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado <strong>de</strong> S.<br />
Paulo, 15-02-2013.<br />
Eis a entrevista.<br />
Com toda essa mudança, como será o encontro com os jovens no Rio <strong>de</strong> Janeiro?<br />
Vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do novo papa. Não sabemos quem será, mas estamos certos <strong>de</strong> que será um gran<strong>de</strong><br />
lí<strong>de</strong>r religioso, que saberá entusiasmar a Igreja e os jovens. Na sua humilda<strong>de</strong>, o papa <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> afirma que chegou o momento <strong>de</strong> passar o governo da Igreja a uma pessoa com mais vigor<br />
físico e mental. Ele pensa que seu sucessor possa ser mais novo, para que sua relação com o<br />
mundo jovem seja fortalecida. O evento no Brasil po<strong>de</strong>rá ser uma primeira gran<strong>de</strong> ocasião para o<br />
novo papa encontrar com os jovens do mundo todo. No fundo, foi um gesto gentil do atual papa<br />
à juventu<strong>de</strong> do mundo dar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar com seu sucessor num momento tão<br />
importante como a jornada do Rio.<br />
Há dois dias, o papa pediu em plena missa uma maior união da Igreja. O que aquilo queria<br />
dizer?<br />
Era uma mensagem clássica. Foi o início da Quaresma e o papa <strong>de</strong>u uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
conversão importante. É uma mensagem eterna e para todos, que precisa ser aplicada na<br />
integralida<strong>de</strong>. Para os jovens, há também o sentido moral. Uma maior responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
enten<strong>de</strong>r a conversão e o que o Senhor coloca diante <strong>de</strong>les: escolher entre ser generosos ou<br />
egoístas. Buscar po<strong>de</strong>r e sucesso ou pensar em se ocupar dos <strong>de</strong>mais. Uma mensagem que os<br />
papas João Paulo II e <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>ram sempre é a da responsabilida<strong>de</strong>. Jesus te chama e<br />
oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar na vida, no amor e no trabalho a construção <strong>de</strong> um mundo<br />
melhor.<br />
Na Europa, muitos dizem que o <strong>de</strong>senvolvimento foi acompanhado por uma maior<br />
secularização. No Brasil, o País caminha ao <strong>de</strong>senvolvimento. Há o medo na Igreja <strong>de</strong> que<br />
ocorra o mesmo?<br />
Os riscos e os problemas da Igreja e da juventu<strong>de</strong> no Brasil cabe a vocês avaliarem. Há um<br />
problema perene <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar empobrecer o ânimo quando a matéria e o corpo se enriquecem.<br />
Mas não quer dizer que uma situação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> pobreza signifique automaticamente gran<strong>de</strong><br />
riqueza espiritual. Pessoas muito pobres po<strong>de</strong>m se tornar violentas, já que o sentimento <strong>de</strong> falta o<br />
faz buscar uma forma <strong>de</strong> enriquecer.<br />
Em 2007, o papa foi ao Brasil e uma das missões era tratar do aumento das igrejas<br />
pentecostais. Hoje, como a Igreja vê esse fenômeno?<br />
Perguntamo-nos se nossas comunida<strong>de</strong>s católicas manifestam suficiente vitalida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> comunicação da fé e <strong>de</strong> atração, do fascínio da vida cristã às populações, capazes <strong>de</strong> superar e<br />
ser uma alternativa mais convincente. Às vezes, trata-se <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r quais são os motivos pelos<br />
quais essas comunida<strong>de</strong>s se dissolvem, quais são as necessida<strong>de</strong>s a que parecem respon<strong>de</strong>r, por<br />
que as pessoas as seguem. Mas isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as expectativas profundas do<br />
ânimo e saber dar uma resposta à altura.
Escolher um papa latino-americano não ajudaria a enten<strong>de</strong>r melhor a situação dos jovens<br />
<strong>de</strong>ssas regiões?<br />
Cada papa tem seus valores, sua personalida<strong>de</strong>, sua experiência. Portanto ficaremos contentes<br />
por segui-lo e apreen<strong>de</strong>r aquilo que ele nos dará em um modo novo, absolutamente pessoal. Um<br />
papa polonês trouxe a experiência dos países do Leste Europeu. Porém, quando esteve no Brasil,<br />
no México, na África, parece-me que foi muito capaz <strong>de</strong> fazer-se enten<strong>de</strong>r e amar. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> é<br />
alemão, uma mente extraordinária, uma grandíssima espiritualida<strong>de</strong>. Isso enten<strong>de</strong>ram muito bem<br />
também na Terra Santa, no Chipre, no Líbano, e assim por diante. Não <strong>de</strong>vemos ter uma visão<br />
limitada do fato que a origem aju<strong>de</strong> a resolver. Po<strong>de</strong> ajudar, mas, se insistimos <strong>de</strong>mais nisso,<br />
torna-se um limite. Deve enten<strong>de</strong>r bem os latino-americanos e abandonar os europeus? Não,<br />
espero que o papa entenda e aju<strong>de</strong> a todos.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
“O conclave será breve”, afirma o diretor do jornal do Vaticano<br />
"De acordo com meus prognósticos, o conclave po<strong>de</strong>rá começar no dia 15 ou 16 <strong>de</strong> março e<br />
<strong>de</strong>verá ser muito breve, um ou dois dias no máximo. A pressão midiática é muito forte, os<br />
car<strong>de</strong>ais sabem que eles não po<strong>de</strong>m passar a imagem <strong>de</strong> uma Igreja dividida. Assim, o novo papa<br />
po<strong>de</strong>rá iniciar sua missão no dia 17 <strong>de</strong> março, no Domingo <strong>de</strong> Ramos", afirma Giovanni Maria<br />
Vian, diretor do L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano, em entrevista concedida a Marie<br />
Lemonnier e publicada pela revista francesa Le Nouvel Observateur, 14-02-2013<br />
Quando <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> tomou sua <strong>de</strong>cisão?<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> chegou a esta <strong>de</strong>cisão em maio <strong>de</strong> 2012, pouco <strong>de</strong>pois das viagens que fez, no final<br />
<strong>de</strong> março, ao México e a Cuba especialmente, on<strong>de</strong> ele foi apoiar uma igreja em perigo. A<br />
viagem foi um sucesso, mas ele se <strong>de</strong>u conta, então, <strong>de</strong> que suas forças estavam ce<strong>de</strong>ndo.<br />
Quem sabia sobre isso na cúria?<br />
Um número muito reduzido <strong>de</strong> pessoas, certamente. No começo, apenas seu secretário Georg<br />
Gänswein, seu primeiro ministro Tarcisio Bertone e o <strong>de</strong>cano do Colégio dos Car<strong>de</strong>ais,<br />
Angelo Sodano. Nos últimos dias, menos <strong>de</strong> 10 pessoas estavam sabendo disso. A estupefação<br />
era visível no rosto dos car<strong>de</strong>ais presentes na segunda-feira durante o anúncio.<br />
Como você recebeu esta <strong>renúncia</strong> papal?<br />
Pessoalmente, fiquei muito emocionado. Assim como todos, eu me senti triste <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar esse<br />
papa e ao mesmo tempo aliviado <strong>de</strong> saber que está vivo e rezando pela Igreja. Isso me dá um<br />
pouco o sentimento <strong>de</strong> viver uma “morte branca”. A reação das pessoas muito próximas a ele,<br />
religiosos que o acompanham no seu dia a dia, me comoveram muito. A Irmã Birgit Wansing,<br />
por exemplo, que é a única a saber <strong>de</strong>cifrar a letra abreviada do papa e que é <strong>de</strong> aparência muito<br />
severa, chorou feito uma criança. Era comovedor. A escolha <strong>de</strong>sse homem espiritual não é,<br />
entretanto, inteiramente surpreen<strong>de</strong>nte. Ratzinger não fez nada para ser papa. Ele nem <strong>de</strong>sejava<br />
este cargo. Ele foi eleito com uma ida<strong>de</strong> avançada e havia participado do fim do pontificado <strong>de</strong>
João Paulo II. É, sem dúvida, por isso que pensou em sua <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo <strong>de</strong> seu<br />
pontificado.<br />
Seu gesto <strong>de</strong>ssacralizou a função papal?<br />
Não creio, ou, então, num sentido totalmente positivo. Ele mostrou, acima <strong>de</strong> tudo, o sentido<br />
cristão do po<strong>de</strong>r, que é para um bispo estar a serviço.<br />
A emoção ainda era tão forte nesta Quarta-feira <strong>de</strong> Cinzas?<br />
Ela era ainda mais forte, para mim. Para esta última celebração das Cinzas presidida por <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong>, a Basílica <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro estava mergulhada na penumbra, os cantos se elevavam em latim e<br />
a procissão penitencial aconteceu exatamente como ela tem o costume <strong>de</strong> ser executada na<br />
basílica <strong>de</strong> Santa Sabina, na colina do Aventino, on<strong>de</strong> o papa é tradicionalmente acolhido nesse<br />
primeiro dia da Quaresma. O Santo Padre fez uma belíssima homilia, on<strong>de</strong> evocou o caráter<br />
excepcional <strong>de</strong>sta celebração. Depois o camerlengo Bertone fez um discurso muito pessoal para<br />
exprimir seu reconhecimento ao papa. Em várias passagens, sua voz ficou trêmula. No final,<br />
houve uma sonora salva <strong>de</strong> palmas <strong>de</strong> quase quatro minutos, que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> interrompeu<br />
agra<strong>de</strong>cendo e convidando à oração. Enfim, <strong>de</strong>sceu do altar e, transportado por um carrinho com<br />
rodas, ele saiu em meio a uma nova salva <strong>de</strong> palmas. Muitos choravam.<br />
O papa está realmente doente?<br />
Não, está idoso, mas está muito bem. Na última sexta-feira, há apenas cinco dias, eu estava ainda<br />
com ele no Seminário romano, on<strong>de</strong> falou para 200 seminaristas. Ele entrou na capela, sentou-se<br />
diante do altar, ouviu a leitura da carta <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, e em seguida, sem ter nada por escrito,<br />
pronunciou um discurso <strong>de</strong> 26 minutos que parecia ter sido escrito! Ele recordou que a árvore da<br />
Igreja sempre está viva. Depois, ele disse: “Um outro virá. Não <strong>de</strong>vemos ouvir aqueles que<br />
anunciam <strong>de</strong>sgraças. O futuro é nosso, o futuro é <strong>de</strong> Deus”. É uma citação <strong>de</strong> João XXIII,<br />
particularmente anunciadora da sua <strong>de</strong>cisão...<br />
Concretamente, qual é o programa do fim do pontificado?<br />
O papa receberá, nos dias 15 e 16, os chefes do estado romeno e guatemalteco, assim como o<br />
presi<strong>de</strong>nte do Conselho italiano e o presi<strong>de</strong>nte da República no dia 23. Mas, especialmente, ele<br />
vai fazer uma semana <strong>de</strong> retiro, quando fará os tradicionais exercícios espirituais da cúria,<br />
pregados pelo car<strong>de</strong>al Ravasi, e todas as audiências são canceladas. Depois virão a <strong>de</strong>spedida<br />
dos car<strong>de</strong>ais e a última audiência geral na praça <strong>São</strong> Pedro, no dia 27. No último dia, 28 <strong>de</strong><br />
fevereiro, às 17h, um helicóptero transportará Joseph Ratzinger a Castel Gandolfo, e às 20h... já<br />
não será mais papa.<br />
É uma situação absolutamente inédita. Nesse momento, a vacância do trono começará<br />
simultaneamente às congregações gerais, durante as quais os car<strong>de</strong>ais se reunirão para trocar<br />
opiniões em vista da eleição. Haverá, evi<strong>de</strong>ntemente, inúmeros encontros informais e conversas<br />
fora do Vaticano. Muitos <strong>de</strong>sses car<strong>de</strong>ais não se conhecem e é a oportunida<strong>de</strong> para se<br />
informarem sobre os candidatos...
Após sua permanência na residência <strong>de</strong> verão e uma vez eleito o novo soberano pontífice, o<br />
que fará Joseph Ratzinger?<br />
Ele disse que <strong>de</strong>seja terminar seus dias em oração. Mesmo que seja muito provável que continue<br />
a escrever. Sem dúvida, terminará sua Enciclopédia sobre a Fé. Talvez, conhecendo sua<br />
elegância e sua discrição, preferirá publicá-la post-mortem, em respeito ao seu sucessor. Está em<br />
vias <strong>de</strong> materializar sua existência, <strong>de</strong> uma certa maneira. Ele <strong>de</strong>cidiu morar no mosteiro Mater<br />
Ecclesia, que é consagrado à vida contemplativa. É um lugar muito sóbrio, situado no interior do<br />
Vaticano, e que é ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> jardins nos quais <strong>de</strong>seja passear. Em outubro passado, começaram<br />
ali reformas, outra prova <strong>de</strong> que ele havia preparado cuidadosamente sua <strong>renúncia</strong>.<br />
Em que situação <strong>de</strong>ixa a Igreja?<br />
Ele fez <strong>de</strong> tudo para simplificar a sucessão e <strong>de</strong>ixa o pontificado em um momento relativamente<br />
tranquilo; a crise mais aguda passou. Será preciso tempo, por outro lado, para assimilar a riqueza<br />
do que ensinou, tanto para crentes como para não crentes. Ele produziu avanços no campo das<br />
relações com os ju<strong>de</strong>us, com o islã, com o Oriente cristão. Ele trabalhou pela paz <strong>de</strong>ntro da<br />
Igreja, embora não pu<strong>de</strong>sse obtê-la plenamente com os lefebvrianos. Em todo o caso, ele tentou<br />
<strong>de</strong> tudo, talvez até <strong>de</strong>mais, dirão alguns. Mas ao menos po<strong>de</strong> partir tendo o sentimento <strong>de</strong> missão<br />
cumprida.<br />
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> insistiu muitas vezes, e recentemente <strong>de</strong> novo, sobre a necessida<strong>de</strong> ética do<br />
mundo das finanças. Posto que tudo parece ter sido pensado, é possível que um novo<br />
presi<strong>de</strong>nte seja nomeado rapidamente para a presidência do Banco do Vaticano – o IOR,<br />
Instituto para as Obras Religiosas – cujo presi<strong>de</strong>nte anterior tinha sido <strong>de</strong>mitido em maio<br />
passado?<br />
Nada o exclui, eu sou persuadido <strong>de</strong> que haverá muitas surpresas durante esses 15 dias que<br />
restam.<br />
Para você, quais são as imagens mais fortes da sua ação pontifical?<br />
Eu diria que a viagem <strong>de</strong> 2009 à Terra Santa e a viagem <strong>de</strong> setembro ao Líbano, que<br />
proporcionou uma magnífica conclusão. Na volta, eu tive claramente o sentimento <strong>de</strong> que era a<br />
última viagem <strong>de</strong>le. Talvez porque fosse realmente perigosa <strong>de</strong>cidiu fazê-la, embora todo o<br />
mundo o <strong>de</strong>saconselhasse. Eu fiquei muito assombrado quando ele confirmou, na sequência, a<br />
viagem ao Brasil para a JMJ em julho próximo. Mas agora, compreendo melhor, ele já sabia que<br />
teria um sucessor para celebrá-la em seu lugar.<br />
Como você imagina o conclave?<br />
De acordo com meus prognósticos, o conclave po<strong>de</strong>rá começar no dia 15 ou 16 <strong>de</strong> março e<br />
<strong>de</strong>verá ser muito breve, um ou dois dias no máximo. A pressão midiática é muito forte, os<br />
car<strong>de</strong>ais sabem que eles não po<strong>de</strong>m passar a imagem <strong>de</strong> uma Igreja dividida. Assim, o novo papa<br />
po<strong>de</strong>rá iniciar sua missão no dia 17 <strong>de</strong> março, no Domingo <strong>de</strong> Ramos.
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Rumo ao conclave: a agenda Martini<br />
Há uma "agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese po<strong>de</strong> ser encontrada na célebre<br />
"última entrevista", publicada <strong>de</strong>pois da sua partida.<br />
A opinião é do cientista político e leigo católico italiano Christian Albini, em artigo publicado<br />
no blog Sperare per Tutti, 12-02-2013. A tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Fiquei muito impressionado que a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ao papado tenha ocorrido seis meses<br />
<strong>de</strong>pois da morte do seu contemporâneo Carlo Maria Martini. Eles representaram duas almas na<br />
Igreja Católica. Paradoxalmente, a influência <strong>de</strong> Martini po<strong>de</strong>ria ser mais forte no conclave <strong>de</strong><br />
março do que naquele em que ele participou em 2005. Refiro-me, naturalmente, a uma influência<br />
espiritual, i<strong>de</strong>al.<br />
Os longos anos <strong>de</strong> João Paulo II haviam <strong>de</strong>ixado, <strong>de</strong>pois do tempo da sua doença, uma série <strong>de</strong><br />
questões não resolvidas para o catolicismo, questões que a cobertura do seu carisma permitira<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também as enfrentou, com o seu estilo e a sua abordagem (balanços<br />
meditados virão com o tempo), mas a sua escolha <strong>de</strong> renunciar, motivada pelo reconhecimento<br />
<strong>de</strong> "não ter mais as forças", <strong>de</strong>ixa muitos problemas em aberto.<br />
A interpretação do Vaticano II, o <strong>de</strong>safio que o mundo em mudança põe à Igreja Católica, o<br />
ecumenismo e a relação com as outras religiões, a Cúria com as suas rivalida<strong>de</strong>s: são alguns dos<br />
principais capítulos abertos que o novo papa encontrará pela frente.<br />
Ratzinger foi eleito no sinal da continuida<strong>de</strong> com Wojtyla, do qual era o principal colaborador.<br />
Hoje, não há um Ratzinger, e eleger um "imitador" seria uma escolha <strong>de</strong> curto alcance e<br />
<strong>de</strong>letéria.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> quem for eleito, contará muito a percepção da tarefa que o espera como<br />
pontífice, a consciência dos nós que <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>sfeitos, a adoção <strong>de</strong> um estilo pastoral. Tornase<br />
importante o papel daquela "opinião pública na Igreja" (já invocada por Pio XII), que se torna<br />
a contribuição para o discernimento por parte <strong>de</strong> todos os batizados.<br />
No entanto, a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carlo Maria Martini, que, com o seu retorno ao Pai, aumentou<br />
ainda mais, se possível, po<strong>de</strong> ser uma gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> inspiração para os car<strong>de</strong>ais e para o papa<br />
eleito. De fato, há uma "agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese po<strong>de</strong> ser<br />
encontrada na célebre "última entrevista", publicada <strong>de</strong>pois da sua partida:<br />
Como o senhor vê a situação da Igreja?<br />
A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as<br />
nossas igrejas são gran<strong>de</strong>s, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da<br />
Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. Essas coisas expressam o que<br />
nós somos hoje? (...)
O bem-estar pesa. Nós nos encontramos como o jovem rico que, triste, foi embora quando Jesus<br />
o chamou para fazer com que ele se tornasse seu discípulo. Eu sei que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar tudo<br />
com facilida<strong>de</strong>. Menos ainda, porém, po<strong>de</strong>remos buscar pessoas que sejam livres e mais<br />
próximas do próximo, como foram o bispo Romero e os mártires jesuítas <strong>de</strong> El Salvador.<br />
On<strong>de</strong> estão entre nós os nossos heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão <strong>de</strong>vemos limitá-los<br />
com os vínculos da instituição.<br />
Quem po<strong>de</strong> ajudar a Igreja hoje?<br />
O padre Karl Rahner usava <strong>de</strong> bom grado a imagem das brasas que se escon<strong>de</strong>m sob as cinzas.<br />
Eu vejo na Igreja <strong>de</strong> hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação<br />
<strong>de</strong> impotência. Como se po<strong>de</strong> livrar as brasas das cinzas <strong>de</strong> modo a revigorar a chama do amor?<br />
Em primeiro lugar, <strong>de</strong>vemos procurar essas brasas. On<strong>de</strong> estão as pessoas individuais cheias <strong>de</strong><br />
generosida<strong>de</strong> como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são<br />
entusiastas como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria <strong>de</strong><br />
Mágdala? Eu aconselho o papa e os bispos a procurar 12 pessoas fora da linha para os postos <strong>de</strong><br />
direção. Pessoas que estejam perto dos pobres e que estejam cercadas por jovens e que<br />
experimentam coisas novas. Precisamos do confronto com pessoas que ar<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> modo que o<br />
espírito po<strong>de</strong> se difundir por toda parte.<br />
Que instrumentos o senhor aconselha contra o cansaço da Igreja?<br />
Eu aconselho três instrumentos muito fortes. O primeiro é a conversão: a Igreja <strong>de</strong>ve reconhecer<br />
os próprios erros e <strong>de</strong>ve percorrer um caminho radical <strong>de</strong> mudança, começando pelo papa e pelos<br />
bispos. Os escândalos da pedofilia nos levam a tomar um caminho <strong>de</strong> conversão. As questões<br />
sobre a sexualida<strong>de</strong> e sobre todos os temas que envolvem o corpo são um exemplo disso. Estes<br />
são importantes para todos e, às vezes, talvez, são até importantes <strong>de</strong>mais. Devemos nos<br />
perguntar se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja ainda é<br />
uma autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia?<br />
O segundo é a Palavra <strong>de</strong> Deus. O Concílio Vaticano II restituiu a Bíblia aos católicos. (...)<br />
Somente quem percebe no seu coração essa Palavra po<strong>de</strong> fazer parte daqueles que ajudarão a<br />
renovação da Igreja e saberão respon<strong>de</strong>r às perguntas pessoais com uma escolha justa. A Palavra<br />
<strong>de</strong> Deus é simples e busca como companheiro um coração que escute (...). Nem o clero nem o<br />
Direito eclesial po<strong>de</strong>m substituir a interiorida<strong>de</strong> do ser humano. Todas as regras externas, as leis,<br />
os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior e para o discernimento dos espíritos.<br />
Para quem são os sacramentos? Estes são o terceiro instrumento <strong>de</strong> cura. Os sacramentos não<br />
são uma ferramenta para a disciplina, mas sim uma ajuda para as pessoas nos momentos do<br />
caminho e nas fraquezas da vida. Levamos os sacramentos às pessoas que precisam <strong>de</strong> uma nova<br />
força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas.<br />
Eles precisam <strong>de</strong> uma proteção especial. A Igreja sustenta a indissolubilida<strong>de</strong> do matrimônio. É<br />
uma graça quando um casamento e uma família conseguem isso (...).<br />
A atitu<strong>de</strong> que temos com relação às famílias ampliadas irá <strong>de</strong>terminar a aproximação à Igreja da<br />
geração dos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontra um novo companheiro<br />
que cuida <strong>de</strong>la e dos seus três filhos. O segundo amor prospera. Se essa família for discriminada,<br />
não só a mãe é cortada fora, mas também os seus filhos. Se os pais se sentem fora da Igreja, ou
não sentem o seu apoio, a Igreja per<strong>de</strong>rá a geração futura. Antes da Comunhão, nós rezamos:<br />
"Senhor, eu não sou digno..." Nós sabemos que não somos dignos (...). O amor é graça. O amor é<br />
um dom. A questão sobre se os divorciados po<strong>de</strong>m comungar <strong>de</strong>ve ser invertida. Como a Igreja<br />
po<strong>de</strong> ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas?<br />
O que o senhor faz pessoalmente?<br />
A Igreja ficou 200 anos para trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo<br />
ao invés <strong>de</strong> coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem.<br />
Eu sou velho e doente e <strong>de</strong>pendo da ajuda dos outros. As pessoas boas ao meu redor me fazem<br />
sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança que às vezes eu<br />
percebo com relação à Igreja na Europa. Só o amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda<br />
tenho uma pergunta para você: o que você po<strong>de</strong> fazer pela Igreja?<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''Estarei escondido do mundo'', diz <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
"Agora eu me retiro, mas, na oração, estarei sempre perto <strong>de</strong> todos vocês. E tenho a certeza <strong>de</strong><br />
que todos vocês também estarão perto <strong>de</strong> mim, mesmo que, para o mundo, eu permaneça<br />
escondido". Como se no mundo mo<strong>de</strong>rno fosse realmente possível se escon<strong>de</strong>r, como se a<br />
solidão moral em que o papa foi <strong>de</strong>ixado pu<strong>de</strong>sse se tornar solidão física.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere <strong>de</strong>lla Sera, 15-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Os párocos romanos se comovem diante da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o seu bispo se afasta para sempre da<br />
sua vista ainda vivo, gritando "Viva o Papa!", o aplau<strong>de</strong>m, fazem amplos gestos <strong>de</strong> saudação,<br />
divididos entre o afeto pelo pontífice e a <strong>de</strong>sorientação pelo soberano que abdica. Ele enten<strong>de</strong> a<br />
sua perturbação e, para tranquilizá-los, improvisa – falando livremente – uma anedota, como<br />
faria um pai que conta aos seus filhos uma história assustadora no início, mas com final feliz.<br />
"O car<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Colônia, Frings, encomendou-me um texto – à época eu era o mais jovem<br />
professor da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bonn – para ser levado para um congresso em Gênova,<br />
organizado pelo car<strong>de</strong>al Siri. Título: 'O Concílio e o mundo do pensamento mo<strong>de</strong>rno'. Frings o<br />
leu assim como eu o havia escrito. Pouco tempo <strong>de</strong>pois, o Papa João mandou chamá-lo. Ele<br />
estava cheio <strong>de</strong> medo por ter dito algo em falso e por ser interpelado para uma crítica..."<br />
Aqui, a plateia dos párocos é invadida por um tremor <strong>de</strong> terror pensando na severida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Siri e<br />
na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que ele pu<strong>de</strong>sse ter assinalado ao papa as heresias do jovem teólogo. "O car<strong>de</strong>al<br />
Frings temia que o papa quisesse lhe tirar a púrpura. Assim, enquanto o seu secretário o vestia<br />
para a audiência, ele disse: 'Talvez esta seja a última vez que eu usar essas coisas...'".<br />
Agora, os párocos começam a rir, e <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> os olha com um sorriso cúmplice. "Depois,<br />
Frings entra, o Papa João vai ao seu encontro, o abraça e diz: 'Eminência, obrigado! O senhor<br />
disse coisas que eu queria dizer, mas não tinha encontrado as palavras'. Assim, o car<strong>de</strong>al me<br />
convidou para ir com ele ao Concíio...". Agora, os párocos aplau<strong>de</strong>m com o rosto regado <strong>de</strong><br />
lágrimas.
<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> diz exatamente isto: "Para o mundo, eu permaneço escondido". Ele gostaria <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong> vista, subtrair-se da vida pública. É uma expressão que causa consternação entre<br />
os arciprestes das gran<strong>de</strong>s basílicas e os curiais das periferias, os canônicos que vigiam o corpo<br />
<strong>de</strong> Santa Inês e os padres dos bairros. Para eles, Ratzinger não é somente o pontífice, é também<br />
o bispo e, mais em geral, a única autorida<strong>de</strong> que muitos reconhecem, na cida<strong>de</strong> do Papa Rei.<br />
Recém estiveram se confessando diante do túmulo <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro. E agora estão aqui para uma<br />
lição sobre o Concílio Vaticano II.<br />
Não por acaso foi preparada uma cátedra, atrás da qual se sentou o papa, que chegou<br />
caminhando, sem mais ajudas a não ser da bengala. No início, ele fica na <strong>de</strong>fensiva: "Vistas as<br />
minhas condições e a minha ida<strong>de</strong>, não pu<strong>de</strong> preparar um gran<strong>de</strong> e verda<strong>de</strong>iro discurso, como se<br />
po<strong>de</strong>ria esperar. Penso, ao invés, em uma pequena conversa sobre o Concílio, como eu o vi".<br />
Na verda<strong>de</strong>, Ratzinger falaria por uma hora, <strong>de</strong> improviso, nos seus costumeiros altíssimos<br />
níveis intelectuais, mesmo que com a voz fraca, razão pela qual, em certo ponto, um cavalheiro<br />
vaticano <strong>de</strong>ve intervir para lhe aproximar o microfone, para o alívio dos párocos ainda divididos,<br />
mas <strong>de</strong>sta vez entre o fascínio da fala e a sua complexida<strong>de</strong>.<br />
Enten<strong>de</strong>-se muito bem que o tema realmente agrada a Ratzinger, seja porque o faz lembrar da<br />
sua juventu<strong>de</strong> – "Estávamos tão cheios <strong>de</strong> alegria com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Igreja se confrontaria com<br />
a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, com os nossos amigos ju<strong>de</strong>us, com uma nova liturgia..." –, seja porque estimula<br />
a prova das inteligências. Por isso, ele avança na comparação entre as diversas interpretações da<br />
encíclica Mistici Corporis Christi <strong>de</strong> Pio XII, fala da "aliança renana" entre bispos franceses,<br />
alemães e holan<strong>de</strong>ses, a conecta com as posições da Igreja galicana no anterior Concílio<br />
Vaticano I. Depois, quando se reconstrói meticulosamente o <strong>de</strong>bate entre os Padres conciliares<br />
sobre a eclesiologia, os sacerdotes se inclinam nos assentos e se consultam entre si para manter o<br />
ritmo vertiginoso dos raciocínios do papa octogenário e renunciante.<br />
Há um ponto, porém, em que Ratzinger é muito claro, às vezes duro também. Os Concílios<br />
foram dois: o da Igreja e o dos meios <strong>de</strong> comunicação; o real e o virtual. Infelizmente, "o mundo<br />
percebeu o Concílio através dos meios <strong>de</strong> comunicação. Portanto, o Concílio que chegou às<br />
pessoas foi o dos jornais, e não o dos padres. E, enquanto os padres se moviam <strong>de</strong>ntro da fé, os<br />
jornalistas se moviam <strong>de</strong>ntro das categorias políticas", direita e esquerda, conservadores e<br />
progressistas, "como se estivesse em curso uma luta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res entre correntes".<br />
O mal-entendido causou a "banalização da liturgia, redução da Escritura a livro histórico,<br />
mosteiros fechados, seminários vazios". Mas "a força real do Concílio, pouco a pouco, se realiza<br />
cada vez mais e se torna verda<strong>de</strong>ira reforma, verda<strong>de</strong>ira renovação da Igreja".<br />
Segundo <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, hoje, não é preciso um outro Concílio, mas sim uma correta interpretação e<br />
aplicação daquele que foi aberto há 50 anos. "Esperamos que o Senhor nos aju<strong>de</strong>. Eu, retirado<br />
com a minha oração, estarei sempre com vocês e, juntos, sigamos em frente com o Senhor, na<br />
certeza: vence o Senhor".<br />
No fim, os aplausos que encerram a "pequena conversa" é interminável. E, <strong>de</strong>sta vez, o papa o<br />
<strong>de</strong>sfruta todo, sem interrompê-lo como fizera no dia anterior em <strong>São</strong> Pedro. Os párocos o<br />
fotografam com todos os meios disponíveis, incluindo iPhone e iPad. O vigário <strong>de</strong> Roma,
Vallini, se ajoelha para beijar-lhe o anel pela última vez. Amanhã, caberá a Bagnasco e aos<br />
bispos da Ligúria, sábado a Scola e aos da Lombardia.<br />
O papa agra<strong>de</strong>ce com gestos e sorrisos breves. Depois, encerra a audiência com o canto do Pai<br />
Nosso. Em latim, naturalmente.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Os dois concílios <strong>de</strong> Ratzinger. Artigo <strong>de</strong> Massimo Faggioli<br />
Eis o núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana fundamentalmente<br />
pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças em contraposição<br />
e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja.<br />
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor <strong>de</strong> história do cristianismo da<br />
University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 15-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O bom-humor <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> que fala do Concílio Vaticano II aos padres da diocese <strong>de</strong> Roma,<br />
da qual é bispo, é típico <strong>de</strong> uma pessoa que tirou um peso enorme <strong>de</strong> cima <strong>de</strong> si. Um papa<br />
visivelmente aliviado – e aparentemente em boa saú<strong>de</strong>, falando por 50 minutos <strong>de</strong> improviso e<br />
com clareza admirável – profere aos padres romanos uma apaixonada e às vezes comovente lição<br />
sobre o Concílio.<br />
No seu discurso, Joseph Ratzinger repropôs não só a sua visão sobre o Vaticano II, mas<br />
também anedotas pessoais, como a sua relação com João XXIII e com o car<strong>de</strong>al Frings durante<br />
o Concílio, e referências à questão da responsabilida<strong>de</strong> da Igreja e dos cristãos no Holocausto.<br />
Mas o centro do discurso está na contraposição entre "o Concílio dos Padres do Concílio, o da<br />
fé" e "o Concílio dos meios <strong>de</strong> comunicação".<br />
O paradoxo é que essa lição sobre a divisão entre as duas interpretações do Vaticano II é<br />
transmitida justamente pelos meios <strong>de</strong> comunicação – pelo Centro Televisivo Vaticano, mas<br />
<strong>de</strong>pois retomada por muitas outras re<strong>de</strong>s e jornais. Essa contraposição entre Concílio teológico<br />
(dos bispos, dos teólogos, dos fiéis) e Concílio sociológico (dos meios <strong>de</strong> comunicação e do<br />
"mundo", na sua acepção metafísica) se reconecta à homilia da Quarta-feira <strong>de</strong> Cinzas, em que<br />
o papa renunciante apontara o <strong>de</strong>do contra os cristãos que querem agradar "o público" e não o<br />
Senhor, que buscam o aplauso e não a verda<strong>de</strong>: ele também se referia à Cúria Romana,<br />
justamente como fez na homilia anterior ao conclave <strong>de</strong> 2005, que o levou ao pontificado.<br />
Estamos aqui no núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana<br />
fundamentalmente pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças<br />
em contraposição e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja.<br />
O Concílio Vaticano II <strong>de</strong> Ratzinger é um Concílio ainda válido na sua teologia, especialmente<br />
naquela relativa à interpretação da Palavra <strong>de</strong> Deus nas Escrituras, a teologia da constituição Dei<br />
Verbum. Mas o Concílio foi, infelizmente, <strong>de</strong>sviado pela interpretação interessada que lhe foi<br />
dada pelos meios <strong>de</strong> comunicação e – sobre isso, nessa quinta-feira, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> foi
misericordioso – por aqueles teólogos e católicos convictos <strong>de</strong> que o Concílio havia finalmente<br />
reaproximado Igreja e mundo.<br />
Essa divisão reflete a do discurso mais célebre <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> sobre a interpretação do Concílio,<br />
o do dia 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, em que o papa distinguia entre "hermenêutica da continuida<strong>de</strong><br />
e da reforma" e "hermenêutica da <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e da ruptura". Aquele discurso foi logo<br />
enviesado pelos spin doctors do catolicismo tradicionalista em uma clara divisão entre<br />
"continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>" (veja-se sobre isso Interpretare il Vaticano II. Storia di un<br />
dibattito, Ed. EDB, 160 páginas, recém-chegado às livrarias). O pensamento ratzingeriano é mais<br />
refinado do que isso: mas entre os erros do pontificado também está o <strong>de</strong> não ter conseguido<br />
mo<strong>de</strong>rar os instintos reacionários <strong>de</strong> muitos ratzingerianos muito menos refinados do que<br />
Ratzinger.<br />
O papa não participará do conclave, mas esse discurso e o das próximas duas semanas darão<br />
sinais importantes para o posicionamento <strong>de</strong> muitos car<strong>de</strong>ais que se preparam para o conclave.<br />
Basta ler a lectio magistralis do car<strong>de</strong>al Scola no congresso romano sobre o Concílio, realizado<br />
em outubro <strong>de</strong> 2012: naquele discurso (otimamente editado pela revista Il Regno, <strong>de</strong> Bolonha),<br />
Scola tomava como sua a leitura ratzingeriana do Concílio, mas oferecia <strong>de</strong>slocamentos<br />
significativos da vulgata oficial do ratzingerismo dos blogs reacionários.<br />
Os car<strong>de</strong>ais em curso <strong>de</strong>vem caminhar em uma linha sutil, a linha entre a interpretação do<br />
Vaticano II <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e a sua própria visão do Concílio: na habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jogar entre o "já"<br />
<strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> e o "ainda não" do seu sucessor, se <strong>de</strong>cidirá boa parte do conclave <strong>de</strong> 2013 e do<br />
futuro da Igreja Católica.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
'Sucessor terá <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> resgatar prestígio do papado'. Entrevista com John O'Malley<br />
Aos 85 anos, e "três semanas mais jovem do que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>", o norte-americano John<br />
O'Malley é uma das gran<strong>de</strong>s autorida<strong>de</strong>s em história do catolicismo em ativida<strong>de</strong>.<br />
Autor <strong>de</strong> "A History of the Popes" (2011), o professor da Georgetown University, em<br />
Washington, e também padre jesuíta, brinca que teve sua vida "mo<strong>de</strong>stamente tocada por todos<br />
os papas dos últimos 50 anos", já que esteve pessoalmente com todos eles em alguma ocasião.<br />
Há alguns anos, O'Malley assinou um ensaio hoje conhecido sobre <strong>renúncia</strong>s <strong>de</strong> papas. À época,<br />
ele refletia sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que, fragilizado pela situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, João Paulo II<br />
pu<strong>de</strong>sse abandonar o posto. "Fui chamado <strong>de</strong> fantasioso por tratar <strong>de</strong>ste tema. Talvez estivesse<br />
sendo profético", diz.<br />
A entrevista é <strong>de</strong> Cassiano Elek Machado e publicada pelo jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 16-02-<br />
2013.<br />
Eis um extrato da entrevista.
Com o escândalo VatiLeaks e a <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> 16 é corrente a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Igreja<br />
Católica está vivendo uma gran<strong>de</strong> crise. O sr. consi<strong>de</strong>ra esta uma das gran<strong>de</strong>s crises<br />
históricas do papado?<br />
Ao estudar por muitos anos a história do papado posso dizer que ela é uma história <strong>de</strong> uma crise<br />
após a outra. Mas o papado é uma instituição absurdamente elástica, que conseguiu sobreviver ao<br />
longo <strong>de</strong> 2000 anos e manter sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, mesmo tendo mudado muito. Mas sim, vivemos<br />
uma situação <strong>de</strong> crise consi<strong>de</strong>rável. A maneira como a Cúria Romana está estabelecida precisa<br />
ser investigada. Precisam <strong>de</strong>finir como ela po<strong>de</strong> ser mais eficiente, como po<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar melhor<br />
suas congregações. Estes serão alguns dos <strong>de</strong>safios do próximo papa. Certamente no mundo<br />
oci<strong>de</strong>ntal ele precisará reestabelecer o prestígio do papado.<br />
Foi uma <strong>de</strong>cisão sábia?<br />
Foi certamente algo extraordinário, eu pessoalmente achei uma <strong>de</strong>cisão muito corajosa e também<br />
apropriada. Mas quem sou eu para falar sobre sabedoria ou não <strong>de</strong> uma ação papal.<br />
Se o sr. tivesse <strong>de</strong> arriscar o futuro como acredita que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> será conhecido?<br />
Tenho convicção <strong>de</strong> que ele será conhecido como "O papa que renunciou". É um gran<strong>de</strong> marco.<br />
O papa po<strong>de</strong> não gostar, mas assim será. Espero que alguns historiadores mais sérios consigam<br />
resgatar também outros aspectos <strong>de</strong> sua atuação.<br />
Como papa ele conseguiu aplicar alguma teoria do teólogo?<br />
Como papa ele continuou a escrever, mas na minha opinião ele fez uma distinção gran<strong>de</strong> entre uma<br />
vida privada, <strong>de</strong> teólogo, e a <strong>de</strong> papa.<br />
Dois pontífices po<strong>de</strong>m conviver? As dúvidas dos juristas<br />
Há quem minimize. E quem prefigure riscos para a Igreja. O que é certo é que a coexistência <strong>de</strong><br />
dois papas, o a ser eleito e o seu antecessor, pela primeira vez na história recente, ainda vivo,<br />
Joseph Ratzinger, coloca algumas interrogações <strong>de</strong> direito.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Virginia Piccolillo, publicada no jornal Corriere <strong>de</strong>lla Sera, 14-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
O padre Ottavio De Bertolis, canonista da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Gregoriana, simplifica. "A<br />
partir do dia 28 <strong>de</strong> fevereiro, Joseph Ratzinger não é mais papa. Ponto final. Portanto, não<br />
haverá dois papas, mas um". Quais serão os seus direitos e <strong>de</strong>veres? "O direito canônico se cala<br />
sobre isso. A partir da práxis, é difícil tirar alguma coisa, porque ela é antiga <strong>de</strong>mais. Seria<br />
preciso um teólogo. Uma coisa é certa: ele continuará sendo bispo. Porque a or<strong>de</strong>nação é para<br />
sempre: o sacerdote permanece como tal mesmo que '<strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser padre'. Mas eu suponho que,<br />
renunciando a ser pontífice, Ratzinger também vai per<strong>de</strong>r o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> governo da Igreja<br />
universal, po<strong>de</strong>r estendido também às coisas <strong>de</strong> fé".<br />
E a infalibilida<strong>de</strong>?
"A infalibilida<strong>de</strong> é o papa, como tal, que tem e é exercida só raramente quando se <strong>de</strong>fine a<br />
matéria <strong>de</strong> fé, não quando se prega ou se escreve uma encíclica".<br />
Será possível continuar chamando-o <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> o papa emérito?<br />
"Sua Santida<strong>de</strong> é uma expressão <strong>de</strong> uso humano, não está escrita em parte alguma. A própria<br />
palavra papa significa papai. A práxis <strong>de</strong>verá ser construída". E se ele quiser voltar a intervir?<br />
"Não po<strong>de</strong>. Não é mais papa".<br />
Gaetano Lo Castro, professor <strong>de</strong> Direito Canônico e Direito Eclesiástico da Universida<strong>de</strong> La<br />
Sapienza, concorda: "É como se estivesse morto. O papa que renuncia não tem mais nenhuma<br />
função na Igreja".<br />
Ele tinha o direito <strong>de</strong> "<strong>de</strong>scer da cruz"?<br />
"É claro. Isso está previsto na norma escrita por Celestino V e incorporada também no Código<br />
<strong>de</strong> Direito Canônico e na Constituição Apostólica do próprio Papa Wojtyla. No artigo 77, diz-se<br />
que tudo o que prece<strong>de</strong> e segue à eleição do pontífice <strong>de</strong>ve ser observado integralmente, mesmo<br />
que a vacância da Sé tivesse que ocorrer por '<strong>renúncia</strong> do Sumo Pontífice'".<br />
E com relação ao <strong>de</strong>pois?<br />
"Não há nada, porque não é mais papa. Ele não po<strong>de</strong> intervir nem na diocese, nem como papa".<br />
Paradoxalmente, são os leigos que temem mais a situação. Piero Bellini, acadêmico dos Lincei e<br />
professor emérito <strong>de</strong> história do direito canônico, aponta: a questão posta pelo Papa Wojtyla<br />
("Não se <strong>de</strong>sce da Cruz") tem um fundamento. A <strong>renúncia</strong> está prevista do ponto <strong>de</strong> vista<br />
jurídico, o que nem sempre correspon<strong>de</strong> ao direito ético.<br />
"É um pouco como para os antigos reis que o eram até a morte. Além disso, o papa está ligado<br />
por um vínculo sagrado. Se a Igreja é o Corpo místico <strong>de</strong> Cristo, a sua cabeça participa <strong>de</strong>ssa<br />
mística. E se o papa tem uma vicaria celeste, isto é, um po<strong>de</strong>r que lhe vem <strong>de</strong> Deus, então esse<br />
po<strong>de</strong>r não cessa".<br />
E, ao contrário <strong>de</strong> um funcionário ou <strong>de</strong> um administrador <strong>de</strong> empresa – argumenta – ele tem o<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> continuar exercendo a própria tarefa sobre a qual <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r a Deus: "Eu sou um<br />
contemporâneo do Papa Ratzinger e sei bem que um idoso tem capacida<strong>de</strong>s reduzidas, mas o<br />
fato <strong>de</strong> o Papa Wojtyla ter morrido na linha <strong>de</strong> fogo <strong>de</strong>u prestígio à Igreja. Agora, a certeza da<br />
sacralida<strong>de</strong> do papado, confortada pela passagem dos séculos, foi posta em discussão. E po<strong>de</strong><br />
haver quem discor<strong>de</strong>. Tudo vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da prudência <strong>de</strong> Ratzinger que <strong>de</strong>ve ser sábio a ponto<br />
<strong>de</strong> evitar atritos. Porque a carga cismática que se põe, em germe, é um risco enorme. Não é um<br />
bom sinal que ele permaneça no Vaticano. É um pouco como ter o velho pai em casa com o qual<br />
o filho maior <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> tem que se confrontar. Como leigo enraivecido, digo, porém, que não se<br />
po<strong>de</strong> retroce<strong>de</strong>r. Não compartilho com 99% <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias, mas é um gran<strong>de</strong> pensador, e tirar-lhe<br />
o título <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> seria um insulto".<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013
''De agora em diante será inevitável que os papas renunciem ao alcançar certa ida<strong>de</strong>''<br />
"<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> abriu uma nova estrada. De agora em diante, os futuros papas sentirão o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
renunciar quando alcançarem uma certa ida<strong>de</strong>". Um Santo Padre revolucionário. Essa é a opinião<br />
<strong>de</strong> John Allen, jornalista e escritor norte-americano, que por quase 20 anos acompanha os<br />
episódios papais.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Deborah Ameri, publicada no jornal Il Messaggero, 15-02-2013. A tradução<br />
é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Vaticanista da CNN e do National Catholic Reporter, é autor <strong>de</strong> duas biografias <strong>de</strong> Ratzinger<br />
e é a voz mais autorizada dos EUA em matéria pontifícia. No entanto, ele também, assim como<br />
todos, foi pego no contrapé por essa <strong>renúncia</strong>.<br />
Surpreso?<br />
Chocado, eu diria. Naquela manhã, eu estava em Roma, no Farnesina [se<strong>de</strong> do Ministério das<br />
Relações Exteriores da Itália]. Devia dar um discurso. A BBC me telefona e me pe<strong>de</strong><br />
informações sobre um boato <strong>de</strong> que o papa estaria para sair e eu respondo: bobagens! Pouco<br />
<strong>de</strong>pois, o Vaticano fez o anúncio.<br />
O gesto <strong>de</strong> Ratzinger po<strong>de</strong> ter danificado a Igreja e a imagem do sólio pontifício como<br />
alguns pensam?<br />
Eu não acredito. Claro que, por algum tempo, será estranho ter um papa no cargo e um expontífice<br />
em repouso. Mas, há 100 anos, era estranho que os bispos se aposentassem. Depois,<br />
tornou-se um costume. E eu acredito que, no futuro, será assim também para os papas. Esse é o<br />
início <strong>de</strong> uma transição. Um dia, todos vão esperar que o Santo Padre, tendo alcançado os 75-80<br />
anos, <strong>de</strong>ixe o trono <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro.<br />
Esse conclave inevitavelmente será diferente dos anteriores. Sobre o que os car<strong>de</strong>ais se<br />
focarão?<br />
O conclave votará pela mudança. Com a morte <strong>de</strong> João Paulo II, a Igreja havia sido inundada <strong>de</strong><br />
afeto e <strong>de</strong> amor. Era um papa muito estimado, e, à época, os car<strong>de</strong>ais quiseram aproveitar aquele<br />
momento positivo e optaram pela continuida<strong>de</strong> elegendo Ratzinger. Desta vez, a atitu<strong>de</strong> será<br />
muito diferente.<br />
O que você prevê?<br />
Será um conclave mais aberto às novida<strong>de</strong>s e mais crítico. Mas não esperem que se mu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ia sobre o casamento gay, as mulheres-padre e o aborto. Estes car<strong>de</strong>ais, no fundo, foram<br />
eleitos por Wojtyla e por Ratzinger. Mas darão alguma sacudida. Provavelmente vão optar por<br />
um pontífice mais jovem, não europeu, não oci<strong>de</strong>ntal, uma figura mais popular e menos<br />
acadêmica, um papa menos abstrato e mais prático que se ocupe diretamente do governo da<br />
Igreja e da administração vaticana. Duas tarefas das quais Ratzinger não esteve à altura.<br />
O que o novo pontífice <strong>de</strong>verá fazer em primeiro lugar?
Implementar uma séria reforma da cúria para dar uma resposta forte ao escândalo da pedofilia.<br />
Os car<strong>de</strong>ais acreditam que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> já fez muito sobre essa questão. Mas evi<strong>de</strong>ntemente não o<br />
suficiente.<br />
Foi também por isso, talvez, que ele sentiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair?<br />
Acredito que as principais razões sejam a ida<strong>de</strong> e a saú<strong>de</strong>. Mas, certamente, os escândalos, como<br />
o Vatileaks, o IOR e os padres pedófilos o amarguraram. E trouxeram à tona todos os<br />
problemas da Igreja <strong>de</strong> hoje. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> enten<strong>de</strong>u que não será ele o homem capaz <strong>de</strong> resolvêlos.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
O Banco do Vaticano tem presi<strong>de</strong>nte. "A Pacem in Terris po<strong>de</strong> ficar tranquila"<br />
Um lí<strong>de</strong>r “part-time” para o IOR – Instituto para as Obras <strong>de</strong> Religião: e três dias em Roma,<br />
quatro em Frankfurt. Seu salário é um segredo, mas o que está claro é que manterá seu trabalho<br />
fora do Vaticano. O novo presi<strong>de</strong>nte do IOR, o advogado alemão Ernst Von Freyberg (membro<br />
da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Malta) também é presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um estaleiro naval, o Blohm-Vhoss Group, <strong>de</strong><br />
Hamburgo. “Não sei se fabricam navios <strong>de</strong> guerra ou embarcações em geral; sei que Von<br />
Freyber também organiza peregrinações a Lour<strong>de</strong>s”, respon<strong>de</strong>u o padre Fe<strong>de</strong>rico Lombardi,<br />
porta-voz do Vaticano, convidando para “não apressar os juízos negativos por sua experiência <strong>de</strong><br />
trabalho”. “Sua nomeação – indicou o jesuíta Lombardi – aconteceu após um profundo<br />
processo, conduzido por pessoas que conhecem bem a natureza e as finalida<strong>de</strong>s da Santa Sé; me<br />
parece que não se <strong>de</strong>ve tirar conclusões superficiais veiculadas pela mídia, apontando uma<br />
incoerência com a doutrina da Pacem in Terris <strong>de</strong> João XXIII”.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Giacomo Galeazzi e está publicada no sítio Vatican Insi<strong>de</strong>r, 15-02-2013. A<br />
tradução é do Cepat.<br />
Em tempo real, enquanto falava com os jornalistas, o porta-voz do Vaticano recebeu um bilhete<br />
com uma explicação: “a socieda<strong>de</strong> já não fabrica navios, ven<strong>de</strong>u essa seção, <strong>de</strong> modo que realiza<br />
apenas engenharia naval”. Depois <strong>de</strong> ler este breve texto, o jesuíta Lombardi comentou com um<br />
sorriso: “A Pacem in Terris po<strong>de</strong> ficar tranquila; tudo está resolvido”. No sítio da internet da<br />
socieda<strong>de</strong> alemã ainda aparece a construção <strong>de</strong> fragatas e embarcações armadas.<br />
No encontro com os jornalistas, o diretor da Sala <strong>de</strong> Imprensa do Vaticano <strong>de</strong>screveu com<br />
<strong>de</strong>talhes o procedimento para a escolha do sucessor <strong>de</strong> Ettore Gotti Te<strong>de</strong>schi, “um ‘iter’ que<br />
começou antes do verão passado, quando o Conselho <strong>de</strong> Superintendência propôs que a seleção<br />
dos managers fosse incumbida a uma agência, e que se comprometeu notavelmente estudando a<br />
natureza particular do IOR e também as características <strong>de</strong>sejadas para o candidato, um trabalho<br />
levado realizado com gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>”.<br />
Segundo o que indicou o padre Lombardi, “a agência indicou 40 candidatos ao conselho, que<br />
realizou uma seleção progressiva até i<strong>de</strong>ntificar os seis candidatos mais a<strong>de</strong>quados”. Os seis<br />
conversaram com os membros do conselho e <strong>de</strong>stas entrevistas surgiu a terna que foi submetida<br />
ao juízo do Conselho <strong>de</strong> Car<strong>de</strong>ais. O papa conhece a família do novo presi<strong>de</strong>nte, mas não quer<br />
dizer que tivesse uma amiza<strong>de</strong> pessoal, explicou o porta-voz.
“Ele mora em Frankfurt e se prevê que vá a Roma três dias por semana”, indicou Lombardi.<br />
Von Freyberg fala inglês, alemão, francês e também o italiano. Nasceu em 1958, obteve a<br />
licenciatura em Jurisprudência nas Universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mônaco e <strong>de</strong> Bonn, trabalhou no TCR<br />
Europe Limited (Bemberg Group) e no Three City Research Inc. (Bemberg Group); fundou e<br />
dirigiu a Daiwa Corporate Advisory GmbH <strong>de</strong> 1991 a 2012, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano passado é<br />
presi<strong>de</strong>nte do Blohm+Vhoss Group, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Hamburgo ativa na produção naval. É<br />
membro ativo da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Malta e copresi<strong>de</strong>nte da associação que organiza as peregrinações a<br />
Lour<strong>de</strong>s para a diocese <strong>de</strong> Berlim. Fundou a Fundação Freyberg, que apoia instituições <strong>de</strong><br />
educação católicas.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Morar no Vaticano garantirá imunida<strong>de</strong> a <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
Joseph Ratzinger ficará <strong>de</strong>ntro do Vaticano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua <strong>renúncia</strong>, supostamente para garantir<br />
a tranquilida<strong>de</strong> para rezar e estudar pelo resto <strong>de</strong> seus dias. Mas fontes na Santa Sé confirmaram<br />
ontem que o papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> também garantirá com isso sua imunida<strong>de</strong> legal, blindando o<br />
pontífice <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> processo que eventualmente seja lançado sobre os escândalos <strong>de</strong><br />
pedofilia que assolaram a Igreja nos últimos <strong>de</strong>z anos.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Jamil Cha<strong>de</strong> e publicada pelo jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, 16-02-2013.<br />
Críticos do papa apontam que ele, durante o pontificado <strong>de</strong> João Paulo II, teria sido informado<br />
sobre <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> pedofilia e jamais atuou. Como papa, porém, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> adotou uma<br />
política <strong>de</strong> tolerância zero em relação aos casos, suspen<strong>de</strong>ndo padres e <strong>de</strong>terminando punições.<br />
Na Irlanda, por exemplo, ele pediu perdão às famílias das vítimas, reconhecendo o erro. Mas,<br />
ainda assim, sua gestão foi vista como insuficiente.<br />
Motivos<br />
No Vaticano, fontes confirmaram que três motivos pesaram para que o papa permaneça <strong>de</strong>ntro<br />
da Santa Sé, mesmo diante da polêmica em relação a ter dois papas <strong>de</strong>ntro do mesmo território.<br />
Um dos aspectos que pesou foi o <strong>de</strong> não criar um segundo lugar <strong>de</strong> peregrinação, o que<br />
acentuaria a existência <strong>de</strong> dois papas. O temor é que, se ele optasse por ir a um monastério na<br />
Alemanha, o local po<strong>de</strong>ria acabar se transformando em atração para os fiéis.<br />
O segundo aspecto seria a proteção da polícia do Vaticano, que já o conhece há 30 anos. Fora,<br />
significaria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocar parte <strong>de</strong>ssa polícia e mesmo do serviço secreto do<br />
Vaticano para atuar no exterior. Mas o aspecto mais importante da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>ntro do<br />
Vaticano seria suas garantias jurídicas e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter sua imunida<strong>de</strong>.<br />
Pelos acordos entre a Itália e o Vaticano, o território da Santa Sé é inviolável, o que significa que<br />
o papa jamais po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>tido pela Justiça italiana enquanto ele estiver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu território,<br />
seja para testemunhar em um caso ou simplesmente para ser processado. A Igreja diz não<br />
acreditar que processos contra o papa possam surgir. Mas, diante <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> casos<br />
polêmicos em vários países, a opção foi por não arriscar.
Prisão<br />
Em 2007, a Arquidiocese <strong>de</strong> Los Angeles acabou fechando um acordo para pagar US$ 600<br />
milhões em compensações a vítimas <strong>de</strong> abusos. Isso evitou a prisão <strong>de</strong> padres e bispos. Grupos já<br />
tentaram pedir sua prisão nos últimos anos, alegando sua conivência com os escândalos sexuais<br />
da Igreja. Um dos casos foi proposto durante sua visita ao Reino Unido em 2010. Dois ativistas<br />
pediram a prisão do papa, o que foi negado por ele ser um chefe <strong>de</strong> Estado.<br />
Naquele mesmo ano, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> foi citado em um processo quando ainda era car<strong>de</strong>al, em 1995.<br />
Ele teria sido informado sobre abusos sexuais nos EUA por um padre e optou por ignorar o caso.<br />
Em 2012, o processo acabou rejeitado, o que foi visto pelo <strong>de</strong>partamento jurídico do Vaticano<br />
como uma prova <strong>de</strong> que o papa não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado culpado pela ação <strong>de</strong> padres espalhados<br />
pelo mundo.<br />
Em 2011, nos Estados Unidos, grupos <strong>de</strong> apoio a vítimas <strong>de</strong> abusos por padres enviaram uma<br />
petição ao Tribunal Penal Internacional para que investigasse o papa e três outros religiosos<br />
pelo mesmo fato. Mas o TPI não <strong>de</strong>u seguimento ao caso.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
A infalibilida<strong>de</strong> com prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>. Artigo <strong>de</strong> Vito Mancuso<br />
Se já é difícil enten<strong>de</strong>r como um ser humano po<strong>de</strong> vir a ser infalível, talvez ainda mais difícil é<br />
compreen<strong>de</strong>r como ele po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sê-lo.<br />
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San<br />
Raffaele, <strong>de</strong> Milão. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 14-02-2013. A tradução é<br />
<strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Nessa quarta-feira, o porta-voz da Sala <strong>de</strong> Imprensa vaticana, o padre jesuíta Lombardi,<br />
<strong>de</strong>clarou que, a partir da noite do dia 28 <strong>de</strong> fevereiro próximo, Joseph Ratzinger não será mais<br />
infalível. Ora, se já é difícil enten<strong>de</strong>r como um ser humano po<strong>de</strong> vir a ser infalível, talvez ainda<br />
mais difícil é compreen<strong>de</strong>r como ele po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> repente, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sê-lo. Porém, foi o próprio padre<br />
Lombardi que esclareceu bem a questão.<br />
E sublinhou que a infalibilida<strong>de</strong> "está conectada ao ministério petrino, não à pessoa que<br />
renunciou ao pontificado". Isto é, o atual pontífice é infalível como Papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, porque,<br />
como papa, goza da graça particular ligada ao seu estado <strong>de</strong> Pontífice Romano, que a teologia<br />
chama precisamente <strong>de</strong> "graça <strong>de</strong> estado".<br />
Não é nada infalível, ao invés, como indivíduo <strong>de</strong> nome Joseph Ratzinger, que, como homem<br />
como nós, po<strong>de</strong> se equivocar nas coisas comuns da vida, por exemplo, nos julgamentos sobre as<br />
pessoas (e eu não penso que possa haver dúvidas sobre o fato <strong>de</strong> que sobre alguns dos<br />
colaboradores ele não tenha sempre visto certo), nos julgamentos políticos e até naqueles<br />
bíblicos e teológicos.<br />
Ratzinger estava totalmente consciente <strong>de</strong> tudo isso, visto que escreveu no seu primeiro livro<br />
sobre Jesus que "cada um é livre para me contradizer", e o que leva um papa a dizer que cada um
é livre para contradizê-lo (até quando escreve sobre Jesus!) senão precisamente a consciência da<br />
sua humana possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se equivocar?<br />
Mas se as coisas são assim, em que consiste precisamente a infalibilida<strong>de</strong> papal e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem?<br />
A infalibilida<strong>de</strong> que cabe ao romano pontífice é o penúltimo dos dogmas <strong>de</strong>clarados pela Igreja<br />
Católica. Foi proclamado pelo Concílio Vaticano I com a constituição dogmática Pastor<br />
aeternus, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1870, em uma Europa que, no dia seguinte, veria a eclosão da<br />
Guerra Franco-Prussiana entre o Segundo Império Francês e o Reino da Prússia, e em uma<br />
Roma que quase já pressentia a chegada das tropas piemontesas prontas para atacar a capital do<br />
Estado pontifício.<br />
O papa reinante era Pio IX, que seis anos antes havia publicado uma verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
guerra ao mundo mo<strong>de</strong>rno, o famoso Sílabo, ou seja, coleção <strong>de</strong> erros proscritos. Quem estava<br />
sob ataque, portanto, antes mesmo da capital do Estado pontifício, era a mente católica, que<br />
assistia ao irrefreável processo que a estava privando daquele primado moral e espiritual que ela<br />
<strong>de</strong>tinha há séculos.<br />
Assim se explica o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> centralização em torno da figura do papa e do seu primado do qual<br />
brotou o dogma da infalibilida<strong>de</strong> pontifícia. Ele <strong>de</strong>clara que o romano pontífice, quando fala ex<br />
cathedra, isto é, quando <strong>de</strong>fine uma doutrina em matéria <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> moral, goza <strong>de</strong> infalibilida<strong>de</strong>.<br />
E que, para a fé católica, não se trata <strong>de</strong> um simples opcional; o Vaticano I a pensou <strong>de</strong>ixando<br />
claro: "Se, porém, alguém, Deus não queira!, ousar contrariar essa nossa <strong>de</strong>finição: seja<br />
anátema". Anátema, para quem não o sabe, é sinônimo <strong>de</strong> excomunhão.<br />
De 1870 até hoje, o dogma da infalibilida<strong>de</strong> foi usado somente uma vez, especificamente por Pio<br />
XII, em 1950, quando proclamou o dogma da Assunção aos céus da Santa Virgem Maria em<br />
corpo e alma. Mas, apesar do uso parcimonioso, a questão da infalibilida<strong>de</strong> tornou-se ar<strong>de</strong>nte<br />
assim mesmo por causa do célebre teólogo suíço Hans Küng, que, precisamente por ter criticado<br />
a infalibilida<strong>de</strong> pontifícia com um livro que fez época, intitulado Infalível? Uma pergunta<br />
(1970), foi privado por João Paulo II da qualificação <strong>de</strong> teólogo católico.<br />
É crível hoje um dogma como o da infalibilida<strong>de</strong> papal? A meu ver, ao invés, ele acaba<br />
afastando do sentimento religioso. Eu penso, <strong>de</strong> fato, que, para a consciência, é a própria noção<br />
<strong>de</strong> infalibilida<strong>de</strong> que se torna impossível hoje, quando as próprias ciências exatas se <strong>de</strong>claram<br />
conscientes <strong>de</strong> apresentar dados cada vez mais sujeitos a possíveis revisões e, como tais,<br />
<strong>de</strong>claráveis apenas "não falsificados" e nunca absolutamente verda<strong>de</strong>iros.<br />
Vivemos em uma época em que a própria noção teórica <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> é pouco crível, ainda mais<br />
quando se trata <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> absoluta, dogmática, indiscutível. Ratzinger sabe bem disso e não<br />
por acaso, há muito tempo, acusa esta época <strong>de</strong> "relativismo", mas não é culpa <strong>de</strong> ninguém se as<br />
coisas são assim, é o espírito dos tempos que se move e se manifesta nas mentes <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um<br />
século como foi o XX, e é preciso reconhecer isso se quisermos continuar falando ao mundo <strong>de</strong><br />
hoje.<br />
Também à luz do fato <strong>de</strong> que um papa, Honório I, foi <strong>de</strong>clarado herege pelo Concílio<br />
Ecumênico Constantinopolitano III, Küng propunha que se substituísse a infalibilida<strong>de</strong> pelo<br />
conceito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>fectibilida<strong>de</strong>, querendo dizer com isso que a questão subjacente à infalibilida<strong>de</strong>
não se refere à razão teórica, mas sim à vonta<strong>de</strong>, "ao coração", como diria Pascal, ou seja, que a<br />
Igreja nunca abrirá mão da tarefa belíssima <strong>de</strong> ser fiel ao seu Senhor e ao primado do bem e do<br />
amor que <strong>de</strong>le se segue.<br />
Parece-me uma proposta mais atual, mais humil<strong>de</strong>, mais evangélica.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
''<strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> abdica como um rei. Uma revolução, aquele trono vazio''. Entrevista com<br />
Jacques Le Goff<br />
Jacques Le Goff está surpreso e fascinado pelo gesto <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, um daqueles raríssimos<br />
eventos que, segundo o gran<strong>de</strong> historiador, <strong>de</strong>monstram a força plurissecular do cristianismo.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Giampiero Martinotti, publicada no jornal La Repubblica, 12-02-2013. A<br />
tradução é <strong>de</strong> Moisés Sbar<strong>de</strong>lotto.<br />
Professor Le Goff, a <strong>renúncia</strong> do papa faz pensar no trono vazio: é uma imagem a<strong>de</strong>quada<br />
para resumir o gesto do pontífice?<br />
Sim e não. Pessoalmente, não é uma imagem que me toca muito, mas é importante para uma<br />
religião: ela mostra que, mesmo que a religião não tenha uma cabeça humana para mostrar, há<br />
sempre o trono que simboliza a existência <strong>de</strong> um rei no céu, Deus. Consequentemente, o trono<br />
vazio é o símbolo da continuida<strong>de</strong>. Ele é um dos atout do cristianismo, que sempre evitou as<br />
rupturas e para o qual a única ruptura foi a encarnação <strong>de</strong> Jesus. Po<strong>de</strong> haver crises, reviravoltas,<br />
catástrofes, mas o trono <strong>de</strong> Deus está sempre lá. Essa eterna associação entre a mudança e a<br />
continuida<strong>de</strong>, encarnada pelo trono vazio, é uma das virtu<strong>de</strong>s do cristianismo.<br />
Como o senhor reagiu à <strong>de</strong>missão? Não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão, porque a <strong>de</strong>missão é dada diante<br />
<strong>de</strong> uma assembleia perante a qual se é responsável. É um termo que se refere às <strong>de</strong>mocracias,<br />
não existe para o papa. Acredito que se <strong>de</strong>va voltar à palavra abdicação, como para os monarcas.<br />
Por que ele o fez, na sua opinião? Ele diz que é por causa da ida<strong>de</strong> e do cansaço, mas,<br />
fundamentalmente, ele se retira diante do mundo mo<strong>de</strong>rno. Ele se sente incapaz <strong>de</strong> dominar este<br />
mundo, <strong>de</strong> fazer ouvir suficientemente a voz do Deus dos cristãos e da Igreja Católica neste<br />
mundo. Na sua retirada, sintetizam-se a luci<strong>de</strong>z, a modéstia, a esperança <strong>de</strong> permitir que a Igreja<br />
volte a subir a <strong>de</strong>scida e enfrente melhor o futuro.<br />
E agora o que acontecerá? É a pergunta mais importante: o que o conclave fará? Certamente,<br />
eu não sei, não sou car<strong>de</strong>al, nem eclesiástico e muito menos especialista da Igreja<br />
contemporânea. Como historiador, olho para o passado: nunca houve um papa que tenha se<br />
retirado entre o século XV e hoje. Na Ida<strong>de</strong> Média, houve dois casos. Fala-se sobretudo <strong>de</strong><br />
Gregório XII, papa no período do Gran<strong>de</strong> Cisma, que se po<strong>de</strong> dizer que renunciou diante do<br />
Concílio <strong>de</strong> Basileia: na Ida<strong>de</strong> Média, havia quem pensasse que o concílio era superior ao papa.<br />
Antes ainda, em 1294, houve Celestino V, do qual Dante fala na Divina Comédia como aquele<br />
que fez "a gran<strong>de</strong> recusa". Apesar das diferenças muito gran<strong>de</strong>s, há algo em comum entre<br />
Celestino V e <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.
A mais <strong>de</strong> sete séculos <strong>de</strong> distância, o senhor vê alguma semelhança entre os dois casos?<br />
Celestino V era um eremita tradicional; Ratzinger, um teólogo tradicional. Penso que há algo <strong>de</strong><br />
comparável. Celestino V pensava ser incapaz <strong>de</strong> guiar a Igreja porque pertencia profundamente<br />
ao cristianismo medieval tradicional, dominado pelo monaquismo, o anacoretismo, enquanto a<br />
cristanda<strong>de</strong> havia se modificado profundamente, havia conhecido um <strong>de</strong>senvolvimento rural e<br />
urbano consi<strong>de</strong>rável e, no fim do século XIII, havia se tornado um mundo novo. Eu vejo uma<br />
semelhança entre essa época e este início do século XXI. Faz-me pensar em uma coisa que,<br />
como historiador, sempre me chamou a atenção, mesmo não sendo crente: penso que uma parte<br />
do Oci<strong>de</strong>nte teve a sorte <strong>de</strong> ter o cristianismo como religião.<br />
Como assim? O que há <strong>de</strong> tão diferente das outras religiões? Essencialmente por duas razões.<br />
A primeira é que o cristianismo distingue o que pertence a Deus e o que pertence a César, não<br />
mistura religião e política. A segunda razão é que, apesar dos atrasos e da lentidão, apesar da<br />
crise que atinge todas as religiões, ele sobreviveu bastante bem, porque soube se adaptar às<br />
mudanças profundas <strong>de</strong>ste mundo. E eu acredito que, nestas horas, estamos assistindo a um<br />
daqueles acontecimentos plurisseculares característicos do cristianismo.<br />
O senhor disse que Ratzinger se retira diante da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Porém, o teólogo que era<br />
catalogado como reacionário vai embora com um gesto mo<strong>de</strong>rno. Havia acontecido a mesma<br />
coisa com Celestino V: nunca se havia visto nada do tipo e, por isso, Dante fala a respeito.<br />
Ratzinger não ren<strong>de</strong> homenagem à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, porque, ao mesmo tempo, o seu gesto é uma<br />
rejeição da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: o papa que abdica se retira <strong>de</strong>la.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Quem vai pegar as chaves <strong>de</strong> Pedro<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Seus últimos atos. O iminente conclave e os candidatos à sucessão.<br />
As novida<strong>de</strong>s e as incógnitas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão sem prece<strong>de</strong>ntes na história.<br />
A reportagem é <strong>de</strong> Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 14-02-2013. A tradução é do<br />
Cepat.<br />
Na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma quinta-feira comum <strong>de</strong> Quaresma, às 20h do dia 28 <strong>de</strong> fevereiro, Joseph<br />
Ratzinger dará, pois, esse passo que nenhum <strong>de</strong> seus pre<strong>de</strong>cessores havia ousado dar. Ele<br />
colocará na cátedra <strong>de</strong> Pedro as chaves do reino dos céus que outro estará chamado a pegar.<br />
Este gesto tem a força <strong>de</strong> uma revolução que não tem equivalente, nem sequer em séculos<br />
distantes. A partir daqui a Igreja entra em terreno <strong>de</strong>sconhecido. Deverá escolher um novo Papa<br />
enquanto o pre<strong>de</strong>cessor ainda está vivo e suas palavras ainda ressoam, suas <strong>de</strong>cisões ainda são<br />
aplicadas e sua agenda aguarda para ser executada.<br />
Esses car<strong>de</strong>ais que na manhã <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro haviam sido convocados para a sala do<br />
consistório para a canonização dos 800 cristãos mártires <strong>de</strong> Otranto, que foram martirizados<br />
pelos turcos há seis séculos, ficaram atônitos quando ouviram <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, ao término da<br />
cerimônia, anunciar em latim sua <strong>renúncia</strong> ao pontificado.
Cabe a eles, no meio da Quaresma, a tarefa <strong>de</strong> escolher o sucessor. No domingo <strong>de</strong> Ramos, 24 <strong>de</strong><br />
março, o novo escolhido celebrará sua primeira missa na praça <strong>de</strong> <strong>São</strong> Pedro, no dia da entrada<br />
<strong>de</strong> Jesus em Jerusalém, montado no lombo <strong>de</strong> um burro e sendo aclamado como o “bendito que<br />
vem em nome do Senhor”.<br />
Serão 117 os car<strong>de</strong>ais que, em meados <strong>de</strong> março, se trancarão em conclave, o mesmo número<br />
que aqueles que há oito anos escolheram o Papa Joseph Ratzinger no quarto escrutínio com<br />
mais <strong>de</strong> dois terços dos votos, em uma das eleições mais rápidas e menos discutidas da história.<br />
Desta vez, no entanto, tudo será diferente. O anúncio da <strong>renúncia</strong> surpreen<strong>de</strong>u, como um ladrão<br />
na noite, sem que um longo ocaso do pontificado, como havia acontecido com João Paulo II,<br />
lhes tenha permitido chegar ao conclave com as opções já suficientemente analisadas.<br />
Em 2005, a candidatura <strong>de</strong> Ratzinger não surgiu repentinamente: ela tinha sido amadurecida ao<br />
menos durante alguns anos antes, e todas as candidaturas alternativas haviam fracassado uma<br />
após a outra. Agora, seguramente não será assim. E um elemento inédito se soma à dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> distinguir as possíveis escolhas: a presença do Papa renunciante.<br />
O conclave é uma máquina eleitoral única no mundo que, afinada ao longo do tempo, conseguiu<br />
no último século produzir resultados surpreen<strong>de</strong>ntes, escolhendo Papa homens <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>cididamente mais elevadas do que o nível médio do colégio cardinalício que, por sua vez, os<br />
elegeram.<br />
Para citar o caso mais clamoroso, a escolha, em 1978, <strong>de</strong> Karol Wojtyla foi um momento <strong>de</strong><br />
genialida<strong>de</strong> que permanecerá para sempre nos livros <strong>de</strong> história.<br />
A nomeação <strong>de</strong> Ratzinger, em 2005, não o foi menos, como confirmaram os quase oito anos <strong>de</strong><br />
seu pontificado, marcado por uma distância insuperável entre a gran<strong>de</strong>za do escolhido e a<br />
mediocrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> seus eleitores.<br />
Além disso, os conclaves se caracterizam muitas vezes pela capacida<strong>de</strong> do colégio cardinalício<br />
<strong>de</strong> imprimir mudanças <strong>de</strong> rumo no papado. A sequência dos últimos Papas é instrutiva também a<br />
este respeito.<br />
Não é uma longa lista cinzenta, repetitiva e chata. É uma sucessão <strong>de</strong> homens e acontecimentos<br />
marcados cada um <strong>de</strong>les por uma forte originalida<strong>de</strong>. O inesperado anúncio do concílio feito pelo<br />
Papa João XXIII a um grupo <strong>de</strong> car<strong>de</strong>ais reunidos na Igreja <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo Extramuros não foi,<br />
certamente, menos surpreen<strong>de</strong>nte e revolucionário que o anúncio da <strong>renúncia</strong> feito por <strong>Bento</strong><br />
<strong>XVI</strong> a outro grupo <strong>de</strong> car<strong>de</strong>ais estupefatos há poucos dias.<br />
Mas nas próximas semanas acontecerá algo que nunca aconteceu. Os car<strong>de</strong>ais terão que <strong>de</strong>cidir<br />
sobre o que é preciso confirmar ou inovar em relação ao pontífice prece<strong>de</strong>nte, enquanto este<br />
ainda está vivo. De Ratzinger todos recordam e admiram o respeito com o qual tratava também<br />
a quem era seu adversário: em relação ao car<strong>de</strong>al Carlo Maria Martini, o mais eminente <strong>de</strong><br />
seus opositores, manifestou sempre uma admiração profunda e sincera. Mas apesar <strong>de</strong> seu<br />
prometido retiro <strong>de</strong>dicado à oração e ao estudo, quase uma clausura, é difícil evitar que sua<br />
presença, embora silenciosa, não pese sobre os car<strong>de</strong>ais convocados para o conclave e, <strong>de</strong>pois,
sobre o novo escolhido. É inexoravelmente mais fácil falar com liberda<strong>de</strong> e franqueza <strong>de</strong> um<br />
Papa no céu do que com um ex-Papa na terra.<br />
Até dia 28 <strong>de</strong> fevereiro, a agenda <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> não sofrerá modificações. Depois do reto da<br />
imposição das cinzas e <strong>de</strong> uma “lectio” aos sacerdotes <strong>de</strong> Roma sobre o Concílio Vaticano II,<br />
ele aparecerá no domingo para o Angelus, receberá na quarta-feira em audiência geral, fará o<br />
Exercícios Espirituais escutando a pregação do car<strong>de</strong>al Gianfranco Ravasi, receberá em visita<br />
“ad limina” os bispos <strong>de</strong> Ligúria presididos pelo car<strong>de</strong>al Angelo Bagnasco e <strong>de</strong>pois os da<br />
Lombardia sob a li<strong>de</strong>rança do car<strong>de</strong>al Angelo Scola.<br />
A casualida<strong>de</strong> quer que precisamente ele pu<strong>de</strong>sse estar saudando o futuro Papa em um <strong>de</strong>stes<br />
car<strong>de</strong>ais.<br />
Na Itália, na Europa e na América do Norte a Igreja atravessa anos difíceis, um período <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>clínio geral. Mas com um <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong> e incidência pública, aqui e ali, às vezes<br />
inesperada, como aconteceu recentemente na França. Mais uma vez, portanto, os car<strong>de</strong>ais<br />
eleitores po<strong>de</strong>riam orientar-se para candidaturas oriundas <strong>de</strong>sta área, que, em todo o caso, segue<br />
tendo a li<strong>de</strong>rança teológica e cultural sobre toda a Igreja. E precisamente a Itália po<strong>de</strong>ria voltar à<br />
corrida, após o pontificado <strong>de</strong> um polonês e <strong>de</strong> um alemão.<br />
Entre os candidatos italianos, Angelo Scola, 71 anos, parece ser aquele que tem mais chances.<br />
Formou-se em teologia no cenáculo da Communio, a revista internacional que teve Ratzinger<br />
entre seus fundadores. Foi discípulo <strong>de</strong> dom Luigi Giussani, o fundador da Comunhão e<br />
Libertação. Foi reitor da Lateranense, a Universida<strong>de</strong> da Igreja <strong>de</strong> Roma. Foi patriarca <strong>de</strong><br />
Veneza, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrou uma eficaz capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governo e criou um centro teológico e<br />
cultural, o Marcianum, projetado, junto com a revista Oasis, para o encontro entre o Oci<strong>de</strong>nte e o<br />
Oriente cristão e islâmico. Há quase dois anos é arcebispo <strong>de</strong> Milão. E aqui introduziu um estilo<br />
pastoral muito atento aos “afastados”, com convites às missas na catedral distribuídos nas<br />
esquinas das ruas e nas estações <strong>de</strong> metrô, e com uma atenção especial para os divorciados em<br />
segunda união, que são animados a se aproximarem do altar para receber, não a comunhão, mas<br />
uma bênção especial.<br />
Além <strong>de</strong> Scola, po<strong>de</strong>ria figurar na lista dos possíveis candidatos também o car<strong>de</strong>al Bagnasco,<br />
70 anos, arcebispo <strong>de</strong> Gênova e presi<strong>de</strong>nte da Conferência Episcopal Italiana.<br />
Para não falar do atual patriarca <strong>de</strong> Veneza, Francesco Moraglia, 60 anos, astro nascente do<br />
episcopado italiano, pastor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vida espiritual, muito amado por seus fiéis. Seu limite é<br />
que não é car<strong>de</strong>al. Mas nada proíbe que possa ser escolhido também quem não faz parte do sacro<br />
colégio, embora inclusive o muito titulado Giovanni Battista Montini, invocado como Papa já<br />
em 1958 após a morte <strong>de</strong> Pio XII, teve que esperar para receber a púrpura antes <strong>de</strong> ser eleito, em<br />
1963, com o nome <strong>de</strong> Paulo VI.<br />
Fora da Itália, o colégio cardinalício parece que se orienta e olha para a América do Norte. Ali,<br />
um candidato que po<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r às expectativas é o cana<strong>de</strong>nse Marc Ouellet, 69 anos,<br />
poliglota, também ele formado teologicamente no cenáculo da Communio, durante muitos anos<br />
missionário na América Latina, <strong>de</strong>pois arcebispo <strong>de</strong> Quebec, isto é, <strong>de</strong> uma das regiões mais<br />
secularizadas do mundo e hoje prefeito da Congregação Vaticana que seleciona os novos bispos<br />
<strong>de</strong> todo o mundo.
Além <strong>de</strong> Ouellet, dois norte-americanos são apreciados pelo colégio cardinalício: Timothy<br />
Dolan, 63 anos, dinâmico arcebispo <strong>de</strong> Nova York e presi<strong>de</strong>nte da Conferência Episcopal dos<br />
Estados Unidos; e Sean O’Malley, 69 anos, arcebispo <strong>de</strong> Boston.<br />
Nada, contudo, exclui que o próximo conclave <strong>de</strong>cida abandonar o velho mundo e abrir-se aos<br />
outros continentes.<br />
Embora na América Latina e na África, on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> a maior parte dos católicos, não parecem<br />
emergir personalida<strong>de</strong>s relevantes capazes <strong>de</strong> atrair votos, o mesmo não acontece com a Ásia.<br />
Neste continente, que se prepara para converter-se no novo eixo do mundo, também a Igreja<br />
católica joga seu futuro. Nas Filipinas, que é o único país da Ásia on<strong>de</strong> os católicos são maioria,<br />
brilha um jovem e culto car<strong>de</strong>al, o arcebispo <strong>de</strong> Manila Luis Antonio Tagle, em relação ao qual<br />
cresce a atenção.<br />
Como teólogo e historiador da Igreja, Tagle foi um dos autores da monumental história do<br />
Concílio Vaticano II publicada pela progressista “Escola <strong>de</strong> Bolonha”. Mas como pastor mostrou<br />
um equilíbrio <strong>de</strong> visão e uma retidão doutrinal que o próprio <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> apreciou muito.<br />
Surpreen<strong>de</strong>, sobretudo, o estilo com que exerce a missão <strong>de</strong> bispo, vivendo sobriamente e<br />
misturando-se com as pessoas mais humil<strong>de</strong>s, com gran<strong>de</strong> paixão missionária e <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>.<br />
Um limite po<strong>de</strong>ria ser que está com 56 anos, um ano a menos que a ida<strong>de</strong> com a qual foi eleito<br />
Papa Wojtyla. Mas aqui volta a ter importância a novida<strong>de</strong> do anúncio <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>. Depois<br />
<strong>de</strong>ste gesto, a jovem ida<strong>de</strong> não será nunca um obstáculo para ser eleito Papa.<br />
Uma aposta sobrenatural<br />
A <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> ao papado não é, para ele, nem uma <strong>de</strong>rrota nem uma rendição. “O<br />
futuro é nosso, o futuro é <strong>de</strong> Deus”, disse contra os profetas do infortúnio em sua última aparição<br />
pública antes do anúncio da <strong>renúncia</strong>, na tar<strong>de</strong> da sexta-feira, 08 <strong>de</strong> fevereiro, no seminário<br />
romano.<br />
E dois invernos atrás, falando precisamente sobre sua possível futura <strong>renúncia</strong>, havia advertido:<br />
“Não se po<strong>de</strong> fugir no momento <strong>de</strong> perigo e dizer: que outro se ocupe com isso. Po<strong>de</strong>-se<br />
renunciar num momento <strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> ou quando simplesmente não dá mais”.<br />
Se agora, portanto, o Papa Joseph Ratzinger <strong>de</strong>cidiu, em consciência, que sua jornada <strong>de</strong><br />
“humil<strong>de</strong> trabalhador na vinha do Senhor” chegou ao fim, é simplesmente porque viu realizadas<br />
as duas condições: o momento é sereno e o vigor para “administrar bem” diminuiu pelo peso dos<br />
anos.<br />
Efetivamente, parece que há uma trégua <strong>de</strong>pois das muitas tempesta<strong>de</strong>s que se suce<strong>de</strong>ram em<br />
seus quase oito anos <strong>de</strong> pontificado. Uma trégua que, no entanto, <strong>de</strong>ixou intactas as posições <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r que, na cúria, alimentam há muitos anos a instabilida<strong>de</strong>.<br />
Serão os dois últimos secretários <strong>de</strong> Estado, Angelo Sodano e Tarcisio Bertone, nenhum dos<br />
quais é inocente, que vão governar o interregno entre um Papa e outro: o primeiro como <strong>de</strong>cano<br />
do colégio cardinalício e o segundo como carmelengo. Mas ambos sairão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>finitivamente
<strong>de</strong> cena. Em relação aos outros dirigentes da cúria, o “spoils system” que entra em vigor,<br />
segundo a lei canônica em cada mudança <strong>de</strong> pontificado, libertará o novo Papa, caso ele o quiser,<br />
dos maus administradores da gestão anterior.<br />
Em seus quase oito anos <strong>de</strong> pontificado, <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> foi <strong>de</strong>terminado e clarivi<strong>de</strong>nte ao indicar as<br />
metas e manter firme o timão, mas na barca <strong>de</strong> Pedro a tripulação nem sempre lhe foi fiel.<br />
Foi assim quando ele impôs uma linha <strong>de</strong> conduta rigorosa para combater o escândalo da<br />
pedofilia entre o clero, tendo que enfrentar aplicações hipócritas e tardias.<br />
Foi assim quando ele or<strong>de</strong>nou a limpeza e transparência nos escritórios financeiros eclesiásticos,<br />
sendo <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cido.<br />
Foi assim quando ele viu como foi traído pelo mordomo <strong>de</strong> confiança, que violou seus segredos<br />
e roubou os documentos mais pessoais.<br />
Mas há mais. O Papa Ratzinger se esmerou sobretudo para reavivar a fé da Igreja, para corrigir<br />
as <strong>de</strong>rivas na doutrina, na moral, nos sacramentos e nos mandamentos. E também aqui, muitas<br />
vezes, encontrou-se sozinho, atacado, incompreendido.<br />
Em síntese, a reforma que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> perseguia é uma reforma inacabada. Renunciando,<br />
reconheceu que não po<strong>de</strong> levá-la adiante com suas poucas forças. E se confiou ao conclave para<br />
que eleja um novo Papa que tenha a energia necessária para levar a cabo tal empresa.<br />
A sua é uma aposta sobrenatural que recorda a <strong>de</strong> seu pre<strong>de</strong>cessor João Paulo II nos últimos e<br />
dolorosos anos <strong>de</strong> sua vida.<br />
Entre os analistas da Igreja, é o professor Pietro De Marco, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florença,<br />
quem compreen<strong>de</strong>u com mais perspicácia o significado da audaz <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>.<br />
Parece haver uma diferença abissal entre o atual Papa e seu pre<strong>de</strong>cessor João Paulo II, que, em<br />
vez <strong>de</strong> renunciar, quis “permanecer na cruz” até o último momento. Mas não é bem assim. O<br />
Papa Karol Wojtyla quis tirar do carisma <strong>de</strong> seu corpo doente um proveito espiritual para a<br />
Igreja que ultrapassasse a crescente ineficiência <strong>de</strong> seu governo. Ao passo que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong><br />
enfrenta um risco simétrico: confia o governo da Igreja, isto é, seu “bem”, às forças completas <strong>de</strong><br />
seu sucessor, em vez <strong>de</strong> aos benefícios espirituais oferecidos por uma entrega prolongada à<br />
própria <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>, caso permanecesse no cargo.<br />
O carisma <strong>de</strong> João Paulo II e a racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> são as duas faces indissolúveis dos<br />
dois últimos pontificados, cujo sinal são os respectivos atos finais. É, portanto, insensato ver na<br />
<strong>renúncia</strong> do atual Papa o início <strong>de</strong> uma nova práxis que obrigará os futuros pontífices a renunciar<br />
por doença ou pelo peso da ida<strong>de</strong>, eventualmente sob a arbitragem <strong>de</strong> um júri visível ou invisível<br />
formado por médicos, bispos, canonistas, psicólogos.<br />
A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um Papa <strong>de</strong> renunciar ou permanecer no cargo até o fim é sempre só sua, segundo o<br />
or<strong>de</strong>namento da Igreja. <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> <strong>de</strong>cidiu sua <strong>renúncia</strong> “em consciência diante <strong>de</strong> Deus” e não<br />
a submeteu a ninguém. Simplesmente a comunicou.
E agora colocou tudo nas mãos impon<strong>de</strong>ráveis do próximo conclave e do futuro pontífice.<br />
Comenta De Marco:<br />
“O <strong>de</strong>safio, no que se refere ao juízo humano, é enorme. Mas confio nisto: do mesmo modo que<br />
o elevado risco <strong>de</strong> João Paulo II <strong>de</strong> governar a Igreja com seu ser sofredor obteve o milagre da<br />
eleição do Papa <strong>Bento</strong>, assim o risco, igualmente radical, <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a condução da<br />
Igreja a Cristo para que confie seu peso a um novo Papa com forças, permitirá ter um outro<br />
pontífice à altura da História”.<br />
Sábado, 16 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2013<br />
Retrato falado <strong>de</strong> um Papa sonhado<br />
“Com boa saú<strong>de</strong>, universal, humil<strong>de</strong>, amigo dos mais pobres... que saiba sorrir”.<br />
O artigo é <strong>de</strong> Pedro Miguel Lamet, padre jesuíta, jornalista e escritor, espanhol, em artigo<br />
publicado por Religión Digital, 15-02-2013. A tradução é do Cepat.<br />
Estas são as características <strong>de</strong> um “retrato falado” i<strong>de</strong>al do próximo Papa, na minha opinião:<br />
1. Um homem que tenha <strong>de</strong>sperto. Quer dizer, um homem <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong> oração e, na medida do<br />
possível, <strong>de</strong> experiência mística. Entendo por “<strong>de</strong>spertar” alcançar uma luz interior que lhe<br />
permita, acima da norma e do constrangimento canônico, olhar além da cúria, dos dogmas, do<br />
Direito e das convenções para abrir-se ao Espírito, que “sopra on<strong>de</strong> quer”.<br />
2. Um homem <strong>de</strong> mundo. Ser um homem <strong>de</strong> mundo não significa “ser do mundo”, mas estar no<br />
mundo com conhecimento do mesmo. Não um papa <strong>de</strong> gabinete, fechado em seu santuário e<br />
isolado da vida. Tampouco um papa <strong>de</strong> viagens preparadas nos quais não acaba <strong>de</strong> sair da bolha<br />
e falar com as pessoas reais. Um papa que não só fale, mas que também saiba escutar e,<br />
sobretudo, que dialogue com a cultura atual.<br />
3. Um homem que saiba sorrir. Lembro que durante a eleição <strong>de</strong> João Paulo I e João Paulo II<br />
um comitê americano para a eleição <strong>de</strong> um papa colocou como condição que soubesse rir.<br />
Ambos, e também <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong>, souberam rir. Mas para além <strong>de</strong> uma experiência do rosto, o<br />
mundo necessita <strong>de</strong> otimismo e esperança diante <strong>de</strong> tantos catastrofismos.<br />
4. Um homem corajoso, que não tenha medo das reformas. Foi dito que <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> não pô<strong>de</strong><br />
fazer as mudanças que pretendia na cúria e, segundo expressão do diretor do L’Osservatore<br />
Romano, que estava “ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> lobos”. Necessita-se <strong>de</strong> vigor espiritual e físico para<br />
empreen<strong>de</strong>r as reformas <strong>de</strong> que a Igreja necessita.<br />
5. Um homem do Vaticano II. Aos 50 anos do Concílio todos os especialistas sérios afirmam<br />
que há questões pen<strong>de</strong>ntes em sua realização. Diante da involução atual e uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensiva<br />
<strong>de</strong> proteger-se nos castelos <strong>de</strong> inverno diante <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada inimiga da Igreja, é<br />
preciso voltar à praça pública e retomar o conceito <strong>de</strong> Povo <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong> Ecumenismo, <strong>de</strong><br />
Liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência dos po<strong>de</strong>res públicos, <strong>de</strong> não preten<strong>de</strong>r batizar as instituições civis,<br />
<strong>de</strong> oferecer a mensagem <strong>de</strong> Jesus sem impô-la. E que não tenha medo, se for necessário, <strong>de</strong><br />
convocar um novo concílio.
6. Um homem livre. Deduz-se <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>spertar interior do primeiro ponto. Mas o ofício <strong>de</strong> papa<br />
está cheio <strong>de</strong> condicionamentos para quem se senta na Sé Apostólica. É preciso olhar sobretudo<br />
para a sua consciência e diante <strong>de</strong> Deus tomar <strong>de</strong>cisões. O último ato <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> foi, neste<br />
sentido, um maravilhoso exemplo.<br />
7. Um homem com boa saú<strong>de</strong>. Nem muito idoso nem muito jovem. Psicológica e fisicamente<br />
maduro com capacida<strong>de</strong> física e espiritual para enfrentar os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> um tempo difícil. De 65<br />
a 75 anos, diria e em forma para durar como papa ao menos uma década, não mais.<br />
8. Um homem universal. Seria bom se não pertencesse a nenhuma família ou movimento<br />
religioso, para que fosse <strong>de</strong> todos. Me inclinaria, se é que existe o candidato com as <strong>de</strong>mais<br />
qualida<strong>de</strong>s, que pertencesse ao Terceiro Mundo, particularmente à América Latina on<strong>de</strong> vive<br />
quase a meta<strong>de</strong> dos católicos.<br />
9. Um homem humil<strong>de</strong>. Embora esteja incluído no pacote <strong>de</strong> santo, especifico a humilda<strong>de</strong> e a<br />
simplicida<strong>de</strong>, porque cargo tão importante po<strong>de</strong> provocar orgulho, segurança e prepotência e só a<br />
humilda<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>saparecimento do eu, permitirá que Deus atue através <strong>de</strong>le.<br />
10. Um homem amigo dos mais pobres. Todas as bem-aventuranças po<strong>de</strong>m ser resumidas na<br />
seguinte: “os pobres são evangelizados”. O novo papa <strong>de</strong>ve ter no coração, sobretudo, o lado<br />
obscuro do mundo, aquele que não conta, o da fome e da injustiça. Talvez seja prematuro, mas<br />
quando virá o tempo em que os palácios vaticanos se converterão em museus e o papa se mu<strong>de</strong><br />
para uma residência simples, <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> viajar como chefe <strong>de</strong> Estado e embaixador em todo o<br />
mundo? Mas ao menos não seria pouco se, ao final <strong>de</strong> seu pontificado, se pu<strong>de</strong>sse chamá-lo <strong>de</strong><br />
“o papa dos pobres”.<br />
Não custa sonhar!<br />
A eleição <strong>de</strong> um novo papa e o Espírito Santo<br />
Depois da louvável atitu<strong>de</strong> do ancião <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> renunciando ao governo da Igreja Católica<br />
Romana suce<strong>de</strong>ram-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões <strong>de</strong> todo<br />
o país. Sem dúvida, um acontecimento <strong>de</strong> tal importância para a Igreja Católica Romana é<br />
notícia e leva a previsões, elucubrações <strong>de</strong> variados tipos, sobretudo <strong>de</strong> suspeitas, intrigas e<br />
conflitos <strong>de</strong>ntro dos muros do Vaticano que teriam apressado a <strong>de</strong>cisão do papa.<br />
No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista<br />
pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da<br />
forma como alguns padres entrevistados ou padres li<strong>de</strong>rando uma programação televisiva,<br />
quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a<br />
inspiração ou vonta<strong>de</strong> do Espírito Santo como aquele do qual <strong>de</strong>pendia a escolha do novo<br />
pontífice romano. Nada <strong>de</strong> pensar em pessoas concretas para respon<strong>de</strong>r a situações mundiais<br />
<strong>de</strong>safiantes, nada <strong>de</strong> suscitar uma reflexão na comunida<strong>de</strong>, nada <strong>de</strong> falar dos problemas atuais da<br />
Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada <strong>de</strong> ouvir os clamores da comunida<strong>de</strong><br />
católica por uma <strong>de</strong>mocratização significativa das estruturas anacrônicas <strong>de</strong> sustentação da Igreja<br />
institucional. A formação teológica <strong>de</strong>sses padres comunicadores não lhes permite sair <strong>de</strong> um<br />
discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a<br />
forças ocultas e <strong>de</strong> certa forma confirmando seu próprio po<strong>de</strong>r. A contínua referência ao Espírito
Santo a partir <strong>de</strong> um misterioso mo<strong>de</strong>lo hierárquico é uma forma <strong>de</strong> camuflar os reais problemas<br />
da Igreja e uma forma <strong>de</strong> retórica religiosa para não <strong>de</strong>svendar os conflitos internos que a<br />
instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando<br />
explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências <strong>de</strong> muitas pessoas<br />
que têm apreço pelo legado do Movimento <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> Nazaré. É uma teologia que continua<br />
igualmente a provocar a passivida<strong>de</strong> do povo crente frente às muitas dominações inclusive as<br />
religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas.<br />
Entristece-me o fato <strong>de</strong> verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser<br />
mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um<br />
referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindose<br />
aqui os não católicos e os não religiosos. A responsabilida<strong>de</strong> da mídia religiosa é enorme e<br />
inclui a importância <strong>de</strong> mostrar o quanto a história da Igreja <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das relações e<br />
interferências <strong>de</strong> todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo <strong>de</strong> sairmos<br />
<strong>de</strong>ssa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente <strong>de</strong> eleger o<br />
novo papa prescindindo dos conflitos, <strong>de</strong>safios, iniquida<strong>de</strong>s e qualida<strong>de</strong>s humanas. Já é tempo <strong>de</strong><br />
enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vonta<strong>de</strong>s humanas e que no final <strong>de</strong> um<br />
processo eletivo, nem sempre a escolha feita po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada a melhor para o conjunto.<br />
Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar<br />
respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilida<strong>de</strong> que todas e todos que nos consi<strong>de</strong>ramos<br />
membros da comunida<strong>de</strong> católica romana temos. A eleição <strong>de</strong> um novo papa é algo que tem a<br />
ver com o conjunto das comunida<strong>de</strong>s católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma<br />
elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além <strong>de</strong> um discurso justificativo<br />
do po<strong>de</strong>r papal e enfrentar-se aos problemas e <strong>de</strong>safios reais que estamos vivendo. Sem dúvida,<br />
para isso as dificulda<strong>de</strong>s são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o <strong>de</strong>sejo real <strong>de</strong><br />
promover mudanças que favoreçam a convivência humana.<br />
Preocupa-me mais uma vez que não se discuta <strong>de</strong> forma mais aberta o fato <strong>de</strong> o governo da<br />
Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar <strong>de</strong> suas qualida<strong>de</strong>s e sabedoria já<br />
não conseguem mais enfrentar com vigor e <strong>de</strong>senvoltura os <strong>de</strong>safios que estas funções<br />
representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem <strong>de</strong> um Deus<br />
branco, idoso e <strong>de</strong> barbas brancas? Haveria alguma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair <strong>de</strong>sse esquema ou <strong>de</strong> ao<br />
menos começar uma discussão em vista <strong>de</strong> uma organização futura diferente? Haveria alguma<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir essas discussões nas comunida<strong>de</strong>s cristãs populares que têm o direito à<br />
informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos?<br />
Sabemos o quanto a força das religiões <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios e comportamentos frutos <strong>de</strong><br />
convicções capazes <strong>de</strong> sustentar a vida <strong>de</strong> muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas<br />
não po<strong>de</strong>m se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão <strong>de</strong>liberadamente<br />
ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não po<strong>de</strong>m ser reduzidas a<br />
onda <strong>de</strong> <strong>de</strong>voções as mais variadas que se propagam através dos meios <strong>de</strong> comunicação. E mais,<br />
não po<strong>de</strong>mos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz <strong>de</strong> perguntas inteligentes e<br />
astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas<br />
passivas e entre elas estão muitos jovens que <strong>de</strong>senvolvem um culto romântico em torno da<br />
figura do papa. Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por<br />
avi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica,<br />
prescindindo da vonta<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante
<strong>de</strong>ssa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o<br />
clero e as autorida<strong>de</strong>s cardinalícias às quais é dado o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> eleger o novo papa e que esta é a<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Aos milhares <strong>de</strong> fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o<br />
melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o habemus papam. De maneira<br />
hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong><br />
coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja.<br />
É pena que esses formadores <strong>de</strong> opinião pública estejam ainda vivendo num mundo<br />
teologicamente e talvez até historicamente pré-mo<strong>de</strong>rno em que o sagrado parece se separar do<br />
mundo real e pousar numa esfera superior <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res à qual apenas alguns poucos têm acesso<br />
quase direto. É <strong>de</strong>solador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças<br />
infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunida<strong>de</strong> cristã.<br />
Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas<br />
enquanto o Evangelho <strong>de</strong> Jesus continuamente convoca para a responsabilida<strong>de</strong> comum <strong>de</strong> uns<br />
em relação aos outros.<br />
Sabendo das muitas dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelo papa <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> durante seu curto ministério<br />
papal, as empresas <strong>de</strong> comunicação católica apenas ressaltam suas qualida<strong>de</strong>s, sua doação à<br />
Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez<br />
escon<strong>de</strong>r os limites <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua postura política não apenas como pontífice,<br />
mas também por muitos anos, como presi<strong>de</strong>nte da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo<br />
Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam<br />
e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua<br />
pessoa sejam lembrados. Falam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua eleição, sobretudo <strong>de</strong> um papado <strong>de</strong> transição. Sem<br />
dúvida <strong>de</strong> transição, mas <strong>de</strong> transição para que?<br />
Gostaria que a atitu<strong>de</strong> louvável <strong>de</strong> <strong>renúncia</strong> <strong>de</strong> <strong>Bento</strong> <strong>XVI</strong> pu<strong>de</strong>sse ser vivida como um momento<br />
privilegiado para convidar as comunida<strong>de</strong>s católicas a repensar suas estruturas <strong>de</strong> governo e os<br />
privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto <strong>de</strong> vista<br />
econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado<br />
masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido<br />
por milhares <strong>de</strong> mulheres através do mundo nas diferentes instâncias <strong>de</strong> sua organização. Esse<br />
fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo <strong>de</strong> relações sociais <strong>de</strong> gênero que esse Estado<br />
continua mantendo na história social e política da atualida<strong>de</strong>.<br />
As estruturas pré-mo<strong>de</strong>rnas que ainda mantém esse po<strong>de</strong>r religioso precisam ser confrontadas<br />
com os anseios <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong> nossos povos na busca <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> organização que se<br />
coadunem melhor com os tempos e grupos plurais <strong>de</strong> hoje. Precisam ser confrontadas com as<br />
lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> diferentes orientações sexuais<br />
e escolhas, <strong>de</strong> pensadores, <strong>de</strong> cientistas e <strong>de</strong> trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam<br />
ser retrabalhadas na linha <strong>de</strong> um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e<br />
sabedorias espalhadas pelo mundo.<br />
E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um <strong>de</strong> nós,<br />
a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> todos os<br />
viventes. Um sopro <strong>de</strong> muitas formas, cores, sabores e intensida<strong>de</strong>s. Sopro <strong>de</strong> compaixão e<br />
ternura, sopro <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e diferença. Este sopro não po<strong>de</strong> mais ser usado para justificar e<br />
manter estruturas privilegiadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e tradições mais antigas ou medievais como se fossem
uma lei ou uma norma indiscutível e imutável. O vento, o ar, o espírito sopra on<strong>de</strong> quer e<br />
ninguém <strong>de</strong>ve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos<br />
aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e<br />
diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos <strong>de</strong> convivência, <strong>de</strong> paz e<br />
justiça. Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que<br />
nascem <strong>de</strong> nossa própria humanida<strong>de</strong>, os que nos levam a <strong>de</strong>nunciar as forças que impe<strong>de</strong>m a<br />
circulação da seiva da vida, os que nos levam a <strong>de</strong>scobrir os segredos ocultos dos po<strong>de</strong>rosos. Por<br />
isso, o espírito se mostra em ações <strong>de</strong> misericórdia, em pão partilhado, em po<strong>de</strong>r partilhado, em<br />
cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados,<br />
enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o po<strong>de</strong>r do espírito em nós, po<strong>de</strong>r<br />
que necessita ser acordado a cada novo momento <strong>de</strong> nossa história e ser acordado por nós, entre<br />
nós e para nós.<br />
Fonte: ADITAL<br />
- Ivone Gebara Escritora, filósofa e teóloga<br />
Cadastrado em: 14/2/2013