07.01.2015 Views

Reserva de Propriedade a Favor do Financiador

Reserva de Propriedade a Favor do Financiador

Reserva de Propriedade a Favor do Financiador

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

JOÃO PEDRO COSTA CARVALHO <strong>Reserva</strong> <strong>de</strong> Proprieda<strong>de</strong> a <strong>Favor</strong> <strong>do</strong> Financia<strong>do</strong>r : 19<br />

adquirente. A valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta cláusula – estipulação da reserva <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> em favor <strong>do</strong> mutuante, pessoa<br />

jurídica diversa <strong>do</strong> ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r – vem sen<strong>do</strong>, porém, questionada, quer na <strong>do</strong>utrina [1], quer na jurisprudência[2]. E<br />

embora haja divergência na jurisprudência, parece-nos até que o entendimento maioritário será pela nulida<strong>de</strong> da<br />

cláusula. Porém, os argumentos apresenta<strong>do</strong>s não nos convencem e, por isso, a<strong>de</strong>rimos inteiramente à tese que<br />

fundamenta as conclusões da Apelante, com as razões que já explanámos em voto <strong>de</strong> venci<strong>do</strong> lavra<strong>do</strong> no acórdão<br />

proferi<strong>do</strong> neste Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto, data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 26-04-2010[3].<br />

E as razões que ali se <strong>de</strong>senvolveram e aqui se reproduzem são as seguintes:<br />

Conforme resulta <strong>do</strong> disposto no art.º 1317.º a) <strong>do</strong> Código Civil[4], 408.º n.º1 e 409.º n.º 1, nos contratos <strong>de</strong><br />

alienação <strong>de</strong> coisa <strong>de</strong>terminada, a transferência <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> dá-se por “mero efeito <strong>do</strong> contrato”. Tal<br />

significa que a transferência da proprieda<strong>de</strong> não está na <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> qualquer outro acto, <strong>de</strong>signadamente a<br />

tradição da coisa ou a inscrição no registo. Porém, as partes po<strong>de</strong>m estipular coisa diversa no que toca a este efeito<br />

real, mediante uma estipulação <strong>de</strong> “reserva <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>”, segun<strong>do</strong> a qual “o alienante po<strong>de</strong> reservar para si a<br />

proprieda<strong>de</strong> da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação <strong>de</strong><br />

qualquer outro evento”.<br />

Centremo-nos, pois, no teor <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> artigo 409.º n.º1: O ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r po<strong>de</strong> reservar para si a proprieda<strong>de</strong> da<br />

coisa. Qual o objectivo <strong>de</strong>sta reserva <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> Trata-se <strong>de</strong> uma cláusula com particular incidência na venda<br />

a prestações. Através <strong>de</strong>sta reserva <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> o alienante po<strong>de</strong> acautelar-se, eficazmente, contra o risco <strong>de</strong><br />

incumprimento por parte <strong>do</strong> adquirente.<br />

Até aqui a situação é relativamente clara. Este preceito legal foi cria<strong>do</strong> num tempo em que as partes, num<br />

contrato <strong>de</strong> compra e venda, eram apenas duas: o ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> e o compra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> outro.<br />

Suce<strong>de</strong> que a venda a prestações enquanto relação bilateral entre compra<strong>do</strong>r e ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r já não correspon<strong>de</strong><br />

à realida<strong>de</strong> sócio-económica actual[5]. A evolução da vida económica <strong>de</strong>terminou uma maior complexida<strong>de</strong> das<br />

relações contratuais. Actualmente, para se concretizar o contrato <strong>de</strong> compra e venda, na maioria das vezes,<br />

intervêm não duas, mas três partes: o compra<strong>do</strong>r, o ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r e aquela que empresta <strong>do</strong> dinheiro.<br />

Como refere GRAVATO MORAIS[6], «na larga maioria das situações, o consumi<strong>do</strong>r dirige-se ao<br />

ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r para adquirir um bem. Da<strong>do</strong> que não tem disponível a quantia na totalida<strong>de</strong>, ou ten<strong>do</strong>-a, não a quer<br />

utilizar para esse fim, contrai um crédito. Como o alienante não está interessa<strong>do</strong> em financiar a compra,<br />

normalmente propõe-lhe a concessão <strong>de</strong> um empréstimo por terceiro. Para o efeito tem em mão formulários <strong>de</strong><br />

“propostas <strong>de</strong> mútuo” <strong>de</strong> um específico financia<strong>do</strong>r, com quem coopera previamente, que entrega ao consumi<strong>do</strong>r e<br />

que este subscreve com a sua ajuda. Ulteriormente, essas propostas são enviadas ao da<strong>do</strong>r <strong>de</strong> crédito para<br />

aprovação, sen<strong>do</strong> que, em princípio, o consumi<strong>do</strong>r não contacta com ele presencialmente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> até dar-se o<br />

caso <strong>de</strong> não ter sequer consciência <strong>de</strong> que celebrou <strong>do</strong>is contratos: a venda e o mútuo».<br />

É, portanto, marcada a relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência ou conexão entre os contratos <strong>de</strong> compra e venda e <strong>de</strong><br />

mútuo. No caso que nos ocupa é sintomática <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>signação da entida<strong>de</strong> financia<strong>do</strong>ra (B…) que<br />

coinci<strong>de</strong> mesmo com a marca <strong>do</strong> bem que é (...). O fenómeno é, aliás, explica<strong>do</strong> <strong>do</strong>gmaticamente através da figura<br />

da união <strong>de</strong> contratos: os <strong>do</strong>is contratos são juridicamente autónomos, mas liga<strong>do</strong>s por um vínculo <strong>de</strong> natureza<br />

económica e essa ligação acarreta necessariamente a produção <strong>de</strong> efeitos jurídicos específicos e peculiares[7].

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!