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Trinta anos depois de revolucionar os quadrinhos, Angeli faz ...

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35<br />

geraçÃo multifacetada<br />

Os músic<strong>os</strong> Romulo Fróes,<br />

Kiko Dinucci, Rodrigo<br />

Camp<strong>os</strong> e Marcelo Cabral<br />

conciliam experiências e<br />

estil<strong>os</strong> no coletivo Passo Torto<br />

MUITO ALÉM DOS<br />

CINCO SENTIDOS<br />

Stephan Doitschinoff<br />

m<strong>os</strong>tra sua arte místicopolítica<br />

ao mundo<br />

IMPULSIONADOS<br />

PELA MULTIDÃO<br />

O crowdfunding se firma<br />

como alternativa para<br />

o financiamento <strong>de</strong><br />

projet<strong>os</strong> culturais<br />

fev / mar 12<br />

o reflexo do<br />

matador<br />

<strong>Trinta</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>revolucionar</strong> <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong>,<br />

<strong>Angeli</strong> <strong>faz</strong> retr<strong>os</strong>pectiva <strong>de</strong><br />

arte e vida e se afirma em<br />

fase <strong>de</strong> transição


720 Ave Marias (2009), <strong>de</strong> STEPHAN DOITSCHINOFF | acrílico sobre tela


GERAÇÃO MULTIFACETADA<br />

Os músic<strong>os</strong> Romulo Fróes,<br />

Kiko Dinucci, Rodrigo<br />

Camp<strong>os</strong> e Marcelo Cabral<br />

conciliam experiências e<br />

estil<strong>os</strong> no coletivo Passo Torto<br />

MUITO ALÉM DOS<br />

CINCO SENTIDOS<br />

Stephan Doitschinoff<br />

m<strong>os</strong>tra sua arte místicopolítica<br />

ao mundo<br />

IMPULSIONADOS<br />

PELA MULTIDÃO<br />

O crowdfunding se firma<br />

como alternativa para<br />

o financiamento <strong>de</strong><br />

projet<strong>os</strong> culturais<br />

fev / mar 12<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Ana <strong>de</strong> Fátima Sousa<br />

EDIÇÃO EXECUTIVA<br />

Marco Aurélio Fiochi<br />

PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE<br />

Marina Chevrand<br />

ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO DE CONTEÚDOS<br />

Roberta Dezan<br />

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA<br />

André Seiti<br />

DESIGN<br />

Lu Orvat Design<br />

REVISÃO<br />

Ciça Corrêa<br />

Nelson Visconti<br />

Polyana Lima<br />

APOIO ADMINISTRATIVO<br />

Isabella Protta<br />

PAUTA<br />

Ana <strong>de</strong> Fátima Sousa<br />

André Seiti<br />

Eduardo Saron<br />

Ja<strong>de</strong>r R<strong>os</strong>a<br />

Marco Aurélio Fiochi<br />

Maria Clara Mat<strong>os</strong><br />

Marina Chevrand<br />

Roberta Dezan<br />

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO<br />

<strong>Angeli</strong><br />

Arthur d’Araujo<br />

Carl<strong>os</strong> C<strong>os</strong>ta<br />

Carol Almeida<br />

Claudiney Ferreira<br />

Claus Lehmann<br />

Garapa<br />

Gustavo Ranieri<br />

Leonardo Calvano<br />

Liane Iwahashi<br />

Lourenço Mutarelli<br />

Micheliny Verunschk<br />

Paula Fazzio<br />

Pedro Henrique França<br />

Rafael Coutinho<br />

Ricardo Rafael<br />

Rogério Borges<br />

Ronaldo Bressane<br />

Sabrina Duran<br />

Stephan Doitschinoff<br />

Trajano Pontes<br />

AGRADECIMENTO<br />

Carolina Guaycuru<br />

CARTA DO EDITOR<br />

A equipe da Continuum tem notado que, a cada número lançado, se repete uma situação não premeditada, mas<br />

muito bacana: a aproximação <strong>de</strong> pautas que, no conjunto da edição, dão um peso maior a algum tema ou área<br />

<strong>de</strong> expressão. Foi assim na revista passada, quando ganhou força a arte urbana. Nesta, são <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> que<br />

dominaram o pedaço.<br />

Na Capa <strong>faz</strong>em<strong>os</strong> uma homenagem a <strong>Angeli</strong>, um d<strong>os</strong> maiores cartunistas brasileir<strong>os</strong>. Leia o perfil do artista criado<br />

pelo escritor Ronaldo Bressane. Na sequência, o cartunista Rafael Coutinho, que vê em <strong>Angeli</strong> uma <strong>de</strong> suas maiores<br />

influências, reverencia com <strong>de</strong>senh<strong>os</strong> o mestre. Para completar, uma galeria traz trabalh<strong>os</strong> do cartunista que<br />

<strong>revolucionar</strong>am <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong>. Com esse especial, a revista sai na frente, <strong>faz</strong>endo um “esquenta” para a exp<strong>os</strong>ição<br />

Ocupação <strong>Angeli</strong>, que será aberta, aqui no Itaú Cultural, em São Paulo, no meio <strong>de</strong> março.<br />

Na sequência, outro fera, Lourenço Mutarelli, encerra sua participação na seção Quadrinh<strong>os</strong> com o último capítulo<br />

da série <strong>de</strong> HQ Animais em Fuga. Aguar<strong>de</strong>: na próxima edição, a página passará a ser ocupada por outro nome<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque das narrativas em tiras. O “tema” ren<strong>de</strong>u ainda uma reportagem, com um viés bem interessante:<br />

território dominado por criadores do sexo masculino, a produção <strong>de</strong> cartuns começa a ter mulheres à frente <strong>de</strong><br />

projet<strong>os</strong> <strong>de</strong> peso, tanto no Brasil quanto no exterior.<br />

Os músic<strong>os</strong> paulist<strong>an<strong>os</strong></strong> Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Camp<strong>os</strong> e Marcelo Cabral contam, na seção<br />

Entrevista, como é o trabalho <strong>de</strong> criação coletiva que vêm experimentando com o Passo Torto. O grupo soma as<br />

bagagens e as concepções musicais d<strong>os</strong> integrantes num projeto <strong>de</strong> vanguarda no cenário musical in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

paulistano. Ainda falando <strong>de</strong> música, m<strong>os</strong>tram<strong>os</strong> a rotina <strong>de</strong> ensai<strong>os</strong> e estud<strong>os</strong> a que <strong>os</strong> regentes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

orquestras se submetem em busca da perfeição.<br />

A seção Práticas Culturais traz um assunto da or<strong>de</strong>m do dia: o crowdfunding, mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> financiamento <strong>de</strong> projet<strong>os</strong><br />

culturais que utiliza a internet como sua principal plataforma. Saiba como funciona essa ferramenta colaborativa,<br />

que vem ganhando a<strong>de</strong>pt<strong>os</strong> aqui e lá fora. Outra matéria m<strong>os</strong>tra <strong>os</strong> bastidores <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evento que<br />

se firma como alternativa <strong>de</strong> lazer e cultura: <strong>os</strong> espetácul<strong>os</strong> <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapping, como as recentes edições do Ví<strong>de</strong>o<br />

Guerrilha e do VJ Passport University, que juntaram centenas <strong>de</strong> pessoas na capital paulista.<br />

CARTA DO LEITOR<br />

Eu me apaixonei pela revista Continuum, do Itaú Cultural. Ilustrações, text<strong>os</strong> e temáticas simplesmente fantásticas.<br />

Camila C<strong>os</strong>tta, pelo Twitter<br />

ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082<br />

(<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007)<br />

Tiragem 10 mil –<br />

distribuição gratuita.<br />

Sugestões e críticas <strong>de</strong>vem ser<br />

encaminhadas ao Núcleo <strong>de</strong><br />

Comunicação e Relacionamento<br />

continuum@itaucultural.org.br<br />

Jornalista responsável<br />

Ana <strong>de</strong> Fátima Sousa MTb 13.554<br />

G<strong>os</strong>taria <strong>de</strong> <strong>faz</strong>er uma queixa à revista Continuum. O conteúdo é excelente, mas não entendi o porquê da alteração do tamanho.<br />

Não é sendo um outdoor que a circulação vai aumentar, mas, sim, com qualida<strong>de</strong> e mais pont<strong>os</strong> <strong>de</strong> distribuição.<br />

Tatiana Moreno, São Paulo<br />

NE: O formato atual, lançado há um ano, foi pensado para oferecer uma nova experiência <strong>de</strong> leitura tanto para o público fiel à revista<br />

quanto para quem não a conhecia até então. A i<strong>de</strong>ia foi presentear o leitor com um espaço ampliado para as imagens (por isso a<br />

cada edição publicam<strong>os</strong> ensai<strong>os</strong> fotográfic<strong>os</strong> especialmente produzid<strong>os</strong>) e para <strong>os</strong> text<strong>os</strong>. Foi uma ap<strong>os</strong>ta da equipe ao criar algo<br />

impactante, que fugisse à mesmice do mercado editorial. E sem gastar mais papel: o formato atual propiciou um aproveitamento <strong>de</strong><br />

88,79% do papel utilizado, ao passo que no formato anterior o aproveitamento era <strong>de</strong> 82,30%.<br />

35<br />

Mas, como em todo experimento, sempre há ap<strong>os</strong>tas que po<strong>de</strong>m ser repensadas. Consciente disso, a equipe da revista já está<br />

avaliando as manifestações elogi<strong>os</strong>as e críticas ao projeto gráfico-editorial. E as questões formato e distribuição, com certeza, têm<br />

merecido n<strong>os</strong>sa maior atenção.<br />

Envie seu comentário sobre a Continuum para o e-mail continuum@itaucultural.org.br ou utilize <strong>os</strong> canais do Itaú Cultural<br />

no Twitter e no Facebook.<br />

Em caso <strong>de</strong> publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem po<strong>de</strong> ser editada a critério da redação.<br />

O REFLEXO DO<br />

MATADOR<br />

<strong>Trinta</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>revolucionar</strong> <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong>,<br />

<strong>Angeli</strong> <strong>faz</strong> retr<strong>os</strong>pectiva <strong>de</strong><br />

arte e vida e se afirma em<br />

fase <strong>de</strong> transição<br />

capa: angeli<br />

foto: andré seiti<br />

Compartilhe<br />

sua Continuum<br />

Baixe o aplicativo da<br />

Continuum em seu<br />

iPad e veja todas as<br />

matérias <strong>de</strong>sta edição<br />

e das anteriores, além<br />

<strong>de</strong> ví<strong>de</strong><strong>os</strong> exclusiv<strong>os</strong>.


12 34 18 10<br />

09 06<br />

PERFIL | muito além d<strong>os</strong> cinco sentid<strong>os</strong><br />

Stephan Doitschinoff representa uma nova cara das artes visuais do país: com um trabalho consolidado,<br />

ele vê sua arte ganhar espaço em galerias e museus internacionais.<br />

ARTIGO | bate cabelo, down jones!<br />

Internet e mídias tradicionais se retroalimentam e, por vezes, uma toma para si o crédito do que<br />

a outra inventou.<br />

MUSEUs DO MUNDO | arte no campo<br />

Versão americana <strong>de</strong> n<strong>os</strong>so Inhotim, o Storm King Art Center, próximo <strong>de</strong> Nova York, apresenta em<br />

seus 2 mil hectares <strong>de</strong> área ver<strong>de</strong> 130 obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s nomes da arte contemporânea mundial.<br />

entrevista | geração multifacetada<br />

Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Camp<strong>os</strong> e Marcelo Cabral contam como formaram o coletivo<br />

Passo Torto, consi<strong>de</strong>rado a gran<strong>de</strong> revelação da música paulistana no último ano.<br />

CERTIDÃO DE NASCiMENTO | enquanto dormem as crianças ladronas<br />

Conheça a história da criação <strong>de</strong> Capitães da Areia, clássico escrito<br />

no auge da militância comunista <strong>de</strong> Jorge Amado.<br />

10 12<br />

16<br />

18 20<br />

26<br />

Reportagem | saga mo<strong>de</strong>rnista completa 90 <strong>an<strong>os</strong></strong><br />

A Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna ainda ecoa como o principal evento cultural produzido no país.<br />

CAPA | o reflexo do matador<br />

Uma homenagem a <strong>Angeli</strong> em foto, texto e <strong>de</strong>senho.<br />

Reportagem | sapatilhas <strong>de</strong> arame<br />

A produção <strong>de</strong> quadrinh<strong>os</strong> sempre foi vista como um território masculino por excelência. Mas esse<br />

cenário começa a mudar pelas mã<strong>os</strong> <strong>de</strong> mulheres que vêm abrindo seu espaço com garra e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za.<br />

PRÁTICAS CULTURAIS | impulsionad<strong>os</strong> pela multidão<br />

O crowdfunding se firma como alternativa para a viabilização <strong>de</strong> projet<strong>os</strong> que vão <strong>de</strong> publicações a<br />

inserção <strong>de</strong> documentário brasileiro no circuito comercial <strong>de</strong> cinemas americ<strong>an<strong>os</strong></strong>.<br />

Reportagem | arquitetura vivida no corpo<br />

Tendência do momento, <strong>os</strong> espetácul<strong>os</strong> <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapping surpreen<strong>de</strong>m tanto pela plasticida<strong>de</strong><br />

quanto pel<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> tecnológic<strong>os</strong> utilizad<strong>os</strong>.<br />

Reportagem | vila boa da humanida<strong>de</strong><br />

A Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás comemora <strong>os</strong> <strong>de</strong>z <strong>an<strong>os</strong></strong> do título <strong>de</strong> patrimônio cultural concedido pela Unesco.<br />

28 30<br />

32<br />

34<br />

37<br />

39<br />

Reportagem | no reger da vida<br />

Disciplina, estudo, concentração. Resultado: perfeição. Assim é a rotina d<strong>os</strong> regentes das<br />

orquestras brasileiras.<br />

balaio | em pleno verão<br />

Quadrinh<strong>os</strong> e mais quadrinh<strong>os</strong>: em Kerouac, o ilustrador João Pinheiro m<strong>os</strong>tra pelo <strong>de</strong>senho sua<br />

visão do gran<strong>de</strong> escritor; e o BIG, grupo dinamarquês <strong>de</strong> arquitet<strong>os</strong>, conta em tirinhas a história da<br />

arquitetura. Nas dicas <strong>de</strong> música, Maria Rita interpreta clássic<strong>os</strong> <strong>de</strong> Elis Regina em maratona <strong>de</strong><br />

shows pelo Brasil; e a vida <strong>de</strong> Raul Seixas é recontada no cinema.<br />

Quadrinh<strong>os</strong> | animais em fuga<br />

Chega ao gran finale a HQ <strong>de</strong> Lourenço Mutarelli.


perfil | stephan doitschinoff<br />

M u i t o a l é m<br />

d o s c i n c o<br />

s e n t i d o s<br />

Artista visual paulistano se <strong>de</strong>staca no cenário internacional com obras repletas <strong>de</strong> símbol<strong>os</strong> místic<strong>os</strong><br />

TEXTO gustavo ranieri FOTOS andré seiti<br />

Dentro do apartamento-estúdio, no quinto andar<br />

<strong>de</strong> um prédio na região da Bela Vista, em São Paulo,<br />

Stephan Doitschinoff passa boa parte <strong>de</strong> seus<br />

dias. Na ampla bancada um <strong>de</strong>senho a lápis está<br />

ali há quase dois meses. Os traç<strong>os</strong> no papel são<br />

<strong>de</strong> uma mulher longilínea com símbol<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong><br />

cravad<strong>os</strong> em seu corpo e conflit<strong>os</strong> existenciais<br />

evi<strong>de</strong>ntes. É sobre ela que o artista visual se <strong>de</strong>bruça<br />

por árduas oito horas diárias, emprestando<br />

ao processo criativo disciplina e rigor. “Meu trabalho<br />

exige planejamento, foco e a mente limpa.<br />

Demoro três meses para pintar”, enfatiza.<br />

A simbologia, que ganha forma e intenções nessa<br />

obra, é o elemento que fez o artista, também conhecido<br />

como Calma (corruptela <strong>de</strong> “com alma”),<br />

alcançar status no mercado da arte e alçar patamares<br />

internacionais. O trabalho <strong>de</strong> Doitschinoff<br />

já circulou por divers<strong>os</strong> cant<strong>os</strong> do mundo. Prova<br />

disso é a exp<strong>os</strong>ição individual Novo Asceticismo,<br />

que apresentou 12 telas e <strong>de</strong>senh<strong>os</strong> inédit<strong>os</strong> na galeria<br />

Jonathan LeVine, em Nova York, <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 2011 a janeiro <strong>de</strong>ste ano.<br />

A exp<strong>os</strong>ição internacional <strong>faz</strong> aumentar a expectativa<br />

do público por Brilho do Sol, filme-performance<br />

<strong>de</strong> 25 minut<strong>os</strong> ainda sem data <strong>de</strong> lançamento. “É<br />

o registro <strong>de</strong> uma pesquisa sobre as festas populares<br />

que vieram da Península Ibérica para o Brasil”,<br />

adianta ele. Doitschinoff tem pl<strong>an<strong>os</strong></strong> também <strong>de</strong> lançar,<br />

no segundo semestre, um livro <strong>de</strong> simbologia.<br />

DESCOBERTAS<br />

Não é <strong>de</strong> estranhar o fascínio <strong>de</strong> Doitschinoff pel<strong>os</strong><br />

símbol<strong>os</strong> e pela espiritualida<strong>de</strong>. Nascido em São<br />

Paulo em março <strong>de</strong> 1977, seu pai era pastor evangélico,<br />

enquanto a avó e a bisavó maternas – essa<br />

última ele não chegou a conhecer – eram espíritas.<br />

“Além disso, tinha um centro hare krishna na minha<br />

rua e eu brincava com as crianças lá”, conta.<br />

Devido às opções religi<strong>os</strong>as da família, durante a<br />

infância ele e as duas irmãs, ambas mais velhas, ficavam<br />

alguns meses do ano num acampamento evangélico.<br />

Essa convivência e o g<strong>os</strong>to por ouvir a mãe<br />

contar histórias sobre mit<strong>os</strong> e cont<strong>os</strong> <strong>de</strong> fada seriam<br />

a peça-chave para a escolha profissional futura.<br />

A religião serviu também para alimentar o principal<br />

dom do menino: <strong>de</strong>senhar. “Era uma criança<br />

mais intr<strong>os</strong>pectiva”, conta ele, que, apesar <strong>de</strong> recluso,<br />

g<strong>os</strong>tava <strong>de</strong> jogar futebol e andar <strong>de</strong> carrinho<br />

<strong>de</strong> rolimã. “Meu brinquedo era mesmo giz <strong>de</strong> cera<br />

e guache. Enquanto a maioria das crianças <strong>de</strong>senha<br />

bastante e <strong><strong>de</strong>pois</strong> para, eu nunca parei.”<br />

Na adolescência, indagações <strong>de</strong> todas as partes<br />

e o prazer cada vez mais profundo pela pintura<br />

fizeram Doitschinoff ter uma verda<strong>de</strong>ira obsessão<br />

pelo estudo do fundamentalismo. Revoltas<br />

e armas passaram a ser <strong>de</strong>senhadas constantemente<br />

n<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> que <strong>faz</strong>ia. Nessa fase flertou<br />

com a turma do punk, o que abriu as primeiras<br />

oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> m<strong>os</strong>trar sua arte. “Comecei<br />

<strong>de</strong>senhando capas <strong>de</strong> CD para várias bandas e,<br />

com 15 <strong>an<strong>os</strong></strong>, me tornei assistente do [cenógrafo<br />

paulistano] Zé Carratu”, relembra.<br />

Enquanto se <strong>de</strong>dicava a aprimorar sua técnica,<br />

sempre <strong>de</strong> modo autodidata, encarou, d<strong>os</strong> 15 a<strong>os</strong><br />

19 <strong>an<strong>os</strong></strong>, divers<strong>os</strong> empreg<strong>os</strong>. Trabalhou no Mc<br />

Donald’s, foi representante comercial e, por último,<br />

estagiário em agência <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, fruto<br />

do curso inacabado <strong>de</strong> comunicação social.<br />

Em 1998, o artista embarcou para a Itália apenas<br />

com o dinheiro da passagem. Por lá ficou seis meses<br />

e viveu outr<strong>os</strong> seis com uma namorada em<br />

Paris. Nesse período, tornou-se macrobiótico zen.<br />

“É a dieta mais radical que existe, e ligada ao taoismo.<br />

Fiquei dois <strong>an<strong>os</strong></strong> sem tomar água e sem gastar<br />

energia com a digestão”, diz.<br />

Do interesse pelo taoismo veio a pesquisa do I<br />

Ching e <strong>de</strong> outras manifestações religi<strong>os</strong>as e espirituais.<br />

O novo passo foi estudar como as religiões<br />

controlam o indivíduo, o coletivo e a relação<br />

com o governo. “Isso foi um ponto <strong>de</strong> mudança<br />

na minha arte, cuja estética traz element<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong>,<br />

mas o tema maior é a política.”<br />

UMA CIDADE COMO TELA<br />

A certeza <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria viver <strong>de</strong> arte veio apenas<br />

em 2000. Após voltar da Europa, Doitschinoff<br />

começou a <strong>faz</strong>er ilustrações para revistas e livr<strong>os</strong><br />

e aproveitou para, mesmo a distância, travar contato<br />

com centr<strong>os</strong> culturais ingleses e americ<strong>an<strong>os</strong></strong>.<br />

Assim, conseguiu suas primeiras exp<strong>os</strong>ições, na<br />

Inglaterra, além <strong>de</strong> uma residência realizada por<br />

lá em 2002, e, pouco <strong><strong>de</strong>pois</strong>, sua primeira m<strong>os</strong>tra<br />

n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>. Os olh<strong>os</strong> do público tentavam<br />

<strong>de</strong>cifrar as enigmáticas pinturas e o aspecto<br />

urbano <strong>de</strong>las, feitas com a<strong>de</strong>siv<strong>os</strong> e estênceis. “A<br />

partir daí, tudo <strong>de</strong>slanchou”, conta o artista, que,<br />

em 2006, cansado <strong>de</strong> publicar <strong>os</strong> símbol<strong>os</strong> criad<strong>os</strong><br />

ou adaptad<strong>os</strong> por ele – incluindo a fam<strong>os</strong>a e<br />

constante caveira – em livr<strong>os</strong> que mal conhecia,<br />

<strong>de</strong>terminou que a capa do álbum Dante XXI, do<br />

Sepultura, seria seu último trabalho comercial.<br />

Mas o marco incontestável em sua trajetória<br />

já havia começado um ano antes, em 2005. Foi<br />

quando Doitschinoff migrou para Lençóis, na<br />

Bahia – on<strong>de</strong> sua irmã tem um restaurante –,


Doitschinoff: punk,<br />

macrobiótica, I Ching e<br />

taoismo como referência<br />

07<br />

CONTINUUM<br />

06


perfil | stephan doitschinoff<br />

O artista se prepara para lançar<br />

seu terceiro filme, com registro<br />

da performance Brilho do Sol<br />

“Minha estética traz<br />

element<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong>, mas<br />

o tema maior é a política.”<br />

Stephan Doitschinoff<br />

assumindo ao longo <strong>de</strong> três <strong>an<strong>os</strong></strong> uma gran<strong>de</strong><br />

empreitada: comunicar-se e <strong>de</strong>scobrir a cida<strong>de</strong>,<br />

transformando-a em um site-specific, ou seja,<br />

uma obra criada para dialogar com <strong>de</strong>terminado<br />

ambiente. “Pintei a cida<strong>de</strong> toda, incluindo a capela<br />

e o cemitério.” O trabalho, intitulado Temporal,<br />

foi registrado pela produtora Movieart, que o<br />

transformou em um curta-metragem homônimo.<br />

Também culminou no livro Calma – The Art of<br />

Stephan Doitschinoff, publicado internacionalmente<br />

pela editora alemã Gestalten.<br />

Em 2007, com rumo mais do que certo e nome em<br />

ascensão no Brasil e no exterior, Doitschinoff passou<br />

a ser representado pela galeria paulistana Choque<br />

Cultural, do curador Eduardo Saretta. “A disciplina<br />

na parte técnica e a espiritualida<strong>de</strong> na parte temática<br />

são as principais características do trabalho do<br />

Stephan. Me agradam as imagens que remetem à<br />

tatuagem e ao ocultismo”, afirma Saretta.<br />

Depois da exp<strong>os</strong>ição e do filme Temporal,<br />

Doitschinoff integrou a m<strong>os</strong>tra De Dentro para<br />

Fora/De Fora para Dentro, no Museu <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong><br />

São Paulo (Masp), entre 2009 e 2010, e foi selecionado<br />

pelo Ministério da Cultura para instalar<br />

a escultura <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções A Mão nas<br />

imediações do Museu Afro Brasil, no Parque<br />

Ibirapuera, em São Paulo (foto na página 6).<br />

Também foi premiado como Artista Revelação<br />

pela Associação Brasileira <strong>de</strong> Crític<strong>os</strong> <strong>de</strong> Arte<br />

(ABCA), em 2009, e emplacou exp<strong>os</strong>ição no<br />

Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea <strong>de</strong> San Diego,<br />

n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>.<br />

A partir daí, Doitschinoff aprofundou a análise sobre<br />

<strong>os</strong> conflit<strong>os</strong> do ser humano com a performance<br />

Cras (Novo Asceticismo), realizada em 2010, na<br />

Choque Cultural. A intenção era refletir sobre <strong>os</strong><br />

tip<strong>os</strong> <strong>de</strong> sacrifício e privação que o homem necessita<br />

para viver plenamente. “O coração com<br />

espinh<strong>os</strong> é um d<strong>os</strong> símbol<strong>os</strong> mais importantes do<br />

cristianismo. Ele m<strong>os</strong>tra a purificação e a iluminação<br />

através do sofrimento. Mas, no meu trabalho,<br />

acho mais apropriado tirar o espinho e colocar<br />

um olho <strong>de</strong>ntro do coração, que é a consciência”,<br />

diz o artista, que fez, com base nesse trabalho, o<br />

ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> cinco minut<strong>os</strong> Tudo É Vaida<strong>de</strong>.<br />

Doitschinoff se prepara para lançar seu terceiro<br />

filme, Brilho do Sol. “Depois que voltei <strong>de</strong> Lençóis,<br />

continuei pesquisando muitas das festas<br />

populares, como a <strong>de</strong> N<strong>os</strong>so Senhor d<strong>os</strong> Pass<strong>os</strong>,<br />

a do Reisado, mas a que mais me interessava<br />

era a Festa d<strong>os</strong> Caret<strong>os</strong>, pela tradição das máscaras<br />

ibéricas. Fui estudá-la em Portugal, on<strong>de</strong><br />

até hoje acontece essa celebração em vári<strong>os</strong><br />

locais, e <strong>de</strong>scobri como são feitas as máscaras<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e metal, as roupas <strong>de</strong> palha... Com<br />

apoio da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belas-Artes <strong>de</strong> Lisboa,<br />

montam<strong>os</strong> uma performance e a filmam<strong>os</strong> por<br />

lá.” Trata-se <strong>de</strong> mais um trabalho cujo olhar mira<br />

sempre o homem. “Acho que uma das coisas<br />

mais importantes na vida é saber que há muito<br />

mais para conhecer além do que <strong>os</strong> cinco sentid<strong>os</strong><br />

alcançam.”


que <strong>de</strong>selegante!<br />

se isso é tá numa pior...<br />

artigo | internet e mídias tradicionais<br />

bate cabelo,<br />

down<br />

jones!<br />

Ou: sobre o po<strong>de</strong>r da internet <strong>de</strong> pautar gran<strong>de</strong>s mídias tradicionais e subverter sua linguagem<br />

TEXTO trajano pontes ILUSTRAÇÃO marina chevrand<br />

Filmada diante da Bolsa <strong>de</strong> Valores, a jornalista, atônita, diz: “Os mercad<strong>os</strong><br />

sambaram o dia todo. As petroleiras arrasaram no pregão da tar<strong>de</strong>! 5-6-7-8!<br />

Já as construtoras erraram o passinho da coreografia ditada pelo FED e o<br />

resultado do dia só podia ser um: Dow Jones bateu cabelo à exaustão!”.<br />

A cena é hipotética – talvez forçada... <strong>de</strong> leve! –, ao men<strong>os</strong> por ora. Mas, no<br />

futuro, talvez p<strong>os</strong>sa acontecer, <strong>de</strong>vido ao crescimento da influência da internet,<br />

com seus personagens e jargões, a ponto <strong>de</strong> pautar gran<strong>de</strong>s mídias<br />

tradicionais e subverter sua linguagem.<br />

No Brasil, esse movimento é tímido ainda. Em telejornais, aparecem matérias<br />

amarelas sobre o comercial da Luiza que estava no Canadá e, por isso,<br />

ausente do encontro familiar superempolgante ... zzzz... Em outra bancada,<br />

menção eterna a<strong>os</strong> “bons drink” (não) eternizad<strong>os</strong> por Luisa Marilac, que,<br />

se até agora não acabaram, só podiam ser mesmo “água geladíssima” e só.<br />

Também já se tomam por fonte <strong>de</strong> notícia barra entretenimento <strong>os</strong> relat<strong>os</strong>,<br />

ví<strong>de</strong><strong>os</strong> e fotografias publicad<strong>os</strong> por leitores e telespectadores. Mais que<br />

isso, eles viram temas centrais <strong>de</strong> revistas e programas da tar<strong>de</strong>, quando<br />

não se convertem em publicida<strong>de</strong>. É o caso do ví<strong>de</strong>o do lindo bebê que<br />

gargalha quando o pai rasga papéis.<br />

Verda<strong>de</strong> que o movimento contrário também ocorre. Mídias tradicionais<br />

ainda respon<strong>de</strong>m por gran<strong>de</strong> volume d<strong>os</strong> <strong>de</strong>bates na internet. Fat<strong>os</strong> dali repercutem<br />

exponencialmente na re<strong>de</strong>, transformam-se também em jargões<br />

(<strong>os</strong> tais memes) e regressam, ainda mais mortífer<strong>os</strong>, ao meio que <strong>os</strong> concebeu.<br />

Provando o ponto aí está a jornalista Sandra Annenberg, que ganhou<br />

uma camiseta escrita “Eu te amo!”, opa!, “Que <strong>de</strong>selegante!”, seu <strong>de</strong>sabafo<br />

no ar, copiado e vomitado nas re<strong>de</strong>s sociais para <strong><strong>de</strong>pois</strong> ser repetido pela<br />

autora na TV.<br />

Expressões aleatórias e incontroláveis<br />

O bololô entre receptores e emissores acompanha a evolução da comunicação<br />

provavelmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu surgimento. Está longe <strong>de</strong> ser a última<br />

novida<strong>de</strong> da ciência d<strong>os</strong> foguetes. Interessante, no entanto, é divagar sobre<br />

o ponto mais alto <strong>de</strong>ssa trajetória. Enten<strong>de</strong>r ou antecipar, num exercício divertido<br />

(tão mais divertido quanto men<strong>os</strong> compromissado e mais infundado),<br />

a maneira como po<strong>de</strong>rão influenciar (<strong>de</strong>terminar? um sonho!) a própria<br />

i<strong>de</strong>ntificação do que se enten<strong>de</strong> por notícia, cultura e arte.<br />

Por um lado, a visão tradicional <strong>de</strong>p<strong>os</strong>itava importância no emissor da<br />

mensagem, numa quase aplicação do argumento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> a<strong>os</strong> objet<strong>os</strong><br />

culturais. Seria arte o que é criado por quem especialistas apontam como<br />

~~artistas~~, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> técnicas/habilida<strong>de</strong>s específicas incorporadas à<br />

obra. Numa visão op<strong>os</strong>ta, esticando-até-quase-romper a linha da arte contemporânea,<br />

a arte estaria em toda parte, a ser produzida a qualquer hora,<br />

ainda que involuntariamente, por todas as pessoas. Quando não também<br />

por elefantes pintores da Tailândia ou cachorr<strong>os</strong> bípe<strong>de</strong>s dançarin<strong>os</strong> <strong>de</strong> salsa<br />

e lambada, tod<strong>os</strong> com sua d<strong>os</strong>e <strong>de</strong> fama no YouTube (Lind<strong>os</strong>! Fãs d<strong>os</strong><br />

ritm<strong>os</strong> tropicais não <strong>de</strong>vem per<strong>de</strong>r!).<br />

O mesmo pensamento po<strong>de</strong> ser levado à comunicação iniciada na internet<br />

e extravasada para <strong>os</strong> mei<strong>os</strong> tradicionais. No território ainda livre da re<strong>de</strong><br />

(*suspiro aliviado*), surgem expressões aleatórias e incontroláveis <strong>de</strong> ~~cultura~~:<br />

artistas, tecnologias, formas <strong>de</strong> mobilização e colaboração, tudo novo ou<br />

remixado. Longe <strong>de</strong> ser ignoradas, po<strong>de</strong>m-se assimilar por outras mídias, por<br />

serem curi<strong>os</strong>as, engraçadas e úteis ou pela simples busca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação do<br />

meio com seus <strong>de</strong>stinatári<strong>os</strong> em ebulição, ainda que não adolescentes.<br />

Extrapolando a tendência, talvez chegue o curi<strong>os</strong>o dia em que a jornalista<br />

<strong>de</strong> economia encontre na informalida<strong>de</strong> das pessoas da internet a melhor<br />

expressão <strong>de</strong> suas inquietações com as <strong>os</strong>cilações do mercado. E por que<br />

não? Afinal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, ví<strong>de</strong><strong>os</strong> <strong>de</strong> gat<strong>os</strong>, cachorr<strong>os</strong> e urs<strong>os</strong> pandas parecem<br />

ter o dom <strong>de</strong> acalmar pessoas. Do mercado e <strong>de</strong> fora <strong>de</strong>le. Missão<br />

cumprida, foguetes aterrissam, papel rasgado, criança sorri.<br />

Assista a<strong>os</strong> ví<strong>de</strong><strong>os</strong> citad<strong>os</strong> no artigo:<br />

Luiza está no Canadá – bit.ly/Ak1iUx<br />

Luisa Marilac – "Bons drink" – bit.ly/nLXGOE<br />

Bebê gargalhando – bit.ly/xD2OXQ<br />

Sandra Annenberg – “Que <strong>de</strong>selegante!” – bit.ly/tdO4dD – bit.ly/zwidLI<br />

Elefantes pintores – bit.ly/Btmr<br />

Cachorro dançando salsa – bit.ly/lzYe6d<br />

Cachorro dançando "Adocica", <strong>de</strong> Beto Barb<strong>os</strong>a – bit.ly/voEP1h<br />

Trajano Pontes, ex-advogado (sim!) e jornalista<br />

a caminho, fica on-line tempo <strong>de</strong>mais.<br />

08 09


museus do mundo | storm king art center<br />

Arte no<br />

campo<br />

A uma hora <strong>de</strong> Nova York, o Storm King Art Center reúne<br />

130 obras numa área ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2 mil hectares<br />

TEXTO e FOTOS pedro henrique frança<br />

Inaugurado em 1960 pel<strong>os</strong> visionári<strong>os</strong> empresári<strong>os</strong><br />

H. Peter Stern e Ralph E. Odgen, cofundadores<br />

da Star Expansion Company, o Storm King<br />

Art Center está instalado num enorme <strong>de</strong>scampado<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2 mil hectares, em Mountainville,<br />

Hudson Valley, a pouco mais <strong>de</strong> uma hora <strong>de</strong><br />

distância <strong>de</strong> Nova York, n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>.<br />

Para comemorar meio século <strong>de</strong> atenção ao que é<br />

produzido nas artes plásticas pelo mundo, o centro<br />

<strong>de</strong> arte saiu em 2011, pela primeira vez, <strong>de</strong> sua<br />

zona <strong>de</strong> conforto e realizou em Governors Island,<br />

n<strong>os</strong> arredores <strong>de</strong> Nova York, uma m<strong>os</strong>tra especial<br />

do artista americano Mark di Suvero. O público<br />

superou as expectativas: quase meio milhão <strong>de</strong><br />

pessoas viu <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong>, dispers<strong>os</strong> por essa localida<strong>de</strong>,<br />

n<strong>os</strong> três meses em que a exp<strong>os</strong>ição esteve<br />

em cartaz. O resultado, claro, agradou <strong>os</strong> organizadores,<br />

que preten<strong>de</strong>m repetir o projeto no verão<br />

<strong>de</strong> 2012, na mesma Governors Island.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa experiência promovida pelo museu,<br />

ir até a se<strong>de</strong> do Storm King é programa obrigatório<br />

para <strong>os</strong> amantes da arte, além <strong>de</strong> um agradável<br />

passeio ao ar livre – só p<strong>os</strong>sível entre <strong>os</strong> meses<br />

<strong>de</strong> abril e novembro, quando não há neve, o que<br />

obriga o espaço a permanecer fechado. E, por falar<br />

nisso, como sobrevivem às mudanças climáticas<br />

as 130 obras instaladas? “Esse é um gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>safio a qualquer instituição que se propõe a<br />

exibir arte a céu aberto. Mas muitas das obras<br />

aqui exp<strong>os</strong>tas já foram pensadas pel<strong>os</strong> artistas<br />

contemplando essa condição, o que facilita sua<br />

exibição. De qualquer forma, no inverno as obras<br />

menores são levadas para n<strong>os</strong>so espaço coberto;<br />

as maiores são preservadas com materiais <strong>de</strong> proteção”,<br />

explica o conselheiro sênior da instituição,<br />

Anthony Davidowitz. Por maiores, leia-se enormes,<br />

com mais <strong>de</strong> 6 metr<strong>os</strong> <strong>de</strong> altura.<br />

Se a questão física é <strong>de</strong> “fácil” solução, não é tão<br />

simples assim manter uma estrutura vult<strong>os</strong>a<br />

como a do museu. Para mantê-la, o Storm King<br />

conta com uma vasta lista <strong>de</strong> membr<strong>os</strong>, doadores<br />

e suporte da fundação homônima, além <strong>de</strong> parcerias.<br />

“Som<strong>os</strong> muito felizes por term<strong>os</strong> um amplo<br />

grupo <strong>de</strong> indivídu<strong>os</strong> e fundações que apoiam<br />

n<strong>os</strong>sas ativida<strong>de</strong>s e programas. Eles sintetizam a<br />

compreensão da importância <strong>de</strong> proteger e promover<br />

a apresentação única do centro, <strong>de</strong> sua arte<br />

e paisagem. É essa gener<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> que permite a<br />

conservação <strong>de</strong>sse espaço”, discursa Davidowitz.<br />

Encabeçado por um <strong>de</strong> seus fundadores, H. Peter<br />

Stern, o Storm King não tem fins lucrativ<strong>os</strong>. Seu<br />

riquíssimo acervo começou a se consolidar n<strong>os</strong><br />

<strong>an<strong>os</strong></strong> 1960 com a compra <strong>de</strong> 13 trabalh<strong>os</strong> do escultor<br />

americano David Smith. “Hoje são mais <strong>de</strong><br />

cem esculturas <strong>de</strong> alguns d<strong>os</strong> artistas mais importantes<br />

das últimas décadas, incluindo obras realizadas<br />

especialmente para o centro”, pontua Davidowitz.<br />

Além disso, exp<strong>os</strong>ições temporárias são<br />

realizadas para dar visibilida<strong>de</strong> a nov<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong>,<br />

que, enfatiza o conselheiro sênior da instituição,<br />

dialogam com a coleção permanente. “Geralmente<br />

são obras emprestadas pel<strong>os</strong> artistas, colecionadores<br />

ou museus e fundações. E as m<strong>os</strong>tras são<br />

complementadas com catálog<strong>os</strong> especiais.”<br />

Cenário lúdico<br />

O Storm King <strong>faz</strong> <strong>de</strong> sua vasta área ver<strong>de</strong> um cenário<br />

lúdico, que n<strong>os</strong> remete às pinturas <strong>de</strong> Monet<br />

ou <strong>de</strong> Van Gogh, especialmente no outono, quando<br />

a natureza dá um show à parte, com a folha-<br />

gem das árvores em tons vermelh<strong>os</strong>, rox<strong>os</strong> e amarel<strong>os</strong>.<br />

As esculturas que abriga são assinadas por<br />

nomes que <strong>faz</strong>em história na arte mundial, como<br />

a francesa Louise Bourgeois, <strong>os</strong> ingleses Kenneth<br />

Campbell e Henry Moore e <strong>os</strong> americ<strong>an<strong>os</strong></strong> Mark<br />

di Suvero e Roy Lichtenstein, para citar alguns.<br />

Em meio à valorização da arte contemporânea,<br />

com obras negociadas por cifras muitas vezes<br />

astronômicas, Davidowitz <strong>faz</strong> questão <strong>de</strong> frisar<br />

a fil<strong>os</strong>ofia disseminada pelo instituto do qual <strong>faz</strong><br />

parte. “A maioria das novas obras entra em n<strong>os</strong>sa<br />

coleção como presente ou encomenda. Nós realmente<br />

não n<strong>os</strong> concentram<strong>os</strong> em flutuações <strong>de</strong><br />

valores <strong>de</strong> mercado [para montar n<strong>os</strong>so acervo].”<br />

Se essa supervalorização que corre mercado afora<br />

valoriza ou banaliza a arte contemporânea, é<br />

discussão em que o conselheiro prefere não carregar<br />

nas tintas. “A curadoria do Storm King não<br />

é pautada por esses critéri<strong>os</strong>.”<br />

Para 2012, a agenda do centro tem como foco,<br />

além da nova edição da m<strong>os</strong>tra realizada em Governors<br />

Island, a exp<strong>os</strong>ição Luz e Paisagem, que<br />

reunirá obras <strong>de</strong> artistas renomad<strong>os</strong> e outr<strong>os</strong> não<br />

tão conhecid<strong>os</strong> do público. A curadoria vai explorar<br />

o contraponto entre as obras e a luz natural –<br />

aproveitando o gener<strong>os</strong>o tapete ver<strong>de</strong> do parque.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter olh<strong>os</strong> atent<strong>os</strong> ao crescimento da<br />

visibilidida<strong>de</strong> da produção brasileira em território<br />

norte-americano, o Storm King Art Center<br />

ainda não tem nenhum artista do país em seu<br />

acervo. “Mas o curador David Collens e o Comitê<br />

<strong>de</strong> Aquisições e Coleções estão constantemente<br />

avaliando nov<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> produzid<strong>os</strong> em todo o<br />

mundo”, ressalta o conselheiro.


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O Storm King <strong>faz</strong> <strong>de</strong> sua vasta área ver<strong>de</strong> um<br />

cenário lúdico, que n<strong>os</strong> remete às pinturas<br />

<strong>de</strong> Monet ou <strong>de</strong> Van Gogh, especialmente no<br />

outono, quando a natureza dá um show à<br />

parte, com a folhagem das árvores em tons<br />

vermelh<strong>os</strong>, rox<strong>os</strong> e amarel<strong>os</strong>.<br />

Three Legged-Budha, <strong>de</strong> Zhang Huan<br />

Mon Père, Mon Père, <strong>de</strong> Mark di Suvero<br />

Foci, <strong>de</strong> Chakaia Booker<br />

Neruda’s Gate, <strong>de</strong> Di Suvero<br />

Frog Legs<br />

Serviço<br />

Storm King Art Center – 1 Museum Road New<br />

Windsor, NY 12553 – Fone (845) 534-3115. Entrada:<br />

12 dólares (adulto); 10 dólares (65 <strong>an<strong>os</strong></strong> ou mais);<br />

8 dólares (estudante); gratuito (membr<strong>os</strong> da<br />

associação do museu e crianças). O espaço está<br />

fechado <strong>de</strong>vido ao inverno no hemisfério norte. A<br />

reabertura está programada para 4 <strong>de</strong> abril.<br />

Mais informações: .<br />

CONTINUUM<br />

10 11


entrevista | passo torto


geração<br />

MULTIFACETADA<br />

Em meio à <strong>de</strong>cadência da indústria fonográfica, quatro amig<strong>os</strong>, célebres artistas da cena musical paulistana, colocaram<br />

em prática o princípio da união e, em paralelo às suas carreiras individuais, se juntaram para <strong>faz</strong>er música in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Começaram apenas três, com apresentações numa casa <strong>de</strong> shows da cida<strong>de</strong> e, empolgad<strong>os</strong> com o resultado<br />

e a receptivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidiram entrar em estúdio para registrar o trabalho. Chamaram mais um músico para complementar<br />

a sonorida<strong>de</strong> e terminaram 2011 entre <strong>os</strong> <strong>de</strong>staques nas listas <strong>de</strong> crític<strong>os</strong> e especialistas.<br />

Grupo e CD se chamam Passo Torto. A banda é formada por Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Camp<strong>os</strong> e Marcelo Cabral,<br />

n<strong>os</strong> violões, no baixo, no cavaquinho e nas vozes contidas que tecem uma sonorida<strong>de</strong> macia, em comp<strong>os</strong>ições próprias<br />

com harmonias criativas e letras inteligentes. A crítica associa o som do grupo à evolução do samba, à renovação da<br />

música in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> São Paulo, com referências que vão <strong>de</strong> Adoniran Barb<strong>os</strong>a (pela criativa crônica do cotidiano) e<br />

Paulinho da Viola (pela sofisticação e reinvenção nas comp<strong>os</strong>ições) a Itamar Assumpção (pela inventivida<strong>de</strong> das letras).<br />

Na entrevista a seguir, o Passo Torto na voz <strong>de</strong> seus integrantes.<br />

TEXTO carl<strong>os</strong> c<strong>os</strong>ta<br />

FOTOS claus lehmann<br />

(esq. para a dir.) Rodrigo,<br />

Romulo, Marcelo e Kiko:<br />

sofisticação e reinvenção<br />

da música paulistana<br />

Como nasceu o Passo Torto?<br />

Romulo: Queria montar um show na Casa <strong>de</strong><br />

Francisca (café-teatro localizado no Jardim Paulista,<br />

em São Paulo) e, conversando com o proprietário<br />

do espaço, sugeri a formação: eu, Kiko Dinucci<br />

e Rodrigo Camp<strong>os</strong>. Não tinha nem falado com eles<br />

ainda e a i<strong>de</strong>ia já foi aprovada. O resultado foi p<strong>os</strong>itivo<br />

e fom<strong>os</strong> para um estúdio gravar. Foi aí que o<br />

produtor, Maurício Tagliari, sugeriu que acrescentássem<strong>os</strong><br />

um baixo acústico e <strong>de</strong>cidim<strong>os</strong> chamar<br />

Marcelo Cabral. Agora ele está começando também<br />

a cantar e a compor com a gente. A amiza<strong>de</strong><br />

e a afinida<strong>de</strong> estética n<strong>os</strong> uniram. O trabalho foi<br />

<strong>de</strong>senvolvido com uma <strong>de</strong>spretensão que n<strong>os</strong> fez<br />

arriscar mais, sem medo. Querem<strong>os</strong> levar essa característica<br />

para n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> projet<strong>os</strong>.<br />

Marcelo: Quando entrei, eles já tinham o repertório<br />

quase pronto e fui chamado porque tocam<strong>os</strong><br />

junt<strong>os</strong>, som<strong>os</strong> amig<strong>os</strong>.<br />

Romulo: A receptivida<strong>de</strong> a esse trabalho n<strong>os</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>u, porque estam<strong>os</strong> ac<strong>os</strong>tumad<strong>os</strong> a tomar<br />

muita paulada. Mas, quando n<strong>os</strong> juntam<strong>os</strong>,<br />

as pessoas acharam mais legal e <strong>de</strong>ram opiniões<br />

inesperadas: <strong>de</strong> que n<strong>os</strong> assemelham<strong>os</strong> a Itamar<br />

Assumpção, <strong>de</strong> que n<strong>os</strong>sa música é o novo samba.<br />

E o nome do grupo, vem <strong>de</strong> alguma canção?<br />

Romulo: Da letra <strong>de</strong> “Cidadão” [comp<strong>os</strong>ta<br />

por Romulo Fróes e Rodrigo Camp<strong>os</strong>]. Queríam<strong>os</strong><br />

algo que remetesse ao samba, mas não <strong>de</strong><br />

forma tradicional.<br />

A música do Passo Torto tem sido vinculada<br />

à evolução do samba. Isso é prop<strong>os</strong>ital?<br />

Kiko: Já associaram o n<strong>os</strong>so disco ao trabalho<br />

Nerv<strong>os</strong> <strong>de</strong> Aço, do Paulinho da Viola, que<br />

é incrível e <strong>faz</strong> uma releitura do samba. Mas,<br />

no n<strong>os</strong>so caso, esse conteúdo não foi programático<br />

− ele reflete <strong>de</strong> certa forma a linha da<br />

vanguarda paulistana.<br />

Rodrigo: Tudo vem do samba. Toda a música<br />

brasileira vem do samba. Até na bateria do<br />

CONTINUUM<br />

12 13


entrevista | passo torto<br />

Marcelo Cabral<br />

“Se for um cara restrito, só tocar percussão <strong>de</strong> samba,<br />

por exemplo, você se isola. Se ficar atento ao que está<br />

acontecendo e <strong>de</strong>r a cara para bater, vai mais longe.”<br />

Sepultura tem samba. É a música nacional, e a<br />

gente está tentando inventar algo, entortar. O<br />

samba funciona como um elemento, uma base.<br />

Não é à toa que a b<strong>os</strong>sa nova vem do samba. No<br />

entanto, não pensam<strong>os</strong> nisso. É um alicerce do<br />

trabalho, mas não foi prop<strong>os</strong>ital.<br />

Vocês quatro são músic<strong>os</strong> <strong>de</strong> prestígio na<br />

cena paulistana atual e têm em comum a<br />

característica <strong>de</strong> atuar em diferentes projet<strong>os</strong>.<br />

Essa versatilida<strong>de</strong> é uma constante<br />

neste momento da música brasileira?<br />

Kiko: Essa característica <strong>de</strong> ser multifacetado é<br />

da n<strong>os</strong>sa geração. Som<strong>os</strong> <strong>os</strong> quatro assim e são<br />

muit<strong>os</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> músic<strong>os</strong> que também estão aí,<br />

tocando com a gente, se virando.<br />

Romulo: Hoje se po<strong>de</strong> viver <strong>de</strong> tocar só o que<br />

se quer. Nem é preciso <strong>faz</strong>er outr<strong>os</strong> estil<strong>os</strong>. O tamanho<br />

<strong>de</strong> Tulipa Ruiz e Criolo, por exemplo, é o<br />

tamanho que almejo. Tocar no Brasil inteiro sem<br />

precisar <strong>faz</strong>er programa t<strong>os</strong>co <strong>de</strong> TV, sem precisar<br />

ser ídolo popular. No entanto, fora Tulipa e<br />

Criolo, não há muit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> artistas assim. O<br />

formato da gran<strong>de</strong> estrela parece ter acabado. No<br />

lugar disso, há outro tipo <strong>de</strong> artista, aquele que<br />

po<strong>de</strong> viver só do que g<strong>os</strong>ta, sem precisar tocar no<br />

shopping ou em festas. Essa geração ainda não<br />

está gran<strong>de</strong> para viver <strong>de</strong> trabalh<strong>os</strong> autorais exclusiv<strong>os</strong>,<br />

mas está gran<strong>de</strong> o suficiente para que<br />

<strong>os</strong> artistas transitem por bons projet<strong>os</strong>.<br />

Marcelo: Se for um cara restrito, só tocar percussão<br />

<strong>de</strong> samba, por exemplo, você se isola. Se<br />

ficar atento ao que está acontecendo e <strong>de</strong>r a cara<br />

para bater, vai mais longe. Além disso, eu não ia<br />

ficar satisfeito com um trabalho único. Preciso do<br />

meu trabalho autoral, como o Marginals [projeto<br />

com o saxofonista Thiago França e o baterista<br />

Tonny Gordin], e <strong>de</strong> outr<strong>os</strong>, com Criolo, Kiko, Rodrigo,<br />

senão eu não acho mais graça.<br />

Kiko Dinucci<br />

“Essa característica <strong>de</strong> ser<br />

multifacetado é da n<strong>os</strong>sa<br />

geração. Som<strong>os</strong> <strong>os</strong> quatro assim<br />

e são muit<strong>os</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> músic<strong>os</strong><br />

que também estão aí, tocando<br />

com a gente, se virando.”<br />

Rodrigo: É preciso <strong>faz</strong>er várias coisas, o Passo<br />

Torto e outr<strong>os</strong> projet<strong>os</strong>. Quando para um,<br />

entra outro. Assim a coisa se movimenta e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

só <strong>de</strong> você. Se ouvir pessoas <strong>de</strong> outr<strong>os</strong><br />

mei<strong>os</strong>, a realida<strong>de</strong> se modifica. Músico que <strong>faz</strong><br />

baile, evento, por exemplo, ganha melhor que a<br />

gente. Ou o que <strong>faz</strong> trilha. Há mil caminh<strong>os</strong>. Som<strong>os</strong><br />

comp<strong>os</strong>itores, com trabalh<strong>os</strong> própri<strong>os</strong>, e é<br />

assim que estam<strong>os</strong> vivendo.<br />

Há outr<strong>os</strong> pl<strong>an<strong>os</strong></strong>?<br />

Kiko: Estou preparando um disco novo com 30<br />

minut<strong>os</strong> <strong>de</strong> vinhetas. Vai se chamar Kiko Dinucci –<br />

Cortes Curt<strong>os</strong> (Cida<strong>de</strong>, Desejo, Solidão e Morte). A<br />

inspiração veio da rapi<strong>de</strong>z da cida<strong>de</strong>, da internet.<br />

Rodrigo: Estou finalizando meu segundo CD,<br />

Baía Fantástica, um trabalho repleto <strong>de</strong> conceit<strong>os</strong>.<br />

O nome vem <strong>de</strong> uma metáfora <strong>de</strong> um monte<br />

<strong>de</strong> coisas, inclusive da morte. Uma baía sobrenatural.<br />

No disco, Kiko atua como guitarrista e produtor;<br />

Cabral como baixista e também produtor.<br />

E ainda tem a participação <strong>de</strong> Romulo.<br />

Romulo: Meu próximo trabalho solo vai se<br />

chamar Barulho Feio. Enquanto isso, vou continuar<br />

trabalhando em vári<strong>os</strong> projet<strong>os</strong> e vam<strong>os</strong> seguir<br />

com o Passo Torto. Tem<strong>os</strong> shows marcad<strong>os</strong> e<br />

fom<strong>os</strong> selecionad<strong>os</strong> para o Conexão Vivo.<br />

Como foi a formação musical <strong>de</strong> vocês?<br />

Romulo: Sou o único não músico do grupo e,<br />

por isso, faço outras coisas para sobreviver, como<br />

escrever, mas tudo ligado à música. Meu barato<br />

era <strong>de</strong>senhar. Queria ser <strong>de</strong>senhista e, para isso,<br />

comecei a trabalhar cedo. Fui office boy e fiquei<br />

nove <strong>an<strong>os</strong></strong> num banco, enquanto estudava artes<br />

plásticas. A música estava sempre presente. Tinha<br />

uma banda, L<strong>os</strong>ango Cáqui, que <strong>faz</strong>ia um<br />

rock “Renato Russo <strong>de</strong> segunda linha”, e fui por<br />

um tempo assistente do artista visual Nuno Ram<strong>os</strong>.<br />

Minha relação com a música está relacionada<br />

à lembrança do meu pai, pessoa <strong>de</strong> origem<br />

humil<strong>de</strong> do sertão da Bahia, mas um amante da<br />

MPB, formado pela Rádio Nacional.<br />

Kiko: Em casa ouvi muita música caipira e MPB.<br />

Com 5 <strong>an<strong>os</strong></strong> ganhei um violão. A<strong>os</strong> 13 comecei a<br />

curtir rock, metal e percebi que algo mudou na<br />

minha visão <strong>de</strong> mundo e na convivência social. A<br />

música virou obsessão. Recuperei o violão antigo,<br />

que estava quebrado, consertei-o com fita a<strong>de</strong>siva<br />

e comecei a tocar as músicas que ouvia. Mas no<br />

local on<strong>de</strong> eu cresci, em Guarulh<strong>os</strong>, não se ouvia<br />

rock, e isso me isolou. Virei o esquisito. Vivia ouvindo<br />

disco e, quando saía <strong>de</strong> casa, o pessoal me<br />

xingava, jogava pedra... Lembro <strong>de</strong> uma professora,<br />

na sexta série, que me acusou <strong>de</strong> usar drogas,


Rodrigo Camp<strong>os</strong><br />

“Tudo vem do samba. Até na bateria<br />

do Sepultura tem samba. A gente está<br />

tentando inventar algo, entortar. O<br />

samba funciona como um elemento,<br />

uma base, um alicerce do trabalho.”<br />

Romulo Fróes<br />

“A amiza<strong>de</strong> e a afinida<strong>de</strong> estética n<strong>os</strong> uniram. O<br />

trabalho foi <strong>de</strong>senvolvido com uma <strong>de</strong>spretensão que<br />

n<strong>os</strong> fez arriscar mais, sem medo. Querem<strong>os</strong> levar essa<br />

característica para n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> projet<strong>os</strong>.”<br />

disse que eu ia virar ladrão, só porque eu ficava<br />

quieto, no canto. Continuei ouvindo música e fui<br />

conhecendo outr<strong>os</strong> roqueir<strong>os</strong> do bairro. Viram<strong>os</strong><br />

um grupo <strong>de</strong> esquisit<strong>os</strong> e montam<strong>os</strong> uma banda.<br />

Isso abriu uma janela. Quando fizem<strong>os</strong> o primeiro<br />

show no colégio, <strong>os</strong> caras que batiam na gente foram<br />

à apresentação e curtiram; <strong>de</strong>sse dia em diante<br />

passaram a n<strong>os</strong> respeitar. Toquei muito tempo<br />

sem ganhar nada. Isso durou <strong>de</strong> 1990 até 2005,<br />

época em que eu vivia <strong>de</strong> música, mas não ganhava<br />

dinheiro com isso. Quando comecei a compor,<br />

a coisa mudou. Um dia, um amigo, Nei Mesquita,<br />

armou um show com a dona do Ó do Borogodó<br />

[bar da zona oeste paulistana]. Foi meu primeiro<br />

cachê. Havia passado por vári<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> informais:<br />

office boy, entregador <strong>de</strong> jornal, pintor <strong>de</strong><br />

pare<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senhista copista. Mas apenas a música<br />

me fez achar um horizonte profissional.<br />

Rodrigo: Toco <strong>de</strong>s<strong>de</strong> moleque. Comecei nas<br />

rodas <strong>de</strong> samba <strong>de</strong> São Mateus, experimentando,<br />

improvisando com <strong>os</strong> amig<strong>os</strong>. Com 12 <strong>an<strong>os</strong></strong><br />

montei o primeiro grupo e comecei a estudar<br />

cavaquinho. Com 21 optei pelo estudo <strong>de</strong> música.<br />

Trabalhei como office boy, carregador em<br />

uma fábrica <strong>de</strong> calça jeans, engraxate. Hoje vivo<br />

apenas <strong>de</strong> música. Toco cavaquinho e violão,<br />

componho e canto.<br />

Marcelo: Fui esqueitista profissional e <strong><strong>de</strong>pois</strong><br />

<strong>de</strong>cidi estudar música. No início, dava aulas<br />

para ajudar. Há oito <strong>an<strong>os</strong></strong> estou vivendo <strong>de</strong><br />

música. Toco baixo acústico e elétrico e produzo.<br />

Entrei na produção musical meio por acaso,<br />

porque dispunha <strong>de</strong> equipamento e g<strong>os</strong>tava. A<br />

primeira experiência foi com a cantora Verônica<br />

Ferriani e o produtor BiD. Recentemente produzi<br />

dois disc<strong>os</strong>, um <strong>de</strong> Lur<strong>de</strong>z da Luz [em 2010,<br />

com Daniel Bozzio] e outro <strong>de</strong> Criolo [em 2011,<br />

com Daniel Ganjaman].<br />

Curta o Passo Torto em <br />

e e baixe as músicas no<br />

site .<br />

Os integrantes do Passo Torto: formações<br />

musicais distintas e carreiras marcadas<br />

pela participação em vári<strong>os</strong> projet<strong>os</strong><br />

CONTINUUM<br />

14 15


CERTIDÃO DE NASCIMENTO | capitães da areia


Enquanto dormem as crianças ladronas<br />

Há 74 <strong>an<strong>os</strong></strong>, Capitães da Areia anuncia que “a revolução é uma pátria e uma família”<br />

TEXTO micheliny verunschk<br />

ILUSTRAÇÃO arthur d’araujo<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1937. O general Goes Monteiro anuncia a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um<br />

plano comunista <strong>de</strong> tomada do po<strong>de</strong>r. Nesse mesmo dia, no Palácio do Catete, se<strong>de</strong> do governo<br />

fe<strong>de</strong>ral, o presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas <strong>de</strong>creta estado <strong>de</strong> guerra contra a ameaça golpista. Cerca <strong>de</strong><br />

40 dias <strong><strong>de</strong>pois</strong> dá, ele mesmo, um golpe e implanta o Estado Novo, regime ditatorial que ambicionava<br />

manter a paz e a unida<strong>de</strong> da nação perturbada pela ameaça vermelha. O documento que <strong>de</strong>talhava<br />

a ação entrou para a história com o nome <strong>de</strong> Plano Cohen, um relato falso cujo objetivo real não era outro<br />

senão esten<strong>de</strong>r a permanência <strong>de</strong> Vargas no po<strong>de</strong>r.<br />

Salvador, Bahia, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1937. Numa gran<strong>de</strong> fogueira em frente à Escola <strong>de</strong> Aprendizes-Marinheir<strong>os</strong><br />

e sob <strong>os</strong> olhares d<strong>os</strong> agentes do Departamento Estadual <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social (Deops) ar<strong>de</strong>m<br />

mais <strong>de</strong> 1.500 livr<strong>os</strong>, tod<strong>os</strong> exemplares <strong>de</strong> um mesmo autor, e, entre eles, aquele que havia acendido a faísca<br />

da perseguição: a história <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong>linquentes ou, antes, sobre dias <strong>de</strong> revolução que se aproximam.<br />

O autor é Jorge Amado e o livro em questão é Capitães da Areia, lançado em setembro daquele ano, num<br />

momento <strong>de</strong> efervescência e tensão no cenário político brasileiro.<br />

Cartas à Redação<br />

É sob esse título, “Cartas à Redação”, que o romance se inicia. O autor contextualiza o cenário social <strong>de</strong> sua<br />

obra por meio <strong>de</strong> notícias e <strong>de</strong> cartas publicadas no periódico baiano Jornal da Tar<strong>de</strong>. As manchetes falam<br />

das ações crimin<strong>os</strong>as <strong>de</strong> um bando <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> rua e contrapõem a elas suas vítimas, sempre honradas,<br />

trabalhadoras, exemplares. Durante todo o <strong>de</strong>senrolar da trama, o discurso jornalístico ci<strong>os</strong>o da moral e d<strong>os</strong><br />

bons c<strong>os</strong>tumes surgirá como porta-voz das forças opressoras, o Estado, a religião, a família burguesa.<br />

O núcleo da ação é representado pelo lí<strong>de</strong>r Pedro Bala, filho <strong>de</strong> um grevista morto em confronto, por Volta<br />

Seca, afilhado <strong>de</strong> Lampião, e ainda pel<strong>os</strong> menin<strong>os</strong> Professor, Sem-Pernas, Gato, Pirulito, Querido-<strong>de</strong>-Deus,<br />

entre outr<strong>os</strong>. Única menina do grupo, Dora <strong>os</strong> agregará em torno <strong>de</strong> si representando múltiplas personas:<br />

mãe, irmã, amiga, noiva e esp<strong>os</strong>a. Não é p<strong>os</strong>sível ler Capitães da Areia e não relacioná-lo a outra obra que<br />

trata <strong>de</strong> “menin<strong>os</strong> perdid<strong>os</strong>”. Escrito para teatro por J. M. Barrie, Peter Pan conta a história <strong>de</strong> crianças<br />

perdidas em uma Terra do Nunca em que as regras são dadas por elas mesmas sempre em op<strong>os</strong>ição ao<br />

mundo adulto e suas representações na lei, na or<strong>de</strong>m e n<strong>os</strong> valores burgueses. Se na obra <strong>de</strong> Barrie, Peter<br />

Pan recusa-se a ingressar no mundo adulto, na obra <strong>de</strong> Jorge Amado, Pedro Bala o <strong>faz</strong> levando consigo a<br />

centelha da liberda<strong>de</strong> da infância.<br />

À parte a violência e a erotização implícitas na narrativa, o romance apresenta a humanida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> personagens.<br />

Em várias passagens reiteradamente a voz narrativa afirma: são crianças. Os menin<strong>os</strong>, heróis romanesc<strong>os</strong>,<br />

não se configuram como marginais, mas como um grupo coletivamente organizado, movido por um<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> justiça social, regido por uma ética própria e em harmonia com a natureza ao seu redor.<br />

No romance, o embate entre po<strong>de</strong>r<strong>os</strong><strong>os</strong> e oprimid<strong>os</strong> tem um contexto político bem <strong>de</strong>finido. Assim, não é à<br />

toa que o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Pedro Bala é o <strong>de</strong> se tornar um lí<strong>de</strong>r revolucionário ao abraçar a causa do operariado.<br />

Num Brasil paranoico com sup<strong>os</strong>tas ameaças comunistas e às vésperas <strong>de</strong> um golpe <strong>de</strong> Estado, nenhum<br />

livro po<strong>de</strong>ria ter sido mais perig<strong>os</strong>o.<br />

Companheir<strong>os</strong>, vam<strong>os</strong> pra luta!<br />

Obra <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> (seu autor não contava mais <strong>de</strong> 25 <strong>an<strong>os</strong></strong> quando a escreveu), Capitães da Areia surge<br />

como um livro do seu tempo e para além do seu tempo. Jorge Amado, que para escrever o romance foi<br />

dormir n<strong>os</strong> trapiches junto com crianças abandonadas, estava fora do país durante o lançamento e o episódio<br />

da queima d<strong>os</strong> livr<strong>os</strong>. Foi preso ao retornar. Com Capitães da Areia ele não só antecipa “<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> em<br />

que todas as bocas foram impedidas <strong>de</strong> falar”, para citar uma expressão da obra, como <strong>de</strong>nuncia o olhar<br />

equivocado que as políticas públicas teriam para as crianças pobres brasileiras por todo o século XX. Profundamente<br />

humano e repleto <strong>de</strong> lirismo, o romance mantém intact<strong>os</strong>, 74 <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong> lançado, sua força<br />

e apelo por liberda<strong>de</strong>.<br />

Vári<strong>os</strong> event<strong>os</strong> vão comemorar o centenário <strong>de</strong> Jorge Amado em 2012. Confira Capitães da Areia, filme da cineasta e neta do escritor Cecília Amado, em<br />

cartaz; a Cia. das Letras lança livro com as cartas que Jorge trocou com Zélia Gattai no exílio. Veja mais em .<br />

Saiba mais sobre Jorge Amado na Enciclopédia Itaú Cultural <strong>de</strong> Literatura Brasileira, disponível em .<br />

CONTINUUM<br />

16 17


REPORTAGEm | semana <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rna<br />

saga mo<strong>de</strong>rnista<br />

completa 90 <strong>an<strong>os</strong></strong><br />

I<strong>de</strong>ais da Semana <strong>de</strong> 22 ainda ecoam com força na arte atual<br />

TEXTO leonardo calvano<br />

foto: divulgação<br />

O ano era 1922. São Paulo ganhava status <strong>de</strong> metrópole<br />

ao atingir quase 1 milhão <strong>de</strong> habitantes. A aristocracia<br />

cafeeira e <strong>os</strong> imigrantes, que compunham<br />

gran<strong>de</strong> parte da população na época, assistiam à<br />

expansão territorial e ao crescimento vertical da<br />

cida<strong>de</strong>, representad<strong>os</strong> por edificações simbólicas<br />

como a Estação da Luz e as mansões da Avenida<br />

Paulista. O centro da cida<strong>de</strong> <strong>os</strong>tentava um ar europeu.<br />

Todo esse ambiente serviu <strong>de</strong> cenário para o<br />

primeiro movimento cultural coletivo da história<br />

brasileira: a Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna, que marcaria,<br />

em <strong>de</strong>finitivo, o rumo das artes nacionais e a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> c<strong>os</strong>mopolita e boêmia da capital.<br />

“Naquela época, a cida<strong>de</strong> era a que apresentava as<br />

melhores condições para a realização <strong>de</strong> um evento<br />

como esse. Era próspera, recebia gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

imigrantes europeus e se mo<strong>de</strong>rnizava rapidamente,<br />

com a implantação <strong>de</strong> indústrias e a urbanização”,<br />

afirma a historiadora e antropóloga Letícia Viana.<br />

Era também o ambiente perfeito para prop<strong>os</strong>tas<br />

artísticas transgressoras, diferentemente do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro – outro polo artístico, impregnado pelas<br />

i<strong>de</strong>ias da Escola Nacional <strong>de</strong> Belas-Artes –, que, por<br />

muit<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> da Semana, ainda <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ria o<br />

aca<strong>de</strong>micismo. “Claro que existiam no Rio artistas<br />

disp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> a renovar, mas o ambiente não lhes era<br />

propício, sendo mais fácil a<strong>de</strong>rir a um movimento<br />

que partisse da capital paulista”, completa.<br />

Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (primeiro à esq., no alto), Rubens<br />

Borba <strong>de</strong> Moraes (sentado, segundo da esq. para<br />

a dir.) e outr<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>rnistas em 1922, <strong>de</strong>ntre eles<br />

(não i<strong>de</strong>ntificad<strong>os</strong>) Tácito, Baby, Mário e Guilherme<br />

<strong>de</strong> Almeida e Yan <strong>de</strong> Almeida Prado<br />

Organizada por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Oswald <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>, Menotti <strong>de</strong>l Picchia, Manuel Ban<strong>de</strong>ira,<br />

Tarsila do Amaral, Heitor Villa-Lob<strong>os</strong> e muit<strong>os</strong><br />

outr<strong>os</strong>, a Semana, realizada no Teatro Municipal<br />

<strong>de</strong> São Paulo entre <strong>os</strong> dias 11 e 18 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />

1922, marcou o surgimento do mo<strong>de</strong>rnismo brasileiro,<br />

além <strong>de</strong> ser o ponto <strong>de</strong> encontro das várias<br />

tendências que vinham se firmando mundialmente<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).<br />

O evento marcou também as comemorações do<br />

primeiro centenário da in<strong>de</strong>pendência do Brasil.<br />

Reuniu cerca <strong>de</strong> cem obras e compreen<strong>de</strong>u três<br />

sessões literomusicais noturnas. Consolidou grup<strong>os</strong><br />

e i<strong>de</strong>ias, que passaram a ter espaço cativo em<br />

livr<strong>os</strong>, revistas e manifest<strong>os</strong>. As i<strong>de</strong>ias que disseminou<br />

foram legitimadas por completo após alguns<br />

<strong>an<strong>os</strong></strong>, quando chegariam a outr<strong>os</strong> estad<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>:<br />

em Minas Gerais, foram acolhidas pel<strong>os</strong> poetas<br />

Carl<strong>os</strong> Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Pedro Nava,<br />

Emílio Moura, Abgar Renault e João Alphonsus;


foto: cia <strong>de</strong> foto<br />

Nas décadas seguintes, moviment<strong>os</strong> como o cinema<br />

novo, com Glauber Rocha e Nelson Pereira<br />

d<strong>os</strong> Sant<strong>os</strong>, m<strong>os</strong>traram indíci<strong>os</strong> <strong>de</strong> que a fonte<br />

mo<strong>de</strong>rnista continuaria a alimentar n<strong>os</strong>sa cultura.<br />

É notório encontrar element<strong>os</strong> da estética<br />

prop<strong>os</strong>ta na Semana em filmes como Terra em<br />

Transe e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber)<br />

e Macunaíma (Joaquim Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>),<br />

inspirado no romance <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.<br />

Sarau da Cooperifa, eco da prop<strong>os</strong>ta<br />

libertária d<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>rnistas<br />

Sem programa estético <strong>de</strong>finido, a Semana <strong>de</strong> 22 foi muito mais<br />

uma manifestação <strong>de</strong> rejeição ao conservadorismo da produção<br />

literária, musical e visual do que um acontecimento construtivo <strong>de</strong><br />

prop<strong>os</strong>tas e criação <strong>de</strong> linguagens.<br />

no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, por Mário Quintana, Augusto<br />

Meyer, Pedro Vergara e Guilhermino César,<br />

também poetas; e, no Nor<strong>de</strong>ste, nas obras <strong>de</strong> J<strong>os</strong>é<br />

Américo <strong>de</strong> Almeida, Jorge <strong>de</strong> Lima e outr<strong>os</strong>.<br />

De acordo com a historiadora e crítica <strong>de</strong> arte Aracy<br />

Amaral, “a Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna é um marco por<br />

ter sido um evento preparado, e que foi fundamental<br />

para <strong>os</strong> artistas, mesmo se consi<strong>de</strong>rarm<strong>os</strong> que <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />

exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> não são hoje, para nós, revolucionári<strong>os</strong>.<br />

Mas significaram um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> rompimento”.<br />

Aracy observa que o movimento trouxe duas vertentes<br />

bastante diversas: uma que sinalizava para <strong>os</strong><br />

valores locais, <strong>os</strong> ritm<strong>os</strong> musicais e as tradições populares.<br />

Nesse ponto, segundo a historiadora, Mário<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> foi um gran<strong>de</strong> agente. A outra vertente<br />

foi a das artes plásticas baseadas em temas que remetem<br />

às raízes brasileiras. “É nesse contexto que<br />

a pintura Pau-Brasil, <strong>de</strong> Tarsila do Amaral, emerge<br />

com sabor e força, assim como as obras <strong>de</strong> Di Cavalcanti<br />

e Cicero Dias, antes <strong>de</strong> ir para Paris.”<br />

Desconstrução estética<br />

Sem programa estético <strong>de</strong>finido, a Semana <strong>de</strong> 22<br />

foi muito mais uma manifestação <strong>de</strong> rejeição ao<br />

conservadorismo da produção literária, musical<br />

e visual do que um acontecimento construtivo <strong>de</strong><br />

prop<strong>os</strong>tas e criação <strong>de</strong> linguagens. Dois d<strong>os</strong> principais<br />

i<strong>de</strong>ólog<strong>os</strong>, Mário e Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram<br />

a “recusa à literatura e à arte importadas<br />

com <strong>os</strong> traç<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma civilização cada vez mais<br />

superada, no espaço e no tempo”. Em geral tod<strong>os</strong><br />

clamavam em seus discurs<strong>os</strong> por liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão,<br />

pelo fim <strong>de</strong> regras na arte e por i<strong>de</strong>ári<strong>os</strong><br />

futuristas, que exigiam a <strong>de</strong>p<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> temas tradicionais<br />

em nome da nova socieda<strong>de</strong>.<br />

Na palestra proferida por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> na<br />

tar<strong>de</strong> do dia 15 <strong>de</strong> fevereiro, p<strong>os</strong>teriormente publicada<br />

como o ensaio “A Escrava que Não É<br />

Isaura”, em 1925, o autor <strong>de</strong>bateu a importância<br />

<strong>de</strong> mesclar a estética mo<strong>de</strong>rna com as raízes da<br />

cultura popular brasileira. A dinâmica entre o nacional<br />

e o internacional se torna a questão principal<br />

<strong>de</strong>sses artistas n<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> seguintes.<br />

Vale ressaltar também que, apesar <strong>de</strong> toda a estrutura<br />

contestadora e anarquista, a Semana não foi<br />

um fato isolado e sem origens. Discussões sobre<br />

a renovação surgiram na década <strong>de</strong> 1910, em text<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> revistas e em exp<strong>os</strong>ições, como a <strong>de</strong> Anita<br />

Malfatti, em 1917. Em 1921, já existia, por parte <strong>de</strong><br />

Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Menotti <strong>de</strong>l Picchia, a intenção<br />

<strong>de</strong> transformar as comemorações do centenário<br />

em um movimento <strong>de</strong> emancipação artística.<br />

No entanto, é no salão do mecenas Paulo Prado, em<br />

fins daquele ano, que a i<strong>de</strong>ia ganhou força, após ele<br />

promover um encontro para manifestações artísticas<br />

diversas, inspirado na Semaine <strong>de</strong> Fêtes <strong>de</strong> Deauville,<br />

na França. O mesmo Paulo Prado, homem<br />

influente, conseguiu o patrocínio d<strong>os</strong> barões do<br />

café para realizar o evento, além <strong>de</strong> ser fundamental<br />

para a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Graça Aranha. A presença do<br />

romancista e diplomata, que chegara havia pouco<br />

da Europa, legitimou as reivindicações do jovem e<br />

ainda <strong>de</strong>sconhecido grupo mo<strong>de</strong>rnista.<br />

Semente lançada<br />

Criar uma arte baseada nas características do<br />

povo brasileiro. Esse conceito foi o principal legado<br />

<strong>de</strong>ixado pel<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> 1922. O primeiro<br />

sinal <strong>de</strong> que as coisas nunca mais seriam as<br />

mesmas veio em 1928 com o “Manifesto Antropófago”,<br />

<strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que propunha<br />

<strong>de</strong>vorar influências estrangeiras para impor um<br />

caráter brasileiro às artes plásticas e à literatura.<br />

Alguns <strong>an<strong>os</strong></strong> antes, o próprio Oswald e a artista<br />

plástica Tarsila do Amaral publicaram o “Manifesto<br />

da Poesia Pau-Brasil”, que enfatizava a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> criar uma arte baseada nas características<br />

do povo brasileiro, com absorção crítica<br />

da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> europeia.<br />

Na música, o i<strong>de</strong>ário mo<strong>de</strong>rnista reverberaria<br />

em moviment<strong>os</strong> que ocorreriam várias décadas<br />

<strong><strong>de</strong>pois</strong>, como a b<strong>os</strong>sa nova, com João Gilberto; o<br />

tropicalismo, com Caetano Vel<strong>os</strong>o, Gilberto Gil e<br />

Tom Zé; a vanguarda paulistana, com Itamar Assumpção<br />

e Arrigo Barnabé; e o mangue beat, com<br />

Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A,<br />

cuja prop<strong>os</strong>ta estética foi fundir ritm<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong><br />

como o samba, a música <strong>de</strong> terreiro, o maracatu e<br />

o frevo com element<strong>os</strong> estrangeir<strong>os</strong> como o jazz, a<br />

música clássica, o rock e a música eletrônica.<br />

Mais recentemente, o legado mo<strong>de</strong>rnista pô<strong>de</strong><br />

ser visto n<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> <strong>de</strong> arte urbana, como<br />

na paulistana Cooperativa <strong>de</strong> Artistas da Periferia<br />

(Cooperifa). A crítica literária Heloísa Buarque<br />

<strong>de</strong> Hollanda acredita que esse é “um d<strong>os</strong><br />

fenômen<strong>os</strong> culturais mais importantes <strong>de</strong>stes<br />

<strong>an<strong>os</strong></strong> 2000”. Ela é a curadora da série <strong>de</strong> livr<strong>os</strong><br />

Tramas Urbanas, da Editora Aeroplano, da qual<br />

Cooperifa, Antropofagia Periférica, <strong>de</strong> Sérgio<br />

Vaz, lançado em 2008, é o sétimo volume. Criado<br />

pelo poeta Sérgio Vaz, o movimento ganhou repercussão<br />

com o Sarau da Cooperifa, que recebe<br />

até 500 pessoas para ouvir e <strong>de</strong>clamar poesia, a<br />

cada edição, realizada semanalmente em um bar<br />

da zona sul da capital. “Acham<strong>os</strong> importante registrar<br />

como surgiu esse encontro e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem<br />

esse poeta revolucionário – que, em pleno século<br />

XXI, re<strong>faz</strong> não apenas o caminho antropofágico<br />

da poesia mo<strong>de</strong>rnista e sua Semana <strong>de</strong> Arte<br />

Mo<strong>de</strong>rna, mas recria agora, dono <strong>de</strong> sua voz, o<br />

gran<strong>de</strong> quilombo da poesia paulista”, <strong>de</strong>clarou,<br />

na época do lançamento, a pesquisadora.<br />

Mo<strong>de</strong>rnismo na re<strong>de</strong><br />

Internet oferece várias opções <strong>de</strong> pesquisa sobre o<br />

movimento <strong>de</strong>flagrado com a Semana <strong>de</strong> 22<br />

Movimento multidisciplinar, a Semana <strong>de</strong> 22 teve influência<br />

não só na literatura, na música e nas artes plásticas,<br />

mas também no teatro. Se você <strong>de</strong>seja conhecer mais<br />

sobre esse marco histórico da n<strong>os</strong>sa arte, consulte as<br />

enciclopédias virtuais do Itaú Cultural. Na Enciclopédia <strong>de</strong><br />

Artes Visuais, há verbetes d<strong>os</strong> artistas que participaram<br />

do evento, com text<strong>os</strong> crític<strong>os</strong> e obras representativas,<br />

e verbetes correlat<strong>os</strong> sobre o movimento mo<strong>de</strong>rnista e<br />

seus <strong>de</strong>sdobrament<strong>os</strong>. Na <strong>de</strong> música, biografias <strong>de</strong> tod<strong>os</strong><br />

<strong>os</strong> músic<strong>os</strong> citad<strong>os</strong> nesta matéria, além <strong>de</strong> text<strong>os</strong> analític<strong>os</strong><br />

sobre eles. A <strong>de</strong> literatura traz, em seus verbetes<br />

sobre <strong>os</strong> escritores brasileir<strong>os</strong>, a contribuição da estética<br />

mo<strong>de</strong>rnista nas letras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1920 até a<br />

atualida<strong>de</strong>. Por fim, na Enciclopédia <strong>de</strong> Teatro, a trajetória<br />

<strong>de</strong> encenadores que puseram em prática a experiência<br />

estética mo<strong>de</strong>rna, como Zé Celso.<br />

Consulte .<br />

19<br />

CONTINUUM<br />

18


perfil | angeli<br />

Ao pressentir que <strong>de</strong>terminado tema<br />

atinge seu ponto <strong>de</strong> saturação, ele simplesmente<br />

passa uma borracha por cima.<br />

Como bom punk da periferia, <strong>Angeli</strong> tem<br />

Ph.D. em tocar o foda-se.<br />

<strong>Trinta</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong> <strong>revolucionar</strong><br />

<strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>, <strong>Angeli</strong><br />

<strong>faz</strong> revisão <strong>de</strong> sua tragetória


"Estou numa bagunça mental e emocional, numa fase <strong>de</strong> transição", confessa <strong>Angeli</strong> sobre seu momento atual.<br />

Para quem conhece o cartunista, é bom não acreditar: daqui a pouco ele explo<strong>de</strong> − ou se autoimplo<strong>de</strong><br />

TEXTO ronaldo bressane<br />

FOTO andré seiti<br />

Foi embranquecendo, embranquecendo.... até dar<br />

branco total: do cabelo ao traço, <strong>Angeli</strong> <strong>de</strong>sapareceu<br />

<strong>de</strong> suas tiras.<br />

“Implodiu”, para usar a expressão <strong>de</strong> Ruy Castro<br />

em referência ao modo como <strong>Angeli</strong> <strong>de</strong>sconstrói<br />

o discurso d<strong>os</strong> personagens: uma corr<strong>os</strong>ão<br />

que parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro. O homem que “suicidou”<br />

seu maior sucesso − a doidona Rê Bord<strong>os</strong>a, cujas<br />

histórias serão reunidas em breve em um álbum<br />

a ser lançado pela Cia. das Letras − não tem o<br />

mínimo pudor em armar para que seus personagens<br />

direcionem ranzinzice, mediocrida<strong>de</strong>,<br />

raiva e loucura contra si mesm<strong>os</strong>. Foi assim com<br />

Os Skrotinh<strong>os</strong>, com Bob Cuspe, com Meia-Oito,<br />

com Bibelô, para citar somente alguns d<strong>os</strong> inúmer<strong>os</strong><br />

anti-heróis criad<strong>os</strong> pelo mais iconoclasta<br />

d<strong>os</strong> cartunistas brasileir<strong>os</strong>. Ao pressentir que <strong>de</strong>terminado<br />

tema atinge seu ponto <strong>de</strong> saturação,<br />

ele simplesmente passa uma borracha por cima.<br />

Como bom punk da periferia, <strong>Angeli</strong> tem Ph.D.<br />

em tocar o foda-se.<br />

Liga/<strong>de</strong>sliga<br />

Sempre foi assim com esse paulistano nascido<br />

no bairro da Casa Ver<strong>de</strong>, há 55 <strong>an<strong>os</strong></strong>. Filho <strong>de</strong> itali<strong>an<strong>os</strong></strong><br />

calabreses e sicili<strong>an<strong>os</strong></strong>, sob o signo <strong>de</strong> Virgem<br />

com ascen<strong>de</strong>nte em Virgem, o sanguíneo<br />

<strong>Angeli</strong> <strong>de</strong>fine-se como ultracontrolador, metódico,<br />

meticul<strong>os</strong>o – daí a paúra ao sentir que um caminho<br />

criativo se esgota: ele mata suas criaturas<br />

no auge. Daí ter parado com as charges “fofas” <strong>de</strong><br />

personagens controvers<strong>os</strong> como Delfim Netto,<br />

Paulo Maluf e J<strong>os</strong>é Sarney, na época em que seu<br />

traço reinava na po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>a página 2 da Folha <strong>de</strong><br />

S.Paulo. “Esses caras estavam ficando muito simpátic<strong>os</strong>,<br />

eu estava dando espaço <strong>de</strong>mais pra eles”,<br />

explica. Daí também ter parado com as charges<br />

para inventar o espaço <strong>de</strong> tiras adultas em jornais.<br />

Hoje, na Folha, divi<strong>de</strong> esse espaço com Laerte,<br />

Fernando Gonsales, Fabio Moon & Gabriel<br />

Bá, além d<strong>os</strong> discípul<strong>os</strong> confess<strong>os</strong> Allan Sieber,<br />

Caco Galhardo e Adão Iturrusgarai. A influência<br />

<strong>de</strong> <strong>Angeli</strong> – e seu modus operandi liga/<strong>de</strong>sliga –<br />

é gigantesca. Ele editou a revista <strong>de</strong> quadrinh<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> maior circulação no país, a Chiclete com Banana,<br />

que vendia 120 mil exemplares mensais e<br />

frutificou n<strong>os</strong> títul<strong>os</strong> Circo (<strong>de</strong> Laerte e Luiz Gê)<br />

e Geraldão (<strong>de</strong> Glauco), sem falar n<strong>os</strong> filh<strong>os</strong> bastard<strong>os</strong><br />

Animal e General, lendárias publicações<br />

do udigrúdi paulista, e ainda respingou sua semente<br />

n<strong>os</strong> cariocas Planeta Diário e Casseta Popular.<br />

Uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicações que emana do<br />

espírito multiplamente anárquico do gênio Millôr<br />

Fernan<strong>de</strong>s – mentor das Pif-Paf que <strong>Angeli</strong><br />

lia alucinado quando criança e do Pasquim, que<br />

movimentou sua adolescência.<br />

A crise pela qual passa <strong>Angeli</strong> – a ponto <strong>de</strong> até<br />

mesmo <strong>de</strong>tonar a Série <strong>Angeli</strong> em Crise – tem<br />

fundo estético e emocional. Cada vez mais, ele<br />

prefere resguardar seu fôlego para trabalh<strong>os</strong><br />

gran<strong>de</strong>s, em <strong>de</strong>trimento das tiras-em-três-quadrinh<strong>os</strong><br />

e da charge. Os personagens das tiras<br />

foram rareando. Mesmo estas transitaram <strong>de</strong> séries<br />

seminarrativas, como Lovestórias ou Duas<br />

Coisas que Eu O<strong>de</strong>io e Uma Coisa que Eu Adoro,<br />

a retângul<strong>os</strong> abstrat<strong>os</strong>, como o Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Esboç<strong>os</strong><br />

ou tiras em que tão somente exibe o traço<br />

inconfundível em retrat<strong>os</strong> <strong>de</strong> jazzmen ou reproduções<br />

d<strong>os</strong> álbuns favorit<strong>os</strong>. Curi<strong>os</strong>amente, para<br />

um cartunista ligado ao punk e ao rock ‘n’roll,<br />

ele diz já não ter o hábito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar ouvindo<br />

música − com ressalva para Bob Dylan, seu ídolo<br />

maior (ao lado <strong>de</strong> Gerald Scarfe e, é claro, Robert<br />

Crumb, amb<strong>os</strong> <strong>de</strong>senhistas). Ou seja: ele tem<br />

passado horas e horas em silêncio sobre a amada<br />

prancheta − “adoro ficar sozinho”, diz −, em estado<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>puração: se <strong>de</strong> um lado a tira narrativa progressivamente<br />

limpou traço e mensagem, como<br />

na série O Imundo Animal, por outro, as charges<br />

ganharam impacto, síntese e conceito.<br />

O artista <strong>de</strong>fine seu momento como uma “dolor<strong>os</strong>a”<br />

revisão. “Estou em plena andropausa. Eu me<br />

orgulho muito <strong>de</strong> ter resistido ao tempo sem abrir<br />

mão <strong>de</strong> meus i<strong>de</strong>ais. Mas não escondo que estou<br />

em banho-maria”, assume. Para quem conhece<br />

sua alma rebel<strong>de</strong>, é certo que, em breve, ele vai<br />

pular do banho-maria para aumentar o fogo no<br />

máximo – sem o menor medo <strong>de</strong> se autofritar.<br />

[Entrevista concedida a Claudiney Ferreira]<br />

CONTINUUM<br />

20 21


Há <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong>Angeli</strong> passa a maior parte do tempo<br />

em seu estúdio, <strong>de</strong>bruçado sobre a prancheta<br />

a exercitar um talento incomum <strong>de</strong> <strong>faz</strong>er humor<br />

com o ridículo da vida alheia. Numa tar<strong>de</strong><br />

ensolarada <strong>de</strong> janeiro, o cartunista permitiu<br />

uma pequena invasão em sua casa e espaço<br />

criativo para contar histórias e falar sobre<br />

sua extensa trajetória profissional ao programa<br />

Ocupação, do Itaú Cultural (exp<strong>os</strong>ição que<br />

ocorre <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> março a 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2012).<br />

Na ocasião, a convite da Continuum, Rafael<br />

Coutinho registrou o que viu e recriou a seu<br />

modo parte do universo particular <strong>de</strong> <strong>Angeli</strong>.


CONTINUUM<br />

30 31


perfil | angeli<br />

<strong>Angeli</strong> em revista<br />

Veja parte da Série Jazz publicada na Folha <strong>de</strong> S.Paulo e alguns trabalh<strong>os</strong><br />

que m<strong>os</strong>tram como o cartunista se vê em diferentes fases <strong>de</strong> sua produção<br />

Série Jazz: tiras publicadas na Folha <strong>de</strong> S.Paulo


Esboço <strong>de</strong><br />

autocaricatura<br />

Autocaricatura, 1999<br />

Esboço <strong>de</strong> autocaricatura feita para a capa da Revista TPM<br />

Autocaricatura feita para a Revista Trip, 2010<br />

25<br />

CONTINUUM<br />

24


REPORTAGEM | mulheres quadrinistas<br />

sapatilhas<br />

<strong>de</strong> arame<br />

Quadrinistas mulheres veem seu trabalho ser reconhecido no Brasil e no exterior, mas ainda<br />

<strong>faz</strong>em parte <strong>de</strong> uma minoria, num mercado dominado pel<strong>os</strong> colegas do sexo op<strong>os</strong>to<br />

TEXTO carol almeida<br />

Quadrinh<strong>os</strong> sempre foram vist<strong>os</strong> com reserva por<br />

educadores e pais. Para <strong>os</strong> artistas plástic<strong>os</strong>, raramente<br />

essa linguagem era associada a obras <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Esse cenário foi pouco a pouco<br />

se modificando, com uma produção maior <strong>de</strong> histórias<br />

e o refinamento d<strong>os</strong> traç<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhistas<br />

mundo afora. Hoje, enfim, as HQs têm seu valor literário<br />

e artístico reconhecido e consolidado, mas<br />

permanecem sendo um território quase exclusivamente<br />

masculino. I<strong>de</strong>ntificada como “coisa <strong>de</strong><br />

menino”, é uma das únicas formas <strong>de</strong> expressão<br />

pop que ainda arrastam consigo o ranço do direcionamento<br />

<strong>de</strong> gêner<strong>os</strong>.<br />

A boa-nova é: o lado feminino <strong>de</strong>ssa gangorra<br />

está começando a se levantar. E a prova disso é a<br />

presença cada vez maior <strong>de</strong> mulheres em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

segment<strong>os</strong> <strong>de</strong> produção das HQs. De resenhistas<br />

a editoras, <strong>de</strong> quadrinistas a cartunistas e chargistas...<br />

No mercado brasileiro <strong>de</strong> quadrinh<strong>os</strong> há pelo<br />

men<strong>os</strong> 20 mulheres assinando trabalh<strong>os</strong>, sem contar<br />

o gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> profissionais do sexo feminino<br />

que atualmente colabora para a série Turma<br />

da Mônica e sua <strong>de</strong>rivada, a Mônica Jovem. Por<br />

sinal, a principal roteirista <strong>de</strong>sses produt<strong>os</strong>, editad<strong>os</strong><br />

pela Panini, é uma mulher: Petra Leão.<br />

O número ainda é ínfimo se comparado com o<br />

<strong>de</strong> profissionais do gênero masculino, mas é quase<br />

100% maior do que o que se via há breves <strong>de</strong>z<br />

<strong>an<strong>os</strong></strong>. “De memória, com exceção da Erica Awano,<br />

que, naquele tempo, estava no começo <strong>de</strong> seu trabalho,<br />

e da Eva Furnari, não me recordo <strong>de</strong> mulheres<br />

criando quadrinh<strong>os</strong> no Brasil”, diz Sidney<br />

Gusman, jornalista especializado no tema e hoje<br />

editor d<strong>os</strong> estúdi<strong>os</strong> Mauricio <strong>de</strong> Sousa. Em recente<br />

projeto para rever <strong>os</strong> personagens do <strong>de</strong>senhista,<br />

Gusman convidou 150 artistas nacionais para criar<br />

quadrinh<strong>os</strong> e cartuns para três livr<strong>os</strong>. O projeto<br />

contou com a presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mulheres no time<br />

– 6,6% do total, na precisão matemática. “P<strong>os</strong>so garantir<br />

que essas profissionais estavam no nível <strong>de</strong><br />

excelência <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> participantes.”<br />

Mas, como numa economia que se retroalimenta,<br />

é certo que a presença <strong>de</strong> mulheres no campo da<br />

produção <strong>de</strong> quadrinh<strong>os</strong> cresce conforme aumenta<br />

sua presença na outra ponta do processo: o consumo.<br />

Mariamma Fonseca, uma das três criadoras<br />

do Lady’s Comics [ladyscomics.com.br] – site<br />

<strong>de</strong>dicado a meninas que leem e <strong>faz</strong>em quadrinh<strong>os</strong><br />

cujo slogan é “HQ não é só para seu namorado”<br />

–, diz que percebe uma presença cada<br />

vez mais constante <strong>de</strong> mulheres em gibitecas e<br />

livrarias e acredita que boa parte <strong>de</strong>sse interesse<br />

cresceu entre e com as meninas (em vez <strong>de</strong><br />

parar na infância após a inevitável leitura d<strong>os</strong><br />

gibis da Turma da Mônica) quando <strong>os</strong> mangás<br />

se tornaram populares no país. Mariamma recebe<br />

vári<strong>os</strong> e-mails <strong>de</strong> meninas interessadas<br />

em ler e <strong>faz</strong>er quadrinh<strong>os</strong>, e, para ela, <strong>de</strong>svincular<br />

o HQ da questão <strong>de</strong> gênero, pelo men<strong>os</strong><br />

do lado <strong>de</strong> quem consome, ajuda a criar campo<br />

para quem produz.<br />

Prestígio lá fora<br />

Já para as moças que hoje se <strong>de</strong>bruçam sobre<br />

a prancheta para criar tirinhas, quadrinh<strong>os</strong><br />

autorais e até mesmo super-heróis está claro<br />

que tudo o que não precisam ver é a produção<br />

e o consumo <strong>de</strong> seu trabalho atrelad<strong>os</strong> ao fato<br />

<strong>de</strong> serem mulheres. Numa conversa com cinco<br />

quadrinistas que trabalham para o mercado<br />

brasileiro e estrangeiro e vivem <strong>de</strong> sua criação,<br />

é consensual não existir uma “leitura feminina”<br />

que as diferencie d<strong>os</strong> profissionais homens.<br />

“Isso não <strong>faz</strong> sentido. Não é o sexo que <strong>de</strong>termina<br />

esse tipo <strong>de</strong> coisa. São as pessoas, com suas<br />

limitações e talent<strong>os</strong>, que produzem obras convincentes,<br />

ou não, em suas prop<strong>os</strong>tas”, garante<br />

a paulistana Erica Awano. Ela começou a <strong>de</strong>senhar<br />

seus mangás no fim d<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> 1990 e ganhou<br />

popularida<strong>de</strong> ao ilustrar a série brasileira<br />

Holy Avenger. Hoje é reconhecida no mercado<br />

internacional. São <strong>de</strong>la, por exemplo, <strong>os</strong> <strong>de</strong>senh<strong>os</strong><br />

da versão em quadrinh<strong>os</strong> <strong>de</strong> Alice no<br />

País das Maravilhas, com roteiro <strong>de</strong> Leah Moore,<br />

filha <strong>de</strong> Alan Moore, criador <strong>de</strong> clássic<strong>os</strong><br />

como Watchmen e V <strong>de</strong> Vingança.<br />

O traço <strong>de</strong> Adriana Melo tenta fugir do estereótipo do mercado<br />

internacional e ressaltar a força das heroínas em vez <strong>de</strong> seus<br />

atribut<strong>os</strong> corporais<br />

A boneca inflável Amely, criação <strong>de</strong><br />

Pryscila Vieira: bom humor para falar<br />

do universo feminino


O lado feminino <strong>de</strong>ssa gangorra está começando a se levantar.<br />

E a prova disso é a presença cada vez maior <strong>de</strong> mulheres em tod<strong>os</strong><br />

<strong>os</strong> segment<strong>os</strong> <strong>de</strong> produção das HQs. No mercado brasileiro <strong>de</strong><br />

quadrinh<strong>os</strong> há pelo men<strong>os</strong> 20 mulheres assinando trabalh<strong>os</strong>.<br />

Outra brasileira que exporta seu<br />

talento é a também paulistana<br />

Adriana Melo. Primeira mulher no<br />

mundo a <strong>de</strong>senhar dois importantes<br />

personagens da editora Marvel,<br />

Homem Aranha e Justiceiro, ela<br />

tem uma longa lista <strong>de</strong> super-heróis<br />

americ<strong>an<strong>os</strong></strong> no currículo e, <strong>de</strong> sua<br />

casa em Interlag<strong>os</strong>, São Paulo, envia<br />

pela internet a<strong>os</strong> estúdi<strong>os</strong> americ<strong>an<strong>os</strong></strong><br />

seus <strong>de</strong>senh<strong>os</strong> que se tornaram<br />

populares naquele país. No caso <strong>de</strong><br />

Adriana, é ainda mais latente o abismo<br />

<strong>de</strong> gênero, não apenas entre <strong>os</strong><br />

realizadores, mas particularmente na<br />

condução muitas vezes sexista da indústria<br />

que sustenta esses personagens<br />

há mais <strong>de</strong> 70 <strong>an<strong>os</strong></strong>.<br />

Ac<strong>os</strong>tumada a <strong>de</strong>senhar super-heróis<br />

homens e mulheres em seus respectiv<strong>os</strong><br />

uniformes colantes, Adriana fala sobre as<br />

representações masculinas e femininas<br />

nesses produt<strong>os</strong>: “Infelizmente, acho que<br />

o que <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> americ<strong>an<strong>os</strong></strong> m<strong>os</strong>tram<br />

é um padrão <strong>de</strong> beleza imp<strong>os</strong>sível. Para<br />

mim, é um <strong>de</strong>safio dar forma a heroínas<br />

que fujam disso. O corpo feminino, às vezes,<br />

é retratado <strong>de</strong> maneira sexista. Mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

muito do bom senso do profissional<br />

em esboçar as personagens”. Para ela, boas<br />

histórias e um traço <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do estilo, são suficientes para<br />

atrair leitores. “Sempre espero que não exista<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar esse tipo <strong>de</strong> ‘isca’. Tento<br />

fugir <strong>de</strong> ângul<strong>os</strong> reveladores e, em vez <strong>de</strong> focar<br />

nas curvas femininas, <strong>de</strong>senho as personagens<br />

em p<strong>os</strong>es interessantes, que <strong>de</strong>monstrem<br />

personalida<strong>de</strong> e força”, diz.<br />

A paranaense Pryscila Vieira, “mãe” <strong>de</strong> Amely,<br />

uma boneca inflável feminista, engajada e engraçada<br />

que é publicada hoje em tirinhas no jornal<br />

Folha <strong>de</strong> S.Paulo, acredita que não <strong>de</strong>ve haver distinção<br />

entre o que as mulheres e <strong>os</strong> homens po<strong>de</strong>m<br />

criar em HQ, mas pon<strong>de</strong>ra: “Sou mulher, portanto,<br />

acredito que p<strong>os</strong>so falar com maior proprieda<strong>de</strong> sobre<br />

o universo feminino. Mas não compactuo com<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> limitações <strong>de</strong> qualquer or<strong>de</strong>m na arte”.<br />

Cratera lunar<br />

A fluminense Clara Gomes – outra quadrinista<br />

com um vasto trabalho publicado em tirinhas,<br />

como <strong>os</strong> Bichinh<strong>os</strong> <strong>de</strong> Jardim [bichinh<strong>os</strong><strong>de</strong>jardim.com]<br />

– não acredita em qualquer tipo <strong>de</strong><br />

“reserva” do mercado editorial em relação às mulheres<br />

que produzem quadrinh<strong>os</strong>, mas relativiza:<br />

“Existe um preconceito <strong>de</strong> um modo geral em relação<br />

ao feminino. Há também uma cultura <strong>de</strong> que<br />

as mulheres precisam escrever necessariamente<br />

sobre questões que dizem respeito ao que é fútil,<br />

à c<strong>os</strong>mética, às dietas... Mas <strong>de</strong>finir o ‘mercado’ tal<br />

qual uma entida<strong>de</strong> é sempre perig<strong>os</strong>o. As publicações<br />

são extremamente variadas e nov<strong>os</strong> espaç<strong>os</strong><br />

vêm sendo criad<strong>os</strong>”.<br />

“Acho que atualmente acontece o contrário: existe<br />

um interesse pelo que as mulheres estão produzindo.<br />

Como <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong> estão num<br />

bom momento, com muita gente competente produzindo<br />

material <strong>de</strong> alta qualida<strong>de</strong>, há uma curi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong><br />

também pelo trabalho <strong>de</strong>las, principalmente<br />

por essa ser uma área dominada por homens.”<br />

A opinião é da gaúcha Samanta Flôor, cuj<strong>os</strong> cartuns<br />

têm um estilo inconfundível. Ela foi revelada<br />

em 2009, após o sucesso da webcomic T<strong>os</strong>comics<br />

[cornflake.com.br], tirinhas autobiográficas que<br />

chegaram a ser indicadas naquele ano ao HQ Mix,<br />

maior prêmio d<strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> no Brasil.<br />

Ainda em minoria, mas cada vez mais requisitadas<br />

num mercado em que reinam <strong>os</strong> praz<strong>os</strong> curt<strong>os</strong><br />

e <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> cansativ<strong>os</strong>, as mulheres quadrinistas<br />

sabem que há uma cratera lunar que<br />

as separa <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> equiparação com <strong>os</strong><br />

homens. E, claro, levam isso com o senso <strong>de</strong> humor<br />

necessário. “Quando digo que sou cartunista,<br />

as pessoas <strong>de</strong>moram um pouco para assimilar.<br />

Já teve gente que confundiu ‘cartunista’ com<br />

‘cartomante’ e me pediu para ler cartas sobre seu<br />

futuro”, lembra Pryscila. “O pior é dizer que sou<br />

ilustradora, porque pensam que trabalho limpando<br />

móveis”, brinca Clara.<br />

Ao dar seu testemunho sobre essa questão, Adriana<br />

se lembra <strong>de</strong> uma história engraçada: “Uma<br />

vez eu estava numa banca <strong>de</strong> jornal olhando um<br />

monte <strong>de</strong> mangás. Procurava especificamente<br />

um, referência para cenári<strong>os</strong>. Foi quando o dono<br />

da banca chegou todo sorris<strong>os</strong> e disse: ‘E aí, qual<br />

a ida<strong>de</strong> do meninão?’ Olhei para ele meio perdida.<br />

Só <strong><strong>de</strong>pois</strong> entendi que ele pensava que eu estava<br />

comprando gibis para meu filho. Então, respondi:<br />

‘Não é para ninguém, estou escolhendo para mim<br />

mesma’. Ele ficou muito sem graça com a gafe”.<br />

Mas a quadrinista espera que, em breve, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que <strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong> nasceram apenas com o crom<strong>os</strong>soma<br />

Y seja coisa do passado.<br />

27<br />

CONTINUUM<br />

26


Práticas culturais | crowdfunding<br />

IMPULSIONADOS<br />

t a a o q u pe s e m ep r e l h e ac o u -<br />

m u l t i d ã o<br />

O p ú b l i c o a s s u m e u m a<br />

n o v a f u n ç ã o , q u a s e o p o s -<br />

b e , e p a s s a d e m e r o e s -<br />

p e c t a d o r a a g e n t e a t i v o<br />

d o p r o c e s s o p r o d u t i v o .<br />

O financiamento coletivo inverte a lógica da produção cultural ao contar<br />

apenas com a mobilização popular para a viabilização <strong>de</strong> projet<strong>os</strong><br />

Precisamente, o i<strong>de</strong>al mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial,<br />

mas sim a inteligência coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a<br />

criação <strong>de</strong> sinergia entre as competências, as imaginações e as energias intelectuais,<br />

qualquer que seja sua diversida<strong>de</strong> qualitativa e on<strong>de</strong> quer que se situe.<br />

(LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. p. 167)<br />

TEXTO roberta <strong>de</strong>zan<br />

ILUSTRAÇÃO liane iwahashi<br />

Há aproximadamente dois <strong>an<strong>os</strong></strong>, o cineasta André<br />

D’Elia estava em meio ao canteiro <strong>de</strong> obras da Usina<br />

<strong>de</strong> Belo Monte, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Altamira, no Pará,<br />

quando teve a dimensão da gran<strong>de</strong> polêmica que<br />

rondava a construção do empreendimento e percebeu<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> documentar em ví<strong>de</strong>o o que<br />

passava longe d<strong>os</strong> olh<strong>os</strong> da população do restante<br />

do país. Para isso, pensou em colher <strong>de</strong>poiment<strong>os</strong><br />

d<strong>os</strong> principais envolvid<strong>os</strong>, entre ribeirinh<strong>os</strong>, índi<strong>os</strong>,<br />

empreiteir<strong>os</strong>, técnic<strong>os</strong> e representantes do governo,<br />

contabilizando, ao final <strong>de</strong> três expedições<br />

ao Xingu e visitas a São Paulo e a Brasília, 87 entrevistas<br />

e mais <strong>de</strong> 120 horas <strong>de</strong> imagens. Assim,<br />

como ocorre com a gran<strong>de</strong> maioria d<strong>os</strong> projet<strong>os</strong><br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, havia muita história para contar,<br />

mas pouc<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> para viabilizar a i<strong>de</strong>ia. Após<br />

um longo período <strong>de</strong> reflexão e pesquisa, surgiu<br />

a solução i<strong>de</strong>al para realizar o documentário Belo<br />

Monte – Anúncio <strong>de</strong> uma Guerra: o financiamento<br />

coletivo ou crowdfunding (crowd: multidão; funding:<br />

financiamento).<br />

A mais nova onda do empreen<strong>de</strong>dorismo, sobretudo<br />

cultural, ainda é muito recente no Brasil – começou<br />

a funcionar por aqui em janeiro <strong>de</strong> 2011,<br />

com o surgimento do site Catarse (catarse.me) –,<br />

mas em pouc<strong>os</strong> meses ajudou a tirar do papel alguns<br />

projet<strong>os</strong> que, sem o financiamento coletivo,<br />

provavelmente estariam fadad<strong>os</strong> a permanecer no<br />

campo das i<strong>de</strong>ias. “Queríam<strong>os</strong> <strong>faz</strong>er algo diferente<br />

e resolvem<strong>os</strong> pesquisar o que estava acontecendo<br />

<strong>de</strong> interessante em projet<strong>os</strong> colaborativ<strong>os</strong> em outr<strong>os</strong><br />

países. Acabam<strong>os</strong> encontrando o Kickstarter<br />

[kickstarter.com – maior site <strong>de</strong> crowdfunding do<br />

mundo] e resolvem<strong>os</strong> importar a i<strong>de</strong>ia para o Brasil.<br />

Em men<strong>os</strong> <strong>de</strong> um ano conseguim<strong>os</strong> arrecadar<br />

quase 1 milhão <strong>de</strong> reais, verba revertida em projet<strong>os</strong><br />

como o primeiro disco da Banda Mais Bonita<br />

da Cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Curitiba, e o documentário sobre a<br />

Usina <strong>de</strong> Belo Monte”, conta Diego Reeberg, um<br />

d<strong>os</strong> sóci<strong>os</strong> fundadores do Catarse.<br />

A força da plataforma é a mobilização, o engajamento<br />

<strong>de</strong> gente impulsionada pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ver<br />

uma i<strong>de</strong>ia se transformar em realida<strong>de</strong> − seja ela<br />

um filme, seja uma revista, um disco, uma matéria<br />

jornalística ou até mesmo um show ou festival <strong>de</strong><br />

música. A novida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> até ser encarada como<br />

uma reinvenção contemporânea e mais elaborada<br />

da fam<strong>os</strong>a “vaquinha”, e se tornou uma alternativa<br />

a<strong>os</strong> patrocíni<strong>os</strong> tradicionais e a<strong>os</strong> programas<br />

<strong>de</strong> incentivo à cultura. “O crowdfunding foi interessante<br />

para o documentário porque tratam<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong> um assunto muito polêmico para ter apoio do<br />

setor privado e até mesmo para conseguirm<strong>os</strong><br />

acessar <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> das leis <strong>de</strong> incentivo, já<br />

que assumim<strong>os</strong> uma p<strong>os</strong>ição contrária à construção<br />

<strong>de</strong> Belo Monte. Além disso, quando criam<strong>os</strong><br />

a campanha na internet [em novembro <strong>de</strong> 2011]<br />

para arrecadar <strong>os</strong> 114 mil reais <strong>de</strong> que precisávam<strong>os</strong>,<br />

construím<strong>os</strong> um público engajado em torno<br />

do filme mesmo antes <strong>de</strong> ele existir”, observa<br />

Daniel Joppert, colaborador do núcleo <strong>de</strong> mobilização<br />

<strong>de</strong> Belo Monte − Anúncio <strong>de</strong> uma Guerra,<br />

que se tornou o maior projeto <strong>de</strong> crowdfunding<br />

do Brasil, com arrecadação final <strong>de</strong> 140.010 reais<br />

doad<strong>os</strong> por 3.429 pessoas <strong>de</strong> todo o país, e com<br />

estreia prevista para o primeiro semestre <strong>de</strong> 2012.<br />

No entanto, projet<strong>os</strong> criativ<strong>os</strong> aprovad<strong>os</strong> em leis<br />

<strong>de</strong> incentivo também encontram dificulda<strong>de</strong>s na<br />

arrecadação <strong>de</strong> verbas, especificamente no momento<br />

da captação <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> em empresas.<br />

Para não <strong>de</strong>cretar o fim da i<strong>de</strong>ia por pura falta <strong>de</strong><br />

grana, seus criadores se veem obrigad<strong>os</strong> a repensar<br />

estratégias e a recorrer a outr<strong>os</strong> tip<strong>os</strong> <strong>de</strong> financiamento<br />

para realizar protótip<strong>os</strong> e pilot<strong>os</strong> que<br />

aju<strong>de</strong>m na obtenção <strong>de</strong> patrocíni<strong>os</strong> futur<strong>os</strong>. Esse<br />

é o caso da revista Efêmero Concreto, i<strong>de</strong>alizada<br />

pelo coletivo responsável pelo site AHH! [ahh.<br />

com.br] para ser distribuída gratuitamente. Aprovado<br />

na Lei Rouanet, o projeto não captou a verba<br />

necessária para a impressão do primeiro número,<br />

justamente por não ter uma edição concluída que<br />

incentivasse o apoio das empresas, apesar da qualida<strong>de</strong><br />

e pertinência da prop<strong>os</strong>ta. “Muitas empresas<br />

gran<strong>de</strong>s adoraram a i<strong>de</strong>ia da publicação, mas<br />

todas exigiram uma edição concluída para avaliação,<br />

coisa que não tínham<strong>os</strong> por causa do alto custo<br />

<strong>de</strong> gráfica. A solução foi <strong>faz</strong>er uma campanha<br />

no Catarse para arrecadar <strong>os</strong> 18 mil reais necessári<strong>os</strong><br />

para imprimir inicialmente 5 mil exemplares,<br />

apesar da n<strong>os</strong>sa meta <strong>de</strong> tiragem ser 10 mil por<br />

edição”, diz Deco Benedykt, um d<strong>os</strong> fundadores<br />

do AHH! e produtor da Efêmero Concreto. Com<br />

a colaboração <strong>de</strong> 205 pessoas, 19.077 reais foram<br />

arrecadad<strong>os</strong> e a primeira edição será impressa.<br />

Criativida<strong>de</strong> e transparência<br />

Para que uma i<strong>de</strong>ia p<strong>os</strong>sa contar com a colaboração<br />

financeira <strong>de</strong> pessoas comuns, o proponente<br />

<strong>de</strong>ve submeter seu projeto à equipe <strong>de</strong> curadoria<br />

do site <strong>de</strong> crowdfunding escolhido. Geralmente


A n o v i d a d e p o d e a t é s e r e n c a r a d a c o m o u m a r e i n v e n ç ã o c o n t e m -<br />

p o r â n e a e m a i s e l a b o r a d a d a f a m o s a “ v a q u i n h a ” , e s e t o r n o u u m a<br />

a l t e r n a t i v a a o s p a t r o c í n i o s t r a d i c i o n a i s e a o s p r o g r a m a s d e i n -<br />

c e n t i v o à c u l t u r a .<br />

basta informar o objetivo, a justificativa, o orçamento,<br />

o prazo <strong>de</strong> captação e as recompensas a<strong>os</strong><br />

patrocinadores. Quando aprovado, o projeto é publicado<br />

e <strong>os</strong> interessad<strong>os</strong> po<strong>de</strong>m, então, colaborar<br />

com qualquer valor, <strong>de</strong> acordo com as políticas<br />

<strong>de</strong>terminadas pelo site em questão. Cada quantia<br />

investida se enquadra em uma cota que proporciona<br />

contrapartidas ao patrocinador. Se o projeto<br />

anunciado for um disco, por exemplo, quem ajudou<br />

po<strong>de</strong> receber uma cópia gratuita em primeira<br />

mão e, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do valor doado, po<strong>de</strong> até<br />

ganhar um show exclusivo da banda. As recompensas<br />

são sempre <strong>de</strong>terminadas pelo i<strong>de</strong>alizador<br />

e c<strong>os</strong>tumam ser <strong>de</strong>cisivas para o sucesso da campanha<br />

<strong>de</strong> arrecadação, pois funcionam como uma<br />

motivação a mais para que as pessoas se envolvam<br />

e optem pelas cotas maiores. “Para inscrever<br />

um projeto no Catarse também é obrigatório <strong>faz</strong>er<br />

um ví<strong>de</strong>o sobre a prop<strong>os</strong>ta e nós sempre reforçam<strong>os</strong><br />

a importância <strong>de</strong> produzir um material que<br />

transmita as informações com transparência e clareza,<br />

pois ele acaba sendo a principal ferramenta<br />

<strong>de</strong> divulgação”, diz Reeberg.<br />

O site Catarse, especificamente, utiliza um sistema<br />

<strong>de</strong>nominado “ou tudo ou nada”, que significa<br />

que, se a meta <strong>de</strong> arrecadação não for<br />

atingida <strong>de</strong>ntro do prazo estipulado, o projeto<br />

será cancelado e todo o investimento integralmente<br />

<strong>de</strong>volvido a<strong>os</strong> patrocinadores, seja em<br />

espécie, seja na forma <strong>de</strong> crédito para aplicação<br />

em outras prop<strong>os</strong>tas. Em caso <strong>de</strong> sucesso, a<br />

plataforma on-line retém uma comissão <strong>de</strong> 7,5%<br />

e repassa o restante d<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> captad<strong>os</strong> ao<br />

proponente, que se responsabiliza pela realização<br />

e pela entrega das recompensas.<br />

Brasil no Oscar<br />

A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> resgatar e registrar a história do revolucionário<br />

grupo <strong>de</strong> atores bailarin<strong>os</strong> Dzi Croquettes<br />

levou <strong>os</strong> produtores e diretores <strong>de</strong> cinema Tatiana<br />

Issa e Raphael Alvarez a realizar, com recurs<strong>os</strong> própri<strong>os</strong>,<br />

o projeto Dzi Croquettes (2009). O documentário,<br />

hoje o mais premiado da história do gênero no<br />

Brasil, não teria chegado às telas se não f<strong>os</strong>se uma<br />

parceria firmada com o Canal Brasil. Superadas as<br />

dificulda<strong>de</strong>s, o filme foi exibido na Europa, n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong><br />

Unid<strong>os</strong>, na Turquia e na Tailândia, entre outr<strong>os</strong><br />

lugares, e causou comoção por on<strong>de</strong> passou, a ponto<br />

<strong>de</strong> <strong>os</strong> fãs insistirem que a obra <strong>de</strong>veria ser inscrita<br />

na categoria Melhor Documentário do Oscar 2012.<br />

Passado o susto inicial, <strong>os</strong> diretores resolveram levar<br />

a i<strong>de</strong>ia adiante. Para isso, seria preciso veicular<br />

comercialmente o filme nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> L<strong>os</strong> Angeles<br />

e Nova York, por uma semana em cada uma <strong>de</strong>las,<br />

como <strong>de</strong>terminam as regras da premiação – o<br />

que custaria 23 mil dólares. Com <strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> para<br />

lá <strong>de</strong> esgotad<strong>os</strong>, Tatiana e Alvarez passaram a procurar<br />

alternativas e, por intermédio <strong>de</strong> uma amiga,<br />

conheceram a dinâmica do crowdfunding e o site<br />

Kickstarter. “Acabam<strong>os</strong> sendo pioneir<strong>os</strong> em vári<strong>os</strong><br />

sentid<strong>os</strong>, pois escolhem<strong>os</strong> uma plataforma <strong>de</strong> arrecadação<br />

ainda inédita no Brasil, captam<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong><br />

para um filme já existente e fom<strong>os</strong>, até então, o único<br />

projeto para qualificação <strong>de</strong> um documentário<br />

para o Oscar. No início as pessoas achavam estranho,<br />

pois parecia que nós estávam<strong>os</strong> apenas pedindo<br />

dinheiro. Mas <strong>os</strong> fãs do filme foram fundamentais<br />

para o sucesso da campanha, pois divulgavam<br />

nas re<strong>de</strong>s sociais apenas com o intuito <strong>de</strong> ajudar.<br />

Acredito que isso aconteceu porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo,<br />

fizem<strong>os</strong> tudo na raça, como também acontecia<br />

com <strong>os</strong> Dzi Croquettes”, conta Tatiana. Ao final do<br />

prazo <strong>de</strong> arrecadação, 211 pessoas ajudaram a tornar<br />

o sonho p<strong>os</strong>sível e foram doad<strong>os</strong> 23.993 dólares.<br />

Um d<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> mais interessantes é que, com a<br />

plataforma, o público assume uma nova função,<br />

quase op<strong>os</strong>ta ao que sempre lhe coube, e passa<br />

<strong>de</strong> mero espectador, <strong>de</strong> consumidor passivo <strong>de</strong><br />

um produto pre<strong>de</strong>terminado e filtrado pela indústria<br />

cultural, pelas empresas e pelo Estado, a<br />

agente ativo do processo produtivo, <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong><br />

uma i<strong>de</strong>ia, muitas vezes ainda embrionária. Estar<br />

no início <strong>de</strong> tudo, aliás, é uma das peculiarida<strong>de</strong>s<br />

p<strong>os</strong>itivas e motivadoras do financiamento coletivo.<br />

“Na n<strong>os</strong>sa socieda<strong>de</strong>, tem<strong>os</strong> um envolvimento<br />

muito pequeno com aquilo que consumim<strong>os</strong>,<br />

seja arte, seja cultura ou um produto qualquer<br />

que compram<strong>os</strong> no supermercado e não tem<strong>os</strong><br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como foi produzido. O crowdfunding<br />

muda esse processo e proporciona uma reconexão,<br />

mesmo que pontual, das pessoas com as coisas<br />

que as cercam. Há efetivamente a criação <strong>de</strong><br />

um diálogo com o público. Finalmente saím<strong>os</strong> da<br />

era do monólogo”, acredita Joppert, colaborador<br />

do documentário sobre Belo Monte.<br />

Saiba mais sobre <strong>os</strong> projet<strong>os</strong> citad<strong>os</strong> na matéria:<br />

Dzi Croquettes [kck.st/rqkCBR]<br />

Efêmero Concreto [bit.ly/sgrGgv]<br />

Belo Monte – Anúncio <strong>de</strong> uma Guerra [on.fb.me/z5KuYF]<br />

29<br />

CONTINUUM<br />

28


REPORTAGEm | vi<strong>de</strong>omapping<br />

Apresentações <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapping transformam a relação entre homem, arte e cida<strong>de</strong><br />

TEXTO sabrina duran<br />

FOTO garapa<br />

No escuro, a apresentação começa. O som é forte,<br />

percussão sintetizada, textura musical digitalizada.<br />

N<strong>os</strong>so ouvido se abre. As luzes que vêm em sequência<br />

são linhas finas e coloridas, imagens abstratas<br />

em movimento, fot<strong>os</strong>, frases, um mapa da<br />

América Latina em tamanho <strong>de</strong>scomunal. Aberto,<br />

ele não caberia na sala da sua casa nem em três ou<br />

quatro salas da sua casa. Tudo piscando e se movendo<br />

em compasso com a música. N<strong>os</strong>sa mente<br />

trabalha reconhecendo aquelas figuras enquanto<br />

a boca entreaberta m<strong>os</strong>tra quanto cada pessoa se<br />

surpreen<strong>de</strong> com o que vê e ouve. E o mais interessante<br />

<strong>de</strong> tudo é que, sem ninguém n<strong>os</strong> tocar,<br />

n<strong>os</strong>sa pele se arrepia inteira, feito pele <strong>de</strong> galinha.<br />

Insuspeitável é o que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia toda essa reação<br />

física: uma apresentação <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapping<br />

(ou vi<strong>de</strong>omapeamento), técnica <strong>de</strong> projeção audiovisual<br />

em gran<strong>de</strong>s estruturas, como edifíci<strong>os</strong><br />

e monument<strong>os</strong>, em que as imagens, interagindo<br />

com a arquitetura on<strong>de</strong> são exibidas, ganham volume<br />

e contam uma história ao público. No último<br />

dia 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, a fachada que serviu <strong>de</strong><br />

suporte à projeção foi a alva estrutura externa do<br />

Memorial da América Latina, em São Paulo, como<br />

parte do Passport VJ University (passportvjuniversity.com.br),<br />

série <strong>de</strong> seis dias <strong>de</strong> workshop<br />

sobre vi<strong>de</strong>omapping. Com organização e curadoria<br />

d<strong>os</strong> VJs Spetto e Pedro Zaz, amb<strong>os</strong> do coletivo<br />

internacional United VJs (unitedvjs.org),<br />

o Passport reuniu centenas <strong>de</strong> pessoas durante<br />

uma noite quente diante do conjunto projetado<br />

por Oscar Niemeyer, inaugurado em 1989.<br />

Naquela festa, o Memorial serviu <strong>de</strong> palco para<br />

tecnologias avançadas <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oprojeção, usadas<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integrar a arte e as pessoas à<br />

arquitetura e ao espaço público – uma das principais<br />

razões <strong>de</strong> ser do vi<strong>de</strong>omapping.<br />

O pulo do gato<br />

Embora as primeiras experiências com vi<strong>de</strong>omapeamento<br />

tenham sido feitas no mundo há pouco<br />

mais <strong>de</strong> cinco <strong>an<strong>os</strong></strong>, o conceito que embasa essa arte<br />

prece<strong>de</strong> sua execução em mais <strong>de</strong> um século. “Os<br />

futuristas, no início do século XX, já diziam que a<br />

fachada <strong>de</strong>via ser midiática, que o edifício tinha <strong>de</strong><br />

se comunicar com o entorno”, afirma Spetto.<br />

A luz é a matéria-prima do vi<strong>de</strong>omapping. Transformada<br />

por técnicas <strong>de</strong> ilusão <strong>de</strong> óptica e anamorf<strong>os</strong>e<br />

(<strong>de</strong>formação reversível da imagem), por<br />

exemplo, ela ajuda a romper padrões visuais a<strong>os</strong><br />

quais o olho humano está ac<strong>os</strong>tumado há sécul<strong>os</strong>,<br />

afirma Omar Calzada, do Telenoika (telenoika.<br />

net), um d<strong>os</strong> mais expressiv<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> <strong>de</strong> criação<br />

audiovisual da Espanha. E é justamente essa ruptura<br />

que surpreen<strong>de</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong> <strong>de</strong> quem vê uma<br />

apresentação <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapeamento.<br />

O “pulo do gato” do vi<strong>de</strong>omapping, que intensificou<br />

sua comunicação com o entorno, foi a<br />

projeção volumétrica em contrap<strong>os</strong>ição à bidimensional.<br />

Isso foi p<strong>os</strong>sível quando <strong>os</strong> artistas<br />

<strong>de</strong>scobriram – <strong>de</strong> forma casual e intuitiva – que<br />

era viável não só projetar imagens em várias telas<br />

e em espaç<strong>os</strong> bem maiores do que elas, mas<br />

que também era p<strong>os</strong>sível “dobrar” essas imagens,<br />

<strong>faz</strong>endo, assim, com que tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> <strong>de</strong>talhes das<br />

fachadas – curvas, janelas, portas, torres e o que<br />

mais existir – pu<strong>de</strong>ssem ser usad<strong>os</strong> como suportes<br />

em três dimensões para as projeções. Não se<br />

trata <strong>de</strong> projetar uma imagem bidimensional em<br />

uma pare<strong>de</strong> plana, mas, sim, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhá-la com<br />

luz em toda a estrutura cúbica <strong>de</strong> uma edificação.<br />

A comunicação com o entorno passou a ser, então,<br />

mais complexa (e completa) e o impacto causado<br />

n<strong>os</strong> espectadores tornou-se mais vivo.<br />

“Sem dúvida, a projeção mapeada tem levado<br />

essa arte para um patamar nunca antes imaginado.<br />

A evolução técnica é muito gran<strong>de</strong>, tanto<br />

por parte d<strong>os</strong> equipament<strong>os</strong> quanto d<strong>os</strong> softwares<br />

<strong>de</strong> criação. Hoje, o que <strong>de</strong>fine o limite <strong>de</strong><br />

cada projeto é seu budget e seu tempo <strong>de</strong> criação.<br />

Simplesmente não há mais limites técnic<strong>os</strong><br />

ou <strong>de</strong> concepção. Conseguim<strong>os</strong> <strong>faz</strong>er <strong>de</strong> tudo,<br />

até o Cristo Re<strong>de</strong>ntor fechar <strong>os</strong> braç<strong>os</strong>”, afirma<br />

Dudão Melo, diretor do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> comunicação<br />

e projet<strong>os</strong> da produtora Visualfarm, responsável<br />

pelo projeto artístico Ví<strong>de</strong>o Guerrilha<br />

(vi<strong>de</strong>oguerrilha.com.br), que em novembro <strong>de</strong><br />

2011 “ocupou” fachadas <strong>de</strong> edifíci<strong>os</strong> e casas na<br />

Rua Augusta, em São Paulo.<br />

Nessa edição, a segunda realizada, mais <strong>de</strong><br />

uma centena <strong>de</strong> criadores fez projeções monumentais<br />

utilizando técnicas <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapeamento.<br />

“As pessoas não olham mais a<br />

paisagem urbana, estão cegas e presas à sua<br />

rotina, em que olhar para cima ou para o lado<br />

significa per<strong>de</strong>r tempo. Hoje, o êxodo urbano<br />

central é uma realida<strong>de</strong> na maioria das gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s do Brasil e do mundo. A Rua Augusta<br />

tem sido um bom exemplo da importância<br />

do entretenimento para a recuperação<br />

daquela região”, diz Melo.<br />

O atual momento da vi<strong>de</strong>oprojeção ratifica, segundo<br />

Spetto, um p<strong>os</strong>tulado do arquiteto italiano<br />

Bruno Zevi em seu livro Saber Ver a Arquitetura<br />

(WMF, 2009): a arquitetura é algo que se<br />

vivencia. “Por mais que você tenha uma planta,<br />

uma foto, um ví<strong>de</strong>o, um memorial <strong>de</strong>scritivo,<br />

nada disso suplanta a experiência <strong>de</strong> viver<br />

a arquitetura, que é você passar por um portal<br />

e sentir uma brisa no r<strong>os</strong>to, ver a luz do sol se


VJ SPETtO<br />

“O vi<strong>de</strong>omapping vem na esteira <strong>de</strong> todas as manifestações<br />

urbanas <strong>de</strong> arte. É uma ânsia da cultura e da arte atual<br />

<strong>de</strong> transformar a cida<strong>de</strong> em que se vive numa coisa mais<br />

humana, acessível e lúdica.”<br />

Público assiste à apresentação<br />

<strong>de</strong> vi<strong>de</strong>omapping no Passport VJ<br />

University, em São Paulo<br />

revelar por trás daquilo, ou chegar na frente <strong>de</strong><br />

uma fachada, olhar as portas e janelas e dizer:<br />

‘n<strong>os</strong>sa, parece a cara <strong>de</strong> um cachorro, <strong>de</strong> um<br />

homem’”, exemplifica o VJ. Spetto diz que usa<br />

<strong>os</strong> <strong>de</strong>talhes d<strong>os</strong> edifíci<strong>os</strong> on<strong>de</strong> projeta como element<strong>os</strong><br />

da dramaticida<strong>de</strong>. Essa ação artística<br />

não se resume, para ele, em um espetáculo <strong>de</strong><br />

luzes, já que p<strong>os</strong>sui uma narrativa passível <strong>de</strong><br />

ser apreendida e sentida pelo espectador, que<br />

dá sua própria interpretação ao que vê.<br />

Novo, novíssimo; antigo, antiquíssimo<br />

O processo <strong>de</strong> criação do vi<strong>de</strong>omapping envolve,<br />

sem dúvida, uma refinada tecnologia <strong>de</strong> softwares<br />

para mo<strong>de</strong>lar, editar e mixar as imagens,<br />

e <strong>de</strong> hardwares robust<strong>os</strong>, capazes <strong>de</strong> rodar esses<br />

programas – em geral, PCs com sistema Macint<strong>os</strong>h,<br />

máquinas híbridas montadas pel<strong>os</strong> própri<strong>os</strong><br />

vi<strong>de</strong>omapers. Há também <strong>os</strong> projetores,<br />

suas lentes e a técnica necessária para operá-<br />

-l<strong>os</strong>. Tudo isso é “novo, novíssimo”, como g<strong>os</strong>ta<br />

<strong>de</strong> dizer Spetto. Mas também há a porção antiga,<br />

antiquíssima do vi<strong>de</strong>omapping. Para dobrar<br />

a imagem na fachada tridimensional <strong>de</strong> um edifício<br />

usando softwares mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong> em hardwares<br />

tunad<strong>os</strong>, é preciso ter intimida<strong>de</strong> com a trigonometria.<br />

Sem um estudo matemático da fachada<br />

que servirá <strong>de</strong> suporte à projeção as contas não<br />

fecham e o vi<strong>de</strong>omapping simplesmente não<br />

po<strong>de</strong> existir. A arte, com sua virtu<strong>de</strong> integradora,<br />

consegue unir extrem<strong>os</strong> <strong>de</strong> forma orgânica.<br />

Spetto estima que, em todo o mundo, haja<br />

cerca <strong>de</strong> 20 grup<strong>os</strong> que trabalham seriamente<br />

com essa nova arte. No Brasil, o vi<strong>de</strong>omapping<br />

segue evoluindo, mas encontra barreiras<br />

técnicas por falta <strong>de</strong> formação profissional e<br />

<strong>de</strong> equipament<strong>os</strong>, que, <strong>de</strong> acordo com o VJ,<br />

são itens car<strong>os</strong> e difíceis <strong>de</strong> ser importad<strong>os</strong>.<br />

“Mas com o pouco equipamento que há já dá<br />

pra <strong>faz</strong>er bastante coisa”, diz.<br />

O vi<strong>de</strong>omapping sustenta a reocupação do<br />

espaço público pelas pessoas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fachada<br />

d<strong>os</strong> edifíci<strong>os</strong> até o ambiente on<strong>de</strong> <strong>os</strong> espectadores<br />

se reúnem para ver as projeções.<br />

Naquela noite <strong>de</strong> sábado no Memorial da<br />

América Latina, as centenas <strong>de</strong> espectadores<br />

sentad<strong>os</strong> no chão da parte exterior do edifício<br />

– algumas até <strong>de</strong>itadas –, conversando,<br />

bebendo e dançando, eram a imagem mais<br />

próxima <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> participativa<br />

e humana, que se preocupa men<strong>os</strong> em<br />

proibir as coisas e mais em criar condições<br />

para que as pessoas <strong>de</strong>sfrutem <strong>de</strong>la. “O vi<strong>de</strong>omapping<br />

vem na esteira <strong>de</strong> todas as manifestações<br />

urbanas <strong>de</strong> arte. É uma ânsia da<br />

cultura e da arte atual <strong>de</strong> transformar a cida<strong>de</strong><br />

em que se vive numa coisa mais humana,<br />

acessível e lúdica. Tod<strong>os</strong> querem transcen<strong>de</strong>r”,<br />

diz Spetto.<br />

No caso do Ví<strong>de</strong>o Guerrilha a história por<br />

trás da fachada também foi protagonista<br />

nas projeções. “Fizem<strong>os</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> visitas<br />

técnicas à Rua Augusta até chegarm<strong>os</strong> a um<br />

formato final para cada edifício. Mas o mais<br />

interessante é você pensar que, em cada prédio<br />

com seus moradores, existe uma história<br />

que po<strong>de</strong> ser contada. E essa é uma das<br />

missões do evento: encontrar a poesia visual<br />

que está perdida e projetá-la, <strong>de</strong>ixando as<br />

cida<strong>de</strong>s e <strong>os</strong> moradores mais bonit<strong>os</strong> e orgulh<strong>os</strong><strong>os</strong>”,<br />

explica Melo.<br />

31<br />

CONTINUUM<br />

30


REPORTAGEM | cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> goiás<br />

Vila boa da humanida<strong>de</strong><br />

Ex-capital goiana conserva suas tradições, mas se abre para o mundo através da cultura<br />

TEXTO rogério borges FOTOS ricardo rafael<br />

Casa das Raízes, Mercado Municipal <strong>de</strong> Goiás.<br />

Ali, um homem com autorida<strong>de</strong> adquirida e<br />

inconteste recebe seus clientes, alguns há décadas.<br />

“Mexo com ervas naturais há 32 <strong>an<strong>os</strong></strong>.<br />

Aprendi com meu pai, que apren<strong>de</strong>u com meu<br />

avô, que era escravo”, diz Heli<strong>os</strong> Gomes do Carmo.<br />

Ele anda com dificulda<strong>de</strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> que quebrou<br />

o joelho, mas é conhecido por curar <strong>os</strong> males<br />

alhei<strong>os</strong>. “Aqui tem remédio para <strong>os</strong> rins, para<br />

o diabetes, para o estômago”, afirma, m<strong>os</strong>trando<br />

uma prateleira abarrotada <strong>de</strong> rabo <strong>de</strong> tatu, casca<br />

<strong>de</strong> ipê-roxo, cipó do índio. “Fui o único da família<br />

a continuar no ramo. Faço tudo sozinho. Vou<br />

ao campo colher as ervas, coloco para secar,<br />

preparo as receitas. E ensino todo mundo que<br />

me pergunta porque não quero que esse conhecimento<br />

morra comigo.”<br />

A Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás é assim, cheia <strong>de</strong> personagens<br />

que a fizeram manter tradições, crenças,<br />

c<strong>os</strong>tumes e p<strong>os</strong>sibilitaram que essa joia colonial<br />

encravada no sertão goiano sobrevivesse a tudo<br />

e a tod<strong>os</strong> e, <strong>de</strong>z <strong>an<strong>os</strong></strong> atrás, recebesse da Unesco<br />

o título <strong>de</strong> Patrimônio Cultural da Humanida<strong>de</strong>.<br />

Quando Heli<strong>os</strong> nasceu, há 65 <strong>an<strong>os</strong></strong>, um trauma<br />

persistia: capital do estado até 1937, caiu no <strong>os</strong>tracismo<br />

quando per<strong>de</strong>u o p<strong>os</strong>to para Goiânia.<br />

Fundada pelo ban<strong>de</strong>irante Bartolomeu Bueno da<br />

Silva, a cida<strong>de</strong>, que nasceu Arraial <strong>de</strong> Sant’Ana<br />

em 1727, é emoldurada pela beleza da Serra Dourada<br />

e cortada pelo Rio Vermelho − <strong>de</strong> cujo leito<br />

saíram incontáveis quil<strong>os</strong> <strong>de</strong> ouro. O lugar, que<br />

também se chamou Vila Boa, foi capital da Província<br />

<strong>de</strong> Goyaz em temp<strong>os</strong> antig<strong>os</strong>, cujas marcas<br />

se mantiveram no centro histórico − com ruas <strong>de</strong><br />

pedra, casario <strong>de</strong> telhad<strong>os</strong> irregulares, prédi<strong>os</strong> e<br />

logradour<strong>os</strong> públic<strong>os</strong> que guardam tesour<strong>os</strong> do<br />

passado. Antes do título <strong>de</strong> Patrimônio da Humanida<strong>de</strong>,<br />

foi tombada pelo Patrimônio Histórico<br />

Nacional, em 1978. N<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> 1980 a cida<strong>de</strong> ganhou<br />

mais visibilida<strong>de</strong> fora do estado. A cultura<br />

local, sobretudo a literatura e as artes plásticas,<br />

funcionou como o maior cartão <strong>de</strong> visitas.<br />

O artesanato <strong>de</strong> Goiás permanece fam<strong>os</strong>o graças<br />

às mã<strong>os</strong> <strong>de</strong> gente como Alice Noronha, a “Alicinha”,<br />

<strong>de</strong> 65 <strong>an<strong>os</strong></strong>, fada d<strong>os</strong> potes e panelas <strong>de</strong><br />

barro. “Essa é a minha profissão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1970. Criei<br />

meus filh<strong>os</strong> assim.” Ela integra a Associação d<strong>os</strong><br />

Artesã<strong>os</strong> <strong>de</strong> Goiás, fundada em 1977. “N<strong>os</strong>so trabalho<br />

é todo manual. A gente preserva as raízes<br />

do ofício. Hoje, fabrico cerca <strong>de</strong> 50 mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

peças.” Ela é mais um exemplo <strong>de</strong> como a terra<br />

move esse povo. “Hoje é muito mais fácil. Antes<br />

a gente tinha <strong>de</strong> caminhar vári<strong>os</strong> quilômetr<strong>os</strong> e<br />

trazer o barro na cabeça. E, o que era pior, não<br />

tinha venda <strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong> tudo pronto. Agora não. A<br />

gente fica até apertada com tanta encomenda.”<br />

Essa força popular que Goiás soube valorizar,<br />

com raízes portuguesas, negras e indígenas, se<br />

m<strong>os</strong>trou fundamental para que a cida<strong>de</strong> se tornasse<br />

patrimônio mundial. Obras <strong>de</strong> infraestrutura<br />

foram realizadas, como a instalação <strong>de</strong> fiação<br />

subterrânea e a revitalização da iluminação<br />

pública, além da restauração <strong>de</strong> prédi<strong>os</strong>, igrejas e<br />

praças. Ao todo, a área tombada compreen<strong>de</strong> cerca<br />

<strong>de</strong> 800 imóveis e monument<strong>os</strong>, bem preservad<strong>os</strong><br />

em razão da constante atuação do Instituto<br />

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

(Iphan) e <strong>de</strong> parcerias governamentais.<br />

Turismo e ecologia<br />

A 140 quilômetr<strong>os</strong> <strong>de</strong> Goiânia e a 330 <strong>de</strong> Brasília,<br />

Goiás ainda tem <strong>de</strong>safi<strong>os</strong> pela frente. N<strong>os</strong> últim<strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>z <strong>an<strong>os</strong></strong>, a frequência <strong>de</strong> turistas em seus principais<br />

museus mais que dobrou. Até 2001, o Museu<br />

da Boa Morte, um d<strong>os</strong> mais importantes, recebia<br />

perto <strong>de</strong> 8 mil visitantes por ano. Hoje chegam a<br />

18 mil. Pelo Museu Casa <strong>de</strong> Cora Coralina − antiga<br />

residência da poeta e o local mais visitado da cida<strong>de</strong><br />

− em 2011 passaram cerca <strong>de</strong> 25 mil turistas<br />

ante <strong>os</strong> pouco mais <strong>de</strong> 10 mil <strong>de</strong> uma década atrás.<br />

Nesse período, também aumentou o número <strong>de</strong><br />

leit<strong>os</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 800 para cerca <strong>de</strong> 1.500.<br />

Event<strong>os</strong> importantes começaram a ser realizad<strong>os</strong><br />

e a antiga capital recebe hoje gente <strong>de</strong> todo o<br />

Brasil e do exterior. Um d<strong>os</strong> pic<strong>os</strong> <strong>de</strong>ssa visitação<br />

ocorre durante a Semana Santa em razão da secular<br />

Procissão do Fogaréu − encenação da perseguição<br />

a Cristo que ocorre nas ruas <strong>de</strong> pedra<br />

do município. À meia-noite da Quarta-Feira Santa<br />

as luzes da antiga capital são todas apagadas e 40<br />

mascarad<strong>os</strong>, chamad<strong>os</strong> <strong>de</strong> farricoc<strong>os</strong>, iluminam a<br />

cida<strong>de</strong> com tochas e percorrem as principais igrejas,<br />

representando <strong>os</strong> soldad<strong>os</strong> <strong>de</strong>stacad<strong>os</strong> para<br />

capturar Jesus. A cerimônia termina no adro da<br />

Igreja <strong>de</strong> São Francisco, quando o Messias é encontrado.<br />

Goiás também c<strong>os</strong>tuma atrair turistas<br />

por seu carnaval, em que predominam as marchinhas,<br />

e pelo festival gastronômico, que ocorre no<br />

início <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />

Após a gran<strong>de</strong> enchente <strong>de</strong> 2001, pouc<strong>os</strong> dias<br />

<strong><strong>de</strong>pois</strong> da conquista do título internacional, Goiás,<br />

que sedia o Festival Internacional <strong>de</strong> Ví<strong>de</strong>o<br />

e Cinema Ambiental (Fica) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999, percebeu<br />

que o meio ambiente, sobretudo no entorno<br />

da cida<strong>de</strong>, necessita <strong>de</strong> mais cuidad<strong>os</strong> − o que<br />

ainda não acontece como <strong>de</strong>veria. Mas isso não<br />

chega a tirar o charme <strong>de</strong> um lugar que parece<br />

ter parado no tempo, preserva seu bucolismo,<br />

mantém uma cozinha caseira genuína e sabe<br />

dar valor à sua história.<br />

Pessoas como o raizeiro Heli<strong>os</strong> e a artesã Alicinha<br />

representam uma faceta importante da cida<strong>de</strong>,<br />

aquela que dá vida à antiga Vila Boa e a <strong>faz</strong><br />

ser do jeito que é. Eles e tant<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> anônim<strong>os</strong>:<br />

<strong>os</strong> que falam d<strong>os</strong> vári<strong>os</strong> governadores que habitaram<br />

o Palácio Con<strong>de</strong> d<strong>os</strong> Arc<strong>os</strong>, <strong>os</strong> que passeiam<br />

<strong>de</strong> chapéu <strong>de</strong> aba larga em frente às fachadas<br />

históricas, <strong>os</strong> que cuidam d<strong>os</strong> intermináveis<br />

quintais e seus pomares, <strong>os</strong> que dão aula no centenário<br />

Colégio Sant’Ana. No Largo do Chafariz,<br />

na Praça do Coreto, na Casa da Ponte, em seus<br />

bec<strong>os</strong> estreit<strong>os</strong> e tort<strong>os</strong>, n<strong>os</strong> adr<strong>os</strong> das igrejas,<br />

Goiás convida tod<strong>os</strong> para mergulhar num passado<br />

belo, poético, rico em sua simplicida<strong>de</strong>.


A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás é cheia <strong>de</strong> personagens<br />

que a fizeram manter tradições, crenças,<br />

c<strong>os</strong>tumes e p<strong>os</strong>sibilitaram que essa joia<br />

colonial encravada no sertão goiano<br />

recebesse da Unesco o título <strong>de</strong> Patrimônio<br />

Cultural da Humanida<strong>de</strong>.<br />

O casario antigo <strong>faz</strong> <strong>de</strong> Goiás uma das principais representantes da arquitetura setecentista<br />

no mundo. Alice Noronha m<strong>os</strong>tra a cerâmica artesanal que <strong>de</strong>u fama à cida<strong>de</strong>,<br />

e o raizeiro Heli<strong>os</strong>, guardião das tradições locais<br />

Bec<strong>os</strong> que exalam arte<br />

A poeta Cora Coralina, escritores e pintores<br />

tornaram Goiás referência para as artes<br />

Goiás sempre inspirou poetas, mas ninguém retratou a<br />

antiga Vila Boa como Anna Lins d<strong>os</strong> Guimarães Peixoto<br />

Brêtas, ou Cora Coralina. A casa em que ela nasceu em 20<br />

<strong>de</strong> ag<strong>os</strong>to <strong>de</strong> 1889 ainda guarda suas lembranças. Às margens<br />

do Rio Vermelho, a residência, com seu imenso quintal<br />

e uma bica no porão, viu a escritora crescer, sair <strong>de</strong> sua terra<br />

natal e retornar em 1956 para viver lá até morrer, em 1985.<br />

“Naquele ano, um grupo <strong>de</strong> amig<strong>os</strong> se reuniu para <strong>faz</strong>er do<br />

imóvel um local em homenagem à escritora”, conta Marlene<br />

Velasco, diretora do hoje Museu Casa <strong>de</strong> Cora Coralina.<br />

Durante muit<strong>os</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong>, Cora Coralina viveu ali, <strong>faz</strong>endo<br />

doces para sobreviver e escrevendo vers<strong>os</strong> para encantar.<br />

Seus ca<strong>de</strong>rn<strong>os</strong> com folhas pautadas <strong>faz</strong>em parte<br />

do acervo da instituição. “Eu datilografei originais e<br />

sempre brinquei aqui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> menina”, revela Marlene.<br />

“As lembranças que tenho <strong>de</strong>sta casa são muito afetivas.”<br />

Uma ligação que a <strong>faz</strong> ser uma guerreira em prol<br />

do legado da autora. Ela li<strong>de</strong>rou a compra da casa, sua<br />

reforma, sua reconstrução após a enchente <strong>de</strong> 2001.<br />

Marlene lutou para incluir o nome <strong>de</strong> Cora Coralina no<br />

Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. “Nós som<strong>os</strong><br />

o museu mais visitado da cida<strong>de</strong>. E Goiás e Cora<br />

são indissociáveis.”<br />

Na arte, Goiás produziu outr<strong>os</strong> nomes <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. No<br />

Largo do Chafariz está a casa on<strong>de</strong> nasceu Hugo <strong>de</strong><br />

Carvalho Ram<strong>os</strong>, autor <strong>de</strong> Tropas e Boiadas, clássico do<br />

regionalismo brasileiro lançado em 1917, que influenciou<br />

até Guimarães R<strong>os</strong>a. No Largo do R<strong>os</strong>ário fica a residência<br />

que foi <strong>de</strong> J<strong>os</strong>é Joaquim da Veiga Valle, escultor do<br />

século XIX que <strong>de</strong>ixou enorme acervo sacro em igrejas<br />

da cida<strong>de</strong>, boa parte <strong>de</strong>le reunido hoje no Museu da Boa<br />

Morte. No ano passado, Goiás per<strong>de</strong>u outra gran<strong>de</strong> artista.<br />

A<strong>os</strong> 95 <strong>an<strong>os</strong></strong>, morreu Goiandira do Couto, pintora<br />

que fez das areias coloridas da Serra Dourada seu instrumento<br />

<strong>de</strong> expressão e homenagem às paisagens e à<br />

história da antiga Vila Boa.<br />

Saiba mais<br />

Para conhecer melhor a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás<br />

> A Capitania <strong>de</strong> Goyaz foi <strong>de</strong>smembrada da <strong>de</strong> São Paulo em 1748, mas o primeiro governador, Marc<strong>os</strong> <strong>de</strong> Noronha, só chegou a Vila Boa <strong>de</strong> Goyaz cinco <strong>an<strong>os</strong></strong> <strong><strong>de</strong>pois</strong> do <strong>de</strong>creto.<br />

> O Museu das Ban<strong>de</strong>iras funciona no prédio que abrigava a ca<strong>de</strong>ia pública. Em seu interior estão <strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> <strong>de</strong> tortura empregad<strong>os</strong> contra pres<strong>os</strong> e escrav<strong>os</strong>.<br />

> Fora do centro histórico há o M<strong>os</strong>teiro da Anunciação do Senhor, mantido por irmã<strong>os</strong> beneditin<strong>os</strong>. Local indicado para meditação.<br />

> O Largo do Chafariz é um d<strong>os</strong> pont<strong>os</strong> mais agradáveis da cida<strong>de</strong>, com amplo gramado, muita sombra e uma sinfonia <strong>de</strong> passarinh<strong>os</strong> a qualquer hora do dia.<br />

> Em Goiás <strong>faz</strong> muito calor e o clima é abafado. Para se refrescar, uma boa pedida é o picolé <strong>de</strong> frutas do cerrado vendido na Praça do Coreto.<br />

> Quase 200 <strong>de</strong>graus levam à Igreja <strong>de</strong> Santa Bárbara. Vale o esforço. A vista <strong>de</strong> lá é linda.<br />

> Preste atenção em como vai chamar esse patrimônio da humanida<strong>de</strong>. Os moradores preferem Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goiás e até aceitam Antiga Vila Boa, mas <strong>de</strong>testam o nome Goiás Velho.<br />

33<br />

CONTINUUM<br />

32


REPORTAGEm | regentes <strong>de</strong> orquestras<br />

NO<br />

DA VIDA<br />

Polistchuk<br />

REGER<br />

e Bologna: mesma orquestra,<br />

a Sinfônica do Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />

mas estil<strong>os</strong> personalizad<strong>os</strong> <strong>de</strong> regência<br />

Maestr<strong>os</strong> contam como a música entrou em suas vidas<br />

e <strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> que <strong>os</strong> levaram à regência <strong>de</strong> orquestras TEXTO paula <strong>faz</strong>zio FOTOS andré seiti<br />

“Tocar é como cozinhar. Tem <strong>de</strong> tomar cuidado<br />

com o fogo, porque ele po<strong>de</strong> queimar a comida.<br />

É preciso cozinhar bem as notas. Cada instrumento<br />

é um ingrediente e, misturando-<strong>os</strong>,<br />

criam-se <strong>os</strong> sabores. O maestro está lá para ver o<br />

ponto <strong>de</strong>ssa mistura. O público está com fome e<br />

quer se servir.” A receita é <strong>de</strong> Nailor <strong>de</strong> Azevedo,<br />

o Proveta, maestro e professor da Orquestra Brasileira<br />

do Auditório (OBA), sediada no Auditório<br />

Ibirapuera, em São Paulo.<br />

Ricardo Bologna, instrumentista da Orquestra<br />

Sinfônica do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Osesp), compara<br />

a profissão <strong>de</strong> maestro com a <strong>de</strong> um atleta.<br />

“Precisam<strong>os</strong> manter a forma. Tem<strong>os</strong> <strong>de</strong> estudar<br />

constantemente <strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> e a partitura.”<br />

Ele complementa que o regente é também um<br />

chefe, um empresário. Quando criança, ouvia<br />

seu pai, hoje maestro ap<strong>os</strong>entado, falar sobre <strong>os</strong><br />

problemas da orquestra que regia. Enten<strong>de</strong>u que<br />

não há nenhum glamour nessa profissão e agora<br />

concorda com as queixas. “Há muit<strong>os</strong> problemas,<br />

como em qualquer grupo <strong>de</strong> pessoas. O regente<br />

é o catalisador, um lí<strong>de</strong>r. Precisa resolver questões<br />

administrativas, <strong>de</strong>sentendiment<strong>os</strong> entre <strong>os</strong><br />

músic<strong>os</strong> ou com <strong>os</strong> superiores...”<br />

Seu colega <strong>de</strong> Osesp e <strong>de</strong> regência Wagner<br />

Polistchuk concorda com ele: “Os instrumentistas<br />

não têm i<strong>de</strong>ia d<strong>os</strong> problemas que o regente<br />

precisa resolver”. Ele acredita que essa carreira<br />

ajuda a <strong>de</strong> instrumentista e vice-versa. “Seria<br />

i<strong>de</strong>al se tod<strong>os</strong> tivessem ambas as formações.”<br />

O maestro <strong>de</strong>ve conhecer muito bem a estrutura,<br />

a história e o contexto da música e também<br />

<strong>os</strong> instrument<strong>os</strong> e seu funcionamento. É necessário,<br />

ainda, dominar algumas técnicas do movimento<br />

com as mã<strong>os</strong>. Maestro Branco, nome<br />

artístico <strong>de</strong> J<strong>os</strong>é Roberto Branco, professor e<br />

regente da OBA, reforça que alguns músic<strong>os</strong><br />

populares não enten<strong>de</strong>m <strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> da batuta.<br />

“Tem gente que nem olha para você”, diz.<br />

Componente subjetivo<br />

Apesar das padronizações, a ativida<strong>de</strong> da regência<br />

<strong>de</strong> orquestras p<strong>os</strong>sui um componente subjetivo<br />

muito marcante. O modo <strong>de</strong> reger varia <strong>de</strong><br />

um profissional para outro. Mã<strong>os</strong> que gesticulam,<br />

corp<strong>os</strong> em moviment<strong>os</strong> suaves ou brusc<strong>os</strong> e até<br />

a boca po<strong>de</strong>m ajudar a traduzir as orientações.<br />

“Às vezes algo não dá certo e o maestro reage <strong>faz</strong>endo<br />

uma careta. Os instrumentistas percebem<br />

e interpretam o que ele quer transmitir”, conta<br />

Polistchuk. Bologna concorda que as expressões<br />

faciais são muito importantes e po<strong>de</strong>m guiar o<br />

músico, para o bem ou para o mal. No caso <strong>de</strong><br />

Proveta, foi para o bem. Certa vez, ele foi tocar<br />

saxofone com um maestro japonês; estava inseguro<br />

com a sua entrada e acabou se per<strong>de</strong>ndo.<br />

“Olhei para ele, que me <strong>de</strong>u um sorriso. O som<br />

saiu. O cara me salvou. Foi o primeiro maestro<br />

que me chamou atenção, por esse gesto. A maioria<br />

dá bronca, mas o público não vê.”<br />

Para ser um bom maestro, na opinião <strong>de</strong> Proveta,<br />

é preciso ser um bom observador. “O regente<br />

<strong>de</strong>ve saber tudo o que vai acontecer. Mas também<br />

precisa saber como ‘tirar’ o som do músico.<br />

É o maestro que <strong>de</strong>ve tocar com a orquestra e<br />

não o contrário. No fundo, ele g<strong>os</strong>taria <strong>de</strong> estar<br />

na p<strong>os</strong>ição d<strong>os</strong> instrumentistas.”<br />

Talent<strong>os</strong> precoces<br />

Polistchuk, natural <strong>de</strong> São Bernardo do Campo,<br />

no ABC paulista, ingressou numa escola <strong>de</strong> música<br />

a<strong>os</strong> 13 <strong>an<strong>os</strong></strong>. A<strong>os</strong> 17 já ganhava seu dinheiro<br />

com shows e gravações. Entrou numa banda em<br />

que o instrumento disponível era o trombone e<br />

com ele segue até hoje, na Osesp, on<strong>de</strong> está há


“O regente <strong>de</strong>ve saber tudo o que vai<br />

acontecer. Mas também precisa saber<br />

como ‘tirar’ o som do músico. É o maestro<br />

que <strong>de</strong>ve tocar com a orquestra e não o<br />

contrário. No fundo, ele g<strong>os</strong>taria <strong>de</strong> estar<br />

na p<strong>os</strong>ição d<strong>os</strong> instrumentistas.”<br />

Proveta<br />

Integrantes da Orquestra Brasileira do<br />

Auditório em ensaio para o espetáculo que<br />

marcou o fim das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> 2011<br />

30 <strong>an<strong>os</strong></strong>. Os últim<strong>os</strong> 13 foram <strong>de</strong>dicad<strong>os</strong> também<br />

à regência na Orquestra Sinfônica da Universida<strong>de</strong><br />

Estadual <strong>de</strong> Londrina, na Camerata Antiqua<br />

<strong>de</strong> Curitiba e na Orquestra Sinfônica <strong>de</strong> Santo<br />

André. Para ele, é p<strong>os</strong>sível apren<strong>de</strong>r algumas<br />

técnicas <strong>de</strong> regência apenas pela observação.<br />

“A música já estava na minha vida, nunca tive<br />

<strong>de</strong> pensar no que iria <strong>faz</strong>er. Ela foi me levando<br />

e, quando fui ver, já estava na Osesp”, relembra.<br />

Bologna começou a tocar violino a<strong>os</strong> 8 <strong>an<strong>os</strong></strong>, na<br />

Escola Municipal <strong>de</strong> Música, em São Paulo, e <strong><strong>de</strong>pois</strong><br />

mudou para o piano, mas a<strong>os</strong> 13 se apaixonou<br />

pela percussão. Estudou música na Unesp e<br />

fez mestrado no exterior. Até então, não pensava<br />

em se tornar maestro, não se interessava por isso.<br />

De 1993 a 1999, período em que morou na Suíça,<br />

aproveitou para estudar regência e, <strong>de</strong> volta ao<br />

Brasil, prestou concurso para a Osesp.<br />

Maestro Branco, natural <strong>de</strong> Pe<strong>de</strong>rneiras, São Paulo,<br />

estudou marcenaria na infância, numa escola industrial<br />

<strong>de</strong> Jaú, interior paulista, e começou a trabalhar<br />

nesse ofício. A música entrou em sua vida<br />

quando seu pai, um ferroviário que tocava violão<br />

<strong>de</strong> forma amadora, lhe <strong>de</strong>u um cavaquinho e lhe<br />

ensinou alguns acor<strong>de</strong>s. Mas não o incentivou a<br />

seguir carreira musical e abandonar o trabalho,<br />

que ajudava no orçamento da casa. A<strong>os</strong> 14 <strong>an<strong>os</strong></strong>,<br />

viu uma orquestra ensaiando. “Essa cena mudou<br />

minha vida. Procurei um professor e comecei a estudar<br />

e tocar na orquestra da minha cida<strong>de</strong>.”<br />

Para ele, “não dá para <strong>de</strong>sviar a atenção <strong>de</strong> uma<br />

banda. O som preenche tudo. Quando se tem a<br />

intenção <strong>de</strong> <strong>faz</strong>er música, é como um vício, não<br />

tem como escapar”. Ao constatar isso, ele juntou<br />

dinheiro e comprou um trompete. Convidado<br />

para tocar em orquestra, <strong>de</strong>cidiu que seguiria o<br />

caminho da música e mudou-se para São Paulo,<br />

<strong><strong>de</strong>pois</strong> <strong>de</strong> passar pelas cida<strong>de</strong>s paulistas <strong>de</strong> Bauru,<br />

Araçatuba e São J<strong>os</strong>é do Rio Preto. Trabalhou<br />

como arranjador na extinta TV Tupi, na TV Record<br />

e na Re<strong>de</strong> Globo. Não fez curso universitário;<br />

estudou na Europa e n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>, on<strong>de</strong><br />

trabalhou num cassino. Até hoje, Branco vai dormir<br />

pensando em notas musicais e lê partituras<br />

no metrô. “Eu ainda estudo regência, a<strong>os</strong> 68 <strong>an<strong>os</strong></strong>”,<br />

conta ele. Para o músico, seguir uma carreira na<br />

área requer muita coragem. “A não ser que se tenha<br />

alto po<strong>de</strong>r aquisitivo, é muito difícil. Você não<br />

sabe o que virá pela frente. Não é fácil chegar lá.”<br />

35<br />

CONTINUUM<br />

34


REPORTAGEm | regentes <strong>de</strong> orquestras<br />

A ligação <strong>de</strong> Proveta com a música vem <strong>de</strong> família.<br />

O avô e o pai tocavam acor<strong>de</strong>ão. Ainda<br />

em Leme (SP), sua cida<strong>de</strong> natal, ele começou a<br />

estudar música, a<strong>os</strong> 7 <strong>an<strong>os</strong></strong>. Três <strong>de</strong> suas quatro<br />

irmãs também tocavam algum tipo <strong>de</strong> instrumento,<br />

tod<strong>os</strong> eram incentivad<strong>os</strong> pelo pai,<br />

pedreiro, que <strong>os</strong> colocou numa escola <strong>de</strong> música<br />

e lhes m<strong>os</strong>trou o samba, o maxixe e a música<br />

clássica. “Em 1960, ouvia a Rádio Nacional.<br />

Na televisão, programas como o Festival da<br />

Record educavam as pessoas, havia mais informação<br />

musical. É essa história que a gente<br />

precisa <strong>de</strong> volta”, explica.<br />

A<strong>os</strong> 15 <strong>an<strong>os</strong></strong>, foi convidado a tocar numa orquestra<br />

em São Paulo, em que a média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> d<strong>os</strong><br />

componentes era 40. Daí surgiu seu apelido, justamente<br />

na época do nascimento do primeiro<br />

bebê <strong>de</strong> proveta. Toca saxofone alto, tenor, clarinete<br />

e saxofone soprano. Sobre seu lado maestro,<br />

diz que apren<strong>de</strong>u observando. “A<strong>os</strong> 9 <strong>an<strong>os</strong></strong> eu subia<br />

na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> um coreto em Leme, levantava<br />

<strong>os</strong> braç<strong>os</strong> e regia, era tão natural”, lembra.<br />

“Seguir uma carreira musical requer muita<br />

coragem. A não ser que se tenha alto po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo, é muito difícil chegar lá.”<br />

Maestro Branco<br />

Ap<strong>os</strong>tas no futuro<br />

Proveta e Maestro Branco são professores <strong>de</strong><br />

Beatriz Pacheco, <strong>de</strong> 18 <strong>an<strong>os</strong></strong>, na OBA. A jovem<br />

apren<strong>de</strong>u flauta doce e saxofone num projeto<br />

musical na escola em que estudava, na cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo. Teve problemas na família, mau<br />

rendimento na escola, mas diz que a música a<br />

reergueu. “Ocupei minha cabeça”, conta. “Tocando,<br />

consigo <strong>faz</strong>er as pessoas se sentir bem, tratar<br />

<strong>de</strong>las, mesmo que não estejam doentes”, explica.<br />

Para ela, o regente é importante para m<strong>os</strong>trar que<br />

um músico sempre precisa <strong>de</strong> outro.<br />

Colega <strong>de</strong> Beatriz na orquestra, Vanessa Kivian,<br />

também <strong>de</strong> 18 <strong>an<strong>os</strong></strong>, apren<strong>de</strong>u flauta doce e canto<br />

coral na escola, na capital paulista. Sentiu que<br />

tinha apoio da família para seguir carreira musical<br />

quando sua flauta transversal, no valor <strong>de</strong><br />

3 mil reais – comprada com a bolsa mensal <strong>de</strong><br />

300 reais –, foi roubada. Naquela ocasião, <strong>os</strong> pais<br />

reconheceram que aquilo era importante e a incentivaram<br />

a seguir seu sonho. “Eles acreditam<br />

cada vez mais em mim”, conta.<br />

Maestro Branco, da OBA: “A<strong>os</strong> 14<br />

<strong>an<strong>os</strong></strong>, vi uma orquestra ensaiando.<br />

Essa cena mudou minha vida”


BAlAIO<br />

Em pleno verão<br />

Roteiro traz dicas <strong>de</strong> livr<strong>os</strong>, documentári<strong>os</strong>, show e sites para <strong>de</strong>ixar mais cultural o início do ano<br />

foto: divulgação<br />

LIVRO<br />

Yes Is More, <strong>de</strong> Bjarke Ingels Group (BIG) (Taschen, 2009)<br />

Para o escritor e arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem se adaptar a<strong>os</strong> homens<br />

e não o contrário. Ele acredita em uma arquitetura que aju<strong>de</strong> o ser humano a evoluir. Yes Is More<br />

é uma monografia em quadrinh<strong>os</strong> – ou um arqui-comic, como <strong>de</strong>fine o autor – que preten<strong>de</strong> ser<br />

um manifesto da nova arquitetura praticada na Europa. O livro apresenta um retr<strong>os</strong>pecto da<br />

história da arquitetura, além <strong>de</strong> métod<strong>os</strong>, mei<strong>os</strong> e process<strong>os</strong> criativ<strong>os</strong> calcad<strong>os</strong> na cultura <strong>de</strong><br />

massas, mas que po<strong>de</strong>m gerar resultad<strong>os</strong> inesperad<strong>os</strong> e p<strong>os</strong>itiv<strong>os</strong>.<br />

DOCUMENTÁRIOS<br />

Raul Seixas: O Início, o Fim e o Meio, <strong>de</strong> Walter Carvalho (Brasil, 2012, 120 min)<br />

A trajetória <strong>de</strong> Raul Seixas, consi<strong>de</strong>rado o “rei do rock nacional”, é recontada por Walter Carvalho, cineasta e um d<strong>os</strong> mais<br />

cultuad<strong>os</strong> diretores brasileir<strong>os</strong> <strong>de</strong> fotografia cinematográfica. O documentário traz entrevistas com familiares do artista, como<br />

o irmão Plínio, e parceir<strong>os</strong>, entre eles o escritor Paulo Coelho, com quem compôs várias canções. As filmagens ocorreram na<br />

Bahia, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em São Paulo, n<strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong> e na Suíça. Raul é o artista póstumo que mais ven<strong>de</strong> disc<strong>os</strong> no<br />

país: cerca <strong>de</strong> 300 mil cópias ao ano. Vinte e dois <strong>an<strong>os</strong></strong> após sua morte, a memória do roqueiro é preservada por uma legião <strong>de</strong><br />

fãs. Autor <strong>de</strong> clássic<strong>os</strong> como “Metamorf<strong>os</strong>e Ambulante”, “Eu Nasci Há 10 Mil An<strong>os</strong> Atrás” e “Tente Outra Vez”, Raul m<strong>os</strong>trou seu<br />

vanguardismo não só nas letras, mas também pela mistura <strong>de</strong> ritm<strong>os</strong> aparentemente inconciliáveis, como o rock e o baião.<br />

As Praias <strong>de</strong> Agnès, <strong>de</strong> Agnès Varda (França, 2008, 100 min)<br />

Chega a<strong>os</strong> cinemas brasileir<strong>os</strong> a autobiografia documental da cineasta<br />

belga Agnès Varda, radicada na França, que se tornou internacionalmente<br />

conhecida por sua militância feminista e pela direção <strong>de</strong><br />

clássic<strong>os</strong> como Cléo <strong>de</strong> 5 a 7, <strong>de</strong> 1962. Imagens <strong>de</strong> praias, entrevistas,<br />

fotografias, reportagens e trech<strong>os</strong> <strong>de</strong> suas obras conduzem a uma visita<br />

ao universo <strong>de</strong> Agnès, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância em Bruxelas, passando por<br />

seu período como fotógrafa e pelo casamento com o cineasta francês<br />

Jacques Demy, até a criação <strong>de</strong> seus filmes.<br />

foto: Vicente <strong>de</strong> Paulo<br />

SHOW<br />

Viva Elis, com Maria Rita (Auditório Ibirapuera, São Paulo, 17 <strong>de</strong> março)<br />

<strong>Trinta</strong> <strong>an<strong>os</strong></strong> após sua morte, Elis Regina continua sendo consi<strong>de</strong>rada a maior cantora brasileira <strong>de</strong><br />

tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> temp<strong>os</strong>. Para marcar a passagem <strong>de</strong> três décadas <strong>de</strong> sua ausência, a família da cantora<br />

organiza o projeto Re<strong>de</strong>scobrir Elis, com shows, m<strong>os</strong>tra itinerante, site, livro e documentário.<br />

A exp<strong>os</strong>ição terá como <strong>de</strong>staque materiais <strong>de</strong> arquivo <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> fãs, recolhid<strong>os</strong> em todo o<br />

país. Mas o ponto alto da homenagem – que começa justamente no aniversário <strong>de</strong> Elis, dia 17 <strong>de</strong><br />

março − é a turnê que Maria Rita (foto) fará em várias capitais brasileiras. A série, batizada <strong>de</strong> Viva<br />

Elis, começa em São Paulo, no Auditório Ibirapuera, com show gratuito, aberto ao público do Parque<br />

Ibirapuera, on<strong>de</strong> a casa se situa. A cantora <strong>de</strong>ve se apresentar ainda em Belo Horizonte, em Porto<br />

Alegre, no Recife e no Rio <strong>de</strong> Janeiro. O repertório foi montado exclusivamente com <strong>os</strong> clássic<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />

Elis. É a primeira vez que Maria Rita, que <strong>de</strong>spontou no cenário musical brasileiro há oito <strong>an<strong>os</strong></strong>, interpreta<br />

várias músicas imortalizadas por sua mãe. Mais informações .<br />

CONTINUUM<br />

36 37


BAlAIO<br />

Destaque<br />

Retorno<br />

à estrada<br />

foto: André Seiti<br />

O ilustrador e artista plástico paulistano João Pinheiro (foto)<br />

transformou a vida <strong>de</strong> Jack Kerouac − um d<strong>os</strong> ícones do movimento<br />

cultural conhecido como geração beat − na graphic<br />

novel Kerouac, lançada em 2011 pela editora Devir Livraria. Os<br />

aconteciment<strong>os</strong> da vida do autor <strong>de</strong> On the Road [Na Estrada],<br />

(lançado em 1957 e consi<strong>de</strong>rado uma obra-prima da literatura<br />

mundial) são relatad<strong>os</strong> por meio <strong>de</strong> uma narrativa veloz em<br />

formato <strong>de</strong> história em quadrinh<strong>os</strong>. Nesta entrevista, Pinheiro<br />

conta como surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar o trabalho.<br />

Por que Kerouac?<br />

João Pinheiro: Li seus livr<strong>os</strong> quando era adolescente e eles mexeram<br />

muito comigo, mudaram minha vida. Passei a me interessar mais pela literatura<br />

e pelas outras artes. O que fiz agora foi uma espécie <strong>de</strong> retorno. Não<br />

é exatamente uma biografia, é a minha visão do Kerouac, embora tudo<br />

tenha, <strong>de</strong> fato, acontecido.<br />

d<strong>os</strong> Unid<strong>os</strong>). Eu fragmentei a narrativa, criei em cima e fiz as ilustrações. Fiz um<br />

roteiro básico da vida <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento, e fui <strong>de</strong>cidindo o que era mais<br />

relevante para m<strong>os</strong>trar e que tivesse a fluência da linguagem d<strong>os</strong> quadrinh<strong>os</strong>.<br />

Quanto tempo você <strong>de</strong>morou para <strong>faz</strong>er o livro?<br />

JP: Entre pesquisa, texto e ilustrações foram três <strong>an<strong>os</strong></strong>. Usei as horas vagas,<br />

quando não estava <strong>faz</strong>endo nenhum trabalho.<br />

Na sua opinião, quem é o público-alvo?<br />

JP: Não pensei nisso, mas a publicação po<strong>de</strong> ser vista como uma espécie<br />

<strong>de</strong> iniciação no autor e n<strong>os</strong> beats.<br />

Saiba mais sobre o livro em .<br />

(por Paula Fazzio)<br />

balaio.com<br />

Opções culturais que você só encontra na internet<br />

Como foi o levantamento biográfico para compor o texto?<br />

JP: Li tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> livr<strong>os</strong> do autor que foram lançad<strong>os</strong> no Brasil, as biografias e um<br />

livro <strong>de</strong> ensai<strong>os</strong>, do poeta Claudio Willer [Geração Beat, L&PM Pocket, 2009].<br />

Para criar a obra, reli essas publicações com um olhar mais seletivo para tentar<br />

enten<strong>de</strong>r melhor e <strong>faz</strong>er uma história que não conflitasse com o registro histórico.<br />

Tentei pegar <strong>os</strong> fat<strong>os</strong> reais da vida do autor e também <strong>os</strong> text<strong>os</strong> que ele<br />

mesmo escreveu e são biográfic<strong>os</strong>. O capítulo “Visões da Estrada” é um trecho<br />

<strong>de</strong> On the Road que trata <strong>de</strong> uma viagem que ele fez para São Francisco (Estamusarara.com.br<br />

A revista eletrônica Musa Rara aproveita a internet como um meio <strong>de</strong><br />

comunicação rápido e eficiente para m<strong>os</strong>trar, divulgar e apontar caminh<strong>os</strong><br />

artístic<strong>os</strong> na literatura e suas adjacências, sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r exclusivamente<br />

do mercado. Existem as opções <strong>de</strong> ler ou enviar text<strong>os</strong> na área <strong>de</strong><br />

tradução, resenha, pr<strong>os</strong>a, poesia, lançament<strong>os</strong>, infantojuvenil, entrevistas,<br />

ensai<strong>os</strong>, crônicas, crítica literária, blogs, artig<strong>os</strong> e text<strong>os</strong> acadêmic<strong>os</strong>. Há,<br />

ainda, a TV Musa, um canal <strong>de</strong> notícias, e a seção “O que Estou Lendo?”,<br />

para que <strong>os</strong> leitores compartilhem suas experiências literárias.<br />

albumitaucultural.org.br<br />

No site Álbum, como o nome sugere, está reunida boa parte da produção sobre<br />

música já realizada pelo Itaú Cultural. Des<strong>de</strong> <strong>os</strong> ví<strong>de</strong><strong>os</strong> <strong>de</strong> shows e entrevistas <strong>de</strong><br />

artistas que participaram das edições do programa Rum<strong>os</strong> Itaú Cultural Música até<br />

text<strong>os</strong> avuls<strong>os</strong> publicad<strong>os</strong> em títul<strong>os</strong> como a Continuum . Além <strong>de</strong>sta compilação<br />

eletrônica, o site apresenta conteúd<strong>os</strong> criad<strong>os</strong> exclusivamente para a web − como as<br />

seções Pitéu, <strong>de</strong> receitas gastronômicas indicadas por músic<strong>os</strong> ou seus familiares, e<br />

Tô Assobiando, com playlists temáticas. A página é voltada para todo tipo <strong>de</strong> público,<br />

não somente para quem pesquisa música.


CONTINUUM<br />

38 39 quadrinh<strong>os</strong> | lourenço mutarelli


CURADORES VIAJANTES PARTIRAM RUMO AOS<br />

QUATRO CANTOS DO BRASIL PARA DESCOBRIR<br />

NOVOS TALENTOS DAS ARTES VISUAIS.<br />

Venha conhecer o resultado <strong>de</strong>ssas viagens.<br />

45 artistas, 130 obras<br />

Coor<strong>de</strong>nação-geral <strong>de</strong> curadoria <strong>de</strong> Agnaldo Farias<br />

Er<strong>os</strong>ões <strong>de</strong> Luz Acontecem Aqui entre 1817 e 2817 ao Meio-Dia e Dez<br />

<strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Novembro a 22 <strong>de</strong> Janeiro, em Belo Horizonte <strong>de</strong> Raquel Versieux<br />

até 22 <strong>de</strong> abril 2012<br />

terça a sexta das 9h às 20h<br />

sábad<strong>os</strong>, doming<strong>os</strong> e feriad<strong>os</strong> das 11h às 20h<br />

ENTRADA FRANCA<br />

estacionamento conveniado, com entrada pela rua leôncio <strong>de</strong> carvalho<br />

itaucultural itaucultural.org.br fone 11 2168 1777 atendimento@itaucultural.org.br<br />

avenida paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação briga<strong>de</strong>iro do metrô]

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