Performance e etnoestética: a montagem como ritual ou como ...
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Quando o neófito busca ser uma drag sem estabelecer laços familiares com sua<br />
preceptora ele geralmente paga em dinheiro pelos serviços da mesma, que estipula o tempo de um a<br />
três dias para a duração da iniciação. Já se o interessado em torna-se drag propor um laço familiar<br />
com a preceptora e a mesma aceitar a iniciação quase sempre ocorre sem pagamento em dinheiro.<br />
Nesse caso, o aprendizado é longo e pautado no laço afetivo entre mãe e filha, onde a primeira vai<br />
decidir quando a segunda já está capaz de “se montar” sozinha e com qualidade após longos<br />
períodos de experiência os quais podem durar meses. Durante esses períodos, a pessoa recebe o<br />
sobrenome da mãe mas é encarada por toda família drag <strong>como</strong> uma personagem iniciante na<br />
<strong>montagem</strong>. Ela só irá garantir o status de drag dentro do grupo quando sem a ajuda de ninguém<br />
realizar para si uma <strong>montagem</strong> de boa qualidade segundo as avaliações das drags.<br />
Verifica-se que no primeiro caso o neófito não precisa demonstrar de forma primorosa<br />
um manuseo dos objetos da <strong>montagem</strong>. Ele precisa apenas saber o básico, <strong>ou</strong> seja, adquirir certas<br />
noções de manipulação desses objetos. Seu aperfeiçoamento virá com o tempo e sozinho. No caso<br />
daqueles agentes que optaram por pertencer alguma família drag, eles vão sendo treinados por suas<br />
respectivas mães de modo tão preciso que o tempo de iniciação aqui é ditado pelo sentimento de<br />
aprovação da família, onde a matriarca dá a última palavra, acerca da qualidade do iniciante nas<br />
atividades da <strong>montagem</strong>.<br />
As famílias avaliam se seus iniciados são realmente dignos de carregarem o sobrenome<br />
particular de cada uma delas. Nenhuma família quer ser desmoralizada, <strong>ou</strong> melhor, tombada,<br />
gongada, por <strong>ou</strong>tra. Um membro com uma <strong>montagem</strong> da má qualidade contagia a reputação de toda<br />
família. Ele oferece perigo a mesma. As noções de perigo, sujeira e contágio, em nossas sociedades,<br />
tendem a manter uma estreita relação interpretativa (DOUGLAS, 1976). Em geral o que<br />
percebemos <strong>como</strong> perigoso o é porque suja e contagia. No caso da <strong>montagem</strong>, uma família drag não<br />
admite que nenhum de seus membros ande mal montado exatamente para que a negatividade dessa<br />
ação não recaia sobre os <strong>ou</strong>tros familiares.<br />
Como toda mãe pode ser questionada quanto a sua competência em criar seus filhos<br />
quando estes realizam uma má ação a mãe de <strong>montagem</strong> também consiste em alvo de críticas caso<br />
uma de suas filhas não “se monte” <strong>como</strong> deveria. As irmãs de uma drag, descuidada com a<br />
aparência, também são vítimas das más línguas. Ninguém quer ser vista <strong>como</strong> a irmã da “bicha<br />
cangalha”, da “<strong>montagem</strong> pão com ovo”, da “desaguendada de talento”, só para citar algumas<br />
expressões pejorativas do universo da <strong>montagem</strong>. As irmãs de uma drag mal montada ainda<br />
costumam serem interpeladas quanto à virtude de seus laços fraternos. Observações do tipo “que<br />
irmã é essa que não liga a <strong>ou</strong>tra!”, “sempre devemos ajudar as irmãs de <strong>montagem</strong> em tudo”, “essa<br />
drag é podre, ela ao menos ajuda a irmã a se montar melhor” e tantas mais uma vez por <strong>ou</strong>tra<br />
circulam no mercado de notícias das drag-queens.A <strong>montagem</strong> requer do agente um aprendizado,<br />
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