criando valores para todos - Growing Inclusive Markets
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CRIANDO VALORES PARA TODOS:<br />
ESTRATÉGIAS PARA FAZER<br />
NEGÓCIOS COM OS POBRES<br />
Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
As Empresas a Serviço do Desenvolvimento O Desenvolvimento a Serviço das Empresas<br />
Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento
A P R E S E N T A Ç Ã O D A<br />
EDIÇÃO BRASILEIRA<br />
Quando fomos convidados pelo PNUD, em julho de 2006, a compor um grupo de<br />
pesquisadores que iriam produzir casos empresariais, tivemos a forte sensação de que tratava de algo<br />
importante. A intuição não nos traiu.<br />
Já naquela ocasião, o tema dos mercados inclusivos se apresentava como um aglutinador de interesses<br />
no campo da responsabilidade social empresarial. Os trabalhos de Muhammad Yunus e seu Grameen<br />
Bank, em Bangladesh, se somavam às propostas acadêmicas de C. K. Prahalad e sua Base da Pirâmide,<br />
em Chicago, lançando luzes sobre as relações entre o mundo empresarial e o fenômeno da pobreza.<br />
Ecoavam, em sua intenção de viabilizar escolhas e oportunidades aos pobres, os dilemas atuais de buscar<br />
uma criação de riquezas econômicas que redunde em desenvolvimento social. Este tem se mostrado um<br />
desafio na história humana, evidenciado na atual realidade de desigualdades abismais entre os mais<br />
ricos e os mais pobres.<br />
Além disso, despertou nossa atenção a convicção expressa pelo PNUD de que o setor privado é uma<br />
enorme fonte inexplorada de investimento e inovação <strong>para</strong> se alcançarem os Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio. No nosso Núcleo de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa, na Fundação Dom<br />
Cabral, temos nos esforçado nos últimos sete anos a desenvolver e aplicar conhecimento que viabilize<br />
justamente a inserção empresarial nos temas da sustentabilidade, vista como decorrência da sua gestão<br />
responsável. Afinal, cabe às escolas de qualquer natureza a inarredável responsabilidade de educar a<br />
humanidade <strong>para</strong> ajudar a construir civilizações.<br />
Dois anos e diversas interações depois, chega-nos um resultado do esforço da Iniciativa Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos, que uniu uma rede de acadêmicos de vários países em desenvolvimento e de<br />
consultores de instituições especializadas sobre o papel do setor privado no desenvolvimento. O relatório<br />
Criando Valores <strong>para</strong> Todos: Estratégias <strong>para</strong> Fazer Negócios com os Pobres aprimora os esforços do<br />
PNUD <strong>para</strong> transformar as idéias e análises da Iniciativa em ações concretas.<br />
Os casos de empresas brasileiras que escrevemos compõem uma base de 50 estudos de caso, artigos<br />
e publicações científicas da qual se extraiu o conhecimento sistematizado e elaborado <strong>para</strong> o conteúdo<br />
do relatório. Aos que o lerão, acadêmicos, gestores, empreendedores, políticos, empresários, desejamos<br />
muitas inspirações <strong>para</strong> aprimoramento de suas ações e planos.<br />
A Fundação Dom Cabral agradece ao PNUD pela oportunidade de participar da Iniciativa e de elaborar<br />
esta versão brasileira. E agradece às empresas Banco Real, Natura, Sadia e VCP, que se abriram à pesquisa<br />
de informações e validação dos casos, pelo patrocínio e incondicional apoio a este trabalho.<br />
Esperamos de coração que deste esforço resultem novos caminhos <strong>para</strong> a redução das ainda cruéis<br />
desigualdades em nosso país.<br />
Pela equipe técnica, Cláudio Bruzzi Boechat<br />
Patrocinadores<br />
Apoio<br />
i
P r e f á c i o d o<br />
Administrador<br />
A Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos, lançada<br />
em 2006, representa a forte convicção do PNUD de que o setor privado é<br />
uma enorme fonte inexplorada de investimento e inovação <strong>para</strong> se alcançar os<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.<br />
A iniciativa foi inspirada no relatório Desencadeando o Empreendedorismo:<br />
Fazendo os Negócios Funcionarem <strong>para</strong> os Pobres, pre<strong>para</strong>do em 2004, pela<br />
Comissão da ONU <strong>para</strong> o Setor Privado e Desenvolvimento, a pedido do então<br />
Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. A Comissão sugeriu que o<br />
PNUD apresentasse relatórios suplementares <strong>para</strong> clarificar como os negócios<br />
estão gerando valor nas condições difíceis de mercado que, freqüentemente,<br />
caracterizam a miséria – e como, durante esse processo, eles poderiam criar<br />
<strong>valores</strong> <strong>para</strong> os pobres.<br />
O presente relatório, que é o primeiro de uma série, aprimora os esforços do<br />
PNUD em tornar as idéias e análises da iniciativa em ações concretas, através<br />
do diálogo com o setor privado, governos e a sociedade civil. Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos é o produto de uma pesquisa baseada em 50 estudos<br />
de caso, além de artigos e publicações científicas de uma rede de acadêmicos<br />
de vários países em desenvolvimento e de um grupo composto por diversos<br />
consultores de instituições especializadas sobre o papel do setor privado no<br />
desenvolvimento.<br />
O relatório Desencadeando o Empreendedorismo mostrou que, sob<br />
condições de mercado favoráveis, o setor privado pode reduzir a miséria e<br />
contribuir <strong>para</strong> o desenvolvimento humano de diversas maneiras. Em uma<br />
economia de mercado, empresas e famílias interagem entre si e com o governo.<br />
Correndo certos riscos, eles ganham lucratividade e rendas que fomentam o<br />
crescimento econômico. O poder da economia de gerar empregos decentes<br />
depende, em grande parte, da vitalidade do setor privado. O setor privado,<br />
por sua vez, ao fornecer bens de consumo e serviços, traz mais escolhas e<br />
oportunidades <strong>para</strong> os pobres.<br />
Entretanto, a eficácia do setor privado em promover o desenvolvimento<br />
depende do equilíbrio do Estado e da qualidade das instituições políticas, sociais<br />
e econômicas.<br />
i
Um Estado forte, com suficientes recursos<br />
humanos, financeiros e institucionais, pode<br />
assegurar que uma economia de mercado<br />
ofereça aos agentes privados os incentivos<br />
<strong>para</strong> expandir a sua capacidade de produção<br />
e <strong>para</strong> fazer bom uso dela. O Estado também<br />
deve ser capaz de assegurar uma competição<br />
justa, bem como a redistribuição de renda – os<br />
desfechos mercadológicos nem sempre são<br />
política ou socialmente aceitáveis. Existe ainda a<br />
necessidade crucial de fornecer proteção social,<br />
apoiando os mais vulneráveis e fortalecendo<br />
a sua capacidade de sustentar meios de vida<br />
produtivos. A abordagem do PNUD é focada no<br />
desenvolvimento do setor privado, mas enfatiza<br />
também os aspectos que garantem o crescimento<br />
a favor dos mais pobres– dando-lhes mais<br />
escolhas, através da oferta de bens e serviços,<br />
ou de oportunidades de geração de renda e<br />
empregos decentes.<br />
A abordagem financeira e de mercado,<br />
aplicada isoladamente, não tem o poder de<br />
combater a miséria. As muitas dimensões da<br />
pobreza exigem soluções diversas e específicas<br />
<strong>para</strong> cada contexto. Muitos pobres podem se<br />
beneficiar com melhor acesso aos mercados<br />
se tiverem, no mínimo, uma estrutura básica –<br />
incluindo moradia, saúde, educação – ou uma<br />
renda, por menor que seja, <strong>para</strong> ajudá-los a ter<br />
acesso a ela. Outros, porém, sem recurso algum,<br />
dificilmente terão participação no mercado. Estes<br />
últimos necessitam de apoio específico <strong>para</strong><br />
ajudá-los a construir um meio de vida sustentável<br />
e tirarem proveito das interações do mercado.<br />
Como o setor privado pode ajudar os<br />
mercados na inclusão dos pobres Em parte,<br />
através da criação e difusão de inovações. O<br />
setor científico e os grandes empreendimentos<br />
tecnológicos podem receber incentivos<br />
governamentais, mas a competitividade<br />
econômica oferece, aos empreendedores e às<br />
empresas, um forte estímulo <strong>para</strong> criar e aplicar<br />
tecnologias e processos inovadores. Por outro<br />
lado, a difusão de novos modelos e práticas<br />
corporativas é fundamental <strong>para</strong> o aumento da<br />
produtividade.<br />
A capacidade da população pobre de se<br />
beneficiar do mercado depende da sua habilidade<br />
de participar e aproveitar as oportunidades<br />
oferecidas por ele. O que o Estado pode fazer<br />
<strong>para</strong> aumentar essa habilidade Ele pode auxiliar<br />
os pobres a desenvolverem o seu capital humano<br />
(saúde, educação e capacitação). O Estado pode<br />
também fornecer infra-estrutura e serviços<br />
essenciais, além de assegurar que os pobres<br />
tenham poderes legais.<br />
O presente relatório se concentra no que o<br />
setor privado pode fazer <strong>para</strong> incluir os pobres<br />
nos negócios como consumidores, empregados e<br />
produtores.<br />
Baseado na longa história do PNUD de<br />
advogar mudanças e de trazer conhecimento,<br />
experiência e recursos a países, de forma a<br />
ajudar os seus povos a conquistarem uma vida<br />
melhor, o relatório começa apresentando os<br />
mercados dos pobres. Ele mostra os desafios<br />
de se fazer negócios onde os mercados sofrem<br />
com a falta de informação, infra-estrutura e<br />
instituições. Mas mostra também como as<br />
empresas lidam com esses desafios – <strong>criando</strong><br />
modelos de negócios inclusivos, que unem o<br />
mercado e os pobres de forma a criar <strong>valores</strong><br />
<strong>para</strong> <strong>todos</strong>.<br />
Já existem muitas iniciativas nessa área<br />
que são, em grande parte, provenientes<br />
de firmas multinacionais. Entretanto, este<br />
relatório coloca o trabalho de pequenas,<br />
médias e grandes empresas de países em<br />
desenvolvimento em um mesmo plano.<br />
Certamente, as multinacionais podem abrir<br />
caminho dando o exemplo. Com a sua<br />
influência, alcance global e recursos, elas<br />
podem efetivamente aprimorar e replicar<br />
modelos de negócios bem-sucedidos.<br />
Mas como mostrou o Desencadeando o<br />
Empreendedorismo, empresas menores<br />
também têm muito a ensinar sobre as<br />
estratégias que funcionam. Afinal, são elas<br />
que geram a maior parte dos empregos e da<br />
riqueza necessária <strong>para</strong> se alcançarem os<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.<br />
Entretanto, os negócios não se sustentam<br />
sozinhos. Este relatório sugere que as<br />
empresas – juntamente com os governos,<br />
a sociedade civil e a população pobre –<br />
podem construir os alicerces <strong>para</strong> novos<br />
mercados. Os governos devem desencadear<br />
o poder dos negócios, melhorando as<br />
condições de mercado onde vivem os pobres<br />
e removendo barreiras à sua participação<br />
econômica. Organizações sem fins lucrativos,<br />
fornecedores de serviços públicos, instituições<br />
microfinanceiras e outras que já estejam<br />
trabalhando com mercados menos favorecidos<br />
podem colaborar com projetos integrados<br />
que promovam, juntamente com o setor<br />
privado, a geração de novas oportunidades.<br />
Patrocinadores podem facilitar o diálogo entre<br />
o mundo corporativo e o governo ou outros<br />
parceiros. Investidores preocupados com<br />
padrões de desempenho social e instituições<br />
filantrópicas podem fornecer os recursos que<br />
possibilitem empreendimentos urgentes e<br />
incertos. Modelos de negócios que incluam<br />
os pobres exigem amplo apoio, mas oferecem<br />
benefícios a <strong>todos</strong>.<br />
Kemal Dervis<br />
Administrador do PNUD<br />
ii<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
ÍNDICE<br />
Sobre a iniciativa e sua pesquisa<br />
Agradecimentos<br />
VISÃO GERAL<br />
V<br />
XI<br />
1<br />
Parte I. Oportunidades de criação de <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
1 Oportunidades <strong>para</strong> as empresas – e <strong>para</strong> os pobres<br />
Oportunidades <strong>para</strong> as empresas: rentabilidade e crescimento 16<br />
Oportunidades <strong>para</strong> os pobres: promoção do desenvolvimento humano 20<br />
Desvendando o código: exemplos bem sucedidos de negócios com os pobres 25<br />
2 Obstáculos no caminho<br />
Informação de mercado 31<br />
Ambiente regulatório 32<br />
Infra-estrutura física 33<br />
Conhecimento e habilidades 36<br />
Acesso a serviços financeiros 37<br />
Parte II. Cinco estratégias que funcionam<br />
3 Adaptação de produtos e processos<br />
Alavancagem tecnológica 47<br />
Criação de processos de negócios 50<br />
4 Investimento na remoção das restrições de mercado<br />
Foco na geração de valor 57<br />
Criação de valor social 62<br />
5 Fortalecimento do potencial dos pobres<br />
Inserção dos pobres como indivíduos 69<br />
Desempenho por meio de redes sociais existentes 73<br />
6 Combinação de recursos e capacidades com outras instituições<br />
Combinação de capacidades complementares 79<br />
União de recursos 84<br />
7 Engajamento no diálogo político com o governo<br />
Engajamento individual 92<br />
Engajamento através de efeitos demonstrativos 94<br />
Engajamento colaborativo 94<br />
8 Entrando em ação<br />
Anexos<br />
13<br />
15<br />
29<br />
39<br />
45<br />
55<br />
67<br />
77<br />
89<br />
97<br />
103<br />
Anexo 1. Banco de estudos de caso 105<br />
Anexo 2. Metodologia de pesquisa dos estudos de caso 133<br />
Anexo 3. Sobre os mapas gráficos de mercado 137<br />
referências<br />
APÊNDICE - casos de empresas brasileiras<br />
145<br />
157<br />
Caso Natura EKOS 159<br />
Programa de Suinocultura Sustentável Sadia (Programa 3S) 173<br />
Votorantim Celulose e Papel (VCP) 187
QUADROS<br />
Junta Consultiva da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos vi<br />
Estudos de caso pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> a Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos ix<br />
Quadro 1 O que são modelos de negócios inclusivos 2<br />
Quadro 1.1 Modelos de negócios inclusivos e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 21<br />
Quadro 1.2 Acesso a crédito na Guatemala 24<br />
[1] Mapa gráfico de mercado: Famílias vivendo com mais de $2 por dia<br />
[2] Fontes de crédito: Famílias vivendo com mais de $2 por dia<br />
[3] Mapa gráfico de mercado: Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
[4] Fontes de crédito: Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
[5] Oportunidade: Estimativas do uso de crédito na Guatemala entre famílias vivendo com menos ou mais<br />
que $2 por dia<br />
Quadro 1.3 O crescente mercado de telefonia móvel na África do Sul 27<br />
[1] Mapa gráfico de mercado: Famílias vivendo com mais de $2 por dia<br />
[2] Acesso a telefones celulares na África do Sul: Famílias vivendo com mais de $2 por dia<br />
[3] Mapa gráfico de mercado: Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
[4] Acesso a telefones celulares na África do Sul: Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
Quadro 2.1 Sobreposição de restrições no mercado da Guatemala 30<br />
Quadro 2.2 Mapas gráficos de mercado 32<br />
Quadro 2.3 Restrições no mercado afetam a sua estrutura: o mercado de água no Haiti 35<br />
Quadro 2.4 Microseguros na Índia 37<br />
Quadro II.1 Comunicações Inteligentes: remessas internacionais via celular nas Filipinas 42<br />
Quadro 3.1 Estudo de caso – Tsinghua Tongfang: eliminando a exclusão digital 46<br />
Quadro 3.2 Banco móvel: sem agências e sem fios 48<br />
Quadro 3.3 Cartões inteligentes: pagamentos high-tech permitem à Amanz’abuntu levar água aos pobres da África do<br />
Sul 49<br />
Quadro 4.1 Estudo de caso – Tiviski: dinheiro bem gasto 56<br />
Quadro 4.2 Companhia Integrada Tamale Fruit: investindo <strong>para</strong> remover restrições do mercado e assegurar colheitas<br />
de qualidade 59<br />
Quadro 4.3 Oferecendo subsídios <strong>para</strong> o desenvolvimento de modelos de negócios inclusivos: os fundos de desafio do<br />
Departamento <strong>para</strong> o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido 63<br />
Quadro 5.1 Estudo de caso – HealthStore Foundation: fornecendo serviços de saúde em áreas remotas 63<br />
Quadro 6.1 Estudo de caso – Construmex: “Hazla, Paizano!” 78<br />
Quadro 6.2 Como encontrar um parceiro – sem um parceiro 80<br />
Quadro 6.3 Instituições de microfinanças – agentes varejistas rurais 82<br />
Quadro 7.1 Estudo de caso – CocoTech: resgatando a insuficiente indústria do coco 90<br />
Quadro A2.1 Questões de pesquisa dos estudos de caso 134<br />
Quadro A3.1 Exemplos de iniciativas de mapeamento geográfico da pobreza 138<br />
FIGURAS<br />
Figura 1 Mapa gráfico do acesso ao crédito na Guatemala 3<br />
Figura 2 Matriz estratégica da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos 8<br />
Figura 3 Matriz estratégica da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos e o resumo das soluções 10<br />
Figura 1.1 Figura 1.1 Quatro bilhões de pessoas na base da pirâmide 18<br />
Figura 1.2 Como os consumidores pobres gastam o seu dinheiro 19<br />
Figura 1.3 Assinantes de serviços de telefonia móvel por 100 habitantes, em 2006 26<br />
Figura 2.1 Tempo e custo médio <strong>para</strong> se abrir um negócio, por região 33<br />
Figura 2.2 Empresas encaram a falta de infra-estrutura como um obstáculo substancial 34<br />
Figura 2.3 A penetração dos seguros é baixa na maioria dos países em desenvolvimento 36<br />
Figura II.1 Matriz estratégica da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos 40<br />
Figura 3.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> adaptar produtos e processos<br />
Figura 4.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> investir na remoção de restrições do mercado 65<br />
Figura 5.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> alavancar o potencial dos pobres 75<br />
Figura 6.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> combinar recursos e capacidades com outras instituições 87<br />
Figura 7.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> se engajar no diálogo político com o governo 95<br />
Figura 8.1 Matriz estratégica da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos e o resumo das soluções 98<br />
Figura A2.1 Distribuição de estudos de caso por região, setor e tipo de empresa 135<br />
Figura A3.1 Mapa gráfico do acesso à água no Haiti em 2001 139<br />
Figura A3.2 Mapa gráfico do acesso a telefones celulares na África do Sul, em 2006 (famílias vivendo com mais de $2<br />
per capita por dia) 141<br />
Figura A3.3 Mapa gráfico do acesso a telefones celulares na África do Sul, em 2006 (famílias vivendo com menos de $2<br />
per capita por dia) 142<br />
Fugura A3.4 Interseção de pessoas pobres que possuem telefones celulares, mas não têm acesso a bancos, países<br />
selecionados 143
Sobre<br />
a i n i c i a t i v a e<br />
sua pesquisa<br />
Cabo Verde: Negócios<br />
locais – de pequenos<br />
pescadores a grandes<br />
companhias nacionais –<br />
são o foco principal desta<br />
iniciativa.<br />
Foto: UNICEF/Julie Pudlowski<br />
A Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
responde a uma necessidade de melhor entendimento sobre como o setor<br />
privado pode contribuir <strong>para</strong> o desenvolvimento humano e <strong>para</strong> os Objetivos de<br />
Desenvolvimento do Milênio. Liderada pelo PNUD, a iniciativa foi concebida em<br />
2006, após o sucesso do relatório de 2004 da Comissão da ONU <strong>para</strong> o Setor<br />
Privado e o Desenvolvimento – Desencadeando o Empreendedorismo: Fazendo os<br />
Negócios Funcionarem <strong>para</strong> os Pobres – pre<strong>para</strong>do a pedido do então Secretário-<br />
Geral da ONU, Kofi Annan.<br />
Os objetivos gerais da iniciativa são:<br />
conscientizar, demonstrando como os negócios com os pobres podem<br />
trazer benefícios, tanto <strong>para</strong> eles quanto <strong>para</strong> as empresas;<br />
esclarecer como as empresas, os governos e as organizações da<br />
sociedade civil podem criar <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong>;<br />
inspirar o setor privado a agir.<br />
V
Quadro Junta Consultiva da Iniciativa<br />
Desenvolvendo Negócios Inclusivos<br />
Junta Consultiva da Iniciativa Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos<br />
A Junta Consultiva desenvolveu a essência da<br />
Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos.<br />
Sua orientação e contribuição têm sido de<br />
suma importância <strong>para</strong> a iniciativa e <strong>para</strong> este<br />
relatório.<br />
Agência Francesa de Desenvolvimento<br />
Negócio <strong>para</strong> a Responsabilidade Social (BSR)<br />
Universidade de Dalhousie, Faculdade de<br />
Administração<br />
Escola de Negócios da ESSEC, Instituto de<br />
Pesquisa e Educação em Negociação na Europa<br />
Fundação Européia <strong>para</strong> o Desenvolvimento da<br />
Gestão<br />
Aliança <strong>para</strong> o Desenvolvimento Global,<br />
Agência Norte-Americana <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Internacional<br />
Escola de Negócios de Harvard, Iniciativa<br />
Empresa Social<br />
Escola Harvard Kennedy, Iniciativa <strong>para</strong><br />
Responsabilidade Social Corporativa<br />
Instituto de Negócios, Universidade de West<br />
Indies, Trinidad e Tobago<br />
Fórum Internacional de Líderes Empresariais<br />
Câmara Internacional de Comércio<br />
Corporação Financeira Internacional (IFC)<br />
Johnson School, Centro <strong>para</strong> a Empresa Global<br />
Sustentável, Universidade de Cornell<br />
Instituto de Desenvolvimento Ultramarino,<br />
Programa <strong>para</strong> o Desempenho Corporativo e<br />
Desenvolvimento<br />
Unidade Especial de Cooperação Sul-<br />
Sul, Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento<br />
Fundação das Nações Unidas<br />
Pacto Global das Nações Unidas<br />
Universidade de Michigan, Escola de<br />
Administração Ross, Instituto Willian Davidson<br />
Conselho Empresarial Mundial <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Sustentável (WBCSD)<br />
Fórum Econômico Mundial<br />
Instituto de Recursos Mundiais<br />
Desde o início, o PNUD decidiu criar um<br />
processo aberto que envolvesse múltiplos<br />
stakeholders e o maior número possível de<br />
parceiros e que pudesse evoluir constantemente<br />
conforme as suas necessidades e interesses.<br />
Por isso, a Junta Consultiva da iniciativa<br />
é composta por diversas instituições,<br />
que possuem um interesse no papel do<br />
desenvolvimento do setor privado – incluindo<br />
importantes agências internacionais<br />
de desenvolvimento, organizações<br />
financeiras globais que representam<br />
centenas de companhias e especialistas de<br />
instituições reconhecidas de pesquisa que<br />
operam na interface com os negócios e o<br />
desenvolvimento.<br />
A iniciativa visa fornecer uma<br />
contribuição efetiva aos líderes de mercado<br />
e responsáveis pela formulação de políticas,<br />
no apoio a modelos de negócios que incluam<br />
os pobres – especialmente em países em<br />
desenvolvimento – através da difusão das<br />
descobertas de suas pesquisas e ferramentas<br />
de análise.<br />
Cinco princípios guiam o trabalho da<br />
iniciativa:<br />
Ênfase na essência dos negócios.<br />
A iniciativa promove modelos de negócios<br />
que criam valor, fornecendo produtos<br />
e serviços <strong>para</strong> ou oriundos dos menos<br />
favorecidos, incluindo as estratégias<br />
voltadas <strong>para</strong> a geração de renda de<br />
organizações não governamentais.<br />
Embora tenham razões comerciais<br />
próprias e sejam importantes <strong>para</strong> o<br />
desenvolvimento, atividades puramente<br />
filantrópicas, ou que provam não ser<br />
capazes de se tornarem comercialmente<br />
sustentáveis, não são levadas em conta<br />
pela iniciativa.<br />
Foco no desenvolvimento mundial.<br />
A iniciativa interessa se especialmente nas<br />
empresas de países em desenvolvimento,<br />
<strong>para</strong> que se tornem os atores principais<br />
no fornecimento de bens, serviços<br />
e oportunidades de trabalho <strong>para</strong> a<br />
população pobre. Para ampliar esse foco,<br />
a Iniciativa Desenvolvendo Mercados<br />
Inclusivos comissionou 50 estudos de<br />
caso de instituições acadêmicas e de<br />
pesquisa de diversos países ao redor do<br />
mundo, que vão do Peru ao Quênia e às<br />
Filipinas. Esse processo, que acontece<br />
de baixo <strong>para</strong> cima, sustentado pela<br />
experiência local, está produzindo uma<br />
rede cada vez maior de praticantes<br />
do desenvolvimento, tomadores de<br />
decisão do setor público, empresários e<br />
personagens da sociedade civil.<br />
vi<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Uma estrutura de desenvolvimento<br />
humano orientada pelos Objetivos<br />
de Desenvolvimento do Milênio. O<br />
desenvolvimento humano expande as escolhas<br />
individuais de forma a propiciar a autonomia<br />
e o bem-estar das pessoas. Essa compreensão<br />
da miséria é a linha mestra do PNUD, que<br />
explora e aplica o conceito de desenvolvimento<br />
humano no seu Relatório de Desenvolvimento<br />
Humano, publicado anualmente desde 1990.<br />
A iniciativa também faz uso de uma estrutura<br />
de desenvolvimento humano que, sustentada<br />
na prática dos negócios com os pobres, se<br />
concentra em suprir as suas necessidades<br />
básicas e fornecer-lhes acesso a bens, serviços<br />
e oportunidades de renda que fomentem a sua<br />
capacitação econômica. Isso demonstra como o<br />
setor privado pode contribuir <strong>para</strong> alcançar os<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.<br />
Programas locais. A iniciativa modela se<br />
explicitamente no sucesso do PNUD em<br />
utilizar os seus Relatórios de Desenvolvimento<br />
Humano <strong>para</strong> moldar os programas<br />
nacionais e promover a mudança de<br />
políticas em países do mundo todo. O<br />
escritório do PNUD no Egito já publicou<br />
um relatório nacional sobre “Soluções de<br />
Negócios <strong>para</strong> o Desenvolvimento Humano”,<br />
incentivando o diálogo entre os vários<br />
stakeholders locais.<br />
Abordagem de parcerias e de múltiplos<br />
stakeholders. A iniciativa tem uma<br />
abordagem multisetorial e diversificada,<br />
assim como um comprometimento<br />
em envolver múltiplos parceiros com<br />
conhecimentos diferentes – do universo<br />
acadêmico às associações comerciais –<br />
que sejam líderes nas suas visões sobre<br />
os negócios e o desenvolvimento. Com<br />
esse espírito, as informações, análises e<br />
ferramentas geradas pela iniciativa serão<br />
todas publicadas online, <strong>para</strong> que possam<br />
ser discutidas e complementadas pelos<br />
atores envolvidos.<br />
FERRAMENTAS DE PESQUISA<br />
Entre os objetivos imediatos da Iniciativa<br />
Desenvolvendo Mercados Inclusivos está<br />
a criação de uma base inicial de dados,<br />
informação e produtos analíticos que<br />
aumentará o entendimento sobre os mercados<br />
dos pobres, incluindo oportunidades e desafios<br />
existentes.<br />
Mapas gráficos de mercado identificam<br />
oportunidades delineando o acesso à água,<br />
ao crédito, à eletricidade ou aos serviços<br />
de telefonia. Oferecendo uma visão geral<br />
do cenário – e um primeiro olhar sobre<br />
possíveis mercados – os mapas baseiam-se<br />
nas informações sobre a estrutura desses<br />
mercados, como por exemplo, os diversos<br />
tipos de fornecedores existentes.<br />
A matriz estratégica da Iniciativa<br />
Desenvolvendo Mercados Inclusivos é uma<br />
estrutura analítica que ajuda a identificar<br />
restrições de mercado e refletir sobre meios<br />
de lidar com elas. Essa matriz faz uma<br />
interconexão entre cinco grandes restrições<br />
nos mercados mais pobres com cinco<br />
estratégias que podem solucioná-las.<br />
Polônia: A PEC Luban utiliza a palha como<br />
recurso renovável <strong>para</strong> a geração de calor.<br />
Foto: PEC Luban<br />
O banco de estudos de caso ajuda a encontrar<br />
soluções através do aprendizado com<br />
experiências anteriores. Cinqüenta estudos<br />
de caso, formulados <strong>para</strong> este relatório,<br />
descrevem modelos de negócios bemsucedidos<br />
que incluem os pobres. Resumidos<br />
no Anexo 1, os casos completos estão<br />
disponíveis online no endereço<br />
WWW.growinginclusivemarkets.org. Mais casos<br />
serão adicionados, provenientes da própria<br />
iniciativa e de outras fontes, <strong>para</strong> fazer desse<br />
banco um rico depósito de idéias.<br />
SOBRE a iniciativa e sua pesquisa<br />
VII
ABORDAGEM<br />
A presente pesquisa baseou-se estritamente<br />
em uma abordagem empírica – constatar e<br />
medir o acesso dos pobres aos mercados, e<br />
aprender como os negócios podem ser bemsucedidos<br />
promovendo a inclusão dos menos<br />
favorecidos.<br />
A pesquisa dos estudos de caso seguiu<br />
um princípio indutivo. Os casos identificam<br />
padrões comuns entre os modelos de negócios<br />
descritos e não confirmam uma hipótese préconcebida<br />
sobre quais padrões podem existir.<br />
Com a ajuda das instituições envolvidas<br />
na Junta Consultiva, 50 estudos de caso foram<br />
selecionados entre 400 casos possíveis. Os<br />
casos selecionados precisavam descrever<br />
modelos de negócios que incluem os pobres<br />
de maneiras rentáveis e que claramente<br />
promovem o desenvolvimento humano. Além<br />
disso, tinham de representar uma gama de<br />
países, indústrias e tipos de negócios.<br />
Dezoito autores descreveram os casos<br />
selecionados baseando-se em um protocolo<br />
comum, focando as oportunidades, as<br />
restrições e as soluções <strong>para</strong> cada caso. O<br />
protocolo tornou possível a análise sistemática<br />
dos estudos de caso e a procura por padrões.<br />
O resultado foi a matriz estratégica da<br />
Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos,<br />
que suma riza as restrições dominantes e as<br />
estratégias usadas <strong>para</strong> lidar com elas. (Os<br />
anexos 1 e 2 contêm mais detalhes sobre<br />
a abordagem da pesquisa, com descrições<br />
resumidas dos 50 casos).<br />
Os mapas gráficos de mercado foram<br />
gerados por especialistas da América Latina<br />
e do sul da África. Levantamentos individuais<br />
e por família mediram o acesso aos mercados<br />
que são particularmente importantes <strong>para</strong> os<br />
pobres, como os da água, da eletricidade, do<br />
crédito e de telecomunicações e revelaram a<br />
estrutura desses mercados (expressada, por<br />
exemplo, pelo tipo de fonte ou provedor).<br />
Parte dessas informações foi transformada<br />
em mapas espaciais, <strong>criando</strong> uma ferramenta<br />
que pode ser utilizada intuitivamente. (Mais<br />
detalhes sobre a metodologia da criação<br />
desses mapas se encontram no Anexo 3.)<br />
Bangladesh: Empréstimos de microcrédito fornecidos<br />
pelo PNUD permitem aos moradores do distrito de<br />
Kishoreganj começarem negócios familiares.<br />
Foto: Shamsuz Zaman/ PNUD<br />
viii<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Estudos de casos pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> a Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
Caso<br />
A to Z Textiles (Tanzânia)<br />
Amanco (México)<br />
Amanz’abantu (África do Sul)<br />
ANZ Bank (Fiji)<br />
Aspen Pharmacare (África do Sul)<br />
Associação dos Operadores<br />
Privados de Água (Uganda)<br />
Barclays’ Susu Collectors<br />
Initiative (Gana)<br />
Cashew Production (Guiné)<br />
Celtel (Rep. Dem. do Congo)<br />
Coco Technologies (Filipinas)<br />
Construmex<br />
(México / Estados Unidos)<br />
Danone (Polônia)<br />
Denmor Garments (Guiana)<br />
DTC Tyczyn (Polônia)<br />
Edu-Loan (África do Sul)<br />
Fair Trade Cotton (Mali)<br />
Forus Bank (Rússia)<br />
Huatai (China)<br />
Integrated Tamale<br />
Food Company (Gana)<br />
Juan Valdez (Colômbia)<br />
K-Rep Bank (Quênia)<br />
Lafarge (Indonésia)<br />
LYDEC (Marrocos)<br />
Manila Water Company (Filipinas)<br />
Mibanco (Peru)<br />
Money Express (Senegal)<br />
M-PESA (Quênia)<br />
Mt Plaisir Estate<br />
Hotel (Trinidad e Tobago)<br />
Narayana Hrudayalaya (Índia)<br />
Natura (Brasil)<br />
Nedbank e<br />
RMB/FirstRand (África do Sul)<br />
New Tirupur Area Development<br />
Corp. Ltd. (Índia)<br />
PEC Luban (Polônia)<br />
Pésinet (Mali / Senegal)<br />
Petstar (México)<br />
Procter & Gamble<br />
(Várias localidades)<br />
Rajawali (Indonésia)<br />
RiteMed (Filipinas)<br />
Rural Electrification (Mali)<br />
Sadia (Brasil)<br />
Sanofi-aventis<br />
(África Subsaariana)<br />
SEKEM (Egito)<br />
SIWA (Egito)<br />
Smart (Filipinas)<br />
Sulabh (Índia)<br />
HealthStore<br />
Foundation (Quênia)<br />
Tiviski Dairy (Mauritânia)<br />
Tsinghua Tongfang<br />
(THTF) (China)<br />
VidaGás (Moçambique)<br />
Votorantim Celulose e Papel (Brasil)<br />
Descrição<br />
Produção de redes de dormir resistentes e tratadas com inseticida<br />
Soluções integradas de irrigação <strong>para</strong> pequenos produtores rurais<br />
Fornecimento de água com o uso da tecnologia de cartões inteligentes<br />
Produtos e serviços financeiros móveis<br />
Fabricação de medicamentos antiretrovirais genéricos de baixo custo<br />
Parceria público-privada <strong>para</strong> o fornecimento de água em pequenas cidades<br />
Fornecimento de serviços de microfinanças através dos tradicionais coletores Susu<br />
Parceria focada na revitalização da indústria do caju<br />
Comunicação e serviços bancários móveis em uma economia pós-guerra<br />
Produção de geo-têxteis a partir da casca do coco<br />
Serviços de remessa de <strong>valores</strong> Cash-to-asset<br />
Mingau de leite barato e altamente nutritivo <strong>para</strong> crianças mal nutridas<br />
Produção de vestuário de alta qualidade <strong>para</strong> exportação<br />
Cooperativa distrital de telefonia<br />
Empréstimos <strong>para</strong> o financiamento de estudo superior<br />
Plataforma colaborativa <strong>para</strong> o comércio justo do algodão<br />
Serviços financeiros <strong>para</strong> empreendedores de baixa renda<br />
Produção de celulose <strong>para</strong> a indústria do papel<br />
Sistema de parcerias <strong>para</strong> a produção de mangas orgânicas<br />
Comércio justo do café vinculando diretamente produtores, empresas e consumidores<br />
da cadeia produtiva<br />
Produtos e serviços de microfinanças<br />
Reconstrução de casas e prédios de concreto em áreas atingidas pelo tsunami<br />
Fornecendo água e eletricidade nas favelas<br />
Conectando famílias de baixa renda ao sistema de água encanada<br />
Produtos e serviços de microfinanças<br />
Serviços de transferência de <strong>valores</strong><br />
Serviços bancários móveis<br />
O Ecoturismo como base <strong>para</strong> uma comunidade auto-suficiente<br />
Assistência médica cardiológica de baixo custo<br />
Produção de essências de perfumes provenientes da biodiversidade local<br />
Produtos financeiros voltados <strong>para</strong> o mercado imobiliário de baixa renda<br />
Fornecimento de água <strong>para</strong> indústrias e comunidades<br />
Gerando calor a partir da palha<br />
Método preventivo <strong>para</strong> monitorar a saúde infantil<br />
Serviços de gestão do lixo em comunidades rurais pobres<br />
Purificador de água (em sachês) de baixo custo<br />
Parceria de negócios entre companhias de táxi e motoristas de baixa renda<br />
Produção e distribuição de medicamentos genéricos<br />
Companhias rurais instalando e gerindo sistemas de geração de eletricidade<br />
Produção sustentável de suínos através de tecnologia de biodigestão<br />
Parceria <strong>para</strong> o fornecimento de medicamentos no combate à doença do sono<br />
Produção agrícola orgânica aliada a atividades sociais e culturais<br />
O ecoturismo baseado nas especificidades das comunidades locais<br />
Produtos e serviços de telefonia móvel <strong>para</strong> comunidades estrangeiras de baixa renda<br />
Sistemas sanitários de baixo custo, limpos e inovadores<br />
Microfranquias de saúde<br />
Laticínios provenientes dos camelos de pastores nômades<br />
Computadores de baixo custo <strong>para</strong> usuários rurais<br />
Fornecimento de gás petrolífero liquefeito<br />
Plantando eucaliptos em parceria com pequenos produtores rurais<br />
SOBRE a iniciativa e sua pesquisa<br />
IX
Agradecimentos<br />
Vietnã<br />
Foto: Jim Holmes/UNCDF<br />
Membros da Junta Consultiva<br />
A verdadeira essência da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
baseia se na sua abordagem de múltiplos stakeholders, evidenciada pelo<br />
número e diversidade dos membros da Junta Consultiva. A sua orientação<br />
e contribuição têm se provado inestimáveis <strong>para</strong> a iniciativa e <strong>para</strong> este<br />
relatório. A Junta Consultiva é formada por:<br />
Eduardo Aninat, Ex-Ministro das Finanças do Chile e Diretor-Geral, Anisal<br />
International Consultants Ltd.<br />
Rolph Balgobin, Diretor do Instituto de Negócios, Universidade de West<br />
Indies<br />
Kathryn Bushkin Calvin, Vice-Presidente Executivo e Executivo-Chefe de<br />
Operações, Fundação das Nações Unidas<br />
Jean-Marc Châtaigner, Diretor, Departamento de Planejamento<br />
Estratégico, Agência Francesa de Desenvolvimento (até Junho de 2007)<br />
xi
Eric Cornuel, Diretor, Fundação Européia <strong>para</strong><br />
a Gestão do Desenvolvimento<br />
Aron Cramer, Executivo-Chefe de Operações,<br />
Negócio <strong>para</strong> a Responsabilidade Social<br />
Lisa Dreier, Diretora Associada, Instituto Global<br />
<strong>para</strong> Parceria e Governança, Fórum Econômico<br />
Mundial<br />
Shona Grant, Diretora, Área de Foco no<br />
Desenvolvimento, Projeto Meios de Vida<br />
Sustentáveis, Conselho Empresarial Mundial<br />
<strong>para</strong> o Desenvolvimento Sustentável<br />
Stuart Hart, Professor de Administração,<br />
Samuel C. Johnson, Presidente do Centro <strong>para</strong><br />
a Empresa Global Sustentável, Johnson School,<br />
Universidade de Cornell<br />
Adrian Hodges, Diretor de Gestão, Fórum<br />
Internacional de Líderes Empresariais<br />
Bruce Jenks, Assistente do Secretário-Geral e<br />
Diretor, Departamento de Parcerias, Programa<br />
das Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Louise Kantrow, Representante Permanente<br />
das Nações Unidas, Câmara Internacional de<br />
Comércio<br />
Georg Kell, Diretor, Pacto Global das Nações<br />
Unidas<br />
William Kramer, Diretor Representante<br />
(até Agosto de 2007), Instituto de Recursos<br />
Mundiais<br />
Rachel Kyte, Diretora, Departamento de<br />
Desenvolvimento Social e Meio Ambiente,<br />
Corporação Financeira Internacional<br />
Alain Lempereur, Diretor, Instituto de<br />
Pesquisa e Educação em Negociação na<br />
Europa, ESSEC<br />
Ted London, Pesquisador Senior e Diretor,<br />
Iniciativa Base da Pirâmide, Instituto William<br />
Davidson, Universidade de Michigan<br />
Jane Nelson, Membro Senior e Diretora<br />
da Iniciativa de Responsabilidade Social<br />
Corporativa, Escola Harvard Kennedy, e<br />
Diretora de Estratégia, Fórum Internacional<br />
de Líderes Empresariais<br />
Daniel Runde, Diretor (até maio de 2007), e<br />
Jerry O’Brien, Diretor Representante, Aliança<br />
<strong>para</strong> o Desenvolvimento Global, Agência<br />
Norte-Americana <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Internacional<br />
Kasturi Rangan, Malcolm P. McNair<br />
Professor de Marketing e Co-preseidente<br />
da Iniciativa Empresa Social, Escola de<br />
Negócios de Harvard<br />
Harold Rosen, Diretor, Iniciativa Negócios<br />
Populares, Corporação Financeira<br />
Internacional<br />
Michael Warner, Diretor, Programa<br />
<strong>para</strong> o Desempenho Corporativo<br />
e Desenvolvimento, Instituto de<br />
Desenvolvimento Ultramarino (até março de<br />
2008)<br />
David Wheeler, Diretor, Faculdade de<br />
Gestão, Universidade de Dalhousie<br />
Yiping Zhou, Diretor, Unidade Especial de<br />
Cooperação Sul-Sul, Programa das Nações<br />
Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Gostaríamos de prestar homenagem a Robert Davies, o Diretor-Geral do Fórum Internacional<br />
de Líderes Empresariais e membro da Junta Consultiva da Iniciativa Desenvolvendo Mercados<br />
Inclusivos, que faleceu em 18 de agosto de 2007. Robert foi um colega valioso e campeão do<br />
engajamento do PNUD com o setor privado. A iniciativa muito se beneficiou com a sua sabedoria,<br />
apoio e colaboração.<br />
O PNUD também gostaria de agradecer a Chad Bolick (BSR), Sara Carrer (EFMD), Konrad<br />
Eckenschwiller (GC France), Amanda Gardiner (IBLF), Sasha Hurrell (IBLF), Robert Katz (WRI),<br />
Michael Kelly (LPG Foundation), Emmanuelle Lachaussée (AFD), Mark Milstein (Cornell<br />
University), Soren Petersen (GC), Melissa Powell (GC), Tara Rangarajan (BSR), Francisco Simplicio<br />
(SU/SSC), Ross Tennyson (IBLF), Fillipo Veglio (WBCSD) e Jack Whelan (IBLF) pelo apoio<br />
incondicional.<br />
xii<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Após a reunião de março de 2006, os membros da Junta Consultiva<br />
dividiram-se em três equipes de trabalho:<br />
Grupo de Trabalho <strong>para</strong> os Estudos de Caso<br />
Co-diretores: Professor David Wheeler, Diretor da Faculdade de Administração,<br />
Universidade de Dalhousie em Halifax, e o Professor Alain Lempereur, Diretor do<br />
Instituto de Pesquisa e Educação em Negociação na Europa, ESSEC.<br />
Apoiados pela Divisão do Setor Privado do PNUD.<br />
Grupo de Trabalho <strong>para</strong> Dados e Estatísticas<br />
Co-diretores: Professor V. Kasturi Rangan, Malcolm P. McNair, Professor de<br />
Marketing, Escola de Negócios de Harvard, e Eduardo Aninat, Anisal International<br />
Consultants Ltd.<br />
Apoiados pelo Escritório de Estudos em Desenvolvimento do PNUD.<br />
Grupo de Trabalho <strong>para</strong> Comunicação e Expansão<br />
Co-diretores: Jane Nelson, Diretora da Iniciativa <strong>para</strong> Responsabilidade Social<br />
Corporativa, John F. Kennedy School of Government, Universidade de Harvard,<br />
e Eric Cornuel, Diretor Geral e Executivo Principal, Fundação Européia <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento da Gestão<br />
Apoiados pelo Escritório de Comunicação do PNUD.<br />
Autores dos Estudos de Casos<br />
Este relatório não existiria sem a preciosa contribuição dos autores dos estudos de caso:<br />
Farid Baddache, Escola Superior de Ciências<br />
Econômicas e Comerciais (ESSEC), Instituto<br />
de Pesquisa e Educação em Negociação na<br />
Europa (França)<br />
Claudio Boechat, Fundação Dom Cabral<br />
(Brasil)<br />
Juana de Catheu, Escola Superior de Ciências<br />
Econômicas e Comerciais (ESSEC), Instituto<br />
de Pesquisa e Educação em Negociação na<br />
Europa (França)<br />
Pedro Franco, Universidade Del Pacífico<br />
(Peru)<br />
Elvie Grace Ganchero (Filipinas)<br />
Mamadou Gaye, Instituto Africano de<br />
Administração (Senegal)<br />
Dr. Tarek Hatem, Universidade Americana do<br />
Cairo (Egito)<br />
Dr. Prabakar Kothandaraman, Centro de<br />
Pesquisas da Escola de Negócios de Harvard<br />
na Índia (Índia)<br />
Winifred Karugu, Instituto <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento de Recursos Humanos<br />
(Quênia)<br />
Professor Li Ronglin, Instituto Peterson<br />
de Economia Internacional e Centro de<br />
Estudos da Organização Mundial do<br />
Comércio (China)<br />
Robert Osei, Instituto de Estatística Social<br />
e Pesquisa Econômica (Gana)<br />
Melanie Richards, Escola de Graduação em<br />
Negócios Arthur Lock (Trinidad e Tobago)<br />
Boleslaw Rok, Kozminski Academia de<br />
Empreendedorismo e Administração<br />
(Polônia)<br />
Loretta Serrano, Rede de Conhecimento da<br />
Empresa Social do Instituto Tecnológico<br />
de Monterrey (México)<br />
Dr. Shi Donghui, Universidade de Shanghai<br />
(China)<br />
Courtenay Sprague, Escola de Graduação<br />
em Negócios e Administração da<br />
Universidade de Witwatersrand (África do<br />
Sul)<br />
AGRADECIMENTOS<br />
XIII
Contribuidores financeiros<br />
A elaboração deste relatório não teria sido possível sem o apoio financeiro<br />
da Agência Francesa de Desenvolvimento, do governo Japonês e da Agência<br />
Norte-americana <strong>para</strong> o Desenvolvimento Internacional. Merecem uma<br />
menção especial Jean-Marc Châtaigner e Dan Runde, que apoiaram e se<br />
comprometeram com essa iniciativa desde o princípio.<br />
Desenvolvimento do relatório<br />
A iniciativa é especialmente grata ao relatório Desencadeando o<br />
Empreendedorismo, desenvolvido sob a liderança de Paul Martin e<br />
Ernesto Zedillo, com o apoio de Mark Malloch Brown. O Desencadeando<br />
o Empreendedorismo encorajou o PNUD a desenvolver este trabalho. A<br />
iniciativa beneficiou-se com a liderança de Kemal Dervis, Administrador<br />
do PNUD, cujo apoio <strong>para</strong> esse projeto, durante os três últimos anos, tem<br />
sido fundamental. Bruce Jenks, Assistente do Secretário-Geral e Diretor<br />
do Departamento de Parcerias do PNUD, participou da Junta Consultiva e<br />
liderou essa iniciativa desde o seu início.<br />
Este primeiro relatório da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
envolveu diversas divisões dentro do PNUD, todas sob a gestão da Divisão<br />
do Setor Privado, do Departamento de Parcerias do PNUD, e representa um<br />
importante componente da nova Estratégia do Setor Privado.<br />
Grupo gestor sênior do PNUD<br />
O Grupo Gestor Sênior da Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos,<br />
que proveu ampla orientação, é formado por Bruce Jenks, Christian<br />
Thommessen, Pedro Conceição, David Morrison, Sahba Sobhani e Afke<br />
Bootsman. Christian Thommessen, Diretor da Divisão do Setor Privado,<br />
supervisionou o trabalho do Secretariado do Desenvolvendo Mercados<br />
Inclusivos, o qual foi formado <strong>para</strong> liderar o programa de gestão e<br />
implementação da iniciativa, assim como <strong>para</strong> gerir o fluxo de trabalho<br />
dos estudos de caso. Pedro Conceição, Diretor do Escritório de Estudos<br />
em Desenvolvimento, foi quem conduziu o fluxo de trabalho sobre Dados<br />
e Estatísticas. David Morrison, Diretor do Escritório de Comunicação, foi o<br />
responsável pelo trabalho de Comunicação e Expansão.<br />
A iniciativa também beneficiou-se com a parceria da Unidade Especial<br />
de Cooperação Sul-Sul, uma unidade independente da ONU, situada dentro<br />
do PNUD, que apoiou financeiramente a iniciativa sob a liderança do seu<br />
diretor, Yping Zhou.<br />
xiv<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A e q u i p e d o D e s e n v o l v e n d o<br />
M e r c a d o s I n c l u s i v o s<br />
Este relatório foi realizado por uma<br />
dedicada equipe central do PNUD,<br />
incluindo membros da Divisão do Setor<br />
Privado, do Escritório de Estudos em<br />
Desenvolvimento e do Escritório de<br />
Comunicação.<br />
Divisão do Setor Privado<br />
Sahba Sobhani, Gestor do Programa<br />
e Autor Principal do relatório, dirigiu<br />
a equipe da Iniciativa Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos, localizada na Divisão<br />
do Setor Privado do PNUD e composta<br />
pelos seguintes membros:<br />
Secretariado do Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos<br />
Afke Bootsman, Representante do<br />
Gestor do Programa e Coordenador<br />
dos Estudos de Caso<br />
Austine Gasnier, Pesquisadora<br />
Associada<br />
Jan Krutzinna, Consultor em Gestão do<br />
Conhecimento<br />
Patricia Maw, Associada Administrativa<br />
Tracy Zhou, Consultor cedido pela<br />
Unidade Especial <strong>para</strong> a Cooperação<br />
Sul-Sul<br />
Co-autores principais do relatório<br />
Christina Gradl, Universidade Martin<br />
Luther de Halle-Wittenberg<br />
Beth Jenkins, Diretor de Estudos<br />
Políticos, Escola Kennedy Harvard<br />
Kevin McKague, Pesquisador Sênior,<br />
Instituto York de Pesquisa e Inovação<br />
<strong>para</strong> a Sustentabilidade<br />
A assistência de pesquisa em vários estágios<br />
desse trabalho foi fornecida por Semira<br />
Ahdiyyih, Prerna Kapur, Taimur Khilji,<br />
Sana Mostaghim e Suba Sivakumaran. Os<br />
estagiários Alison Laichter, Alia Mahmoud e<br />
Li Yang também estão incluídos.<br />
Escritório de Estudos em Desenvolvimento<br />
O trabalho realizado sobre Dados e<br />
Estatísticas foi liderado por Ronald<br />
Mendoza, Gestor do Projeto, e os<br />
colaboradores Namsuk Kim, economista, e<br />
Nina Thelen, Pesquisadora Associada.<br />
Escritório de comunicação<br />
Os colegas do Escritório de Comunicação<br />
que contribuíram <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
do website, da produção do relatório e das<br />
atividades de comunicação foram Benjamin<br />
Craft, Escritor; Nicholas Douillet, Gestor<br />
do conteúdo na internet; Françoise Gerber,<br />
Coordenadora da Equipe de Comunicação<br />
Externa; Carmen Higa, Assistente<br />
Executiva; Rajeswary Iruthayanathan,<br />
Diretor de Serviços de Comunicação;<br />
Maureen Lynch, Gestora de Produtos de<br />
Comunicação; Boaz Paldi, Especialista de<br />
Teledifusão; Nicole Pierron, Assistente de<br />
Comunicação; Rositsa Todorova, Assistente<br />
do Diretor; e Cassandra Waldon, Diretora de<br />
Comunicação Externa.<br />
Revisores dos Estudos de casos<br />
Jane Comeault, Pesquisadora Visitante,<br />
Universidade de Dalhousie<br />
Editores<br />
Bruce Ross-Larson e Nick Moschovakis.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
XV
Leitores e Especialistas<br />
O conteúdo deste relatório foi aprimorado<br />
pela participação inestimável de vários<br />
leitores e especialistas que generosamente<br />
cederam o seu tempo e conhecimento <strong>para</strong><br />
ajudar a moldar a nossa forma de pensar:<br />
Nava Ashraf, Escola de Negócios de<br />
Harvard<br />
George Dragnich, Departamento de<br />
Estado dos Estados Unidos<br />
Martin Hall, Universidade de Cape<br />
Town<br />
Michael Henriques, Organização<br />
Internacional do Trabalho<br />
Martin Herrndorf, Universidade de St.<br />
Gallen<br />
Matt Humbaugh, Presidio Union, LLC<br />
Aline Krämer, Technische Universität<br />
München<br />
Wilfried Lütkenhorst, Programa das<br />
Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Industrial<br />
Jörg Meyer-Stamer, Mesopartner<br />
Prof. Ingo Pies, Universidade Martin<br />
Luther de Halle-Wittenberg<br />
Julia Steets, Instituto Global de Política<br />
Pública<br />
Eric Werker, Escola de Negócios de<br />
Harvard<br />
Pierre Yared, Escola de Negócios<br />
Columbia<br />
O Grupo de Trabalho sobre Dados e<br />
Estatísticas, sob a liderança do Embaixador<br />
Eduardo Aninat e do Professor V. K.<br />
Rangan, gostaria de agradecer aos<br />
participantes da reunião do grupo<br />
especializado em mercado e pobreza,<br />
realizado em Nova York em dezembro<br />
de 2006, incluindo Pablo Acosta, José<br />
De Luna Martínez, Carlos Linares,<br />
Illana Melzer, Jordan Schwartz, Daniel<br />
Shepherd e Nikola Spatafora. Gostaria<br />
ainda de agradecer aos colaboradores<br />
externos de várias agências da ONU,<br />
internacionais e do meio acadêmico,<br />
incluindo Annie Bertrand, Adriana<br />
Conconi, Lorant Czaran, Paola Deles,<br />
Maitreesh Ghatak, Celine Kauffmann,<br />
Inge Kaul, Branko Milanovic,<br />
Maria Minniti, Ria Moothilal, Liana<br />
Razafindrazay, Mark Schreiner, Balkissa<br />
Sidikou-Sow e Luis Tejerina. Além<br />
desses, também devemos agradecer<br />
a Zeynep Akalin, Christine Yeonhee<br />
Kim, Monica Lo e Brandon Vick por<br />
fornecerem excelente assistência<br />
de pesquisa, bem como aos nossos<br />
colegas do Escritório de Estudos em<br />
Desenvolvimento do PNUD pelos seus<br />
comentários e sugestões.<br />
A Equipe do Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos gostaria de<br />
agradecer a David Wheeler, Co-Diretor<br />
do Grupo de Trabalho dos Estudos de<br />
Caso, por sua excepcional liderança,<br />
incluindo a organização do Case<br />
Studies Workshop realizado em Paris. A<br />
iniciativa muito se beneficiou com a sua<br />
idéia visionária de organizar uma rede<br />
de contatos entre acadêmicos de países<br />
em desenvolvimento <strong>para</strong> conduzirem<br />
pesquisas <strong>para</strong> os estudos de caso. A<br />
Equipe também gostaria de agradecer<br />
a Ted London, Diretor da Iniciativa<br />
Base da Pirâmide, do Instituto William<br />
Davidson, Universidade de Michigan,<br />
pelo seu relatório preliminar ‘A Baseof-the-Pyramid<br />
Perspective on Poverty<br />
Alleviation’.<br />
xvi<br />
CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
PNUD<br />
Um Grupo de Leitores formado por<br />
colegas, dentro do PNUD, forneceu<br />
muitos comentários, sugestões e<br />
contribuições úteis durante a redação do<br />
relatório. Mencionamos especialmente<br />
os colegas:<br />
Flavio Fuertes, PNUD Argentina<br />
Alejandro Pacheco, PNUD El<br />
Salvador<br />
Mohamed El-Kalla e Nahla Zeitoun,<br />
PNUD Egito<br />
Jeff Liew, PNUD Fiji<br />
Hansin Dogan, PNUD Turquia<br />
Pascale Bonzom, PNUD Madagascar<br />
Muitos membros da grande família<br />
das Nações Unidas ofereceram seu<br />
tempo e conhecimento, incluindo Olav<br />
Kjorven, Diretor do Departamento<br />
<strong>para</strong> Políticas de Desenvolvimento e os<br />
seus colaboradores; Gilbert Houngbo,<br />
Diretor do Departamento Regional <strong>para</strong><br />
a África; Diana Opar, Gender Adviser;<br />
Cihan Sultanoglu, Diretor Representante<br />
do Departamento Regional <strong>para</strong> a<br />
Europa e CEI; Abdoulaye Mar Dieye,<br />
Diretor Representante do Departamento<br />
Regional <strong>para</strong> os Estados Árabes;<br />
Maxine Olsen, e várias pessoas-chave<br />
<strong>para</strong> o setor privado na esfera regional,<br />
incluindo Taimur Khilji, Marielza<br />
Oliveira e Alexandra Solovieva. Colegas<br />
da Divisão do Setor Privado também<br />
incluem Lucas Black, Jonathan Brooks,<br />
Anne Delorme, Natsagdorj Gereltogtokh,<br />
Jonas Giersing, Arun Kashyap, José<br />
Medina Valle, Karolina Mzyk, Helena<br />
Nielsen, Rohithari Rajan, Patrick Silborn,<br />
Casper Sonesson, e Tomas Sales.<br />
O Departamento de Parcerias, sob<br />
a orientação de Romesh Muttukumaru,<br />
Representante do Assistente<br />
Administrativo e Representante do<br />
Diretor, e a administração de Yves<br />
Sassenrath, Gestor de Operações,<br />
ofereceu apoio constante <strong>para</strong> o projeto<br />
e contou com o trabalho de Isabel Chang,<br />
Constancia Gratil, Margaret Heymann,<br />
Elfrida Hoxholli, Sunda May, Isabel<br />
Relevo, Ben Ombrete e Ricky<br />
Wong.<br />
Editoração, design e produção<br />
Por fim, agradecemos profundamente a <strong>todos</strong> aqueles que nos ajudaram com a<br />
editoração, produção e tradução, trabalhando com prazos muito curtos: Bruce<br />
Ross-Larson, Nick Moschovakis, Amye Kenall e Christopher Trott, Communications<br />
Development Inc.; Heather Bourbeau, James Cerqua, Jean Fabre, Karen Sturges-<br />
Vera e Dorn Townsend; Julia Dudnik Stern e a sua equipe da Suazion; Fola Yahaya,<br />
Maria Janum, Véronique Litet, Florence Lesur, Francine Hatry-McCaffery, Sylvia Zilly,<br />
Géraldine Chantegrel e Annelise Meyer da Strategic Agenda; Irene Alvear e a sua<br />
equipe da LTS Language Translation Services; e Dennis Lundø Nielsen e a sua equipe<br />
da Scanprint. Agradecemos também a Adam Rogers, Julie Pudlowski, Grégoire Guyon,<br />
Rob Katz, Mariko Tada e Caroline Dewing, por fornecerem as fotos <strong>para</strong> o relatório.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
XVII
V i s ã o<br />
Geral<br />
N e g ó c i o s c o m o s<br />
p o b r e s – c r i a n d o<br />
<strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
Mali: Produtores de algodão<br />
de uma comunidade rural<br />
pobre, envolvidos com o<br />
comércio justo, estão obtendo<br />
rendas mais elevadas.<br />
Comprando deles, as empresas<br />
estão obtendo vantagens<br />
competitivas ao mesmo tempo<br />
em que protegem o meio<br />
ambiente.<br />
Foto: Armor-Lux<br />
O grande predomínio da miséria no mundo de hoje nos<br />
conclama urgentemente a agir. Dos 6,4 bilhões de habitantes no mundo, cerca<br />
de 2,6 bilhões vivem com menos de US$ 2 por dia. 1 Mais de um bilhão não têm<br />
água encanada, 1,6 bilhões não têm eletricidade, 2 e 5,4 bilhões não têm acesso à<br />
Internet. 3 Ainda assim, os pobres acumulam um potencial de consumo, produção,<br />
inovação e atividade empreendedora que é muito pouco aproveitado. Este relatório<br />
mostra como os empreendedores podem ajudar os pobres tornando-os clientes e<br />
consumidores, e incluindo-os como produtores, empregados e donos de negócios.<br />
O relatório oferece ainda vários exemplos de empresas que – fazendo negócios<br />
com os pobres – estão gerando lucro, <strong>criando</strong> novos potenciais de crescimento e<br />
melhorando a vida dessas pessoas. A principal mensagem do relatório é: negócios<br />
com os pobres podem gerar <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong>.<br />
Assim como as oportunidades, os obstáculos também são muitos. Vilarejos<br />
rurais e favelas urbanas são ambientes desafiadores <strong>para</strong> se fazer negócios.<br />
Raramente existem sistemas de cobrança e entrega de bens e de prestação de<br />
serviços. Infra-estruturas essenciais ao mercado são limitadas ou inexistentes.<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
1
Quadro 1. O que são modelos<br />
de negócios inclusivos<br />
Os Modelos<br />
de negócios<br />
inclusivos<br />
envolvem os pobres no processo de<br />
desenvolvimento econômico no âmbito da<br />
demanda, como clientes e consumidores, e no<br />
âmbito da oferta, como empregados, produtores<br />
e donos de negócios em vários pontos das<br />
cadeias de valor. Eles estabelecem elos entre os<br />
negócios e a população pobre, gerando uma<br />
relação de benefício mútuo.<br />
Os benefícios decorrentes dos modelos<br />
de negócios inclusivos vão além de lucros<br />
imediatos e rendas altas. Para os empresários,<br />
eles trazem inovações, criação de novos<br />
mercados e fortalecimento de canais de oferta.<br />
Para os pobres, eles geram maior produtividade,<br />
rendas sustentáveis e capacitação.<br />
Com a sua concepção baseada no trabalho<br />
do Conselho Empresarial Mundial <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Sustentável, este relatório visa<br />
reforçar as iniciativas desta e de outras entidades<br />
que se interessam por negócios inclusivos.<br />
Sem sistemas financeiros funcionais, os<br />
pobres operam apenas em uma economia de<br />
dinheiro vivo. Sem policiamento e sistemas<br />
legais confiáveis, é difícil ou impossível fazer<br />
valer contratos. Para a maioria das empresas,<br />
negociar com os pobres não é uma transação<br />
como outra qualquer.<br />
Possivelmente, o maior obstáculo<br />
seja a falta de informação a respeito dos<br />
pobres. Quais são os bens e serviços de que<br />
necessitam Quanto podem pagar por eles<br />
Quais bens ou serviços eles poderiam produzir<br />
e fornecer O objetivo deste relatório é ajudar<br />
os empresários e as empresas a responder a<br />
interrogações como essas.<br />
O relatório vale-se de 50 estudos de caso<br />
especialmente comissionados sobre negócios<br />
que, apesar dos obstáculos, incluíram os<br />
pobres de forma bem-sucedida e geraram<br />
valor <strong>para</strong> <strong>todos</strong>. Esses casos oferecem uma<br />
gama de idéias <strong>para</strong> modelos de negócios<br />
inclusivos (Quadro 1).<br />
Oportunidades de criação de<br />
<strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
Fazer negócios com os pobres os traz <strong>para</strong> o mercado – um passo crucial no<br />
caminho <strong>para</strong> acabar com a miséria – e, <strong>para</strong> os empresários e firmas traz inovação,<br />
constrói mercados e gera novas oportunidades de crescimento. Modelos de negócios<br />
inclusivos tanto produzem quanto colhem os benefícios do desenvolvimento humano.<br />
Os pobres participam do setor privado. Todos são consumidores. A maioria é<br />
empregada ou autônoma. Mesmo nessa situação, mercados informais fragmentados<br />
impedem que muitas pessoas obtenham os recursos de que necessitam e os<br />
utilizem de forma produtiva. Entre os menos favorecidos, muitos dos negócios são<br />
informais. Amigos e famílias muitas vezes fornecem crédito. Negócios pequenos<br />
e sem regulamentação não raro entregam água engarrafada em caminhões.<br />
Conseqüentemente, a competição fica prejudicada e bens e serviços acabam ficando<br />
muito caros.<br />
Mapas gráficos de mercado revelam a fragmentação desses mercados. Eles<br />
mostram a enorme variação de acesso a bens, serviços e infra-estrutura dentro de um<br />
mesmo país. Na região oeste da Guatemala, por exemplo, mais de 13% das pessoas<br />
que vivem com menos de $2 por dia têm acesso a crédito, mas na região leste, menos<br />
de 8% possui essa facilidade (figura 1). Esse contraste demonstra outras diferenças<br />
entre as condições de mercado das duas áreas, como é o caso das diferenças<br />
no acesso a estradas. (Em mercados pobres, esses impedimentos normalmente<br />
sobrepõem-se, aumentando ainda mais os desafios <strong>para</strong> as empresas.)<br />
2 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 1. Mapa<br />
gráfico do mercado<br />
<strong>para</strong> o acesso<br />
ao crédito na<br />
Guatemala.<br />
Média de famílias vivendo com menos de<br />
$2 por dia, que tem acesso a crédito, por<br />
região, 2000 (%)<br />
Fontes de crédito disponíveis <strong>para</strong> famílias<br />
vivendo com menos de $2 por dia, 2000 (%)<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Fonte: Instituto Nacional de Estatística da Guatemala.<br />
Mapa produzido por OCHA ReliefWeb.<br />
Sem crédito<br />
Dono de loja, aldeão,<br />
membro da família ou<br />
amigo, outros<br />
Concessor de<br />
empréstimo, instituição<br />
de microcrédito,<br />
cooperativa de crédito<br />
Banco<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
3
O p o r t u n i d a d e s p a r a a s e m p r e s a s :<br />
rentabilidade e crescimento<br />
Os negócios com os pobres podem ser rentáveis.<br />
Mais do que isso, eles podem estabelecer as bases<br />
de um crescimento de longo prazo através do<br />
desenvolvimento de novos mercados e inovações,<br />
com uma demanda crescente por mão-de-obra e<br />
o fortalecimento das cadeias de valor.<br />
Gerando lucros. Negociar com os pobres<br />
pode, em alguns casos, produzir taxas de retorno<br />
mais altas do que investimentos em mercados<br />
já estabelecidos. Algumas instituições de<br />
microcrédito têm obtido mais de 23% de retorno<br />
em patrimônio líquido. A Smart Communications,<br />
uma companhia que fornece serviços de telefonia<br />
pré-paga principalmente <strong>para</strong> consumidores<br />
de baixa renda nas Filipinas, tornou-se a mais<br />
lucrativa das 5.000 maiores corporações do país.<br />
A Sulabh, um provedor de sistemas sanitários<br />
de baixo custo na Índia, teve um superávit<br />
econômico de $5 milhões em 2005.<br />
Desenvolvendo novos mercados. As 4<br />
bilhões de pessoas situadas na base da pirâmide<br />
de renda (definidas como aqueles que ganham<br />
menos de $8 por dia) têm uma renda combinada<br />
de aproximadamente $5 trilhões, o que equivale<br />
à renda bruta nacional do Japão. 5 Elas estão<br />
dispostas a pagar por bens e serviços, e têm<br />
capacidade <strong>para</strong> tal, mas geralmente sofrem<br />
com o “castigo da pobreza”. Freqüentemente,<br />
os pobres precisam pagar mais do que<br />
consumidores ricos por produtos e serviços<br />
essenciais. Os moradores das favelas de Jacarta,<br />
Manila e Nairóbi pagam de 5 a 10 vezes mais<br />
<strong>para</strong> terem água do que moradores das áreas<br />
de alta renda dessas cidades – e mais do que<br />
os consumidores de Londres ou Nova York. “O<br />
castigo da pobreza” é o mesmo em relação a<br />
crédito, eletricidade e serviços de saúde. 6<br />
Conseqüentemente, modelos de negócios que<br />
valorizem melhor o dinheiro dos pobres – ou<br />
produtos e serviços inovadores que melhorem<br />
suas vidas – podem render lucros inusitados.<br />
Promovendo a inovação. O desafio de<br />
desenvolver modelos de negócios inclusivos<br />
pode levar a inovações que contribuem <strong>para</strong> a<br />
competitividade de uma empresa. Por exemplo,<br />
<strong>para</strong> atender às preferências e necessidades<br />
dos pobres, as companhias devem oferecer<br />
novas combinações de preço e desempenho.<br />
Além disso, as várias restrições que as<br />
empresas encontram ao fazer negócios com os<br />
pobres – desde dificuldades de transporte até<br />
a incapacidade de validar contratos – exigem<br />
respostas criativas. Esses obstáculos conduzem<br />
ao desenvolvimento de novos produtos,<br />
serviços e modelos de negócios que podem ser<br />
amplamente replicados em outros mercados,<br />
dando a empresas inovadoras uma vantagem<br />
competitiva nos mercados menos favorecidos.<br />
Expandindo a reserva de mão-de-obra.<br />
Os pobres são uma enorme fonte de mão-deobra.<br />
As vantagens em contratá-los vão além<br />
da economia nos custos. Com treinamento<br />
adequado e um marketing bem direcionado, os<br />
pobres podem oferecer produtos e serviços de<br />
alta qualidade. Além disso, o seu conhecimento<br />
sobre a própria comunidade e a sua rede de<br />
contatos locais, pode dar-lhes uma vantagem ao<br />
servir outros consumidores pobres.<br />
Fortalecendo a cadeia de valor. Para<br />
empresas que contratam localmente, incorporar<br />
os pobres na cadeia de valor dos negócios –<br />
como produtores, fornecedores, distribuidores,<br />
varejistas e franqueados – pode expandir a<br />
oferta e diminuir os riscos. Isso permite ainda a<br />
redução de custos e o aumento da flexibilidade,<br />
sobretudo na medida em que os negócios locais<br />
se tornam atividades mais especializadas e<br />
que exigem mais habilidades, como é o caso<br />
da produção de componentes e do setor de<br />
serviços.<br />
O p o r t u n i d a d e s p a r a o s p o b r e s :<br />
promoção do desenvolvimento humano<br />
Os negócios também podem proporcionar uma vida melhor aos pobres, contribuindo em grande<br />
escala <strong>para</strong> o que a ONU denomina de “desenvolvimento humano” – expandindo as oportunidades<br />
das pessoas <strong>para</strong> que tenham qualidade de vida.<br />
Atendendo às necessidades básicas. Comida, água potável, saneamento básico, eletricidade e<br />
serviços de saúde, são itens essenciais <strong>para</strong> a vida. Nas Filipinas, a RiteMed vende medicamentos<br />
genéricos <strong>para</strong> mais de 20 milhões de clientes de baixa renda a preços que variam de 20% a 75%<br />
menos do que medicamentos de marca.<br />
4 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Guiné: A melhora na infra-estrutura de transporte<br />
permitirá que os pobres se tornem mais produtivos.<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
Na África do Sul, a Amanz’abantu fornece<br />
água limpa e saneamento <strong>para</strong> populações da<br />
periferia e das áreas rurais no Cabo Oriental,<br />
onde um quarto da população não tem acesso<br />
à água potável.<br />
Tornando os pobres mais produtivos. O<br />
acesso a produtos e serviços – de eletricidade<br />
à telefonia móvel, de equipamentos<br />
agrícolas ao crédito e seguros – melhora a<br />
produtividade das pessoas. No México, a<br />
Amanco fornece a pequenos produtores de<br />
limão sistemas de irrigação de baixo consumo<br />
de água que permitem a produção contínua,<br />
durante 8-10 meses por ano. Espera-se<br />
que esses sistemas permitam o aumento<br />
da colheita dos fazendeiros de 9 <strong>para</strong> 25<br />
toneladas por hectare. No Marrocos, a Lydec<br />
fornece água e eletricidade nas favelas de<br />
Casablanca, aumentando em 20% a média de<br />
pessoas com acesso a esses serviços.<br />
Aumentando as rendas. A inclusão<br />
dos pobres em cadeias de valor, como<br />
consumidores, empregados, produtores<br />
e donos de pequenos negócios, pode<br />
desencadear o aumento de suas rendas.<br />
No caso da Amanco, no México, esperase<br />
que os aumentos de produtividade<br />
tripliquem a renda nas propriedades rurais.<br />
Na China, a Huatai fornece fontes de renda<br />
alternativas <strong>para</strong> os madeireiros locais e<br />
incrementa de forma significativa a renda de<br />
aproximadamente 6.000 famílias rurais. Na<br />
Tanzânia, a A to Z Textiles emprega 3.200<br />
pessoas (sendo 90% delas mulheres) na<br />
produção de redes de dormir tratadas contra<br />
insetos e paga a elas um salário que chega a<br />
ser de 20 a 30% mais alto do que o mesmo<br />
pago por seus competidores.<br />
Capacitando os pobres. Todas essas<br />
contribuições apóiam a capacitação<br />
dos menos favorecidos, individual e<br />
coletivamente, <strong>para</strong> que obtenham<br />
maior autonomia sobre suas vidas.<br />
Aumentando a conscientização, oferecendo<br />
informação e treinamento, incluindo<br />
grupos marginalizados, oferecendo novas<br />
oportunidades e promovendo esperança e<br />
orgulho, os modelos de negócios inclusivos<br />
podem dar a confiança e motivação<br />
necessárias <strong>para</strong> que essas pessoas saiam da<br />
miséria pelos seus próprios meios.<br />
O b s t á c u l o s n o<br />
caminho<br />
Com tamanhas oportunidades, por que a<br />
maioria das empresas não tira proveito<br />
delas Simplesmente porque as condições<br />
de mercado que cercam os pobres podem<br />
tornar os negócios uma tarefa difícil,<br />
arriscada e cara. Onde a miséria prevalece,<br />
as bases <strong>para</strong> um mercado funcional muitas<br />
vezes não existem, impedindo os pobres<br />
de participarem de forma significativa e<br />
apresentando obstáculos às empresas que<br />
desejam fazer negócios com eles.<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
5
Os estudos de caso presentes neste relatório<br />
identificam cinco grandes obstáculos:<br />
Informação de mercado limitada.<br />
As empresas sabem muito pouco a respeito<br />
dos pobres – o que eles preferem, quanto<br />
podem pagar e o que têm a oferecer como<br />
empregados, produtores e donos de negócio.<br />
Essa foi uma das grandes restrições de mercado<br />
que ocorreu quando o Barclays Bank começou<br />
a oferecer produtos financeiros aos pobres de<br />
Gana.<br />
Ambiente regulatório ineficiente.<br />
Os mercados menos favorecidos carecem<br />
de estruturas reguladoras que permitam<br />
o funcionamento dos negócios. Regras e<br />
contratos não são cumpridos. Pessoas e<br />
empresas não têm acesso a oportunidades<br />
e proteções que um sistema legal funcional<br />
oferece. A Sadia, por exemplo, uma empresa<br />
de processamento de alimentos, enfrentou<br />
regulamentações obsoletas do mercado<br />
doméstico de créditos de carbono quando<br />
começou a utilizar mé<strong>todos</strong> ambientais mais<br />
eficientes <strong>para</strong> o descarte de dejetos suínos.<br />
Infra-estrutura física inadequada.<br />
Quando o transporte é restringido pela<br />
falta de estradas e infra-estrutura de apoio,<br />
redes de fornecimento de água, eletricidade,<br />
saneamento e telecomunicações não podem<br />
existir. Contudo, temos exemplos como o de<br />
um fabricante de computadores, a Tsinghua<br />
Tongfang, que, querendo distribuir o seu<br />
produto na área rural chinesa, teve de superar<br />
a falta de infra-estrutura de telecomunicações<br />
e de provedoras de acesso à internet.<br />
Falta de conhecimento e habilidades.<br />
Consumidores pobres podem não conhecer<br />
a utilidade e os benefícios de determinados<br />
produtos, ou então, podem não saber como<br />
utilizá-los de forma eficaz. Fornecedores,<br />
distribuidores e varejistas pobres podem<br />
não ter o conhecimento e a habilidade<br />
necessárias <strong>para</strong> oferecer produtos e serviços<br />
de qualidade de forma eficiente, no prazo e<br />
preço estabelecidos. Foi nesse contexto que a<br />
Natura, no Brasil, precisou treinar produtores<br />
rurais locais – que não sabiam como cultivar a<br />
priprioca, uma planta usada na fabricação de<br />
perfumes.<br />
Acesso restrito a produtos e serviços<br />
financeiros.<br />
Sem crédito, produtores e consumidores<br />
pobres não podem financiar investimentos ou<br />
compras de grande importância. Sem seguros,<br />
eles não conseguem proteger as suas poucas<br />
posses ou prevenir-se de intempéries como<br />
doenças, secas ou roubos. Na ausência de<br />
serviços bancários, financiamentos também<br />
são inseguros e caros.<br />
Cinco estratégias que funcionam<br />
Apesar desses desafios, um número crescente<br />
de negócios opera com sucesso em mercados<br />
pobres. Os exemplos apresentados neste relatório<br />
abrangem uma vasta gama de países e indústrias.<br />
Cada negócio exemplificado desenvolveu um<br />
conjunto de soluções específicas, permitindo<br />
o sucesso dentro do seu contexto local e de<br />
acordo com os seus objetivos. Os estudos de<br />
caso também revelam padrões comuns. Os<br />
empreendedores respondem aos obstáculos<br />
contornando-os ou eliminando-os. Para isso, eles<br />
se utilizam de cinco estratégias básicas: adaptação<br />
de produtos e processos, foco na remoção<br />
das restrições de mercado, fortalecimento do<br />
potencial dos pobres, combinação de recursos<br />
e capacidades com outras instituições e<br />
engajamento no diálogo político com o governo.<br />
Cada uma dessas estratégias depende do<br />
contexto local e dos objetivos das empresas.<br />
O ingrediente fundamental adicionado é: a<br />
criatividade do empresário. O relatório apresenta<br />
ferramentas e exemplos <strong>para</strong> estimular essa<br />
criatividade, destacando obstáculos, estratégias e<br />
soluções específicas <strong>para</strong> o desenvolvimento de<br />
modelos de negócios inclusivos.<br />
A matriz estratégica do Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos relaciona os cinco grandes<br />
obstáculos com as cinco estratégias básicas<br />
(figura 2), mostrando como essas estratégias<br />
são mais freqüentemente aplicadas: as<br />
destacadas em azul escuro são as mais usadas,<br />
as que estão em azul claro, apenas raramente.<br />
A matriz estratégica pode ajudar<br />
empreendedores e analistas a buscar soluções<br />
possíveis <strong>para</strong> os obstáculos que enfrentam.<br />
É importante notar que modelos de negócios<br />
inclusivos bem-sucedidos, geralmente,<br />
combinam várias estratégias <strong>para</strong> enfrentar<br />
vários obstáculos. Para se chegar a estratégias<br />
abrangentes ou mesmo a soluções bem<br />
específicas, deve-se não apenas identificar as<br />
restrições locais, mas também compreender<br />
as suas dinâmicas dentro do mercado –<br />
possibilitando a constituição de um modelo de<br />
negócio a partir de potencialidades específicas<br />
de um determinado mercado.<br />
6 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Adaptação de produtos e processos.<br />
Muitos empreendedores contornam as<br />
restrições de um mercado adaptando os<br />
produtos e processos do seu negócio.<br />
Tecnologias de informação e comunicação<br />
criaram possibilidades <strong>para</strong> muitas dessas<br />
adaptações, incluindo serviços bancários<br />
móveis, cartões inteligentes (como os usados na<br />
África <strong>para</strong> a compra de água) e tele-medicina,<br />
que proporciona serviços de saúde de qualidade<br />
<strong>para</strong> áreas remotas. O banco móvel (m-banking)<br />
liberou os processos bancários de agências<br />
físicas e automatizou os caixas eletrônicos, um<br />
tipo de infra-estrutura rara em locais pobres. Os<br />
clientes podem agora enviar dinheiro, receber<br />
remessas, pagar por compras e serviços, tudo<br />
através dos seus telefones celulares. Empresas<br />
também estão usando outras tecnologias <strong>para</strong> a<br />
purificação de água e produção de eletricidade<br />
independente <strong>para</strong> superar obstáculos em<br />
indústrias que atendem às necessidades<br />
básicas. Algumas abordagens tecnológicas<br />
inovadoras estão, inclusive, reduzindo o uso<br />
de recursos naturais – combinando o objetivo<br />
do desenvolvimento humano com o da<br />
sustentabilidade ambiental.<br />
A reestruturação de processos de negócios<br />
pode ser tão importante quanto o uso de novas<br />
tecnologias. A disseminação global da telefonia,<br />
por exemplo, é impulsionada pela tecnologia<br />
sem fio. Mas trazer serviços de telefonia móvel<br />
<strong>para</strong> comunidades pobres vem dependendo, em<br />
parte, de uma mudança no processo do negócio<br />
– a mudança de planos de contas pós-pagas<br />
<strong>para</strong> cartões pré-pagos. Com o pagamento<br />
“inteligente” e mé<strong>todos</strong> de preços, um modelo de<br />
negócio inclusivo pode se adequar às condições<br />
de clientes e fornecedores que enfrentam<br />
problemas de renda baixa e incerta, e de falta de<br />
acesso a serviços financeiros. Da mesma forma,<br />
fornecer infra-estrutura <strong>para</strong> um grupo diminui<br />
o custo individual <strong>para</strong> famílias de baixa renda.<br />
Simplificar exigências – tornando os produtos e<br />
serviços mais fáceis de usar, ou exigindo menos<br />
documentação – também é uma boa resposta à<br />
insuficiência de conhecimento e habilidades dos<br />
pobres, e à sua exclusão dos registros formais.<br />
Investimento na remoção das restrições de<br />
mercado.<br />
Embora a remoção das restrições de mercado<br />
possa ser considerada um dever do governo,<br />
empresas com modelos de negócios inclusivos<br />
muitas vezes precisam realizar essa tarefa por<br />
conta própria. Investir na remoção de restrições<br />
pode ser rentável quando cria – ou contribui<br />
<strong>para</strong> criar – <strong>valores</strong> tangíveis, assegurando<br />
benefícios suficientes <strong>para</strong> a empresa.<br />
A Denmor produz artigos têxteis na Guiana,<br />
principalmente de exportação <strong>para</strong> os Estados<br />
Unidos. A sua proposição essencial de valor é a<br />
flexibilidade: ela pode produzir vestuário de alta<br />
qualidade em pequenas quantidades e entregálas<br />
rapidamente. A empresa emprega 1.000<br />
pessoas, quase todas mulheres de comunidades<br />
rurais pobres. Muitas não sabiam ler ou escrever<br />
quando começaram a trabalhar na companhia.<br />
A Denmor as ensinou pelo menos o suficiente<br />
<strong>para</strong> que pudessem escrever seus nomes, contar<br />
e ler etiquetas e especificações de vestimentas.<br />
Os empregados têm treinamento diversificado<br />
<strong>para</strong> que cada um deles possa atuar em <strong>todos</strong> os<br />
estágios da produção e <strong>todos</strong> possam atender<br />
melhor a encomendas e prazos apertados. A<br />
Denmor também treina as mulheres sobre<br />
temas de saúde e higiene, e <strong>para</strong> a capacitação<br />
pessoal. Investimentos desse tipo, voltados <strong>para</strong><br />
a remoção de restrições – de conhecimento,<br />
habilidades, infra-estrutura ou acesso a produtos<br />
e serviços financeiros – criam, além dos <strong>valores</strong><br />
tangíveis e imediatos, <strong>valores</strong> intangíveis e de<br />
longo prazo <strong>para</strong> a construção da imagem da<br />
marca, <strong>para</strong> o moral dos funcionários, <strong>para</strong> a<br />
reputação corporativa e o desenvolvimento<br />
de novas capacidades que fortalecem a<br />
competitividade. Tais investimentos podem,<br />
dessa forma, ser altamente rentáveis.<br />
Além de criar valor <strong>para</strong> a empresa, investir<br />
na remoção de restrições de mercado também<br />
cria um valor público. Por exemplo, ao educar<br />
e treinar seus funcionários, a empresa cria<br />
uma força de trabalho mais capacitada – um<br />
recurso compartilhado na medida em que os<br />
trabalhadores vão <strong>para</strong> novos empregos e<br />
firmas.<br />
Esse valor social agregado abre portas <strong>para</strong><br />
o compartilhamento de custos com fontes<br />
de financiamento voltadas <strong>para</strong> o bem-estar<br />
social. Tais fontes – as quais podem abranger<br />
organismos internacionais, instituições<br />
filantrópicas, fundos de investimento social e<br />
governos – habilitam o setor privado a dividir<br />
os custos da geração de valor social de três<br />
maneiras: através de subvenções, redução de<br />
custos e “patient capital”. 7<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
7
Figura 2. Matriz<br />
estratégica da Iniciativa<br />
Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos<br />
Adaptação<br />
de produtos<br />
e processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação<br />
de mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
obstáculos<br />
Infraestrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Nota: As áreas em azul escuro indicam as combinações obstáculo-estratégia encontradas em mais de um em quatro casos onde a restrição aparece. As áreas<br />
em azul mesclado indicam as combinações encontradas em menos de um <strong>para</strong> cada quatro, mas mais de 1 em 10 casos onde o obstáculo aparece. As áreas<br />
em azul claro indicam as combinações encontradas em menos de 1 em 10 casos onde o obstáculo aparece.<br />
Fonte: Análises do autor sobre os dados, como descrito no texto.<br />
Fortalecimento do potencial dos pobres.<br />
Muitas vezes, os pobres são os parceiros<br />
mais importantes de um modelo de negócios<br />
inclusivo. Ao engajá-los como intermediários<br />
e atuar na esfera de suas redes sociais,<br />
uma firma pode aumentar o seu acesso,<br />
confiança e responsabilidade em relação a<br />
eles. Essas qualidades ajudam as empresas<br />
a cultivarem mercados e expandirem a<br />
sua participação nas cadeias de valor. Um<br />
dos modelos que contribui <strong>para</strong> engajar<br />
os pobres nas operações de vendas é o de<br />
microfranquias: um exemplo é o CFW, um<br />
sistema de microfranquias de farmácias e<br />
clínicas no Quênia. Os franqueados são, na<br />
maioria, enfermeiros ou outros trabalhadores<br />
da área de saúde, provenientes das próprias<br />
comunidades que se beneficiam com as<br />
franquias. O fornecedor das franquias,<br />
a Sustainable Healthcare Foundation,<br />
apóia os franqueados com estoques<br />
de medicamentos de boa qualidade,<br />
financiamento inicial, desenvolvimento<br />
profissional contínuo e outros serviços<br />
centrais, enquanto os franqueados operam<br />
as lojas por conta própria.<br />
Ao empregar os pobres <strong>para</strong> colher<br />
informações de mercado, fazer entregas,<br />
cobranças e a manutenção de produtos,<br />
podendo ainda contratá-los <strong>para</strong> treinar<br />
pessoas, as empresas conquistam<br />
conhecimento e confiança local – dois<br />
atributos importantes <strong>para</strong> se fazerem<br />
negócios em comunidades carentes.<br />
Além disso, os pobres geralmente têm as<br />
melhores idéias <strong>para</strong> a criação de novos<br />
produtos e serviços que atendam às<br />
necessidades de outros consumidores de<br />
baixa renda.<br />
8 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Em geral, quando os pobres começam a realizar<br />
tarefas dentro de um modelo de negócio, os<br />
custos de transação <strong>para</strong> as empresas diminuem –<br />
ao mesmo tempo em que os pobres se beneficiam<br />
com aumento de renda, conhecimento,<br />
capacitação e posição social.<br />
Para alavancar o potencial dos pobres, é<br />
necessário atuar por meio de suas redes sociais.<br />
Uma comunidade é mais do que a soma de suas<br />
partes. Onde impera a miséria, leis formais e<br />
regulamentações, freqüentemente, são menos<br />
eficazes do que as regras informais impostas pela<br />
comunidade. Tais regras podem tornar viáveis os<br />
modelos de negócios inclusivos. Uma comunidade<br />
pode ajudar os seus membros a se ajudarem<br />
mutuamente – por exemplo, compartilhando<br />
recursos, cooperando <strong>para</strong> fornecer bens comuns<br />
(como poços artesianos, moinhos e escolas) e<br />
viabilizando estruturas <strong>para</strong> mecanismos de<br />
poupança, crédito e seguros. As empresas podem,<br />
de fato, contar com arranjos comunitários <strong>para</strong><br />
preencher certas lacunas existentes nos mercados<br />
dos pobres.<br />
Combinação de recursos e capacidades<br />
com outras instituições. Assim como muitos<br />
modelos empresariais, os de negócios inclusivos,<br />
geralmente, são bem-sucedidos quando se<br />
juntam a outros negócios através de parcerias de<br />
benefício mútuo e colaboração. Essa colaboração<br />
mútua também pode ser estabelecida com<br />
parceiros não tradicionais, como organizações<br />
não-governamentais e provedoras de serviços<br />
públicos. Dessa forma, as empresas podem ter<br />
acesso a capacidades complementares e reunir<br />
recursos <strong>para</strong> contornar ou remover restrições no<br />
ambiente do mercado.<br />
Ao combinar capacidades complementares<br />
com outras organizações, os modelos de negócios<br />
inclusivos podem oferecer mais do que uma<br />
empresa poderia oferecer sozinha. No Brasil,<br />
a Votorantim Celulose e Papel (VCP) queria<br />
oferecer acesso a crédito aos seus produtores de<br />
eucalipto de pequeno porte, mas com planos de<br />
pagamento que se ajustassem às suas condições<br />
de renda (sendo que o eucalipto é colhido<br />
apenas depois de sete anos). Como o crédito não<br />
estava disponível nesses termos, e não tendo a<br />
VCP nenhum interesse em oferecer serviços de<br />
crédito próprio, a companhia estabeleceu uma<br />
parceria com o Banco ABN AMRO Real. O banco<br />
agora fornece o crédito <strong>para</strong> os agricultores<br />
e o empréstimo é assegurado pela compra<br />
da madeira pela VCP. Os agricultores quitam<br />
seus empréstimos quando é feita a colheita da<br />
madeira. Em outros exemplos, organizações<br />
parceiras participam de <strong>todos</strong> os tipos de funções<br />
ao longo da cadeia de valor, da pesquisa de<br />
mercado ao fornecimento de serviços.<br />
A colaboração pode ainda ser baseada em<br />
esforços conjuntos e reunião de recursos <strong>para</strong><br />
o alcance de um objetivo comum. Na Índia, o<br />
acesso ao crédito, <strong>para</strong> empresas de pequeno<br />
e médio porte, era complicado pelo processo<br />
de avaliação: cada banco tinha de avaliar o<br />
risco do empréstimo por conta própria. O alto<br />
custo <strong>para</strong> avaliar os aplicantes fazia com que<br />
os bancos não tivessem interesse em lidar<br />
com empréstimos abaixo de certa quantia ou<br />
de certa taxa de juros. Sendo assim, vários<br />
bancos, dentre eles o ICICI Bank e o Standard<br />
Chartered, uniram-se <strong>para</strong> criar a Small and<br />
Medium Enterprises Rating Agency, uma agência<br />
de avaliação que categoriza o mérito de crédito<br />
de pequenas e médias empresas e fornece<br />
informação <strong>para</strong> <strong>todos</strong> os bancos ligados à<br />
agência. Com a redução do custo de avaliação<br />
desses clientes potenciais, o empréstimo<br />
<strong>para</strong> empresas menores, e com taxas de juros<br />
menores, torna-se um serviço lucrativo <strong>para</strong><br />
os bancos – aumentando o acesso ao crédito e<br />
ao mesmo tempo expandindo o mercado <strong>para</strong><br />
fornecedores de crédito.<br />
Engajamento no diálogo político com<br />
o governo. Dialogar sobre políticas de<br />
desenvolvimento é primordial <strong>para</strong> se fazerem<br />
negócios com os pobres e, apesar de que<br />
muito ainda precisa ser feito <strong>para</strong> se criar um<br />
ambiente favorável nesse sentido, as empresas<br />
são, em geral, as primeiras a agirem. Todas as<br />
cinco restrições de mercado identificadas neste<br />
relatório encontram-se mais ou menos dentro<br />
dos domínios da política pública. Em muitos<br />
dos estudos de caso, as empresas encontraram<br />
formas criativas de contornar ou eliminar os<br />
obstáculos – por exemplo, adaptando produtos<br />
<strong>para</strong> funcionarem com luz solar, investindo<br />
em educação e treinamento <strong>para</strong> a capacitação<br />
dos trabalhadores, atuando por meio de redes<br />
sociais <strong>para</strong> fazer valer contratos ou unindo-se a<br />
outras companhias <strong>para</strong> a auto-regulamentação.<br />
Entretanto, <strong>para</strong> certas empresas, torna-se mais<br />
complicado contornar ou eliminar as restrições<br />
de mercado através de iniciativas privadas. Neste<br />
caso, a estratégia mais comum é se engajar nos<br />
diálogos sobre políticas de desenvolvimento. O<br />
processo de formulação de políticas é complexo<br />
e contínuo, e as empresas podem fornecer<br />
informações relevantes sobre os problemas<br />
existentes e as suas possíveis soluções.<br />
Há casos em que os negócios inclusivos<br />
possuem objetivos razoavelmente limitados,<br />
como encorajar governos a fornecer bens ou<br />
serviços públicos de que eles necessitam <strong>para</strong><br />
operar em um local específico. Em casos assim,<br />
lidar individualmente com governos pode ser<br />
eficaz.<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
9
Porém, existem situações em que o esforço individual de empresários e companhias<br />
pode ter implicações maiores, tais como mudanças nas estruturas de mercado ou<br />
até mesmo a abertura de novos mercados. A Tiviski, uma empresa de laticínios<br />
derivados do leite de camelo, na Mauritânia, é um exemplo: através do esforço<br />
individual do fundador da companhia, a União Européia está <strong>criando</strong> um mercado<br />
<strong>para</strong> a importação de laticínios de camelo, o que não existia anteriormente.<br />
As empresas podem também contar com efeitos demonstrativos <strong>para</strong> promover<br />
o fortalecimento de regulamentações nos países em desenvolvimento que não<br />
as possuem, ou onde elas não são eficazes. Quando as Companhias de Serviço<br />
de Energia Rural foram fundadas no Mali, o país ainda não tinha uma estrutura<br />
regulamentada que lidasse com o fornecimento privado de eletricidade. Através de<br />
ações da companhia – e com o apoio suplementar do Banco Mundial – o governo de<br />
Mali estabeleceu as requeridas regras e procedimentos.<br />
Figura 3. Matriz<br />
estratégica da Iniciativa<br />
Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos e o<br />
resumo das soluções<br />
Estratégias<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação<br />
de mercado<br />
Alavancagem<br />
tecnológica<br />
Foco na<br />
geração de<br />
valor<br />
Inserção dos<br />
pobres como<br />
indivíduos<br />
Combinação<br />
de capacidades<br />
complementares<br />
Engajamento<br />
individual<br />
obstáculos<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infraestrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Alavancagem<br />
de tecnologias<br />
de informação e<br />
comunicação<br />
Aplicação de<br />
soluções setoriais<br />
específicas<br />
Alcance da<br />
sustentabilidade<br />
ambiental<br />
Criação de<br />
processos de<br />
negócios<br />
Adequação ao<br />
fluxo de renda<br />
dos pobres<br />
Simplificação<br />
de exigências<br />
Evitamento<br />
de incentivos<br />
adversos<br />
Flexibilização<br />
das operações<br />
Provisão <strong>para</strong><br />
grupos<br />
Realização<br />
de pesquisa de<br />
mercado<br />
Investimento<br />
em infra-estrutura<br />
Promoção do<br />
desempenho do<br />
fornecedor<br />
Conscientização<br />
e treinamento dos<br />
consumidores<br />
Criação<br />
de produtos<br />
e serviços<br />
financeiros<br />
Obtenção<br />
de benefícios<br />
intangíveis<br />
Criação de<br />
valor social<br />
Uso de<br />
subvenções<br />
Financiamento<br />
com custos<br />
reduzidos ou<br />
patient capital<br />
Envolvimento<br />
dos pobres em<br />
pesquisas de<br />
mercado<br />
Realização de<br />
treinamento <strong>para</strong><br />
que os pobres se<br />
tornem instrutores<br />
Construção de<br />
redes logísticas<br />
locais<br />
Identificação de<br />
fornecedores de<br />
serviço locais<br />
Promoção da<br />
inovação através<br />
da co-criação com<br />
os pobres<br />
Engajamento<br />
das<br />
comunidades:<br />
desempenho<br />
por meio de<br />
redes sociais<br />
existentes<br />
Alavancagem<br />
de mecanismos<br />
de aplicação<br />
de contratos<br />
informais<br />
Expansão do<br />
compartilhamento<br />
de riscos<br />
Obtenção de<br />
informação sobre o<br />
mercado<br />
Alavancagem<br />
das redes logísticas<br />
existentes<br />
Difusão de<br />
informação<br />
Realização<br />
de treinamento<br />
<strong>para</strong> desenvolver<br />
habilidades necessárias<br />
Efetivação de<br />
vendas, fornecimento<br />
de serviços<br />
Promoção do acesso<br />
a produtos e serviços<br />
financeiros<br />
União de<br />
recursos<br />
Obtenção de<br />
informação sobre o<br />
mercado<br />
Preenchimento<br />
de lacunas na<br />
infra-estrutura do<br />
mercado<br />
Autoregulamentação<br />
Geração de<br />
conhecimento e<br />
habilidades<br />
Ampliação do<br />
acesso a produtos e<br />
serviços financeiros<br />
Engajamento<br />
através<br />
de efeitos<br />
demonstrativos<br />
Engajamento<br />
coletivo<br />
10 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
O engajamento coletivo das empresas é outra forma de moldar as políticas públicas. Tendo em vista<br />
que o engajamento na estruturação de políticas pode ser controverso, empresas e governo necessitam<br />
de um espaço <strong>para</strong> dialogar abertamente e de forma transparente sobre como melhorar o ambiente<br />
dos negócios. Esforços colaborativos podem criar esses espaços. Companhias operando numa<br />
mesma indústria ou região, muitas vezes, têm os mesmos interesses políticos. Além disso, quando<br />
as empresas fazem negócios de maneira a contribuir <strong>para</strong> a geração de oportunidade econômica e<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento humano, organizações fora do setor privado podem ter interesses políticos<br />
complementares. Onde os modelos de negócio são inclusivos, a ação coletiva pode dar às empresas<br />
uma voz forte e legítima no apoio à formulação de políticas.<br />
E n t r a n d o e m a ç ã o<br />
Como pode um líder empresarial desenvolver<br />
um modelo de negócio inclusivo Em poucas<br />
palavras: respondendo às condições locais.<br />
Os empreendedores dos estudos de caso<br />
apresentados neste relatório tomaram<br />
suas decisões seguindo esse espírito. Eles<br />
identificaram oportunidades, compreenderam os<br />
contextos e encontraram soluções, com a mente<br />
aberta e muita experimentação.<br />
O relatório encoraja os atuantes do setor<br />
privado a se tornarem os grandes agentes de<br />
mudança na promoção do desenvolvimento<br />
humano. Mas o setor privado não tem como<br />
vencer sozinho. O espírito empreendedor é<br />
importante não apenas <strong>para</strong> tomadores de<br />
decisão do setor privado, mas também <strong>para</strong><br />
financiadores, governantes, filantropistas e<br />
líderes de organizações sem fins lucrativos.<br />
Todos eles podem se juntar ao setor privado<br />
<strong>para</strong> investir em condições melhores de<br />
mercado, colaborar na operação de modelos<br />
de negócios e dialogar em prol de políticas<br />
favoráveis.<br />
A criação de novos negócios nos mercados<br />
pobres funcionará melhor quando cada<br />
um dos atores envolvidos contribuir com<br />
o seu potencial. Quando isso acontecer, os<br />
modelos de negócios inclusivos proliferarão<br />
e crescerão. Os mercados irão incluir mais<br />
pobres. E <strong>valores</strong> serão gerados <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
– através de lucros, aumento de renda e<br />
progressos efetivos <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
humano.<br />
A matriz estratégica e o resumo de<br />
soluções do Desenvolvendo Mercados<br />
Inclusivos (figura 3) lista formas diferentes<br />
de aplicação de cinco estratégias centrais,<br />
<strong>para</strong> mitigar as restrições enfrentadas pelos<br />
negócios inclusivos. Mais de uma solução – e<br />
mais de uma estratégia – são, com freqüência,<br />
utilizadas simultaneamente <strong>para</strong> superar essas<br />
dificuldades.<br />
1 Banco Mundial 2007d. 2.6 bilhões é o valor <strong>para</strong> 2004 e menos de $2 por dia está baseado no poder de<br />
compra do dólar de 1993.<br />
2 OCDE e IEA 2006.<br />
3 ITU World Telecommunication/ICT Indicators Database. Disponível em:<br />
http://www.itu.int/ITU-D/ict/statistics/ict/<br />
4 Chu 2007.<br />
5 Database dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial. Abril 2007.<br />
6 Veja Mendoza, adiante.<br />
7 ‘Patient capital’ é um termo usado <strong>para</strong> descrever um conjunto emergente de investimentos que não<br />
esperam por retorno financeiro imediato, mas esperam retorno financeiro e social a longo prazo.<br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
11
12 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
PARTE<br />
I<br />
Oportunidades de criação<br />
de valor <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
VISÃO GERAL: Negócios com os pobres – <strong>criando</strong> <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong><br />
13
O capítulo 1 analisa as oportunidades de se fazerem negócios com e <strong>para</strong> os pobres. As<br />
empresas incluem os pobres no âmbito da demanda, como clientes e consumidores, e da<br />
oferta, como empregados, produtores e donos de negócios. As empresas podem se beneficiar<br />
com aumento de lucros, flexibilidade, inovações e potencial de crescimento a longo prazo. Os<br />
pobres podem se beneficiar com a satisfação de necessidades básicas e com o aumento de<br />
produtividade, renda e capacitação. Essa maneira de fazer negócios, estabelecendo um elo<br />
entre as empresas e os pobres <strong>para</strong> o benefício de ambos, é chamada de “modelos de negócios<br />
inclusivos”.<br />
O capítulo 2 explica por que essas oportunidades ainda não têm sido amplamente<br />
aproveitadas em decorrência de restrições de mercado que caracterizam a miséria: falta<br />
de informação de mercado, ambiente regulatório ineficiente, infra-estrutura obsoleta,<br />
conhecimentos e habilidades limitados e difícil acesso a serviços financeiros. Há muito tempo,<br />
estes obstáculos são conhecidos como as maiores causas da persistência da pobreza. Os casos<br />
do Desenvolvendo Mercados Inclusivos revelam que eles também são considerados grandes<br />
desafios <strong>para</strong> o desenvolvimento de modelos de negócios inclusivos bem-sucedidos.<br />
14 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
1<br />
Oportunidades<br />
p a r a a s e m p r e s a s –<br />
e <strong>para</strong> os pobres<br />
Egito: A beleza do oásis<br />
SIWA oferece uma ótima<br />
oportunidade tanto <strong>para</strong> a<br />
comunidade local quanto<br />
<strong>para</strong> o ecoturismo.<br />
Foto: SIWA<br />
Muitas empresas estão incluindo os pobres. Essa é uma<br />
boa notícia <strong>para</strong> <strong>todos</strong>.<br />
É uma boa notícia <strong>para</strong> os pobres porque, com o problema da miséria<br />
não resolvida e ainda disseminada, soluções em larga escala são necessárias. Dos<br />
6,4 bilhões de habitantes no mundo, 2,6 bilhões vivem com menos de $2 por<br />
dia. 1 Bilhões ainda sofrem com a falta dos serviços mais essenciais <strong>para</strong> se ter<br />
uma vida digna. Mais de um bilhão não têm acesso à água limpa, 2 e 2,6 bilhões<br />
não têm saneamento adequado. 3 Muita gente permanece atolada em mercados<br />
fragmentados e ineficientes, que limitam as oportunidades <strong>para</strong> o uso produtivo de<br />
recursos. Com estruturas apropriadas e o apoio dos governos, o setor privado pode<br />
ficar bem posicionado <strong>para</strong> oferecer essas oportunidades na devida proporção.<br />
Essa também é uma boa notícia <strong>para</strong> as empresas. Modelos de negócios<br />
inclusivos bem-sucedidos mostram que oportunidades de crescimento e inovação<br />
estão emergindo tanto do lado da demanda quanto da oferta, e que existem muitas<br />
maneiras de aproveitar – e até de criar – essas oportunidades.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
15
Viabilizando o acesso a bens, serviços,<br />
empregos e rendas, as empresas podem ajudar<br />
os pobres a melhorarem de vida, fomentar<br />
a motivação e a produtividade entre os<br />
produtores e empregados, e construir uma<br />
base de consumidores fiéis com rendas mais<br />
elevadas. As empresas que incluem os pobres<br />
podem produzir e colher os benefícios do<br />
desenvolvimento humano.<br />
A constatação de que os modelos de<br />
negócios inclusivos podem gerar <strong>valores</strong> <strong>para</strong><br />
as empresas e <strong>para</strong> os pobres prova que os<br />
pobres não estão exclusos do comércio e do<br />
mercado. O setor privado é crucial <strong>para</strong> as<br />
suas vidas porque <strong>todos</strong> são consumidores<br />
e a maioria tem renda no setor privado, seja<br />
trabalhando <strong>para</strong> um negócio ou sendo dono<br />
de um. 4<br />
O setor privado já atende às necessidades<br />
dos pobres em muitos lugares, incluindo áreas<br />
não alcançadas por governos. Em algumas<br />
áreas pobres urbanas e da periferia, na Índia e<br />
na África Subsaariana, a maioria das crianças<br />
em idade escolar freqüenta escolas particulares<br />
e na Índia rural metade delas faz o mesmo.<br />
Em áreas pobres, urbanas e da periferia do<br />
Estado de Lagos, na Nigéria, 75% das crianças<br />
em idade escolar estudam em instituições de<br />
ensino privadas, no distrito periférico de Ga,<br />
no Gana, são 64% e nas favelas de Hyderabad,<br />
na Índia, 65%. Essas escolas particulares de<br />
baixo custo são normalmente administradas<br />
por empresários locais e empregam professores<br />
locais. 5 Da mesma maneira, existem casos<br />
em que o setor privado é a única opção <strong>para</strong><br />
serviços de saúde em regiões rurais pobres e<br />
em favelas urbanas. Estudos mostram, de forma<br />
consistente, que o setor privado fornece serviços<br />
de saúde <strong>para</strong> pessoas com uma vasta gama de<br />
renda, incluindo populações pobres e rurais. Na<br />
Etiópia, Quênia, Nigéria e Uganda mais de 40%<br />
das pessoas no mais baixo quinto econômico<br />
recebem serviços de saúde de fornecedores<br />
privados com fins lucrativos. 6<br />
A maioria dos pobres trabalha e tem renda<br />
no setor privado, o qual gera mais empregos<br />
que o setor público. Na Turquia, o setor privado<br />
foi o responsável por 1,5 milhões de empregos<br />
de 1987 até 1992 – 16 vezes mais que o setor<br />
público. No México, ele gerou 12,5 milhões de<br />
empregos de 1989 até 1998 – 87 vezes mais<br />
que o setor público. 7 Além disso, muitos pobres<br />
têm os seus próprios negócios. No Peru, 69%<br />
das famílias urbanas que vivem com menos<br />
de $2 por dia por pessoa têm um negócio não<br />
ligado a agricultura. Na Indonésia, Paquistão<br />
e Nicarágua esse montante fica em torno dos<br />
50%. Em áreas rurais, muitos trabalham em<br />
fazendas. No Paquistão, 75% das famílias rurais<br />
são agricultores autônomos, no Peru 69% e na<br />
Indonésia 55%. 8<br />
Há espaço <strong>para</strong> muito mais, e <strong>para</strong> uma<br />
melhor inclusão dos pobres nos mercados. A<br />
utilização dos mercados pelos pobres é muitas<br />
vezes limitada, com pouca competitividade, além<br />
de baixa eficiência e produtividade. Empresas que<br />
abrirem os mercados aos pobres, com modelos<br />
inovadores, podem ser pioneiras na geração de<br />
certos benefícios.<br />
O p o r t u n i d a d e s p a r a a s e m p r e s a s :<br />
rentabilidade e crescimento<br />
A construção de modelos de negócios<br />
inclusivos requer empreendedorismo.<br />
Empreendedores que percebam oportunidades<br />
e tirem proveito delas. Eles podem ser de<br />
diferentes áreas de atuação. Alguns fundam<br />
empresas; outros buscam por mudanças e<br />
inovações em organizações já existentes.<br />
Muitas empresas contam ainda com processos<br />
de desenvolvimento de negócios ou outros<br />
sistemas especiais <strong>para</strong> tirar proveito de<br />
oportunidades.<br />
Os empreendedores dos estudos de<br />
caso aqui apresentados incluem corporações<br />
multinacionais de países em desenvolvimento<br />
ou desenvolvidos, e grandes companhias<br />
nacionais que se aventuraram nos mercados mais<br />
pobres. Em Gana, o Barclays Bank trabalhou com<br />
agentes financeiros locais <strong>para</strong> entrar em contato<br />
com os pobres que não estavam dentro do setor<br />
financeiro formal. Um gigante alimentício do<br />
Brasil, a Sadia, transformou a vida dos seus<br />
pequenos fornecedores de suínos ao monetizar<br />
as emissões de carbono desses animais. Dentre os<br />
empreendedores dos casos, também temos firmas<br />
e cooperativas locais de pequeno e médio porte,<br />
como a DTC Tyczyn, uma cooperativa que oferece<br />
serviços de telecomunicações <strong>para</strong> as áreas mais<br />
miseráveis e remotas da Polônia; a Tiviski Dairy, a<br />
primeira companhia de laticínios de camelo<br />
16 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
da África, na Mauritânia; e a Denmor, uma<br />
companhia têxtil que emprega 1.000 pessoas<br />
na Guiana. Mesmo organizações sem fins<br />
lucrativos estão presentes, como a HealthStore<br />
Foundation, uma rede de microfranquias<br />
de farmácias no Quênia, e a Pésinet, uma<br />
fornecedora de serviços de saúde infantil em<br />
Mali. Todos esses empreendedores visam<br />
lucros e impactos sociais em graus variados,<br />
mas buscam também soluções inovadoras <strong>para</strong><br />
o crescimento e a sustentabilidade financeira<br />
do negócio.<br />
Moçambique: As mulheres não precisam<br />
mais gastar horas buscando água do rio.<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
Gerando lucros e auto-sustentabilidade<br />
financeira. Os negócios com os pobres podem<br />
ser lucrativos, às vezes até mais do que os<br />
negócios com os ricos. O grupo hospitalar<br />
Narayana Hrudayalaya, um fornecedor de<br />
serviços de saúde cardiológica <strong>para</strong> os pobres<br />
na Índia, obteve um lucro de 20% em 2004 9<br />
– quase 4 pontos percentuais a mais que o<br />
maior hospital privado do país – graças ao<br />
grande volume de pacientes e um sistema<br />
de pagamento e financiamento inovador. A<br />
Sulahb, fornecedora de saneamento de baixo<br />
custo, também na Índia, obteve um lucro de<br />
$5 milhões em 2005, proveniente da sua<br />
estratégia de geração de renda, construindo<br />
e operando banheiros públicos e instalando<br />
banheiros particulares; seus serviços foram<br />
utilizados por um público estimado em 10<br />
milhões de pessoas na Índia. Nas Filipinas, a<br />
Smart Communications, uma operadora de<br />
serviços bancários via telefonia móvel, que<br />
permite o envio de remessas internacionais e<br />
outros serviços, tornou-se o maior fornecedor<br />
de telecomunicações do país com um modelo de<br />
negócios cujo lema é “tornar o telefone celular<br />
o mais barato e acessível possível <strong>para</strong> os<br />
Filipinos”. 10 Dos lucros da Smart em 2006, 99%<br />
vieram de cartões pré-pagos. Em 2003, com<br />
uma renda líquida de aproximadamente $288<br />
milhões, a Smart foi a empresa mais rentável<br />
do ano entre as 5.000 maiores corporações<br />
nas Filipinas. 11 Instituições de microfinanças<br />
também já provaram o seu grande potencial<br />
<strong>para</strong> lucros acima do índice de mercado,<br />
obtendo, em alguns casos, mais de 23% de<br />
retorno em patrimônio líquido. 12<br />
Nos dias atuais, o lucro torna-se mais um<br />
meio do que um objetivo principal. Muitos<br />
modelos de negócios inclusivos, como aqueles<br />
formados por organizações da sociedade<br />
civil e empreendedores sociais, são projetados<br />
principalmente <strong>para</strong> enfrentar os problemas da<br />
sociedade. Ainda assim, a auto-sustentabilidade<br />
financeira – obtida através de estratégias<br />
empreendedoras e de geração de renda – permite<br />
que eles aumentem o seu alcance e impacto.<br />
A HealthStore Foundation, por exemplo, uma<br />
organização internacional, expandiu suas atividades<br />
rapidamente ao estabelecer um modelo de negócio<br />
baseado em um sistema de microfranchising. Suas<br />
lojas combinam princípios de microempresa com<br />
práticas de franquia <strong>para</strong> fornecer medicamentos<br />
essenciais e serviços básicos de saúde <strong>para</strong><br />
comunidades. Através das suas 64 lojas espalhadas<br />
pelo Quênia, a HealthStore Foundation atende<br />
aproximadamente 400.000 pacientes a cada ano. 13<br />
Promovendo a inovação. O motivo <strong>para</strong> se fazer<br />
negócios com os pobres nem sempre é o lucro<br />
imediato. Algumas vezes trata-se do crescimento<br />
de longo prazo e da competitividade. Esse é o<br />
caso especialmente <strong>para</strong> firmas maiores, incluindo<br />
multinacionais estrangeiras, <strong>para</strong> quem negociar<br />
com os pobres pode gerar inovação – fator<br />
essencial <strong>para</strong> a competitividade e o crescimento<br />
dos negócios.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
17
Figura 1.1. A pirâmide da renda global<br />
Renda per capita anual em US$ (em 2002 PPP)<br />
Fonte: Baseado em Milanovic 2002.<br />
Fração da população mundial (%)<br />
Para as grandes firmas, integrar mercados<br />
pobres pouco conhecidos – e algumas vezes<br />
engajar atores locais – pode impulsionar<br />
inovações de duas formas. Primeiro, <strong>para</strong><br />
aumentar a disponibilidade e se ajustar às<br />
preferências e necessidades dos pobres, as<br />
firmas devem desenvolver novas combinações<br />
de preço e desempenho. 14 Segundo, as<br />
restrições profundamente infiltradas que as<br />
firmas precisam enfrentar ao fazer negócios<br />
com os pobres – de dificuldades de transporte<br />
à incapacidade de fazer valer os contratos<br />
– exigem respostas criativas. Os produtos,<br />
serviços e modelos de negócios que daí<br />
resultam podem ser transferidos de forma<br />
bem-sucedida <strong>para</strong> mercados desenvolvidos e<br />
atrair novos consumidores. Por exemplo, caixas<br />
automáticos com sensores de impressões digitais,<br />
desenvolvidos <strong>para</strong> os analfabetos na Índia,<br />
estão sendo introduzidos nos Estados Unidos,<br />
onde aumentam a segurança e a conveniência.<br />
15<br />
Grandes companhias que não competem por<br />
clientes de baixa renda correm o risco de se<br />
tornarem retrógradas se ignorarem como as<br />
inovações podem ser transferidas dos mercados<br />
mais pobres <strong>para</strong> os de maior renda. 16<br />
Desenvolvendo novos mercados. Trabalhos<br />
pioneiros sobre a “base da pirâmide”,<br />
realizados por C.K. Prahalad e outros, 17<br />
demonstram que os pobres podem<br />
representar um mercado significativo <strong>para</strong><br />
certos bens e serviços em muitos países. 18<br />
A distribuição global de renda balança<br />
fortemente <strong>para</strong> os segmentos de renda mais<br />
baixa. O que, freqüentemente, é denominado<br />
de “pirâmide” de renda, na verdade, se parece<br />
mais com uma antena de base grande demais<br />
(figura 1.1). Dentro dessa base encontram-se<br />
4 bilhões de pessoas, quase dois terços da<br />
população mundial, vivendo com menos de $8<br />
por dia. Embora a renda de cada uma delas<br />
seja baixa, a soma de suas rendas resulta em<br />
uma enorme quantia: aproximadamente $5<br />
trilhões, que chega a ser quase a renda bruta<br />
nacional do Japão, a segunda maior economia<br />
do mundo. 19<br />
A expansão <strong>para</strong> mercados de baixa<br />
renda permite às firmas obterem participação<br />
de mercado em uma economia crescente.<br />
Permite também aumentar o reconhecimento<br />
de marca e obter a confiança de uma<br />
crescente base de consumidores.<br />
18 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A penetração nos mercados pobres pode ainda<br />
garantir uma “licença <strong>para</strong> operar”, seja de uma<br />
comunidade local ou de todo um país, além de<br />
que lidar com stakeholders locais pode contribuir<br />
<strong>para</strong> a estabilização política e econômica de<br />
longo prazo do ambiente de negócios.<br />
Os mercados da base da pirâmide variam<br />
de forma significativa de acordo com localidades<br />
e setores. The Next 4 Billion, uma publicação<br />
revolucionária do Instituto de Recursos Mundiais<br />
e da Corporação Financeira Internacional,<br />
detalha o tamanho desses mercados por setores<br />
(figura 1.2), regiões e países. Entretanto, <strong>todos</strong><br />
os mercados da base da pirâmide sofrem pelo<br />
não atendimento às necessidades de bens e<br />
serviços. Os ricos têm inúmeras maneiras de<br />
gastar o seu dinheiro, os pobres não; mesmo<br />
assim, os pobres estão dispostos a pagar por<br />
bens e serviços básicos e são capazes de fazê-lo,<br />
muitas vezes, a um preço mais alto. Os habitantes<br />
das favelas de Jacarta, Manila e Nairóbi pagam<br />
de 5 a 10 vezes mais por água do que os<br />
habitantes das áreas abastadas dessas cidades<br />
– e mais do que os consumidores em Londres<br />
e Nova York. 20 O “castigo da pobreza” é similar<br />
<strong>para</strong> crédito, serviços de saúde e fornecimento<br />
de energia.<br />
Alguns modelos de negócios inclusivos<br />
servem a interesses estratégicos de longo prazo<br />
ao gerar demanda e criar novos mercados. A<br />
Tsinghua Tongfang, uma companhia chinesa<br />
de computadores, que investe no mercado<br />
rural, está desenvolvendo soluções de software<br />
e hardware <strong>para</strong> 900 milhões de agricultores<br />
chineses, oferecendo benefícios específicos, tais<br />
como informação sobre meteorologia e mé<strong>todos</strong><br />
de cultivo produtivos. Jun Li, vice-administrador<br />
geral do departamento de computação, explica:<br />
“Com base na nossa pesquisa de mercado,<br />
acreditamos que o que os fazendeiros realmente<br />
precisam não é simplesmente de um computador<br />
barato, mas sim de um conjunto de soluções<br />
<strong>para</strong> problemas que eles enfrentam no trabalho<br />
e no seu dia-a-dia. Precisamos, na verdade,<br />
pensar sobre como os nossos computadores<br />
podem tornar suas vidas mais fáceis, em vez<br />
de simplesmente tentar fazê-los comprar<br />
computadores”.<br />
Expandindo a reserva de mão-de-obra.<br />
Companhias manufatureiras estão transferindo<br />
ou terceirizando a sua produção <strong>para</strong> tirar<br />
vantagem dos preços mais baratos da mão-deobra<br />
em países pobres. A China e outros países<br />
da Ásia se tornaram as linhas de montagem<br />
do mundo. Com treinamento, os pobres<br />
podem fornecer produtos de alta qualidade. A<br />
Denmor Garment Manufacturers, na Guiana,<br />
emprega, em sua maioria, mulheres com fraco<br />
conhecimento e experiência. O bom treinamento<br />
dessa força de trabalho colocou a companhia<br />
em um nicho de alta qualidade com uma cadeia<br />
de produção altamente flexível. Indústrias da<br />
área de alimentos, moda e turismo também<br />
podem se valer das habilidades culturais dos<br />
pobres como funcionários, desenvolvendo novos<br />
produtos com propostas de <strong>valores</strong> únicos <strong>para</strong><br />
consumidores com rendas mais altas – tanto nos<br />
mercados domésticos quanto através de canais<br />
de exportação. 21 Para os negócios focados nos<br />
consumidores menos favorecidos, a contratação<br />
dos pobres <strong>para</strong> cargos de vendas, manutenção<br />
ou cobrança também pode ser uma boa idéia –<br />
permitindo que a própria empresa desenvolva o<br />
seu conhecimento e a sua rede de contatos locais.<br />
Fortalecendo a cadeia de suprimentos. Muitas<br />
empresas estão comprando de outras firmas<br />
quotas significativas da sua entrada de bens e<br />
serviços. Incorporar os pobres nas cadeias de<br />
valor dos negócios, como produtores agrícolas ou<br />
como fornecedores de bens e serviços, aumenta<br />
o campo de atuação das empresas em países em<br />
desenvolvimento, permitindo a redução de custos<br />
e aprimorando a sua flexibilidade através de<br />
aquisições locais. Esse campo de atuação tende<br />
a ser ampliado conforme os negócios locais se<br />
tornem mais especializados ou passem a produzir<br />
artigos com mais exigências de habilidades, tais<br />
como componentes de produção ou serviços<br />
empresariais. 22<br />
Com a maioria dos pobres do mundo<br />
trabalhando na agricultura, as empresas estão<br />
explorando meios de reduzir custos e aumentar<br />
a qualidade, diversidade e consistência no<br />
fornecimento de produtos<br />
Figura 1.2. Como os consumidores<br />
pobres gastam o seu dinheiro<br />
Água<br />
TIC<br />
Saúde<br />
Transporte<br />
Habitação<br />
Energia<br />
Outros<br />
Alimentação<br />
Nota: Define-se aqui consumidores pobres como aqueles vivendo com menos de $8 por dia.<br />
Fonte: Adaptação de Hammond e outros, 2007.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
19
agrícolas, trabalhando com produtores de pequena<br />
escala. Esse tipo de negócio abrange desde gigantes<br />
globais e grandes firmas nacionais até pequenos<br />
empreendimentos locais. A multinacional Sul<br />
Africana SABMiller compra o sorgo, usado na<br />
fabricação de sua cerveja Eagle Lager, de cerca de<br />
8.000 pequenos fazendeiros da Uganda, e 2.500<br />
do Zâmbia, trabalhando junto a cooperativas,<br />
intermediários de commodities e organizações nãogovernamentais,<br />
<strong>para</strong> a difusão de conhecimentos<br />
agrícolas e práticas de negócio. 23<br />
Trabalhar com produtores rurais de países em<br />
desenvolvimento pode também oferecer vantagens<br />
únicas como a biodiversidade, com insumos<br />
raros e de alta qualidade esperando <strong>para</strong> serem<br />
descobertos. A Natura, empresa brasileira<br />
de cosméticos, criou a sua linha de produtos<br />
mais sofisticados, Ekos, com ingredientes<br />
naturais usados por comunidades tradicionais.<br />
Paralelamente, alguns consumidores estão<br />
dispostos a pagar mais <strong>para</strong> apoiar produtores<br />
de países em desenvolvimento. Embora ainda<br />
pequeno, o comércio justo está crescendo<br />
rapidamente. O seu valor total de varejo foi<br />
estimado em 1,6 bilhões de Euros em 2006 –<br />
um aumento de 42% em relação a 2005. 24<br />
O p o r t u n i d a d e s p a r a o s p o b r e s :<br />
p r o m o ç ã o d o d e s e n v o l v i m e n t o h u m a n o<br />
Fazer negócios com os pobres melhora as suas<br />
vidas. A miséria é mais bem compreendida<br />
não apenas como uma falta de renda, mas<br />
fundamentalmente como uma falta de escolhas<br />
significativas. Mahubul Haq, fundador do Relatório<br />
de Desenvolvimento Humano do PNUD, publicado<br />
anualmente desde 1990, explica: “O propósito<br />
básico do desenvolvimento é aumentar as escolhas<br />
disponíveis <strong>para</strong> cada indivíduo. A princípio, essas<br />
escolhas são infinitas e podem variar ao longo<br />
do tempo. As pessoas, normalmente, valorizam<br />
aspectos que não estão condicionados, ou pelo<br />
menos não de imediato, ao aumento de renda e<br />
crescimento: maior acesso a conhecimento, melhor<br />
assistência a saúde, meios de vida mais seguros,<br />
segurança contra a criminalidade e a violência<br />
física, horas de lazer satisfatórias, liberdade<br />
política e cultural, e participação nas atividades<br />
da comunidade. O objetivo do desenvolvimento é<br />
criar um ambiente propício <strong>para</strong> que <strong>todos</strong> possam<br />
desfrutar de vidas longas, saudáveis e criativas”. 25<br />
Os pobres não são um grupo homogêneo. Eles<br />
levam vidas diferentes em lugares diferentes, com<br />
necessidades e objetivos distintos. Os estudos de<br />
caso mostram essa diversidade: os habitantes das<br />
favelas de Manila, que obtêm a sua água de canos<br />
com vazamentos muito distantes de suas casas;<br />
os produtores de café na Colômbia, que temem<br />
a inconstância do mercado mundial de preços;<br />
os jovens na África do Sul, que não têm meios de<br />
arcar com os custos de uma educação continuada<br />
<strong>para</strong> melhorar as suas posições empregatícias no<br />
mercado de trabalho; aqueles na Índia, que não têm<br />
acesso a saneamento e por isso sofrem de diarréia<br />
e outras doenças que poderiam ser evitadas; as<br />
mulheres na Guiana, que não podem ler ou escrever<br />
e, conseqüentemente, não conseguem encontrar<br />
empregos formais. Todas essas pessoas são<br />
pobres.<br />
A miséria é multidimensional. No seu cerne<br />
está a falta de oportunidade – ou, nas palavras<br />
do economista indiano Amartya Sen, a falta<br />
de capacidade de escolher uma vida da qual<br />
“tenham uma razão <strong>para</strong> valorizar” 26 . As causas<br />
dessa falta de oportunidade não são apenas a<br />
falta de dinheiro ou de recursos, mas também a<br />
falta de capacidade <strong>para</strong> usar os recursos. Saúde<br />
precária, falta de conhecimento e habilidade,<br />
discriminação e exclusão social e acesso limitado<br />
à infra-estrutura podem impedir as pessoas de<br />
converter recursos em oportunidades. Progredir<br />
nesses aspectos pode impulsionar tanto o acesso<br />
a recursos quanto a habilidade de transformá-los<br />
em oportunidades. Nesse sentido, os estudos de<br />
caso mostram que fazer negócios com os pobres<br />
pode melhorar as suas vidas muito mais do que<br />
meramente aumentar as suas rendas.<br />
Certamente, as abordagens de mercado não<br />
podem ajudar <strong>todos</strong> os pobres a sair da miséria.<br />
Para fazer transações no mercado, as pessoas<br />
necessitam de alguns recursos e da habilidade<br />
<strong>para</strong> usá-los. Os destituídos precisam de apoio<br />
específico <strong>para</strong> ajudá-los no mercado. A BRAC,<br />
em Bangladesh, há muito se deu conta das<br />
dificuldades de enfrentar as necessidades dos<br />
mais pobres usando o sistema de microfinanças<br />
convencional. Para dar a eles a segurança e<br />
os meios necessários <strong>para</strong> que possam obter<br />
vantagens de empréstimos, a BRAC fornece aos<br />
mais necessitados apoio alimentício e treino<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento de habilidades por um<br />
período fixo.<br />
20 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,<br />
que traduzem o conceito de desenvolvimento<br />
humano como um desafio multidimensional voltado <strong>para</strong> ações objetivas, oferecem a todas as<br />
agências da ONU uma estrutura de medição de progresso na redução da pobreza mundial. Os estudos<br />
de caso do Desenvolvendo Mercados Inclusivos mostram como os modelos de negócios inclusivos<br />
estão fomentando o progresso em direção a esses objetivos.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 1: Erradicar a miséria e a fome<br />
Na Colômbia, a companhia Juan Valdez está oferecendo salários mais altos e mais estáveis<br />
<strong>para</strong> mais de 500.000 pequenos agricultores de café. Nas Filipinas, onde os produtores de<br />
coco fazem parte da população mais pobre, a CocoTech acolhe mais de 6.000 famílias na<br />
fabricação de fibra de coco.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 2: Atingir o ensino básico universal<br />
A Tsinghua Tongfang (THTF) vende computadores com softwares de educação a distância<br />
<strong>para</strong> a população rural da China, voltados <strong>para</strong> a educação em escolas primárias e<br />
secundárias, e adotando as linguagens regionais. As aulas em vídeo on-line do programa de<br />
linguagens minoritárias, gravadas com estudantes de escolas de boa qualidade que falam o<br />
mesmo idioma, permitem que os clientes rurais da THTF aprendam na sua própria língua.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 3: Promover a igualdade entre os sexos e a<br />
autonomia das mulheres<br />
As instituições financeiras podem promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das<br />
mulheres aumentando o acesso a financiamento – uma necessidade primordial <strong>para</strong> muitas<br />
microempreendedoras nos países em desenvolvimento. Na Rússia, mais de 80% dos clientes<br />
do Forus Bank são mulheres, a maioria em negócios de varejo; em 2006 o banco ajudou a<br />
criar 4.250 empregos diretos e 19.950 indiretos. Na República Democrática do Congo, muitas<br />
mulheres obtiveram autonomia financeira revendendo os créditos dos telefones celulares Celtel.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4: Reduzir a mortalidade infantil<br />
No Mali, onde, em 2000, mais de 22% das crianças morriam antes do primeiro ano de vida,<br />
a Pésinet tem promovido uma mudança nas comunidades onde opera, oferecendo um<br />
método de aviso prévio <strong>para</strong> o monitoramento das condições de saúde das crianças com<br />
menos de cinco anos de idade das famílias de baixa renda. No Saint Louis, no Senegal, onde<br />
a Pésinet começou, a taxa de mortalidade infantil caiu mais de 90% entre 2002 e 2005 – de<br />
120 natimortos <strong>para</strong> 8 em cada 1.000 partos.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 5: Melhorar a saúde materna<br />
Em Cabo Delgado, Moçambique, o gás petrolífero liquefeito fornecido pela VidaGás ajuda na<br />
esterilização de instrumentos médicos usados nos partos. Onde antes a maioria das clínicas<br />
públicas tinha pouco estoque de medicamentos essenciais, e a maioria das mortes de<br />
parturientes era resultado de infecções e hemorragias causadas por complicações durante<br />
a gravidez, a melhoria da saúde materna é atualmente assegurada pelo fornecimento<br />
permanente de energia, pela cadeia fria de suprimentos e pela distribuição de remédios.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 6: Combater a AIDS/HIV, a malária e outras doenças<br />
Na Tanzânia, a A to Z Textile Mills oferece redes de dormir de baixo custo, duráveis e tratadas<br />
contra insetos <strong>para</strong> a prevenção da disseminação da malária por mosquitos, reduzindo a<br />
taxa de mortalidade em 50%. No Quênia, em 2006, as 66 Lojas CFW (drogarias e clínicas)<br />
facilitaram o tratamento de aproximadamente 400.000 pacientes que sofrem de malária e<br />
outras doenças em áreas rurais e favelas urbanas.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 7: Assegurar a sustentabilidade ambiental<br />
Em 57 pequenas cidades da Uganda, a Associação dos Operadores Privados de Água fornece<br />
água e serviços de esgoto <strong>para</strong> mais de 490.000 pessoas. Nas favelas de Casablanca, no<br />
Marrocos, a Lydec aumentou dramaticamente a porcentagem de habitantes com acesso à<br />
água e eletricidade.<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 8: Estabelecer uma parceria global <strong>para</strong> o<br />
desenvolvimento<br />
Nas Filipinas, a Smart está reduzindo a “exclusão digital” através do fornecimento de cartões<br />
pré-pagos de baixo custo <strong>para</strong> telefones móveis e da viabilização de transações financeiras<br />
através do método de envio de remessas pela tecnologia de serviços de mensagens (SMS).<br />
Com uma rede que cobre mais de 99% da população, o foco da Smart no mercado de baixa<br />
renda a capacita a servir 24,2 milhões de pessoas.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
21
Com uma média de subsídio de US$135 por<br />
mulher, três quartos dos participantes se<br />
tornaram clientes regulares do programa<br />
de microfinanças da BRAC, passando <strong>para</strong><br />
um patamar no qual podem ter acesso aos<br />
mercados financeiros formais. 27<br />
Até mesmo pessoas extremamente pobres<br />
podem se beneficiar de sobras significativas<br />
das melhorias no funcionamento dos<br />
mercados. Como mostrou o estudo feito pelo<br />
Professor Robert Jensen, da Universidade do<br />
Texas, esse é o caso dos pescadores da cidade<br />
de Kerala, na Índia, que podem comprar<br />
celulares e obter informação, em tempo<br />
real, sobre fornecimento, demanda e preços.<br />
Os celulares beneficiam os consumidores<br />
pobres, aumentando os seus lucros em<br />
aproximadamente 8% e reduzindo os preços<br />
em 4%. Até mesmo os pequenos pescadores,<br />
que não podem comprar telefones, se<br />
beneficiam de forma indireta, como explica<br />
Jensen: “Em vez de simplesmente excluir os<br />
pobres ou aqueles de níveis educacionais<br />
mais baixos, o “fornecimento digital” é,<br />
aparentemente, compartilhado de uma forma<br />
mais abrangente por toda a sociedade”. 28<br />
Os negócios descritos nos estudos de<br />
caso contribuem <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
humano de quatro maneiras: atendendo as<br />
necessidades básicas dos pobres, ajudando-os<br />
a se tornarem mais produtivos, aumentando as<br />
suas rendas e capacitando-os.<br />
Atendendo às necessidades básicas. Alguns<br />
dos estudos de caso aqui contidos referem-se<br />
às necessidades básicas, como alimentação,<br />
assistência à saúde,<br />
água, saneamento e<br />
moradia. Nas Filipinas,<br />
a RiteMed, uma nova<br />
divisão de genéricos do<br />
fornecedor de produtos<br />
farmacêuticos Unilab,<br />
alcançou mais de 20<br />
milhões de clientes de<br />
baixa renda em 2006,<br />
com 35 medicamentos<br />
genéricos, vendidos<br />
a preços 20% a 75%<br />
mais baratos em<br />
relação aos remédios de<br />
marca. A Construmex,<br />
provedora de habitação<br />
e financiamento habitacional, já ajudou<br />
mais de 14.000 emigrantes mexicanos que<br />
trabalham nos Estados Unidos a construírem<br />
casas <strong>para</strong> eles e seus familiares no México,<br />
onde se estima que 25 milhões de pessoas<br />
não tenham moradia adequada. No Mali,<br />
companhias rurais de energia, estabelecidas<br />
pela Électricité de France e os seus parceiros,<br />
fornecem eletricidade <strong>para</strong> áreas rurais<br />
com geradores a diesel e sistemas solares<br />
domiciliares – eliminando o uso de lâmpadas<br />
de querosene, melhorando a qualidade do ar<br />
e reduzindo as doenças respiratórias.<br />
Aumentando a produtividade. Modelos<br />
de negócios inclusivos podem aumentar<br />
a produtividade dos pobres através da<br />
venda de equipamentos de produção,<br />
serviços financeiros e tecnologia de<br />
informação e comunicação. A capacitação<br />
dos empregadores, produtores e donos de<br />
pequenos negócios também aumenta a sua<br />
produtividade. Além disso, melhoramentos<br />
no ambiente de negócios, como melhor<br />
regulamentação e infra-estrutura, trazem<br />
avanços <strong>para</strong> todas essas áreas. No México, a<br />
Amanco vende sistemas de irrigação de baixo<br />
consumo de água e maior absorção, que<br />
possibilitam a produção contínua durante 8 a<br />
10 meses ao ano, <strong>para</strong> pequenos produtores<br />
de limão. A companhia almeja aumentar as<br />
colheitas anuais dos produtores de 9 <strong>para</strong><br />
25 toneladas por hectare. A Amanco também<br />
fornece capacitação, oferecendo treinamentos<br />
e facilitando o acesso a financiamento,<br />
por meio de empreendedores sociais e<br />
cooperativas rurais.<br />
22 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Aumentando as rendas. Fazer negócios com<br />
os pobres possibilita o aumento de suas rendas<br />
– tanto através do aumento da produtividade<br />
quanto de novas oportunidades econômicas,<br />
como empregados, fornecedores, distribuidores<br />
ou desempenhando tarefas similares. A Amanco<br />
espera que a renda dos produtores rurais seja<br />
triplicada com os aumentos de produtividade<br />
viabilizados pela empresa. Na China, a<br />
Huatai fornece fontes alternativas de renda<br />
<strong>para</strong> madeireiros locais e aumenta de forma<br />
significativa a renda de aproximadamente 6.000<br />
famílias rurais.<br />
A elevação de renda dos pobres pode<br />
resultar no surgimento de multiplicadores<br />
econômicos dentro da comunidade local,<br />
aumentando indiretamente a renda de muitos<br />
outros. Na Polônia, além dos empregos gerados<br />
e dos serviços de tecnologia de informação e<br />
comunicação fornecidos diretamente pela DTC<br />
Tyczyn, a comunidade beneficiou-se indiretamente<br />
com desmembramentos econômicos que<br />
estabeleceram novos negócios e desencadearam o<br />
aumento do valor de terras em cinco vezes.<br />
Capacitando os pobres. Fazer negócios com os<br />
pobres os capacita de forma significativa, tanto<br />
como indivíduos quanto como comunidades.<br />
Aumentando a conscientização, fornecendo<br />
educação básica, incluindo grupos discriminados<br />
e dando-lhes nova esperança e orgulho, os<br />
modelos de negócios inclusivos podem trazer<br />
a confiança e a força de que precisam <strong>para</strong><br />
escaparem da miséria por seus próprios meios.<br />
No Quênia, os empréstimos fornecidos pelo K-REP<br />
Bank, um fornecedor de microfinanciamento<br />
comercial, são não apenas fontes de investimentos<br />
ou de capital de trabalho, mas também de<br />
autoconfiança e independência.<br />
Alguns modelos de negócios inclusivos<br />
contribuem <strong>para</strong> o desenvolvimento humano<br />
de todas as quatro maneiras. A Amanz’abantu,<br />
um fornecedor de água e saneamento, está<br />
atendendo às necessidades básicas da população<br />
na África do Sul com o fornecimento de serviços<br />
em áreas rurais pobres. Tornando os pobres mais<br />
saudáveis, a companhia ajuda-os a se tornarem<br />
mais produtivos. Como as mulheres não gastam<br />
mais tantas horas buscando água, elas têm a<br />
possibilidade de aumentar a sua renda gastando<br />
mais tempo com atividades produtivas. Além<br />
disso, a Amanz’abantu contribui através da sua<br />
estrutura de propriedade, a qual apresenta como<br />
os proprietários de uma porção considerável das<br />
suas ações empresas que eram historicamente<br />
desvantajosas.<br />
Contribuir <strong>para</strong> o desenvolvimento humano<br />
implica que os pobres e, conseqüentemente, as<br />
sociedades em geral, não são prejudicadas por<br />
um modelo de negócio. Infelizmente, alguns<br />
modelos causam o esgotamento dos recursos<br />
naturais de uma comunidade ao atender às<br />
necessidades imediatas de alguns beneficiários.<br />
Mas os negócios com os pobres não precisam<br />
ser realizados em detrimento do meio ambiente.<br />
Os estudos de caso, bem como o trabalho do<br />
Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o Meio<br />
Ambiente e de outras organizações sobre o<br />
consumo e a produção sustentável demonstram<br />
como os modelos de negócios podem promover a<br />
sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento<br />
humano simultaneamente. 29<br />
Em Mali, os sistemas fotovoltaicos<br />
domiciliares usados pelas companhias<br />
rurais de serviços de energia (montados<br />
pela Électricité de France e seus parceiros)<br />
emitem 95% menos dióxido de carbono<br />
do que as fontes de energia tradicionais,<br />
enquanto os seus geradores a diesel emitem<br />
aproximadamente 85% menos.<br />
Em Trinidad e Tobago, o MT. Plaisir Estate<br />
Hotel está transformando um vilarejo rural<br />
pobre em uma comunidade vibrante e autosustentável,<br />
e ao mesmo tempo protegendo<br />
o meio ambiente e a biodiversidade<br />
(incluindo a tartaruga leatherback, ameaçada<br />
de extinção, que é uma das principais<br />
atrações). O hotel coleta o lixo biodegradável<br />
das cozinhas <strong>para</strong> o uso como fertilizante na<br />
sua fazenda, que produz frutas, verduras e<br />
carnes diversas <strong>para</strong> o resort.<br />
No Brasil, onde a Sadia, gigante do setor<br />
de alimentos, forneceu biodigestores <strong>para</strong><br />
os seus produtores de suínos, os dejetos da<br />
criação de porcos são transformados em<br />
recursos – produzindo biofertilizantes e<br />
ração <strong>para</strong> peixes, fornecendo uma fonte de<br />
energia renovável e gerando renda adicional<br />
<strong>para</strong> os produtores rurais através da venda<br />
de créditos de carbono. A sustentabilidade<br />
ambiental e a redução da pobreza podem,<br />
assim, caminhar juntos.<br />
A CocoTech, uma companhia Filipina,<br />
transforma o refugo da casca do coco<br />
em redes de fibra que previnem a erosão<br />
do solo. Os fornecedores da CocoTech<br />
(produtores de coco), processadores,<br />
entrelaçadores e tecelões (mulheres dos<br />
vilarejos) e os operadores das debulhadoras<br />
(os homens dos vilarejos) são, na sua grande<br />
maioria, provenientes das áreas rurais<br />
pobres. A CocoTech, que teve a sua fundação<br />
em 1993, alcançou o patamar das empresas<br />
de médio porte, com uma receita acima de<br />
$300.000 em 2006.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
23
As necessidades dos consumidores e as oportunidades de negócios podem ser<br />
identificadas no âmbito nacional e local. O acesso ao crédito na Guatemala tende<br />
a ser maior no sudeste, perto da costa do Pacífico e do centro político e econômico<br />
do país, incluindo a cidade de Guatemala [1]. Os bancos têm um papel relativamente pequeno no fornecimento<br />
de crédito <strong>para</strong> a população, independente da sua renda [2]. A maioria dos que pedem empréstimos, em <strong>todos</strong> os<br />
grupos de renda, obtém o crédito através de fontes informais, como amigos, parentes e vizinhos.<br />
[1] Mapa gráfico de mercado:<br />
Famílias vivendo com mais de<br />
$2 por dia<br />
Porção de famílias com acesso<br />
a crédito, por região, 2000 (%)<br />
[3] Mapa gráfico de mercado:<br />
Famílias vivendo com menos<br />
de $2 por dia<br />
Porção de famílias com acesso<br />
a crédito, por região, 2000 (%)<br />
[2] Fontes de crédito: Famílias vivendo<br />
com mais de $2 por dia<br />
Porção de famílias, 2000 (%)<br />
[4] Fontes de crédito: Famílias vivendo<br />
com menos de $2 por dia<br />
Porção de famílias, 2000 (%)<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Sem crédito<br />
Dono de loja,<br />
aldeão, parente<br />
ou amigo, outros<br />
Concessor de<br />
empréstimo,<br />
instituição de<br />
microcrédito,<br />
união de crédito<br />
Banco<br />
Sem crédito<br />
Dono de loja,<br />
aldeão, parente<br />
ou amigo, outros<br />
Concessor de<br />
empréstimo,<br />
instituição de<br />
microcrédito,<br />
cooperativa de<br />
crédito<br />
Banco<br />
24 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Esses padrões podem revelar oportunidades <strong>para</strong><br />
a expansão de serviços de crédito já existentes ou<br />
<strong>para</strong> o fornecimento de novos serviços <strong>para</strong> aqueles<br />
que se encontram fora do mercado – embora os<br />
mapas e gráficos sejam apenas o primeiro passo.<br />
Para construir um business case é necessário fazer<br />
mais pesquisa sobre o que se encontra por trás<br />
desses padrões de acesso.<br />
Um olhar atento sobre o uso efetivo do crédito na<br />
Guatemala oferece mais detalhes e pode aumentar<br />
as oportunidades <strong>para</strong> empreendimentos [5].<br />
Apenas 19% dos que pedem empréstimos em áreas<br />
urbanas, vivendo com mais de $2 por dia, usam os<br />
seus empréstimos <strong>para</strong> investir em vez de consumir,<br />
55% dos que pedem empréstimo em áreas<br />
rurais, vivendo com menos de $2 por dia, investem<br />
o recurso em negócios agrícolas ou outros. Se o<br />
crédito formal for expandido <strong>para</strong> os pobres rurais e<br />
a distribuição dos gastos permanecer a mesma, os<br />
empréstimos seguramente serão investidos em vez<br />
de consumidos.<br />
Mais análises detalhadas e específicas são necessárias<br />
<strong>para</strong> uma boa compreensão da demanda de<br />
crédito entre os pobres. Todavia, os mapas gráficos<br />
de mercado oferecem pistas úteis <strong>para</strong> o melhor<br />
entendimento desses mercados.<br />
D e s v e n d a n d o o<br />
c ó d i g o : e x e m p l o s<br />
b e m - s u c e d i d o s d e<br />
n e g ó c i o s c o m o s<br />
pobres<br />
Dois exemplos bem conhecidos que<br />
“desvendaram o código” <strong>para</strong> se fazer<br />
negócios com os pobres são as microfinanças<br />
e a telefonia móvel. Ambas mostram como<br />
os modelos de negócios inclusivos podem<br />
gerar um círculo virtuoso, melhorando a vida<br />
e a renda das pessoas e se beneficiando do<br />
crescimento resultante. Além disso, ambos os<br />
setores ainda podem crescer imensamente,<br />
expandindo-se ainda mais dentro de países e<br />
mais profundamente entre as populações de<br />
baixa renda.<br />
[5] Oportunidade: Estimativas do uso de crédito na Guatemala entre famílias<br />
vivendo com menos ou mais do que $2 por dia (2000)<br />
Urbanas<br />
Famílias vivendo com<br />
menos de $2 por dia<br />
Rurais<br />
Urbanas<br />
Famílias vivendo com<br />
mais de $2 por dia<br />
Rurais<br />
Negócios agrícolas, outros negócios<br />
Moradia, educação, bens duráveis<br />
Consumo não durável<br />
Fontes: Instituto Nacional de Estatística de Guatemala.<br />
Mapas produzidos por OCHA ReliefWeb.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
25
Mais pessoas esperando pelo microcrédito. O microcrédito foi, provavelmente, o primeiro<br />
modelo a mostrar, em escala global, que os negócios com os pobres podem ser lucrativos. Há<br />
não muito tempo os bancos comerciais consideravam os empréstimos <strong>para</strong> os pobres algo<br />
impensável. Muhammad Yunus, o fundador do Gramreen Bank, lembra-se das suas primeiras<br />
negociações com os bancos no começo dos anos 70: “A primeira coisa que fiz foi tentar<br />
conectar os pobres com o banco localizado no campus. Não funcionou. O banco dizia que os<br />
pobres não eram confiáveis”. 30 O que começou com o Gramreen Bank e alguns outros como<br />
uma ação puramente social e sem fins lucrativos, tornou-se um empreendimento comercial<br />
altamente atrativo. O Gramreen Bank possui hoje 2.499 agências e concede empréstimos a<br />
7,45 milhões de clientes em mais de 80.000 vilas (mais de 97% das vilas de Bangladesh). 31<br />
Fornecer serviços de microfinanças <strong>para</strong> os pobres é visto cada vez mais como uma<br />
oportunidade <strong>para</strong> crescimento e lucratividade. Em 2004, na América Latina, os retornos<br />
financeiros nessa área foram substancialmente mais elevados do que as transações bancárias<br />
convencionais: os retornos de patrimônio na área de microfinanças foi de 31,2%, já os dos<br />
bancos convencionais foi de apenas 16,5%. 32 Em contrapartida, os pobres beneficiam-se: uma<br />
em cada cinco pessoas que pedem empréstimos <strong>para</strong> o Gramreen Bank consegue sair da<br />
pobreza em cerca de quatro anos. 33<br />
Apesar desse progresso, a maioria dos pobres ainda não tem acesso a crédito. O<br />
crescimento da indústria de microcrédito foi tudo, menos vagaroso – de 1997 até 2003 o<br />
número total de clientes cresceu quase 500% 34 – e mesmo considerando o novo objetivo<br />
dessa indústria, <strong>para</strong> 2015, de atingir 175 milhões de famílias 35 , esse número ainda<br />
representaria apenas uma pequena fração da população dos países em desenvolvimento. 36<br />
Figura 1.3. Assinantes de serviços de<br />
telefonia móvel por 100 habitantes,<br />
em 2006<br />
África<br />
Ásia<br />
Mundo<br />
Américas<br />
Oceania<br />
Europa<br />
Fonte: ITU 2006<br />
A telefonia móvel pode expandir-se ainda mais. Os serviços de telefonia móvel, em países<br />
em desenvolvimento, estão se expandindo a uma velocidade de tirar o fôlego (figura 1.3),<br />
com a indústria ganhando novos assinantes duas vezes mais rápido do que em países<br />
desenvolvidos. 37 O mercado africano foi o que mais cresceu entre 2001-2006, com uma<br />
média de crescimento anual de 50%. Em 2006, o continente já tinha 198 milhões de<br />
assinantes, 38 e estima-se que em 2010 esse número alcance a marca dos 250 milhões. 39<br />
Apesar desse enorme crescimento recente da penetração da telefonia móvel, as taxas<br />
de inscrição <strong>para</strong> esse serviço na África ainda são baixas. Em 2006, havia 21,6 assinantes<br />
<strong>para</strong> cada 100 pessoas, muito menos do que os 41 <strong>para</strong> cada 100 na escala global (Quadro<br />
1.3[1]). Na Eritréia e na Etiópia, em 2005, menos de 10 pessoas em cada 1.000 tornaram-se<br />
assinantes de serviços de telefonia móvel.<br />
26 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Um olhar atento sobre os níveis<br />
nacionais pode revelar oportunidades<br />
de negócios. Embora a África do<br />
Sul possua um setor relativamente<br />
avançado de telefonia móvel, grande<br />
parte da população pobre do país não tem acesso ao serviço (ver [1] e [2]). Em áreas<br />
urbanas, 43% das famílias vivendo com menos de $2 por dia têm acesso a celulares,<br />
mas em áreas rurais esse número cai <strong>para</strong> 31%. Famílias vivendo com mais de $2 por<br />
dia não estão em condições muito melhores: em áreas urbanas, 56% têm acesso a<br />
celulares, em áreas rurais são 38%. Além disso, o acesso varia muito de região <strong>para</strong><br />
região. A penetração dos telefones celulares é normalmente maior no oeste e menor<br />
na parte central do país. O Estado Livre tem as maiores disparidades: pelo menos 40%<br />
dos que ganham mais de $2, mas menos de 20% dos que ganham menos de $2 por<br />
dia têm acesso a celulares. Estudar por que o acesso varia tanto entre as regiões e entre<br />
os grupos de renda pode oferecer novas oportunidades <strong>para</strong> diminuir essas diferenças<br />
de acesso.<br />
[1] Mapa gráfico de mercado: Famílias<br />
vivendo com mais de $2 por dia<br />
Porção de famílias com acesso a telefones<br />
celulares, por região, 2006 (%)<br />
[3] Mapa gráfico de mercado: Famílias<br />
vivendo com menos de $2 por dia<br />
Porção de famílias com acesso a telefones<br />
celulares, por região, 2006 (%)<br />
[2] Acesso a telefones celulares na África do Sul:<br />
Famílias vivendo com mais de $2 por dia<br />
Porção de adultos, 2006 (%)<br />
[4] Acesso a telefones celulares na África do Sul:<br />
Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
Porção de famílias, 2006 (%)<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Não possuem<br />
Possuem<br />
Não possuem<br />
Possuem<br />
Fontes: Baseado no FinScope, 2006. As estimativas <strong>para</strong> o acesso a celulares foram tiradas da categoria de pesquisa “faça uso pessoal do... celular<br />
pré-pago”. Na África do Sul, como em muitos outros países africanos, os pré-pagos costumam ser a mais comum ou única opção.<br />
Mapas produzidos pela OCHA ReliefWeb.<br />
CAPÍTULO 1. OPORTUNIDADES PARA AS EMPRESAS - E PARA OS POBRES<br />
27
1 Banco Mundial 2007d. 6,4 bilhões de pessoas é o número<br />
<strong>para</strong> 2005. 2,6 bilhões é o número <strong>para</strong> 2004, e menos de<br />
$2 por dia é o poder de compra com<strong>para</strong>do com o dólar de<br />
1993.<br />
2 Banco de dados de Indicadores de Desenvolvimento<br />
Mundial do Banco Mundial (http://devdata.worldbank.org/<br />
external/CPProfile.aspCCODE=JPN&PTYPE=CP).<br />
3 Banco de dados de Indicadores de Desenvolvimento<br />
Mundial do Banco Mundial.<br />
4 Ver, por exemplo, Banerjee e Duflo 2007.<br />
5 Tooley 2007.<br />
6 IFC 2007.<br />
7 Klein e Hadjimichael 2003.<br />
8 Banerjee e Duflo 2007.<br />
9 O lucro, nesse exemplo, é definido como os ganhos antes<br />
dos juros, depreciação e impostos.<br />
10 Ver Ganchero, Elvie Grace. 2007. Smart Communications:<br />
Lowcost Money Transfers for Overseas Filipino Workers.<br />
PNUD.<br />
11 Loyola 2007.<br />
12 Chu 2007.<br />
13 Christensen e Hart 2002; Christensen, Craig, e Hart 2002.<br />
14 Prahalad 2004.<br />
15 Kahn 2008.<br />
16 Brown e Hagel 2005.<br />
17 A distribuição da riqueza e a capacidade de gerar renda<br />
no mundo podem ser representadas na forma de<br />
uma pirâmide. No topo estão os ricos, com inúmeras<br />
oportunidades <strong>para</strong> gerar altos níveis de renda, e na<br />
base estão as pessoas vivendo com menos de $2 por dia<br />
(Prahalad 2004).<br />
18 Hammond e outros 2007; Prahalad 2004; Prahalad e Hart<br />
2001; Prahalad e Hammond 2002; Hart 2004.<br />
19 Banco de dados de Indicadores de Desenvolvimento<br />
Mundial do Banco Mundial (http://devdata.worldbank.org/<br />
external/CPProfile.aspCCODE=JPN&PTYPE=CP).<br />
20 PNUD2006.<br />
21 Muito trabalho foi e continua sendo feito sobre a<br />
contratação direta pelas empresas em países em<br />
desenvolvimento. A literatura cobre as estratégias do setor<br />
22<br />
23<br />
24<br />
25<br />
26<br />
27<br />
28<br />
29<br />
público <strong>para</strong> incentivar investimentos e a criação de<br />
empregos, abordagens de curto e longo prazo <strong>para</strong> criar<br />
a capacidade da mão-de-obra <strong>para</strong> ocupar essas vagas, a<br />
necessidade de mecanismos <strong>para</strong> ajudar os trabalhadores<br />
a obterem empregos mais bem remunerados e melhores, e<br />
o debate sobre os salários e os padrões das leis trabalhistas.<br />
Mesmo não buscando uma análise exaustiva sobre essa<br />
grande área, este relatório contém vários estudos de caso<br />
que abordam tais temas.<br />
Jenkins 2007, p. 15.<br />
Jenkins e outros 2007.<br />
Fairtrade Labelling Organizations International 2007.<br />
Website do PNUD “The Human Development Concept”<br />
(http://hdr.undp.org/en/humandev/)<br />
Sen 2001.<br />
Fazle e Matin 2007.<br />
Jensen 2007.<br />
UNEP 2001. Ver também iniciativas como a da SEED<br />
(www.seedinit.org) ou AREED (www.areed.org).<br />
Yunus 2003b.<br />
Website do Grameen Bank (www.grameen-info.org).<br />
Chu 2007.<br />
Khander 1998.<br />
Australian Bureau of Statistics n.d.<br />
30<br />
31<br />
32<br />
33<br />
34<br />
35 Associated Press 2006. Ver também The Microcredit<br />
Summit Campaign Phase II Goals (www.<br />
microcreditsummit.org).<br />
36 O setor é seriamente restringido pela falta de capital.<br />
Conforme algumas organizações de microcrédito<br />
evoluem de organizações sem fins lucrativos <strong>para</strong> bancos<br />
comerciais, cresce o seu acesso a mercados de capital<br />
e instrumentos mais complexos de financiamento.<br />
Investidores comerciais em busca de dividendos<br />
equivalentes de mercado podem, de início, afetar de forma<br />
adversa a inclusividade financeira através de altas taxas de<br />
juros, mas o aumento do capital de investimento permite a<br />
expansão de infra-estrutura essencial e aumenta o acesso.<br />
Além disso, os prospectos de competição nesses mercados<br />
podem, por fim, diminuir as taxas de juros <strong>para</strong> os pobres.<br />
37 Ivatury e Pickens 2006.<br />
38 ITU statistics n.d.<br />
39 Ivatury e Pickens 2006.<br />
28 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
2<br />
Obstáculos<br />
no caminho<br />
Filipinas: Ao tomar do<br />
governo a tarefa de operações<br />
<strong>para</strong> o abastecimento de água,<br />
a Manila Water enfrentou<br />
grandes desafios devido à falta<br />
de aplicação de leis.<br />
Foto: Manila Water<br />
Muitas vezes, as condições de mercado em áreas<br />
pobres podem parecer ruins <strong>para</strong> os negócios. Mercados bem<br />
desenvolvidos e funcionais possuem infra-estrutura adequada, fluxos contínuos<br />
de informação e um ambiente de regulamentação favorável aos negócios, ao<br />
mesmo tempo em que mantêm o limite do risco de queda do seu crescimento.<br />
Os participantes do mercado têm habilidades, conhecimento e acesso a produtos<br />
e serviços financeiros. Diferentemente, onde impera a miséria, a maioria desses<br />
fatores não existe – excluindo os pobres de participarem dos mercados de maneira<br />
efetiva – e excluindo as empresas dos mercados dos pobres.<br />
Os estudos de caso presentes neste relatório demonstram como essas limitações<br />
podem afetar empresas que procuram interagir com os pobres. Eles mostram cinco<br />
tipos de restrições gerais:<br />
Informação limitada sobre o mercado. As empresas sabem muito pouco sobre<br />
os pobres – as suas preferências, quanto podem pagar e o que têm a oferecer<br />
como empregados, produtores e donos de negócios.<br />
Ambientes de regulamentação ineficientes. Os mercados pobres não possuem<br />
estrutura de regulamentação que permite o funcionamento dos negócios.<br />
Regras não são respeitadas. Falta acesso às oportunidades e proteções<br />
oferecidas por sistemas legais funcionais.<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
29
Dada a importância da geografia nas disparidades<br />
de riquezas, modelos de negócios inclusivos devem<br />
analisar o acesso dos pobres a bens e serviços de<br />
forma geoespacial. Um olhar mais atento sobre os meios<br />
de acesso ao crédito na Guatemala mostra como as restrições regionais nos<br />
ambientes de mercado podem afetar o acesso aos mesmos (ver Quadro 1.2).<br />
Como a rede de estradas do país continua, em grande parte, subdesenvolvida,<br />
com apenas 1,2 quilômetros de estrada pavimentada por 1.000 habitantes,<br />
muitos dos vilarejos rurais pobres da Guatemala são relativamente isolados.<br />
(Com<strong>para</strong>tivamente, a Costa Rica, com aproximadamente metade da população<br />
da Guatemala, possui cerca de 11,1<br />
quilômetros de estradas por 1.000<br />
habitantes). No geral, 13% das famílias<br />
guatemaltecas não têm acesso a ruas<br />
asfaltadas. Mas esse número aumenta<br />
<strong>para</strong> quase 20% <strong>para</strong> as famílias no<br />
norte, noroeste e nordeste, entre as<br />
mais pobres do país. 1<br />
Nesse exemplo, duas restrições<br />
de mercado aparentemente se<br />
sobrepõem: falta de infra-estrutura<br />
física e falta de acesso ao crédito. Os<br />
mesmos padrões provavelmente irão<br />
aparecer <strong>para</strong> outros obstáculos, como<br />
na informação sobre o mercado. Nos<br />
mercados pobres, as dificuldades<br />
podem acompanhar e reforçar uma a<br />
outra: estradas levam a áreas com mais<br />
atividade econômica e onde existem<br />
estradas a economia cresce. Outras<br />
áreas ficam de fora. Esses obstáculos<br />
interligados podem criar desafios<br />
enormes <strong>para</strong> os pobres e <strong>para</strong> as<br />
empresas também.<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Sem crédito<br />
Dono de loja, aldeão,<br />
parente ou amigo,<br />
outros<br />
Nota: As linhas pretas no mapa representam estradas asfaltadas.<br />
Fonte: Baseado no Instituto Nacional de Estatística da Guatemala 2000 e Henninger e<br />
Snel 2002. Mapa produzido por OCHA ReliefWeb, 5 de fevereiro de 2008.<br />
Concessor de<br />
empréstimo,<br />
instituição de<br />
microcrédito,<br />
cooperativa de<br />
crédito<br />
Banco<br />
30 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Infra-estrutura física inadequada.<br />
O transporte é complicado pela falta<br />
de estradas e infra-estrutura de apoio.<br />
Água, eletricidade, saneamento e redes<br />
de telecomunicações também podem não<br />
existir.<br />
Falta de conhecimento e habilidades.<br />
Os consumidores podem não saber <strong>para</strong><br />
que servem certos produtos e quais são<br />
seus benefícios; ou podem não ter a<br />
habilidade <strong>para</strong> usá-los de forma eficaz.<br />
Fornecedores, distribuidores e varejistas<br />
podem não ter o conhecimento e a<br />
capacitação <strong>para</strong> fornecer produtos de<br />
qualidade e serviços de forma consistente,<br />
no prazo e a preços fixos.<br />
Acesso restrito a produtos e serviços<br />
financeiros. Sem crédito, os produtores<br />
e consumidores pobres não podem<br />
financiar investimentos ou compras<br />
maiores. Sem seguro não podem proteger<br />
os seus poucos bens e rendas contra<br />
dificuldades inesperadas, como doenças,<br />
secas ou roubos. Além disso, a falta de<br />
serviços que permitam a realização de<br />
transações bancárias os faz enfrentar<br />
financiamentos caros e sem segurança.<br />
Há muito identificadas como as maiores<br />
causas da persistência da miséria, essas<br />
restrições foram discutidas exaustivamente<br />
na literatura sobre o desenvolvimento. 1 Mas<br />
como as empresas as encaram E como<br />
cada uma delas afeta o desenvolvimento<br />
de modelos de negócios inclusivos O<br />
Desencadeando o Empreendedorismo<br />
mostrou que “a construção de um<br />
setor privado forte requer uma base<br />
sólida nos macroambientes globais e<br />
nacionais, na infra-estrutura física e<br />
social e no estado de direito” 2 Nele, o<br />
acesso a financiamento, capacitação e<br />
conhecimento, assim como um campo de<br />
atuação equilibrado <strong>para</strong> as empresas,<br />
foram identificados como os pilares<br />
do empreendedorismo. Os estudos de<br />
caso aqui discutidos confirmam essas<br />
descobertas: o empreendedorismo<br />
é severamente obstruído quando as<br />
condições necessárias <strong>para</strong> um mercado<br />
funcional não existem.<br />
Vilarejos rurais e favelas urbanas são<br />
os principais ambientes de mercado dos<br />
pobres. No âmbito global, a miséria rural<br />
responde por quase 75% da pobreza<br />
extrema (com uma renda per capita<br />
inferior a $1 por dia). Mas a miséria<br />
também existe nas cidades, concentrada<br />
especialmente nas favelas. Um em cada<br />
três moradores de cidades, ou 1 bilhão de<br />
pessoas, vive em favelas. 3<br />
Nesse contexto, os desafios estruturais<br />
impedem os pobres e as empresas<br />
de aproveitarem oportunidades que<br />
beneficiariam ambas as partes. Em geral,<br />
os obstáculos coexistem, muitas vezes,<br />
um reforçando o outro. A informação<br />
sobre o mercado, por exemplo, depende<br />
da infra-estrutura existente <strong>para</strong> o seu<br />
fluxo e depende também de conhecimento<br />
e habilidades <strong>para</strong> a sua interpretação.<br />
Do mesmo modo, os serviços financeiros<br />
exigem a aplicação de regras e<br />
regulamentações.<br />
Moldávia<br />
Foto: UNICEF/Julie<br />
Pudlowski<br />
Informação de mercado<br />
Muitas vezes, os empreendedores não têm informações detalhadas sobre os mercados em áreas<br />
pobres, especialmente aqueles em zonas rurais. Essas áreas, freqüentemente, não possuem meios<br />
de informação – como pesquisas de mercado ou serviços de rating – <strong>para</strong> serem consolidados ou<br />
distribuídos, tornando difícil a avaliação da viabilidade dos empreendimentos nessas localidades.<br />
Por exemplo, quando a Tsinghua Tongfang se propôs a desenvolver um computador <strong>para</strong> as<br />
famílias rurais, a empresa não sabia qual software específico sobre agricultura seria mais útil aos<br />
seus consumidores. Ela desenvolveu um website, com capacidade de agrupamento de dados, <strong>para</strong><br />
uma comunidade on-line, e de livre acesso <strong>para</strong> produtores rurais e especialistas agrícolas. Da mesma<br />
forma, quando o Barclays Bank deu início, em Gana, a sua linha de negócios <strong>para</strong> clientes de baixa<br />
renda, o banco teve dificuldade em encontrar informação sobre quais serviços bancários esses clientes<br />
demandavam, o volume das suas poupanças, as suas necessidades de crédito e os preços que estavam<br />
dispostos a pagar. Hoje, com mais informação sobre as necessidades desses clientes, o Barcleys está<br />
mais capacitado <strong>para</strong> desenvolver produtos vendáveis – assim como <strong>para</strong> administrar os riscos de<br />
forma mais eficaz. Superar as assimetrias de informação sobre preços, qualidade e necessidades dos<br />
pobres é a única maneira de as empresas alcançarem o sucesso nesses mercados.<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
31
Quadro 2.2. Mapas gráficos<br />
de mercado<br />
A falta de acesso à informação sobre os pobres e os<br />
lugares onde vivem é um dos principais obstáculos <strong>para</strong><br />
os modelos de negócios inclusivos. Institutos nacionais<br />
de estatística, bancos de desenvolvimento e doadores<br />
de recursos possuem informações sobre estudos de<br />
mercado e levantamentos sócio-econômicos das famílias<br />
– mas se encontram enterrados em bancos de dados.<br />
Tornar essas informações mais acessíveis pode reduzir as<br />
incertezas ao entrar nesses mercados.<br />
Os mapas gráficos de mercado ilustram como muitos<br />
pobres participam dos mercados. Eles mostram o acesso<br />
a bens e serviços em setores e países selecionados, e<br />
como esses bens e serviços são fornecidos. Por trás<br />
dos mapas existe uma rica literatura e uma extensa<br />
experiência em mapear a miséria. Os mapas também são<br />
complementares aos esforços atuais <strong>para</strong> a obtenção<br />
de dados detalhados sobre consumidores de baixa<br />
renda – como, por exemplo, a iniciativa do Banco<br />
Interamericano de Desenvolvimento <strong>para</strong> compilar<br />
informações específicas sobre grupos de baixa renda na<br />
América Latina e no Caribe, e um relatório da Corporação<br />
Financeira Internacional elaborado juntamente com<br />
o Instituto de Recursos Mundiais, que destaca as<br />
oportunidades de mercado representadas pelos pobres e<br />
“quase pobres”. (Hammond e outros 2007.)<br />
Como uma ferramenta analítica, os mapas gráficos<br />
fornecem informações detalhadas sobre a natureza<br />
e a composição dos mercados pertinentes ao<br />
desenvolvimento humano. Visualmente atrativos, os<br />
mapas possuem uma combinação de informações que<br />
permite a leitura imediata da inclusividade dos mercados<br />
e ajuda a:<br />
revelar as demandas não atendidas dos pobres na<br />
condição de consumidores, e as oportunidades não<br />
aproveitadas como produtores. Os mapas gráficos de<br />
mercado mostram quantos consumidores em potencial<br />
<strong>para</strong> um bem ou serviço foram (ou não) atendidos.<br />
Eles também indicam como os mercados inclusivos<br />
funcionam <strong>para</strong> grupos de consumidores diferentes,<br />
os pobres e os não pobres. Essa informação pode ser<br />
traduzida em oportunidades não aproveitadas de<br />
expansão e inovação no fornecimento de produtos e<br />
serviços. Além disso, os mapas mostram como os pobres<br />
são marginalizados pelo lado da oferta dos mercados,<br />
refletindo oportunidades não realizadas tanto <strong>para</strong> os<br />
pobres quanto <strong>para</strong> a sociedade em geral;<br />
avaliar a inclusividade do mercado. Os mapas<br />
gráficos de mercado podem lançar luz sobre a<br />
inclusividade do mercado em sua dimensão espacial,<br />
como regiões geográficas, áreas urbanas versus<br />
áreas rurais, entre outros – o que ajuda a destacar as<br />
oportunidades não aproveitadas;<br />
ilustrar a estrutura da oferta. Os mapas também<br />
ilustram a estrutura da oferta, mostrando a presença e<br />
as relativas participações de mercado <strong>para</strong> diferentes<br />
tipos de fornecedores. Eles podem ser diferenciados por<br />
tipo de propriedade (pública, privada, organização não<br />
governamental), tamanho (multinacional, micro, pequena<br />
ou média empresa), ou qualquer outro critério relevante.<br />
A m b i e n t e<br />
r e g u l a t ó r i o<br />
Sistemas de regulamentação em áreas<br />
pobres, normalmente, não são desenvolvidos o<br />
bastante <strong>para</strong> apoiar a entrada, o crescimento<br />
ou o desenvolvimento de negócios. Na Polônia,<br />
a empresa de serviços Luban luta contra a<br />
falta de uma estrutura política coerente de<br />
apoio ao desenvolvimento de bioenergia,<br />
incluindo uma melhor integração de políticas<br />
de energia e agricultura. A VidaGás, uma<br />
companhia de energia em Moçambique,<br />
necessita de uma estrutura de regulamentação<br />
que vise à segurança dos consumidores e ao<br />
controle de qualidade – uma mudança que<br />
enviaria sinais importantes <strong>para</strong> investidores<br />
e outras empresas – <strong>para</strong> que o gás petrolífero<br />
liquefeito possa ser estabelecido como um<br />
combustível alternativo no seu mercado.<br />
Freqüentemente, as regulamentações nos<br />
países em desenvolvimento são dificultadas<br />
pelo excesso de burocracia. Cumprir todo o<br />
trâmite burocrático leva tempo e dinheiro,<br />
impondo um custo de oportunidade excessivo,<br />
enquanto pagamentos – como taxas de<br />
registro e licenças – impõem custos diretos<br />
significativos. No Senegal, as barreiras<br />
burocráticas e um ambiente empresarial<br />
mal am<strong>para</strong>do exigiram que o Chaka Money<br />
Express e os seus afiliados passassem por<br />
procedimentos legais intermináveis <strong>para</strong><br />
adquirirem as licenças <strong>para</strong> transferência de<br />
<strong>valores</strong>.<br />
Pode levar muito mais tempo e ser mais<br />
caro abrir um negócio em regiões de grandes<br />
proporções nos países em desenvolvimento<br />
(FIG. 2.1). Na América Latina e no Caribe, abrir<br />
um negócio leva, em média, 73 dias e custa,<br />
aproximadamente, 48% da renda per capita,<br />
enquanto nos países membros da Organização<br />
<strong>para</strong> a Cooperação e Desenvolvimento<br />
Econômico (OCDE) leva, em média, 17 dias<br />
e custa, aproximadamente, 5% da renda per<br />
capita.<br />
Muitas empresas nos países em<br />
desenvolvimento operam informalmente<br />
porque não podem pagar as taxas necessárias<br />
<strong>para</strong> ficarem em dia com as regulamentações.<br />
Como apontou a Iniciativa do PNUD,<br />
Habilitação Jurídica dos Pobres, as políticas<br />
econômicas e as leis de comércio na maioria<br />
dos países em desenvolvimento geralmente<br />
têm se voltado <strong>para</strong> grandes empreendimentos,<br />
excluindo o vasto número de pobres que são<br />
donos de negócios.<br />
32 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 2.1. Tempo e custo médio <strong>para</strong> se abrir<br />
um negócio, por região<br />
Duração (dias) Procedimentos (número) Custo (%da RNB per capita)<br />
África Subsaariana<br />
Sul da Ásia<br />
OCDE<br />
Oriente Médio e Norte da África<br />
América Latina e Caribe<br />
Europa e Ásia Central<br />
Oeste da Ásia e Pacífico<br />
Fonte: Banco de dados do Fazendo Negócios, do Banco Mundial<br />
Estes raramente beneficiam-se das estruturas<br />
legais formais. 4 Contudo, a informalidade<br />
gera problemas <strong>para</strong> as conexões entre<br />
os negócios. As companhias formais<br />
encontram dificuldades <strong>para</strong> obter produtos<br />
e serviços de organizações informais sem<br />
contratos formalizados. Bancos e serviços<br />
de financiamento também encontram<br />
dificuldades <strong>para</strong> trabalhar com pobres que<br />
não possuem documentos e identificação.<br />
Ainda mais desafiador que os ambientes<br />
de regulamentação inadequados é o não<br />
cumprimento habitual das leis existentes.<br />
Nessa situação, até mesmo grandes<br />
empreendimentos relutam em prosseguir<br />
com grandes incumbências. Quando a<br />
Manila Water assumiu as operações de<br />
abastecimento de água do governo filipino,<br />
a empresa teve, inicialmente, grandes<br />
perdas porque a água era regularmente<br />
roubada dos dutos <strong>para</strong> ser revendida.<br />
Ambientes inseguros e em crise estão entre<br />
os maiores desafios enfrentados pelas<br />
empresas.<br />
Infra-estrutura física<br />
A falta de infra-estrutura física é mais um<br />
elemento significativo <strong>para</strong> o aumento<br />
nos custos dos negócios com os pobres.<br />
Especialmente nas áreas rurais, mas também<br />
em favelas urbanas, os pobres não possuem<br />
meios de transporte ou conexões com redes<br />
de transferência de dados. Outras infraestruturas<br />
deficientes incluem logística,<br />
represas e irrigação, fornecimento de água,<br />
eletricidade e saneamento e<br />
coleta de lixo. 5<br />
República Democrática do Congo: As áreas rurais<br />
freqüentemente não possuem uma infra-estrutura <strong>para</strong> o fornecimento de<br />
água e saneamento aos pobres. Foto: UNICEF/Julie Pudlowski<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
33
Vietnã:<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
Nos países em desenvolvimento, muitos<br />
não têm acesso a estradas funcionais. Os<br />
53 países classificados pelo Banco Mundial<br />
como sendo de baixa renda têm 239.000<br />
quilômetros de estradas, enquanto os 60<br />
países de renda elevada possuem 3,6 milhões<br />
de quilômetros. 6 Quando a Celtel montou a<br />
sua rede de telecomunicações na República<br />
Democrática do Congo, apenas uma das dez<br />
capitais de províncias do país era acessível por<br />
estrada, três eram por rio e apenas seis por<br />
via aérea. Quando a EQI fundou a Iniciativa<br />
de Desenvolvimento Sustentável em Siwa, no<br />
deserto ocidental do Egito, a empresa precisou<br />
suportar custos mais elevados, além de<br />
logísticas complicadas por causa do isolamento<br />
e inacessibilidade do oásis. Na Mauritânia,<br />
onde a fábrica de laticínios de camelo da<br />
Tiviski foi fundada, não havia estradas, nem<br />
infra-estrutura logística <strong>para</strong> a produção de<br />
laticínios em um clima quente de deserto (como<br />
caminhões com refrigeração).<br />
De acordo com a Avaliação do Clima de<br />
Investimentos do Banco Mundial, a falta de<br />
infra-estrutura física, que tem seus maiores<br />
índices de incidência em regiões de países em<br />
desenvolvimento, é um dos maiores obstáculos<br />
<strong>para</strong> a operação e o crescimento de negócios.<br />
(FIG. 2.2). 7<br />
Figura 2.2. Empresas encaram a falta de infra-estrutura<br />
como um obstáculo substancial<br />
África Subsaariana<br />
Sul da Ásia<br />
Oriente Médio e Norte da<br />
África<br />
América Latina e Caribe<br />
Europa e Ásia Central<br />
Oeste da Ásia e Pacífico<br />
Nota: Os dados mostram a porção de firmas que relatam a falta de eletricidade, telecomunicações ou<br />
transportes como obstáculos “principais” ou “severos” <strong>para</strong> a operação e <strong>para</strong> o crescimento dos seus<br />
negócios. Fonte: Baseado no Estudo sobre o Clima de Investimentos do Banco Mundial 2004.<br />
34 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Restrições no ambiente de mercado afetam<br />
a sua estrutura. Com freqüência, pequenos<br />
fornecedores informais servem áreas onde<br />
empreendimentos maiores e formais não<br />
operam devido aos altos custos. Veja,<br />
por exemplo, o mercado de água do Haiti. A distribuição de água depende, principalmente, de uma infraestrutura<br />
funcional, mas construir uma extensa rede de dutos custa caro. O Haiti é um dos 50 países menos<br />
desenvolvidos, ocupando a posição 146 dos 177 países no índice de desenvolvimento humano do PNUD. 1 Em<br />
2001, 78% da população do Haiti – e cerca de 86% da sua população rural – vivia com menos de $2 por dia. 2<br />
O baixo crescimento econômico, desastres naturais, instabilidade política e má governança desgastaram os<br />
serviços públicos básicos. 3 Como mostra o mapa gráfico, o acesso à água encanada é, no geral, bem limitado:<br />
apenas um terço dos pobres urbanos do Haiti, e menos de um terço dos pobres rurais, têm acesso à água<br />
potável. 4<br />
A falta de uma infra-estrutura funcional e de fornecimento de água encanada resultou em um mercado de<br />
água “alternativo” vibrante, pelo menos nas áreas urbanas, onde os 45% da população vivendo com menos<br />
de $2 por dia tem acesso à água através de caminhões-cisterna, em garrafas ou transportada em baldes –<br />
serviços tipicamente fornecidos por pequenos<br />
comerciantes informais.<br />
A mesma tendência aparece em muitos<br />
outros países onde o fornecimento de<br />
água encanada é deficiente ou inexistente.<br />
Estimativas recentes sugerem que mais de 1<br />
bilhão de pessoas, ou cerca de um sexto da<br />
população mundial, não têm acesso a fontes<br />
modernas de água. Aproximar-se desses<br />
empreendimentos “alternativos” do setor<br />
privado poderia ser uma maneira prática de<br />
aumentar o acesso à água potável.<br />
Nota: O acesso à água inclui tanto o acesso<br />
à água encanada privada (dentro e fora de<br />
casa, incluindo poços dentro de casa) quanto à<br />
água encanada pública. As cores mais escuras<br />
representam maior acesso.<br />
Fonte: Baseado no Institut Haïtien de Statistique<br />
et d’Informatique 2001.<br />
Mapa produzido pela OCHA ReliefWeb.<br />
Poço, rio ou lago,<br />
chuva, outros<br />
Água transportada em<br />
caminhões-cisterna,<br />
água engarrafada, água<br />
transportada em balde<br />
Água encanada<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
35
Conhecimento e habilidades<br />
Conhecimento e habilidades são essenciais<br />
<strong>para</strong> a inclusão dos pobres no mercado como<br />
consumidores, empregados e produtores.<br />
Mas muitas vezes eles têm acesso limitado<br />
à educação e à informação. A educação<br />
formal entre os pobres, especialmente os<br />
das áreas rurais, é extremamente baixa. Nos<br />
países menos desenvolvidos, apenas 53%<br />
da população acima dos 15 anos de idade é<br />
alfabetizada. 8 Os anos de escolaridade variam<br />
muito, mas a quantidade e a qualidade da<br />
educação, em geral, é significativamente<br />
mais baixa entre os pobres. Além disso, a<br />
“exclusão digital” é grande: apenas 4% dos<br />
africanos tinham acesso à Internet em 2005,<br />
enquanto muitos não possuíam sequer um<br />
rádio. 9<br />
Como consumidores, os pobres podem<br />
não reconhecer, ou não ter a capacidade<br />
de avaliar a utilidade de um produto ou o<br />
seu valor. No exemplo citado da Tsinghua<br />
Tongfang, a população rural da China não<br />
está acostumada a usar e se beneficiar<br />
dos computadores e outras ferramentas<br />
tecnológicas, portanto a demanda por esses<br />
produtos é baixa – até que eles aprendam<br />
a tirar proveito deles. Como disse Jun Li,<br />
vice-gerente geral do departamento de<br />
computação da Tsinghua Tongfang: “A<br />
primeira coisa que precisamos fazer é dizer<br />
aos produtores rurais que os computadores<br />
são úteis e a segunda é ensiná-los a usar.”<br />
As lacunas no capital humano e nas<br />
habilidades também podem limitar a<br />
produtividade dos pobres como empregados,<br />
impedindo-os de se tornarem produtores<br />
bem-sucedidos pelos seus próprios meios.<br />
Quando faltam conhecimento e habilidade,<br />
as empresas têm dificuldade de assegurar<br />
bons padrões de produção. Em Gana,<br />
a Companhia Integrada Tamale Fruit<br />
produz mangas orgânicas certificadas,<br />
mas quando a empresa iniciou os seus<br />
negócios, os produtores rurais não tinham<br />
familiaridade com o cultivo orgânico, não<br />
podendo, portanto, atender aos padrões de<br />
alta qualidade exigidos <strong>para</strong> esse tipo de<br />
produção.<br />
Figura 2.3. A penetração dos seguros é baixa na maioria dos países<br />
em desenvolvimento<br />
Prêmios de seguro (% do PIB)<br />
Estados Unidos<br />
África do Sul<br />
Filipinas<br />
Nigéria<br />
China<br />
Índia<br />
Fontes: Swiss Re 2007 <strong>para</strong> os Estados Unidos, Sigma Insurance <strong>para</strong> mercados emergentes.<br />
36 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A c e s s o a s e r v i ç o s<br />
financeiros<br />
Produtos e serviços financeiros reduzem riscos e<br />
custos de transação e criam estabilidade. Crédito<br />
e seguros reduzem a vulnerabilidade e permitem<br />
que as empresas obtenham oportunidades.<br />
Serviços de poupança e transações bancárias<br />
ajudam a administrar recursos de forma<br />
mais eficaz. O acesso a serviços financeiros<br />
básicos é crucial, especialmente <strong>para</strong><br />
empreendedores potenciais – e, por extensão,<br />
<strong>para</strong> empreendimentos maiores e mais bem<br />
estabelecidos comprarem desses empreendedores<br />
ou venderem <strong>para</strong> eles.<br />
O crédito permite que pequenas e médias<br />
empresas entrem no mercado, aumentem<br />
a produção, incrementem a tecnologia e<br />
modifiquem ou melhorem os seus produtos e<br />
serviços. 10 Sem o fácil acesso a crédito, por<br />
exemplo, torna-se difícil <strong>para</strong> produtores rurais<br />
adquirirem os equipamentos de irrigação de<br />
pequeno porte, mas de alta eficiência, que a<br />
Amanco oferece no México, mesmo que essa<br />
tecnologia possibilite triplicar suas colheitas.<br />
De acordo com a Conferência das Nações<br />
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, “o<br />
aspecto financeiro é identificado em muitas<br />
pesquisas de negócios como o fator mais<br />
importante <strong>para</strong> a sobrevivência e o crescimento<br />
de pequenas e médias empresas, tanto nos<br />
países em desenvolvimento quanto nos países<br />
desenvolvidos.” 11<br />
O acesso ao crédito em países em<br />
desenvolvimento ainda é muito menor do que<br />
em países desenvolvidos. O volume de crédito<br />
em relação ao Produto Interno Bruto é de<br />
85% em países de renda alta, 30% em países<br />
de renda média-alta, 25% em países de renda<br />
média-baixa e de apenas 12% em países de baixa<br />
renda. 12 Mesmo com um crescimento acelerado,<br />
o microcrédito alcançou apenas 82 milhões de<br />
famílias ao final de 2006. 13<br />
O alcance de serviços de seguros é ainda<br />
menor entre os pobres. Os prêmios dos seguros,<br />
em relação ao Produto Interno Bruto, excedem<br />
9% nos Estados Unidos, mas são inferiores a 3%<br />
nas Filipinas, Nigéria e China (FIG. 2.3).<br />
Negócios de seguros facilitam os outros<br />
negócios. Aqueles que podem pagar por um<br />
seguro, e assim controlar o risco de perdas, têm<br />
Superar restrições de<br />
mercado pode ser uma<br />
oportunidade de negócios.<br />
Quadro 2.4.<br />
Microseguros<br />
na Índia<br />
A falta de acesso dos pobres a seguros, por<br />
exemplo, pode equivaler a um enorme mercado<br />
<strong>para</strong> empresas que encontram maneiras de superar<br />
os obstáculos. Um estudo recente realizado pela<br />
Unidade do Relatório de Desenvolvimento Humano<br />
do PNUD descobriu que 5 milhões de pessoas<br />
na Índia – apenas 2% dos pobres do país – têm<br />
seguros. O estudo estimou o tamanho do mercado<br />
potencial em $1,4-$1,9 bilhões (<strong>para</strong> seguros de<br />
vida e outros). Modelos de negócios inovadores<br />
estão emergindo <strong>para</strong> capturar esse grande<br />
mercado. Na Índia, a Innovative Rainfall-Indexed<br />
Insurance é uma instituição piloto subvencionada<br />
pelo Banco Mundial e fundada pelo Krishna Bhima<br />
Samruddi Bank. Os pagamentos dos seus seguros<br />
dependem unicamente das condições do tempo,<br />
sem qualquer exigência de avaliação de perdas.<br />
Fontes: PNUD 2007<br />
mais liberdade <strong>para</strong> fazer investimentos de longo<br />
prazo. Além disso, os bancos são mais propensos<br />
a conceder crédito <strong>para</strong> consumidores<br />
segurados. A falta do seguro é uma das<br />
razões pelas quais os produtores encontram<br />
dificuldades <strong>para</strong> se alinharem a contratos com<br />
recuperação de investimentos de longo prazo.<br />
No Brasil, a VCP desejava incluir produtores<br />
rurais pobres na produção de madeira <strong>para</strong> a<br />
fabricação de papel. Mas as árvores só estariam<br />
prontas <strong>para</strong> o corte após sete anos. Sem o<br />
seguro contra desastres naturais os pequenos<br />
produtores corriam o risco de perder todo o seu<br />
investimento.<br />
Serviços de poupança e de transações<br />
bancárias reduzem os custos e expandem os<br />
mercados ao longo do tempo ao permitir o<br />
comprometimento das pessoas através da<br />
credibilidade. Sem serviços bancários acessíveis,<br />
negociar com os pobres torna-se muito<br />
dispendioso. A significativa inconstância de suas<br />
rendas apresenta riscos <strong>para</strong> os negócios. Além<br />
disso, a precariedade dos serviços financeiros<br />
reduz a demanda porque os pobres não<br />
conseguem financiar compras sem poupanças<br />
e sem crédito – ainda que pudessem arcar com<br />
os custos dessas compras no decorrer do tempo.<br />
Em Uganda, apenas 15% das famílias possuem<br />
poupança em instituições formais. No Zâmbia, as<br />
taxas são tão elevadas que a maioria das pessoas<br />
teria de aceitar um retorno negativo sobre as<br />
suas poupanças <strong>para</strong> poderem usufruir desse<br />
serviço na formalidade. 14<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
37
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
13<br />
14<br />
Ver, por exemplo, o workshop conjunto do Departamento de Desenvolvimento<br />
Internacional do Reino Unido – Banco Asiático de Desenvolvimento sobre Fazendo<br />
Mercados Funcionarem Melhor <strong>para</strong> os Pobres em Manila 2005 (www.dfid.gov.uk/<br />
news/files/trade_news/adb-workshop.asp).<br />
PNUD 2004.<br />
UNFPA 2007.<br />
PNUD 2008.<br />
Relatório do Banco Mundial sobre Infra-estrutura.<br />
Países de baixa renda tiveram uma Renda Nacional Bruta per capita de $905 ou<br />
menos em 2004; países de renda alta tiveram uma Renda Nacional Bruta per capita<br />
de $11,116 ou mais (Banco Mundial 2005).<br />
Escribano e outros 2005.<br />
PNUD 2007. Refere-se a 1995-2005.<br />
Banco de dados dos Indicadores Mundiais de Telecomunicações da União<br />
Internacional de Telecomunicações.<br />
Jenkins e outros 2007.<br />
Ruffing 2006.<br />
PNUD 2004.<br />
Associated Press 2006.<br />
CGAP 2007.<br />
38 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
PARTE<br />
II<br />
C i n c o e s t r a t é g i a s<br />
que funcionam<br />
CAPÍTULO 2. OBSTÁCULOS NO CAMINHO<br />
39
Figura II.1. Matriz<br />
estratégica da Iniciativa<br />
Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Obstáculos<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Nota: As áreas em azul escuro indicam as combinações obstáculo-estratégia encontradas em mais de um em quatro casos onde a restrição aparece. As áreas<br />
em azul mesclado indicam as combinações encontradas em menos de um <strong>para</strong> cada quatro, mas mais de 1 em 10 casos onde o obstáculo aparece. As áreas<br />
em azul claro indicam as combinações encontradas em menos de 1 em 10 casos onde o obstáculo aparece.<br />
Fonte: Análises do autor sobre os dados, como descrito no texto.<br />
40 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Como mostra a parte I, amplas oportunidades<br />
existem <strong>para</strong> se fazer negócios com os pobres,<br />
e elas podem gerar, <strong>para</strong> as empresas, lucros<br />
e crescimento numa perspectiva de longo<br />
prazo, e <strong>para</strong> os pobres, a capacitação de que<br />
necessitam <strong>para</strong> poderem melhorar suas vidas.<br />
Entretanto, capitalizar essas oportunidades<br />
implica em assumir desafios complexos. Cinco<br />
grandes obstáculos são encontrados no caminho:<br />
informação limitada sobre o mercado, ambientes<br />
de regulamentação ineficazes, infra-estrutura<br />
inadequada, falta de conhecimento e habilidades e<br />
acesso restrito a serviços financeiros.<br />
Apesar da existência desses obstáculos,<br />
muitos modelos de negócios inclusivos estão<br />
tendo sucesso. Exemplos dos estudos de caso<br />
incluem empresas que empregam pobres nas<br />
indústrias têxteis e turísticas; empresas que<br />
compram café, algodão, caju, redes de fibra<br />
de coco, além de outros insumos e produtos<br />
agrícolas, de produtores pobres; empresas<br />
que oferecem serviços básicos – como água,<br />
saneamento e serviços de saúde – <strong>para</strong> os<br />
pobres; e empresas que fornecem serviços<br />
como eletricidade, crédito e telecomunicações,<br />
aumentando a produtividade dos pobres.<br />
As soluções que permitem o sucesso dessas<br />
empresas são tão variadas quanto os ambientes<br />
nos quais elas operam. Não obstante, a análise<br />
dessas soluções revela diversos padrões. Os<br />
modelos de negócios inclusivos aqui analisados<br />
foram bem-sucedidos diante de restrições de<br />
mercado significativas, usando sempre, <strong>para</strong><br />
contornar ou eliminar essas restrições, uma ou<br />
mais das cinco estratégias básicas:<br />
Adaptação de produtos e processos. Por<br />
exemplo, usando tecnologia sem fio <strong>para</strong><br />
evitar os obstáculos apresentados pela falta de<br />
linhas terrestres.<br />
Investimento na remoção de restrições<br />
do mercado. Por exemplo, conduzindo<br />
pesquisas de mercado, treinando, informando<br />
e incorporando opções de financiamento nas<br />
ofertas de produtos e serviços.<br />
Fortalecimento do potencial dos pobres.<br />
Por exemplo, contratando pobres como<br />
distribuidores ou varejistas em suas<br />
comunidades, desenvolvendo produtos e<br />
serviços em parceria com eles e atuando por<br />
meio de suas redes sociais <strong>para</strong> desenvolver<br />
sistemas informais de regulamentação<br />
contratual.<br />
Combinação de recursos e capacidades<br />
com outras instituições. Por exemplo,<br />
trabalhando com organismos públicos<br />
<strong>para</strong> treinar produtores rurais na gestão<br />
de qualidade; estabelecendo parcerias<br />
com organizações não governamentais<br />
<strong>para</strong> aumentar a conscientização sobre<br />
os aspectos determinantes da oferta de<br />
produtos ou serviços; e mobilizando os bancos<br />
conjuntamente <strong>para</strong> a criação de uma agência<br />
de rating.<br />
Engajamento no diálogo político com o<br />
governo. Por exemplo, estabelecendo um<br />
diálogo com os responsáveis pela formulação<br />
de políticas <strong>para</strong> identificar e enfrentar<br />
obstáculos específicos – trabalhando<br />
individualmente ou em conjunto com outras<br />
empresas <strong>para</strong> uma advocacia mais focada,<br />
ou participando de comitês de consultoria do<br />
setor privado patrocinados pelo governo.<br />
Outros autores já discutiram algumas dessas<br />
estratégias dentro desse contexto. Em especial,<br />
a superação de obstáculos através de modelos<br />
de negócios inteligentes e o empenho no<br />
engajamento de organizações parceiras e<br />
dos pobres são tópicos bastante abordados<br />
1<br />
. Por outro lado, as abordagens sobre o<br />
investimento na melhoria das condições de<br />
mercado e engajamento no diálogo político são<br />
contribuições novas. A Figura II.1 faz a ligação,<br />
de forma sistemática, dos obstáculos encontrados<br />
nos ambientes de mercado com as estratégias<br />
que podem trazer soluções eficazes.<br />
Qualquer uma dessas estratégias, ou mesmo<br />
todas, podem ser aplicadas <strong>para</strong> cada obstáculo<br />
– mas os estudos de caso contidos neste relatório<br />
sugerem que os modelos de negócios inclusivos<br />
da atualidade estão aplicando cada uma delas<br />
com mais freqüência <strong>para</strong> alguns obstáculos do<br />
que <strong>para</strong> outros.<br />
P a r t e I I . C i n c o e s t r a t é g i a s q u e f u n c i o n a m<br />
41
A Smart Communications é a operadora líder de telefonia móvel nas<br />
Filipinas. Ao mudar a antiga concepção de que “telefones celulares<br />
são apenas <strong>para</strong> pessoas de classes privilegiadas que estão sempre em<br />
movimento” 1,a companhia encontrou uma oportunidade de negócios<br />
importante, focando no potencial não explorado da população de<br />
Quadro II.1. Comunicações inteligentes:<br />
remessas internacionais via celular nas<br />
Filipinas<br />
baixa renda, da qual faz parte a comunidade de trabalhadores filipinos no exterior (as Filipinas são o terceiro<br />
maior recebedor de remessas). A Smart lançou uma variedade de serviços flexíveis e de baixo custo, adaptados<br />
às necessidades específicas dos pobres, incluindo a venda de pequenos pacotes de recarga pré-pagos e o<br />
primeiro sistema internacional de remessas com a tecnologia de serviços de mensagens curtas (SMS).<br />
Estratégias<br />
Matriz<br />
Estratégica:<br />
Smart<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Simplificação de<br />
exigências<br />
Falta de<br />
documentação<br />
legal<br />
Engajamento<br />
com o governo de<br />
forma coletiva<br />
Regulamentação<br />
inadequada <strong>para</strong><br />
serviços bancários<br />
móveis<br />
Obstáculos<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Viabilização de<br />
recargas pelo<br />
celular<br />
Infra-estrutura<br />
de transportes<br />
deficiente<br />
Incentivo ao<br />
engajamento dos<br />
microempreendedores<br />
Infra-estrutura<br />
de transportes<br />
deficiente<br />
Utilização de redes<br />
de distribuição<br />
existentes<br />
Infra-estrutura<br />
de transportes<br />
deficiente<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Simplificação de<br />
exigências, venda de<br />
unidades menores a<br />
preços acessíveis<br />
Falta de acesso a<br />
contas bancárias<br />
e crédito<br />
A Smart enfrentou três grandes desafios e os superou com<br />
estratégias bem-sucedidas.<br />
O primeiro desafio era a falta de capacidade dos pobres em<br />
responder às exigências necessárias <strong>para</strong> um contrato de serviço<br />
de celular: muitos não possuíam carteiras de identidade ou<br />
contas bancárias.<br />
42 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Sendo assim, a Smart introduziu no país o primeiro serviço de celulares<br />
pré-pagos que não exigia qualquer documentação e o primeiro<br />
serviço móvel de transferência de <strong>valores</strong> que não exigia que o<br />
beneficiário tivesse uma conta bancária. Os cartões pré-pagos com<br />
pequenas quantidades de recarga não exigiam que os beneficiários<br />
financiassem despesas futuras, portanto o acesso a crédito não era<br />
necessário.<br />
Filipinas: A Smart introduziu a<br />
telefonia móvel, que facilitou o serviço<br />
bancário <strong>para</strong> os consumidores pobres.<br />
Foto: Smart.<br />
O segundo desafio era vender e distribuir créditos de celular<br />
<strong>para</strong> milhões de filipinos pobres por todo o país, um arquipélago de<br />
7.100 ilhas, com localidades de difícil acesso. A Smart iniciou as atividades<br />
através de redes de distribuição já existentes – pequenas lojas e outros<br />
negócios. Ela também fortaleceu o potencial dos pobres ao oferecer<br />
a microempreendedores a oportunidade de revenda de créditos <strong>para</strong><br />
recarga de celular. Dessa forma, a Smart construiu um sistema nacional de<br />
distribuição com mais de 800.000 empreendedores, que se beneficiam<br />
com uma comissão de 15%. Por fim, a empresa adaptou os seus processos<br />
de vendas: em vez de adquirir créditos em cartões pré-pagos, os usuários<br />
podiam recarregar os seus cartões usando a tecnologia SMS.<br />
O terceiro desafio da Smart foi lidar com a legislação inadequada<br />
<strong>para</strong> serviços bancários móveis, que ainda não existiam. Juntamente com<br />
outras operadoras e bancos, a Smart se engajou em diálogos políticos com<br />
o governo <strong>para</strong> que fossem feitas emendas na regulamentação <strong>para</strong> esses<br />
serviços.<br />
Os serviços da Smart surtiram efeitos positivos na economia Filipina, já que a<br />
conveniência, o baixo custo, a segurança e a facilidade têm encorajado cada<br />
vez mais filipinos que trabalham no exterior a usarem canais formais <strong>para</strong> o<br />
envio de remessas. O foco da Smart no mercado de baixa renda também<br />
trouxe rápido crescimento <strong>para</strong> a empresa: de 191.000 assinantes em 1999<br />
<strong>para</strong> aproximadamente 24,2 milhões em 2006, com 99% dos lucros da<br />
empresa provenientes dos cartões pré-pagos.<br />
1 Entrevista com Ramon Isberto, Public Affairs Group Head, PLDT e Smart, Makati, Filipinas, novembro de 2007.<br />
P a r t e I I . C i n c o e s t r a t é g i a s q u e f u n c i o n a m<br />
43
1<br />
London e Hart 2004. Em um estudo exploratório de 24 empreendimentos,<br />
com e sem sucesso, de inclusão dos pobres, London e Hart identificaram<br />
três estratégias que companhias bem-sucedidas usaram e que podem<br />
ser resumidas como a capacidade de se ajustar socialmente: colaborando<br />
com parceiros incomuns, co-inventando soluções específicas e<br />
fortalecendo a capacidade local. A colaboração com parceiros locais<br />
não tradicionais e a adaptação de produtos às condições e preferências<br />
locais foram mencionadas em muitos estudos de estratégias <strong>para</strong> se<br />
fazer negócios com os pobres (por exemplo, Prahalad 2004; Mair e<br />
Seelos 2006). Baseando-se em análises detalhadas de 50 casos, Wheeler<br />
e outros (2005) mostraram que empreendimentos sustentáveis em<br />
países em desenvolvimento, muitas vezes, envolvem redes informais<br />
que incluem empresas, organizações sem fins lucrativos, comunidades<br />
locais e outros atores.<br />
44 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
3<br />
A d a p t a ç ã o d e<br />
produtos e processos<br />
Quênia: A M-PESA<br />
desenvolveu um serviço de<br />
transferência monetária via<br />
celular com o objetivo de<br />
tornar as transações financeiras<br />
mais rápidas, baratas e seguras.<br />
Foto: Vodafone<br />
A Tsinghua Tongfang (THTF) levou os computadores <strong>para</strong><br />
produtores rurais chineses que jamais haviam visto ou usado um. Para<br />
compensar a falta de conhecimento em informática, a companhia criou softwares<br />
de uso intuitivo (Quadro 3.1). Através de inovações como essa, a THTF e muitas<br />
outras empresas vêm mostrando como os modelos de negócios inclusivos podem<br />
contornar obstáculos adaptando produtos e processos.<br />
Enquanto outras estratégias de inovação exigem o preenchimento de lacunas<br />
do mercado ou o engajamento de outros stakeholders, a adaptação de produtos<br />
ou processos permite que uma empresa contorne obstáculos agindo por conta<br />
própria. Por essa razão, tal estratégia é freqüentemente usada <strong>para</strong> lidar com<br />
problemas que são muito difíceis de resolver, como ambientes de regulamentação<br />
ineficazes ou infra-estrutura inadequada. Preencher essas lacunas pode ser muito<br />
caro ou levar tempo demais. Por outro lado, a criação de produtos e processos que<br />
contornem essas restrições de mercado pode, muitas vezes, ser a única opção <strong>para</strong><br />
um modelo de negócio inclusivo. Adaptações raramente são utilizadas <strong>para</strong> suprir<br />
a falta de conhecimento ou habilidades. Isso se deve, em parte, ao fato de que<br />
comunicar e treinar é mais fácil do que adaptar produtos e processos, e os retornos<br />
costumam ser mais imediatos.<br />
CAPÍTULO 3. ADAPTAÇÃO DE PRODUTOS E PROCESSOS<br />
45
Quadro 3.1. Estudo de caso – Tsinghua<br />
Tongfang: eliminando a exclusão digital<br />
Nem todas as inovações usam novas tecnologias.<br />
Muitas adaptações de produtos chegam aos pobres de<br />
forma bem-sucedida através do que, aparentemente,<br />
seria um retrocesso tecnológico. Em contrapartida,<br />
a sua acessibilidade àqueles que devem ser beneficiados permite aumentos no crescimento e na<br />
lucratividade dos negócios.<br />
A Tsinghua Tongfang é uma empresa fabricante de computadores, em Pequim, que identificou um<br />
novo e rico mercado em um setor pouco avançado: o vasto setor de agricultura da China rural. Os 900<br />
milhões de agricultores chineses pouco se beneficiam de avanços tecnológicos que, em outros lugares,<br />
trouxeram grandes progressos <strong>para</strong> a produção agrícola. O cultivo depende de informações correntes<br />
e precisas, como em qualquer outra indústria, se não mais. Mas computadores pessoais e internet ainda<br />
são facilidades raras na China rural e praticamente desconhecidas pela sua população. Em 2003, a THTF<br />
percebeu essa situação como uma oportunidade de alcançar um grande mercado rural que ainda não<br />
havia sido explorado e, ao mesmo tempo, ajudar a diminuir a “exclusão digital”.<br />
A THTF conduziu três rodadas de pesquisa de mercado e identificou vários desafios. Em 2005, um<br />
computador básico custava o equivalente a três meses de salário de um agricultor – um gasto inviável,<br />
antes mesmo de considerar o custo mensal do serviço de internet (que, de qualquer forma, era ilusório<br />
em função do alto custo de arranque de provedores de serviço). De forma geral, mesmo os agricultores<br />
que podiam comprar um computador não saberiam utilizá-lo. Para completar, a qualidade da<br />
informação agrícola disponível on-line era bastante ruim.<br />
A solução <strong>para</strong> a THTF foi desenvolver um produto específico <strong>para</strong> as necessidades dos produtores<br />
rurais, e ajustado aos seus recursos. Consumidores potenciais deixaram claro que o produto mais<br />
atraente precisaria oferecer o que a THTF denominou de “solução sistemática”:<br />
Outra razão é que certas habilidades básicas<br />
podem ser indispensáveis <strong>para</strong> estabelecer<br />
relações com consumidores, empregados ou<br />
produtores.<br />
Existem dois tipos distintos de adaptação:<br />
adaptação tecnológica e criação de processos<br />
de negócios. Os dois, normalmente, andam<br />
lado a lado, mas é importante fazer a distinção<br />
Estratégias<br />
entre eles. A expansão da telefonia móvel em<br />
países em desenvolvimento, por exemplo, é<br />
movida pela tecnologia. As redes sem fio liberam<br />
a transmissão de dados da dependência de redes<br />
de linhas terrestres ou de transportes. Mas a<br />
expansão da telefonia celular em si foi atribuída,<br />
em parte, a uma mudança nos processos de<br />
negócios – a de mover a venda de créditos<br />
em conta <strong>para</strong> cartões pré-pagos, o que torna<br />
desnecessário, <strong>para</strong> os consumidores, possuir<br />
uma conta no banco e libera os fornecedores de<br />
terem de se preocupar com as mensalidades. 1<br />
Obstáculos<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades com<br />
outras instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Líderes empresariais podem desenvolver<br />
adaptações eficazes observando e<br />
compreendendo os seus mercados-alvo.<br />
Napoleon Nazareno, diretor geral da Smart<br />
Communications, nas Filipinas, lembra-se de<br />
como lhe ocorreu a idéia de cartões pré-pagos<br />
com poucos volumes de crédito:”Um dos nossos<br />
vendedores fez o que veio a ser a pergunta<br />
certa: Por que não podemos vender créditos<br />
de telefone em pequenas quantidades – como<br />
sachês <strong>para</strong> sabonetes ou shampoos O nosso<br />
cartão de telefone mais barato, na época, custava<br />
300 pesos – aproximadamente $6. Barato Sim.<br />
Mas ainda muito caro <strong>para</strong> grande parte dos<br />
filipinos”. 2<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
A Smart utilizou, então, uma inovação já<br />
existente no mercado, o modelo sachê, e a<br />
traduziu <strong>para</strong> o seu próprio negócio.<br />
46 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
uma plataforma versátil, durável e de fácil conserto, que agregasse valor não apenas <strong>para</strong> a agricultura, mas<br />
também <strong>para</strong> a educação das crianças e <strong>para</strong> uma capacitação abrangente.<br />
A THTF precisava de um computador simples e de baixo custo que pudesse fazer muitas coisas e agüentar os<br />
rigores do ambiente rural. Então, a empresa criou um.<br />
Ju Li, Vice-Gerente Geral do departamento de computação da companhia disse: “O computador surgiu das<br />
mentes (...) das pessoas da indústria agrícola. Pensar como eles foi o nosso princípio básico. O que fizemos<br />
foi transformar as suas idéias em um produto tangível”. Usando o sistema operacional de livre acesso Linux, a<br />
THTF moldou o seu produto ao novo mercado, contratando vendedores<br />
locais <strong>para</strong> replicar programas mais caros de outras marcas. Para ajudar o<br />
seu produto a funcionar bem em um ambiente hostil, a empresa embutiu<br />
cabos elétricos com materiais repelentes de ratos. Além disso, adaptou<br />
um pacote de programas especializados <strong>para</strong> usuários rurais, incluindo<br />
treinamento <strong>para</strong> as atividades agrícolas e educação a distância, e um<br />
programa de habilidades vocacionais.<br />
A THTF adaptou o seu produto <strong>para</strong> atender os pobres, e o resultado é<br />
que os seus consumidores agora sabem como a tecnologia da informação<br />
pode trazer melhorias <strong>para</strong> o seu trabalho e <strong>para</strong> as suas vidas. Para se<br />
tornar auto-sustentável, a iniciativa de computação rural ainda deve<br />
amadurecer e crescer. Mas a inovação da THTF já pode ser usada por<br />
outras empresas high-tech que buscam maneiras de entrar nos mercados<br />
dos pobres.<br />
O novo modelo eliminou um obstáculo <strong>para</strong> a Smart – a falta de acesso<br />
dos seus consumidores pobres a serviços financeiros – que impedia que<br />
muitos deles pudessem pagar os $6 por um cartão telefônico.<br />
Modelos de negócios que eliminam restrições aparentemente<br />
insuperáveis nos seus mercados-alvo podem expandir-se rapidamente.<br />
De 2000 a 2005, o número de assinantes de telefones celulares nos<br />
países em desenvolvimento mais do que quintuplicou, indo <strong>para</strong> quase<br />
1,4 bilhões. 3 Somente nas Filipinas, os serviços bancários móveis<br />
contavam com 4 milhões de usuários em 2006 – e a indústria estava<br />
apenas começando. 4<br />
China: O custo de um<br />
computador equivale a três<br />
meses de salário de um<br />
agricultor. Foto: PNUD<br />
A l a v a n c a g e m t e c n o l ó g i c a<br />
Empreendimentos em mercados pobres podem<br />
se beneficiar com “saltos” tecnológicos – pular<br />
etapas intermediárias, <strong>para</strong> rapidamente levar<br />
uma área tecnologicamente pobre <strong>para</strong> um<br />
estado muito mais avançado e, dessa forma,<br />
aumentar a produtividade.<br />
Atualmente, a tecnologia de comunicação<br />
e informação está fornecendo a modelos de<br />
negócios inclusivos, adaptações de produtos<br />
e processos extremamente bem-sucedidas.<br />
Mas outras tecnologias também estão sendo<br />
utilizadas <strong>para</strong> enfrentar obstáculos em<br />
indústrias que atendem a necessidades básicas,<br />
como os setores de serviços essenciais e de<br />
saúde. Além disso, tecnologias que reduzem o<br />
uso de recursos oferecem formas de aliar os<br />
objetivos de desenvolvimento humano com os<br />
de sustentabilidade ambiental.<br />
Alavancagem de tecnologias de<br />
informação e comunicação. Tecnologias<br />
usadas <strong>para</strong> processar e transmitir informação<br />
– telefonia, computadores, internet e novas<br />
ferramentas de processamento de dados –<br />
têm sido a chave <strong>para</strong> o sucesso de muitos<br />
modelos de negócios inclusivos. Além disso,<br />
as adaptações que permitem que as empresas<br />
façam negócios com os pobres podem, em<br />
alguns casos, as levar a posições melhores em<br />
mercados de rendas mais elevadas.<br />
Uma adaptação bem-sucedida de tecnologia<br />
de informação e comunicação é a dos serviços<br />
bancários móveis (m-banking), que permitem<br />
o acesso a serviços financeiros a milhões de<br />
pessoas, mesmo vivendo muito distantes de<br />
agências bancárias – abertura de poupanças,<br />
CAPÍTULO 3. ADAPTAÇÃO DE PRODUTOS E PROCESSOS<br />
47
Quadro 3.2. Banco móvel:<br />
O banco móvel, ou m-banking, oferece serviços financeiros sem agências e sem fios<br />
através de celulares ou dispositivos similares <strong>para</strong> milhões de<br />
pessoas que antes não tinham acesso a bancos. Ele permite<br />
aos consumidores gastarem os créditos dos seus telefones<br />
celulares com serviços de remessas, compras a varejo e pagamentos de contas, e usá-los quase como<br />
contas de depósito. Com o m-banking, não é preciso haver uma agência bancária ou uma rede com fios.<br />
Livre dessas restrições de infra-estrutura, o m-banking está se espalhando rapidamente nos países em<br />
desenvolvimento.<br />
A Celtel mostrou como o m-banking pode funcionar sob circunstâncias difíceis de insegurança pósconflito.<br />
Em 2003, a República Democrática do Congo começou a oferecer o serviço de m-banking, logo<br />
após a assinatura do tratado de paz, quando a insegurança ainda reinava e as estruturas bancárias estavam<br />
debilitadas. O serviço, denominado Celpay, usa tecnologia de serviços de mensagens curtas (SMS) <strong>para</strong><br />
permitir que os clientes enviem fundos por todo o país. Uma forma eficiente de se fazer pagamentos em<br />
um país dividido pela guerra. O Celpay mostrou-se tão eficiente que até mesmo o governo usa o serviço<br />
<strong>para</strong> pagar os seus soldados.<br />
Os usuários estão encontrando meios próprios de expandir ainda mais os benefícios do m-banking. O<br />
Sente é uma prática informal de enviar e receber dinheiro que alavanca os quiosques de telefones públicos<br />
e redes de confiança em Uganda. Em vez de mandar dinheiro diretamente de telefone <strong>para</strong> telefone,<br />
alguém com acesso a um aparelho pode enviar créditos <strong>para</strong> o operador de um quiosque telefônico<br />
através da rede de telefonia celular. Convertendo os créditos de celular em dinheiro, o operador entrega<br />
a quantia a uma pessoa da família que não tem acesso a um telefone ou a uma agência bancária. Dessa<br />
maneira, o operador de confiança do quiosque e o seu aparelho celular substituem um caixa automático<br />
de banco.1 O receptor final pode economizar<br />
o custo de um dia de trabalho, além do custo<br />
da viagem <strong>para</strong> chegar até um centro de banco<br />
móvel. Além disso, o sistema elimina a necessidade<br />
de carregar dinheiro vivo – um benefício valioso<br />
em áreas sem segurança. O Sente é um exemplo<br />
de como os negócios e as inovações locais podem<br />
se ajudar mutuamente. Em breve, poderá haver<br />
investimentos de fornecedores de tecnologia <strong>para</strong><br />
tornar a prática mais segura e conveniente.<br />
1. Chipchase 2006.<br />
Senegal: Os pastores rastreiam as manadas<br />
de gado usando celulares e aparelhos com<br />
sistemas de posicionamento global (GPS).<br />
Foto: IDRC/Sy, Djibril<br />
realização de pagamentos e empréstimos,<br />
e recebimento de remessas, tudo sem pisar<br />
dentro de um banco (Quadro 3.2).<br />
De forma geral, a telefonia móvel oferece a<br />
infra-estrutura <strong>para</strong> fornecer outros serviços<br />
de bases de dados. O data highway pode,<br />
freqüentemente, substituir estradas precárias<br />
e a falta de redes logísticas. A telemedicina,<br />
por exemplo, está propiciando melhor acesso<br />
a serviços de saúde de qualidade a pessoas<br />
em áreas remotas: na Índia rural, a Narayana<br />
Hrudalayanaya estabeleceu centros de “telesaúde”<br />
conectados via satélite a facilidades<br />
centralizadas, permitindo que os médicos<br />
ajudem os pacientes a distância.<br />
Softwares inovadores e sistemas de<br />
reconhecimento de voz facilitam os negócios com<br />
analfabetos. Na Índia, o ICICI Bank e o Citibank<br />
desenvolveram caixas automáticos biométricos,<br />
com sistemas de identificação por impressão<br />
digital e voz, alcançando usuários que não tinham<br />
acesso a sistemas bancários. Na África do Sul,<br />
bem como em outros lugares, sistemas simples de<br />
reconhecimento através de cartões inteligentes<br />
também estão facilitando os processos de<br />
pagamento <strong>para</strong> vendedores e consumidores<br />
(Quadro 3.3).<br />
Os exemplos citados nesta seção mostram<br />
tecnologias de informação e comunicação<br />
sendo usadas <strong>para</strong> enfrentar quatro dos cinco<br />
grandes obstáculos da matriz estratégica do<br />
Desenvolvendo Mercados Inclusivos:<br />
A biometria permite que os negócios evitem<br />
problemas de segurança, documentação legal<br />
e validação de contratos em ambientes de<br />
regulamentação deficientes.<br />
48 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Redes sem fio estão substituindo a falta de<br />
infra-estrutura física e redes logísticas.<br />
Softwares de fácil utilização estão<br />
preenchendo as lacunas de conhecimento e<br />
habilidades dos consumidores.<br />
O m-banking e os cartões inteligentes<br />
compensam o acesso restrito a serviços<br />
financeiros.<br />
Além disso, a tecnologia de informação e<br />
comunicação pode ser usada <strong>para</strong> a obtenção<br />
de informações sobre o mercado – por exemplo,<br />
através de pesquisas eletrônicas. As atuais<br />
aplicações em uso certamente serão seguidas<br />
por muitas outras tecnologias que ajudarão os<br />
modelos de negócios inclusivos no futuro.<br />
Aplicação de soluções setoriais específicas.<br />
Existem outras tecnologias com tanto potencial<br />
quanto as tecnologias de informação e<br />
comunicação já existentes Embora nada<br />
se compare à habilidade da tecnologia de<br />
informação e comunicação de responder a uma<br />
ampla variedade de desafios, muitos outros tipos<br />
de tecnologias estão capacitando modelos de<br />
negócios inclusivos em setores específicos, como<br />
por exemplo:<br />
Novas tecnologias energéticas superam<br />
as limitações de serviços essenciais<br />
fornecidos por redes públicas. Em muitas<br />
áreas, o alto custo <strong>para</strong> se construir<br />
uma rede elétrica privou os pobres do<br />
acesso à eletricidade. Entretanto, soluções<br />
alternativas geram energia localmente<br />
<strong>para</strong> famílias ou comunidades inteiras, sem<br />
grandes investimentos em infra-estrutura<br />
interurbana. Recursos renováveis – como<br />
luz solar, vento, água, ou biomassa – podem<br />
ser usados. No sudeste do Mali, a Électricité<br />
de France colaborou com parceiros locais<br />
e internacionais <strong>para</strong> estabelecer duas<br />
companhias rurais de energia que produzem<br />
eletricidade através de facilidades fotovoltaicas<br />
e geradores a diesel <strong>para</strong> 24 vilarejos e 40.000<br />
habitantes. O acesso à energia, por sua vez,<br />
permite a aplicação de mé<strong>todos</strong> de produção<br />
mais eficientes e o uso de outros produtos<br />
e serviços, pre<strong>para</strong>ndo o terreno <strong>para</strong> mais<br />
modelos de negócios inclusivos.<br />
Sistemas purificadores permitem que a água<br />
disponível localmente seja tratada <strong>para</strong> o<br />
consumo doméstico, podendo ser usada<br />
<strong>para</strong> beber e cozinhar. Dessa forma, tornase<br />
desnecessário o uso de tubulações <strong>para</strong> a<br />
distribuição. A Procter & Gamble está vendendo<br />
sachês com uma solução purificadora de<br />
água chamada PUR, em colaboração com<br />
organizações sem fins lucrativos, e em vários<br />
países em desenvolvimento – como Haiti,<br />
Vietnã e Paquistão. As organizações sem fins<br />
lucrativos compram o produto por $0,04 a<br />
unidade (o custo da produção) e o revendem<br />
por $0,05 <strong>para</strong> pequenos empresários que,<br />
por sua vez, vendem <strong>para</strong> os moradores por<br />
menos de $0,10. No final de 2006, a Procter &<br />
Gamble já havia vendido 57 milhões de sachês<br />
e fornecido 260 milhões de litros de água<br />
potável em todo o mundo. A companhia agora<br />
vende o produto nos Estados Unidos por $2,50<br />
a unidade.<br />
Tecnologias de saneamento podem tratar o<br />
esgoto no local. Na Índia, a Sulabh utiliza um<br />
líquido sanitário que seca os dejetos em vez de<br />
removê-los. Duas fossas são instaladas e usadas<br />
alternadamente, <strong>para</strong> a secagem. A água que<br />
vaza através das paredes das fossas é filtrada<br />
naturalmente e não polui a água do solo.<br />
Os dejetos sólidos secam e formam massas<br />
que podem<br />
Quadro 3.3. Cartões<br />
inteligentes: pagamentos<br />
high-tech permitem à<br />
Amanz’abantu levar água<br />
aos pobres da África do Sul<br />
Para reforçar o<br />
reconhecimento<br />
constitucional<br />
da África do<br />
Sul de que a<br />
água é um<br />
direito humano, o governo do país contratou a<br />
Amanz’abantu <strong>para</strong> fornecer água <strong>para</strong> as populações<br />
rurais e periféricas. Antes da chegada da companhia,<br />
os habitantes – na maioria mulheres – precisavam<br />
andar durante muitas horas <strong>para</strong> obter água de rios<br />
ou de outras fontes. Agora, elas recebem cartões<br />
inteligentes com microprocessadores contendo<br />
dados que permitem o acesso à água potável de<br />
torneiras coletivas. Elas dispõem de <strong>valores</strong> em<br />
dinheiro nos cartões utilizando as máquinas de leitura<br />
em lojas nos vilarejos.<br />
O sistema de cartões inteligentes da Amanz’abantu<br />
permitiu ao governo garantir o acesso, livre e<br />
equi<strong>para</strong>do, a 25 litros de água por dia por pessoa,<br />
e o acesso a uma quantidade de água extra por<br />
custos muito baixos. (Em Uganda, a Associação dos<br />
Operadores Privados de Água alcançou o mesmo<br />
resultado com uma solução menos avançada<br />
tecnologicamente: torneiras coletivas operadas com<br />
moedas).<br />
CAPÍTULO 3. ADAPTAÇÃO DE PRODUTOS E PROCESSOS<br />
49
posteriormente ser removidas<br />
pelos usuários. Dessa forma, não há<br />
necessidade <strong>para</strong> uma rede de esgotos.<br />
A tecnologia e a biotecnologia na<br />
medicina oferecem novas maneiras<br />
de superar obstáculos de infraestrutura<br />
e logística. Em 1980, houve<br />
um grande avanço na adaptação de<br />
vacinas <strong>para</strong> doenças transmissíveis<br />
com altos índices de mortalidade – o<br />
sarampo, a rubéola, a coqueluche, a<br />
difteria, o tétano, a tuberculose – nos<br />
países em desenvolvimento. Vacinas<br />
antigas exigiam o transporte direto,<br />
com manutenção da cadeia fria, até o<br />
local de uso. Porém, as novas vacinas,<br />
desenvolvidas com tecnologia de<br />
secagem a frio, agüentam melhor o calor.<br />
Juntamente com outras adaptações,<br />
como coquetéis de vacinas <strong>para</strong> uma<br />
única aplicação, essas inovações<br />
aumentaram os índices de vacinação. 5<br />
Alcance da sustentabilidade ambiental<br />
A tecnologia ajuda as empresas a fazer<br />
negócios em condições adversas. Além<br />
disso, pode ajudá-las a agir de forma mais<br />
sustentável <strong>para</strong> o meio ambiente. Fontes<br />
renováveis de energia, por exemplo,<br />
fornecem eletricidade sem causar mais<br />
ameaças ao clima mundial.<br />
A Sadia, empresa brasileira de<br />
alimentos, incluiu a sustentabilidade<br />
ambiental no seu plano de geração de<br />
renda. O seu Programa Suinocultura<br />
Sustentável Sadia fornece, a mais de 3.500<br />
produtores, biodigestores que utilizam<br />
bactérias <strong>para</strong> fermentar os dejetos<br />
dos porcos em reservatórios lacrados.<br />
Convertendo o gás metano resultante<br />
em dióxido de carbono, os biodigestores<br />
reduzem a emissão de gases do efeito<br />
estufa. No âmbito do Mecanismo de<br />
Desenvolvimento Limpo, essa redução nas<br />
emissões gera créditos de carbono que<br />
podem ser vendidos <strong>para</strong> outras empresas.<br />
Estima-se que a venda desses créditos<br />
é o bastante <strong>para</strong> cobrir os gastos com<br />
os biodigestores. Além disso, os gases<br />
produzidos no processo podem ser usados<br />
como energia – reduzindo os custos de<br />
operação <strong>para</strong> os produtores. O derivado<br />
do processo de fermentação também pode<br />
ser aproveitado como fertilizante ou como<br />
ração <strong>para</strong> os criadores de peixes.<br />
Criação de processos de negócios<br />
Embora a tecnologia prometa criar novas<br />
formas de lidar com desafios e facilitar a<br />
prosperidade dos modelos de negócios,<br />
ela não oferece certeza de sucesso. Efeitos<br />
semelhantes podem, muitas vezes, ser obtidos<br />
através da criação de processos de negócios<br />
que potencializem recursos e capacidades<br />
existentes <strong>para</strong> contornar os obstáculos.<br />
Adequação ao fluxo de renda dos pobres<br />
Formas inteligentes de pagamento e<br />
procedimentos de afixação de preços permitem<br />
que os modelos de negócios inclusivos<br />
ajustem-se aos fluxos de renda dos seus<br />
consumidores e fornecedores, os quais são<br />
limitados por salários baixos e inconstantes<br />
e pela falta de acesso a serviços financeiros.<br />
Salários baixos e inconstantes não significam<br />
incapacidade de consumo ou de investimento –<br />
apenas uma restrição sobre grandes gastos em<br />
compras futuras. Sem poupança, crédito ou<br />
seguro, os pobres têm opções limitadas <strong>para</strong><br />
administrar os seus recursos financeiros.<br />
Muitos trabalhadores pobres recebem<br />
os seus salários diariamente e compram<br />
apenas o que precisam <strong>para</strong> cada dia. Os<br />
produtores rurais recebem os seus ganhos<br />
após as colheitas, que dependem de ciclos<br />
específicos e podem ocorrer apenas uma<br />
vez ao ano. Modelos de negócios inclusivos<br />
necessitam de procedimentos de pagamentos<br />
que se adaptem a esses padrões de fluxos.<br />
Uma solução, já bastante testada,<br />
<strong>para</strong> adaptar as ofertas de produtos<br />
ao comportamento de compra dos<br />
consumidores pobres – de sabonetes a<br />
telefones celulares – é a venda em pequenas<br />
quantidades. 6 Todos os tipos de bens de<br />
consumo, de shampoos a especiarias, são<br />
hoje vendidos em pequenas embalagens ou<br />
“sachês”.<br />
50 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Índia: Os sanitários da Sulabh, operados com moedas,<br />
fornecem saneamento de baixo custo <strong>para</strong> consumidores<br />
pobres. Foto: Sulabh<br />
Além do exemplo da telefonia móvel, esse<br />
modelo tem sido usado <strong>para</strong> fornecer água<br />
(com torneiras comunitárias operadas<br />
através de cartões inteligentes ou moedas)<br />
e saneamento (os sanitários operados com<br />
moedas da Sulabh). Funcionando através de<br />
pré-pagamentos, esses modelos de negócios<br />
livram os fornecedores do risco de não receber<br />
pelos seus serviços.<br />
Para compras maiores, que não podem ser<br />
facilmente divididas em pacotes de pequenas<br />
quantidades, estão sendo desenvolvidas<br />
soluções que se aproximam do leasing e<br />
de parcelamentos. O produtor de cimento<br />
do México, Cemex, oferece um sistema de<br />
pagamento, Patrimônio Hoy, que permite<br />
às famílias de baixa renda comprar casas<br />
através de parcelamento – dando-lhes<br />
acesso suplementar a serviços, cimento e<br />
outros materiais de construção através de<br />
um programa de poupança em grupo. No<br />
Brasil, a Microsoft oferece um esquema de<br />
microleasing, o FlexGo, <strong>para</strong> computadores<br />
que usam o seu sistema Windows.7 Os<br />
consumidores pagam uma parcela do custo<br />
total e levam o computador <strong>para</strong> casa. Eles<br />
pagam o restante na compra de cartões<br />
pré-pagos de vendedores locais que ativam<br />
o computador por um determinado tempo,<br />
deixando-o em um estado de acesso limitado<br />
quando esse tempo é excedido. Quando<br />
o computador é quitado, a tecnologia de<br />
limitação de tempo é desativada.<br />
Pagamentos flexíveis dão aos consumidores<br />
a opção de pagar em épocas diferentes. Em<br />
Mali, no sistema de eletrificação rural da<br />
Électricité de France, os consumidores podem<br />
pagar um preço fixo, tanto mensal quanto<br />
anual, pela sua eletricidade. A opção anual pode<br />
facilitar o pagamento <strong>para</strong> os produtores rurais<br />
que recebem os seus ganhos uma vez ao ano.<br />
Esquemas de crédito também devem ser<br />
adaptados aos fluxos de renda. Produtores<br />
de baixa renda têm dificuldades <strong>para</strong><br />
realizar investimentos na produção que<br />
são pagos apenas em longo prazo. Em vez<br />
de desembolsarem grandes quantias, com<br />
resultados incertos, eles preferem investir<br />
em opções de prazos menores – mesmo que<br />
sejam menos lucrativas. Modelos de negócios<br />
inclusivos enfrentam esse desafio adequando<br />
os mé<strong>todos</strong> dos serviços de crédito aos fluxos<br />
de renda. Em Gana, a Companhia Integrada<br />
Tamale Fruit oferece aos produtores de mangas<br />
empréstimos <strong>para</strong> os seus investimentos<br />
iniciais. Os empréstimos têm vencimentos<br />
que variam de três a seis anos após o plantio,<br />
quando as árvores começam a dar frutos. No<br />
Brasil, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) age<br />
como uma espécie de fiador dos empréstimos<br />
concedidos aos seus fornecedores de eucalipto,<br />
que levam sete anos <strong>para</strong> colher a primeira<br />
safra. Os empréstimos são fornecidos pelo ABN<br />
Amro, sem garantias reais. A VCP garante a<br />
compra da colheita por pelo menos o valor da<br />
dívida mais os juros.<br />
Simplificação de exigências. A falta de<br />
conhecimento e habilidades é outro grande<br />
obstáculo que os modelos de negócios inclusivos<br />
enfrentam. Uma solução comum é “des-habilitar”<br />
– simplificar os processos ou tornar os produtos<br />
mais fáceis de usar.<br />
CAPÍTULO 3. ADAPTAÇÃO DE PRODUTOS E PROCESSOS<br />
51
Um exemplo é o da instituição de<br />
microfinanças Edu-Loan, fornecedor<br />
de empréstimos <strong>para</strong> a educação póssecundária,<br />
que enfatizou a acessibilidade<br />
e simplificou toda a documentação <strong>para</strong><br />
que seus clientes sul-africanos pudessem<br />
compreender claramente todo o processo do<br />
empréstimo. Outro exemplo é o da fabricante<br />
de computadores chinesa Tsinghua Tongfang<br />
(ver o Quadro 3.1), que adaptou os seus<br />
softwares ao perfil dos produtores rurais –<br />
pré-instalando programas de agricultura <strong>para</strong><br />
poupar os usuários da complexa tarefa de fazêlo<br />
por conta própria.<br />
As empresas podem ainda tratar a falta<br />
de documentação dos pobres simplificando as<br />
exigências <strong>para</strong> apresentação dos mesmos. 9<br />
Serviços que demandam relacionamentos de<br />
longa duração – como os serviços essenciais,<br />
banking ou telecomunicações – normalmente<br />
exigem muita documentação. Mas os pobres<br />
podem não possuir sequer documentos de<br />
identidade, menos ainda documentos provando<br />
que têm emprego fixo ou que possuem<br />
imóveis. Diferentemente das instituições<br />
tradicionais de crédito, fornecedores de<br />
microcrédito como o Mibanco, no Peru, não<br />
exigem essa documentação <strong>para</strong> garantir<br />
empréstimos. Os clientes potenciais precisam<br />
apenas apresentar uma identificação oficial,<br />
provar que têm um endereço fixo e mostrar<br />
que têm uma renda significativa. Consultores<br />
de negócios locais avaliam a confiabilidade dos<br />
clientes e, por fim, aprovam o empréstimo. Até<br />
agora, o modelo forneceu crédito <strong>para</strong> mais de<br />
300.000 clientes, representando um portfólio<br />
que passa dos 1,63 bilhões.<br />
Evitamento de incentivos adversos.<br />
Alguns modelos de microcrédito eliminaram<br />
por completo a necessidade de documentação<br />
ou de garantias e, em vez disso, baseiam-se<br />
em incentivos criados através de empréstimos<br />
grupais, como faz o Forus Bank, na Rússia.<br />
Devedores que não quitam as suas dívidas<br />
não apenas perdem a oportunidade de pedir<br />
mais empréstimos <strong>para</strong> si, mas também evitam<br />
que outros membros do seu grupo obtenham<br />
empréstimos futuros. Já que o não pagamento<br />
resulta em vergonha e exclusão social, o<br />
incentivo <strong>para</strong> pagar é alto. Os índices atuais<br />
de pagamentos realizados por empréstimos<br />
grupais no Grameen Bank excedem 98%. 9 (O<br />
capítulo 5 discute outros mé<strong>todos</strong> <strong>para</strong> que as<br />
empresas reforcem o engajamento comunitário<br />
como um meio de evitar obstáculos).<br />
O seguro de clima oferecido na Índia pela<br />
MFI Basix é outro exemplo de adaptação<br />
<strong>para</strong> lidar com incentivos adversos. Os<br />
seguros tradicionais <strong>para</strong> colheitas, nos quais<br />
os assegurados pagam por títulos baseados<br />
em avaliações de perdas, falhou em muitos<br />
países, principalmente por causa do alto<br />
custo de monitoramento e das inspeções<br />
de propriedades rurais. Tais inspeções são<br />
necessárias porque os sistemas tradicionais<br />
dão um incentivo aos titulares <strong>para</strong><br />
aumentar ou inventar perdas na colheita. O<br />
seguro oferecido pela Basix contorna esse<br />
problema baseando os seus pagamentos<br />
em informações amplamente disponíveis<br />
dos índices pluviométricos. 10 Esse seguro<br />
diminui, significativamente, a burocracia e a<br />
necessidade de administração.<br />
Flexibilização das operações.<br />
Aprimoramentos inteligentes podem ajudar<br />
os modelos de negócios inclusivos, mesmo<br />
nas circunstâncias mais desencorajadoras,<br />
incluindo condições prolongadas de<br />
instabilidade política e insegurança. Na<br />
Guiné, uma associação de produtores de caju<br />
buscava evitar as falhas administrativas que<br />
países vizinhos, como a Costa do Marfim,<br />
haviam sofrido devido à combinação de<br />
instabilidade política e unidades de capital<br />
intensivo. Usando tecnologia eficaz e de<br />
baixo custo, a associação estabeleceu<br />
unidades de pequeno porte próximas das<br />
vilas dos produtores. Essa decisão evitou o<br />
custo inicial de investimento em instalações<br />
centrais maiores e tornou o processo de<br />
produção mais independente dos efeitos<br />
de conflitos políticos (como bloqueios de<br />
estradas). Além disso, no pior dos cenários,<br />
esse modelo facilitaria o processo de<br />
desinvestimento.<br />
Provisão <strong>para</strong> os grupos. Muitas vezes<br />
as comunidades acessam recursos através<br />
de esforços conjuntos, especialmente <strong>para</strong><br />
despesas significativas, como bens duráveis<br />
e serviços dependentes de infra-estrutura.<br />
De tratores a bicas d’água, telefone e redes<br />
de televisão, o uso compartilhado pode<br />
amortizar os custos e tornar as compras mais<br />
acessíveis. Fornecer infra-estrutura <strong>para</strong> um<br />
grupo também gera economias nas conexões<br />
<strong>para</strong> as residências individuais.<br />
O acesso compartilhado pode ser<br />
organizado de duas formas:<br />
Um membro da comunidade faz a compra<br />
e cobra dos outros uma taxa de acesso.<br />
Nesse modelo, amplamente empregado,<br />
o empreendedor é o único cliente da<br />
empresa.<br />
52 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 3.1. Resumo: Abordagens <strong>para</strong> adaptar produtos e processos<br />
Obstáculos<br />
Estratégia 1<br />
Adaptação de produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Evitamento de incentivos adversos (seguros<br />
baseados em indicadores regionais evitam<br />
exigências de relatórios)<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Alavancagem de TIC (sistemas de<br />
reconhecimento evitam a necessidade de<br />
documentação legal e fraudes)<br />
Simplificação de exigências (redução da<br />
necessidade de documentação legal)<br />
Evitamento de incentivos adversos (a pressão do<br />
grupo substitui os sistemas de reforço formais)<br />
Flexibilização das operações (unidades menores<br />
de produção reduzem os riscos de insegurança)<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Alavancagem de TIC (a comunicação sem fio<br />
substitui o transporte e as instalações físicas – no<br />
m-banking e na telemedicina, por exemplo)<br />
Aplicação de soluções setoriais específicas<br />
(produção de energia fora de redes, sistemas<br />
de purificação de água, tratamento de esgoto<br />
localizado)<br />
Provisão <strong>para</strong> grupos (gerando economias na<br />
infra-estrutura de conexão e redução de custos<br />
individuais)<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Alavancagem de TIC (projeção de interfaces<br />
inteligentes <strong>para</strong> simplificar a interatividade)<br />
Simplificação de exigências (adequação dos<br />
processos de acordo com os níveis de habilidades<br />
dos usuários)<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Alavancagem de TIC (m-banking)<br />
Adequação ao fluxo de renda dos pobres<br />
(venda em pequenas quantidades, parcelamento,<br />
pagamentos flexíveis, crédito ajustado ao fluxo de<br />
renda)<br />
Um exemplo é a “Mamans GSM”, na<br />
República Democrática do Congo, que<br />
compra aparelhos celulares e créditos e<br />
aluga-os <strong>para</strong> outros. Na África do Sul a<br />
SharedPhone desenvolveu um aplicativo<br />
SIM que permite ao revendedor estabelecer<br />
uma carga mínima e limitar a duração da<br />
chamada (mostrado de forma precisa pelo<br />
sistema). 11<br />
Os usuários são cobrados individualmente<br />
pelo que consomem. Esse modelo requer<br />
um método transparente e eficiente de<br />
contabilidade e cobrança. Em Uganda,<br />
a solução técnica desenvolvida pela<br />
Associação dos Operadores Privados<br />
de Água foram os quiosques operados<br />
por moedas nas pequenas cidades. Na<br />
Índia, a Sulabh apresentou a solução<br />
eficiente dos sanitários com tarifas de<br />
uso em áreas públicas. Nas Filipinas,<br />
a Manila Water combinou adaptação<br />
técnica com engajamento comunitário,<br />
responsabilizando os grupos de usuários<br />
pelos pagamentos e ao mesmo tempo<br />
fornecendo-lhes informação sobre o<br />
uso individual através de medidores de<br />
consumo.<br />
CAPÍTULO 3. ADAPTAÇÃO DE PRODUTOS E PROCESSOS<br />
53
Na Índia, os e-Choupals, ou quiosques<br />
de internet, são um modelo <strong>para</strong> o<br />
fornecimento de recursos compartilhados<br />
voltado <strong>para</strong> produtores. Para tornar a<br />
pesagem e o pagamento da soja mais<br />
eficiente, a ITC Limited, companhia de<br />
produtos agrícolas do país, instalou os<br />
quiosques nos vilarejos dos fornecedores.<br />
Um quiosque atende a uma média de 600<br />
produtores rurais, em 10 vilarejos, dentro<br />
de um raio de aproximadamente cinco<br />
quilômetros. Eliminando a necessidade de<br />
levar a soja até o mercado e excluindo os<br />
intermediários, os quiosques aumentaram<br />
o poder de barganha dos agricultores e ao<br />
mesmo tempo permitiu à ITC revender o<br />
produto a preços mais favoráveis – benefício<br />
que torna a atividade da ITC mais lucrativa<br />
mesmo fornecendo os quiosques de graça.<br />
A companhia pretende atuar com essa rede<br />
em 100.000 vilarejos ao longo da próxima<br />
década. 12<br />
Não é de se surpreender, portanto, que as<br />
soluções criativas apresentadas nesse capítulo<br />
foram as que mais chamaram a atenção da<br />
comunidade empresarial na busca de modelos<br />
de negócios que incluem os pobres. Entretanto,<br />
adaptação não é a única estratégia <strong>para</strong> lidar<br />
com ambientes de mercado desfavoráveis.<br />
Na verdade, não é, sequer, a estratégia<br />
mais comum entre os 50 estudos de casos<br />
incluídos neste relatório. Existem outras quatro<br />
estratégias que são, no mínimo, tão importantes<br />
quanto <strong>para</strong> os modelos de negócios inclusivos:<br />
investimento na remoção de restrições do<br />
mercado, fortalecimento do potencial dos<br />
pobres, combinação de recursos e capacidades<br />
com outras instituições e engajamento no<br />
diálogo político com o governo (figura 3.1).<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
Um exemplo: “A introdução de serviços pré-pagos têm sido um dos principais fatores que contribuem<br />
<strong>para</strong> a expansão explosiva do setor de telefonia móvel nos países menos desenvolvidos, onde mais da<br />
metade da população vive com menos de um dólar por dia. Os cartões pré-pagos dão aos assinantes<br />
mais controle sobre os seus gastos com celulares, liberando as operadoras de tarefas demoradas de<br />
checagem de crédito, que são essenciais na opção do serviço por assinatura” (ITU 2006).<br />
Citado em Ganchero 2007.<br />
Hammond e outros 2007, p. 22.<br />
Porteous e Wishart 2006.<br />
PNUD 2001, p. 27.<br />
A venda em pequenas quantidades não torna o produto necessariamente mais barato. Ao contrário,<br />
muitas vezes leva a um aumento de preço se com<strong>para</strong>do com a relação preço-quantidade de embalagens<br />
maiores. Porém, esse modelo aumenta o poder de compra pelo ajuste do preço ao fluxo de renda do<br />
comprador.<br />
Para mais informações sobre o sistema pré-pago do FlexGo da Microsoft ver<br />
www.microsoft.com/presspass/press/2006/may06/05-21EmergingMarketConsumersPR.mspx.<br />
Sujeito às exigências do banco central quanto a regulamentações <strong>para</strong> obtenção de informações sobre<br />
o cliente, lavagem de dinheiro e o combate ao financiamento do terrorismo.<br />
Website do Grameen Bank (www.grameeninfo.org/bank/atagrlance/GBGlance.htm).<br />
Entretanto, onde não existe infra-estrutura confiável, como estações meteorológicas, essa informação<br />
pode não estar disponível. O seguro baseado em índices regionais tem inconveniências, como a<br />
confiabilidade da informação. Danos causados pelo clima podem variar muito devido a diferenças<br />
topográficas que não são relatadas nos dados climáticos.<br />
Website do SharedPhone (www.sharedphone.co.za).<br />
Annamalai e Rao 2003, pp. 1–2 (www.echoupal.com).<br />
54 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
4<br />
I n v e s t i m e n t o n a<br />
remoção de restrições<br />
do mercado<br />
Mauritânia: Em um ambiente<br />
desértico, a Tiviski investiu em<br />
infra-estrutura e treinamento,<br />
construindo instalações <strong>para</strong><br />
a fabricação de laticínios e<br />
desenvolvendo programas<br />
<strong>para</strong> os pastores.<br />
Foto: Tiviski<br />
Nancy Abeiderrahmane fez investimentos incomuns <strong>para</strong> o<br />
ambiente de negócios da Mauritânia. Todo empreendimento no setor de laticínios<br />
precisa de uma linha de refrigeração e instalações de armazenamento. Mas nem<br />
<strong>todos</strong> necessitam oferecer treinamento ou seguros <strong>para</strong> os seus fornecedores.<br />
Ao treinar os pastores em temas de administração e estabelecer um sistema<br />
de seguros contra a volatilidade da produção e a perda de animais, Nancy<br />
removeu do seu mercado de atuação obstáculos com relação a conhecimento e<br />
habilidades, infra-estrutura e acesso a financiamento – fornecendo as condições<br />
que o seu negócio precisava <strong>para</strong> ter sucesso, às quais empresas em mercados<br />
desenvolvidos normalmente já têm garantidas. (Quadro 4.1).<br />
Como mostra o capítulo 2, os mercados pobres caracterizam-se por cinco<br />
grandes obstáculos que obstruem a entrada e o crescimento dos negócios:<br />
informação de mercado limitada, ambiente regulatório ineficiente, infra-estrutura<br />
inadequada, falta de conhecimentos e habilidades e acesso restrito a produtos e<br />
serviços financeiros entre os fornecedores e consumidores potenciais. Para serem<br />
bem-sucedidos, muitos modelos de negócios inclusivos investem na remoção<br />
desses obstáculos.<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
55
Quadro 4.1. Estudo de caso –<br />
Tiviski: dinheiro bem gasto<br />
A maioria dos três milhões de habitantes da árida Mauritânia são<br />
pastores nômades. A idéia de ali fundar um negócio na área de laticínios<br />
tomou forma quando Nancy Abeiderrahmane, uma empreendedora<br />
local, visitou uma pequena fábrica de produção de leite na Europa. Ela<br />
enxergou imediatamente o potencial econômico <strong>para</strong> o processamento<br />
de leite em Nouakchott, na Mauritânia, uma cidade onde o leite de camelo era vendido de porta em<br />
porta, em condições primitivas e anti-higiênicas. Nancy fala da oportunidade de estabelecer a primeira<br />
fábrica de laticínios de camelo na África, algo que ninguém havia feito antes: “As ONGs não queriam<br />
fazê-lo (negócios de laticínios), os governos também não, e você realmente precisa de alguém que, de<br />
alguma forma, acredite que aquilo poderá ser lucrativo”.<br />
Nancy enfrentou muitos desafios. A venda do leite requer um grande mercado e economia de escala<br />
<strong>para</strong> a coleta, processamento e embalagem. As fontes de leite da Mauritânia eram muito dispersas,<br />
a indústria de laticínios não tinha regulamentação nem infra-estrutura <strong>para</strong> armazenamento ou<br />
processamento. Os pastores e os produtores de leite estavam espalhados por toda a região e não<br />
tinham apoio veterinário formal ou outros serviços <strong>para</strong> o cuidado dos animais. Além disso, no ambiente<br />
desértico, as facilidades de transporte terrestre eram quase inexistentes.<br />
Ela conseguiu enfrentar <strong>todos</strong> esses problemas preenchendo lacunas de infra-estrutura da Mauritânia e<br />
engajando os pobres. O seu plano <strong>para</strong> a coleta e venda de leite de camelo encontrou um financiador,<br />
o banco de desenvolvimento “Caísse Centrale de Coopération Economique” (atual Agência Francesa<br />
de Desenvolvimento), que lhe emprestou um milhão de francos <strong>para</strong> começar. Esse investimento<br />
inicial permitiu que Nancy construísse instalações <strong>para</strong> a coleta, processamento e armazenamento,<br />
capacitando a Tiviski Dairy <strong>para</strong> operar ao longo de um vasto campo de fornecimento e entregar o leite<br />
em condições seguras no mercado.<br />
Obstáculos<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Muitos negócios inclusivos investem no<br />
conhecimento e na capacitação dos seus<br />
consumidores, produtores, empregados<br />
ou microempreendedores alvo através de<br />
treinamento, marketing e educação. Como<br />
mostra a matriz, investimentos são feitos com<br />
menos freqüência <strong>para</strong> tornar os ambientes<br />
reguladores mais eficazes, já que as empresas<br />
não têm legitimidade <strong>para</strong> estabelecer ou<br />
reforçar as regulamentações. Elas podem<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
apenas fazer cumprir aquelas já existentes, ou<br />
criar regras <strong>para</strong> a própria organização.<br />
Investir <strong>para</strong> remover restrições em<br />
mercados pobres pode criar valor <strong>para</strong> a<br />
empresa e <strong>para</strong> a sociedade. No âmbito<br />
privado, os investimentos podem aumentar<br />
a qualidade e a produtividade de uma firma<br />
e estimular a demanda de mercado. Além<br />
disso, pode levar ao desenvolvimento de<br />
novas capacidades, incrementar a reputação<br />
corporativa e melhorar a competitividade. 1<br />
No âmbito público, a remoção de restrições<br />
do mercado cria benefícios que são<br />
compartilhados além dos negócios. Por<br />
exemplo, uma firma que oferece educação e<br />
treinamento <strong>para</strong> os seus empregados ajuda a<br />
criar uma força de trabalho mais capacitada,<br />
um recurso que é compartilhado na medida<br />
em que os trabalhadores partem <strong>para</strong> outros<br />
empregos e oportunidades de negócios. Da<br />
mesma forma, uma firma que colhe e analisa<br />
informações sobre o mercado pode se tornar<br />
a principal beneficiária dos seus esforços.<br />
Porém, conforme começa a ser bem-sucedida,<br />
outros irão aprender e imitar a sua abordagem,<br />
o que aumenta as escolhas do consumidor e<br />
reduz os preços – trazendo benefícios <strong>para</strong><br />
consumidores ainda mais pobres.<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Sob a perspectiva tradicional do<br />
planejamento de negócios, a questão seria<br />
saber se investir na remoção de obstáculos<br />
no mercado existente poderia gerar valor<br />
econômico o suficiente <strong>para</strong> ser considerado<br />
rentável.<br />
56 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A Tiviski também investiu em programas de apoio <strong>para</strong> os pastores – a força vital da companhia<br />
– dando-lhes treinamento, cuidados veterinários e rações a preços justos. Em seguida, com os<br />
empréstimos da Proparco, da Corporação Financeira Internacional e de um banco local, além do fluxo<br />
de caixa da própria empresa, a Tiviski não tardou a investir os 4 milhões necessários <strong>para</strong> a construção<br />
de uma usina de processamento de alta temperatura. Atualmente, a empresa exporta queijo de camelo<br />
<strong>para</strong> Nova York.<br />
A disposição de Nancy em arriscar um grande investimento inicial trouxe recompensas <strong>para</strong> ela e muitos<br />
outros Mauritanos. A Tiviski é lucrativa. Ela emprega diretamente 200 pessoas e apóia indiretamente<br />
1.000 famílias. A atividade pastoril está se tornando mais bem aceita como uma ocupação. Leite de<br />
camelo seguro e disponível em maior escala está trazendo saúde <strong>para</strong> muitos. Um meio de vida<br />
tradicional está sendo preservado. E mais, o negócio é ambientalmente sustentável. “Nossa experiência é<br />
muito simples e pode ser facilmente reproduzida” diz Nancy. Além disso, “você tem a satisfação de estar<br />
fazendo uma grande diferença <strong>para</strong> muita gente”.<br />
Mauritânia: A Tiviski oferece<br />
treinamento, cuidados<br />
veterinários e também<br />
fornece rações a preços justos<br />
<strong>para</strong> os pastores. Foto: Tiviski<br />
Entretanto, sob a perspectiva dos modelos de negócios inclusivos, surge uma<br />
segunda questão: É possível aumentar o investimento na criação de valor social<br />
<strong>para</strong> acionar fontes alternativas de financiamento e reduzir o custo de capital<br />
da empresa Este capítulo aborda as duas questões.<br />
F o c o n a g e r a ç ã o d e v a l o r<br />
A remoção de restrições nos mercados pobres<br />
é rentável quando gera valor tangível (através<br />
do aumento de produtividade, qualidade ou<br />
demanda de mercado), assegurando benefícios<br />
suficientes <strong>para</strong> a empresa. Mas remover<br />
obstáculos também pode ser rentável ao criar,<br />
ou desencadear, <strong>valores</strong> intangíveis ou de<br />
longo prazo.<br />
Realização de pesquisa de mercado. Colher<br />
informações sobre o mercado cria valor tangível.<br />
A Construmex, um empreendimento do gigante<br />
da construção mexicana, a CEMEX, foi concebida<br />
<strong>para</strong> disponibilizar um produto de “remessa em<br />
espécie”, permitindo que os emigrantes mexicanos<br />
nos Estados Unidos comprassem materiais de<br />
construção <strong>para</strong> os seus familiares no México.<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
57
Marrocos: A Lydec<br />
está fornecendo infraestrutura<br />
adequada em<br />
Casablanca. Foto: Lydec<br />
os direitos de propriedade sobre essa<br />
informação – ao menos no começo. Mais<br />
tarde, após o sucesso da empresa, outros<br />
poderão observar e se beneficiar replicando<br />
as mesmas iniciativas.<br />
Investimento em infra-estrutura.<br />
Empresas que dependem de infra-estrutura<br />
de distribuição provavelmente terão de<br />
investir no preenchimento de lacunas na<br />
infra-estrutura. Investimentos assim são<br />
menos comuns <strong>para</strong> estradas do que <strong>para</strong><br />
infra-estrutura própria, como dutos, linhas<br />
terrestres ou redes de energia.<br />
Apesar do conhecimento que a CEMEX<br />
tinha sobre os seus consumidores de baixa<br />
renda no México, no início sabia-se pouco<br />
sobre os emigrantes, que são o público-alvo<br />
da Construmex. A empresa estabeleceu<br />
então uma parceria com consulados<br />
mexicanos de grandes cidades nos EUA<br />
<strong>para</strong> realizar uma pesquisa de mercado,<br />
incluindo levantamentos, entrevistas e<br />
grupos de foco. Em troca, ela forneceu a<br />
esses consulados doações materiais <strong>para</strong><br />
restaurar e melhorar as instalações dos<br />
mesmos. O investimento valeu à pena:<br />
desde 2001 a Construmex já serviu a mais<br />
de 14.000 emigrantes mexicanos e gerou<br />
$12,2 milhões em vendas de material de<br />
construção, com expectativas semelhantes<br />
<strong>para</strong> os anos futuros.<br />
Além de apresentar um valor tangível,<br />
o investimento em informação sobre<br />
o mercado permite à empresa manter<br />
Após ganhar a concessão <strong>para</strong><br />
servir a zona leste metropolitana em<br />
Manila, a Manila Water precisou investir<br />
significativamente <strong>para</strong> melhorar e expandir<br />
a infra-estrutura de tubulação. Em 2005,<br />
a empresa já havia instalado quase 1.300<br />
quilômetros de dutos e investido mais<br />
de $340 milhões. Os investimentos não<br />
foram em vão: a sua base de consumidores<br />
duplicou, o consumo de água que não gera<br />
receitas caiu, o serviço está disponível de<br />
forma consistente e a qualidade da água é<br />
excelente.<br />
Promoção do desempenho dos<br />
fornecedores. Aumentar o conhecimento,<br />
as habilidades e o acesso a financiamento<br />
dos empregados e fornecedores também<br />
gera valor tangível. Com o aumento de<br />
produtividade, qualidade e confiança, o valor<br />
deles torna-se maior <strong>para</strong> as empresas.<br />
Muitos modelos de negócios inclusivos<br />
do banco de dados do Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos apresentam<br />
investimentos desse tipo. Na Guiana, a<br />
Denmor, um fabricante de roupas, investe<br />
mais de $250.000 por ano treinando os<br />
seus empregados de baixa renda <strong>para</strong><br />
adquirirem habilidades básicas que os<br />
capacitam <strong>para</strong> a leitura e <strong>para</strong> a vida.<br />
Guiana: Empregados de baixa renda da Denmor são<br />
pagos <strong>para</strong> comparecer a sessões de treinamento<br />
oferecidas pela companhia, onde adquirem habilidades<br />
básicas, necessárias <strong>para</strong> a realização de tarefas como a<br />
contagem de peças de vestuário e a leitura de etiquetas.<br />
Foto: Banco Interamericano de Desenvolvimento<br />
58 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Os empregados devem aprender a escrever<br />
os seus nomes, contar e ler etiquetas e<br />
especificações das roupas. A empresa paga<br />
pelo tempo de participação de cada um deles<br />
em sessões de treinamento com convidados,<br />
representantes do Ministério de Serviços<br />
Sociais e outras agências como a Organização<br />
Pan-Americana da Saúde. O resultado: a mãode-obra<br />
da Denmor é altamente motivada e os<br />
níveis de retenção e produtividade são altos.<br />
Em Gana, o Barclays Bank valeu-se dos<br />
tradicionais coletores de dinheiro, conhecidos<br />
como coletores Susu, <strong>para</strong> oferecer uma<br />
variedade de produtos e serviços financeiros,<br />
incluindo poupança e empréstimos, <strong>para</strong><br />
os cidadãos de baixa renda. O Barclays<br />
oferece aos coletores Susu treinamento sobre<br />
administração de inadimplência, crédito<br />
financeiro e gestão de risco. O Barclays<br />
também promove a educação dos seus usuários<br />
com relação à gestão financeira e seguros.<br />
Com o decorrer do tempo esses treinamentos<br />
irão trazer benefícios ao Barclays, pois mais<br />
usuários irão saber o valor da poupança e<br />
canalizar as suas economias <strong>para</strong> o banco<br />
através dos coletores Susu.<br />
Ao investir na remoção de restrições de<br />
conhecimento e habilidades, algumas empresas<br />
dividem os custos com os seus empregados ou<br />
fornecedores através de taxas de programas.<br />
Essas taxas podem ser nominais e, em grande<br />
parte, simbólicas, quando a intenção principal é<br />
aumentar o comprometimento do participante<br />
no programa. Mas podem também ter um valor<br />
significativo, recuperando alguns dos custos<br />
do programa. Algumas empresas as recuperam<br />
diretamente através do aumento da produtividade<br />
e da qualidade, podendo utilizar contratos <strong>para</strong><br />
assegurar os seus benefícios. É comum oferecer<br />
aos empregados programas de educação e<br />
treinamento se eles se comprometerem a<br />
trabalhar <strong>para</strong> a empresa durante um prazo<br />
específico. Do mesmo modo, os contratos com<br />
os fornecedores são, freqüentemente, feitos<br />
<strong>para</strong> ajudar a obter o maior retorno possível de<br />
alguma assistência que a companhia venha a lhes<br />
oferecer. Para colher os frutos dos empréstimos<br />
sem juros oferecidos aos produtores rurais no<br />
seu sistema de produção, a Companhia Integrada<br />
Tamale Fruit, em Gana, exige que os agricultores<br />
vendam as suas mangas através da companhia até<br />
que os empréstimos sejam quitados (Quadro 4.2).<br />
Quadro 4.2. Companhia Integrada Tamale Fruit: investindo <strong>para</strong><br />
remover restrições do mercado e assegurar colheitas de qualidade<br />
A Companhia Integrada<br />
Tamale Fruit, um<br />
exportador sediado em<br />
Gana, investiu de forma<br />
significativa na remoção<br />
de obstáculos relativos à falta de conhecimento,<br />
habilidades e acesso a financiamento dos seus<br />
fornecedores.<br />
A companhia empresta tudo o que é necessário<br />
<strong>para</strong> a produção da manga – equipamentos,<br />
sementes, fertilizantes, serviços de irrigação<br />
e assistência técnica – aos agricultores da<br />
sua rede de fornecedores que, normalmente,<br />
precisariam investir aproximadamente $7.000<br />
ao longo de cinco anos antes de ver os retornos<br />
das suas colheitas. O custo dos empréstimos<br />
é pago, sem juros, no início do quinto ano. Cerca de 30% das vendas são destinados ao<br />
pagamento do empréstimo.<br />
A companhia também fornece treinamento aos agricultores terceirizados, cuja capacidade<br />
<strong>para</strong> pagar os empréstimos depende da habilidade de realizar boas colheitas. Como o<br />
analfabetismo os impede de atender os padrões internacionais, a companhia começou a<br />
treiná-los em práticas agrícolas mais aprimoradas.<br />
Outra habilidade importante <strong>para</strong> o sucesso do projeto era a capacidade dos agricultores<br />
de se auto-representar. A companhia os organizou em uma associação, a Organic Mango<br />
Outgrowers Association, que age como um intermediário entre os produtores rurais e a<br />
companhia, servindo de porta-voz e advogada dos produtores e permitindo um diálogo<br />
mais eficiente com a empresa. Planeja-se também uma transição <strong>para</strong> uma estrutura de<br />
financiamento baseada em taxas pagas pelos membros da associação.<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
59
Conscientização e treinamento dos<br />
consumidores. Investir no conhecimento e<br />
na habilidade do consumidor é outro fator<br />
que pode gerar <strong>valores</strong> tangíveis <strong>para</strong> a<br />
empresa, dependendo do relacionamento com<br />
o consumidor e da presença de competidores.<br />
Essa é uma estratégia comum dos modelos<br />
de negócios inclusivos do banco de dados<br />
do Desenvolvendo Mercados Inclusivos<br />
<strong>para</strong> estimular a demanda de mercado. Em<br />
alguns casos, quando a intenção é gerar o<br />
conhecimento da marca, os investimentos são<br />
apenas em marketing; em outros, eles ajudam<br />
os consumidores a entender uma proposta de<br />
valor essencial. Para estimular a demanda pelas<br />
suas instalações sanitárias nas comunidades<br />
de baixa renda da Índia, a Sulabh preparou<br />
campanhas de conscientização sobre saneamento<br />
e higiene. Cerca de 10 milhões de pessoas usam<br />
as instalações; em 2005, a receita da empresa foi<br />
de $32 milhões, com uma margem de lucro de<br />
15%. Da mesma forma, <strong>para</strong> estimular a venda<br />
do seu sabonete Lifebuoy, a Unilever aumentou<br />
a conscientização sobre os benefícios <strong>para</strong> a<br />
saúde trazidos pelo ato de lavar as mãos. Cerca<br />
de 70 milhões de consumidores da Índia rural<br />
beneficiaram-se com o Programa Unilever de<br />
Educação <strong>para</strong> a Saúde – o maior programa<br />
privado de educação higiênica do mundo – e,<br />
hoje, o Lifebuoy é líder em <strong>todos</strong> os mercados<br />
asiáticos nos quais opera. 2<br />
Promover a educação dos consumidores<br />
pode melhorar a reputação de uma empresa,<br />
estabelecendo a confiabilidade da marca. Do<br />
mesmo modo, em um mercado com pouca ou<br />
nenhuma competição, pode ajudar a solidificar<br />
a vantagem de uma empresa como a primeira<br />
atuante na área. Entretanto, quanto mais<br />
competidores existirem em um mercado, menor<br />
será a probabilidade de uma empresa desfrutar<br />
Madagascar: Mulheres que participam de<br />
um treinamento em administração financeira.<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
de <strong>todos</strong> os benefícios do seu investimento na<br />
educação do consumidor. Essa desvantagem<br />
pode ser contornada em setores que exigem<br />
relacionamentos de longo prazo entre as<br />
empresas e seus clientes. Neles, a empresa<br />
pode restringir aos seus próprios clientes o<br />
acesso ao conhecimento – e a serviços que<br />
aumentam as habilidades. Uma companhia de<br />
serviços financeiros, por exemplo, pode criar<br />
programas que ofereçam educação financeira<br />
<strong>para</strong> os seus consumidores de créditos ou<br />
mesmo conhecimentos básicos de contabilidade<br />
e administração <strong>para</strong> os clientes donos de<br />
pequenos negócios.<br />
O K-REP Bank, no Quênia, treina os clientes<br />
que pedem empréstimos em noções de finanças,<br />
prática de negócios e uso responsável de<br />
crédito. Além de agregar valor <strong>para</strong> o cliente,<br />
o treinamento aumenta a probabilidade de<br />
que o empréstimo será quitado. Similarmente,<br />
o Barclays oferece treinamento não apenas<br />
<strong>para</strong> os coletores Susu, através dos quais<br />
a companhia fornece os seus serviços de<br />
microfinanciamento, mas também <strong>para</strong> os<br />
clientes dos coletores. Outras indústrias também<br />
podem fazer uso da educação e do treinamento<br />
de consumidores de baixa renda <strong>para</strong> ajudálos<br />
a usar os produtos e serviços de forma<br />
mais eficaz. O Patrimonio Hoy, um programa<br />
da empresa líder em produção de cimento<br />
no México, a CEMEX, oferece serviços de<br />
projeção de casas e assistência na fase de obras<br />
agregados à venda de materiais de construção<br />
<strong>para</strong> os consumidores de baixa renda. Com<br />
esse programa, que assegura resultados<br />
duráveis e atrativos, a CEMEX previne-se contra<br />
processos, agrega valor à sua marca e fomenta a<br />
propaganda boca a boca.<br />
Criação de produtos e serviços financeiros.<br />
Para algumas indústrias, remover obstáculos ao<br />
acesso dos consumidores a serviços financeiros<br />
pode gerar <strong>valores</strong> tangíveis <strong>para</strong> os modelos de<br />
negócios inclusivos, permitindo que pessoas de<br />
baixa renda tornem-se clientes. Oferecer crédito<br />
aos consumidores é especialmente benéfico<br />
<strong>para</strong> a expansão da base de consumidores se<br />
os competidores não oferecem o mesmo tipo<br />
de serviço. Exemplos incluem a Casas Bahia,<br />
no Brasil, a CEMEX, com o seu programa<br />
Patrimônio Hoy de microempréstimo <strong>para</strong><br />
construção, e o líder varejista mexicano Banco<br />
Azteca, da Elektra (cujo modelo está sendo<br />
copiado pela Wall-Mart no México).<br />
60 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Na Indonésia, os motoristas de táxi não são<br />
considerados merecedores de crédito, o que<br />
impede que efetuem empréstimos <strong>para</strong> abrir um<br />
negócio no seu ramo de atuação. Em decorrência<br />
disso, a companhia de táxi Rajawali desenvolveu<br />
um programa de compra de táxis em que ela<br />
mesma garante o pagamento a uma instituição<br />
financeira local dos empréstimos individuais<br />
<strong>para</strong> os motoristas, os quais pagam uma quantia<br />
diária e têm um prazo de quitação de cinco<br />
anos. Com um índice de inadimplência nulo e o<br />
aumento de responsabilidade entre os motoristas,<br />
a companhia beneficiou-se de forma significativa;<br />
os 2267 motoristas participantes do programa<br />
aumentaram as suas rendas e também ganharam<br />
segurança e oportunidade. 3<br />
Obtenção de benefícios intangíveis<br />
Além de criar <strong>valores</strong> tangíveis, remover limites<br />
de conhecimento, habilidades, infra-estrutura e<br />
acesso a produtos e serviços financeiros pode<br />
também criar <strong>valores</strong> intangíveis ou de longo<br />
prazo – como imagem de marca, moral dos<br />
empregados, reputação corporativa e potencial<br />
<strong>para</strong> desenvolver novas capacidades e fortalecer<br />
a competitividade dos negócios. Capturar esse<br />
valor aumenta a rentabilidade do investimento<br />
voltado <strong>para</strong> remoção de restrições do mercado.<br />
Levando em consideração aspectos intangíveis e<br />
de longo prazo, a firma indiana Tata Sons Limited<br />
investiu significativamente <strong>para</strong> melhorar as<br />
condições do mercado nas cidades onde opera,<br />
fornecendo manutenção de estradas, água potável<br />
e eletricidade, iluminação pública, serviços de<br />
saúde, saneamento, educação, entre outros.<br />
Jamshed Irani, o diretor da Tata, explica: “A<br />
Índia está muito longe de alcançar uma fase de<br />
desenvolvimento econômico onde o governo é o<br />
único responsável pelas necessidades básicas da<br />
população. Não temos seguridade social e serviços<br />
adequados de saúde e educação. Portanto, o setor<br />
corporativo deve preencher essas lacunas.” 4<br />
Fornecendo esses serviços, a Tata também<br />
adquire experiência que a capacitará <strong>para</strong> se<br />
engajar em novas atividades comerciais. Um<br />
exemplo é a Jamshedpur Utilities & Services<br />
Company, uma subsidiária de propriedade<br />
exclusiva da Tata Steel que se pre<strong>para</strong> <strong>para</strong><br />
explorar oportunidades comerciais na área de<br />
serviços municipais ainda não explorados, como<br />
água e saneamento. Como explica o Diretor<br />
Administrativo Sanjiv Paul: “Se a Índia tem que<br />
avançar nesses serviços, mais cedo ou mais tarde,<br />
eles também precisarão ser privatizados no resto<br />
do país, e estaremos, então, em uma posição<br />
<strong>para</strong> expandir os nossos serviços.” A Autoridade<br />
de Desenvolvimento de Haldia concedeu à<br />
Jamshedpur um contrato <strong>para</strong> o fornecimento<br />
de infra-estrutura do abastecimento de água; a<br />
companhia tornou-se parceira da Veolia Water<br />
Nicarágua:<br />
Foto:Banco<br />
Interamericano de<br />
India, <strong>para</strong> poderem juntas disputar Desenvolvimento<br />
contratos em projetos lançados pelo<br />
governo e organizações privadas. Para<br />
o futuro próximo, a companhia tem como alvo<br />
cidades que incluem Bengaluru, Déli, Kolkata e<br />
Mumbai. 5<br />
Outro exemplo vem da indústria de<br />
mineração na África do Sul. O governo pósapartheid<br />
se deu conta de que o prospecto<br />
do país <strong>para</strong> a estabilidade política e o<br />
crescimento econômico dependia da criação<br />
de oportunidades econômicas <strong>para</strong> grupos<br />
historicamente em desvantagem, a saber, os<br />
negros. Através do programa Black Economic<br />
Empowerment, o governo passou a exigir que as<br />
empresas atendessem objetivos de propriedade,<br />
emprego e poder de compra dos negros como<br />
condição <strong>para</strong> que pudessem se qualificar<br />
<strong>para</strong> contratos públicos. Uma companhia<br />
mineradora, a Anglo American, contribuiu <strong>para</strong><br />
o aumento da participação econômica dos<br />
negros, gerando conhecimento e habilidades nos<br />
pequenos negócios afiliados ao Black Economic<br />
Empowerment e aumentando o seu acesso a<br />
financiamento. A companhia criou um fundo<br />
de empreendimentos interno, o Anglo Zimele,<br />
<strong>para</strong> oferecer esses serviços de forma comercial.<br />
Atualmente, o fundo é muito lucrativo. 6<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
61
Polônia: Quase um terço do financiamento inicial <strong>para</strong> uma<br />
cooperativa de telefonia rural veio de governos locais.<br />
Criação de valor social<br />
Conforme foi discutido anteriormente, investir<br />
na remoção de obstáculos relacionados à<br />
falta de informação sobre o mercado e à<br />
limitação de conhecimento, habilidades,<br />
infra-estrutura e acesso a financiamento<br />
gera valor nos âmbitos privado e público. A<br />
Denmor e a Companhia Integrada Tamale Fruit<br />
não estão apenas aumentando a eficácia dos<br />
seus empregados e fornecedores, mas estão<br />
também desenvolvendo capital humano que irá<br />
gerar outras oportunidades econômicas <strong>para</strong><br />
as mesmas. A Sulabh e a Unilever não estão<br />
unicamente aumentando a demanda pelos seus<br />
produtos, mas estão também fortalecendo a<br />
conscientização sobre questões importantes<br />
de saúde pública e reduzindo a incidência de<br />
doenças. A Construmex possui um modelo<br />
de negócios que outras firmas – não apenas<br />
do setor de materiais de construção – podem<br />
copiar, de forma que criem novas opções <strong>para</strong><br />
emigrantes que desejam ajudar suas famílias<br />
nos seus países de origem.<br />
O valor social criado por investimentos<br />
desse tipo abre portas <strong>para</strong> o compartilhamento<br />
de custos com outras fontes voltadas <strong>para</strong><br />
o financiamento do bem-estar social. Esse<br />
aspecto pode ser extremamente importante<br />
<strong>para</strong> estabelecer a confiança, que atrai<br />
empreendedores e investimentos de grandes<br />
companhias, e que possibilita, além disso,<br />
investimentos potencialmente rentáveis<br />
<strong>para</strong> aqueles que ainda não estão totalmente<br />
certos de que existam possibilidades menos<br />
convencionais de se extrair valor dos negócios.<br />
Fontes de recursos <strong>para</strong> fins sociais<br />
incluem doadores internacionais, fundos<br />
de investimento social sem fins lucrativos,<br />
filantropos e governos. Eles dividem com o<br />
setor privado os custos da geração de valor<br />
social de duas formas: através de subvenções<br />
e por meio de redução de custos ou ‘patient<br />
capital.’<br />
Uso de subvenções, subsídios e doações.<br />
Subvenções, subsídios e doações são alocações<br />
de capital que não precisam ser quitadas. As<br />
subvenções são geralmente oriundas de fontes<br />
externas, mas no caso de grandes empresas<br />
elas também podem ser disponibilizadas<br />
internamente através da responsabilidade<br />
social corporativa e departamentos de<br />
filantropia. Fontes externas comuns são os<br />
governos nacionais, estaduais ou locais e<br />
doadores bilaterais, como a Agência Francesa<br />
de Desenvolvimento. Doadores multilaterais,<br />
como o Banco Mundial, algumas vezes também<br />
oferecem subvenções.<br />
Subvenções e subsídios governamentais<br />
são comuns em muitos contextos de negócios,<br />
cobrindo desde pesquisas básicas até a<br />
promoção das exportações. Atualmente,<br />
eles estão sendo oferecidos às empresas<br />
que investem na remoção de restrições<br />
nos mercados pobres – e iniciativas que<br />
contribuem <strong>para</strong> o desenvolvimento dos<br />
modelos de negócios inclusivos, tais como<br />
estudos de viabilidade econômica, projetos<br />
piloto e programas de treinamento.<br />
62 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
O objetivo de alguns é gerar incentivos <strong>para</strong><br />
investimentos únicos relativos a recursos<br />
compartilhados, como estradas ou redes elétricas.<br />
Outros buscam promover modelos de negócios<br />
que aumentarão o bem-estar da população no<br />
longo prazo, aumentando a sua renda, melhorando<br />
a sua saúde e assim por diante. Eles também<br />
podem visar os dois objetivos. Contudo, ambos os<br />
tipos de incentivos são investimentos na criação<br />
de valor social.<br />
Em Moçambique, o governo da província de<br />
Cabo Delgado forneceu fundos do Estado <strong>para</strong><br />
duas organizações não governamentais formarem<br />
uma subsidiária, com fins lucrativos, chamada<br />
VidaGás, que fornece gás de petróleo liquefeito<br />
(GPL), como substituto <strong>para</strong> o querosene <strong>para</strong><br />
famílias em áreas rurais, urbanas e periurbanas. O<br />
GPL é uma alternativa eficiente, limpa e de baixo<br />
custo, que promove a melhoria das condições de<br />
saúde. Na Polônia, os governos locais de áreas<br />
rurais contribuíram com 30% do investimento<br />
inicial <strong>para</strong> o estabelecimento da DTC Tyczyn, uma<br />
cooperativa de telefonia rural, sendo o restante<br />
do investimento proveniente da venda de ações,<br />
tarifas de conexões dos inscritos e empréstimos<br />
bancários em condições preferenciais.<br />
Em relação à cooperação bilateral, um<br />
exemplo de doação de recursos <strong>para</strong> modelos<br />
de negócios inclusivos é o programa de parceria<br />
público-privada da Agência de Desenvolvimento<br />
do Governo Alemão, a GTZ. O programa financia<br />
investimentos direcionados a fins diversos, de<br />
atividades centrais das empresas até a remoção<br />
de restrições nos mercados pobres. Entre as<br />
histórias de sucesso do programa estão o<br />
investimento inicial <strong>para</strong> o fornecimento de<br />
equipamento médico aos hospitais públicos da<br />
Tanzânia, o fortalecimento institucional <strong>para</strong><br />
ajudar os agricultores de tomate de Gana a<br />
fazer negócios com a Unilever, e a pesquisa e o<br />
treinamento no Vietnã <strong>para</strong> promover o cultivo<br />
sustentável de cacau na cadeia de valor da Mars.<br />
Outra organização que oferece subvenções<br />
é o Departamento <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Internacional do Reino Unido (Quadro 4.3).<br />
Como menciona o DFID e o Fundo de<br />
Desenvolvimento do Capital das Nações Unidas<br />
(UNCDF), as melhores práticas de concessão<br />
de subvenções, normalmente, são aquelas que<br />
“servem ao propósito do desenvolvimento<br />
institucional e do mercado sem distorcer o<br />
mesmo ou diminuir os incentivos, visando o alto<br />
desempenho institucional”. 7 De acordo com o<br />
Fórum de Finanças <strong>para</strong> o Desenvolvimento,<br />
‘subsídios “inteligentes” são aqueles direcionados,<br />
por exemplo, ao custeio envolvido na fase<br />
de instalação dos negócios, à pesquisa e ao<br />
desenvolvimento, aos custos de produtos com impacto<br />
significativo e alto grau de risco, ao fortalecimento<br />
institucional, à capacitação de consumidores, e aos<br />
custos voltados <strong>para</strong> a aumento do acesso a capital’. 8<br />
O economista de Harvard, Dani Rodrik, adiciona<br />
à lista de subsídios inteligentes aqueles direcionados<br />
ao custeio de treinamento em habilidades técnicas,<br />
vocacionais e lingüísticas. 9 No Banco Rand Merchant,<br />
da África do Sul, 20% de uma subvenção concedida<br />
pela Agência Francesa de Desenvolvimento foi <strong>para</strong><br />
o apoio educacional dos candidatos a empréstimos<br />
<strong>para</strong> a compra de casa própria, com enfoque nos<br />
direitos e deveres de proprietários de bens imóveis.<br />
Tal educação ajuda os clientes pobres a tirar maior<br />
proveito dos seus investimentos, torna o pagamento<br />
dentro do prazo mais provável e – quando a compra<br />
da moradia é bem-sucedida – pode encorajar outros<br />
clientes a comprar suas casas.<br />
Rodrik observa que subsídios de transação direta<br />
nem sempre são inteligentes – eles podem facilmente<br />
“invadir o cerne dos processos do mercado, impondo<br />
o risco de distorção de preços e incentivos” – mas<br />
afirma que, com devida atenção no processo de<br />
concepção, os<br />
subsídios podem<br />
criar efeitos<br />
demonstrativos<br />
bem-vindos. 10<br />
Os fundos de<br />
desafio do<br />
Departamento<br />
<strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento<br />
Internacional do Reino Unido, incluindo o Fundo<br />
de Desafio <strong>para</strong> o Desencadeamento de Negócios<br />
e o Fundo de Desafio <strong>para</strong> o Aprofundamento<br />
Financeiro, oferecem subsídios <strong>para</strong> fases de préabertura<br />
de negócios e <strong>para</strong> investimentos, incluindo<br />
aqueles direcionados à remoção de restrições nos<br />
mercados pobres. Casos bem-sucedidos incluem:<br />
O serviço de transações financeiras via<br />
celular da M-PESA (Vodafone), no Quênia, que<br />
registra mais de 6.000 novos clientes por dia. 1<br />
O cartão de crédito agrícola da Standard<br />
Chartered, no Paquistão, que permite aos<br />
agricultores obter sementes e outros insumos no<br />
início do plantio e quitar as suas dívidas somente<br />
na época da colheita.<br />
A rede de agentes de microseguros da TATA-<br />
AIG, na Índia, que durante os seus primeiros<br />
três anos de atividade vendeu mais de 34.000<br />
apólices. 2<br />
1. Business Week 2007. 2. Roth e Athreye 2005.<br />
Quadro 4.3. Oferecendo subsídios<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento de modelos<br />
de negócios inclusivos: os fundos<br />
de desafio do Departamento <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Internacional do<br />
Reino Unido<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
63
Aqui segue um bom exemplo: um subsídio da<br />
Agência de Mali <strong>para</strong> o Desenvolvimento da<br />
Energia Elétrica Residencial e Eletrificação<br />
Rural, sustentado por capital doado<br />
internacionalmente, irá pagar por até 70%<br />
da expansão de companhias fornecedoras<br />
de energia rural, permitindo que as mesmas<br />
reduzam as tarifas quase pela metade e<br />
aumentando, dessa forma, o acesso à energia<br />
da população de Mali. Se a margem de lucro<br />
das companhias exceder 20%, o subsídio será<br />
reduzido.<br />
Doadores bilaterais e multilaterais podem ter<br />
aplicações complexas e exigências de relatórios<br />
sobre impactos sociais. Empreendedores e<br />
empresas buscando financiamento devem<br />
avaliar os custos transacionais dessas<br />
exigências. Contudo, fundos provenientes<br />
de doadores geralmente trazem consigo<br />
benefícios como assistência técnica, contatos<br />
e credibilidade. Tanto as pequenas quanto<br />
as grandes empresas podem se beneficiar de<br />
financiamentos oriundos de doadores de fundos.<br />
Ao investir na remoção de restrições dos<br />
mercados pobres ou, de forma mais geral, <strong>para</strong><br />
o desenvolvimento de modelos de negócios<br />
inclusivos, grandes companhias podem<br />
também levantar recursos internos <strong>para</strong><br />
ações de filantropia, estratégia organizacional<br />
e responsabilidade social corporativa. Na<br />
região de Banda Aceh, na Indonésia, onde as<br />
moradias, fábricas e infra-estrutura básica<br />
foram totalmente devastadas pelo tsunami em<br />
2004, a Lafarge, companhia de construção<br />
francesa, escolheu investir na infra-estrutura<br />
local e ao mesmo tempo reconstruir a sua<br />
usina de cimento <strong>para</strong> colocá-la novamente em<br />
funcionamento. A companhia construiu 500<br />
casas, escolas e mesquitas que beneficiaram<br />
os habitantes locais e os seus empregados. Ao<br />
mesmo tempo em que a Lafarge fortaleceu a sua<br />
México:<br />
Foto: Banco Interamericano de<br />
Desenvolvimento<br />
imagem local, a iniciativa também demonstrou as<br />
vantagens do uso de materiais à base de cimento<br />
na construção de moradias.<br />
Nas empresas, os profissionais responsáveis<br />
pelos fundos voltados <strong>para</strong> ações de filantropia,<br />
estratégia organizacional e responsabilidade<br />
social corporativa podem, muitas vezes, ajudar a<br />
desenvolver modelos de negócios inclusivos. Na<br />
verdade, alguns têm a incumbência específica de<br />
investir na remoção de obstáculos do mercado.<br />
Problemas de saúde pública, por exemplo,<br />
podem comprometer a produtividade e aumentar<br />
os custos com a demissão de funcionários.<br />
Companhias como as mineradoras Lonmin 11<br />
e a Anglo American 12 , que operam na África<br />
subsaariana, onde o HIV/AIDS é disseminado,<br />
vêm construindo programas robustos de<br />
responsabilidade social corporativa <strong>para</strong> fornecer<br />
orientação, testes e tratamento <strong>para</strong> os seus<br />
empregados.<br />
A isenção de taxas também é um fator<br />
crucial <strong>para</strong> os negócios. O Programa de<br />
Investimento Estratégico (isento de taxas) do<br />
governo da África do Sul induziu companhias<br />
como a Aspen Pharmacare a investir em<br />
instalações manufatureiras <strong>para</strong> a produção de<br />
medicamentos genéricos anti-retrovirais <strong>para</strong><br />
atender os portadores do HIV. A companhia<br />
agora segue com o programa nacional de<br />
combate à AIDS na África do Sul, respondendo<br />
a aproximadamente 60% das suas necessidades<br />
médicas atuais.<br />
Financiamento a custos reduzidos ou patient<br />
capital. Ao contrário dos doadores de fundos,<br />
os investidores que oferecem financiamento<br />
a custos mais baixos ou “patient capital”<br />
esperam retornos – grandes ou pequenos – dos<br />
seus investimentos nos modelos de negócios<br />
inclusivos. No Equador, a Hogar de Cristo, uma<br />
organização sem fins lucrativos que constrói<br />
moradias e fornece hipotecas <strong>para</strong> os pobres,<br />
recebeu um grande montante de empréstimo<br />
a juros baixos do Banco Interamericano de<br />
Desenvolvimento <strong>para</strong> diversificar a sua linha<br />
de habitação com estrutura de aço, expandir o<br />
seu programa de microcrédito e fortalecer a sua<br />
gestão financeira com o intuito de reduzir os<br />
maus empréstimos. 13 Muitos investidores estão<br />
dispostos a aceitar o custo de oportunidade<br />
associado a retornos menores e de longo<br />
prazo que os modelos de negócios inclusivos<br />
podem apresentar em função da economia, das<br />
incertezas ou da necessidade de investir na<br />
remoção de restrições de mercado. Eles querem<br />
gerar valor social além do valor financeiro. Por<br />
isso, investem em empresas com a convicção de<br />
que modelos lucrativos podem gerar valor social<br />
de forma mais eficaz e sustentável.<br />
64 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 4.1. Resumo: Abordagens <strong>para</strong> investir na remoção de restrições do mercado<br />
Obstáculos<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Estratégia 2<br />
Investimento na remoção de restrições<br />
do mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
produtos<br />
e serviços<br />
financeiros<br />
Combinando<br />
Uso de subvenções, subsídios e doações<br />
Financiamento a custos reduzidos ou patient capital<br />
Realização de pesquisa de<br />
mercado<br />
Criação de produtos ou serviços<br />
financeiros<br />
Investimento em infraestrutura<br />
Promoção do desempenho dos<br />
fornecedores<br />
Conscientização e treinamento<br />
dos consumidores<br />
Obtenção de benefícios<br />
intangíveis<br />
Financiamentos a custos baixos e patient<br />
capital podem vir de fontes diversas, incluindo<br />
corporações, fundações, organizações nãogovernamentais,<br />
agências governamentais e fundos<br />
de investimento mistos que podem incorporar<br />
capital de todas essas proveniências. 14<br />
Fontes diferentes podem estabelecer<br />
exigências distintas <strong>para</strong> a magnitude dos retornos<br />
financeiros e sociais esperados e <strong>para</strong> o equilíbrio<br />
entre ambos. Geralmente, quanto menor o retorno<br />
financeiro esperado, maior é o retorno social<br />
esperado – e mais rigorosas são as exigências <strong>para</strong><br />
os relatórios de impacto social e desempenho.<br />
As expectativas sobre quando os retornos<br />
financeiros e sociais devem começar a se<br />
materializar também variam. Algumas fontes<br />
de “patient capital” estabelecem prazos maiores<br />
que outras. Similarmente ao que ocorre com<br />
os investimentos tradicionais, os investidores<br />
preocupados com padrões de desempenho<br />
social têm preferências diferentes quanto às<br />
características dos negócios nos quais irão investir,<br />
tais como tamanho, tipo de indústria, região ou<br />
país-sede, entre outras.<br />
Exemplos de como os modelos de negócios<br />
inclusivos têm lucrado com “financiamentos<br />
mistos” incluem:<br />
uma parceria público-privada <strong>para</strong> a<br />
produção de redes de dormir tratadas com<br />
inseticida <strong>para</strong> a prevenção da malária.<br />
Através de um empréstimo a juros baixos e<br />
de longo prazo <strong>para</strong> pagamento, do Fundo<br />
Acumen, a Sumitomo transfere tecnologia<br />
e produtos químicos <strong>para</strong> a A to Z Textile<br />
Mills, que compra resina <strong>para</strong> as redes da<br />
ExxonMobil que, por sua vez, concedeu doações<br />
ao Fundo das Nações Unidas <strong>para</strong> a Infância<br />
(UNICEF) <strong>para</strong> a compra de redes duráveis<br />
<strong>para</strong> as crianças mais vulneráveis. A A to Z<br />
agora produz oito milhões de redes por ano e<br />
emprega cerca de 5000 pessoas (um aumento<br />
de 1000 desde a sua “descoberta” pelo Fundo<br />
Acumen), sendo 90% delas mulheres sem<br />
experiência;<br />
CAPÍTULO 4. INVESTIMENTO NA REMOÇÃO DAS RESTRIÇÕES DE MERCADO<br />
65
Egito: A Sekem<br />
emprega um<br />
total de 2850<br />
funcionários<br />
e pequenos<br />
produtores<br />
locais e beneficia<br />
aproximadamente<br />
25000 pessoas com<br />
as suas iniciativas de<br />
desenvolvimento.<br />
Foto: Sekem<br />
Além de tornar o empreendimento<br />
possível, o patient capital também<br />
permitiu que a empresa experimentasse<br />
e aprimorasse o seu produto até que a<br />
sua avaliação de custos e preços fosse<br />
precisa <strong>para</strong> o mercado local;<br />
uma holding privada, no Quênia,<br />
envolvida na produção de qualidade<br />
e a baixo custo de derivados<br />
farmacêuticos da artemisinina –<br />
um dos principais ingredientes<br />
usados <strong>para</strong> o tratamento da<br />
malária. A Advanced Bio Extracts<br />
Ltd. foi fundada com patient capital<br />
da Novartis, que também forneceu<br />
assistência administrativa e estratégica,<br />
recebendo retornos bem abaixo do<br />
mercado. 15 O patient capital sustentou<br />
o empreendimento especialmente no<br />
período de uma crise na colheita e ajudou<br />
a fábrica a obter uma classificação<br />
mundial de qualidade. O resultado: um<br />
empreendimento bem-sucedido que gera<br />
externalidades positivas <strong>para</strong> a saúde<br />
e <strong>para</strong> a economia local – a empresa<br />
compra a matéria-prima de 7.500<br />
produtores locais, que ganham mais<br />
com essa colheita do que com o cultivo<br />
do milho 16 ;<br />
uma companhia egípcia cujo foco<br />
é a agricultura biodinâmica. A<br />
Sekem, em colaboração com empresas<br />
parceiras na Alemanha e nos Países<br />
Baixos, obteve assistência financeira<br />
da Comissão Européia, Fundação<br />
Ford, Agência Norte-Americana <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Internacional, Fundo<br />
Acumen e Organização Alemã <strong>para</strong><br />
as Finanças e o Desenvolvimento. A<br />
Corporação Financeira Internacional<br />
disponibilizou um empréstimo de $5<br />
milhões e assistência técnica <strong>para</strong> ajudar<br />
a fortalecer as conexões da cadeia de<br />
fornecimento com os produtores rurais.<br />
A Sekem cresceu, com uma receita de<br />
$19 milhões em 2005, empregando um<br />
total de 2850 funcionários e pequenos<br />
produtores locais. A empresa também<br />
beneficia cerca de 25.000 pessoas com<br />
as suas iniciativas de desenvolvimento. 17<br />
Em vez de grandes projetos de companhias<br />
multinacionais e empresas bem<br />
estabelecidas, o financiamento a custos<br />
baixos e o patient capital têm visado<br />
especialmente empreendimentos menores<br />
em estágios iniciais de desenvolvimento<br />
e empresas sociais financeiramente<br />
sustentáveis. Muitas vezes, eles<br />
trazem consigo assistência técnica: em<br />
administração, planejamento de negócios,<br />
entre outros, ou fornecem instruções <strong>para</strong><br />
contatos comerciais e financiadores <strong>para</strong><br />
estágios mais avançados do negócio.<br />
1<br />
2<br />
Porter 1998.<br />
IRC 2007.<br />
3 Ganchero, Elvie Grace e Chrysanti Hasibuan-Sedyono. 2007. Rajawali’s Express Taxi: Working with Taxi<br />
Drivers as Business Partners in Indonesia. UNDP, p. 9<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
13<br />
14<br />
15<br />
16<br />
17<br />
The Indian Express 2005.<br />
Tata website (www.tata.com) e Madhukar 2006.<br />
Wise e Shytlla 2007.<br />
Departamento de Economia e Assuntos Sociais da Organização das Nações Unidas e Fundo das Nações<br />
Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento do Capital 2006, p. 109.<br />
Departamento de Economia e Assuntos Sociais da Organização das Nações Unidas e Fundo das Nações<br />
Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento do Capital 2006, pp. 49–51.<br />
Rodrik 2004.<br />
Gibson, Scott, e Ferrand 2004, p. 20.<br />
Lonmin website (www.lonmin.com/main.aspxpageId=111).<br />
Arnst 2004.<br />
Constance 2007.<br />
WEF e o Global Foundation Leaders Advisory Group 2005, p. 3.<br />
Novogratz 2007.<br />
Advanced Bio-Extracts Limited 2007.<br />
Para mais exemplos egípcios ver Iskandar 2007.<br />
66 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
5<br />
F o r t a l e c i m e n t o<br />
d o p o t e n c i a l<br />
dos pobres<br />
Quênia: A HealthStore<br />
Foundation engajou,<br />
nas favelas, enfermeiros<br />
e trabalhadores locais<br />
da área de saúde em<br />
microfranquias de lojas e<br />
clínicas farmacêuticas com<br />
fins lucrativos.<br />
Foto: cortesia do Fundo Acumen<br />
Construir modelos de negócios inclusivos pode ser<br />
intimidante, especialmente <strong>para</strong> firmas sem experiência em mercados<br />
pobres. Entretanto, alguns dos melhores recursos <strong>para</strong> superar esses desafios<br />
podem ser encontrados, justamente, entre os pobres.<br />
Para alavancar o potencial dos pobres – trabalhando com eles e atuando<br />
através de suas redes sociais – é necessário ter uma compreensão profunda do<br />
contexto local. Quando os pobres assumem tarefas em um modelo de negócios,<br />
os custos de transação diminuem enquanto eles são beneficiados com novas<br />
oportunidades de renda. Além disso, os pobres são eficientes e confiáveis<br />
<strong>para</strong> estabelecer o elo entre suas comunidades e os mercados. Eles têm o<br />
conhecimento e os incentivos <strong>para</strong> tal. As suas fortes redes sociais, não raro,<br />
podem suprir lacunas do mercado e compensar a falta de condições adequadas<br />
(Quadro 5.1).<br />
Como mostra a matriz estratégica, o fortalecimento do potencial dos pobres<br />
se aplica na maioria dos cinco grandes obstáculos discutidos no capítulo 2 – mas<br />
é usado principalmente <strong>para</strong> enfrentar a falta de informação sobre o mercado.<br />
CAPÍTULO 5. FORTALECIMENTO DO POTENCIAL DOS POBRES<br />
67
Quadro 5.1. Estudo de caso – HealthStore Foundation:<br />
oferecendo serviços de saúde em áreas remotas<br />
A malária afeta aproximadamente 300<br />
milhões de pessoas ao redor do mundo.<br />
Cerca de 70%-90% de doenças e mortes<br />
infantis em países em desenvolvimento são<br />
causadas por doenças contagiosas como a malária – e que podem ser tratadas com drogas genéricas<br />
baratas. Todos os dias, mais de 25.000 crianças morrem por causa da falta desses remédios. 1<br />
Quando Scott Elétron, fundador da HealthStore Foundation, observou o mercado de medicamentos<br />
no Quênia, verificou um sistema falido, com suprimentos de remédios inadequados e de baixa<br />
qualidade. Ao mesmo tempo, enxergou uma oportunidade <strong>para</strong> “evitar mortes e doenças<br />
desnecessárias no mundo em desenvolvimento através da melhoria sustentável do acesso a<br />
medicamentos essenciais e serviços de saúde básicos”. 2 Se medicamentos ruins estavam sendo<br />
vendidos <strong>para</strong> gerar lucro, pensou Scott, vender medicamentos de boa qualidade também poderia ser<br />
lucrativo.<br />
O maior desafio de Scott era distribuir remédios <strong>para</strong> as áreas remotas do Quênia. Enquanto 80%<br />
dos médicos do país vivem nas cidades, 70% dos habitantes moram em áreas rurais. A necessidade<br />
de medicamentos era maior nessas áreas, mas poucas clínicas ou farmácias existiam ali, e estradas<br />
precárias dificultavam o acesso aos vilarejos. O objetivo de Scott era fornecer a essas regiões estoques<br />
de remédios baratos e de boa qualidade e estabelecer clínicas localizadas a não mais do que uma hora<br />
de caminhada das localidades que deveriam ser servidas.<br />
Para alcançar esses objetivos, o empreendimento de Scott precisaria construir o seu próprio mercado,<br />
promovendo a conscientização das comunidades rurais do Quênia e encontrando formas inovadoras<br />
de validar contratos. Sem meios de comunicação confiáveis ou sistemas que fizessem valer as leis, a<br />
única maneira de estabelecer um mercado <strong>para</strong> os seus remédios – aumentando a conscientização<br />
sobre saúde, assegurando tratamentos eficazes e garantindo lucratividade <strong>para</strong> as lojas da HealthStore<br />
Foundation – seria através da construção de uma relação de confiança com as comunidades.<br />
A solução de Scott foi engajar membros das comunidades em microfranquias, <strong>criando</strong> redes locais<br />
de distribuição de remédios. Tendo como proprietários as enfermeiras ou trabalhadores locais da área<br />
de saúde das comunidades, que conhecem as necessidades dos seus clientes, as franquias com fins<br />
lucrativos permitem à HealthStore Foundation distribuir satisfatoriamente os medicamentos baratos e<br />
fornecer serviços básicos de saúde <strong>para</strong> muitas comunidades remotas.<br />
Obstáculos<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Trabalhar com as comunidades pobres<br />
é um processo de aprendizado mútuo. As<br />
empresas aprendem sobre as preferências,<br />
necessidades e capacidades locais; aprendem<br />
a desenvolver processos que funcionam<br />
no mercado e colaborar com os pobres. Os<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
pobres, por sua vez, recebem informações<br />
novas, aumentam as suas habilidades,<br />
assumem novos papéis e ganham<br />
autoconfiança. 1<br />
A prática do desenvolvimento produziu<br />
um rico conjunto de mé<strong>todos</strong> e abordagens<br />
<strong>para</strong> engajar os pobres, principalmente<br />
porque os especialistas dessa área há muito<br />
compreenderam a necessidade de se ter<br />
dois diferenciais <strong>para</strong> o trato bem-sucedido<br />
com as comunidades pobres: inserção local<br />
e confiança. A inserção local viabiliza o<br />
acesso às redes locais, recursos e informação,<br />
tornando as operações eficazes e gerando<br />
confiança. E a confiança é um diferencial<br />
fundamental onde impera a pobreza,<br />
mas praticamente sem valor nos países<br />
desenvolvidos onde o sistema formal e a<br />
prática de contratos funcionam.<br />
A inserção local e a confiança são<br />
igualmente importantes <strong>para</strong> o sucesso dos<br />
modelos de negócios inclusivos. 2 Experiências<br />
pessoais e relacionamentos são cruciais<br />
<strong>para</strong> as tomadas de decisão dos pobres. Até<br />
serem convencidos de que podem confiar,<br />
eles tendem a ser desconfiados em relação a<br />
forasteiros dentro dos seus mercados.<br />
68 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Com a recomendação de organizações religiosas, a HealthStore Foundation recruta franqueados de<br />
personalidade forte, com senso <strong>para</strong> os negócios e boas relações com a comunidade. A fundação fornece<br />
empréstimos iniciais e apoio contínuo, incluindo treinamento, logística, financiamento e marketing. Em<br />
contrapartida, os franqueados contribuem com uma taxa, mantêm os padrões da empresa e atendem suas<br />
comunidades.<br />
O modelo provou ser eficaz. Apenas em 2005, mais de 400.000 pacientes de baixa renda foram tratados em<br />
11 distritos do Quênia através das 63 lojas. Millicent, a primeira franqueada a abrir uma clínica <strong>para</strong> crianças<br />
e famílias das favelas de Kibera, em 2004, ganhou a confiança da sua comunidade e atualmente fatura<br />
entre $1.000 - $1.280 por mês. O seu negócio foi tão bem-sucedido que ela pôde levar a sua família <strong>para</strong><br />
tirar férias pela primeira vez, educou o seu filho em uma escola privada e está planejando comprar uma<br />
casa.<br />
Dora, outra enfermeira franqueada,<br />
também está fazendo uma grande<br />
diferença na sua comunidade,<br />
e, ao mesmo tempo, ganhando<br />
autoconfiança e uma renda decente.<br />
Durante os recentes conflitos no Quênia,<br />
o valor do empreendimento de Dora –<br />
e de Scott – <strong>para</strong> os pobres da região,<br />
foi dramaticamente revelado: “Eles<br />
persuadiram os delinquentes a poupar a<br />
minha clínica. Disseram que precisavam<br />
dos serviços médicos e que eu estava ali<br />
<strong>para</strong> ajudá-los. No final das contas, <strong>todos</strong><br />
iriam se prejudicar por não ter uma<br />
farmácia e uma pequena instalação de<br />
serviço de saúde.”<br />
1. WHO 2007.<br />
2. Compromisso de missão da HealthStore<br />
Foundation.<br />
3. CARE Newsletter, janeiro de 2008.<br />
Nos mercados pobres, os<br />
indivíduos e organizações locais possuem conhecimento e relacionamentos sólidos que<br />
lhes dão vantagens em relação àqueles que vêm de fora. Os moradores locais não precisam<br />
cultivar confiança e relacionamentos nem se inserir no ambiente <strong>para</strong> compreendê-lo ou<br />
pesquisar as necessidades e práticas locais. Assim, os modelos de negócios inclusivos podem<br />
basear-se em mé<strong>todos</strong> já testados na prática, como mé<strong>todos</strong> participativos de avaliação<br />
rural, que utilizam o conhecimento local <strong>para</strong> a avaliação de situações, organização e<br />
tomada de decisões comunitárias, <strong>para</strong> poderem entender os seus mercados-alvo e construir<br />
relacionamentos com fornecedores e consumidores.<br />
Inserção dos pobres como indivíduos<br />
Empresas que incluem os pobres nas suas<br />
cadeias de valor beneficiam-se de elementos<br />
preciosos: conhecimento local e relações de<br />
confiança. Por outro lado, o pobre beneficiase<br />
através de novas fontes de renda e<br />
habilidades. Modelos de negócios inclusivos<br />
podem gerar esse benefício mútuo por meio<br />
do (a):<br />
envolvimento dos pobres em pesquisas<br />
de mercado;<br />
realização de treinamento <strong>para</strong> que os<br />
pobres tornem-se instrutores;<br />
construção de redes logísticas locais;<br />
identificação de fornecedores de serviço<br />
locais;<br />
promoção da inovação através da co-criação<br />
com os pobres.<br />
Envolvimento dos pobres em pesquisas de<br />
mercado<br />
Desde os anos 80, muitas ferramentas e técnicas<br />
foram criadas <strong>para</strong> colher informações sobre<br />
os pobres. Um exemplo é a avaliação rural<br />
participativa, que usa a comunicação oral em vez<br />
da escrita e reduz a distância entre eles e seus<br />
entrevistadores.<br />
CAPÍTULO 5. FORTALECIMENTO DO POTENCIAL DOS POBRES<br />
69
mercado com o envolvimento da comunidade.<br />
No agronegócio, informações atualizadas<br />
sobre quem produz o que são importantes<br />
tanto <strong>para</strong> os compradores quanto <strong>para</strong><br />
os vendedores. Sem um mecanismo <strong>para</strong><br />
equilibrar variações locais na produção,<br />
os preços podem ser altamente voláteis.<br />
Os agentes de serviços dos centros de<br />
informações rurais da empresa chinesa<br />
de computadores Tsinghua Tongfang<br />
coletam informações dos produtores rurais<br />
que lá comparecem <strong>para</strong> obter notícias<br />
sobre a previsão do tempo ou contatos de<br />
fornecedores. Os agentes obtêm, dessa forma,<br />
dados sobre a produção atual e futura e<br />
inserem as informações no site do Centro de<br />
Informação Rural de Pequim, ajudando outros<br />
produtores rurais a equilibrarem a produção<br />
e alcançarem maior lucratividade. Além disso,<br />
o site também pode ajudar compradores de<br />
produtos agrícolas – varejistas ou produtores<br />
de ração animal – a descobrir onde comprar<br />
insumos.<br />
China: Informações sobre o<br />
planejamento da produção de<br />
agricultores estão disponíveis no<br />
site do Centro de Informação Rural<br />
de Pequim, permitindo que outros Avaliações desse<br />
produtores rurais adaptem seus tipo mostram que<br />
próprios planos.<br />
os habitantes de<br />
vilarejos podem<br />
descrever os bens<br />
e características de famílias locais com precisão<br />
surpreendente, produzindo estimativas tão<br />
exatas quanto às de avaliações formais; mas elas<br />
são menos demoradas e mais baratas. 3<br />
Da mesma forma, levantamentos em<br />
favelas podem captar com muita eficiência<br />
informações sobre a realidade de mercados<br />
pouco conhecidos. Em 2005, o Centro de<br />
Estudos Urbanos de Bangladesh e a Agência<br />
Norte-Americana <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Internacional realizaram uma ampla pesquisa<br />
<strong>para</strong> identificar as principais favelas (por<br />
tamanho da população e número de moradias)<br />
e <strong>para</strong> registrar recursos como fontes de água,<br />
saneamento e fornecimento de energia. Uma<br />
equipe treinada de investigadores de campo<br />
entrou nas favelas e identificou informanteschave<br />
– líderes comunitários, professores,<br />
comerciantes e membros de organizações<br />
não-governamentais – que compartilharam<br />
seus conhecimentos sobre cada habitante e<br />
características das favelas. 4<br />
A tecnologia da informação e comunicação<br />
pode, em alguns casos, ser usada <strong>para</strong> tornar<br />
mais eficiente essa obtenção de informações de<br />
Realização de treinamento <strong>para</strong> que os<br />
pobres se tornem instrutores<br />
Investimentos em treinamento e educação são,<br />
com freqüência, necessários <strong>para</strong> que modelos<br />
de negócios inclusivos tenham sucesso –<br />
mas podem ser bastante caros. Entretanto,<br />
treinar pessoas da comunidade <strong>para</strong> torná-los<br />
instrutores e educadores pode expandir os<br />
benefícios do investimento muito além de um<br />
círculo inicial de instrutores. Os instrutores<br />
locais falam a linguagem local e desfrutam<br />
da confiança da comunidade. Além disso,<br />
capacitar pobres <strong>para</strong> que sejam instrutores<br />
lhes confere um poder e status especial na<br />
comunidade a que pertencem.<br />
O treinamento “campesino a campesino”<br />
aumentou com êxito as práticas agrícolas.<br />
Novos mé<strong>todos</strong> agrícolas ou de pecuária são<br />
disseminados entre o grupo de aprendizagem,<br />
com um instrutor do campo guiando o resto.<br />
Essa abordagem provou ser eficaz, não<br />
somente porque os produtores rurais levam a<br />
sério o conselho de seu colega, mas também<br />
porque as práticas são adaptadas às condições<br />
locais. O treinamento passa a ter, dessa<br />
maneira, um componente inovador inerente<br />
ao processo, na medida em que os produtores<br />
rurais são encorajados a experimentar e<br />
com<strong>para</strong>r alternativas.<br />
Treinamentos dirigidos pela comunidade<br />
também estão sendo aplicados com sucesso<br />
na área de serviços bancários.<br />
70 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Bancos comerciais sul-africanos, como o<br />
Nedbank e o Rand Merchant Bank, possuem<br />
programas de orientação comunitária <strong>para</strong><br />
instruir clientes de baixa renda sobre os seus<br />
produtos. Com a colaboração da Agência<br />
Francesa de Desenvolvimento, os dois bancos<br />
oferecem produtos financeiros inovadores,<br />
voltados <strong>para</strong> o mercado de habitação de<br />
baixa renda. O Nedbank e o Rand Mercantile<br />
Bank treinam instrutores comunitários sobre<br />
os serviços e estes repassam o conhecimento<br />
apreendido <strong>para</strong> clientes em potencial. O<br />
programa instrui clientes-alvo ao mesmo<br />
tempo em que edifica a confiança, ajudando<br />
a diminuir a distância, criada pelo apartheid,<br />
entre os financistas brancos e os clientes<br />
negros.<br />
Construção de redes logísticas locais<br />
Engajar os pobres pode ajudar as empresas<br />
a receber, distribuir e vender em mercados<br />
com infra-estrutura física e sistemas<br />
logísticos inadequados. As empresas<br />
podem abordar, por exemplo, pequenos<br />
comerciantes ou outros fornecedores locais<br />
<strong>para</strong> oferecer um produto novo. Nas Filipinas,<br />
a RiteMed mobilizou pontos de venda de<br />
produtos farmacêuticos e os convenceu da<br />
oportunidade de negócio em vender remédios<br />
genéricos em grandes quantidades, mesmo<br />
com margens de lucro mais baixas. As vendas<br />
da RiteMed chegaram a $20 milhões em<br />
2006. No México, a rede de distribuição de<br />
material de construção da CEMEX também<br />
inclui mais de 2.000 pequenos e médios<br />
varejistas locais nas áreas urbanas e rurais.<br />
O sistema de microfranquia é outra forma<br />
de fortalecer redes de distribuição locais.<br />
O princípio da microfranquia é idêntico ao<br />
da franquia comum: um modelo de negócio<br />
padronizado que pode ser facilmente<br />
replicado. Para fazer a franquia funcionar em<br />
escala micro, o modelo precisa viabilizar um<br />
pequeno investimento inicial (que pode ser<br />
feito através de um sistema de microcrédito<br />
que evite sobrecarregar os franqueados<br />
com dívidas antecipadas). O benefício <strong>para</strong><br />
os franqueados é o estabelecimento de um<br />
negócio, contratado sob empreitada integral,<br />
que comprovadamente requer menos risco<br />
e experiência do que um modelo startup.<br />
Além disso, a microfranquia também oferece<br />
serviços de suporte, desde o desenvolvimento<br />
de produtos ao gerenciamento e treinamento<br />
da rede de fornecedores. Um exemplo desse<br />
modelo é o sistema lucrativo de microfranquias<br />
da HealthStore Foundation no Quênia (ver<br />
Quadro 5.1).<br />
Identificação de fornecedores de serviço locais<br />
Provedores de serviço e manutenção em<br />
mercados pobres devem responder com rapidez<br />
às necessidades dos clientes, no entanto cobrem<br />
freqüentemente populações dispersas em<br />
áreas com infra-estrutura física e rede logística<br />
inadequadas. Somente provedores locais<br />
conseguem fazer isso com sucesso.<br />
A Lydec trabalha com “representantes<br />
de rua” <strong>para</strong> administrar as operações do<br />
fornecimento de água e eletricidade nas favelas<br />
de Casablanca. Os representantes, que são<br />
membros da comunidade local, são responsáveis<br />
pela coordenação do trabalho diário e pelo<br />
fornecimento de suporte técnico a uma média<br />
de 20 moradias cada um. Eles também geram a<br />
cobrança do pagamento das moradias por eles<br />
atendidas.<br />
Serviços de saúde dependem, mais do que<br />
quaisquer outros, de uma provisão regular e<br />
confiável. A alta taxa de mortalidade infantil<br />
nos países em desenvolvimento é, na maioria<br />
dos casos, causada por falta de atenção médica<br />
e acesso limitado a serviços de saúde. No Mali,<br />
o projeto Pésinet tem um sistema de aviso<br />
que monitora a saúde infantil e detecta, com<br />
antecedência, doenças potencialmente fatais,<br />
como a malária e o sarampo. Combinando<br />
inovação técnica com o engajamento da<br />
comunidade, a empresa oferece um modelo<br />
eficiente <strong>para</strong> o monitoramento de problemas<br />
de saúde. A Pésinet identifica e treina<br />
representantes locais – a maioria mulheres – na<br />
periferia de Bamako.<br />
Madagascar: Treinamentos campesino a campesino<br />
podem expandir práticas agrícolas com sucesso.<br />
Foto: Adam Rgers/UNCDF<br />
CAPÍTULO 5. FORTALECIMENTO DO POTENCIAL DOS POBRES<br />
71
pobres)”. 5 Três ferramentas, em particular, são<br />
promissoras: o método do usuário-líder, imersão<br />
e workshops de inovação.<br />
Benin: Um farmacêutico<br />
recebe visitantes em uma Os pais cadastram-se<br />
clínica de saúde.<br />
no programa e pesam<br />
Foto: UNICEF/Julie Pudlowski<br />
seus filhos duas vezes<br />
por semana com as<br />
“senhoras Pésinet”,<br />
que enviam a informação eletronicamente <strong>para</strong><br />
um médico associado. Quando a leitura do peso é<br />
mais baixa do que o normal, o médico pede que a<br />
criança seja levada ao seu consultório <strong>para</strong> exame.<br />
Um médico pode cuidar de cerca de 2.000 crianças.<br />
O projeto é financeiramente sustentável e atende<br />
pelo menos 1.200 crianças por uma taxa mensal de<br />
inscrição de apenas US$1,05.<br />
Promoção da inovação através da co-criação<br />
com os pobres<br />
Os pobres podem contribuir em <strong>todos</strong> os estágios<br />
das cadeias de valor – e podem ser inovadores ao<br />
desenvolverem novos modelos de negócios.<br />
Integrar os consumidores pobres no processo<br />
de inovação ajuda a:<br />
obter informações sobre os consumidores e a<br />
forma como utilizam um produto;<br />
descobrir informações “ocultas” – que os<br />
consumidores possuem, mas que não revelam<br />
porque não têm consciência da sua importância<br />
ou sentem-se inseguros <strong>para</strong> expressá-las;<br />
identificar necessidades e soluções.<br />
Nas palavras de Ted London – Diretor da<br />
Iniciativa Base da Pirâmide, do Instituto William<br />
Davidson da Universidade de Michigan – uma<br />
abordagem integrativa de desenvolvimento<br />
de negócios pode “combinar o conhecimento<br />
desenvolvido no topo da pirâmide com a<br />
sabedoria e a experiência da base, de forma que<br />
melhor se encaixe no ambiente local e permita a<br />
co-descoberta de novas oportunidades (<strong>para</strong> os<br />
O conceito do usuário-líder, desenvolvido<br />
pelo Professor Eric von Hippel, Chefe de<br />
Inovação e Empreendedorismo da Sloan Escola<br />
de Administração do Instituto de Tecnologia<br />
de Massachusetts, é amplamente aplicado em<br />
inovação dirigida ao consumidor. Usuários<br />
líderes têm necessidades que se tornarão<br />
relevantes a outros usuários e – como percebem<br />
os benefícios significativos <strong>para</strong> si próprios ao<br />
satisfazerem suas necessidades – desenvolvem<br />
idéias sobre como satisfazer necessidades<br />
usando ou adaptando os produtos existentes. 6<br />
A Haier, por exemplo, empresa chinesa de<br />
utensílios domésticos, descobriu que seus<br />
clientes estavam usando as máquinas de lavar<br />
Haier não apenas <strong>para</strong> lavar roupas, mas<br />
também <strong>para</strong> lavar vegetais. Então, a empresa<br />
adaptou as máquinas de lavar <strong>para</strong> torná-las<br />
melhor na lavagem de vegetais.<br />
Com origem na pesquisa antropológica e<br />
na prática do desenvolvimento, o método de<br />
imersão envolve a integração prolongada nas<br />
comunidades pobres como participante, e não<br />
como mero observador. Representantes de<br />
empresas e facilitadores de projetos visitam<br />
uma favela ou um vilarejo rural durante dois<br />
ou três meses, estabelecem relações e se<br />
utilizam delas <strong>para</strong> desenvolver um modelo<br />
de negócio apoiado por uma rede social. 7 As<br />
empresas Intel, Motorola e Nokia empregam<br />
“antropólogos usuários” ou “pesquisadores do<br />
comportamento humano” que permanecem nos<br />
locais e conduzem vários tipos de entrevistas<br />
com usuários em potencial a fim de mapear<br />
possíveis funções <strong>para</strong> um produto. De acordo<br />
com o New York Times, “Influenciada pelo<br />
estudo (de um antropólogo) sobre a prática de<br />
compartilhar telefones celulares com a família<br />
ou com vizinhos, a Nokia começou a fabricar<br />
telefones com cadernos de endereços <strong>para</strong><br />
até sete usuários por telefone”. 8 A imersão<br />
foi considerada no Protocolo da Base da<br />
Pirâmide, conduzido pelo Professor Stuart<br />
Hart da Johnson School da Universidade de<br />
Cornell, <strong>para</strong> compreender as condições do<br />
mercado-alvo e “co-criar” modelos de negócios<br />
inclusivos. 9<br />
Os workshops sobre inovação podem ser<br />
uma maneira eficiente de engajar consumidores<br />
pobres no desenvolvimento de um negócio<br />
que já tenha inserção local e uma boa rede de<br />
relacionamentos na comunidade.<br />
72 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Um workshop bem planejado pode gerar<br />
uma interação criativa entre a empresa e<br />
os consumidores, que podem contribuir<br />
através do seu conhecimento sobre as formas<br />
de utilização de um produto (ou produtos<br />
relacionados). Tal conhecimento, combinado<br />
com a opinião técnica da empresa, pode<br />
levar a novas soluções. 10 Por exemplo, o<br />
K-REP Bank, um provedor de microcrédito<br />
queniano, usa as reuniões com seus clientes<br />
<strong>para</strong> obter feedback e desenvolver melhorias<br />
nos serviços. Algumas das mais promissoras<br />
inovações do Banco K-REP, inclusive os<br />
diferentes tipos de empréstimos com planos<br />
flexíveis e as freqüentes reuniões de grupos,<br />
surgiram a partir dessas interações com os<br />
clientes.<br />
Como diz o provérbio, a necessidade é a<br />
mãe da invenção. Com poucos recursos e acesso<br />
limitado a bens e serviços, os pobres precisam<br />
ser criativos <strong>para</strong> viver. A inclusão de suas idéias<br />
no desenvolvimento de um negócio – de forma<br />
que encoraje e valorize as suas contribuições –<br />
pode ser extremamente útil durante o processo<br />
de criação. Para os pobres isso significa não<br />
apenas poder usufruir de melhores produtos,<br />
mas também ter suas vozes ouvidas.<br />
Desempenho por meio de redes<br />
sociais existentes<br />
Uma comunidade é mais do que a soma de<br />
suas partes. Onde a pobreza prevalece, as<br />
regras informais estabelecidas e impostas<br />
pelas comunidades costumam ser mais<br />
eficazes do que as regras formais. Além disso,<br />
uma comunidade pode contribuir <strong>para</strong> que<br />
seus moradores ajudem-se e compartilhem<br />
recursos, pode facilitar a cooperação <strong>para</strong><br />
a provisão de bens comuns (como poços,<br />
moinhos ou escolas) ou ainda viabilizar<br />
estruturas <strong>para</strong> serviços de poupança e<br />
mecanismos de crédito ou seguros.<br />
Modelos de negócios inclusivos podem se<br />
beneficiar ao colaborar com comunidades pobres<br />
<strong>para</strong>:<br />
alavancagem de mecanismos de aplicação de<br />
contratos informais;<br />
expansão do compartilhamento de risco;<br />
coordenação de investimentos <strong>para</strong> o<br />
provimento de bens comuns.<br />
Bangladesh: Um grupo de mulheres da comunidade fornece<br />
instruções sobre nutrição, saúde e matemática fundamental com<br />
o objetivo de contribuir <strong>para</strong> o desenvolvimento de habilidades<br />
profissionais básicas. Foto: Shehzad Noorani/ Banco Mundial<br />
CAPÍTULO 5. FORTALECIMENTO DO POTENCIAL DOS POBRES<br />
73
Alavancagem de mecanismos de<br />
aplicação de contratos informais<br />
Redes sociais facilitam a realização de<br />
atividades individuais e coletivas através<br />
da confiança, da reciprocidade e do<br />
estabelecimento de regras comuns. Esses<br />
fatores podem ajudar no cumprimento de<br />
contratos onde o ambiente regulatório é<br />
ineficaz. Novos modelos de negócio podem<br />
criar incentivos <strong>para</strong> que <strong>todos</strong> os participantes<br />
atuem “de acordo com as regras”.<br />
O microcrédito deve seu sucesso, em<br />
grande parte, aos incentivos que cria através<br />
do empréstimo em grupo. Tendo em vista<br />
que <strong>todos</strong> os mutuários de um grupo de<br />
crédito sabem que o acesso ao crédito<br />
dependerá do cumprimento das regras por<br />
parte dos outros membros, apenas pessoas<br />
consideradas confiáveis têm permissão <strong>para</strong><br />
fazer parte do grupo – e o grupo assegura<br />
que os membros paguem seus empréstimos<br />
em dia. Dessa maneira, o grupo de crédito<br />
assume tarefas de filtragem, monitoramento<br />
e execução. Ao dar crédito a grupos em vez<br />
de indivíduos, o sistema de microcrédito criou<br />
incentivos alternativos que tornou os índices<br />
de inadimplência menores do que aqueles<br />
alcançados através do empréstimo tradicional<br />
ou baseados em garantia. 11<br />
A metodologia de grupos foi traduzida <strong>para</strong><br />
vários outros modelos de negócios.<br />
A Manila Water, por exemplo, usou-a <strong>para</strong><br />
facilitar o processo de cobrança e <strong>para</strong> coibir<br />
o roubo de suas tubulações. A empresa<br />
formou cooperativas em comunidades<br />
pobres <strong>para</strong> assumirem a responsabilidade<br />
pelas conexões de água. Foram instalados<br />
“medidores-mestres” <strong>para</strong> medir o consumo<br />
de água da comunidade e submedidores<br />
<strong>para</strong> medir o consumo de cada família.<br />
Enquanto a comunidade como um todo<br />
paga o valor marcado no “medidor-mestre”,<br />
cada família paga a sua própria conta ao<br />
representante da comunidade com base<br />
na leitura do seu submedidor. Resultado:<br />
nenhum membro da comunidade tem<br />
interesse em permitir roubos. Esse sistema<br />
criou um benefício adicional porque alguns<br />
custos administrativos foram transferidos<br />
<strong>para</strong> a comunidade, permitindo à empresa<br />
cobrar menos. A Manila Water fornece água<br />
<strong>para</strong> 140.000 famílias de baixa renda – 10<br />
vezes mais desde que assumiu a licença – e<br />
alcançou um lucro de US$37 milhões sobre a<br />
receita de US$108 milhões.<br />
Expansão do compartilhamento de risco<br />
As comunidades normalmente desenvolvem<br />
alguma forma de compartilhamento de risco,<br />
seja através de poupanças em comum ou de<br />
acordos <strong>para</strong> apoiar uns aos outros em caso<br />
de necessidade.<br />
Colômbia: A Federação Nacional de Cafeicultores tem<br />
mais de 566.000 associados, sendo a maioria produtores<br />
de pequena escala. Foto: Luis Felipe Avella<br />
74 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 5.1. Resumo: Abordagens <strong>para</strong> alavancar o potencial dos pobres<br />
Obstáculos<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégia 3<br />
Fortalecimento do potencial dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Envolvimento dos pobres em pesquisas de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Alavancagem de mecanismos de aplicação<br />
de contratos informais<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Construção de redes logísticas locais<br />
Identificação de fornecedores de serviço locais<br />
Promoção da inovação através da co-criação com os<br />
pobres<br />
Coordenação de investimentos <strong>para</strong> o provimento de<br />
bens comuns<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Realização de treinamento <strong>para</strong> que os<br />
pobres se tornem instrutores<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Expansão do compartilhamento de risco<br />
Empresas que incluem os pobres como<br />
produtores podem expandir esses mecanismos<br />
de compartilhamento de risco e torná-los<br />
mais eficazes. Uma forma de fazer isso é<br />
ajudando a expandir tais mecanismos <strong>para</strong><br />
além da comunidade local, o que protege<br />
os participantes mesmo em caso de perda<br />
<strong>para</strong> a comunidade como um todo. Assim, é<br />
possível contribuir <strong>para</strong> que os produtores<br />
possam investir, melhorando a produção<br />
e, conseqüentemente, beneficiando o<br />
fornecimento da empresa.<br />
Juan Valdez é uma rede de lojas de<br />
café presente na Colômbia e em outros<br />
países, pertencente à Federação Nacional de<br />
Cafeicultores da Colômbia. As lojas são pontos<br />
de venda com os melhores preços de café<br />
colombiano da Federação. Graças aos bons<br />
preços e à eliminação de intermediários, os<br />
produtores ganham 25% a mais do que o preço<br />
colombiano padrão <strong>para</strong> o mesmo café. Para<br />
garantir um preço mínimo aos associados, a<br />
Federação fica com parte da receita da Juan<br />
Valdez nos períodos de alta dos preços do<br />
café, como reserva contra as baixas desse<br />
volátil mercado. Durante a “crise do café”, no<br />
início dos anos 90, esse mecanismo de seguro<br />
compensou um déficit da produção de US$1.5<br />
bilhões.<br />
Coordenação de investimentos <strong>para</strong> o<br />
provimento de bens comuns<br />
Sem coordenação, os bens comuns são<br />
insuficientemente fornecidos em decorrência<br />
da “tragédia dos bens comuns” – o que ocorre<br />
quando a comunidade como um todo usa<br />
bens comuns, mas nenhum membro está<br />
disposto a arcar com os custos. Um modelo<br />
de negócio inclusivo pode investir parte da<br />
sua receita proveniente da venda de produtos<br />
na disponibilização de bens comuns. Ou<br />
então, pode solicitar à comunidade esse<br />
tipo de investimento (como no modelo de<br />
compartilhamento de risco de Juan Valdez). O<br />
sistema de fair trade, por exemplo, conforme<br />
ilustrado no modelo de comércio justo do<br />
algodão no Mali, requer que cada cooperativa<br />
gaste parte da renda adicional, obtida graças<br />
ao selo fair trade, em projetos que beneficiem<br />
a comunidade.<br />
CAPÍTULO 5. FORTALECIMENTO DO POTENCIAL DOS POBRES<br />
75
No Paquistão, o projeto da Saiban oferece<br />
aos pobres lotes de terra a preços acessíveis.<br />
Os serviços fornecidos inicialmente são<br />
limitados ao básico: abastecimento de água<br />
comunitária e transporte público <strong>para</strong><br />
o centro da cidade. Posteriormente, as<br />
prestações mensais acumuladas são usadas<br />
<strong>para</strong> financiar mais serviços (conexões de<br />
água de casa em casa, esgoto, eletricidade,<br />
pavimentação de estradas). O projeto<br />
auto-financiado cria incentivo <strong>para</strong> que os<br />
habitantes se organizem e acumulem, com<br />
rapidez, fundos suficientes <strong>para</strong> a obtenção<br />
de infra-estruturas necessárias. 12<br />
Outro exemplo de coordenação de<br />
investimentos <strong>para</strong> a obtenção de bens<br />
comuns – com resultados que beneficiam<br />
tanto as empresas quanto os membros de<br />
comunidades pobres – é a organização<br />
não governamental criada pela Tiviski,<br />
companhia de laticínios da Mauritânia.<br />
Financiada pela receita arrecadada da venda<br />
de leite da empresa, a organização oferece<br />
ração animal, crédito e cuidados veterinários<br />
<strong>para</strong> os pastores de camelos que antes não<br />
tinham esses serviços, o que, por sua vez,<br />
limitava o crescimento da companhia.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
The World Bank Participation Sourcebook (Banco Mundial)1996, p. 8.<br />
Hart e London 2005, p. 28-33.<br />
Chambers, 1994.<br />
Centre for Urban Studies, 2006.<br />
London, 2007.<br />
Von Hippel, 1986.<br />
Corbett, 2008.<br />
Corbett, 2008.<br />
Simanis e outros, 2008.<br />
Gruner e Homburg, 2000.<br />
Mendoza e Thelen, a ser lançado.<br />
Siddiqui, 2005.<br />
76 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
6<br />
Combinação de recursos<br />
e c a p a c i d a d e s c o m<br />
o u t r a s i n s t i t u i ç õ e s<br />
México: Com a<br />
colaboração de consulados<br />
e clubes de emigrantes,<br />
a empresa Construmex<br />
ajuda famílias no México<br />
a construir ou comprar<br />
casas decentes através de<br />
transferências de fundos<br />
feitas por parentes que<br />
moram nos Estados Unidos.<br />
Foto: Cemex<br />
Como <strong>todos</strong> os modelos de negócios, modelos inclusivos, com<br />
freqüência, têm sucesso com o engajamento de outras empresas em parcerias e<br />
colaborações mutuamente benéficas. A CEMEX, por exemplo, trabalha junto a uma<br />
rede de mais de 2.000 varejistas locais de pequeno e médio porte <strong>para</strong> distribuir<br />
material de construção comprado da Construmex por emigrantes mexicanos<br />
vivendo nos Estados Unidos; os materiais são <strong>para</strong> suas famílias que moram em<br />
mais de 1.200 localidades no México. A empresa tem também um acordo com a<br />
DOLEX, uma das maiores operadoras de transferência de remessas nos Estados<br />
Unidos, <strong>para</strong> facilitar os pagamentos de seus clientes, que podem efetuá-los em<br />
mais de 800 pontos de venda.<br />
Para modelos de negócios inclusivos, uma estratégia tão importante quanto<br />
a parceria de outras empresas é a criação de sociedades com parceiros não<br />
comerciais. Esses parceiros podem ser igrejas, cooperativas de produtores rurais,<br />
instituições microfinanceiras, organizações não-governamentais com missões<br />
de desenvolvimento humano e organizações de serviços públicos como escolas,<br />
hospitais, prefeituras e agências do governo nacional.<br />
Normalmente, a colaboração é concedida <strong>para</strong> tentar resolver quase <strong>todos</strong> os<br />
obstáculos.<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
77
Quadro 6.1. Estudo de Caso –<br />
Construmex: “Hazla, Paisano!”<br />
Muitos pobres não podem permitir-se planejar o futuro.<br />
Entretanto, no México, a Construmex está tornando<br />
possível, <strong>para</strong> milhares de pobres e suas famílias, a compra da casa própria.<br />
A Construmex possibilita que emigrantes mexicanos vivendo nos Estados Unidos usem a renda<br />
obtida no exterior <strong>para</strong> comprar, construir ou reformar casas no seu país de origem. Em 2006,<br />
quando o negócio foi desenvolvido, bilhões de dólares em remessas foram enviados <strong>para</strong> o<br />
México por mexicanos expatriados. Ainda assim, 25 milhões de pessoas estavam vivendo sem<br />
moradias adequadas no México. A carência sinalizou um déficit evidente no mercado imobiliário<br />
do país. A CEMEX – uma das três maiores produtoras de cimento do mundo, e de longe a maior<br />
empresa de construção do México – enxergou uma oportunidade.<br />
A CEMEX tinha um mercado consagrado de consumidores mexicanos de baixa renda. Já tinha<br />
tido sucesso com o seu projeto de microempréstimo <strong>para</strong> construção, o Patrimonio Hoy.<br />
Como observou Hector Ureta, diretor <strong>para</strong> soluções sociais: “Graças a essas iniciativas, nós nos<br />
engajamos [com clientes de baixa renda], <strong>criando</strong> valor <strong>para</strong> a comunidade, <strong>para</strong> a nossa cadeia<br />
de <strong>valores</strong>, [e <strong>para</strong>] distribuidores de pequeno e médio porte assim como <strong>para</strong> a empresa”.<br />
Contudo, os desafios <strong>para</strong> satisfazer as necessidades dos que emigraram <strong>para</strong> os Estados Unidos<br />
eram complexos. Na realidade, esses emigrantes tinham muito menos dinheiro líquido do que<br />
a empresa esperava inicialmente – e uma história de abusos, fraudes e ameaças violentas fez<br />
com que fossem cautelosos com <strong>todos</strong> os planos de remessas voltados <strong>para</strong> moradia. A CEMEX<br />
precisava ganhar a confiança desse público, além de aprender sobre as suas necessidades e<br />
aspirações.<br />
Ao definir um modelo de negócio <strong>para</strong> a Construmex, a CEMEX obteve ajuda ao colaborar com<br />
organizações já existentes. A Construmex uniu-se aos consulados mexicanos em várias cidades<br />
dos Estados Unidos <strong>para</strong> aprender mais sobre as prioridades dos clientes e a satisfação deles<br />
com relação aos seus produtos.<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
O que não é perceptível na matriz é que a<br />
colaboração, muitas vezes, é aplicada em<br />
conjunto com outras estratégias, ou como<br />
um facilitador <strong>para</strong> as mesmas, que é o<br />
caso quando as empresas atuam junto a<br />
organizações de desenvolvimento da própria<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
comunidade <strong>para</strong> engajar os pobres ou <strong>para</strong><br />
organizar uma ação coletiva de engajamento em<br />
um diálogo político.<br />
Modelos de negócios inclusivos podem<br />
engajar organizações de duas formas. A<br />
primeira consiste em combinar capacidades<br />
complementares. Toda empresa procura<br />
configurar um conjunto de capacidades em<br />
uma “competência principal” que a permitirá<br />
competir de forma lucrativa, enquanto outras<br />
capacidades necessárias podem ser buscadas<br />
externamente. 1 Tais engajamentos abrangem<br />
desde elos secundários entre os fornecedores<br />
e revendedores ao envolvimento profundo de<br />
parcerias estratégicas.<br />
Obstáculos<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Uma segunda forma de engajar outras<br />
empresas ou organizações é através da<br />
combinação de recursos. Com a intenção de<br />
expandir o negócio ou de promover objetivos<br />
comuns, essa prática é menos comum por causa<br />
do risco de perda de vantagem competitiva<br />
<strong>para</strong> aqueles que “pegam carona”. Contudo,<br />
existem exemplos de sucesso – desde pequenas<br />
iniciativas coletivas que alcançam objetivos<br />
específicos (empresas regionais unindo-se <strong>para</strong><br />
fornecer programas de treinamento ou serviços<br />
<strong>para</strong> funcionários) a colaborações muito<br />
maiores (como as de empresas farmacêuticas<br />
combinando recursos <strong>para</strong> pesquisa e<br />
desenvolvimento).<br />
78 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Através de parcerias com clubes de emigrantes em vários estados mexicanos, a empresa desenvolveu<br />
iniciativas que visam melhoria das condições de vida das comunidades, <strong>para</strong> construir confiança – e a<br />
sua marca – com seu mercado-alvo. A empresa também beneficiou-se com uma iniciativa de fundos de<br />
equi<strong>para</strong>ção do Ministério de Desenvolvimento Social do país, que fornece doações em apoio à infraestrutura<br />
das comunidades. Essas colaborações de benefício mútuo pre<strong>para</strong>ram a empresa tanto <strong>para</strong><br />
negociar de forma eficaz com seu mercado-alvo quanto <strong>para</strong> satisfazer suas necessidades, ajudando a<br />
Construmex a ser uma iniciativa viável e permitindo inúmeros benefícios aliados ao desenvolvimento.<br />
O slogan da Construmex “Hazla, paisano!” significa “Você pode, companheiro!”. A empresa segue<br />
em frente com essa crença. Com a simples ação de permitir que pessoas pobres tenham acesso<br />
justo a moradias estáveis e seguras, a Construmex está construindo não só casas, mas também autoestima,<br />
segurança e esperança no futuro. No final de 2006 a Construmex já havia recebido mais de<br />
18.000 pedidos <strong>para</strong> despacho de material de construção. As mulheres somaram 23% da clientela. Os<br />
clientes da Construmex estarão mais aptos a economizar dinheiro no futuro porque suas casas não<br />
precisarão de muita reforma. Além disso,<br />
os esforços da Iniciativa voltados <strong>para</strong> o<br />
desenvolvimento das comunidades estão<br />
fortalecendo o alicerce dos locais onde ela<br />
atua.<br />
A Construmex está prestes a se tornar<br />
sustentavelmente rentável. Nos primeiros<br />
quatro anos foram alcançados US$12.2<br />
milhões com a venda de material de<br />
construção, e esse número aumenta<br />
conforme o negócio cresce. “Nossas<br />
iniciativas sociais nos permitem estabelecer<br />
o elo que faltava: uma relação direta com<br />
nossos clientes de baixa renda”, diz Ureta.<br />
Combinação de capacidades complementares<br />
Os estudos de caso do Instituto York de Pesquisa<br />
e Inovação <strong>para</strong> a Sustentabilidade mostram<br />
que, nos países em desenvolvimento, empresas<br />
sustentáveis prosperam dentro de uma rede<br />
densa de organizações – incluindo empresas<br />
com e sem fins lucrativos e agências de<br />
desenvolvimento. 2 Modelos de negócios inclusivos<br />
podem prosperar unindo-se a essas organizações<br />
e beneficiando-se de suas capacidades, visando<br />
especialmente à:<br />
obtenção de informação sobre o mercado;<br />
alavancagem das redes logísticas existentes;<br />
difusão de informação;<br />
realização de treinamento <strong>para</strong> desenvolver<br />
habilidades necessárias;<br />
efetivação de vendas, fornecimento de<br />
serviços;<br />
promoção do acesso a produtos e serviços<br />
financeiros.<br />
Obtenção de informações sobre o<br />
mercado. Onde não há dados publicados<br />
<strong>para</strong> ajudar uma empresa a entender e<br />
avaliar o potencial do seu mercado-alvo, as<br />
organizações que já trabalham com esse<br />
mercado terão conhecimento qualitativo<br />
sobre suas habilidades, preferências e outras<br />
características. Elas podem também ter dados<br />
quantitativos importantes. Administrações<br />
públicas, bancos de desenvolvimento e outras<br />
organizações doadoras podem, eventualmente,<br />
fornecer informações estatísticas relevantes<br />
ou estudos sobre setores industriais. A CEMEX<br />
firmou parcerias com consulados mexicanos<br />
nas principais cidades norte-americanas<br />
<strong>para</strong> realizar pesquisas de mercado com os<br />
mexicanos que emigraram <strong>para</strong> aquele país<br />
(Quadro 6.1).<br />
Empresas e organizações da sociedade<br />
civil podem fornecer informações sobre o<br />
panorama competitivo, particularmente sobre<br />
parceiros e aliados potenciais.<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
79
Quadro 6.2 Como encontrar um<br />
parceiro – sem um parceiro<br />
A seguir encontra-se uma breve descrição de algumas<br />
Iniciativas e instituições de agenciamento. Esta lista<br />
não é completa; existem inúmeras outras organizações<br />
intermediadoras, sobretudo nas esferas nacional, regional e<br />
local.<br />
Agências multilaterais de desenvolvimento<br />
Programa Vínculos de Negócios (Business Linkages) e<br />
Iniciativa Negócios Populares (Grassroots Business) do IFC<br />
Redes Locais do Pacto Global<br />
Programa Vínculos de Negócios (Business Linkages) da<br />
UNCTAD<br />
Iniciativa Desenvolvendo Negócios Sustentáveis do PNUD<br />
Programa “Industrial Subcontracting & Partnership<br />
eXchange-SPX” da UNIDO<br />
Agências bilaterais de desenvolvimento<br />
Fundo de Desafio <strong>para</strong> o Desencadeamento de Negócios<br />
do DFID<br />
Programa de Parceria Público Privada da GTZ<br />
SNV – Organização dos Países Baixos <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento e Aliança <strong>para</strong> Negócios Inclusivos do<br />
WBCSD<br />
Aliança Global <strong>para</strong> o Desenvolvimento da USAID<br />
Organizações não-governamentais<br />
Ashoka<br />
Enablis<br />
Endeavor<br />
Parceria de Negócios Estratégicos <strong>para</strong> o Crescimento na<br />
África<br />
Iniciativa Empresarial <strong>para</strong> o Desenvolvimento Rural na<br />
Tailândia<br />
TechnoServe<br />
Youth Business International<br />
Associações ou redes de empresas<br />
IBLF e Esquema de Credenciamento de Agentes<br />
Facilitadores de Parcerias do Instituto de Desenvolvimento<br />
Ultramarino (PBAS)<br />
Câmaras de comércio globais, nacionais e regionais<br />
(como a Confederação de Indústrias na Índia, e a Rede de<br />
Informações Comerciais)<br />
Iniciativa de Empresas Nacionais na África do Sul<br />
Empresas Filipinas <strong>para</strong> o Progresso Social (PBSP)<br />
Conselhos Empresariais Regionais <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Sustentável do WBCSD<br />
Aliança Empresarial Contra a Fome Crônica do Fórum<br />
Econômico Mundial<br />
Entidades públicas nacionais e parcerias público-privadas<br />
Business Trust (África do Sul)<br />
Iniciativas nacionais <strong>para</strong> o desenvolvimento econômico<br />
e o desenvolvimento sustentável (como o Conselho<br />
Nacional <strong>para</strong> o Trabalho e o Desenvolvimento Econômico<br />
da África do Sul<br />
Água e Saneamento <strong>para</strong> os Pobres Urbanos (WSUP)<br />
Em 1997, o Grameen Bank, instituição<br />
microfinanceira de Bangladesh, e a Telenor,<br />
empresa norueguesa de telecomunicações,<br />
formaram uma joint venture – a GrameenPhone<br />
– <strong>para</strong> fornecer telecomunicações e novas<br />
fontes de renda aos habitantes de Bangladesh.<br />
O Grameen tinha infra-estrutura, operações e<br />
reputação local; a Telenor trouxe habilidade<br />
técnica e capacidade de investimento. A idéia<br />
era desenvolver um sistema de microfranquia<br />
em que os clientes do Grameen pudessem<br />
comprar telefones e alugá-los <strong>para</strong> outras<br />
pessoas. Entre os clientes de microcrédito,<br />
o Grameen identificou nos vilarejos<br />
100.000 “senhoras do telefone” que, como<br />
microfranqueadas, são hoje responsáveis<br />
por 10% do rendimento da GrameenPhone. 3<br />
Como escreveu Nicholas Sullivan, os telefones<br />
celulares tornaram-se as “novas vacas”,<br />
competindo com os bens produtivos nos quais<br />
grande parte das mulheres investem seus<br />
empréstimos.<br />
Nem sempre é fácil encontrar um bom<br />
parceiro <strong>para</strong> um novo modelo de negócio,<br />
especialmente em mercados em que a<br />
informação é rara. “Agentes facilitadores de<br />
parcerias” podem desempenhar um papel<br />
intermediário importante: eles reúnem<br />
informações sobre organizações de diferentes<br />
setores que estão abertos <strong>para</strong> trabalhar em<br />
colaboração, ajudam a encontrar o parceiro<br />
certo <strong>para</strong> empreendimentos específicos e<br />
fornecem orientação sobre como projetar e<br />
gerenciar parcerias (Quadro 6.2).<br />
Alavancagem das redes logísticas<br />
existentes.<br />
Nos locais onde a infra-estrutura física é<br />
inadequada, recolher e distribuir produtos<br />
requer soluções logísticas. Modelos de negócios<br />
inclusivos podem alavancar redes logísticas<br />
existentes de outras organizações. Onde o setor<br />
pró-lucro é muito ausente, as organizações<br />
não-governamentais e os organismos públicos,<br />
normalmente, apresentam tais redes.<br />
No caso do setor de saúde, por exemplo,<br />
desafios ainda maiores do que problemas<br />
logísticos podem ser superados. A organização<br />
não-governamental Médicos Sem Fronteiras<br />
leva ajuda às pessoas afetadas por epidemias,<br />
conflitos armados, desastres naturais ou<br />
causados pelo homem e possui uma extensa<br />
rede na África Subsaariana. A empresa<br />
farmacêutica Sanofi-aventis estabeleceu uma<br />
parceria com os Médicos Sem Fronteiras <strong>para</strong><br />
distribuir os remédios contra doença do sono<br />
por ela fabricados.<br />
Fonte: Adapted from Nelson 2007.<br />
80 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
México: Foto: Banco<br />
Interamericano de<br />
Desenvolvimento<br />
Suas capacidades eram complementares: a<br />
Sanofi-aventis forneceu remédios e suporte<br />
financeiro, e os Médicos Sem Fronteiras usaram<br />
suas capacidades médicas e logísticas <strong>para</strong><br />
administrar o fornecimento dos remédios em<br />
locais remotos. A colaboração ajudou 14 milhões<br />
de pacientes em 36 países.<br />
Difusão de informação. Trabalhar em<br />
colaboração com outras organizações pode abrir<br />
canais de comunicação, especialmente em locais<br />
com poucos meios de comunicação e baixo<br />
índice de alfabetização. Escolas, universidades,<br />
serviços de saúde e administração pública<br />
são algumas das organizações que têm essa<br />
capacidade.<br />
Em Madagascar, a empresa Bionexx cultiva<br />
a artemisia annua, uma planta medicinal usada<br />
no tratamento da malária. A empresa acha<br />
difícil aumentar a produção tendo em vista<br />
que os agricultores não vêem valor no cultivo<br />
dessa planta. Para aumentar a consciência<br />
sobre os seus benefícios e superar a relutância<br />
dos agricultores, a Bionexx estabeleceu uma<br />
parceria com a rádio religiosa local <strong>para</strong> difundir<br />
informação. 5<br />
Engajar governos em campanhas<br />
colaborativas de conscientização pública não<br />
só fornece informação como também pode<br />
aumentar a credibilidade de uma empresa. Na<br />
Polônia, a Danone confiou na alta capacidade<br />
do governo em comunicar os benefícios<br />
<strong>para</strong> a nutrição infantil do produto Milk<br />
Start, fabricado por ela, e que tem como<br />
alvo as famílias de baixa renda. Com a ajuda<br />
de parceiros, a empresa lançou atividades<br />
sociais <strong>para</strong> aumentar a conscientização<br />
sobre a saúde infantil, contando com a<br />
participação de agentes comunicadores,<br />
escolas e representantes do governo, os<br />
quais traçaram 12 princípios claros e simples<br />
<strong>para</strong> uma nutrição saudável. Em uma das<br />
iniciativas, os 12 princípios foram adotados<br />
através do programa “Estamos Crescendo<br />
com Saúde” do gabinete do Governador da<br />
região de Swietokrzyskie. Professores da<br />
região distribuíram pacotes educacionais com<br />
amostras do Milk Start, durante reuniões de<br />
pais e alunos.<br />
Realização de treinamento <strong>para</strong><br />
desenvolver habilidades necessárias<br />
Em geral, as organizações aptas a treinar<br />
pessoas de vilarejos rurais ou favelas urbanas<br />
são as organizações não-governamentais<br />
ou programas públicos com missões de<br />
desenvolvimento rural, saúde e higiene,<br />
planejamento familiar ou alfabetização<br />
e capacitação. A colaboração com essas<br />
organizações pode ajudar a conquistar a<br />
confiança daqueles que serão treinados.<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
81
Madagascar:<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
Quadro 6.3. Instituições de<br />
microfinanças – agentes varejistas<br />
rurais<br />
Em muitos países,<br />
as instituições de<br />
microfinanças estão entre<br />
as organizações com as mais extensas redes sociais.<br />
Grupos de crédito e poupança estão presentes<br />
mesmo nos vilarejos mais distantes e essa capacidade<br />
não passou despercebida por outras empresas.<br />
Na Índia, por exemplo, a BASIX, instituição de<br />
microcrédito, oferece não apenas serviços de crédito<br />
e poupança, mas também seguros de saúde, colheita<br />
e animais, serviços financeiros como transferência de<br />
fundos e serviços de desenvolvimento agrícola e de<br />
negócios. Serviços de desenvolvimento institucional,<br />
como a facilitação do diálogo político, também são oferecidos. Entre seus clientes<br />
estão os pobres rurais e urbanos, em sua maioria mulheres. 1<br />
Trabalhar com uma instituição de microcrédito <strong>para</strong> usufruir de um canal logístico pode ser<br />
vantajoso, tendo em vista que os serviços financeiros fornecidos podem agregar a coleta ou a<br />
entrega de outros produtos e serviços. Um exemplo é a colaboração entre a BASIX e a Pepsico <strong>para</strong><br />
o cultivo de batata <strong>para</strong> a linha de chips da Frito Lay’s. Em 2006-2007, mais de 1.100 produtores<br />
rurais partici<strong>para</strong>m dessa iniciativa, que trouxe aumentos significativos na taxa de rendimento da<br />
colheita. Espera-se que a BASIX gerencie o processo de aquisição de 4.000 toneladas de batatas<br />
<strong>para</strong> a Frito Lay’s em 2008.<br />
1. BASIX 2007<br />
A Amanco, por exemplo, trabalha com<br />
organizações não-governamentais locais na<br />
Guatemala e no México <strong>para</strong> ensinar aos<br />
produtores rurais sobre o seu sistema de<br />
irrigação. As organizações demonstram o uso<br />
e os benefícios desse sistema; e os produtores<br />
que o adotam são treinados <strong>para</strong> usá-lo.<br />
Considerando que os agricultores conhecem<br />
bem os serviços de extensão das organizações<br />
não-governamentais, eles recebem com<br />
prazer as demonstrações e aceitam bem as<br />
informações transmitidas. O modelo ajudou<br />
a Amanco a ter bons resultados – com as<br />
vendas líquidas da América Latina e Caribe<br />
alcançando US$688 milhões em 2005 – e a<br />
beneficiar produtores rurais, microempresas<br />
locais e o meio ambiente.<br />
Em Fiji, onde há uma grande população<br />
sem acesso a serviços financeiros formais,<br />
o Banco ANZ e o PNUD estão colaborando<br />
<strong>para</strong> melhorar a situação. O Banco ANZ está<br />
implantando um serviço de banco rural, com<br />
seis bancos móveis que viajam regularmente<br />
<strong>para</strong> 250 vilarejos. E o PNUD fornece os<br />
serviços necessários <strong>para</strong> a realização de<br />
treinamento: o PNUD desenvolveu um<br />
Programa de Instrução Financeira <strong>para</strong><br />
comunidades rurais; treinou organizações<br />
intermediárias, incluindo autoridades<br />
locais, organizações não-governamentais e<br />
representantes da comunidade; e forneceu<br />
treinamento e consultoria técnica <strong>para</strong><br />
os funcionários do ANZ. A parceria é<br />
um sucesso, com 54.000 contas rurais<br />
abertas nos primeiros 18 meses e 400<br />
microempréstimos aprovados em um ano.<br />
Atualmente, o modelo está sendo replicado<br />
em outros países das Ilhas do Pacífico. 6<br />
Efetivação de vendas, fornecimento<br />
de serviços.<br />
A qualidade das vendas e do fornecimento<br />
de serviços depende, basicamente, da<br />
disponibilização dos mesmos. Muitas<br />
vezes, é mais vantajoso depender de redes<br />
de organizações que já existem do que<br />
construir uma nova (Quadro 6.3).<br />
Em Gana, o Barclays Bank encontrou<br />
uma forma de trabalhar com a Associação<br />
dos Coletores Susu, que beneficiou os dois<br />
parceiros. O Susu é um sistema tradicional<br />
em muitos países africanos, através do qual<br />
o coletor recolhe regularmente a poupança<br />
de famílias que pagam uma pequena<br />
taxa pelo serviço. Eles também oferecem<br />
pequenos empréstimos de curto prazo. Gana<br />
tem aproximadamente 4.000 coletores Susu<br />
que atendem entre 200 a 850 clientes por<br />
dia. Os coletores guardam o dinheiro com<br />
segurança nas agências do Barclays, que,<br />
por sua vez, beneficia os coletores e seus<br />
clientes através do rendimento dos juros.<br />
82 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
O banco também garante treinamento em<br />
administração financeira aos coletores,<br />
capacitando-os <strong>para</strong> fornecer os serviços aos<br />
clientes. Em contrapartida, o Barclays tem<br />
acesso a esses clientes. O banco beneficiase<br />
do bom relacionamento que os coletores<br />
têm com os clientes, além do conhecimento<br />
que possuem sobre os mesmos. O programa<br />
aumenta o fluxo de caixa do banco sem a<br />
necessidade de expandir sua rede. Além disso,<br />
a venda de serviços adicionais, como crédito<br />
<strong>para</strong> pequenos negócios, torna-se viável<br />
através dos coletores.<br />
Um dos maiores bancos do setor privado<br />
na Índia, o ICICI, engajou organizações<br />
não-governamentais de microcrédito como<br />
agentes de serviços <strong>para</strong> construir a carteira<br />
de microcrédito do banco. As organizações<br />
identificam mutuários de microcrédito<br />
em potencial, tomam decisões de crédito,<br />
desembolsam empréstimos em nome do banco<br />
e monitoram e mantêm os empréstimos.<br />
Como pagamento, é permitido cobrar uma<br />
taxa de serviços dos mutuários. Dois anos<br />
após promover o modelo, o ICICI já tem mais<br />
clientes varejistas de microcrédito do que a<br />
maior instituição de microfinanças da Índia,<br />
que começou a operar há 12 anos. 7<br />
Promoção do acesso a produtos e<br />
serviços financeiros Em mercados em<br />
que o acesso financeiro ainda escapa ao<br />
pobre, os negócios que exigem crédito ou<br />
seguro devem facilitar esse acesso. A maioria<br />
conta com a capacidade dos fornecedores de<br />
serviços financeiros existentes <strong>para</strong> oferecer<br />
soluções financeiras integradas. Entre os<br />
fornecedores existentes estão as instituições<br />
de microfinanças, os bancos comerciais e as<br />
agências do governo.<br />
A empresa brasileira Votorantim Celulose<br />
e Papel (VCP) uniu-se aos fornecedores<br />
de crédito existentes <strong>para</strong> oferecer aos<br />
plantadores de eucalipto uma opção de crédito<br />
que se ajustasse ao fluxo de renda desses<br />
produtores. O eucalipto pode ser colhido sete<br />
anos após o plantio. Ao financiar a plantação<br />
de árvores com a colaboração do Banco ABN<br />
AMRO Real, o empréstimo e os juros iniciais<br />
são quitados quando a VCP compra a madeira<br />
dos produtores – que podem assim plantar sem<br />
reservas financeiras antecipadas e sem precisar<br />
usar suas propriedades como garantia. Maurik<br />
Jehee, analista de crédito do<br />
ABN AMRO Real, explica os<br />
objetivos do banco: “Além da<br />
preocupação ambiental (o projeto) tem um<br />
aspecto social interessante e potencial de<br />
desenvolvimento regional. Além do mais, traz<br />
novos clientes potenciais <strong>para</strong> uma região<br />
onde o banco tem pouca penetração”. Até<br />
2012, sete anos após o início do programa,<br />
a expectativa é de se alcançar um volume<br />
de financiamento de US$30 milhões e de<br />
beneficiar entre 20 e 25 mil produtores.<br />
O grupo hospitalar indiano Narayana<br />
Hrudayalaya criou, em parceria com a Biocon<br />
Foundation e o fornecedor de serviços<br />
financeiros ICICI Lombard Ltd., um esquema<br />
de seguros <strong>para</strong> servir pacientes de baixa<br />
renda. Uma pessoa precisa pagar 15 rúpias<br />
(aproximadamente US$3) por mês. O seguro<br />
inclui três dias de cuidados hospitalares grátis<br />
e serviços ambulatoriais pela metade do preço.<br />
Os pacientes podem receber os serviços em<br />
hospitais rurais gerenciados por instituições<br />
de caridade e pelo governo.<br />
A Colômbia tem um exemplo interessante<br />
de como os governos locais – em colaboração<br />
com o setor privado – podem facilitar o acesso<br />
a produtos e serviços financeiros e remover<br />
obstáculos, tais como a falta de informação<br />
e habilidade. O “Cultura E” é um programa<br />
conduzido pelo governo da cidade de Medelín<br />
que desenvolve cedezos, ou centros locais de<br />
desenvolvimento de negócios. Localizados<br />
nos bairros mais pobres, os cedezos contam<br />
com uma rede de microcrédito, que inclui o<br />
Banco de las Oportunidades, fundado pelo<br />
governo, e outras 14 instituições privadas de<br />
microfinanças. Esses centros encaminham os<br />
empreendedores às instituições que melhor<br />
se adaptam às suas necessidades e recursos,<br />
enquanto “feiras de crédito” fornecem<br />
informações sobre os serviços financeiros<br />
e não-financeiros oferecidos por diferentes<br />
instituições.<br />
Costa Rica: Organizações fornecem treinamento <strong>para</strong><br />
alfabetizadores e capacitação em informática.<br />
Foto: Banco Interamericano de Desenvolvimento<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
83
Os cedezos também promovem a cultura do<br />
empreendedorismo através de iniciativas<br />
inovadoras, como a competição pelo capital<br />
semente. Todo ano, empreendedores de todas<br />
as partes da cidade são convidados a apresentar<br />
seus planos comerciais e solicitar capital semente<br />
financiado pelo governo <strong>para</strong> poderem abrir<br />
novos negócios. Os empreendedores que não<br />
possuem conhecimento <strong>para</strong> elaborar um plano<br />
de negócio podem receber ajuda das equipes<br />
dos cedezos e participar de reuniões oferecidas<br />
por organizações não-governamentais <strong>para</strong> o<br />
preenchimento de formulários que são de fácil<br />
utilização. Novos empreendedores também<br />
recebem orientação <strong>para</strong> incubar suas idéias<br />
de novos negócios em um espaço físico até se<br />
tornarem independentes. 8<br />
União de recursos<br />
Quando modelos de negócios inclusivos de<strong>para</strong>mse<br />
com desafios que já foram enfrentados por<br />
outras empresas, pela sociedade civil ou por<br />
organizações governamentais, a colaboração pode<br />
ser uma forma eficaz de adquirir capacidades<br />
desses atores. Mas o que acontece se ninguém<br />
tiver as capacidades necessárias E se contornar<br />
os obstáculos não for o suficiente, dando-se a<br />
necessidade de removê-los Nesses casos, o<br />
sucesso depende do preenchimento de lacunas e<br />
da criação das condições favoráveis ao mercado.<br />
Em alguns casos, uma empresa pode investir de<br />
forma privada <strong>para</strong> preencher lacunas nas áreas<br />
de conhecimento, habilidade, infra-estrutura<br />
ou acesso a produtos e serviços financeiros<br />
(como discutido no capítulo 4). Em outros, o<br />
investimento é muito grande <strong>para</strong> ser assumido<br />
por uma só empresa, e somente diversos parceiros<br />
unindo seus recursos poderiam vencer o desafio.<br />
Organizar uma ação coletiva <strong>para</strong> remover<br />
obstáculos é muitas vezes desafiador, já que isso<br />
pode gerar um incentivo <strong>para</strong> outros “pegarem<br />
carona” nos benefícios gerados pelo investimento<br />
sem oferecer qualquer contribuição. Logo, <strong>para</strong><br />
reunir recursos, é preciso haver uma estrutura<br />
de controle que assegure que cada membro<br />
contribua com o que for acordado. Isso pode ser<br />
feito através de intermediários como associações<br />
de negócios ou pela criação de uma corporação<br />
responsável por esse controle.<br />
Esta seção discute como modelos de negócios<br />
inclusivos podem estabelecer parcerias com<br />
outras empresas ou organizações da sociedade<br />
civil <strong>para</strong> o (a):<br />
obtenção de informação sobre o mercado;<br />
preenchimento de lacunas na infra-estrutura<br />
do mercado;<br />
auto-regulamentação;<br />
geração de conhecimento e habilidades;<br />
ampliação do acesso a produtos e serviços<br />
financeiros.<br />
Obtenção de informações sobre o mercado<br />
Agências de rating fornecem informações<br />
(sobre clientes) que ficam disponíveis a todas<br />
as instituições de crédito, reduzindo o custo do<br />
fornecimento de crédito e permitindo aos bancos<br />
conceder empréstimos menores e oferecer taxas<br />
de juros mais baixas. Contudo, esse serviço<br />
raramente está disponível <strong>para</strong> pequenas e<br />
médias empresas em países em desenvolvimento<br />
– essa é uma das razões pela qual, geralmente,<br />
o crédito não está suficientemente disponível<br />
a esses grupos alvo. Para preencher a lacuna,<br />
o ICICI Bank, a Standard Chartered e outros<br />
bancos nacionais, na Índia, criaram uma joint<br />
venture, a Small and Medium Enterprises Rating<br />
Agency. 9 A agência providencia tudo que seja<br />
necessário às instituições de crédito <strong>para</strong> o<br />
atendimento de pequenas e médias empresas,<br />
dando a elas uma avaliação confiável sobre a<br />
capacidade de financiamento de tais empresas.<br />
A união de recursos também pode ser uma<br />
estratégia de sucesso <strong>para</strong> o preenchimento de<br />
lacunas sobre as informações de mercado. A<br />
Aliança Empresarial contra a Fome Crônica do<br />
Fórum Econômico Mundial procura fortalecer<br />
as cadeias de valor – visando aumentar<br />
o fornecimento de alimentos, a renda da<br />
população e a nutrição em regiões onde há fome<br />
– através de um engajamento global e local, e<br />
do compromisso de empresas do setor privado<br />
com comunidades e parceiros locais. Essa<br />
aliança conecta informações de produtos em<br />
potencial (coletadas na comunidade) a estudos<br />
mais amplos sobre a demanda de mercado local,<br />
regional e nacional (analisados por um think<br />
tank local especializado), com o objetivo de<br />
identificar produtos comercialmente viáveis <strong>para</strong><br />
investimento e desenvolvimento em um distrito<br />
piloto específico.<br />
84 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
No distrito de Siaya, no Quênia, os parceiros<br />
dessa aliança estão liderando 14 iniciativas<br />
piloto, várias em parceria com o projeto<br />
Millennium Villages, <strong>para</strong> expandir a capacidade<br />
de produção e as oportunidades de mercado<br />
<strong>para</strong> produtores rurais locais e varejistas de<br />
pequena escala. Esses projetos são conduzidos<br />
por empresas locais e multinacionais<br />
que trabalham com organizações nãogovernamentais,<br />
membros da comunidade e<br />
governos locais e nacionais. Com freqüência,<br />
intervenções semelhantes falham porque<br />
ocorrem de maneira isolada. Ao engajar<br />
múltiplos parceiros ao longo da cadeia de<br />
<strong>valores</strong>, essa aliança tem maior probabilidade de<br />
fazer uma diferença duradoura na tentativa de<br />
remover restrições e expandir oportunidades.<br />
Preenchimento de lacunas na infraestrutura<br />
do mercado. Normalmente,<br />
como a infra-estrutura física básica situa-se<br />
nos domínios do setor público, as empresas<br />
colaboram com os governos <strong>para</strong> atender certas<br />
necessidades como a construção de estradas,<br />
portos ou redes de eletricidade. Entretanto,<br />
empresas ou indústrias sediadas numa mesma<br />
região, em alguns casos, compartilham a<br />
necessidade de uma infra-estrutura mais<br />
especializada: como linhas de refrigeração,<br />
plantas de tratamento de esgotos ou instalações<br />
de processamento e empacotamento. Para<br />
preencher lacunas, essas empresas podem<br />
unir recursos através de uma ação coletiva ou<br />
garantir a um fornecedor um valor acordado<br />
sobre as vendas.<br />
Em Tamil Nadu, estado do sul da Índia,<br />
o governo local firmou joint venture com a<br />
associação de exportação local, a Tirupur<br />
Exporters Association, e uma organização<br />
de financiamento do setor privado, a IL&FS,<br />
<strong>para</strong> criar uma companhia de água – a New<br />
Tirupur Area Development Corporation – com<br />
o objetivo de tentar resolver problemas da<br />
rede de água e esgoto de uma cidade com uma<br />
economia baseada na produção têxtil e com<br />
cerca de 80.000 pessoas vivendo em favelas.<br />
O programa foi iniciado através de um diálogo<br />
com múltiplos grupos interessados, no qual<br />
a indústria local estava representada, <strong>para</strong> a<br />
identificação de falhas de infra-estrutura e<br />
seleção das prioridades. O governo assumiu<br />
o papel de coordenador, contribuindo <strong>para</strong><br />
que <strong>todos</strong> os interessados unissem seus<br />
recursos. Os stakeholders estabeleceram como<br />
prioridade o fornecimento de água potável.<br />
Assim, os parceiros incluíram no escopo a<br />
implementação de um serviço de fornecimento<br />
de água consistente e de alta qualidade; um<br />
sistema de esgoto tratado; e saneamento de<br />
baixo custo <strong>para</strong> a indústria, que pagou altas<br />
taxas de utilização, e <strong>para</strong> as favelas, que<br />
pagaram taxas bem mais baixas. Para executar<br />
essa melhoria na infra-estrutura, a companhia<br />
instalou (e hoje opera) o sistema de água<br />
e esgoto, que é financiado exclusivamente<br />
pelo seu rendimento comercial. As empresas<br />
têxteis beneficiaram-se com a melhoria dos<br />
serviços de água, e os domicílios particulares<br />
– especialmente os pobres rurais – com o<br />
aumento de cobertura.<br />
Filipinas: A Manila Water fornece água tratada em áreas onde<br />
não havia fornecimento. Foto: Manila Water<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
85
Antes do programa existiam 43.000 conexões<br />
de água <strong>para</strong> moradias. O programa instalou<br />
8.000 novas conexões com capacidade <strong>para</strong> mais<br />
17.000 domicílios.<br />
Auto-regulamentação. A auto-regulamentação<br />
pode melhorar o ambiente regulatório sem que<br />
haja a necessidade da implementação de políticas,<br />
e pode ser eficaz quando os governos não podem<br />
solucionar problemas – entre países, por exemplo,<br />
ou em situações de conflito.<br />
Em Serra Leoa, as empresas DeBeers<br />
e Rapaport uniram-se a organizações de<br />
desenvolvimento internacional e governos <strong>para</strong><br />
formar a “Aliança Diamantes da Paz”, que planeja<br />
mé<strong>todos</strong> <strong>para</strong> a compra de diamantes, de forma<br />
correta e competitiva, <strong>para</strong> os mineradores de<br />
pequena escala. A aliança ajudou no crescimento<br />
da exportação de diamantes legais de US$1.5<br />
milhões, em 1999, <strong>para</strong> US$70 milhões em 2003,<br />
permitindo o retorno de rendas substanciais<br />
<strong>para</strong> Serra Leoa. 10 Foram alocados fundos <strong>para</strong><br />
a construção de escolas, mercados e outras<br />
estruturas públicas. Pela primeira vez, as taxas<br />
dos diamantes do país e os royalties foram<br />
monitorados, os mineradores foram informados<br />
do valor das pedras, a degradação ambiental<br />
foi ponderada e a exploração de mineradores –<br />
especialmente crianças – foi reduzida. 11<br />
A auto-regulamentação pode ser eficiente<br />
em se tratando de fronteiras nacionais, sendo<br />
especialmente útil onde os pobres estão<br />
fazendo parte de uma cadeia de <strong>valores</strong> global,<br />
como produtores ou empregados. Padrões<br />
comuns podem ajudar uma indústria a evitar<br />
uma “corrida ao fundo do poço” no que diz<br />
respeito às suas responsabilidades sociais e<br />
ambientais – sem esses padrões, a situação<br />
complica-se principalmente onde os preços<br />
são altamente competitivos. A indústria do<br />
vestuário desenvolveu um código internacional<br />
e um mecanismo de controle independente<br />
<strong>para</strong> gerenciar padrões sociais na cadeia de<br />
fornecimento. O sistema da Produção Mundial de<br />
Vestuário com Responsabilidade (WRAP) certifica<br />
o cumprimento do código de conduta que cobre<br />
práticas trabalhistas e legislação aduaneira.<br />
Seguindo esse mesmo princípio, as associações<br />
de fabricantes de vestuário <strong>para</strong> exportação<br />
desenvolveram códigos de conduta e programas<br />
educativos <strong>para</strong> as companhias-membro em<br />
Bangladesh, El Salvador, Guatemala, Honduras e<br />
Malásia. 12<br />
Geração de conhecimento e habilidades<br />
Onde duas ou mais empresas possuem negócios<br />
similares e sem a exclusividade daqueles que<br />
contribuem <strong>para</strong> as suas cadeias de valor,<br />
elas têm o interesse comum em tornar esses<br />
colaboradores mais capacitados. Esse interesse<br />
compartilhado é comum nos mercados<br />
de commodities com vários participantes.<br />
Além disso, nesses mercados, o treinamento<br />
de fornecedores por conta própria pode<br />
ser contrário ao interesse do próprio<br />
comprador: um fornecedor que se beneficia<br />
com treinamento proporcionado por um<br />
comprador pode vender <strong>para</strong> outro comprador<br />
que lhe ofereça um preço melhor. A solução<br />
<strong>para</strong> os compradores é, então, compartilhar<br />
conhecimentos e habilidades uns com os outros<br />
– muitas vezes engajando-se em parcerias com<br />
organizações da sociedade civil.<br />
A Fundação Mundial do Cacau é um<br />
exemplo disso. Composta por mais de 50<br />
empresas, incluindo ADM, Cargill, ECOM,<br />
Hershey, Kraft, Nestlé e Starbucks, a Fundação<br />
trabalhou com a Agência Norte-Americana<br />
<strong>para</strong> o Desenvolvimento Internacional <strong>para</strong><br />
ajudar os produtores de cacau em vários países,<br />
incluindo Camarões, Costa do Marfim, Gana,<br />
Libéria e Nigéria, através do Programa de<br />
Colheitas Sustentáveis. As organizações locais<br />
de produtores de cacau possuem um papel<br />
de intermediação importante <strong>para</strong> os seus<br />
membros, trazendo o cacau <strong>para</strong> o mercado<br />
e dando suporte através de treinamento,<br />
aquisição de produtos e crédito. Contudo,<br />
essas organizações normalmente sofrem com a<br />
falta de pessoal treinado. A Fundação Mundial<br />
do Cacau está tornando-as mais eficazes e<br />
contribuindo <strong>para</strong> que a relação comercial dos<br />
produtores seja mais lucrativa. As empresas<br />
participantes da Fundação +beneficiam-se<br />
de uma melhor qualidade do produto e da<br />
confiança no fornecimento.<br />
Ampliação do acesso a produtos e<br />
serviços financeiros. Empresas podem<br />
compartilhar o custo da expansão do acesso<br />
a produtos e serviços financeiros <strong>para</strong> áreas<br />
remotas.<br />
Os quatro principais bancos da África do<br />
Sul – Absa, First National Bank, Nedbank e<br />
Standard Bank – firmaram uma parceria entre<br />
eles e o Banco Postbank, do governo, <strong>para</strong><br />
disponibilizar serviços bancários, de baixo custo<br />
e fácil utilização, a uma distância de não mais<br />
de 15 quilômetros de <strong>todos</strong> os sul-africanos.<br />
Os serviços incluem caixas automáticos e<br />
cadernetas de poupança chamadas “Mzansi”.<br />
Apesar de comercializarem as contas sob<br />
um esquema de competitividade, os bancos<br />
compartilham os custos de desenvolvimento<br />
de marca estimados em cerca de 15 milhões<br />
de Rands – ou US$12 milhões. 13 A parceria<br />
atendeu 3.3 milhões de pessoas de 2004 a<br />
2006. 14<br />
86 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 6.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> combinar recursos e capacidades com<br />
outras instituições<br />
Obstáculos<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Estratégia 4<br />
Combinação de recursos e capacidades<br />
com outras instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a<br />
obtenção de informação sobre o mercado<br />
União de recursos <strong>para</strong> a coleta de<br />
informação sobre o mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Auto-regulamentação<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a<br />
alavancagem das redes logísticas existentes<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a efetivação<br />
de vendas e o fornecimento de serviços<br />
União de recursos <strong>para</strong> o preenchimento de<br />
lacunas na infra-estrutura do mercado<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a difusão de<br />
informação<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a realização<br />
de treinamento <strong>para</strong> desenvolver habilidades<br />
necessárias<br />
União de recursos <strong>para</strong> a geração de<br />
conhecimento e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Combinação de capacidades <strong>para</strong> a promoção<br />
do acesso a produtos e serviços financeiros<br />
União de recursos <strong>para</strong> a ampliação do acesso<br />
a produtos e serviços financeiros<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
Competência específica é “uma área de conhecimento especializado que é resultado da<br />
harmonização entre tecnologias diversas e a atividade de trabalho”. (Prahalad e Hamel 1990).<br />
Wheeler e outros 2005.<br />
Mair e Seelos 2005<br />
Sullivan 2007<br />
PNUD Madagascar 2007<br />
Liew 2005<br />
Ivatury e Abrams 2005, p.14 citado em UNDESA/UNCDF 2006, p.86<br />
Noguera 2008-09-15 Jenkins 2007<br />
Jenkins 2007<br />
USAID 2006<br />
Lartigue e Koenen-Grant 2003<br />
Business for Social Responsibility 2004<br />
13 Business Day 2005<br />
14<br />
The Banking Association, South Africa, website (www.banking.org.za).<br />
CAPÍTULO 6. COMBINAÇÃO DE RECURSOS E CAPACIDADES COM OUTRAS INSTITUIÇÕES<br />
87
88 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
7<br />
E N G A J A M E N T O N O<br />
DIÁLOGO POLÍTICO<br />
COM O GOVERNO<br />
Filipinas: A Smart e<br />
as autoridades filipinas<br />
estão engajadas em um<br />
diálogo <strong>para</strong> adaptar<br />
a regulamentação<br />
do sistema bancário<br />
móvel que irá beneficiar<br />
milhões de filipinos.<br />
Foto: Smart<br />
A história da CocoTech mostra que o apoio a políticas públicas,<br />
independente de como ele acontece – nesse caso, através de pesquisa e uma<br />
ordem presidencial – pode fazer uma grande diferença <strong>para</strong> o sucesso de<br />
modelos de negócios inclusivos (quadro 7.1). Em alguns dos estudos de caso,<br />
o desenvolvimento de políticas, reformas e apoios ainda é extremamente<br />
necessário. No México, por exemplo, o projeto piloto da Amanco, que vende<br />
equipamento de irrigação em pequena escala <strong>para</strong> pequenos produtores rurais,<br />
conta com a habilidade dos mesmos <strong>para</strong> obter subsídios públicos; a Amanco<br />
contou com empreendedores sociais <strong>para</strong> negociar, caso a caso, os subsídios em<br />
nome dos produtores rurais. Em Gana, é difícil e arriscado <strong>para</strong> o Barclays Bank<br />
aumentar o número de coletores <strong>para</strong> oferecer serviços de microcrédito, já que<br />
as regulamentações atuais cobrem apenas os coletores Susu, que pertencem à<br />
Associação de Coletores Ghanaian Susu, uma entidade autorizada.<br />
Limitações de regulamentação estão claramente na esfera do governo. Embora<br />
todas as restrições de mercado descritas no capítulo 2 possam ser consideradas<br />
como sendo de responsabilidade do governo, muitas empresas apresentadas neste<br />
relatório encontraram maneiras criativas de contornar e remover obstáculos<br />
através de iniciativas privadas como, por exemplo, a adaptação de produtos <strong>para</strong><br />
funcionar com energia solar, o investimento em educação e treinamento <strong>para</strong><br />
CAPÍTULO 7. ENGAJAMENTO NO DIÁLOGO POLÍTICO COM O GOVERNO<br />
89
Quadro 7.1. Estudo de Caso –<br />
CocoTech: resgatando a insuficiente<br />
indústria do coco<br />
O Doutor Justino Arboleda (nas Filipinas <strong>todos</strong> o conhecem<br />
por “Bo”) é fundador e presidente da CocoTech, uma<br />
companhia que produz geotêxteis a partir de resíduos de<br />
cascas de coco. Bo tem o perfil do empreendedor local com<br />
boas idéias, mas sem recursos, e que possui, por convicção, um modelo de negócio inclusivo de<br />
sucesso.<br />
Após ter cumprido os estudos de doutorado em ciências e engenharia agrícola no exterior, Bo retornou<br />
a Bicol, sua terra natal, onde a plantação de coco é a principal indústria. Ele ficou impressionado com as<br />
dificuldades enfrentadas pelos produtores de coco. As inundações e deslizamentos de terra regulares<br />
tornaram-se ameaças recorrentes às safras e às terras de cultivo. Bo também observou que os seis<br />
bilhões de quilos de casca de coco produzidos a cada ano nas Filipinas – o segundo maior produtor de<br />
coco do mundo – eram uma fonte importante de resíduos e de emissões de gases do efeito estufa.<br />
Como agrônomo, Bo sabia que a agricultura e o meio ambiente andam de mãos dadas. Ao encontrar<br />
uma utilidade <strong>para</strong> a casca de coco – apesar de ainda não saber o que poderia ser feito <strong>para</strong> agregar<br />
valor a ela – ele acreditava ter identificado uma oportunidade <strong>para</strong> aumentar a renda dos produtores<br />
rurais, enquanto reduzia os riscos de desastres naturais.<br />
Havia muitos desafios a enfrentar <strong>para</strong> o desenvolvimento de processos de utilização produtiva <strong>para</strong><br />
os resíduos dos cocos. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do governo concentravam-se,<br />
principalmente, no arroz e no milho, e pouca atenção era dada a outros produtos agrícolas. O fato de<br />
o governo não ter fornecido capital inicial ou apoio <strong>para</strong> identificar mercados deixou as cooperativas<br />
agrícolas pouco entusiasmadas com o empreendimento de Bo.<br />
A solução encontrada por Bo foi persuadir os responsáveis por pesquisa e desenvolvimento do<br />
governo (após vários meses de tentativas) a dirigir um estudo sobre as possíveis utilizações da casca<br />
do coco. O estudo revelou que a fibra de coco poderia ser transformada em redes; além disso, é<br />
biodegradável, e poderia ajudar a vegetação a se fixar no solo <strong>para</strong> prevenir a erosão; o produto<br />
também seria muito mais barato que os materiais sintéticos importados, usados nas obras públicas em<br />
geral.<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
aumentar o nível de capacitação da mãode-obra,<br />
a alavancagem de redes sociais<br />
<strong>para</strong> o cumprimento de contratos e a<br />
colaboração com outras empresas <strong>para</strong><br />
auto-regulamentação. Entretanto, <strong>para</strong><br />
algumas empresas, é possível contornar e<br />
remover obstáculos do mercado apenas em<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
pequena escala. Para outras, não é possível de<br />
forma alguma. Para essas empresas, a melhor<br />
estratégia é o engajamento no diálogo político<br />
<strong>para</strong> conseguir superar os obstáculos existentes<br />
no mercado.<br />
Com o poder de usar ferramentas políticas<br />
tais como a legislação, a regulamentação e a<br />
tributação, os governos exercem uma autoridade<br />
particular sobre os sistemas de mercado. Eles têm<br />
o poder de usar a arrecadação de impostos <strong>para</strong><br />
fornecer bens públicos, organizando a provisão<br />
de serviços coletivos como educação e saúde<br />
pública. Além disso, <strong>para</strong> eliminar restrições<br />
de mercado no longo prazo – <strong>para</strong> que todo<br />
o sistema, incluindo os modelos de negócios<br />
inclusivos, possam proliferar em larga escala –<br />
são necessárias inovações nas políticas públicas e<br />
ações governamentais.<br />
Obstáculos<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Contudo, os governantes nem sempre estão<br />
conscientes das dinâmicas e restrições do<br />
mercado com que se de<strong>para</strong>m os modelos de<br />
negócios inclusivos, especialmente quando lidam<br />
com novos atores (como mulheres indígenas) ou<br />
novos produtos e serviços (como redes de casca<br />
de coco ou transações móveis). Além disso, a<br />
complexidade e a incerteza tornam extremamente<br />
difíceis a obtenção de respostas políticas corretas.<br />
E respostas permanecem corretas somente até<br />
<strong>para</strong>rem de funcionar ou até que o mercado sofra<br />
alguma mudança.<br />
90 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Bo apresentou estes benefícios das redes de fibra de coco às unidades do governo local, que, por fim, o<br />
ajudaram a encontrar parceiros na comunidade, os quais se tornaram os seus primeiros clientes.<br />
Uma vez pre<strong>para</strong>da <strong>para</strong> produzir redes de fibra de coco, outro desafio <strong>para</strong> a CocoTech era criar um<br />
mercado <strong>para</strong> elas. Apesar de existir uma grande e não atendida demanda internacional <strong>para</strong> redes<br />
de fibra de coco, os baixos preços e custos elevados de transporte limitavam a sua lucratividade. Seria<br />
necessário um mercado doméstico. Na convicção de que a solução seria o endosso do governo <strong>para</strong><br />
os produtos de casca de coco (e com base nos resultados positivos do estudo feito), Bo escreveu<br />
e advogou um memorando presidencial, que finalmente foi assinado, dando ordem <strong>para</strong> o uso de<br />
produtos de fibra do coco em <strong>todos</strong> os empreendimentos de infra-estrutura do governo.<br />
A CocoTech cresceu de um pequeno empreendimento na comunidade, com uma aplicação inicial de<br />
US$7.000 e 5 funcionários em 1993, <strong>para</strong> uma empresa de médio porte, com 25 funcionários, e receita<br />
maior que US$300.000 em 2006. Membros de mais de 6.000 famílias, a maioria mulheres, envolveramse<br />
na fabricação dos produtos. Em 2005, Bo ganhou a competição World Challenge. Ele diz: “O mais<br />
significativo <strong>para</strong> mim era o fato de que, através do prêmio, seria muito mais fácil promover os produtos<br />
de fibra de coco no mundo, ajudando assim a reduzir a pobreza nos países produtores de coco através<br />
da geração de novos empregos.<br />
Filipinas: A CocoTech está transformando<br />
resíduos de casca de coco em redes<br />
biodegradáveis capazes de prevenir a erosão<br />
do solo.<br />
Os formuladores de políticas dependem<br />
continuamente de boa informação: específica,<br />
contextual, abrangente, informação em tempo<br />
real que sugira resultados prováveis de uma<br />
decisão e transações comerciais inevitáveis.<br />
Dani Rodrik, economista de Harvard, pediu<br />
“cooperação estratégica entre os setores<br />
públicos e privados que, por um lado, serve<br />
<strong>para</strong> obter informação sobre oportunidades<br />
e obstáculos aos negócios e, por outro, gera<br />
iniciativas políticas como resposta”. 1 Nas<br />
palavras de Rodrik, a formulação de políticas<br />
eficazes é um processo de descoberta. 2<br />
As empresas podem desempenhar um<br />
papel nessa descoberta, ajudando governos a<br />
identificar gargalos e a melhorar o contexto de<br />
mercado <strong>para</strong> modelos de negócios inclusivos.<br />
O envolvimento das empresas na formulação de<br />
políticas pode carregar uma série de percepções<br />
com relação à corrupção e rent-seeking – e, em<br />
alguns casos, mais do que apenas a percepção<br />
dessas externalidades negativas. No entanto,<br />
mesmo correndo o risco de criar controvérsia, a<br />
empresa precisa engajar-se em debates políticos<br />
com <strong>todos</strong> os outros stakeholders relevantes.<br />
Isso se deve ao fato de que empreendedores e<br />
gerentes que desenvolvem modelos de negócios<br />
inclusivos são, provavelmente, as mais eficazes<br />
fontes de informação sobre quais políticas ou<br />
instrumentos políticos tendem a contribuir ou<br />
prejudicar.<br />
Empreendedores e gerentes que<br />
desenvolvem modelos de negócios<br />
inclusivos estão mais bem posicionados<br />
<strong>para</strong> enxergarem as restrições que as suas<br />
empresas encontram nos mercados pobres.<br />
Os mesmos empreendedores e gerentes têm<br />
fortes incentivos <strong>para</strong> fornecer aos governantes<br />
informações detalhadas sobre as dinâmicas e os<br />
efeitos dos obstáculos. Apesar de as empresas<br />
poderem, em alguns casos, atuar por conta<br />
própria <strong>para</strong> remover as restrições de mercado<br />
no curto prazo, melhorias nas políticas são<br />
necessárias <strong>para</strong> complementar, ampliar e até<br />
substituir tais investimentos no longo prazo.<br />
CAPÍTULO 7. ENGAJAMENTO NO DIÁLOGO POLÍTICO COM O GOVERNO<br />
91
Peru: Legisladores e responsáveis pelas diretrizes políticas<br />
têm um papel a ser desempenhado na redução de restrições de<br />
mercado. Foto: Banco Interamericano de Desenvolvimento<br />
Por fim, os empreendedores e gerentes que<br />
desenvolvem modelos de negócios inclusivos<br />
podem também sugerir mudanças específicas<br />
que facilitem esses modelos –podendo avaliar<br />
os efeitos positivos de tais mudanças sobre<br />
os seus clientes, funcionários, fornecedores e<br />
outros parceiros do negócio.<br />
Os estudos de caso da Iniciativa<br />
Desenvolvendo Mercados Inclusivos revelam<br />
muitos empreendedores e gerentes engajandose<br />
em diálogos políticos com os governos,<br />
sobretudo com relação ao ambiente regulatório,<br />
mas as discussões também abrangem outras<br />
áreas. Em geral, os estudos de caso ilustram<br />
modelos de negócios inclusivos que se<br />
engajam em diálogos políticos de forma<br />
individual, através de contatos pessoais<br />
do empreendedor com o governo, ou<br />
através de contatos da empresa dentro do<br />
governo – e que tratam, principalmente, de<br />
assuntos específicos aos interesses de curto<br />
prazo do modelo de negócio. Entretanto,<br />
alguns influenciam políticas através de<br />
efeitos demonstrativos, simplesmente ao<br />
fazer negócios bem-sucedidos. Há ainda<br />
os modelos de negócio que trabalham<br />
em cooperação com outros <strong>para</strong> engajar<br />
os governos na remoção de restrições<br />
específicas e sistêmicas dos mercados.<br />
ENGAJAMENTO INDIVIDUAL<br />
O engajamento individual de um<br />
empreendedor ou uma empresa com o<br />
governo pode ser uma estratégia eficaz <strong>para</strong>,<br />
ocasionalmente, influenciar políticas em prol<br />
de interesses específicos.<br />
Com freqüência o objetivo é<br />
relativamente limitado – por exemplo, <strong>para</strong><br />
encorajar o governo a fornecer bens ou<br />
serviços públicos, a empresa precisa operar<br />
em determinados lugares. Em Madagascar,<br />
a empresa Faly Export, de exportação<br />
de lichia e frutas tropicais, mobilizou<br />
autoridades locais e regionais <strong>para</strong> envolvêlas<br />
na manutenção de estradas, pois a<br />
má qualidade das mesmas complicava a<br />
distribuição do produto. Paralelamente, a Faly<br />
engaja comunidades locais na manutenção:<br />
a empresa fornece aos membros da<br />
comunidade os equipamentos necessários e<br />
os remunera com sementes de milho. 3<br />
92 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Os governos também podem apoiar<br />
empresas ao colher e fornecer informações<br />
sobre o mercado, realizando, por exemplo,<br />
pesquisas domiciliares ou estabelecendo<br />
prioridades nas pesquisas. As empresas, por<br />
sua vez, podem comunicar ao governo essas<br />
prioridades de pesquisa mostrando o valor<br />
social que poderia resultar das informações<br />
de mercado – uma melhor provisão de bens e<br />
serviços ou surgimento de novas oportunidades<br />
de mercado. O Doutor Justino Arboleda, da<br />
empresa CocoTech, convenceu o governo das<br />
Filipinas no caso do uso produtivo da casca de<br />
coco, que poderia melhorar significativamente<br />
a vida dos produtores de coco (ver quadro 7.1).<br />
Com base nisto, o governo decidiu pesquisar<br />
oportunidades de comercialização <strong>para</strong> as<br />
cascas que eram descartadas como resíduos.<br />
Essa pesquisa resultou no desenvolvimento de<br />
redes de fibra de coco cuja produção emprega<br />
dezenas de famílias que hoje fazem parte da<br />
cadeia de suprimento da CocoTech; novas<br />
empresas de fibra de coco já estão sendo<br />
criadas.<br />
Algumas vezes, o engajamento individual<br />
de empreendedores e empresas nas políticas<br />
públicas pode ter amplas implicações, mudando<br />
as estruturas do mercado e, em alguns<br />
casos, abrindo mercados completamente<br />
novos. A Tiviski, produtora de laticínios de<br />
camelo na Mauritânia, teve grande sucesso<br />
vendendo produtos no mercado interno; Nancy<br />
Abeiderrahmane, a fundadora da empresa,<br />
agora quer levar o produto <strong>para</strong> o mercado<br />
Europeu. O queijo de camelo da Tiviski, em<br />
especial, alcançaria um preço alto com clientes<br />
gourmet nesse mercado de alta renda. A Tiviski<br />
ainda não pode abranger a União Européia,<br />
embora os produtos agrícolas de países menos<br />
desenvolvidos como a Mauritânia possam<br />
entrar livres de impostos. Na verdade, como<br />
não há na Europa uma indústria de laticínios<br />
de camelo, não existem padrões e mecanismos<br />
de garantia de qualidade regulamentados<br />
<strong>para</strong> esse tipo de produto. Como resultado da<br />
solicitação de Abeiderrahmane, uma delegação<br />
da União Européia está agora trabalhando<br />
<strong>para</strong> estabelecer as instituições reguladoras<br />
necessárias que abrirão um novo mercado<br />
exportador lucrativo <strong>para</strong> a Tiviski e outros<br />
produtores.<br />
Na República Democrática do Congo, a<br />
instabilidade política e a falta generalizada de<br />
leis e regulamentações – na polícia, no judiciário,<br />
no setor financeiro e de telecomunicações<br />
– geraram riscos desanimadores <strong>para</strong> os<br />
investidores. Com o Acordo Lusaka, de 1999,<br />
a subida de Joseph Kabila ao poder, em 2001,<br />
e o Diálogo Intercongolês, em 2002, a Celtel,<br />
empresa de telecomunicações, identificou<br />
alguns sinais de esperança e uma abertura <strong>para</strong><br />
engajar o governo em estruturas políticas. A<br />
agenda corporativa da Celtel coincidiu com<br />
a do governo de Kabila <strong>para</strong> promover paz,<br />
reunificação e crescimento pós-guerra. A Celtel<br />
investiu no estabelecimento de relações sólidas<br />
com autoridades políticas e de regulamentação.<br />
Em 2003, uma nova lei de telecomunicações<br />
foi aprovada. Enquanto sob a lei anterior um<br />
operador de linha fixa reivindicou os direitos<br />
de monopólio, a nova lei criou uma estrutura<br />
mais clara <strong>para</strong> as concessões do Estado e<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento de telecomunicações,<br />
estimulando a competição necessária <strong>para</strong><br />
aumentar o acesso e diminuir os preços. Além<br />
disso, foi criada uma agência reguladora<br />
<strong>para</strong> os correios, telefones e serviços de<br />
telecomunicação.<br />
Nigéria: Membros da comunidade colaboram <strong>para</strong> engajar o governo<br />
em um diálogo sobre as questões que os afetam.<br />
Foto: Adam Rogers/UNCDF<br />
CAPÍTULO 7. ENGAJAMENTO NO DIÁLOGO POLÍTICO COM O GOVERNO<br />
93
Engajamento através de efeitos<br />
d e m o n s t r a t i v o s<br />
Efeitos demonstrativos também podem<br />
influenciar a política quando marcos<br />
regulatórios ou serviços e bens públicos são<br />
ausentes ou inadequados. Tais efeitos dependem<br />
de canais que permitam ao governo tomar<br />
conhecimento sobre a experiência de uma<br />
empresa. A comunicação pode ser direta ou<br />
intermediada por terceiros como uma agência<br />
de desenvolvimento.<br />
Quando a Électricité de France criou as<br />
Companhias de Serviço de Energia Rural no<br />
Mali, o país não tinha regulamentação <strong>para</strong> a<br />
provisão de energia. O sucesso da empresa,<br />
somado ao apoio do Banco Mundial, convenceu<br />
o governo a estabelecer novas regulamentações.<br />
O novo marco legal permite o fornecimento<br />
de energia a partir de operadores particulares,<br />
tanto através de grandes concessões rurais, em<br />
que o operador privado tem o monopólio da<br />
distribuição de energia, como da candidatura<br />
espontânea, em que o operador interessado<br />
em fornecer eletricidade a pequenas áreas<br />
rurais pode solicitar a autorização da Agência<br />
de Mali <strong>para</strong> o Desenvolvimento da Energia<br />
Elétrica Residencial e Eletrificação Rural. Em<br />
2006, quando o novo marco legal tornou-se<br />
operacional, a agência de energia do Mali<br />
assinou mais de 50 contratos com pequenas<br />
operadoras. Dentre elas, duas ou três já estão<br />
operando.<br />
Efeitos demonstrativos podem ainda<br />
levar o governo a tomar medidas <strong>para</strong><br />
permitir aos pobres um melhor acesso<br />
a serviços financeiros. Como parte da<br />
Iniciativa de Parcerias de Angola, a<br />
Chevron, a ProCredit Holding, a Agência<br />
Norte-Americana <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Internacional e vários outros doadores<br />
associaram-se <strong>para</strong> estabelecer o<br />
NovoBanco, um banco comercial que<br />
concede empréstimos a micro e pequenos<br />
empreendedores e promove os serviços<br />
de poupança entre a população pobre de<br />
Angola. Em cerca de três anos de operação,<br />
o banco emitiu mais de $27 milhões em<br />
empréstimos a aproximadamente 5.000<br />
micro e pequenos empreendedores nas duas<br />
principais cidades de Angola. O NovoBanco<br />
já é lucrativo e está se expandindo por<br />
outras partes do país. De acordo com uma<br />
avaliação recente da Iniciativa de Parcerias<br />
de Angola, o “sucesso do NovoBanco<br />
demonstrou o potencial do setor de micro<br />
e pequenas empresas do país e estimulou o<br />
governo e outros bancos a acelerarem seus<br />
próprios planos <strong>para</strong> o estabelecimento de<br />
pequenos fundos de crédito”. 4 O aumento da<br />
disponibilidade de financiamento permite<br />
que as pequenas empresas angolana<br />
tornem-se parceiros qualificados tanto <strong>para</strong><br />
a Chevron quanto <strong>para</strong> outras grandes<br />
empresas.<br />
E n g a j a m e n t o C o l a b o r a t i v o<br />
Além das estratégias de engajamento individual<br />
e de efeitos demonstrativos, as empresas estão<br />
cada vez mais engajando-se de forma coletiva<br />
com o governo, ou em colaboração com outros<br />
grupos de stakeholders <strong>para</strong> agirem sobre<br />
restrições específicas ou sistêmicas que afetam<br />
o sucesso de modelos de negócios inclusivos.<br />
De acordo com o Fórum Econômico Mundial,<br />
a “natureza sensível” dos engajamentos<br />
<strong>para</strong> influenciar políticas do governo “torna<br />
a colaboração uma estratégia altamente<br />
apropriada <strong>para</strong> esse fim. As empresas deveriam<br />
buscar mais oportunidades <strong>para</strong> fortalecer suas<br />
influências ao lado de outras indústrias, tanto<br />
aquelas com interesses comuns sobre questões<br />
específicas quanto as que trabalham em clusters<br />
geográficos”. 5 O Departamento de Economia<br />
e Assuntos Sociais da Organização das Nações<br />
Unidas e o Fundo das Nações Unidas <strong>para</strong><br />
o Desenvolvimento do Capital acrescentam<br />
que “mudanças políticas são mais prováveis<br />
de acontecer quando há uma quantidade<br />
expressiva de instituições com preocupações<br />
e interesses comuns querendo agir em<br />
conjunto”. 6<br />
Uma estrutura que facilita tal cooperação é o<br />
Big Business Working Group do Business Trust<br />
da África do Sul, que traz líderes empresariais<br />
com funções consultivas, juntamente com<br />
representantes do governo, <strong>para</strong> debates<br />
presididos pelo Presidente Thabo Mbeki. Essa<br />
estrutura tem o propósito de estimular relações<br />
94 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura 7.1 Resumo: Abordagens <strong>para</strong> se engajar no diálogo político com o governo<br />
Obstáculos<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Estratégia 5<br />
Engajamento no diálogo<br />
político com o governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Engajamento individual<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Engajamento através de efeitos<br />
demonstrativos<br />
Engajamento colaborativo<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
de confiança e o diálogo franco sobre questões<br />
enfrentadas pelo país e respostas apropriadas<br />
de ambas as partes. Os tópicos abordados<br />
vão desde a disciplina fiscal <strong>para</strong> pequenas e<br />
médias empresas até lacunas encontradas no<br />
mercado de trabalho e áreas de capacitação.<br />
Um exemplo de uma aliança de negócios<br />
inclusivos é a WBCSD-SNV Alliance, que<br />
engajou o governo do Equador em 2007 e<br />
criou uma poderosa rede de apoio, atuando<br />
junto a conselheiros do presidente <strong>para</strong><br />
introduzir a inclusão econômica na agenda do<br />
desenvolvimento social. A estratégia nacional<br />
de implementação girou em torno de quatro<br />
tipos de modelos de negócios inclusivos:<br />
feiras comerciais inclusivas, um programa de<br />
desenvolvimento voltado <strong>para</strong> a nutrição, um<br />
programa de desenvolvimento com interações<br />
on-line e modelos que priorizam cadeias de<br />
<strong>valores</strong> na agricultura. Ao todo, o governo<br />
disponibilizou linhas de crédito que totalizaram<br />
$87 milhões <strong>para</strong> quatro anos, com o objetivo<br />
de criar cerca de 250.000 empregos diretos e<br />
indiretos. 7<br />
Outro exemplo de esforço colaborativo<br />
conduzido pelo setor privado é o Grupo<br />
Estratégico <strong>para</strong> o Desenvolvimento do ICICI<br />
Bank na Índia. Reconhecendo as ligações<br />
estreitas entre o desenvolvimento do<br />
mercado e o desenvolvimento econômico<br />
do povo indiano, o ICICI Bank incrementa<br />
seu modelo de negócios inclusivos com uma<br />
abordagem dedicada à informação voltada<br />
<strong>para</strong> as ações e políticas públicas. Em cada<br />
uma das localidades onde está presente, o<br />
Grupo mantém um profissional capacitado,<br />
encarregado de identificar desigualdades em<br />
larga escala na infra-estrutura de mercado.<br />
Para equilibrá-las, o profissional busca<br />
parcerias com outras empresas e governos<br />
locais e estaduais.<br />
O Fundo de Assistência às Pequenas<br />
Empresas na Colômbia e no Peru,<br />
juntamente com a Agência Norte-Americana<br />
<strong>para</strong> o Desenvolvimento Internacional e<br />
instituições financeiras internacionais,<br />
engajaram os governos desses países <strong>para</strong> a<br />
regulamentação de emendas que proíbem os<br />
fundos de pensão públicos e as companhias<br />
de seguros de investir em private equity.<br />
Ao colaborar com fundos de pensão e<br />
órgãos reguladores, a aliança identificou<br />
barreiras de regulamentação e cobrou várias<br />
modificações. Empresas de pequeno e médio<br />
porte podem hoje acessar as fontes formais<br />
de capital anteriormente indisponíveis. 8<br />
CAPÍTULO 7. ENGAJAMENTO NO DIÁLOGO POLÍTICO COM O GOVERNO<br />
95
Nas Filipinas, atores dos setores<br />
público e privado estão colaborando entre<br />
si de forma inovadora <strong>para</strong> adaptar as<br />
regulamentações sobre os bancos móveis.<br />
No setor de telecomunicações, questões<br />
relacionadas à competição, sistemas de<br />
pagamento, apropriada atenção ao cliente,<br />
proteção ao consumidor, depósito de fundos,<br />
comércio eletrônico, lavagem de dinheiro<br />
e combate ao financiamento do terrorismo<br />
demandam transações complexas entre o<br />
acesso e a regulamentação. Como informou<br />
a revista The Economist, “Em vez de tentar<br />
desenvolver as melhores regulamentações<br />
antecipadamente(...) o órgão regulador<br />
está trabalhando junto aos bancos e<br />
operadores por trás dos dois esquemas de<br />
banco móvel do país”. 9 Isso permite aos<br />
responsáveis pelas diretrizes políticas a<br />
observação do processo e a tomada dessas<br />
experiências como exemplo <strong>para</strong> o plano de<br />
regulamentação em evolução. 10 Até então,<br />
houve expansão e reforço da regulamentação<br />
<strong>para</strong> o combate à lavagem de dinheiro e ao<br />
financiamento do terrorismo, e colaboração<br />
<strong>para</strong> que a atenção ao cliente seja dispensada<br />
por agentes do varejo; os esforços também<br />
têm permitido aos bancos oferecer contas<br />
de cartões pré-pagos através de pagamentos<br />
diretos (em vez de depósitos). 11<br />
Essas medidas criaram um regime mais eficaz,<br />
com custos de regulamentação mais baixos,<br />
tornando possível <strong>para</strong> operadores, como a<br />
Smart e a Globe, a expansão do acesso aos<br />
pobres.<br />
Num contexto global, o Visa<br />
Internacional ajudou a firmar um acordo<br />
entre empresas de serviços financeiros,<br />
órgãos reguladores e doadores internacionais<br />
<strong>para</strong> discutir a qualificação de crédito<br />
global e serviços bancários móveis. Os<br />
parceiros uniram suas fontes de pesquisa,<br />
conhecimentos específicos e influências<br />
<strong>para</strong> esclarecer as necessidades com<br />
relação a políticas e regulamentações <strong>para</strong><br />
esse mercado em rápido desenvolvimento.<br />
Operadores de telecomunicações móveis<br />
e fornecedores de aparelhos possuem<br />
interesses similares: a Vodafone, a Nokia e a<br />
Nokia Siemens Networks estão conduzindo<br />
pesquisas e se engajando nos diálogos<br />
públicos com o governo <strong>para</strong> descobrirem<br />
como as políticas e regulamentações<br />
poderiam permitir formas inovadoras de<br />
fornecer transações financeiras através da<br />
telefonia móvel.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
Rodrik 2004, p.38.<br />
Rodrik 2004, p.38.<br />
PNUD Madagascar 2007.<br />
Chevron´s Angola Parnership Initiative: A Case Study. p. 9;<br />
Fórum Econômico Mundial 2008, p.16.<br />
6 Departamento de Economia e Assuntos Sociais da Organização das Nações Unidas e o Fundo das Nações<br />
Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento do Capital 2006, p.158.<br />
7 World Business Council for Sustainable Development and SNV Netherlands Development Alliance 2007.<br />
8 Hoff e Hussels 2007.<br />
9 The Economist 2007.<br />
10 The Economist 2007.<br />
11 Lyman e Porteous 2008.<br />
12 Jenkins 2007.<br />
96 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
8<br />
ENTRANDO EM AÇÃO<br />
Índia: Um grande<br />
agronegócio tomou a<br />
iniciativa de fornecer aos<br />
agricultores locais acesso a<br />
informações de mercado,<br />
implantando uma rede de<br />
quiosques de internet, que<br />
irá ajudá-los a melhorar<br />
suas rendas.<br />
Foto: ITC Limited<br />
O valor da inclusão em mercados dos quais bilhões de pessoas ainda<br />
são excluídas não pode ser subestimado. Esse valor irá beneficiar as empresas,<br />
os pobres e a sociedade em geral. As empresas podem lucrar e criar potencial<br />
<strong>para</strong> o crescimento em longo prazo ao desenvolverem novos mercados; <strong>criando</strong><br />
novas tecnologias, produtos, serviços e processos; expandindo a mão-de-obra; e<br />
reforçando a cadeia de suprimentos. Os pobres podem integrar cadeias de <strong>valores</strong><br />
em vários estágios, da produção de matérias-primas ao consumo do produto final.<br />
Eles podem beneficiar-se com melhor acesso aos bens e serviços que atendem às<br />
suas necessidades básicas e aumentam a sua produtividade. Além disso, podem<br />
melhorar suas rendas e escapar da pobreza por conta própria.<br />
Oportunidades <strong>para</strong> a criação de <strong>valores</strong> mútuos existem em muitos setores,<br />
da agricultura à fabricação de produtos, do setor de telecomunicações ao setor<br />
financeiro. Alguns modelos de negócios inclusivos já alcançaram crescimento em<br />
larga escala, mas muitas oportunidades ainda estão <strong>para</strong> serem descobertas.
Figura 8.1. Matriz<br />
estratégica<br />
da Iniciativa<br />
Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos e<br />
o resumo das soluções<br />
Adaptação de<br />
produtos e<br />
processos<br />
Investimento<br />
na remoção de<br />
restrições do<br />
mercado<br />
Estratégias<br />
Fortalecimento<br />
do potencial<br />
dos pobres<br />
Combinação<br />
de recursos e<br />
capacidades<br />
com outras<br />
instituições<br />
Engajamento<br />
no diálogo<br />
político com o<br />
governo<br />
Informação de<br />
mercado<br />
Alavancagem<br />
tecnológica<br />
Foco na<br />
geração de<br />
valor<br />
Inserção dos<br />
pobres como<br />
indivíduos<br />
Combinação<br />
de capacidades<br />
complementares<br />
Engajamento<br />
individual<br />
Obstáculos<br />
Ambiente<br />
regulatório<br />
Infra-estrutura<br />
física<br />
Conhecimento<br />
e habilidades<br />
Acesso a<br />
serviços<br />
financeiros<br />
Alavancagem<br />
de tecnologias<br />
de informação e<br />
comunicação<br />
Aplicação<br />
de soluções<br />
setoriais<br />
específicas<br />
Alcance da<br />
sustentabilidade<br />
ambiental<br />
Criação de<br />
processos de<br />
negócios<br />
Adequação<br />
ao fluxo de<br />
renda dos<br />
pobres<br />
Simplificação<br />
de exigências<br />
Evitamento<br />
de incentivos<br />
adversos<br />
Flexibilização<br />
das operações<br />
Provisão <strong>para</strong><br />
grupos<br />
Realização<br />
de pesquisa de<br />
mercado<br />
Investimento<br />
em infraestrutura<br />
Promoção do<br />
desempenho do<br />
fornecedor<br />
Conscientização e<br />
treinamento dos<br />
consumidores<br />
Criação<br />
de produtos<br />
e serviços<br />
financeiros<br />
Obtenção<br />
de benefícios<br />
intangíveis<br />
Criação de<br />
valor social<br />
Uso de<br />
subvenções<br />
Financiamento<br />
com custos<br />
reduzidos ou<br />
patient capital<br />
Envolvimento<br />
dos pobres em<br />
pesquisas de<br />
mercado<br />
Realização<br />
de treinamento<br />
<strong>para</strong> que os<br />
pobres se tornem<br />
instrutores<br />
Construção de<br />
redes logísticas<br />
locais<br />
Identificação<br />
de fornecedores<br />
de serviço locais<br />
Promoção da<br />
inovação através<br />
da co-criação com<br />
os pobres<br />
Engajamento das<br />
comunidades:<br />
desempenho por<br />
meio de redes<br />
sociais existentes<br />
Alavancagem<br />
de mecanismos<br />
de aplicação de<br />
contratos informais<br />
Expansão do<br />
compartilhamento<br />
de riscos<br />
Obtenção de<br />
informação sobre o<br />
mercado<br />
Alavancagem<br />
das redes logísticas<br />
existentes<br />
Difusão de<br />
informação<br />
Realização<br />
de treinamento<br />
<strong>para</strong> desenvolver<br />
habilidades<br />
necessárias<br />
Efetivação<br />
de vendas,<br />
fornecimento de<br />
serviços<br />
Promoção do<br />
acesso a produtos e<br />
serviços financeiros<br />
União de<br />
recursos<br />
Obtenção de<br />
informação sobre o<br />
mercado<br />
Preenchimento<br />
de lacunas na<br />
infra-estrutura do<br />
mercado<br />
Autoregulamentação<br />
Geração de<br />
conhecimento e<br />
habilidades<br />
Ampliação do<br />
acesso a produtos e<br />
serviços financeiros<br />
Engajamento<br />
através<br />
de efeitos<br />
demonstrativos<br />
Engajamento<br />
coletivo<br />
Conforme mostrado neste relatório,<br />
os ambientes nos quais os pobres se<br />
encontram contribuem <strong>para</strong> a falta de<br />
oportunidades. Problemas de acesso à<br />
informação sobre o mercado impedem<br />
que muitas empresas considerem o fato<br />
de trabalhar com populações pobres. As<br />
empresas de<strong>para</strong>m-se com um ambiente<br />
regulatório em que as regras não são eficazes,<br />
não oferecem apoio ou nem mesmo são<br />
acessíveis. Falta infra-estrutura adequada,<br />
incluindo estradas e redes de eletricidade,<br />
água e telecomunicações. Falta educação<br />
em vários níveis, incluindo habilidades,<br />
treinamento e outros conhecimentos. O<br />
acesso ao crédito e seguros também é<br />
restrito. Assim como <strong>para</strong> os pobres, essas<br />
condições limitam as oportunidades <strong>para</strong> os<br />
empreendedores. O contexto desfavorável<br />
dificulta o desenvolvimento de negócios<br />
<strong>para</strong> a população local. E os empresários<br />
de fora acham duro lidar com os desafios,<br />
especialmente quando estão acostumados<br />
com mercados que funcionam bem nas suas<br />
regiões de origem.<br />
Todavia, o presente relatório também<br />
mostrou que há estratégias que podem<br />
funcionar. Os empreendedores dos estudos<br />
de caso da Iniciativa Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos descobriram soluções e<br />
estabeleceram negócios de sucesso com os<br />
pobres. Eles usaram suas próprias capacidades<br />
e recursos <strong>para</strong> superar as limitações, muitas<br />
vezes em colaboração com organizações<br />
públicas, privadas e não-governamentais –<br />
além da própria população pobre.<br />
Os empreendedores deste relatório<br />
exemplificam possibilidades reais. Suas<br />
empresas contribuem <strong>para</strong> o alcance dos<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,<br />
98 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
o que pode se tornar ainda mais significativo se<br />
outros seguirem os seus exemplos:<br />
Nancy Abeiderrahmane mudou o cenário<br />
da indústria de laticínios na Mauritânia<br />
e estabeleceu uma empresa lucrativa. Ao<br />
possibilitar rendas mais elevadas aos seus<br />
1.200 funcionários e fornecedores locais,<br />
a maior parte deles pastores nômades,<br />
ela está contribuindo <strong>para</strong> o Objetivo de<br />
Desenvolvimento do Milênio número 1 –<br />
erradicar a miséria e a fome – e ao mesmo<br />
tempo preservando o modo de vida dos<br />
nômades.<br />
No Brasil, a empresa de cosméticos<br />
de Antonio Luiz da Cunha Seabra está<br />
comprando ingredientes naturais de<br />
comunidades locais, contribuindo <strong>para</strong> a<br />
renda deles e promovendo o Objetivo de<br />
Desenvolvimento do Milênio número 1.<br />
Bindheshwar Pathak, um empreendedor<br />
indiano, oferece sistemas sanitários limpos<br />
e baratos <strong>para</strong> 1,2 milhões de moradias e<br />
opera 6.500 instalações de banheiros pagos<br />
<strong>para</strong> uso público. Até 2006, a empresa de<br />
Pathak contribuiu <strong>para</strong> que 60.000 pessoas,<br />
dos quais 95% são mulheres e crianças,<br />
deixassem de viver como limpadores de<br />
excrementos. A empresa contribui <strong>para</strong> o<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio<br />
número 3 – promover a igualdade entre os<br />
sexos e a autonomia das mulheres; e por<br />
reduzir a proporção de pessoas sem acesso<br />
a saneamento básico contribui <strong>para</strong> parte<br />
do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio<br />
número 7 .<br />
Dora Nyanja, uma enfermeira franqueada<br />
em Kibera, no Quênia, administra a clínica<br />
Child and Family Wellness <strong>para</strong> fornecer<br />
um serviço de saúde melhor e com preço<br />
accessível aos moradores das favelas.<br />
Somente em 2006, as 66 lojas e clínicas<br />
Child and Family Wellness do Quênia<br />
beneficiaram quase 400.000 pacientes de<br />
baixa renda, contribuindo <strong>para</strong> o Objetivo<br />
de Desenvolvimento do Milênio número 6<br />
– combater o HIV/AIDS, a malária e outras<br />
doenças.<br />
Stephen Saad, um empreendedor<br />
farmacêutico, está fazendo a parte dele <strong>para</strong><br />
alcançar o Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio número 6, na África do Sul. No<br />
período de 2001 a 2006, Saad reduziu<br />
o custo mensal dos medicamentos antiretrovirais,<br />
de $428 <strong>para</strong> $13, <strong>para</strong> os<br />
pacientes portadores do HIV. A sua empresa<br />
está se pre<strong>para</strong>ndo <strong>para</strong> ser fornecedora<br />
do programa nacional de tratamento antiretroviral<br />
da África do Sul, com a produção<br />
de aproximadamente 60% do que o país<br />
necessita atualmente.<br />
Joshua e Winifred Kalebu criam,<br />
desenvolvem e gerenciam esquemas<br />
inovadores e accessíveis de fornecimento<br />
de água comunitária em Uganda. A<br />
empresa lucra enquanto alcança parte do<br />
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio<br />
número 7 – aumentando a proporção de<br />
pessoas com acesso sustentável à água<br />
potável segura.<br />
Nas Filipinas, Napoleon Nazareno dirige<br />
uma empresa que fornece cartões de<br />
telefone pré-pagos a baixo custo e<br />
oferece serviços de transferência de<br />
fundos usando a tecnologia de serviço<br />
de mensagens curtas. Com uma rede<br />
cobrindo mais de 99% da população,<br />
a empresa de Nazareno atende 24,2<br />
milhões de pessoas, reduzindo a “exclusão<br />
digital”, e alcança parte do Objetivo de<br />
Desenvolvimento do Milênio número<br />
8 – gerando benefícios através de novas<br />
tecnologias.<br />
As soluções encontradas por esses<br />
empreendedores e os seus modelos de<br />
negócios inclusivos podem inspirar outras<br />
pessoas. Há espaço <strong>para</strong> muito mais modelos<br />
de negócios e mercados inclusivos; e também<br />
<strong>para</strong> uma criação de valor muito maior. Nas<br />
palavras de Mahatma Gandhi: “A diferença<br />
entre o que fazemos e o que somos capazes<br />
de fazer seria suficiente <strong>para</strong> resolver a maior<br />
parte dos problemas do mundo”.<br />
A matriz estratégica e o resumo das soluções<br />
(figura 8.1) lista as maneiras de se aplicar as<br />
cinco estratégias essenciais <strong>para</strong> mitigar os<br />
cinco grandes obstáculos enfrentados por<br />
modelos de negócios inclusivos. Mais de<br />
uma solução – e mais de uma estratégia –<br />
geralmente são aplicados simultaneamente<br />
<strong>para</strong> superar um obstáculo.<br />
Este relatório convida as empresas <strong>para</strong> a<br />
ação.<br />
A mensagem que fica é: faça como as<br />
empresas desses exemplos fizeram. Elas<br />
encontraram e concretizaram uma gama<br />
de oportunidades <strong>para</strong> elas mesmas e <strong>para</strong><br />
os pobres. O relatório também convida<br />
<strong>todos</strong> os outros atores da sociedade <strong>para</strong> a<br />
ação, governos, comunidades, associações<br />
corporativas – organizações internacionais,<br />
organizações não-governamentais e outras<br />
organizações de desenvolvimento – com uma<br />
convicção: <strong>todos</strong> nós podemos ajudar a gerar<br />
mais modelos de negócios inclusivos.<br />
CAPÍTULO 8. ENTRANDO EM AÇÃO<br />
99
O que as empresas podem fazer –<br />
promover a inclusão dos pobres como<br />
consumidores, produtores, funcionários e<br />
empreendedores<br />
Criar capacidade e espaço <strong>para</strong> inovação<br />
dentro da organização. Proporcionar, por<br />
exemplo, novas experiências <strong>para</strong> funcionários<br />
e gerentes através de viagens de estudo,<br />
trabalhos voluntários ou seminários inovadores<br />
com a comunidade local. Apreender novas<br />
idéias através de competições ou esquemas de<br />
incentivos. Criar processos de desenvolvimento<br />
de negócios que encorajem tomadas de<br />
risco e experimentações e que alavanquem<br />
conhecimento de todas as unidades funcionais<br />
– em particular, aquelas já engajadas com os<br />
pobres.<br />
Desenvolver ferramentas de investimento<br />
– tais como fundos especializados,<br />
procedimentos de rating ou investimentos<br />
– que permitam às empresas e investidores<br />
comerciais identificar e financiar modelos<br />
de negócios inclusivos que garantam maior<br />
retorno <strong>para</strong> os pobres, <strong>para</strong> os investidores e<br />
<strong>para</strong> a sociedade como um todo.<br />
Aprofundar o compromisso com as<br />
comunidades <strong>para</strong> compreender melhor as<br />
necessidades do fornecedor e do consumidor<br />
pobre, <strong>para</strong> criar canais de distribuição<br />
inovadores, <strong>para</strong> compartilhar custos e <strong>para</strong><br />
alavancar o conhecimento local e as redes<br />
sociais. Construir relações com firmas locais de<br />
pequeno e médio porte. Engajar-se em diálogos<br />
com organismos da comunidade, organizações<br />
não-governamentais locais e pessoas.<br />
Promover a capacitação <strong>para</strong> uma<br />
colaboração eficaz mesmo com parceiros<br />
não tradicionais e com propósitos originais.<br />
Contratar funcionários de outros setores;<br />
estabelecer programas de transferência<br />
intersetorial, engajar-se em iniciativas de<br />
colaboração.<br />
Engajar-se em diálogos políticos <strong>para</strong><br />
melhorar o campo de ação. Fornecer aos<br />
governos informação sobre as restrições do<br />
mercado de forma transparente e responsável,<br />
individual ou coletivamente, fazendo parte de<br />
uma associação corporativa, uma iniciativa<br />
política ou estabelecendo diálogo com<br />
stakeholders. Usar influência <strong>para</strong> fazer lobby<br />
visando melhorias na educação e nos serviços<br />
básicos em geral, nos aspectos relacionados à<br />
autonomia do pobre, e também <strong>para</strong> proteger<br />
os direitos humanos e a qualidade do meio<br />
ambiente.<br />
O que os governos podem fazer –<br />
promover capacitação e condições <strong>para</strong><br />
o melhor funcionamento dos mercados<br />
Remover obstáculos do ambiente de<br />
mercado. Criar regulamentações que<br />
facilitem a competitividade das empresas,<br />
reduzam a burocracia, assegurem um<br />
mercado financeiro funcional e inclusivo<br />
e permitam aos pobres o acesso ao<br />
sistema legal. Modernizar os sistemas de<br />
transporte, eletricidade, água e a infraestrutura<br />
de transmissão de informações.<br />
Promover melhorias no sistema de<br />
educação e formação profissional.<br />
Estabelecer instituições provedoras de<br />
informação que reúnam e compartilhem<br />
informações sobre o mercado e atuem<br />
como intermediadores entre empresas<br />
locais e regionais, organizações nãogovernamentais<br />
e outros organismos e<br />
iniciativas relevantes.<br />
Fortalecer a capacitação <strong>para</strong><br />
o empreendedorismo através<br />
de treinamento, organização,<br />
desenvolvimento de capacidades e<br />
consultoria técnica.<br />
Fortalecer o capital humano <strong>para</strong><br />
o engajamento em atividades<br />
econômicas produtivas através de<br />
sistemas de educação e saúde eficazes.<br />
Melhorar a conscientização e a<br />
educação do consumidor <strong>para</strong> fortalecer<br />
a demanda por produtos pró-pobres.<br />
Apoiar e financiar modelos de negócios<br />
inclusivos através de medidas de<br />
incentivo calibradas cuidadosamente.<br />
Fortalecer a capacidade institucional<br />
do governo <strong>para</strong> colaborar com o setor<br />
privado. Iniciar, por exemplo, programas<br />
de intercâmbio de experiências; contratar<br />
funcionários do setor privado; engajar-se<br />
em iniciativas de colaboração; permitir<br />
que entidades governamentais se engajem<br />
em colaborações com o setor privado e<br />
facilitar as parcerias intersetoriais.<br />
Estabelecer plataformas <strong>para</strong><br />
engajar empresas como parceiras<br />
no desenvolvimento econômico.<br />
Engajar empresas, associações de<br />
desenvolvimento econômico e grupos de<br />
interesse na discussão sobre questões<br />
concretas, tais como água e tratamento<br />
de resíduos, através da criação de planos<br />
de desenvolvimento regional, setorial e<br />
nacional.<br />
100 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
O que as comunidades podem fazer –<br />
atuar no processo de desenvolvimento<br />
de negócios<br />
Identificar oportunidades que possam<br />
ser interessantes <strong>para</strong> as empresas<br />
Por exemplo, coletar e compartilhar<br />
informações sobre a comunidade e<br />
seus membros através de pesquisas<br />
comunitárias.<br />
Identificar produtos que as<br />
comunidades possam produzir de<br />
forma competitiva. Desenvolver<br />
associações de produtores e cooperativas<br />
<strong>para</strong> compartilhar custos, agregar valor<br />
à produção e aumentar o poder de<br />
barganha.<br />
Desenvolver redes de pequenas<br />
empresas (como varejistas) <strong>para</strong> agregar<br />
valor e fortalecer as redes de distribuição,<br />
diversificar o estoque e estabelecer<br />
relações com fornecedores corporativos<br />
maiores.<br />
Criar associações comunitárias que<br />
trabalhem de forma transparente,<br />
tais como representações coletivas<br />
na comunidade, ou cooperativas de<br />
produtores e consumidores que facilitem<br />
o diálogo entre a comunidade e a<br />
empresa.<br />
O que as organizações nãogovernamentais<br />
e outras instituições<br />
podem fazer – facilitar relações e boas<br />
práticas de comércio<br />
Promover parcerias com empresas<br />
<strong>para</strong> facilitar o engajamento com a<br />
comunidade; o que é correto e sensível<br />
aos <strong>valores</strong> locais e contribui <strong>para</strong> o<br />
desenvolvimento humano. É preciso<br />
ser um “agente confiável” <strong>para</strong> engajar<br />
empresas na busca de oportunidades <strong>para</strong><br />
a comunidade.<br />
Agir como uma plataforma <strong>para</strong> a<br />
colaboração entre empresas e diálogos<br />
que visem melhores práticas.<br />
Promover a abertura <strong>para</strong> colaborações<br />
com o setor privado.<br />
Facilitar um diálogo público-privado<br />
eficaz, legítimo e transparente,<br />
fornecendo orientação, ferramentas e<br />
processos – e agir como um agente de<br />
guarda desse diálogo.<br />
O que doadores e organizações<br />
internacionais podem fazer – catalisar<br />
e expandir novas abordagens.<br />
Aumentar a conscientização<br />
entre empresas e praticantes do<br />
desenvolvimento sobre as oportunidades<br />
de inclusão dos pobres nos negócios.<br />
Fornecer “patient capital” e outras formas<br />
apropriadas de financiamento <strong>para</strong> o<br />
desenvolvimento de modelos de negócios<br />
inclusivos.<br />
Criar modelos <strong>para</strong> a concessão de<br />
doações que sejam inovadores e<br />
impactantes tais como fundos de desafio<br />
ou prêmios por inovações que eliminem<br />
barreiras ao desenvolvimento humano;<br />
tornar as recompensas suficientemente<br />
atraentes <strong>para</strong> criar incentivos que<br />
gerem esforços e experimentações sérias.<br />
Estabelecer formas eficazes e eficientes de<br />
avaliação de modelos bem-sucedidos e de<br />
aprendizagem compartilhada.<br />
Facilitar o diálogo intersetorial Fornecer<br />
plataformas comuns de aprendizagem,<br />
troca de experiências e tomadas de<br />
decisão. Oferecer capacitação e serviços de<br />
intermediação<br />
O que <strong>todos</strong> os outros podem fazer –<br />
assumir atitudes e comportamentos<br />
de aprendizagem, conscientização e<br />
consumo voltados <strong>para</strong> expansão de<br />
negócios inclusivos.<br />
Instituições acadêmicas e de pesquisa<br />
podem trabalhar <strong>para</strong> melhorar a<br />
nossa compreensão sobre o tamanho<br />
e a estrutura dos mercados onde vivem<br />
os pobres, como operam os modelos de<br />
negócios inclusivos, quais são os mecanismos<br />
de investimento eficazes e como os processos<br />
de diálogo entre empresas e governos podem<br />
ser realizados de maneira responsável,<br />
legítima e eficiente. Elas também podem<br />
identificar novas tecnologias <strong>para</strong> catalisar<br />
modelos de negócios inclusivos.<br />
Empresas e instituições de ensino<br />
na área de políticas públicas podem,<br />
juntamente com outros parceiros do setor<br />
de educação, transmitir conhecimento<br />
sobre modelos de negócios inclusivos e as<br />
oportunidades que os mesmos podem criar,<br />
motivando os estudantes a entrarem nesse<br />
campo. Oportunidades de aprendizagem<br />
intersetorial podem ser oferecidas e de<br />
forma a encorajar os estudantes no estudo e<br />
desenvolvimento de projetos sobre modelos<br />
de negócios inclusivos.<br />
Associações corporativas e agentes<br />
intermediadores de parcerias podem<br />
reunir informações sobre modelos de<br />
negócios inclusivos de diferentes setores<br />
que estejam abertos <strong>para</strong> trabalhar em<br />
colaboração, ajudando a encontrar o parceiro<br />
certo <strong>para</strong> empreendimentos específicos e<br />
fornecendo orientação sobre como criar e<br />
gerir parcerias.<br />
CAPÍTULO 8. ENTRANDO EM AÇÃO<br />
101
Associações corporativas podem<br />
coordenar ações coletivas do setor<br />
privado <strong>para</strong> eliminar obstáculos.<br />
Associações de indústrias, por exemplo,<br />
podem implementar programas de<br />
treinamento conjunto ou conduzir<br />
pesquisas de mercado através de<br />
parcerias.<br />
A mídia pode aumentar a<br />
conscientização sobre as<br />
oportunidades <strong>para</strong> as empresas em<br />
fase de desenvolvimento. Ao apresentar<br />
iniciativas bem-sucedidas, a mídia pode<br />
ajudar a aumentar a conscientização,<br />
estimular a compreensão mútua e<br />
remover barreiras entre stakeholders.<br />
As pessoas podem apoiar modelos<br />
de negócios pró-pobres ao comprar<br />
de empresas que compram dos pobres<br />
ou ao contribuir, através de doações ou<br />
ações voluntárias, com organizações nãogovernamentais<br />
que promovem modelos<br />
de negócios inclusivos.<br />
A Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos atua como uma plataforma <strong>para</strong> facilitar o<br />
engajamento de <strong>todos</strong> os atores da sociedade em prol do aumento do número de modelos de<br />
negócios inclusivos. Ela reúne informações relevantes, destaca bons exemplos, desenvolve<br />
estratégias operacionais práticas e cria espaço <strong>para</strong> o diálogo. Este relatório e o processo<br />
colaborativo que conduziu a ele são apenas os primeiros passos em direção às metas da<br />
Iniciativa. A plataforma on-line, www.growinginclusivemarkets.org, dá acesso a todas as<br />
informações existentes e estudos de caso reunidos pela iniciativa e será continuamente<br />
enriquecida com informações e ferramentas atualizadas.<br />
Em 2007, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, emitiu um Apelo à Ação<br />
relativo aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio com objetivo de estimular um esforço<br />
internacional <strong>para</strong> acelerar o progresso e ajudar a fazer de 2008 um ano decisivo na luta<br />
contra a pobreza. O setor privado tem sido fortemente encorajado a aderir a esse esforço<br />
conjunto. A Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos reforça o convite <strong>para</strong> a adoção<br />
de uma abordagem de negócios cuja expansão e replicabilidade podem ajudar a reduzir a<br />
distância entre os obstáculos de hoje e as promessas de amanhã.<br />
Juntem-se a nós nesta empreitada!<br />
102 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Anexos
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
Visão Geral<br />
Empresa Localização Tipo de empresa Setor página<br />
Corporação multinacional<br />
Empresa nacional de grande<br />
porte<br />
PME Local 1<br />
Organização sem fins<br />
lucrativos<br />
Agricultura e/ou alimentos<br />
Habitação<br />
Energia<br />
Saúde<br />
TIC 2<br />
Serviços financeiros<br />
Água e saneamento<br />
Têxtil<br />
Turismo<br />
Outras (tratamento de<br />
resíduos, transportes)<br />
A to Z Textiles<br />
Amanco<br />
Amanz’ Abantu<br />
ANZ Bank<br />
Aspen Pharmacare<br />
Associação dos Operadores<br />
Privados de Água<br />
Barclays’ Susu<br />
Collectors Initiative<br />
Cashew Production<br />
Celtel and Celplay<br />
Coco Technologies<br />
Construmex<br />
Danone<br />
Denmor Garments<br />
DTC Tyczyn<br />
Edu-Loan<br />
Fair Trade Cotton<br />
Forus Bank<br />
Huatai<br />
Integrated Tamale<br />
Fruit Company<br />
Juan Valdez<br />
K-REP Bank<br />
Lafarge<br />
LYDEC<br />
Manila Water Company<br />
Tanzânia<br />
México<br />
África do Sul<br />
Fiji<br />
África do Sul<br />
Uganda<br />
Ghana<br />
Guiné<br />
República<br />
Democrática<br />
do Congo<br />
Filipinas<br />
México<br />
Polônia<br />
Guiana<br />
Polônia<br />
África do Sul<br />
Mali<br />
Rússia<br />
China<br />
Ghana<br />
Colômbia<br />
Quênia<br />
Indonésia<br />
Marrocos<br />
Filipinas<br />
1. Pequenas e médias empresas. 2. Tecnologia de informação e comunicação<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
105
Empresa Localização Tipo de empresa setor Página<br />
Corporação multinacional<br />
Empresa nacional de grande<br />
porte<br />
PME Local<br />
Organização sem fins<br />
lucrativos<br />
Agricultura e/ou alimentos<br />
Habitação<br />
Energia<br />
Saúde<br />
TIC<br />
Serviços financeiros<br />
Água e saneamento<br />
Têxtil<br />
Turismo<br />
Outras (tratamento de<br />
resíduos, transportes)<br />
Mibanco<br />
Money Express<br />
M-PESA<br />
Mt. Plaisir Estate<br />
Hotel<br />
Narayana Hrudayalaya<br />
Natura<br />
Nedbank and<br />
RMB/FirstRand<br />
NTADCL<br />
PEC Luban<br />
Pésinet<br />
Peru<br />
Senegal<br />
Quênia<br />
Trinidad e<br />
Tobago<br />
Índia<br />
Brasil<br />
África do Sul<br />
Índia<br />
Polônia<br />
Mali e Senegal<br />
Petstar<br />
Procter & Gamble<br />
Rajawali<br />
RiteMed<br />
Rural Electrification<br />
Sadia<br />
Sanofi-aventis<br />
SEKEM<br />
SIWA<br />
Smart Communications<br />
Sulabh<br />
The HealthStore<br />
Foundation<br />
Tiviski Dairy<br />
Tsinghua Tongfang (THTF)<br />
VidaGás<br />
Votorantim Celulose<br />
e Papel<br />
México<br />
Várias regiões<br />
Indonésia<br />
Filipinas<br />
Mali<br />
Brasil<br />
África<br />
Subsaariana<br />
Egito<br />
Egito<br />
Filipinas<br />
Índia<br />
Quênia<br />
Mauritânia<br />
China<br />
Moçambique<br />
Brasil<br />
106 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A to Z Textiles<br />
África Subsaariana > Tanzânia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média<br />
empresa local<br />
Setor<br />
Saúde/Têxtil<br />
Autor(es)<br />
Winifred Karugu<br />
Triza Mwendwa<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A malária, transmitida através da picada de mosquitos, mata milhões<br />
de pessoas <strong>todos</strong> os anos. Em 2004, a A to Z Textile Mills, da Tanzânia,<br />
tornou-se o único produtor africano de redes <strong>para</strong> dormir duráveis e<br />
tratadas com inseticidas capazes de matar os mosquitos por até cinco<br />
anos, sem tratamentos adicionais. O sucesso do empreendimento devese<br />
a uma ampla parceria público-privada. A Sumitomo, uma companhia<br />
japonesa, fornece tecnologia e material químico <strong>para</strong> a A to Z através<br />
de um empréstimo do Fundo Acumen. A Exxon Mobile vende resina<br />
<strong>para</strong> as redes da A to Z e doa fundos <strong>para</strong> a UNICEF comprar as redes<br />
tratadas <strong>para</strong> as crianças mais vulneráveis. A UNICEF e o Fundo Global<br />
de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária agem como compradores<br />
de última instância, garantindo a compra de todas as redes que não<br />
forem compradas através dos canais normais de mercado. A A to<br />
Z torna as redes disponíveis através de marketing direto e móbile<br />
marketing. O governo também as promove, através de marketing social,<br />
com um esquema nacional de voucher que subsidia as redes tratadas<br />
<strong>para</strong> gestantes e crianças com menos de cinco anos de idade. Além do<br />
impacto sobre a saúde pública, a A to Z emprega cerca de 3.400 pessoas<br />
com pouca capacitação, sendo 90% delas mulheres.<br />
Amanco<br />
América Latina e Caribe > México<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Loretta Serrano<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Há décadas os pequenos produtores rurais da América Latina enfrentam<br />
uma realidade ingrata: de baixa produtividade e ineficiência. Esse era o<br />
cenário <strong>para</strong> a decisão da Amanco, uma subsidiária do conglomerado<br />
GrupoNueva, sobre o desenvolvimento de um modelo híbrido de<br />
cadeia de valor <strong>para</strong> servir aos mercados de baixa renda. Como parte<br />
do plano a empresa deixou de vender equipamentos de suprimento de<br />
água e passou a oferecer soluções integradas de irrigação, com preços<br />
por hectare de terra. As soluções incluem serviços <strong>para</strong> aumentar a<br />
produtividade das propriedades e maximizar a eficiência do uso de<br />
água. A companhia desenvolveu parcerias com organizações sociais<br />
pouco convencionais – que possuem um estreito relacionamento com<br />
os clientes de baixa renda – e com outras instituições, que fornecem<br />
microcrédito e canais alternativos de comercialização. Mé<strong>todos</strong> de<br />
irrigação mais eficientes aumentaram a produtividade dos clientes da<br />
Amanco em até 22%, abaixaram os custos com mão-de-obra em 33% e<br />
trouxeram melhoras significativas no uso da água.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
107
Amanz’ Abantu<br />
África Subsaariana > África do Sul<br />
Tipo de companhia<br />
Pequena ou média<br />
empresa local<br />
Setor<br />
Água/Saneamento<br />
Autor(es)<br />
Courteney Sprague<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Nos idiomas Xhosa, Ndebele e Zulu, Amanz’ Abantu significa “água <strong>para</strong> o<br />
povo”. A Amanz’ Abantu Services Ltda., fundada em 1997 como empresa<br />
privada na África do Sul, almejava fornecer água e saneamento <strong>para</strong><br />
comunidades periurbanas e rurais na província do Cabo Oriental, onde<br />
um quarto da população não tinha acesso à água potável. A companhia<br />
fornece água que atende aos padrões de qualidade internacionais em<br />
locais onde as pessoas podem usufruir da água encanada através da<br />
tecnologia de cartões inteligentes. Antes da chegada da Amanz’ Abantu,<br />
os aldeões – principalmente mulheres em áreas rurais – precisavam<br />
caminhar várias horas <strong>para</strong> obter água do rio mais próximo. Além disso,<br />
essas pessoas estavam vulneráveis a doenças. O fornecimento de água<br />
segura dentro de um raio de 200 metros das moradias transformou a<br />
vida dos residentes rurais, capacitando os aldeões <strong>para</strong> a construção<br />
e fornecendo-lhes chances de emprego em um país com índices de<br />
desemprego em torno de 25%. O caso relata a recepção conturbada<br />
do setor privado no envolvimento do fornecimento de água e como a<br />
empresa superou os obstáculos <strong>para</strong> solucionar um problema social e<br />
tornar o negócio lucrativo – $67.000 em 2006.<br />
ANZ Bank<br />
Ásia e Pacífico > Fiji<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Mahendra Reddy<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em Fiji, aproximadamente 340.000 habitantes de vilarejos rurais e<br />
assentamentos não têm acesso a serviços bancários. O PNUD e o ANZ<br />
Bank formaram uma parceria <strong>para</strong> desenvolver serviços bancários<br />
comerciais viáveis e inovadores apoiados por um programa de<br />
capacitação financeira. O investimento envolve seis bancos móveis<br />
que viajam regularmente <strong>para</strong> 150 vilarejos e assentamentos rurais.<br />
A capacidade de mudar as regras exigidas <strong>para</strong> se abrir uma conta<br />
bancária permitiu ao ANZ Bank oferecer produtos, como empréstimos e<br />
poupança, <strong>para</strong> comunidades que não tinham documentação oficializada.<br />
Nos primeiros 5 meses de operação, 17.000 mulheres, homens e<br />
crianças em idade escolar começaram a poupar regularmente, e mais<br />
de 1.500 aldeões adquiriram habilidades valiosas de administração<br />
financeira. Atualmente, o banco está expandindo as suas operações <strong>para</strong><br />
alcançar 140.000 clientes.<br />
108 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Aspen Pharmacare<br />
África Subsaariana > África do Sul<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Courteney Sprague<br />
Stu Woolman<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
É grande a necessidade de tratamento anti-retroviral na África do Sul.<br />
Sem mudanças significativas, as projeções indicam que 3,5 milhões de<br />
sul-africanos morrerão de doenças relacionadas à AIDS até 2010. Em<br />
1997, a Stephen Saad vendeu suas ações da companhia farmacêutica<br />
Covan Zurich e, juntamente com mais dois parceiros e $7 milhões,<br />
fundou a Aspen Pharmacare. Seu objetivo: estabelecer um grande<br />
fabricante farmacêutico capaz de fornecer ao mercado sul-africano<br />
remédios de marcas conhecidas, genéricos legalizados, a preços<br />
acessíveis. Atualmente, a Aspen é a maior produtora de remédios em<br />
forma comprimidos e cápsulas na África, com um lucro de $75 milhões<br />
em 2005. O caso descreve como o modelo de negócios da Aspen e suas<br />
inovações reagiram a um ambiente desafiador, complicado por questões<br />
humanitárias, governamentais e legais.<br />
Associação dos Operadores Privados de Água de Uganda<br />
África Subsaariana > Uganda<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Água<br />
Autor(es)<br />
Winifred N. Karugu<br />
Diane Nduta Kanyagia<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Dos 21 milhões de habitantes de Uganda, mais de 2 milhões vivem em<br />
pequenos municípios com escasso fornecimento de água. A maioria tem<br />
renda baixa e a falta de água agrava ainda mais a miséria e aumenta o<br />
risco de doenças. Inicialmente, as reformas relacionadas ao fornecimento<br />
de água e saneamento foram realizadas pelo governo, com a escavação<br />
de poços nos vilarejos de todo o país. Entretanto, em 2003, Uganda<br />
desenvolveu um novo modelo <strong>para</strong> atender às necessidades de água<br />
dos habitantes de baixa renda dos pequenos municípios a partir de uma<br />
parceria público-privada entre o governo, parceiros de desenvolvimento,<br />
agências locais e operadores privados de água. O governo identifica os<br />
locais, realiza perfurações, facilita a compra de terras nas comunidades<br />
e subsidia a instalação. Os operadores privados distribuem a água,<br />
verificam a segurança e recolhem os rendimentos. O conselho de água<br />
de cada comunidade possui seus próprios recursos e estabelece as<br />
tarifas e as políticas. O modelo propiciou o acesso à água a 490.000<br />
habitantes de 57 pequenos municípios através de sistemas inovadores<br />
como quiosques de água operados com moedas. Em 2006, havia 18.944<br />
conexões, com um movimento de vendas em torno de 2 bilhões em<br />
moeda local ($1,2 milhões) por ano. Os operadores também empregam<br />
mais de 800 trabalhadores.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
109
Barclays ’ Susu Collectors Initiative<br />
África Subsaariana > Ghana<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Robert Darko Osei<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O sistema de coleta Susu, praticado na África há mais de três séculos, é<br />
um arranjo informal <strong>para</strong> mobilizar depósitos de poupança dos clientes.<br />
Os operadores coletam, por dia ou por semana, uma parcela prédeterminada<br />
de dinheiro dos seus clientes. Com aproximadamente 4.000<br />
coletores Susu em atividade em Ghana, e cada um deles servindo de 200<br />
a 850 clientes por dia, o sistema de coleta Susu se tornou reconhecido<br />
(embora informal), atendendo a uma necessidade importante.<br />
Em novembro de 2005, o Barclays Bank Ghana ingressou em uma<br />
iniciativa que misturou o serviço bancário tradicional a finanças<br />
modernas, alavancando o sistema de coletas Susu <strong>para</strong> estender os<br />
serviços microfinanceiros aos mais pobres de Ghana – os pequenos<br />
vendedores dos mercados ou os ambulantes que vendem suas<br />
mercadorias na beira da estrada. O caso analisa como a Iniciativa do<br />
Barclays Ghana expandiu o esquema de coleta Susu e causou impacto<br />
através dos seus objetivos corporativos.<br />
Produção de Caju<br />
África Subsaariana > Guiné<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Ousmane Moreau<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Guiné produz aproximadamente 5.000 toneladas de castanha de caju<br />
por ano. Enquanto isso, o seu vizinho, muito menor, a Guiné-Bissau,<br />
com solo e clima similares, produz 80.000 toneladas. Encorajada pela<br />
crescente demanda pelo caju, a Guiné se propôs a expandir a produção da<br />
castanha – já que é um bom candidato <strong>para</strong> expansão, com 80% dos seus<br />
habitantes dependendo da agricultura de subsistência <strong>para</strong> sobreviver. As<br />
condições climáticas do país, o solo fértil e as longas estações de chuvas<br />
são fatores favoráveis <strong>para</strong> a produção de caju de alta qualidade. Agências<br />
internacionais vêm oferecendo apoio técnico e financeiro <strong>para</strong> ajudar os<br />
produtores da Guiné a aumentarem a sua competitividade no mercado<br />
mundial.<br />
Ao longo dos três últimos anos, a Parceria da Aliança <strong>para</strong> o<br />
Desenvolvimento Global, que engloba várias cooperativas de caju do país,<br />
o governo, a Agência Norte-Americana <strong>para</strong> o Desenvolvimento e a Kraft<br />
Foods, vem ajudando os agricultores na Guiné a produzirem e venderem<br />
caju. O objetivo é reduzir a miséria e assegurar um futuro econômico<br />
melhor <strong>para</strong> o país. Os parceiros colaboram com a oferta de apoio técnico<br />
<strong>para</strong> organizações comunitárias. O caso elucida planos ambiciosos:<br />
reabilitação de 1.600 hectares de antigas plantações de caju, cultivo de<br />
12.000 hectares em novas plantações, melhor fornecimento de sementes<br />
e treinamento de 1.600 associações de produtores rurais.<br />
110 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Celtel e Celplay<br />
África Subsaariana > República Democrática do Congo<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Tecnologia de informação e<br />
comunicação/Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Juana de Catheu<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Celtel International – grupo pan-africano líder em comunicações<br />
móveis, com operações em 15 países – começou a atuar na República<br />
Democrática do Congo em 2000, em plena guerra civil. A companhia<br />
enfrentava um mercado cheio de insegurança, miséria, baixa capacitação<br />
humana e incertezas políticas e regulamentares. A infra-estrutura<br />
era insuficiente ou inexistente e não havia redes bancárias. A base de<br />
clientes potenciais parecia ser muito pequena e poucas eram as formas<br />
de alcançá-los. Apesar desses obstáculos a Celtel conseguiu mais de 2<br />
milhões de clientes no país, permitindo que comunidades, previamente<br />
isoladas pela guerra e pela falta de infra-estrutura, tivessem acesso<br />
a facilidades de comunicação e informação. A Celtel também criou a<br />
Celplay – antiga subsidiária da Celtel e agora parte do FirstRand Banking<br />
Group – como um sistema de banco móvel <strong>para</strong> compensar a falta de<br />
uma rede bancária nacional. O caso descreve cada obstáculo e mostra<br />
como a companhia os superou.<br />
Coco Technologies<br />
Ásia e Pacífico > Filipinas<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Elvie Grace Ganchero<br />
Perla Manapol<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Nas Filipinas, o coqueiro é chamado de “a árvore da vida” devido às suas<br />
múltiplas utilizações. O tradicional foco sobre o coco seco e o óleo do<br />
coco, entretanto, deixa os produtores rurais vulneráveis às flutuações do<br />
mercado. Isso os tornou desproporcionalmente pobres: os produtores de<br />
coco somam 4% dos 89 milhões de filipinos, mas constituem 20% da sua<br />
população pobre.<br />
A Coco Technologies (CocoTech), um empreendimento privado, é<br />
pioneira na aplicação da bioengenharia <strong>para</strong> a fabricação de redes<br />
de fibra, extraída da casca de coco, desde 1993. Atualmente, o seu<br />
modelo de negócio colaborativo envolve mais de 6.000 famílias na<br />
tecelagem e manufatura de redes <strong>para</strong> estabilização de encostas e<br />
controle de erosão. Além de fornecer renda suplementar aos produtores<br />
de coco e oportunidades <strong>para</strong> uma vida melhor a membros de famílias<br />
tradicionalmente não produtivas, a Coco Tech oferece soluções baratas e<br />
ambientalmente responsáveis <strong>para</strong> os seus clientes.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
111
Construmex<br />
América Latina e Caribe > México<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional de<br />
país em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Construção/Habitação<br />
Autor(es)<br />
Loretta Serrano<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Construmex, uma iniciativa do gigante da construção no México, a<br />
CEMEX, foi lançada após o sucesso do Patrimonio Hoy, outro programa<br />
de cunho social da empresa que também é voltada <strong>para</strong> os consumidores<br />
de baixa renda. Desde que foi fundada, em 2001, a Construmex já<br />
ajudou mais de 14.000 emigrantes mexicanos nos Estados Unidos a<br />
construir, comprar ou reformar uma casa no México – <strong>para</strong> eles mesmos<br />
ou suas famílias. Atuando como um intermediário entre os emigrantes<br />
mexicanos nos Estados Unidos e seus beneficiários no México, a<br />
Construmex aumenta a eficácia dos investimentos em habitação.<br />
O caso examina os desafios enfrentados pela Construmex ao servir a<br />
mercados de baixa renda e as inovações necessárias <strong>para</strong> superá-los,<br />
incluindo uma variedade de parcerias firmadas <strong>para</strong> executar uma<br />
transação comercial cujo início se deu em um país e o término em outro.<br />
De 2002 a 2006, a Construmex vendeu $12,2 milhões em materiais de<br />
construção. Desde o final de 2005, 200 casas já foram vendidas. 23%<br />
dos clientes da Construmex são mulheres.<br />
Danone<br />
Europa e CEI > Polônia<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Agricultura/Alimentos<br />
Autor(es)<br />
Boleslaw Rok<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Há três anos, a Danone Polônia – fundada em 1992 como parte do<br />
Grupo Danone, líder mundial da indústria alimentícia – desenvolveu<br />
um produto <strong>para</strong> a refeição matinal com alto valor nutritivo <strong>para</strong><br />
crianças e a preços acessíveis <strong>para</strong> os consumidores de baixa renda. O<br />
Milk Start, um mingau a base de semolina e leite, é enriquecido com<br />
vitaminas e sais minerais. A Danone sabia que <strong>para</strong> tornar a iniciativa<br />
financeiramente sustentável era preciso tornar o produto rentável, ou<br />
pelo menos, fazer com que ele cobrisse os custos de desenvolvimento,<br />
fabricação e distribuição. A equipe do projeto estabeleceu parcerias com<br />
uma organização do estado voltada <strong>para</strong> a saúde e nutrição infantil, com<br />
o maior fabricante polonês de produtos instantâneos e o maior varejista<br />
de alimentos do país. Os parceiros se comprometeram a oferecer o<br />
produto pelo menor preço possível e a maior qualidade nutricional.<br />
A colaboração trouxe muitas inovações, incluindo uma embalagem<br />
unitária econômica <strong>para</strong> abaixar os custos de produção e aumentar a<br />
acessibilidade. O Milk Start foi lançado em 2006 e vendeu mais de 1,5<br />
milhões de sachês ao final deste mesmo ano <strong>para</strong> aproximadamente<br />
33.000 famílias com crianças de até 15 anos de idade.<br />
112 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Denmor Garments<br />
América Latina e Caribe > Guiana<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Têxtil<br />
Autor(es)<br />
Melanie Richards<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Desde julho de 1997 a Denmor Garments, Inc. – um fabricante privado<br />
de vestuário em Coldingen, na Guiana – aumentou o seu número de<br />
empregados de 250 <strong>para</strong> mais de 1.000, sendo 98% mulheres de<br />
comunidades rurais pobres. Além de emprego, a Denmor oferece<br />
treinamento e capacitação <strong>para</strong> tirar as mulheres da miséria. Com<br />
soluções inovadoras, ela superou muitos desafios, especialmente<br />
dificuldades relacionadas ao analfabetismo e más condições de<br />
transporte. Atualmente, a Denmor fabrica vestuário <strong>para</strong> marcas<br />
mundialmente renomadas. A empresa ganhou um prêmio de alto<br />
prestígio na indústria pelo seu padrão de qualidade. O caso detalha a<br />
história da Denmor e a inspiradora história do seu fundador, Dennis<br />
Morgan.<br />
DTC Tyczyn<br />
Europa e CEI > Polônia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Tecnologia de informação e<br />
comunicação<br />
Autor(es)<br />
Boleslaw Rok<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
A existência de infra-estrutura em telecomunicações é crucial <strong>para</strong><br />
o desenvolvimento econômico local. A Cooperativa de Telefonia<br />
Distrital Tyczyn começou a operar em um vale da região rural próxima<br />
à fronteira da Ucrânia, unindo os comitês de telefonia dos vilarejos<br />
e as autoridades públicas locais. A Tyczyn, que é um dos primeiros<br />
operadores independentes na Polônia, quebrou o monopólio do estado<br />
<strong>para</strong> o fornecimento de serviços de telecomunicação. O negócio é uma<br />
cooperativa que oferece uma variedade de serviços – melhores e mais<br />
baratos que os dos seus competidores – <strong>para</strong> os clientes aldeões. O<br />
caso ilustra os desafios superados pela Tyczyn ao ajudar a estabelecer<br />
uma sociedade mais inclusiva em uma das regiões mais pobres da<br />
Europa Central e Oriental. A tecnologia de informação e comunicação se<br />
tornou um veículo <strong>para</strong> a mudança das condições de vida dos pobres e<br />
estabeleceu uma nova infra-estrutura social.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
113
Edu-Loan<br />
África Subsaariana > África do Sul<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Farid Baddache<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
Por várias décadas durante o apartheid, as autoridades públicas da<br />
África do Sul negligenciaram a educação da grande maioria da população<br />
do país – hoje denominada como aqueles em “desvantagem histórica”.<br />
Na nova economia sul-africana existe uma grande necessidade de<br />
trabalhadores capacitados e educados <strong>para</strong> sustentar o desenvolvimento.<br />
Mas a educação pós-secundária não é gratuita e boa parte da população<br />
em desvantagem histórica não tem como pagar por esse serviço e<br />
tampouco se qualifica <strong>para</strong> os mé<strong>todos</strong> tradicionais de financiamento.<br />
A Edu-Loan, uma empresa com fins lucrativos, tem o seu foco voltado<br />
exclusivamente <strong>para</strong> empréstimos que visam a educação pós-secundária<br />
e oferece opções simples <strong>para</strong> a quitação da dívida – com taxas acessíveis<br />
– <strong>para</strong> os aplicantes em desvantagem histórica interessados em aprimorar<br />
seus conhecimentos. Desde que iniciou suas atividades, em 1996, a Edu-<br />
Loan financiou os estudos de aproximadamente 400.000 alunos com<br />
empréstimos que totalizam mais de $140 milhões. O impacto social da<br />
empresa é refletido no seu sucesso comercial: a Edu-Loan oferece aos<br />
seus acionistas 30% de retorno sobre o capital investido. O caso examina<br />
como dois empreendedores sociais vislumbraram uma oportunidade<br />
de negócio rentável em um nicho do mercado que também acarretaria<br />
impacto sobre o desenvolvimento humano.<br />
Fair Trade Cotton<br />
África Subsaariana > Mali<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O algodão é uma das culturas comerciais mais antigas do mundo, cultivado<br />
na África por mais de 5.000 anos. Atualmente é a maior fonte de renda<br />
<strong>para</strong> 20 milhões de pessoas e responsável por até 60% dos lucros da<br />
exportação nacional da África Central e Ocidental. Entretanto, desde 1999,<br />
os produtores africanos vêm sofrendo por causa de sucessivas quedas<br />
de preço – sem garantias <strong>para</strong> os agricultores de que o preço de venda<br />
permitirá um retorno sobre o investimento e a recuperação dos custos<br />
de produção. Os produtores africanos estão vulneráveis, muitas vezes<br />
trabalhando com ferramentas ultrapassadas, em terras pertencentes às<br />
suas famílias, e competindo com produtores de países ricos altamente<br />
subsidiados. Dessa forma, os produtores de algodão da África,<br />
normalmente, não obtêm os benefícios do mercado internacional.<br />
Este caso discute as iniciativas de comércio justo (fair trade) que ajudam<br />
os agricultores pobres do Mali a sustentar a sua produção e obter lucros<br />
significativos. O trabalho da Fair-trade Labeling Organization (uma<br />
organização internacional de comércio justo), o seu membro francês, a Max<br />
Havelaar France, e varejistas de vestuário europeus, como a Armor-Lux<br />
da França, destacam o valor do comércio justo tanto <strong>para</strong> os produtores<br />
quanto <strong>para</strong> os consumidores. Graças a um preço mínimo garantido,<br />
implementado como parte do processo de comércio justo, os produtores de<br />
Mali aumentaram as suas rendas em 70% durante a safra de 2005/2006.<br />
114 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Forus Bank<br />
Europa e CEI > Rússia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Boleslaw Rok<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Criado em 2000 pela Opportunity International, organização de apoio às<br />
microfinanças, o Fundo de Suporte ao Microempreendedorismo (FORA)<br />
busca eliminar a miséria na Federação Russa oferecendo a pessoas<br />
economicamente ativas o acesso a pequenos empréstimos que possam<br />
impulsionar os seus negócios. Oferecendo serviços financeiros <strong>para</strong><br />
os excluídos de bancos comerciais, o FORA possibilitou que pessoas<br />
pobres, especialmente mulheres, se tornassem ativos na economia<br />
através do empreendedorismo, geração de renda e capacitação social.<br />
Em 2005, com o crescimento dos negócios, o FORA, juntamente com a<br />
Opportunity International e outros parceiros, criou o FORUS Bank, <strong>para</strong><br />
acessar capital comercial e alcançar mais clientes. O caso demonstra os<br />
desafios da transição de organizações sem fins lucrativos <strong>para</strong> bancos<br />
comerciais no segmento de microfinanças – alguns especificamente na<br />
Rússia, outros de relevância mundial.<br />
Huatai<br />
Ásia e Pacífico > China<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Outros<br />
Autor(es)<br />
Donghui Shi<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em 2000, a Huatai Paper Company Ltda., maior fabricante de papel de<br />
jornal da China, lançou uma nova estratégia <strong>para</strong> substituir a celulose<br />
tradicional pela celulose de palha. O segredo foi mobilizar os produtores<br />
locais <strong>para</strong> o plantio de árvores de rápido crescimento. Os produtores<br />
recebem apoio da Huatai e do governo local através de tecnologia,<br />
educação e irrigação. Aproximadamente 6.000 famílias já participam,<br />
plantando 40.000 hectares de árvores de rápido crescimento e gerando<br />
uma nova fonte significativa de renda. Ao mesmo tempo, o negócio de<br />
papel de jornal da Huatai cresce enquanto o seu impacto ambiental<br />
diminui assim como a volatilidade dos preços de importação de celulose.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
115
Integrated Tamale Fruit Company<br />
África Subsaariana > Ghana<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Robert Darko Osei<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Companhia Integrada Tamale Fruit – que opera no distrito de Savelugu-<br />
Nanton, na região norte de Ghana, uma área extremamente pobre – cultiva<br />
mangas orgânicas certificadas <strong>para</strong> o mercado local e <strong>para</strong> exportação.<br />
Para aumentar o seu poder no mercado de exportação com maior volume<br />
de produção, a companhia estabeleceu um modelo de negócios que inclui<br />
os produtores locais. Em vez de adquirir grande quantidade de terras – o<br />
que seria inviável tanto fisicamente quanto financeiramente – a Tamale<br />
Fruit produz grandes volumes através de um esquema de terceirização,<br />
que começou em 2001 e atualmente conta com 1.300 produtores<br />
terceirizados. Cada um possui uma propriedade de aproximadamente um<br />
acre, com cerca de 100 mangueiras que suplementam uma propriedade<br />
núcleo de 160 acres. A companhia oferece um empréstimo sem juros <strong>para</strong><br />
os terceirizados que inclui insumos e serviços técnicos; os produtores<br />
rurais começam a pagar o empréstimo somente quando as árvores dão<br />
frutos. Esse arranjo permite que a companhia forneça um grande e estável<br />
volume de mangas orgânicas de qualidade e também que os agricultores<br />
produzam com uma perspectiva de renda de longo prazo. Os lucros da<br />
propriedade núcleo deverão alcançar $1 milhão em 2010. O caso examina<br />
os maiores desafios do esquema de terceirização e as suas implicações<br />
<strong>para</strong> os negócios da companhia.<br />
Juan Valdez<br />
América Latina e Caribe > Colômbia<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Luis Felipe Avella Villegas<br />
Loretta Serrano<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O plantio do café é um meio de vida <strong>para</strong> mais de 566.000 produtores<br />
colombianos associados à Federação Nacional de Produtores de Café<br />
da Colômbia. Cerca de 90% destes produtores de café são de pequeno<br />
porte, com plantações de menos de 5 hectares. Estima-se que 2 milhões<br />
de colombianos dependem diretamente da produção de café. Durante<br />
décadas o mercado de café enfrenta crises devido à instabilidade dos<br />
preços internacionais, com repercussões significativas sobre a qualidade<br />
de vida dos pequenos produtores rurais e suas famílias. O personagem<br />
Juan Valdez – criado em 1959 <strong>para</strong> posicionar o café colombiano<br />
mundialmente, especialmente nos Estados Unidos – foi relançado em<br />
2002, juntamente com a inauguração das Lojas de Café Juan Valdez,<br />
como parte de uma iniciativa da Federação Nacional de Produtores de<br />
Café <strong>para</strong> aumentar os lucros dos produtores, incorporando as vendas<br />
diretas ao seu modelo comercial. Em 2006, a companhia já operava<br />
57 lojas de café na Colômbia, Estados Unidos e Espanha, com vendas<br />
alcançando os $20 milhões.<br />
O caso explora o modelo de negócios inclusivos e sustentáveis das<br />
Lojas Juan Valdez – com uma cadeia de valor atrelada ao comércio justo<br />
que conecta comunidades de produtores, empresas, consumidores e<br />
organizações intermediárias. O caso também analisa os maiores desafios,<br />
inovações e resultados, bem como as possíveis adaptações <strong>para</strong> expandir<br />
e consolidar o negócio.<br />
116 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
K-REP Bank<br />
África Subsaariana > Quênia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Winifred N. Karugu<br />
Diane Nduta Kanyagia<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O K-REP Bank, que começou a operar em 1999, já está entre as mais<br />
bem-sucedidas instituições de microfinanças. O banco oferece produtos<br />
e serviços diversos, incluindo facilidades de microcrédito <strong>para</strong> pessoas<br />
de baixa renda, empréstimos individuais, empréstimos por atacado<br />
<strong>para</strong> fornecedores de microcrédito, facilidades <strong>para</strong> depósitos, cartas de<br />
crédito e garantias bancárias. Os empréstimos de microcrédito, baseados<br />
no modelo do Gramreen Bank, são classificados em três categorias.<br />
Os grupos progridem ao longo das categorias até estarem pre<strong>para</strong>dos<br />
<strong>para</strong> os empréstimos bancários comerciais. O K-REP concedeu 69.000<br />
empréstimos em 2005, indicando um desempenho financeiro satisfatório e<br />
um retorno sobre o patrimônio entre 4% e 12%. O caso destaca os desafios<br />
desse modelo e as inovações usadas pelo K-REP Bank <strong>para</strong> lidar com eles.<br />
Ele também apresenta o perfil de alguns dos consumidores típicos do<br />
banco.<br />
Lafarge<br />
Ásia e Pacífico > Indonésia<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Construção/Habitação<br />
Autor(es)<br />
Farid Baddache<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
A Lafarge, líder mundial em materiais de construção, emprega 80.000<br />
pessoas em 76 países e apresentou vendas de mais de 18 bilhões em<br />
2005. Há muito tempo a empresa atua na Indonésia, mas o tsunami de<br />
dezembro de 2004 devastou a região de Banda Aceh, onde a Lafarge<br />
opera uma fábrica de cimento. O cimento, um produto de baixo valor<br />
agregado, é lucrativo apenas se vendido próximo de onde é extraído – e,<br />
portanto, inseparável das realidades sócio-econômicas locais. Quando<br />
12.000 pessoas morreram na comunidade próxima à fábrica da Lafarge,<br />
a companhia perdeu 193 dos seus 635 empregados. A fábrica parecia<br />
estar arruinada. Esse caso analisa as inovações que foram necessárias<br />
<strong>para</strong> a reestruturação das operações da firma e <strong>para</strong> a reconstrução<br />
da comunidade. É uma história sobre a busca desafiadora de atender a<br />
interesses estratégicos de curto e longo prazo.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
117
LYDEC<br />
Estados Árabes > Marrocos<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Energia, água e saneamento<br />
Autor(es)<br />
Tarek Hatem<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em 1997, as autoridades marroquinas escolheram a LYDEC, um<br />
consórcio do setor privado e subsidiária da SUEZ Environment, <strong>para</strong><br />
administrar as redes de eletricidade, água e saneamento de Casablanca,<br />
sob a supervisão geral da Iniciativa Nacional <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Humano. O objetivo do contrato de 30 anos era fornecer acesso<br />
a serviços essenciais – eletricidade, água e saneamento – <strong>para</strong> os<br />
habitantes de Casablanca, incluindo os pobres que habitam as favelas e<br />
assentamentos ilegais. A LYDEC aumentou significativamente o número<br />
de pessoas com acesso a serviços de eletricidade e água através da<br />
parceria com o governo e do trabalho em conjunto com os usuários<br />
locais, gerido por uma rede de representantes de rua.<br />
Manila Water Company<br />
Ásia e Pacífico > Filipinas<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional de<br />
país em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Água/Saneamento<br />
Autor(es)<br />
Jane Comeault<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
Desde quando iniciou suas operações, em 1997, a Manila Water<br />
Company Incorporated – uma concessionária de água e esgoto da<br />
zona de serviço oeste da Metro Manila – já conectou mais de 140.000<br />
moradias de baixa renda ao sistema de água encanada e forneceu acesso<br />
à água limpa a mais de 860.000 pessoas. Paralelamente, a Manila<br />
Water melhorou os serviços de água e saneamento em toda a sua área<br />
de serviço, aumentando a cobertura, a confiabilidade, o serviço ao<br />
consumidor e a qualidade da água. O caso examina, particularmente,<br />
os desafios e as oportunidades do fornecimento de água e serviços de<br />
saneamento <strong>para</strong> os pobres urbanos e as abordagens inovadoras da<br />
Manila Water <strong>para</strong> expandir a sua cobertura.<br />
118 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Mibanco<br />
América Latina e Caribe > Peru<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Pedro Franco<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O Mibanco, uma instituição de microfinanças, com 74 agências<br />
espalhadas pelo país, foi o primeiro banco comercial no Peru, e o<br />
segundo na América Latina, a fornecer serviços financeiros <strong>para</strong> famílias<br />
de baixa renda e <strong>para</strong> pequenas e microempresas. Desde quando<br />
começou a operar em 1998, o Mibanco já concedeu mais de $1,6 bilhões<br />
em empréstimos, em quantias que vão de $100 a $1.500. Sediado<br />
inicialmente em Lima, o Mibanco espalhou-se por todo o país, inclusive<br />
<strong>para</strong> áreas rurais. Reagindo à crescente competição no mercado de<br />
baixa renda, o Mibanco continua a oferecer novos produtos de crédito. A<br />
instituição apresenta um balanço positivo, com 23,2% de retorno sobre<br />
o patrimônio e uma receita de mais de $5 milhões em 2002. O caso<br />
examina os desafios encontrados pelo Mibanco ao oferecer crédito <strong>para</strong><br />
pessoas que nunca tiveram acesso a serviços bancários formais – e as<br />
inovações que contribuíram <strong>para</strong> o seu sucesso.<br />
Money Express<br />
África Subsaariana > Senegal<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Ousmane Moreau<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O Grupo Chaka, criado em 1994 pelo empreendedor senegalês Meissa<br />
Deguene Ngom, compreende três unidades: a Chaka Computer, o Call Me<br />
e o Money Express. O caso é focado no Money Express e em como ele<br />
beneficia os pobres. Desde a sua criação, o objetivo do Money Express<br />
era ser o líder do mercado de serviços de transferências e remessas <strong>para</strong><br />
os imigrantes do oeste da África na Europa e nos Estados Unidos. Para<br />
enviar dinheiro do exterior, os clientes do Money Express precisam apenas<br />
de um passaporte Senegalês ou do oeste da África. A empresa, que tem<br />
agências espalhadas pelas áreas rurais e urbanas, trabalha em parceria<br />
com redes de bancos menores nos vilarejos do oeste da África. O Money<br />
Express ajuda os receptores a receber o dinheiro através de agentes, que<br />
muitas vezes vão de porta em porta <strong>para</strong> entregar as remessas aos mais<br />
velhos, que não podem sair de suas casas com facilidade. Para muitos dos<br />
clientes que não possuem identificação necessária <strong>para</strong> abrir contas em<br />
bancos comuns, essa é uma proposta de grande valia. Além disso, vários<br />
bancos não possuem a infra-estrutura <strong>para</strong> entregar os fundos em áreas<br />
rurais. O caso descreve como o Money Express rapidamente expandiu-se<br />
pelo oeste da África graças ao seu modelo de negócios de baixo custo, ao<br />
conhecimento do mercado africano e à ênfase no serviço ao cliente e no<br />
desenvolvimento e treinamento dos seus empregados.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
119
M-PESA<br />
África Subsaariana > Quênia<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional de<br />
país em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Serviços financeiros/Tecnologia<br />
de informação e comunicação<br />
Autor(es)<br />
Winifred N. Karugu<br />
Triza Mwendwa<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
O Quênia possui menos de 2 milhões de contas bancárias <strong>para</strong> 32<br />
milhões de pessoas. Para mudar esse quadro, o Safaricom Kenya, um<br />
dos dois fornecedores de serviços móveis do Quênia, desenvolveu uma<br />
solução tecnológica em parceria com a Vodafone. O resultado foi o<br />
M-PESA, um produto de transferência eletrônica de dinheiro <strong>para</strong> tornar<br />
as transferências financeiras mais rápidas, baratas e seguras. O M-PESA<br />
permite que indivíduos e empresas transfiram fundos através do serviço<br />
de mensagens curtas dos aparelhos celulares. Retiradas de dinheiro ou<br />
depósitos são disponibilizados em pontos de varejo <strong>para</strong> o pagamento<br />
de bens e serviços. Após o seu lançamento bem-sucedido em 2005, a<br />
Safaricom planeja recrutar mais instituições financeiras e varejistas <strong>para</strong><br />
o sistema e expandir a iniciativa <strong>para</strong> outros países em desenvolvimento.<br />
MT. Plaisir Estate Hotel<br />
América Latina e Caribe > Trinidad e Tobago<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Ecoturismo<br />
Autor(es)<br />
Melanie Richards<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O MT. Plaisir Estate Hotel é um refúgio idílico <strong>para</strong> o ecoturista e<br />
o primeiro do gênero na Grand Rivière, na costa norte de Trinidad.<br />
Durante os seus 14 anos de operação, o hotel ajudou a transformar um<br />
vilarejo rural pobre em uma vibrante e auto-sustentável comunidade.<br />
Ao mesmo tempo, o hotel aumentou os seus lucros entre 1995 e 2001,<br />
alcançando a marca de $238.000 em 2001. O caso ilustra o histórico<br />
da organização, os desafios enfrentados e as oportunidades criadas ao<br />
construir um negócio viável, capacitando e treinando uma comunidade<br />
<strong>para</strong> se tornar auto-suficiente e sustentável. Ele também destaca a<br />
inspiradora história do seu fundador, Piero Guerrini.<br />
120 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Narayana Hrudayalaya<br />
Ásia e Pacífico > Índia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Prabakar Kothandaraman<br />
Sunita Mookerjee<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Grande parte da sociedade indiana não tem acesso aos serviços básicos<br />
de saúde porque não pode pagar por eles. Seguro saúde, especialmente<br />
<strong>para</strong> os pobres, é algo inexistente. Em 2001, Devi Shetty fundou o<br />
Narayana Hrudayalaya, um hospital de cardiologia nas redondezas de<br />
Bengaluru. A sua missão, impulsionada pela convicção de Shetty de que<br />
os pobres necessitam de saúde <strong>para</strong> que o país possa crescer, é fornecer<br />
cuidados cardíacos de última geração <strong>para</strong> os pobres – alavancando a<br />
tecnologia, modernizando os serviços e estendendo seguros de saúde<br />
inovadores. O hospital jamais nega serviço a pacientes que não podem<br />
pagar. Mesmo assim, tem um lucro impressionante de 20% – antes do<br />
pagamento de juros, impostos e depreciação – que é maior do que o<br />
lucro do principal hospital de mesmo porte no país.<br />
Natura<br />
América Latina e Caribe > Brasil<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Cláudio Boechat<br />
Roberta Mokrejs Paro<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em 2000, a Natura, empresa brasileira de cosméticos, lançou uma<br />
estratégia <strong>para</strong> utilizar matérias-primas extraídas da natureza como<br />
plataforma <strong>para</strong> os seus produtos. Para aumentar a produção local<br />
e garantir a extração sustentável, a empresa criou um novo modelo<br />
de negócios, envolvendo pequenas comunidades, organizações<br />
não-governamentais e governos na promoção do desenvolvimento<br />
local sustentável. Todas as partes envolvidas acordaram, de forma<br />
transparente, uma margem de lucro de 15%-30%. A Natura criou o<br />
programa <strong>para</strong> diferenciar a sua marca no mercado.<br />
A filosofia da Natura é maximizar os benefícios, simultaneamente, <strong>para</strong><br />
o meio ambiente natural, <strong>para</strong> as comunidades e <strong>para</strong> a empresa. Como<br />
parte do seu compromisso com a responsabilidade social, a Natura<br />
estabeleceu relações com as comunidades rurais que extraem a matériaprima<br />
da biodiversidade brasileira tornando-as fornecedoras. Em 2003,<br />
três comunidades do Pará – Campo Limpo, Boa Vista e Cotijuba –<br />
começaram a produzir priprioca, um capim cujas raízes possuem uma<br />
fragrância rara e delicada. O sucesso do negócio possibilitou, em 2006,<br />
a construção de uma nova unidade industrial da Natura <strong>para</strong> a produção<br />
de sabonete.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
121
Nedbank e RMB/FirstRand<br />
África Subsaariana > África do Sul<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Farid Baddache<br />
Objetivo de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingido<br />
Após décadas de violência, segregação e desigualdade durante o apartheid,<br />
a África do Sul esforçou-se de forma significativa <strong>para</strong> trazer igualdade<br />
e estabilidade através de mudanças estruturais na sua economia. Dois<br />
bancos do país, o Rand Merchant Bank e o Nedbank, estão desenvolvendo<br />
produtos financeiros inovadores, voltados <strong>para</strong> o mercado imobiliário de<br />
baixa renda da África do Sul. Os dois projetos, apresentados ao público<br />
em 2007, estão alinhados com o Voluntary Financial Services Charter,<br />
uma estratégia de capacitação econômica <strong>para</strong> os negros criada pelo<br />
setor privado com o apoio do governo. O Rand Merchant Bank financia<br />
programas de habitação de baixo custo que favorecem a diversidade social<br />
nas áreas provincianas. O Nedbank disponibiliza hipotecas <strong>para</strong> indivíduos<br />
de baixa renda. Ambos estão em busca de um mercado que, antes, era<br />
negligenciado – com pessoas antes consideradas pobres demais <strong>para</strong> se<br />
qualificar <strong>para</strong> empréstimos imobiliários tradicionais, mas qualificadas<br />
<strong>para</strong> receber apoio público do governo <strong>para</strong> obtenção de moradia. O caso<br />
examina o desenvolvimento dos dois produtos financeiros, incluindo as<br />
barreiras encontradas e inovações necessárias <strong>para</strong> superá-las, e também<br />
os resultados esperados, lições aprendidas e oportunidades futuras <strong>para</strong><br />
crescimento no mercado imobiliário de baixa renda.<br />
New Tirupur Area Development Corp. Ltd. (NTADCL)<br />
Ásia e Pacífico > Índia<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Água/Saneamento<br />
Autor(es)<br />
Prabakar Kothandaraman<br />
K. Kumar<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em Tirupur, um pequeno município no sudeste de Tamil Nadu,<br />
descargas de efluentes da indústria têxtil poluíram a água subterrânea.<br />
Nos dias de hoje, a água é rara tanto <strong>para</strong> a indústria quanto <strong>para</strong> os<br />
habitantes locais. Como o sistema de fornecimento de água do estado<br />
não era suficiente <strong>para</strong> atender à crescente demanda, o governo de<br />
Tamil Nadu buscou parcerias privadas <strong>para</strong> ajudá-lo nos investimentos,<br />
na engenharia e nos desafios operacionais. Com o apoio de companhias<br />
especializadas em financiamento, engenharia, aquisição e construção,<br />
o governo formou um conglomerado com novos propósitos, o The New<br />
Tirupur Area Development Corporation, LTD. A nova companhia assinou<br />
um acordo de concessão de 30 anos com o governo que inclui 20% de<br />
retorno esperado sobre o investimento. O caso destaca a composição<br />
sofisticada de múltiplos stakeholders da companhia e detalha a sua<br />
inovadora estrutura tarifária, que usa a receita industrial <strong>para</strong> subsidiar<br />
os custos <strong>para</strong> os consumidores de baixa renda.<br />
122 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
PEC Luban<br />
Europa e CEI > Polônia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Energia<br />
Autor(es)<br />
Boleslaw Rok<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A PEC Luban, uma companhia que fornece aquecimento em Luban, na<br />
Polônia, começou a usar palha <strong>para</strong> gerar calor no final de 1990. Isso<br />
gerou uma redução significativa das emissões nocivas provenientes da<br />
queima de combustíveis tradicionais como o carvão. Usando a palha –<br />
uma fonte renovável de energia, gerada a partir da biomassa produzida<br />
localmente – a PEC Luban também aumentou a demanda dos produtores<br />
rurais locais. A biomassa <strong>para</strong> energia, que necessita de muita mão-deobra,<br />
cria pelo menos 20 vezes mais empregos do que qualquer outra<br />
forma de energia. Os resultados competitivos são encorajadores: em<br />
2004/2005, o preço do aquecimento <strong>para</strong> os clientes da PEC Luban era<br />
aproximadamente 5% menor do que a média cobrada por outras firmas<br />
que usavam apenas carvão. O caso detalha as mudanças administrativas<br />
e os mé<strong>todos</strong> de análise de custos da companhia, os quais foram<br />
necessários <strong>para</strong> a transição com operações mais sustentáveis e<br />
inclusivas. Ele oferece um exemplo de superação de desafios técnicos<br />
<strong>para</strong> atender às necessidades energéticas de forma sustentável e apoiar<br />
a comunidade local.<br />
Pésinet<br />
África Subsaariana > Mali e Senegal<br />
Tipo de empresa<br />
Organização sem fins<br />
lucrativos<br />
Setor<br />
Saúde/Tecnologia de informação<br />
e comunicação<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Pésinet, criada em 2002 pela Iniciativas de Bruxelas <strong>para</strong> a África,<br />
consiste em um método de aviso prévio <strong>para</strong> monitorar as condições de<br />
saúde das crianças de famílias de baixa renda. O seu conceito é simples: as<br />
mães inscrevem-se nos serviços da Pésinet através de uma taxa nominal<br />
e os representantes da organização pesam os seus filhos duas vezes<br />
por semana. Os resultados são transmitidos através de tecnologias de<br />
informação e comunicação <strong>para</strong> um médico local, que avalia o quadro<br />
de pesagem e, caso o peso da criança apresente quedas anômalas, um<br />
tratamento médico é recomendado; a mãe é então chamada, juntamente<br />
com a criança, <strong>para</strong> o tratamento. Implementado originalmente em Saint<br />
Louis, no Senegal, o projeto não alcançou a sustentabilidade financeira<br />
necessária. Mas as lições aprendidas e soluções inovadoras do modelo<br />
de negócio – incluindo parcerias estratégicas e melhoramentos técnicos<br />
e financeiros – ajudaram a Pésinet a se relançar com sucesso no Mali em<br />
2007, beneficiando centenas de crianças.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
123
Petstar<br />
América Latina e Caribe > México<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Tratamento de lixo<br />
Autor(es)<br />
Luis Enrique Portales Derbez<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em Toluca, no México, a Promotora Ambiental (unidade da Petstar), firma<br />
mexicana de serviços ambientais, irá construir e operar uma instalação<br />
de reciclagem de garrafas de plástico que converterá as garrafas PET<br />
pós-consumo em embalagens <strong>para</strong> produtos alimentares através de uma<br />
tecnologia que, até então, é usada apenas em países desenvolvidos. As<br />
garrafas PET descartadas e recicladas pela fábrica irão reduzir o volume<br />
de lixo sólido gerado no México e o consumo de novas garrafas PET.<br />
Espera-se que a fábrica aumente as vendas da Petstar em 50%, <strong>criando</strong><br />
63 empregos diretos locais e oferecendo renda <strong>para</strong> aproximadamente<br />
25.000 pessoas ao longo da cadeia de suprimentos. A Petstar está<br />
desenvolvendo um plano de engajamento social voltado especificamente<br />
<strong>para</strong> a questão da coleta individual nos depósitos de lixo, onde os<br />
trabalhadores de reciclagem labutam em condições precárias. O plano<br />
visa impactar, sobretudo, na redução do trabalho infantil dentro da cadeia<br />
de fornecimento. Ao reciclar as garrafas e torná-las reutilizáveis, o projeto<br />
irá apoiar a melhoria da gestão do lixo no México.<br />
Procter & Gamble<br />
Várias regiões<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Água<br />
Autor(es)<br />
Farid Baddache<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a água potável é uma<br />
das maiores necessidades do mundo. Mais de 1 bilhão de pessoas não<br />
têm acesso a ela e estima-se que 1,8 milhões de crianças morrem <strong>todos</strong><br />
os anos por causa de doenças e diarréias causadas por água contaminada.<br />
O Instituto de Ciências de Saúde Procter & Gamble, em colaboração com<br />
os Centros Norte-Americanos de Prevenção e o Controle de Doenças,<br />
desenvolveu o Purifier of Water (PUR), um produto de baixo custo e fácil<br />
utilização <strong>para</strong> purificar a água. Lançado em 2000, esse pó inovador,<br />
vendido em sachês individuais, reduz a ocorrência de bactérias patogênicas.<br />
O resultado: água <strong>para</strong> beber que atende aos padrões da Organização<br />
Mundial da Saúde.<br />
Após uma série de tentativas em vão de transformar essa inovação<br />
em um empreendimento com fins lucrativos em vários países em<br />
desenvolvimento, a P&G está agora promovendo o produto como uma<br />
iniciativa de responsabilidade social corporativa. Até 2007, 57 milhões<br />
de sachês já haviam sido vendidos <strong>para</strong> organizações humanitárias, com<br />
empreendedores locais fazendo a distribuição de forma lucrativa. A<br />
iniciativa também trás <strong>para</strong> a P&G um forte know-how na esfera pública<br />
e uma experiência que irá ajudar a empresa a vender seus produtos nos<br />
mercados de renda mais alta.<br />
124 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Rajawali Express Taxi<br />
Ásia e Pacífico > Indonésia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Transporte<br />
Autor(es)<br />
Elvie Grace A. Ganchero<br />
Chrysanti Hasibuan-Sedyono<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A crise financeira asiática de 1997 provocou um aumento expressivo do<br />
índice de desemprego na Indonésia, forçando as empresas a demitirem<br />
1,4 milhões de trabalhadores. Uma década mais tarde, o desemprego<br />
continuava a subir e a pobreza passou a dominar o contexto da economia,<br />
das relações sociais e da segurança na Indonésia. A Express Taxi, uma<br />
subsidiária do conglomerado Rajawali, e segunda maior operadora<br />
de táxis do país, lançou um programa de compra de táxis em que os<br />
taxistas conseguem, através de um esquema de arrendamento, tornar-se<br />
proprietários dos veículos. A Express Taxi usa a sua reputação e recursos<br />
próprios <strong>para</strong> garantir os empréstimos. Os motoristas são beneficiados ao<br />
receber uma renda maior. A empresa lucra com os taxistas, que cuidam<br />
dos veículos de forma responsável e permitem um fluxo de caixa mais<br />
equilibrado. A comunidade beneficia-se com taxistas que dirigem de<br />
forma mais segura, já que são donos dos próprios carros e têm acesso a<br />
cursos de direção segura oferecidos pela empresa. O caso destaca como<br />
uma empresa pode ajudar no combate à pobreza firmando parcerias<br />
de benefício mútuo com empregados de comunidades urbanas e rurais<br />
pobres.<br />
RiteMed (UniLab)<br />
Ásia e Pacífico > Filipinas<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional de país<br />
em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Elvie Grace A. Ganchero<br />
Christina V. Pavia<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O preço de mercado dos medicamentos nas Filipinas está entre os<br />
mais elevados do mundo – 40% a 70% mais do que os preços de países<br />
vizinhos, de acordo com o Departamento de Saúde das Filipinas. Alguns<br />
medicamentos chegam a custar 10 vezes mais nas Filipinas do que em<br />
outros países. Operando desde 1945, a United Laboratories, Inc. (UniLab)<br />
é a mais antiga companhia farmacêutica das Filipinas e até hoje uma<br />
das maiores. Aproveitando a oportunidade <strong>para</strong> apoiar a campanha<br />
governamental que visa disponibilizar medicamentos a preços mais baixos,<br />
a UniLab criou, em 2002, o RiteMed, uma subsidiária com a missão de<br />
comercializar e distribuir medicamentos genéricos de qualidade <strong>para</strong> os<br />
pobres. A empresa vende produtos genéricos de 20% a 75% mais baratos<br />
que os seus equivalentes de marca, obtendo lucros de $20 milhões em<br />
apenas cinco anos. O caso explora as tensões sociais, legais e estratégicas<br />
que acompanharam a iniciativa e as soluções <strong>para</strong> superá-las.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
125
Rural Electrification<br />
África Subsaariana > Mali<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Energia<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Apenas 10% dos 12 milhões de habitantes do Mali têm acesso à<br />
eletricidade. Essa facilidade é ainda mais precária nas áreas rurais –<br />
com apenas 2%-3% – onde os utensílios e aparelhos funcionam por<br />
meio de baterias de carros e a iluminação é possível com lâmpadas de<br />
querosene. Velas também são usadas <strong>para</strong> a iluminação no dia-a-dia.<br />
A Koraye Kurumba e a Yeelen Kura são duas empresas de serviços de<br />
energia rural que operam no Mali através da Électricité de France – em<br />
parceria com a NUON, companhia de energia alemã, e a francesa TOTAL,<br />
com apoio da Agência Francesa de Eficiência Energética e Ambiental. O<br />
fornecimento de eletricidade de baixo custo dessas empresas, baseado<br />
em sistemas fotovoltaicos domiciliares ou microredes de baixa voltagem<br />
abastecidas por geradores a diesel, desencadeou um grande impacto<br />
sobre o desenvolvimento. Além de melhorar os padrões de vida da<br />
população, novas atividades geradoras de renda foram desenvolvidas.<br />
O acesso à eletricidade também melhorou a qualidade dos serviços de<br />
saúde e educação. Com o apoio de uma nova estrutura institucional e de<br />
doadores internacionais, o modelo –criado <strong>para</strong> assegurar lucratividade,<br />
sustentabilidade e propriedade local – será expandido <strong>para</strong> além dos 24<br />
vilarejos e 40.000 habitantes já atendidos atualmente.<br />
Sadia<br />
América Latina e Caribe > Brasil<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional de<br />
país em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Cláudio Boechat<br />
Nísia Werneck<br />
Letícia Miraglia<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Sadia, um dos maiores produtores de alimentos congelados do mundo,<br />
é líder de mercado no Brasil, com mais de 600 produtos nos segmentos<br />
de carnes, massas, margarinas e sobremesas. A empresa também é<br />
a maior exportadora de produtos de carne do país. O Programa de<br />
Suinocultura Sustentável Sadia foi criado <strong>para</strong> reduzir as emissões de gases<br />
do efeito estufa dos mais de 3.500 produtores presentes na cadeia de<br />
fornecimento da empresa e <strong>para</strong> qualificar essa redução <strong>para</strong> o Mecanismo<br />
de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, visando à venda dos<br />
créditos de carbono. O programa busca trazer sustentabilidade <strong>para</strong> a<br />
cadeia de fornecimento da Sadia oferecendo receita complementar através<br />
da comercialização dos créditos de carbono e da melhoria das condições<br />
de trabalho <strong>para</strong> os suinocultores. O caso detalha o uso de tecnologia<br />
inovadora e as idéias visionárias do projeto <strong>para</strong> capitalizar créditos<br />
comercializáveis a partir de novas transações de mercado.<br />
126 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Sanofi-aventis<br />
África Subsaariana<br />
Tipo de empresa<br />
Corporação multinacional<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Robert Darko Osei<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em 2001, a Sanofi-aventis, maior companhia farmacêutica da Europa e<br />
a quarta maior do mundo, deu início a uma parceria com a Organização<br />
Mundial da Saúde <strong>para</strong> combater a doença do sono e outras doenças que<br />
afetam as populações mais pobres do mundo. As primeiras conversas com<br />
a Organização Mundial da Saúde mostraram que uma simples doação<br />
de medicamentos não seria o suficiente. Apenas uma ação combinada<br />
– de doação de medicamentos, subsídios <strong>para</strong> custear programas<br />
de distribuição e mais pesquisas e desenvolvimento <strong>para</strong> melhorar<br />
tratamentos e diagnósticos – poderia criar um cenário favorável <strong>para</strong><br />
o controle da doença do sono. Ao longo dos cinco primeiros anos, 36<br />
países africanos beneficiaram-se com essa parceria. Aproximadamente<br />
110.000 vidas foram salvas. O caso examina os desafios específicos e as<br />
oportunidades que surgiram <strong>para</strong> a parceria e as inovações que tornaram<br />
a iniciativa viável. O caso demonstra, sobretudo, o papel de liderança que<br />
uma empresa privada como a Sanofi-aventis pode desempenhar ao aplicar<br />
o seu know-how e os seus recursos.<br />
SEKEM<br />
Estados Árabes > Egito<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Tarek Hatem<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Após viver na Áustria por 21 anos, Ibrahim Abouleish voltou <strong>para</strong> o seu<br />
país, o Egito, <strong>para</strong> fazer algo a respeito das dificuldades que observou<br />
durante as suas visitas. Em 1977, ele fundou a iniciativa Sekem <strong>para</strong><br />
promover o desenvolvimento social e ambiental através de atividades<br />
econômicas e culturais. O grupo Sekem compreende oito negócios: a Libra,<br />
voltada <strong>para</strong> atividades agrícolas, a Mizan, <strong>para</strong> sementes orgânicas, a<br />
Hator, <strong>para</strong> frutas e verduras frescas, a Lótus <strong>para</strong> ervas e condimentos, a<br />
Isis <strong>para</strong> alimentos e bebidas orgânicas (pães, laticínios, óleos, temperos<br />
e chás), a Conytex, <strong>para</strong> a produção de algodão orgânico e fabricação de<br />
tecidos, a Atos, <strong>para</strong> produtos farmacêuticos, e a Ecoprofit (ainda em fase<br />
de desenvolvimento) <strong>para</strong> a gestão sustentável. Os esforços da Sekem<br />
contribuíram muito– no âmbito econômico, social e cultural – <strong>para</strong> a<br />
comunidade egípcia. Com 2.000 empregados e 850 produtores rurais de<br />
pequeno porte terceirizados, a Sekem introduziu a agricultura orgânica<br />
em cerca de 3.500 hectares de terra em 2005, beneficiando diretamente<br />
25.000 pessoas. O caso detalha cada unidade operacional e o seu impacto<br />
no contexto da iniciativa.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
127
SIWA<br />
Estados Árabes > Egito<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Ecoturismo<br />
Autor(es)<br />
Tarek Hatem<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em 1998, a firma de consultoria ambiental EQI, sediada no Cairo, começou<br />
a investir no oásis egípcio de Siwa, através de uma série de iniciativas<br />
comunitárias. A Iniciativa Siwa de Desenvolvimento Sustentável, liderada<br />
pelo setor privado, promove a contratação de trabalhadores locais,<br />
aplicando sistemas tradicionais de construção e gestão ambiental e<br />
utilizando matéria-prima local. Em Siwa, o portfólio de empreendimentos<br />
da EQI inclui três chalés, um programa de artesanato local, a produção<br />
e o cultivo orgânico e projetos artísticos comunitários. Atualmente, 75<br />
habitantes de Siwa são empregados em tempo integral nas empresas da<br />
EQI e, em geral, surgem a cada mês 310 oportunidades de geração de<br />
renda <strong>para</strong> a comunidade. O caso destaca os desafios e as oportunidades<br />
criadas por vários programas que visam amenizar a miséria, melhorar as<br />
condições de vida e atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.<br />
Smart Communications<br />
Ásia e Pacífico > Filipinas<br />
Tipo de Empresa<br />
Corporação multinacional de<br />
país em desenvolvimento<br />
Setor<br />
Tecnologia de informação e<br />
comunicação/Serviços financeiros<br />
Autor(es)<br />
Elvie Grace Ganchero<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A Smart Communications Inc., líder em serviços de telefonia móvel nas<br />
Filipinas, observou que cerca de 8 milhões de filipinos trabalham e vivem<br />
no exterior – o que corresponde a um quarto da mão-de-obra doméstica.<br />
Em 2005, os trabalhadores filipinos no exterior enviaram $10,7 milhões<br />
em remessas. De acordo com estimativas, pelo menos a mesma quantia<br />
foi enviada através de canais informais. Como conseqüência, a Smart foi<br />
pioneira em criar formas mais baratas, rápidas e convenientes de enviar<br />
remessas usando a tecnologia de serviço de mensagens curtas (SMS). Essa<br />
e outras inovações permitem à Smart atender trabalhadores pobres no<br />
exterior e suas famílias, com baixos custos <strong>para</strong> transferências de dinheiro,<br />
entre 1%-8%, com<strong>para</strong>dos às taxas de 10%-35% dos outros bancos.<br />
Trabalhadores no exterior passam a ter mais renda líquida, maximizando<br />
o seu poder de compra <strong>para</strong> alimentar, vestir, educar e fornecer moradia<br />
<strong>para</strong> milhões de famílias filipinas. Para a Smart, os rendimentos de $6<br />
milhões em 2006 encorajaram uma estratégia mais abrangente <strong>para</strong><br />
atender a população de baixa renda, acelerando o seu notável crescimento,<br />
que passou de 191.000 inscritos em 1999 <strong>para</strong> mais de 2,6 milhões em<br />
2000 e cerca de 24,2 milhões no final de 2006.<br />
128 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Sulabh<br />
Ásia e Pacífico > Índia<br />
Tipo de empresa<br />
Organização sem fins<br />
lucrativos<br />
Setor<br />
Água/Saneamento<br />
Autor(es)<br />
Prabakar Kothandaraman<br />
Vidya Vishwanathan<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A maioria dos sanitários feitos na Índia no decorrer do século 20 foram<br />
latrinas secas com um sistema de descarga alimentado por água, devido<br />
ao alto custo dos sistemas de descarga convencionais e da falta de água.<br />
Além disso, muitos deles não possuíam saneamento apropriado. Em 2003,<br />
o Ministério Indiano <strong>para</strong> a Justiça Social registrou 676.000 limpadores<br />
de excrementos no país – a maioria mulheres, que coletavam dejetos<br />
humanos <strong>para</strong> viver.<br />
Desde 1970, a Sulabh International vem trabalhando <strong>para</strong> que pessoas<br />
deixem de viver como limpadores de dejetos na Índia, utilizando uma<br />
tecnologia de saneamento segura e de baixo custo. Ao longo de três<br />
décadas a Sulabh construiu um modelo de negócios comercialmente<br />
viável – com impactos significativos sobre o desenvolvimento do país.<br />
Ela desenvolveu 26 tipos de sanitários <strong>para</strong> diferentes orçamentos e<br />
localidades, treinando 19.000 pedreiros na construção de fossas duplas<br />
de baixo custo e usando materiais disponíveis localmente. A organização<br />
também instalou mais de 1,4 milhões de módulos sanitários e mantém<br />
mais de 6.500 instalações públicas. A tecnologia da Sulabh já livrou<br />
60.000 pessoas de viverem como limpadores e ofereceu programas <strong>para</strong><br />
reintegrá-los à sociedade.<br />
The HealthStore Foundation<br />
África Subsaariana > Quênia<br />
Tipo de empresa<br />
Organização sem fins<br />
lucrativos<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Winifred Karugu<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Para prevenir mortes desnecessárias e doenças como a malária e a diarréia<br />
com o melhoramento sustentável do acesso a medicamentos básicos, um<br />
advogado americano e um farmacêutico queniano fundaram a HealthStore<br />
Foundation, uma franqueadora com fins lucrativos focada no bem-estar de<br />
crianças e famílias, que conta com microfarmácias e clínicas localizadas<br />
em áreas rurais pobres e favelas urbanas do Quênia. A Fundação opera<br />
nos moldes de uma franquia comum, selecionando os franqueados<br />
(enfermeiros e trabalhadores de saúde nas comunidades), oferecendo<br />
uma marca comum, uma rede logística, desenvolvimento profissional,<br />
treinamento e se certificando constantemente do cumprimento de regras<br />
e regulamentações. As lojas e as clínicas franqueadas oferecem acesso<br />
a serviços de saúde altamente necessários e a baixo custo, e ao mesmo<br />
tempo geram renda o bastante <strong>para</strong> remunerar os franqueados e os seus<br />
empregados com salários anuais competitivos.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
129
Tiviski Dairy<br />
África Subsaariana > Mauritânia<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Agricultura/Alimentos<br />
Autor(es)<br />
Mamadou Gaye<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Fundada em 1987 por Nancy Abeiderrahmane, na Mauritânia – uma<br />
árida nação no deserto, onde a maioria dos seus 3 milhões de habitantes<br />
vivem como pastores nômades, cuidando de camelos, ovelhas, cabras e<br />
gado – a Tiviski é a primeira produtora de laticínios e leite de camelo da<br />
África. Atualmente, a companhia também processa leite de vaca e de cabra<br />
<strong>para</strong> o consumo doméstico. A Tiviski recebe todo o seu leite dos pastores<br />
seminômades, permitindo-lhes obter uma renda ao mesmo tempo em que<br />
mantém o estilo de vida tradicional dos pastores. Leite de camelo fresco<br />
e outros produtos derivados substituíram os laticínios importados da<br />
Europa, incrementando a economia da Mauritânia. Os sucessos recentes<br />
apresentaram um desafio inesperado: convencer a Comunidade Européia<br />
de importar os laticínios de camelo da Tiviski. O caso relata a história<br />
inspiradora de uma empreendedora que superou obstáculos logísticos e<br />
culturais <strong>para</strong> estabelecer uma cadeia de valor inovadora como base <strong>para</strong><br />
um empreendimento viável.<br />
Tsinghua Tongfang (THTF)<br />
Ásia e Pacífico > China<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Tecnologia de informação e<br />
comunicação<br />
Autor(es)<br />
Ronglin Li<br />
Tracy Zhou<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
A China possui a maior população agrícola do mundo – 900 milhões de<br />
pessoas. Mas os chineses rurais têm muito menos acesso e conhecimento<br />
sobre computadores do que os seus conterrâneos urbanos. Essa exclusão<br />
digital inibe o desenvolvimento humano nas áreas rurais, impedindo<br />
o desenvolvimento econômico do país. A Tsinghua Tongfang, uma<br />
empresa de tecnologia de ponta em informática sediada em Pequim,<br />
firmou uma parceria com o governo municipal <strong>para</strong> desenvolver o<br />
computador Changfeng, criado <strong>para</strong> o usuário rural. Características<br />
importantes tornaram o produto mais acessível <strong>para</strong> a população rural<br />
do que o computador padrão: um sistema operacional de baixo custo,<br />
softwares específicos e hardware baseado em pesquisas extensas sobre<br />
as necessidades dos usuários rurais, além de inovadores centros de<br />
treinamento <strong>para</strong> os agricultores. O software inclui programas agrícolas<br />
que fornecem aos produtores rurais orientações sobre negócios e<br />
conhecimentos especializados. O caso examina como o setor público<br />
e privado uniram-se <strong>para</strong> gerar benefício mútuo: a Tsinghua Tongfang<br />
penetrou o inexplorado mercado de computação rural e o governo<br />
promoveu os seus objetivos de desenvolvimento digital nas áreas rurais.<br />
130 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
VidaGás<br />
África Subsaariana > Moçambique<br />
Tipo de empresa<br />
Pequena ou média empresa<br />
local<br />
Setor<br />
Saúde<br />
Autor(es)<br />
Courteney Sprague<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
Em um país com apenas 500 médicos <strong>para</strong> quase 20 milhões de habitantes,<br />
iniciativas que promovem o acesso da população rural aos serviços de saúde<br />
têm uma enorme demanda, mas pouca oferta. No norte de Moçambique,<br />
o grande desafio das clínicas de saúde é a falta de energia <strong>para</strong> iluminar<br />
as salas de operação e garantir a refrigeração constante das vacinas. Com<br />
menos de 2% das casas conectadas a uma rede elétrica, muitos dependem<br />
de lenha e carvão <strong>para</strong> cozinhar, aumentando as infecções respiratórias,<br />
complicações na gravidez e degradação das florestas.<br />
Nesse contexto, em 2002, foi formada uma parceria <strong>para</strong> lançar um projeto<br />
piloto <strong>para</strong> levar energia <strong>para</strong> essa região. A parceria contou com a ajuda<br />
de um antigo ministro da educação que se dedicou à saúde infantil, uma<br />
organização sem fins lucrativos que fornece medicamentos (sediada em<br />
Seattle), filantropos dispostos a fornecer financiamento inicial <strong>para</strong> o projeto,<br />
o Ministério da Saúde de Moçambique, o governador da região piloto e a<br />
Fundação <strong>para</strong> o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), uma fundação<br />
comunitária altamente familiarizada com as complexas necessidades de<br />
desenvolvimento do país. Como resultado dessa parceria, a VillageReach e a<br />
FDC introduziram uma cadeia fria moderna e substituíram os refrigeradores<br />
movidos a querosene dos locais mais remotos por refrigeradores eficientes<br />
movidos a gás petrolífero liquefeito. O caso concentra-se no fornecimento de<br />
gás petrolífero liquefeito (GPL), <strong>para</strong> empresas e moradores, pela VidaGás,<br />
uma companhia com fins lucrativos pertencente e operada por duas<br />
organizações não-governamentais na tentativa de desenvolver um modelo de<br />
negócio viável.<br />
Votorantim Celulose e Papel (VCP)<br />
América Latina e Caribe > Brasil<br />
Tipo de empresa<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte<br />
Setor<br />
Agricultura<br />
Autor(es)<br />
Cláudio Boechat<br />
Roberta Mokrejs Paro<br />
Objetivos de Desenvolvimento<br />
do Milênio atingidos<br />
O Brasil sofre com a disparidade entre a riqueza e a miséria, especialmente<br />
nas áreas rurais. Apesar das recentes políticas governamentais de apoio<br />
aos assentamentos rurais através do programa de reforma agrária, o<br />
desencontro entre as demandas sociais e a capacidade do estado de<br />
responder às necessidades da população rural continuam sendo um<br />
problema. A Votorantim Celulose e Papel (VCP), uma grande empresa do<br />
segmento de celulose e papel, conduziu uma grande expansão florestal no<br />
Rio Grande do Sul, e <strong>para</strong> isso desenvolveu um modelo de negócio que inclui<br />
as comunidades locais como parceiras na produção de eucalipto. Através<br />
do Programa Poupança Florestal da VCP, o ABN AMRO Real fornece aos<br />
agricultores os recursos financeiros <strong>para</strong> a plantação do eucalipto (apoiados<br />
pela garantia de compra da madeira pela VCP). A VCP fornece as mudas<br />
e a assistência técnica, comprometendo-se a comprar a madeira após sete<br />
anos a um preço justo. O caso examina o modelo de negócios da VCP – que<br />
visa alcançar objetivos de crescimento desafiadores <strong>para</strong> triplicar a receita<br />
e ao mesmo tempo contribuir <strong>para</strong> a inclusão sócioeconômica de uma<br />
comunidade rural pobre.<br />
Anexo 1. Banco de Estudos de Caso<br />
131
Anexo 2 – Metodologia de pesquisa<br />
dos estudos de caso<br />
Este relatório baseia-se na análise de 50 estudos<br />
de caso. O desenvolvimento da estrutura<br />
analítica e das mensagens do relatório seguiu<br />
uma abordagem indutiva. A questão principal<br />
é: como fazer negócios com os pobres gerando<br />
benefícios tanto <strong>para</strong> eles (os pobres) quanto<br />
<strong>para</strong> as empresas. A abordagem <strong>para</strong> identificar<br />
as estratégias de negócio que funcionam<br />
foi aprender com as empresas que já estão<br />
incluindo os pobres de maneira bem-sucedida.<br />
O objetivo foi identificar padrões e critérios a<br />
partir dos estudos de caso individuais, sem se<br />
ater a qualquer hipótese pré-concebida.<br />
A metodologia de pesquisa pode ser descrita<br />
como uma pesquisa de múltiplos estudos de<br />
caso, seguindo os quatro estágios definidos por<br />
Yin (1994):<br />
Projetar os estudos de caso<br />
Conduzir os estudos de caso<br />
Analisar as evidências<br />
Interpretar as descobertas <strong>para</strong> desenvolver<br />
conclusões, recomendações e implicações<br />
A pesquisa foi guiada pelos princípios gerais da<br />
Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos:<br />
foco nos países em desenvolvimento, ênfase<br />
na essência dos negócios, uma abordagem<br />
do desenvolvimento humano orientada pelos<br />
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e<br />
uma abordagem de parceria multistakeholder.<br />
A pesquisa partiu de uma perspectiva do<br />
setor privado, considerando as oportunidades,<br />
desafios e soluções <strong>para</strong> se fazer negócios com<br />
os pobres no contexto de pequenas, médias ou<br />
grandes empresas, operando na esfera local,<br />
nacional ou global. Embora as microempresas<br />
não sejam o foco principal, muitos dos modelos<br />
de negócio apresentados neste relatório<br />
incluem os pobres como microempreendedores.<br />
A sociedade civil e os governos têm papéis<br />
importantes a desempenhar – mas são<br />
abordados aqui apenas na medida em que<br />
interagem com o setor privado.<br />
A projeção dos estudos de caso. A pesquisa<br />
foi delineada com base em múltiplos estudos<br />
de caso. O protocolo de estudo foi desenvolvido<br />
através de um processo colaborativo entre a<br />
equipe de pesquisa e os autores dos estudos<br />
de caso. Dos 18 autores, apenas três não são<br />
dos países ou da região referente aos casos<br />
que estudaram, mantendo, dessa forma, a<br />
perspectiva do país em desenvolvimento. A<br />
equipe de pesquisa definiu as questões de<br />
pesquisa e os estudos de caso.<br />
As questões de pesquisa foram definidas<br />
com base nos princípios norteadores e com<br />
a colaboração de <strong>todos</strong> os participantes do<br />
projeto de pesquisa (Quadro A2.1).<br />
Os 50 estudos de caso foram selecionados<br />
entre 400 casos possíveis. Os casos<br />
selecionados precisavam descrever modelos<br />
de negócio que incluem os pobres de formas<br />
lucrativas e que claramente promovem o<br />
desenvolvimento humano. Além disso, eles<br />
precisavam representar uma ampla gama de<br />
países, indústrias e tipos de negócio. Os casos<br />
selecionados representam mais de 9 tipos<br />
de indústrias e 13 países que abrangem a<br />
África, Ásia e Pacífico, Europa Oriental e CEI, e<br />
América Latina e Caribe (figura A2.1).<br />
A condução dos estudos de caso. Os<br />
autores dos estudos conduziram suas pesquisas<br />
baseando-se em um protocolo comum. Para<br />
quase <strong>todos</strong> os casos, pesquisas prévias foram<br />
realizadas, inclusive pesquisas de campo.<br />
A triangulação de informações foi obtida<br />
através de entrevistas com uma variedade de<br />
stakeholders e o uso de dados quantitativos. Os<br />
estudos de casos passaram por um processo<br />
de revisão interativa com uma equipe de<br />
coordenadores de pesquisa, <strong>para</strong> assegurar<br />
uma estrutura consistente e a qualidade em<br />
<strong>todos</strong> os 50 casos.<br />
A análise das evidências. O protocolo<br />
comum possibilitou a análise sistemática dos<br />
estudos de caso e a procura por padrões. Cada<br />
caso foi cuidadosamente analisado, destacandose<br />
as informações sobre os benefícios <strong>para</strong> os<br />
negócios bem como <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
humano e os obstáculos e soluções<br />
apresentadas em cada modelo de negócio. Os<br />
resultados foram armazenados em um banco de<br />
dados através de breves descrições.<br />
Com base nessas descrições, categorias<br />
comuns foram desenvolvidas. Obstáculos e<br />
soluções foram agrupados de acordo com<br />
temas em comum.<br />
Anexo 2. Metodologia de pesquisa dos estudos de caso<br />
133
Quadro A2.1. Questões de pesquisa dos<br />
estudos de caso<br />
Tipo 1. Inovações, desafios e oportunidades<br />
Questão 1. Quais foram as inovações mais importantes (do setor privado ou público) que criaram<br />
um cenário “ganha-ganha” entre o modelo da empresa e os interesses dos pobres (Essas inovações<br />
podem estar presentes no âmbito social, financeiro, tecnológico, legal, regulamentar ou outros.)<br />
Questão 2. Quais foram os desafios superados <strong>para</strong> alcançar esse cenário “ganha-ganha” (Esses<br />
desafios podem ser sociais, financeiros, tecnológicos, legais, regulamentares, relacionados a aspectos<br />
culturais ou psicológicos, como opiniões e crenças, ou outros)<br />
Questão 3. Considerando os impactos das inovações, como os resultados de desenvolvimento<br />
<strong>para</strong> os pobres e os benefícios <strong>para</strong> os negócios foram otimizados (Essas inovações podem estar<br />
relacionadas a um empreendimento ou a um fenômeno externo ao negócio como, por exemplo,<br />
uma cadeia de fornecimento.)<br />
Questão 4. Quais oportunidades o empreendedor, a empresa e os seus stakeholders estão<br />
buscando (As motivações do empreendedor podem ser sociais, psicológicas, financeiras ou outras)<br />
Tipo 2. Inovações, adaptações e crescimento<br />
Questão 5. Quais foram, ou poderiam ser, as inovações mais importantes (no setor privado ou<br />
público) que permitiram, ou poderiam permitir, o crescimento do modelo de negócio com<br />
benefícios significativos <strong>para</strong> os pobres e <strong>para</strong> a empresa (Essas inovações podem estar no âmbito<br />
social, financeiro, tecnológico, legal, regulamentar, cultural ou psicológico, como opiniões e crenças,<br />
ou outros)<br />
Questão 6. Quais foram, ou são, as opções de adaptação, replicação ou de crescimento<br />
apresentadas, ou disponíveis, <strong>para</strong> esse modelo de empreendimento (Elas podem ser sociais,<br />
financeiras, tecnológicas, legais, regulamentares, culturais ou psicológicas, como opiniões e crenças<br />
ou outras)<br />
Tipo 3. Modelos de negócio e desenvolvimento<br />
Questão 7. Qual o modelo de negócio empregado nesse caso (A descrição do modelo de negócio<br />
deve incluir as propostas de <strong>valores</strong> <strong>para</strong> <strong>todos</strong> os grupos interessados, incluindo consumidores,<br />
empregados, investidores e os pobres, independente do seu papel)<br />
Questão 8. Qual o modelo de desenvolvimento (Devendo constar como os pobres estão<br />
envolvidos no empreendimento – como empregados, empreendedores, consumidores ou outros<br />
– e em que estão focados os impactos – sobre necessidades não atendidas, capacitação econômica<br />
ou sobre parte do negócio voltado <strong>para</strong> o consumidor ou <strong>para</strong> o mercado business-to-business; e<br />
suas conexões com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, quando relevantes.)<br />
Questão 9. Parcerias ou redes foram elementos importantes <strong>para</strong> vincular o modelo de negócio<br />
ao modelo de desenvolvimento (Podem constar associações formais ou informais com os<br />
pobres, comunidades locais ou similares, agências de desenvolvimento bilaterais ou multilaterais,<br />
governos nacionais ou locais, organizações não-governamentais, pequenas ou médias empresas,<br />
consumidores, instituições acadêmicas, etc.)<br />
Questão 10. Quais os impactos diretos do negócio sobre os pobres e sobre o alcance dos Objetivos<br />
de Desenvolvimento do Milênio (Sempre que possível precisamos de dados quantitativos e<br />
qualitativos, e de descrições qualitativas em relação a aspectos intangíveis, tais como capacitação,<br />
equidade, autoconfiança, entre outros. Liste os benefícios diretos <strong>para</strong> os pobres, tais como geração<br />
de empregos, renda, investimentos, aumento de acesso e disponibilidade. Observe também<br />
qualquer outro impacto mais abrangente, relativo à igualdade entre os sexos, sustentabilidade<br />
ambiental, e a relevância do mesmo <strong>para</strong> Objetivos de Desenvolvimento do Milênio específicos)<br />
Como o foco da pesquisa era identificar meios<br />
de fazer negócios com os pobres, apenas os<br />
obstáculos específicos aos contextos da miséria<br />
foram considerados. A eles nos referimos como<br />
“obstáculos estruturais”, porque surgem a partir<br />
de condições estruturais específicas a vilarejos<br />
rurais ou favelas urbanas onde vivem os pobres.<br />
Obstáculos típicos das empresas como aqueles<br />
relacionados ao foco em um novo grupo de<br />
consumidores ou ao fato de começar um negócio<br />
em um ambiente competitivo foram deixados<br />
de fora. (Os 50 estudos de casos apresentam<br />
uma fonte valiosa de informação sobre obstáculos<br />
típicos ao se fazer negócios com os pobres; os<br />
casos estão disponíveis on-line <strong>para</strong> maiores<br />
análises.) Dessa forma, surgiu um padrão em que<br />
<strong>todos</strong> os desafios estruturais observados poderiam<br />
ser agrupados em cinco áreas de obstáculos<br />
e todas as inovações também poderiam ser<br />
classificadas dentro de cinco soluções estratégicas.<br />
Além disso, o inventário de casos inclui exemplos<br />
<strong>para</strong> cada combinação de uma das cinco áreas de<br />
obstáculos com uma das cinco áreas de soluções<br />
estratégicas.<br />
134 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Tais conexões podem ser observadas em uma<br />
matriz de obstáculos e estratégias. Essa matriz<br />
consiste na estrutura analítica do relatório.<br />
A interpretação dos resultados <strong>para</strong><br />
o desenvolvimento de conclusões,<br />
recomendações e implicações. Para<br />
interpretar o que foi encontrado, os estudos<br />
de casos foram considerados dentro de<br />
um contexto abrangente de teoria do<br />
desenvolvimento e estratégia de negócios, com<br />
o foco sobre consumidores e produtores pobres.<br />
Revisões da pesquisa sobre a interrelação<br />
entre os mercados e a miséria (palavraschave<br />
incluem “crescimento pró-pobres”,<br />
“mercados pró-pobres” e “fazendo os mercados<br />
funcionarem <strong>para</strong> os pobres”) levaram em conta<br />
as áreas de obstáculos identificadas como barreiras<br />
importantes à inclusividade dos mercados. Uma análise<br />
de artigos e publicações atuais sobre as estratégias e<br />
atividades de negócio que incluem os pobres mostrou<br />
que eles têm a tendência de considerar as imperfeições<br />
dos mercados <strong>para</strong> entender e desenvolver modelos<br />
de negócios inclusivos. A análise reúne duas correntes<br />
de pesquisa ao destacar a importância de transformar<br />
as condições dos mercados e apontar as estratégias<br />
que os negócios podem usar <strong>para</strong> lidar com isso. Nesse<br />
sentido, a análise apresentada neste relatório baseia-se<br />
em pesquisas que vêm sendo desenvolvidas – sobre<br />
como incluir mais pessoas no mercado global e, dessa<br />
forma, contribuir <strong>para</strong> o desenvolvimento humano e<br />
o crescimento econômico – e também fornece a sua<br />
contribuição <strong>para</strong> as mesmas.<br />
Figura A2.1. Distribuição dos estudos de caso por região, setor e tipo de empresa<br />
Região<br />
Setor<br />
Tipo de<br />
empresa<br />
Regiões diversas: 1<br />
Europa e CEI: 4<br />
Estados árabes: 3<br />
Ásia e Pacífico: 12<br />
Outros (tratamento de<br />
resíduos, transportes): 2<br />
Habitação: 3<br />
Turismo: 2<br />
Têxtil: 2<br />
Tecnologia de<br />
informação e<br />
comunicação: 5<br />
Organização sem<br />
fins lucrativos: 3<br />
Pequenas e médias<br />
empresas locais: 21<br />
Serviços financeiros: 7<br />
América Latina e Caribe: 10<br />
Saúde: 6<br />
Energia: 4<br />
Empresa nacional de<br />
grande porte: 10<br />
Água e saneamento: 7<br />
África: 20<br />
Agricultura/alimentos: 12<br />
Corporação<br />
multinacional do sul: 9<br />
Corporação<br />
multinacional do<br />
norte: 7<br />
Anexo 2. Metodologia de pesquisa dos estudos de caso<br />
135
A n e x o 3 . S o b r e o s m a p a s<br />
g r á f i c o s d e m e r c a d o<br />
Os mapas gráficos de mercado são ilustrações simples da extensão em que os pobres estão<br />
engajados nos mercados ou quão inclusivos os mercados são em relação aos pobres.<br />
Esses mapas fornecem representações gráficas do acesso de pessoas pobres a bens e serviços<br />
nos setores selecionados – educação, água, microfinanças e outros – e informações sobre como<br />
esses bens e serviços estão sendo fornecidos. Em cada mapa gráfico, uma parcela maior de<br />
consumidores pobres sendo servidos é representada por cores mais fortes na figura; enquanto<br />
cores fracas mostram que a maior parte dos pobres está excluída do mercado.<br />
Quando focados na demanda, os mapas gráficos de mercado mostram a natureza e a extensão<br />
do acesso do consumidor a bens e serviços vitais <strong>para</strong> o desenvolvimento humano nas dimensões<br />
espaciais de um determinado país, assim como a presença (ou não) de uma variedade de atores<br />
no âmbito da oferta. Sob a perspectiva da produção, os mapas gráficos de mercado também<br />
ilustram como os mercados são inclusivos <strong>para</strong> os pobres como produtores (empreendedores ou<br />
fornecedores de mão-de-obra). 1<br />
PARA QUE SERVEM OS MAPAS GRÁFICOS<br />
D E M E R C A D O <br />
O mapeamento geográfico da pobreza tem sido<br />
usado principalmente por atores do setor público<br />
e entidades sem fins lucrativos <strong>para</strong>:<br />
destacar variações geográficas da pobreza;<br />
projetar e orientar intervenções;<br />
localizar e coordenar áreas prioritárias <strong>para</strong><br />
programas e atividades operacionais;<br />
determinar onde é melhor alocar recursos;<br />
monitorar e avaliar operações;<br />
aumentar a transparência e a responsabilidade<br />
social.<br />
A ferramenta é usada <strong>para</strong> operações de redução<br />
da pobreza, <strong>para</strong> provisão de infra-estrutura e<br />
<strong>para</strong> coordenação em crises humanitárias (Quadro<br />
A3.1).<br />
A Iniciativa Desenvolvendo Mercados<br />
Inclusivos está produzindo seus próprios mapas<br />
gráficos de mercado como uma ferramenta<br />
complementar ao mapeamento geográfico da<br />
pobreza.<br />
Os pesquisadores responsáveis pela<br />
elaboração dos mapas gráficos usam os<br />
mesmos bancos de dados em que são baseados<br />
os mapeamentos da pobreza (pesquisas sobre<br />
habitação, mão-de-obra, etc.).<br />
Esse uso criativo da ferramenta de<br />
mapeamento da pobreza poderá provocar o<br />
interesse dos atores do setor privado, pois os<br />
mapas gráficos oferecem uma compreensão<br />
útil sobre as atividades econômicas dos pobres<br />
– especialmente daqueles que moram em áreas<br />
distantes, onde freqüentemente a informação<br />
não está disponível. Os mapas gráficos<br />
podem agregar valor aos negócios de quatro<br />
maneiras:<br />
Avaliando a inclusividade do mercado.<br />
Clarificando estruturas de fornecimento.<br />
Revelando demandas não atendidas dos<br />
pobres enquanto consumidores.<br />
Revelando oportunidades não realizadas<br />
<strong>para</strong> incluir os pobres como produtores.<br />
Anexo 3. Sobre os mapas gráficos de mercado<br />
137
Quadro A3.1. Exemplos de<br />
iniciativas de mapeamento<br />
geográfico da pobreza<br />
A iniciativa da WaterAid <strong>para</strong> o mapeamento<br />
do fornecimento de água e saneamento<br />
A instituição internacional beneficente<br />
WaterAid, sediada na Grã-Bretanha, usa<br />
o mapeamento geográfico <strong>para</strong> ilustrar<br />
a dimensão espacial de fornecimento de<br />
água e saneamento. Os mapas apresentam<br />
informações sobre a disponibilidade e<br />
qualidade dos recursos de água, assim como<br />
o acesso, a demanda e o uso da água e dos<br />
serviços de saneamento. Além de ajudar a<br />
aumentar a responsabilização pública <strong>para</strong><br />
a distribuição de serviços básicos, os mapas<br />
também podem facilitar o desenvolvimento<br />
local de instrumentos de apoio. A WaterAid<br />
usou várias formas de mapeamento do<br />
fornecimento de água e serviços sanitários na<br />
Ásia e na África subsaariana (ODI 2007 e www.<br />
wateraid.org).<br />
A utilização do mapeamento da pobreza pela<br />
Fundação pela Paz e Igualdade<br />
A Fundação pela Paz e Igualdade, nas<br />
Filipinas, pratica o mapeamento da pobreza<br />
<strong>para</strong> localizar áreas prioritárias <strong>para</strong> o seu<br />
programa de redução da pobreza. Em 2003,<br />
baseando-se em informação de indicadores<br />
de desenvolvimento, tais como renda, saúde e<br />
educação, a Fundação ajudou a identificar 28<br />
províncias prioritárias nas Filipinas. Em alguns<br />
casos, ela também conduziu exercícios de<br />
mapeamento da pobreza na cidade, <strong>para</strong> mais<br />
adiante especificar o enfoque geográfico e<br />
temático de suas operações.<br />
(www.peacefdn.org/poverty.php).<br />
Programa Google Earth de longo alcance e<br />
o Alto Comissariado das Nações Unidas <strong>para</strong><br />
Refugiados (ACNUR)<br />
O Alto Comissariado das Nações Unidas<br />
<strong>para</strong> Refugiados (ACNUR) usa o programa<br />
de mapeamento virtual do Google Earth<br />
<strong>para</strong> revelar uma das maiores crises de<br />
deslocamento forçado do mundo e <strong>para</strong><br />
divulgar o trabalho humanitário de ajuda aos<br />
refugiados da Agência. O programa de longo<br />
alcance leva o usuário da internet a uma<br />
viagem virtual pela realidade de áreas distantes<br />
do Chade, da Colômbia, do Iraque e da região<br />
de Darfur, no Sudão. Mapas de satélites, fotos<br />
e vídeos informam o usuário sobre a vida<br />
diária dos refugiados e das pessoas deslocadas<br />
vivendo nessas áreas, sobre o impacto da crise<br />
em países vizinhos e sobre as operações do<br />
ACNUR. O programa deverá também servir<br />
como uma ferramenta de planejamento<br />
logístico do ACNUR <strong>para</strong> melhor coordenar as<br />
operações no local. (Batty 2008 e WWW.unhcr.<br />
org/events/47f48dc92.html)<br />
C O M O S Ã O E L A B O R A D O S<br />
O S M A P A S G R Á F I C O S D E<br />
MERCADO<br />
Existem três etapas principais na elaboração de um<br />
mapa gráfico de mercado: medir o número total de<br />
consumidores pobres possíveis; medir o número<br />
total de consumidores pobres com acesso a bens ou<br />
serviços e identificar e medir as contribuições de<br />
diferentes atores no âmbito do fornecimento.<br />
Etapa 1. Medir a demanda possível de bens e<br />
serviços dentro de um mercado<br />
Inúmeras são as formas de abordagem, já que<br />
métricas diferentes são adequadas dependendo<br />
do mercado a ser examinado. Como ponto<br />
de partida <strong>para</strong> refletir a demanda do pobre,<br />
é preciso considerar o número total de<br />
consumidores pobres potenciais no mercado.<br />
Etapa 2. Medir o acesso a bens e serviços dos<br />
possíveis consumidores pobres<br />
O acesso pode ser interpretado de diversas<br />
maneiras e com referência a diferentes questões<br />
(como acessibilidade econômica ou proximidade<br />
geográfica). Para os mapas gráficos, a medida<br />
de acesso utilizada é o número de indivíduos<br />
ou famílias pobres consumindo ou usando um<br />
determinado bem ou serviço.<br />
Etapa 3. Fornecer informações adicionais<br />
Esta última etapa remaneja as informações da<br />
etapa 2. Ela fornece informações adicionais das<br />
participações relativas de diferentes agentes que,<br />
juntos, constituem o fornecimento total atual.<br />
Os mapas gráficos de mercado podem ser ainda<br />
mais específicos quando levam em conta grupos<br />
exatos de população e mercados em particular.<br />
Várias medições sobre o tamanho de uma população<br />
pobre podem ser usadas, dependendo do limite<br />
de receita usado <strong>para</strong> definir essa população. Para<br />
os mapas gráficos da Iniciativa Desenvolvendo<br />
Mercados Inclusivos, “pessoas pobres” são definidas<br />
como aquelas ganhando menos de $2 por dia em<br />
termos de paridade de poder de compra (uma linha<br />
de pobreza internacional amplamente utilizada).<br />
Sob a perspectiva do desenvolvimento humano,<br />
é importante focar, especialmente, em dois tipos de<br />
mercados:<br />
Mercados de bens e serviços que poderiam<br />
ajudar a satisfazer as necessidades básicas<br />
humanas e, portanto, teriam a capacidade de<br />
melhorar diretamente o bem-estar das pessoas<br />
pobres e dar suporte as suas mais amplas<br />
aptidões humanas (por exemplo, água, moradia<br />
e saúde).<br />
Mercados de bens e serviços que poderiam ser<br />
cruciais <strong>para</strong> oferecer oportunidades <strong>para</strong> o<br />
pobre melhorar seu padrão de vida, aumentar<br />
138 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
sua renda e expandir as suas escolhas (por<br />
exemplo, mercados de trabalho, mercados de<br />
crédito, mercados de seguros ou mercados de<br />
tecnologia da informação e comunicação).<br />
A melhoria do acesso à água potável<br />
segura no Haiti. O acesso à água potável<br />
segura em alguns países é distribuído muito<br />
irregularmente. Essa irregularidade reflete, em<br />
parte, desigualdades absolutas de acesso entre o<br />
pobre e o não pobre. Mas também reflete outros<br />
fatores. Por exemplo, áreas rurais tendem a perder<br />
<strong>para</strong> áreas urbanas com relação ao acesso à água.<br />
Há dois anos, um estudo reportou que em países em<br />
desenvolvimento 8% da população urbana e 30% da<br />
população rural não tinham acesso a fontes de água<br />
potável. 2<br />
Um mapa gráfico de mercado (figura A3.1)<br />
fornece dados sobre o acesso à água da população<br />
pobre do Haiti em diferentes regiões do país. O<br />
acesso à água, nesse caso particular, inclui tanto o<br />
acesso à água encanada de fontes privadas (dentro e<br />
fora de casa, incluindo poços dentro de casa) quanto<br />
à água encanada pública. As sombras mais escuras<br />
representam maior acesso.<br />
Figura A3.1. Mapa gráfico do<br />
acesso à água no Haiti em 2001<br />
Fontes de água disponíveis <strong>para</strong> famílias vivendo<br />
com menos de $2 por dia, em 2001 (%)<br />
Urbanas<br />
Rurais<br />
Mapa gráfico de mercado:<br />
Acesso à água no Haiti (%)<br />
Famílias com renda per capita de<br />
menos de $2 por dia, em 2001<br />
Poço, rio ou lago,<br />
chuva, outros<br />
Nota: O acesso à água inclui tanto o acesso à água encanada de fontes<br />
privadas (dentro e fora de casa, incluindo poços dentro de casa) quanto à<br />
água encanada pública. As sombras mais escuras representam maior acesso.<br />
Fonte: Baseada no Institut Haïtien de Statistique et d’ Informatique 2001.<br />
Mapa produzido por OCHA ReliefWeb.<br />
Água transportada em<br />
caminhões-cisterna,<br />
água engarrafada, água<br />
transportada em balde<br />
Água encanada<br />
Anexo 3. Sobre os mapas gráficos de mercado<br />
139
Os dados sobre os fornecedores de serviços<br />
de água, apresentados no mapa gráfico de<br />
mercado, também revelam outros fatores sobre<br />
o fornecimento de água potável no Haiti. Eles<br />
mostram que o acesso à rede de água encanada<br />
nesse país é geralmente muito limitado: apenas<br />
um terço dos pobres urbanos do Haiti, e menos<br />
de um terço dos pobres rurais, têm acesso a tais<br />
redes.<br />
De forma interessante, o mapa gráfico sugere<br />
que pode haver uma oportunidade de negócio no<br />
mercado de água, mesmo na região mais rica do<br />
Haiti, o oeste, onde está a capital Porto Príncipe.<br />
Estimativas recentes sobre os padrões de pobreza<br />
regional do Haiti revelam que as taxas de pobreza<br />
são mais baixas no oeste (60,8%) e mais altas<br />
no nordeste (94,2%). Contudo, mesmo na parte<br />
menos pobre do oeste, o índice de pobreza é alto,<br />
segundo padrões internacionais. O percentual<br />
de pobres, com base na medida de pobreza<br />
de menos de $2 por dia, excede, no oeste do<br />
Haiti, o de qualquer país da América Latina e do<br />
Caribe. 3 Além disso, estimativas da distribuição<br />
da população pobre no país revelam que a maior<br />
parte deles se concentra no oeste: quase 30% dos<br />
haitianos pobres vivem lá. (Apesar de o nordeste<br />
ser a região mais pobre do Haiti, ele concentra<br />
apenas 4,7% dos haitianos pobres).<br />
No oeste do Haiti, onde vive quase um terço<br />
do total da população pobre do país (e a taxa<br />
de acesso à água encanada é mais alta que em<br />
outras regiões), apenas 18% dos pobres tem<br />
acesso à água encanada.<br />
Contudo, o mapa gráfico do mercado também<br />
mostra que 45% das pessoas de áreas urbanas<br />
no Haiti têm acesso à água transportada por<br />
caminhões-cisterna, água engarrafada e água<br />
transportada em baldes. Em outras palavras,<br />
45% da população urbana do país está disposta<br />
a pagar por água potável segura. Seria possível<br />
<strong>para</strong> uma empresa absorver parte desse<br />
mercado existente introduzindo serviços de<br />
entrega de água eficazes e mais baratos Outras<br />
oportunidades podem existir em outras regiões<br />
do Haiti, até mesmo com taxas de acesso mais<br />
baixas, especialmente em áreas rurais.<br />
O mapa gráfico de mercado ilustra um<br />
aspecto interessante do mercado de água<br />
no Haiti: apesar da falta de fornecimento de<br />
água pública adequada e da falta de grandes<br />
investimentos privados, pequenos fornecedores<br />
de água apresentaram-se <strong>para</strong> preencher a<br />
lacuna e têm obtido sucesso no negócio. Alguns<br />
consumidores têm investido nas suas próprias<br />
fontes de água – por exemplo, ao tirarem água de<br />
poços em associação com organizações baseadas<br />
na comunidade. 4 Todavia, os fornecedores<br />
de serviços privados de pequena escala<br />
desempenham um importante papel no aumento<br />
do acesso à água, que ocorre principalmente nas<br />
áreas da periferia urbana, onde a água é entregue<br />
através de caminhões (em garrafas ou em baldes).<br />
Serviços essenciais são, portanto, fornecidos aos<br />
pobres especialmente em áreas urbanas.<br />
Onde a capacidade do país é muito fraca, e onde<br />
grandes investidores relutam em se engajar por<br />
uma série de razões – como no Haiti – aproveitar<br />
as oportunidades desse “outro” setor privado pode<br />
ser uma forma pragmática de aumentar o acesso à<br />
água potável segura. Os mapas gráficos de mercado<br />
podem ajudar a revelar tais oportunidades.<br />
Serviços bancários via celular na<br />
África do Sul<br />
Telefones celulares podem melhorar o acesso<br />
aos serviços de tecnologia da informação e<br />
comunicação nos países em desenvolvimento. De<br />
acordo com estimativas recentes, o número de<br />
assinantes de telefones celulares em países de<br />
renda baixa e média já é muito mais alto do que em<br />
países de renda alta.<br />
O acesso a telefones celulares poderia contribuir<br />
<strong>para</strong> a redução da pobreza e da desigualdade<br />
ajudando os usuários pobres a interagir de<br />
maneira mais efetiva em mercados de trocas.<br />
Empreendedores rurais, como agricultores e<br />
pescadores, por exemplo, poderiam, através de<br />
aparelhos celulares, aumentar o seu acesso ao<br />
mercado de informação e obter o melhor preço<br />
possível <strong>para</strong> seus bens – assim eles também<br />
poupariam por adquirir tal acesso com custo mais<br />
baixo via celular.<br />
O desenvolvimento dos serviços bancários<br />
móveis (m-banking), que envolve o uso de um<br />
telefone celular ou outro aparelho móvel <strong>para</strong><br />
empreender transações financeiras ligadas a uma<br />
conta do cliente, parece ser algo promissor. O<br />
uso crescente de telefones celulares nos países<br />
em desenvolvimento – e o poder de vários atores<br />
envolvidos no fornecimento de serviços financeiros<br />
através desse canal, especialmente operadores e<br />
redes bancárias – poderiam ajudar a “bancar” os<br />
“sem-banco”.<br />
Os mapas gráficos de mercado trazem<br />
informações esclarecedoras sobre o acesso a<br />
telefones celulares entre os pobres. No caso da<br />
África do Sul, as figuras A3.2 e A3.3 ilustram o<br />
acesso a telefones celulares entre os não pobres<br />
e pobres em áreas de regiões rurais e urbanas, e<br />
em diferentes províncias. As sombras mais escuras<br />
indicam taxas de acesso mais altas dentro do grupo<br />
de renda especificado.<br />
Como mostra o mapa gráfico, as taxas de acesso<br />
a telefones celulares são mais altas <strong>para</strong> os pobres e<br />
<strong>para</strong> os não pobres do oeste da África do Sul (Cabo<br />
Norte, Cabo Oeste) e do leste (Província do Norte,<br />
Limpopo, Mpumalanga e Kwazulu Natal) – numa<br />
faixa que varia de 41% a 80% <strong>para</strong> quase todas as<br />
províncias nessas regiões.<br />
140 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura A3.2. Mapa gráfico do<br />
acesso a telefones celulares<br />
na África do Sul, 2006<br />
Mapa gráfico de mercado: famílias vivendo<br />
com mais de $2 por dia<br />
Famílias com acesso a telefones celulares,<br />
por região, 2006 (%)<br />
Fonte: Baseado no FinScope, 2006.<br />
As estimativas <strong>para</strong> acesso a celulares foram tiradas<br />
da categoria de pesquisa “faça uso pessoal do...<br />
celular pré-pago”. Na África do Sul, como em muitos<br />
outros países africanos, os pré-pagos costumam ser a<br />
mais comum ou única opção.<br />
Mapa produzido por OCHA ReliefWeb.<br />
Acesso a telefones celulares na África do Sul:<br />
Famílias vivendo com mais de $2 por dia.<br />
Parcela de adultos, 2006 (%)<br />
Urbano<br />
Rural<br />
Não possuem<br />
Em contrapartida, o acesso à telefonia celular<br />
no Cabo Leste – província com uma taxa bastante<br />
alta de pobreza 5 – é baixo <strong>para</strong> o não pobre<br />
e o pobre, na faixa de 0% a 20%. Assim, a alta<br />
densidade da população nos centros e áreas em<br />
desenvolvimento nas províncias, com taxas baixas<br />
de acesso a celulares <strong>para</strong> os pobres e os não<br />
pobres (Cabo Leste, Estado Livre e Noroeste), pode<br />
representar uma interessante oportunidade de<br />
negócios <strong>para</strong> provedores de serviços de telefonia<br />
celular.<br />
Os mapas gráficos de mercado também podem<br />
oferecer informações valiosas sobre oportunidades<br />
de negócios <strong>para</strong> os provedores de serviços<br />
financeiros. Eles revelam sobreposições potenciais<br />
entre pessoas com acesso a celulares, mas sem<br />
serviços bancários. Tais sobreposições, por sua vez,<br />
indicam oportunidades <strong>para</strong> habilitar a telefonia<br />
celular no fornecimento de serviços bancários<br />
móveis.<br />
Possuem<br />
As estimativas indicam que, na África do Sul,<br />
pessoas pobres em áreas urbanas e rurais têm<br />
mais telefones celulares do que acesso a serviços<br />
bancários. Nas áreas urbanas, 43% da população<br />
adulta pobre têm acesso a telefones celulares<br />
(ver figura A2.2), mas apenas 32% tem acesso a<br />
serviços bancários. Nas áreas rurais, 31% dos pobres<br />
possuem um telefone celular, mas apenas 19% têm<br />
acesso a serviços bancários.<br />
Essas diferenças sugerem uma oportunidade<br />
real <strong>para</strong> o fornecimento de serviços bancários com<br />
grande rentabilidade <strong>para</strong> usuários de telefones<br />
celulares na África do Sul. Elas mostram também<br />
que tal oportunidade poderá ser maior <strong>para</strong> a<br />
parte mais pobre do mercado. Ao usar dados do<br />
mapeamento da pobreza <strong>para</strong> calcular o tamanho<br />
total da população pobre sul-africana com telefones<br />
celulares, mas sem contas bancárias, uma empresa<br />
Anexo 3. Sobre os mapas gráficos de mercado<br />
141
Figura A3.3. Mapa gráfico do<br />
acesso a telefones celulares<br />
na África do Sul, 2006<br />
Mapa gráfico de mercado: famílias vivendo<br />
com menos de $2 por dia.<br />
Porção de famílias com acesso a telefones<br />
celulares, por região, 2000 (%)<br />
Fonte: Baseado no FinScope, 2006.<br />
As estimativas <strong>para</strong> acesso a celulares foram tiradas<br />
da categoria de pesquisa “faça uso pessoal do...<br />
celular pré-pago”. Na África do Sul, como em muitos<br />
outros países africanos, os pré-pagos costumam ser<br />
a mais comum ou única opção.<br />
Mapa produzido por OCHA ReliefWeb<br />
Acesso a telefones celulares na África do Sul:<br />
Famílias vivendo com menos de $2 por dia<br />
Parcela de adultos, 2000 (%)<br />
Urbano<br />
Rural<br />
Não possuem<br />
Possuem<br />
pode estimar o tamanho da oportunidade<br />
<strong>para</strong> alavancar o acesso à telefonia celular<br />
visando bancar os “sem banco” na África do Sul:<br />
aproximadamente 24% dos pobres urbanos e 21%<br />
dos pobres rurais.<br />
Estimativas dessa interseção em Botswana,<br />
Namíbia e Zâmbia revelam que esse mercado<br />
poderia ser grande também nesses países. (ver<br />
figura A3.4).<br />
Serviços bancários móveis já estão sendo<br />
introduzidos em vários países, inclusive na África<br />
do Sul. Além disso, com o aumento esperado das<br />
taxas de penetração da telefonia móvel – já que<br />
os preços dos aparelhos e serviços declinam,<br />
e os mercados secundários <strong>para</strong> aparelhos se<br />
desenvolvem (como em países com taxas altas<br />
de penetração de telefones celulares, como<br />
nas Filipinas) – oportunidades <strong>para</strong> os pobres<br />
acessarem serviços bancários via celular podem<br />
surgir em muitos outros países.<br />
142 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Figura A3.4. Interseção de pessoas pobres que<br />
possuem telefones celulares mas não têm acesso a<br />
bancos, países selecionados<br />
Parcela de adultos, 2000 (5)<br />
Zâmbia<br />
África do Sul<br />
Namíbia<br />
Botswana<br />
Rural, com menos de US$2 por dia<br />
Urbano, com menos de US$2 por dia<br />
Fonte: Baseado no FinScope 2004a, 2004b, 2005, 2006<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
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156 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A P Ê N D I C E -<br />
c a s o s d e e m p r e s a s<br />
brasileiras
CASO Natura Ekos<br />
Essências de perfume promovem o desenvolvimento<br />
sustentável no Brasil<br />
Pre<strong>para</strong>do por:<br />
Cláudio Boechat &<br />
Roberta Paro<br />
Setor: Cosméticos<br />
Classe de Empresa:<br />
Multinacional do Sul<br />
RESUMO<br />
A Natura é uma empresa brasileira de cosméticos<br />
cuja filosofia abrangente sempre foi a maximização dos benefícios<br />
<strong>para</strong> o meio ambiente natural, <strong>para</strong> as comunidades e <strong>para</strong> a empresa,<br />
simultaneamente, através dos negócios. Desde que foi fundada em 1969,<br />
ela tem atingido taxas de crescimento consistentes, construindo uma rede<br />
de 600.000 consultores de vendas diretas e expandindo seu mercado no<br />
exterior. Em 2000, a Natura implementou a estratégia do uso de matériasprimas<br />
extraídas da biodiversidade botânica brasileira como plataforma<br />
<strong>para</strong> seus produtos. Esses insumos são a base da bem-sucedida linha Ekos<br />
da Natura. Para expandir a produção local e garantir, ao mesmo tempo, a<br />
extração sustentável, a empresa construiu um novo modelo de negócios.<br />
Tal modelo compreende pequenas comunidades, ONGs e governos que<br />
promovem o desenvolvimento local sustentável num processo através do<br />
qual a Natura participa e se diferencia no mercado.<br />
Como parte da estratégia <strong>para</strong> a linha Ekos, e do compromisso da Natura<br />
com a responsabilidade social, a empresa estabeleceu relações com<br />
comunidades pobres que extraíam matéria-prima da biodiversidade<br />
brasileira, tornando-as fornecedores. No Pará, três comunidades (Campo<br />
Limpo, Boa Vista e Cotijuba) foram contratadas em 2003 <strong>para</strong> produzir<br />
priprioca, uma espécie de capim cujas raízes fornecem uma fragrância<br />
rara e delicada. O sucesso das vendas da linha Ekos possibilitou, em 2006,<br />
a construção de uma nova unidade industrial da Natura <strong>para</strong> a produção<br />
de sabonete numa região remota da qual é extraída a maior parte dos<br />
insumos da biodiversidade.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
159
Introdução<br />
“Nossa Razão de Ser é criar e comercializar produtos e serviços que promovam o bem-estar/<br />
estar bem. O bem-estar é a relação harmoniosa e agradável de uma pessoa consigo mesmo, com<br />
seu corpo. Estar bem é a relação empática, bem-sucedida, prazerosa, do indivíduo com o outro,<br />
com a natureza da qual faz parte, com o todo.” Relatório Anual Natura, 2005.<br />
Desde seu início em 1969, como laboratório e pequena loja na cidade de São Paulo, a Natura<br />
tem sido impulsionada por suas grandes paixões: cosméticos, como meio de auto-conhecimento<br />
e poder de transformação na vida das pessoas; e relações humanas, que permitem expressar a<br />
vida. Essas idéias seminais movem a Natura ao longo dos anos.<br />
Antônio Luiz da Cunha Seabra, fundador da Natura, teve seu primeiro contato com o mundo<br />
dos cosméticos quando trabalhou <strong>para</strong> uma empresa multinacional aos 16 anos de idade.<br />
Com um pouco de conhecimento, um pequeno investimento de capital (US$9.000 dólares) 1 e<br />
uma garagem como escritório, ele fundou a Natura. Três aspectos do negócio, inovadores na<br />
época, foram particularmente bem recebidos pelo mercado: a incorporação de tratamentos<br />
terapêuticos na produção de cosméticos, uma abordagem de vendas personalizada e produtos<br />
customizados <strong>para</strong> o clima úmido do Brasil e <strong>para</strong> os tipos de pele locais.<br />
A Natura tem atingido taxas de crescimento consistentes. A tab. 1 mostra sua receita bruta<br />
e líquida desde 2002. Aproximadamente 40 por cento da sua receita é gerada a partir dos<br />
cosméticos, e o restante a partir dos produtos de higiene pessoal.<br />
Tabela 1: Receita da Natura entre 2002<br />
-2005 (em R$1000 )<br />
Anos 2002 2003 2004 2005<br />
Receita líquida 993,1 1.238,9 1.769,7 2.282,2<br />
Receita bruta 1.411,2 1.910,2 2.539,6 3.243,6<br />
A abordagem de vendas diretas foi um fator chave <strong>para</strong> o impressionante crescimento da<br />
empresa. Em 1974, a Natura adotou esse modelo e treinou as primeiras Consultoras Natura. No<br />
início de 2006, a empresa contava com aproximadamente 600.000 Consultoras, sendo dez por<br />
cento delas fora do Brasil.<br />
A empresa também investiu em pesquisa e desenvolvimento. Foi construído um grande centro<br />
integrado de pesquisa, fabricação e logística na sua matriz em Cajamar, São Paulo. Em 2005,<br />
mais de 200 milhões de itens foram vendidos <strong>para</strong> 50 milhões de consumidores em mais de<br />
5.000 cidades brasileiras através das vendas diretas. Ao final de 2005, a empresa tinha 4.128<br />
colaboradores no seu quadro de funcionários no Brasil e nos outros países onde opera.<br />
A Natura expandiu-se <strong>para</strong> o Chile em 1982 e <strong>para</strong> a Argentina e o Peru em 1994. Em 2004, a<br />
empresa abriu seu capital e lançou ações no Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo<br />
(Bovespa). Em 2005, ela abriu suas portas <strong>para</strong> o público internacional com a Maison Natura em<br />
Paris, na França, e iniciou suas operações no México. Sua expansão geográfica estava prevista<br />
<strong>para</strong> os Estados Unidos e <strong>para</strong> a Rússia em 2007.<br />
1<br />
US$1 = R$2,1 em fevereiro de 2007.<br />
160 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
VISÃO E ESTRATÉGIA<br />
A Natura sempre almejou ser uma marca<br />
internacional, identificada por um vigoroso<br />
conjunto de <strong>valores</strong> e comportamentos<br />
corporativos, assim como por produtos de<br />
qualidade. Desde o final dos anos 90, sua<br />
estratégia tem os alicerces na crença de que a<br />
empresa pode ser uma importante promotora de<br />
transformação social. A estratégia da Natura foi<br />
baseada em quatro pilares:<br />
Compromisso com a sustentabilidade<br />
Qualidade das relações com os stakeholders<br />
Desenvolvimento de conceitos e produtos<br />
A força da marca Natura<br />
Em sua estratégia socioambiental, a Natura<br />
planejava continuar a investir no uso<br />
sustentável da biodiversidade e contribuir<br />
<strong>para</strong> a sua conservação. Dois desafios que<br />
se apresentavam eram o de alinhar esses<br />
princípios com as práticas diárias dos negócios,<br />
e também desenvolver e melhorar as estruturas<br />
organizacionais que apoiavam a expansão atual<br />
e o crescimento futuro. Um exemplo disso, na<br />
prática, é a cadeia de suprimentos da empresa.<br />
Uma parte fundamental da rede de negócios da<br />
Natura é a demonstração do compartilhamento<br />
de crenças e <strong>valores</strong>, e também do alinhamento<br />
com a política de responsabilidade social e<br />
sustentabilidade da empresa, por parte dos<br />
fornecedores, através de um processo de<br />
certificação. Os critérios usados nesse processo<br />
examinam a atual ficha do fornecedor assim<br />
como o seu potencial <strong>para</strong> produção sustentável,<br />
desenvolvimento local, logística, suprimentos<br />
e institucional, e também <strong>para</strong> questões legais<br />
e de regulamentação. O processo ainda leva<br />
em conta se as características da área e da<br />
população local estão alinhadas com a estratégia<br />
de marketing da linha de produtos que está<br />
sendo desenvolvida. Para aumentar os benefícios<br />
sociais do negócio, a empresa buscou selecionar<br />
fornecedores pertencentes a cooperativas ou<br />
projetos voltados <strong>para</strong> a distribuição de renda. A<br />
maior dificuldade foi encontrar fornecedores que<br />
respondiam aos critérios de sustentabilidade da<br />
empresa, particularmente na região Norte e nas<br />
comunidades vizinhas.<br />
Para lidar com o desafio dos fornecedores, a<br />
empresa assumiu as seguintes iniciativas:<br />
Estabeleceu uma política definindo critérios<br />
de seleção dos fornecedores, assim como as<br />
responsabilidades da Natura em relação a<br />
eles.<br />
Estabeleceu, junto com as comunidades<br />
fornecedoras de matérias-primas da<br />
biodiversidade botânica e os processadores<br />
primários, um programa <strong>para</strong> supervisionar<br />
o relacionamento através de visitas regulares<br />
do pessoal da Natura.<br />
Monitorou as áreas de fornecimento das<br />
matérias-primas botânicas através da adoção<br />
de princípios e critérios socioambientais no<br />
processo de certificação.<br />
Promoveu, com as comunidades, projetos de<br />
desenvolvimento local sustentável<br />
Para a Natura, os seus produtos representam<br />
muito mais do que cosméticos ou artigos<br />
de higiene pessoal; eles foram criados <strong>para</strong><br />
integrar várias facetas dos indivíduos (física,<br />
emocional, intelectual e espiritual), alinhando<br />
com a estratégia, os princípios e as crenças<br />
corporativas. Três linhas de produtos surgiram<br />
com base nesse conceito:<br />
Chronos. A primeira linha, Chronos, inclui<br />
os produtos anti-envelhecimento <strong>para</strong> a pele.<br />
Quando foi lançada em 1986, ela usou a<br />
campanha Mulher Verdadeiramente Bonita<br />
<strong>para</strong> transmitir a mensagem de que é possível<br />
se sentir bem e bonita, independentemente da<br />
idade.<br />
Mamãe e Bebê. A linha Mamãe e Bebê foi<br />
lançada em 1994 e inspirou-se na ligação mãe/<br />
filho, oferecendo uma gama de produtos <strong>para</strong><br />
novas mães e seus bebês.<br />
EKOS. A terceira linha foi a Ekos, lançada<br />
em 2000 e descrita em detalhes a seguir.<br />
Em 2006, a Natura já tinha no seu portfólio<br />
aproximadamente 600 produtos, incluindo<br />
maquiagem, tratamentos <strong>para</strong> rosto e corpo,<br />
higiene pessoal, fragrâncias, produtos <strong>para</strong> os<br />
cabelos, proteção solar e uma linha dedicada às<br />
crianças.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
161
Natura Ekos: Uma linha de produtos<br />
que utiliza recursos da biodiversidade<br />
brasileira e o conhecimento tradicional<br />
A linha Natura Ekos foi lançada em 2000, baseando-se no uso sustentável de ativos da biodiversidade<br />
brasileira. Embora a filosofia da Natura tivesse sua essência no compromisso com o desenvolvimento<br />
sustentável, a linha Ekos foi a primeira a ter o foco no uso de ingredientes naturais usados por<br />
comunidades tradicionais. A Natura usou esses ingredientes combinando-os com componentes<br />
cientificamente testados <strong>para</strong> desenvolver os produtos da linha Ekos.<br />
Preservar e disseminar a herança cultural e conscientizar cada consumidor sobre a riqueza da<br />
biodiversidade brasileira foram alguns dos objetivos estabelecidos <strong>para</strong> a linha Ekos. Desde que a<br />
empresa expandiu o uso de ingredientes ativos a partir da biodiversidade brasileira com a linha Ekos,<br />
ela começou a aplicar sistemas de gestão econômica, social e ambiental em suas relações comerciais<br />
com as comunidades locais (fornecedores) com o apoio de organizações não-governamentais.<br />
Extraídos de florestas, campos e savanas, os ingredientes dessa linha são provenientes de áreas de<br />
cultivo e reservas extrativas registradas pelo IBAMA 2 .<br />
Para se certificar que as matérias-primas da flora brasileira seriam extraídas de acordo com<br />
rigorosos padrões sociais e ambientais, a Natura desenvolveu o Programa de Certificação de<br />
Ingredientes Ativos. O processo de certificação é constituído de três fases: a identificação das áreas de<br />
fornecedores potenciais, a pre<strong>para</strong>ção de uma estratégia de certificação e as inspeções de certificação.<br />
Quinze ingredientes foram certificados através desse programa até 2006. Além da certificação<br />
dos insumos, o programa também encorajou a formalização de associações e cooperativas nas<br />
comunidades fornecedoras, permitindo o acesso às oportunidades comerciais.<br />
Cadeia de valor aberta: o modelo de negócio<br />
Ricardo Martello foi o negociador dos ativos da biodiversidade na Natura desde agosto de 2006,<br />
após mais de um ano como coordenador das ações de desenvolvimento sustentável nas comunidades<br />
fornecedoras. Ele comentou, “Acredito que o conceito já existia antes da linha de produtos. Primeiro,<br />
chegamos ao que queríamos alcançar, o que queríamos dizer com o produto. Após definir isto,<br />
buscamos as matérias-primas, as comunidades e as empresas <strong>para</strong> estabelecer a nossa cadeia de<br />
suprimentos.”<br />
Como as matérias-primas da linha eram extraídas da natureza, as relações com as comunidades<br />
locais eram cruciais. A empresa precisava atrair um número suficiente de pequenos fornecedores<br />
<strong>para</strong> colher e/ou plantar as matérias-primas desejadas. Para isso, a Natura estabeleceu parcerias<br />
com fornecedores rurais (comunidades tradicionais e grupos familiares) em várias regiões do Brasil e<br />
constituiu uma rede que compreende processadores, agências governamentais, ONGs, associações de<br />
produtores e cooperativas, <strong>para</strong> a promoção de pesquisa e desenvolvimento, e <strong>para</strong> identificar novos<br />
ingredientes <strong>para</strong> produtos naturais.<br />
2<br />
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis<br />
162 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Para estabelecer uma cadeia de suprimentos<br />
estável e em conformidade com a lei, as<br />
comunidades fornecedoras precisavam<br />
ser organizadas em associações formais.<br />
Contratos de fornecimento precisavam ser<br />
negociados, assinados e encaminhados<br />
através de uma entidade que pudesse<br />
representar as comunidades formalmente. Ela<br />
forneceria recibos e teria uma conta bancária<br />
<strong>para</strong> transações financeiras. Entretanto, a<br />
formalidade, nesse sentido, não era suficiente.<br />
Ela também teria de representar a comunidade<br />
através de governança que estabelecesse um<br />
registro legal, respondesse por suas ações,<br />
registrasse seus membros, assumisse a<br />
tomada de decisão transparente e constituísse<br />
uma estrutura organizacional. A Natura<br />
ajudou algumas comunidades a formarem<br />
tais associações através de treinamento e<br />
orientação <strong>para</strong>, primeiramente, apoiar a<br />
formalização e, mais tarde, suas operações.<br />
“Existe uma qualidade padrão <strong>para</strong> o setor de<br />
cosméticos que não nos permite incorporar<br />
esta matéria-prima diretamente na produção”,<br />
explicou Ricardo. É necessário que haja<br />
pelo menos um processador intermediário;<br />
portanto, a Natura não estabeleceu uma<br />
relação comercial direta com as comunidades.<br />
O processador é o responsável por<br />
desempenhar o processamento primário,<br />
normalmente a extração e filtragem do óleo.<br />
No caso das essências perfumadas é também<br />
necessário usar um segundo processador<br />
<strong>para</strong> refinar ainda mais o óleo. É após esse<br />
estágio que a Natura processa e embala o<br />
produto <strong>para</strong> distribuição e venda.<br />
Figura 1: Relações na cadeia de<br />
suprimentos da linha Ekos<br />
Cadeia de valor<br />
Associações<br />
Processadores<br />
Natura<br />
Consultoras<br />
Natura<br />
Consumidores<br />
Comunidades<br />
Produtoras e<br />
Extratoras<br />
Promoção do<br />
desenvolvimento<br />
sustentável<br />
Os princípios da linha Ekos impunham<br />
duas diretrizes importantes <strong>para</strong> a Natura.<br />
Ricardo Martello destacou a primeira: “um<br />
dos conceitos básicos da Ekos é oferecer<br />
ganhos econômicos <strong>para</strong> todas as partes<br />
envolvidas”. Inicialmente, a Natura tentou<br />
usar o conceito de “preço justo”, pelo qual os<br />
preços de comercialização ao longo da cadeia<br />
de suprimentos são baseados na repartição da<br />
receita proporcionalmente ao valor agregado<br />
por cada um. Entretanto, quando alto ou<br />
baixo demais, o preço pago aos produtores<br />
locais poderia causar um desequilíbrio no<br />
valor da matéria-prima no mercado local.<br />
Isso poderia resultar na instabilidade de<br />
preços locais, desequilibrando outras cadeias<br />
de valor que usam a mesma matéria-prima.<br />
Como alternativa, a Natura decidiu propor o<br />
conceito de uma cadeia de valor aberta. Na<br />
cadeia de valor aberta, os custos e os lucros<br />
são transparentes <strong>para</strong> todas as partes com<br />
uma margem de lucro acordada entre <strong>todos</strong><br />
eles. As margens de lucro variam entre 15%<br />
e 30%.<br />
A segunda diretriz era que toda a cadeia<br />
de valor deveria ser sustentável. Embora<br />
o relacionamento comercial direto com<br />
as comunidades pertencesse ao primeiro<br />
processador, a Natura agia como guardiã<br />
da cadeia de fornecimento como um todo.<br />
Todas as negociações entre as partes eram<br />
monitoradas e influenciadas pela Natura. A<br />
empresa criou muitas maneiras de contribuir<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento sustentável das<br />
comunidades, como será exemplificado pelas<br />
experiências da cadeia de valor da priprioca.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
163
Construindo uma cadeia de valor produtiva<br />
nas comunidades fornecedoras de priprioca<br />
Priprioca é uma planta brasileira, de longo e fino caule, com raízes de bulbo que se espalham debaixo<br />
do solo como uma teia num raio de até 50 cm. Quando cortado ou amassado, o bulbo libera o<br />
perfume que atraiu os pesquisadores. A priprioca seria um dos ingredientes essenciais da linha Ekos,<br />
portanto a Natura partiu <strong>para</strong> a construção de uma cadeia de valor aberta, visando a sua extração e<br />
fornecimento sustentáveis.<br />
Existe uma lenda contada na cultura local: Piripiri era o nome de um guerreiro cujo cabelo<br />
exalava um perfume que seduzia as mulheres. Entretanto, após passar uma noite com elas, Piripiri<br />
desaparecia e deixava apenas o cheiro de seu perfume. Desapontadas, as mulheres perguntaram ao<br />
pajé da tribo, Supi, o que elas poderiam fazer <strong>para</strong> segurar o guerreiro. Ele disse a elas que deveriam<br />
cortar uma mecha do cabelo de Piripiri e enterrá-la. Uma noite, enquanto ele dormia, elas fizeram<br />
justamente isso. Quando elas acordaram, Piripiri havia desaparecido e nunca mais voltou. Mas uma<br />
planta cresceu no local onde elas haviam enterrado a sua mecha de cabelo, e ela tinha o perfume do<br />
guerreiro. Essa planta recebeu o nome de Piripiri-Oca, (priprioca), lar de Piripiri, na língua Tupi.<br />
Mercado Ver-o-Peso, uma herança<br />
cultural da Amazônia. Quando os<br />
pesquisadores da Natura iniciaram a busca<br />
por matérias-primas que preencheriam os<br />
conceitos da linha Ekos, a região amazônica era<br />
o lugar óbvio por onde começar. A priprioca<br />
foi identificada pela Natura, baseando-se em<br />
pesquisa bibliográfica e visitas nas feiras de<br />
rua da região norte. O mercado Ver-o-Peso, (na<br />
fotografia à direita) em Belém, capital do estado<br />
do Pará, foi o lugar onde eles tiveram o primeiro<br />
contato com a priprioca.<br />
O Mercado Ver-o-Peso foi criado em 1688 <strong>para</strong><br />
fins de arrecadação de impostos e está sempre<br />
cheio e agitado. Ele compreende 26.500 m 2<br />
onde é possível encontrar 2.000 barracas e<br />
vendedores. O mercado é o centro comercial<br />
de Belém, em que os barcos chegam às docas<br />
trazendo produtos do rio e da floresta.<br />
O plantio da priprioca não é algo complicado.<br />
Após o plantio, a única manutenção a ser feita<br />
é a retirada das ervas daninhas periodicamente.<br />
A planta pode ser colhida após um período<br />
de nove meses a um ano, e as raízes da planta<br />
são então cortadas. Entretanto, a produção de<br />
priprioca <strong>para</strong> fins cosméticos requer a extração<br />
do óleo no mesmo dia da colheita, <strong>para</strong><br />
conservar sua fragrância única. Para a Natura,<br />
isso significava que a fábrica processadora<br />
primária precisaria estar localizada próxima<br />
das áreas de plantio. Sendo assim, a<br />
Brasmazon Beraca, uma empresa de Belém,<br />
foi escolhida <strong>para</strong> desempenhar a primeira<br />
etapa do processamento. A Brasmazon Beraca<br />
passou então a vender o óleo <strong>para</strong> a Givaudan,<br />
uma grande empresa transnacional fabricante<br />
de perfumes, responsável pelo processamento<br />
secundário. Finalmente, a Natura compra as<br />
essências refinadas da Givaudan.<br />
No início, a Natura manteve o seu foco<br />
no desenvolvimento dos fornecedores de<br />
priprioca. Um projeto foi imediatamente posto<br />
em prática <strong>para</strong> conseguir que as comunidades<br />
que produziam e forneciam priprioca ficassem<br />
mais próximas das barracas do Ver-o-Peso.<br />
A Natura descobriu uma pessoa que vendia<br />
ervas <strong>para</strong> o Ver-o-Peso comprando pequenas<br />
quantidades de pequenos produtores.<br />
A escala de produção era pequena, de<br />
aproximadamente 4 toneladas por ano, que<br />
era suficiente <strong>para</strong> suprir o mercado local. A<br />
Natura precisava de 40 toneladas por ano.<br />
164 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
As Comunidades de Priprioca. Em 2003,<br />
a comunidade de Boa Vista foi a primeira a ser<br />
incluída no projeto. Quando ficaram sabendo<br />
do volume de ervas necessário <strong>para</strong> a Natura,<br />
os representantes da comunidade disseram<br />
que não tinham certeza da sua capacidade <strong>para</strong><br />
fornecê-lo. Eles se comprometeram a fornecer<br />
uma parte e concordaram que a Natura deveria<br />
procurar outros grupos <strong>para</strong> fornecer o resto.<br />
Boa Vista apoiou inclusive a transferência de<br />
tecnologia <strong>para</strong> o plantio da priprioca e forneceu<br />
tanto as mudas quanto o conhecimento <strong>para</strong><br />
outros produtores. Com base em pesquisas<br />
feitas por um professor da universidade local,<br />
foram identificadas outras comunidades cujas<br />
estruturas formais e perfil operacional se<br />
encaixariam bem na cadeia de suprimento. Duas<br />
outras comunidades foram então trazidas <strong>para</strong><br />
o projeto naquele mesmo ano: a Ilha de Cotijuba<br />
e a comunidade de Campo Limpo. Ambas as<br />
comunidades estavam localizadas na Grande<br />
Belém. Um total de 49 famílias passou a produzir<br />
priprioca <strong>para</strong> a Natura: 23 em Boa Vista, 16 em<br />
Campo Limpo e 10 em Cotijuba.<br />
Cada uma das três comunidades tinha<br />
características únicas. O principal aspecto<br />
em comum era a agricultura familiar. Boa<br />
Vista fornecia pequenas quantidades de ervas<br />
aromáticas <strong>para</strong> o Ver-o-Peso, mas também colhia<br />
açaí. Cotijuba tinha atividades como ecoturismo,<br />
e várias famílias envolvidas no projeto priprioca<br />
também desempenhavam outras atividades<br />
ligadas ao turismo. Muitos dos pequenos<br />
produtores rurais de Campo Limpo também<br />
trabalhavam com outras plantas, principalmente<br />
legumes.<br />
Quando o projeto priprioca foi apresentado <strong>para</strong><br />
as três comunidades, alguns grupos relutaram<br />
em participar, devido às suas frustrantes<br />
experiências prévias com outras empresas.<br />
Porém, a Natura identificou um número<br />
suficiente de famílias entusiasmadas (um total de<br />
49) <strong>para</strong> alcançar a produção anual necessária<br />
de 40 toneladas. Após os primeiros meses,<br />
outras famílias desejaram se juntar ao verem<br />
os benefícios e a seriedade da proposta, mas<br />
apenas aquelas que aceitaram o desafio desde<br />
o início puderam participar. Naquele momento,<br />
as técnicas de plantio eram novas demais, e<br />
a Natura não estava suficientemente certa<br />
sobre o resultado total <strong>para</strong> permitir que mais<br />
famílias entrassem no processo. Contudo,<br />
mais famílias podem vir a se juntar no futuro.<br />
Todas as negociações relacionadas com o<br />
preço e a demanda envolveram as quatro<br />
partes na cadeia: a Natura, a Beraca, a<br />
Givaudan e as comunidades. A Natura<br />
insistiu que os interesses da comunidade<br />
fossem respeitados e não teve nenhuma<br />
dificuldade em convencer os outros parceiros.<br />
As comunidades foram representadas por<br />
suas respectivas associações; entretanto,<br />
não houve negociação coletiva entre as três<br />
comunidades.<br />
Em 2003, o primeiro ano, devido ao<br />
conhecimento limitado sobre o cultivo da<br />
priprioca, a área de plantio foi definida pelo<br />
que se sabia sobre a produtividade alcançada<br />
com a coivara 3 . Poucas pessoas em Boa Vista<br />
já haviam trabalhado com a priprioca, mesmo<br />
assim, elas haviam apenas trabalhado com<br />
as pequenas barracas no Ver-o-Peso. Não<br />
havia preço de mercado <strong>para</strong> uma produção<br />
em grande escala. Os contratos iniciais com<br />
cada comunidade estabeleciam um preço<br />
baseado na área plantada e eram válidos por<br />
três anos. O preço sugerido pelos produtores<br />
foi acordado com todas as partes e era mais<br />
alto do que o mesmo pago pelas barracas do<br />
mercado naquela época.<br />
A Natura forneceu as mudas gratuitamente e<br />
ofereceu conselhos sobre práticas de plantio<br />
sustentáveis. Com uma alta produtividade<br />
surpreendente, a produção de priprioca<br />
foi muito maior do que o esperado <strong>para</strong> o<br />
primeiro e o segundo ano. Dessa forma, a<br />
Beraca e a Givaudan precisaram manter<br />
um estoque excessivo. Enquanto a Beraca<br />
contratava quantidades menores das<br />
comunidades, a Natura tentava incorporar<br />
quantidades maiores de matéria-prima<br />
lançando produtos que continham priprioca. A<br />
combinação do alto preço inicial das matériasprimas,<br />
a partir de contratos baseados na área<br />
plantada, com um inesperado aumento da<br />
produtividade levou a um efeito indesejável: a<br />
redução da demanda por priprioca.<br />
3<br />
Coivara é uma prática agrícola tradicional que envolve o corte e a queima da floresta <strong>para</strong> o plantio em revezamento. Em alguns poucos<br />
anos o solo torna-se árido, e novas áreas de plantio são cortadas e queimadas. Em pequena escala, esse procedimento não danifica a<br />
floresta de forma significativa, mas a coivara não é sustentável em escalas industriais. A Natura não empregou esse método, mas ele foi<br />
usado <strong>para</strong> estimar a produtividade esperada por área de terra.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
165
Mas uma demanda reduzida precisava ser<br />
equilibrada com um mínimo de impacto sobre<br />
os padrões de renda estabelecidos <strong>para</strong> as<br />
comunidades no primeiro ano. No início, o preço<br />
inicial foi mantido, mas as áreas de plantio<br />
foram reduzidas. Ajustes foram feitos à medida<br />
que o tempo passava, e eles foram sempre<br />
transparentes: a Natura mostrava a evolução<br />
das vendas e do mercado, e as comunidades<br />
compartilhavam seus cenários de produção.<br />
Em 2005, as experiências de dois anos com<br />
novas técnicas de plantio tornaram possível o<br />
estabelecimento de um preço por quilo. Volumes de<br />
compra, em vez de áreas plantadas, foram fixados.<br />
Finalmente, em 2006, as comunidades exigiram um<br />
aumento no preço <strong>para</strong> chegar a uma quantia mínima<br />
de receita total, mais próxima daquela recebida no<br />
primeiro ano. Tendo alcançado o equilíbrio entre<br />
produção e demanda, a empresa previu que a<br />
produção cresceria pela primeira vez em 2007.<br />
Campo Limpo, um caso especial<br />
O estado do Pará está localizado no norte do<br />
Brasil, onde a Natura adquire grande parte das<br />
matérias-primas da linha Ekos.<br />
As comunidades produtivas possuem uma<br />
concepção ampla no Pará que abrange os<br />
seguintes grupos: produtores florestais em<br />
unidades de conservação ou reservas naturais,<br />
agricultores familiares, cooperativas e pequenos<br />
negociantes. Um estudo realizado pelo governo do<br />
Pará 4 identificou algumas dificuldades específicas<br />
enfrentadas pelas comunidades da região:<br />
Baixo nível de organização dentro das<br />
comunidades.<br />
Inexperiência na gestão ambiental, social e<br />
econômica.<br />
Falta de mecanismos <strong>para</strong> a transmissão de<br />
informação.<br />
Conflitos entre os líderes.<br />
Altos níveis de dependência em líderes<br />
individuais, o que se torna um problema<br />
quando, por alguma razão, o líder é afastado.<br />
capital é Belém e sua economia é baseada na extração<br />
mineral (ferro, bauxita, manganês, cal, ouro, estanho),<br />
vegetal (madeira), e também na agricultura, criação de<br />
gado e outros animais, e na indústria moveleira.<br />
Tabela 2: Alguns índices econômicos<br />
e de pobreza do Pará<br />
PIB<br />
PIB per capita<br />
Crescimento anual do PIB<br />
População total<br />
População pobre<br />
Pobreza rural<br />
Pobreza urbana<br />
Índice GINI<br />
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />
R$ 34,3 bilhões<br />
6.695.940 pessoas<br />
1.140.000 pessoas<br />
O estado do Pará. A região amazônica<br />
compreende uma área de aproximadamente 5,1<br />
milhões de quilômetros quadrados (cerca de 60%<br />
do território brasileiro) e cobre nove estados. Essa<br />
região possui a menor densidade populacional<br />
do país com aproximadamente 25 milhões de<br />
habitantes distribuídos nessa enorme área.<br />
Com 1,25 milhões de quilômetros quadrados,<br />
o Pará é o segundo maior estado da região. Sua<br />
Os maiores problemas do Pará estão relacionados com<br />
questões ambientais e de gestão da terra. O estado<br />
possui uma das mais importantes reservas ambientais<br />
do mundo, mas também amplas disparidades<br />
socioeconômicas que resultam em inúmeros, e às vezes<br />
violentos, conflitos pela posse de terra.<br />
4<br />
“Programa <strong>para</strong> a Redução da Pobreza e Gestão de Recursos Naturais do Estado do Pará<br />
– Pará-Rural – Um marco <strong>para</strong> a Avaliação Ambiental”<br />
166 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
À primeira vista, Campo Limpo pode ser vista<br />
como uma típica comunidade rural do Pará. A<br />
comunidade nunca havia produzido priprioca<br />
antes da Natura. A mandioca e os legumes eram<br />
os tradicionais plantios em Campo Limpo. A<br />
produtividade era muito baixa, e o plantio era feito<br />
sem nenhuma técnica específica. Mas Luciana<br />
Roncolleta, da Natura, diz: “Acredito que esta seja<br />
a comunidade mais entusiasmada com a idéia.<br />
Embora eles nunca tivessem produzido priprioca<br />
antes, esta comunidade é a que mais segue o<br />
planejamento e que tem a melhor produção”.<br />
Tomadas de decisão na comunidade ilustram esse<br />
fato. Quando os produtores de Campo Limpo<br />
receberam seu primeiro pagamento da Natura, por<br />
exemplo, os membros da comunidade reuniramse<br />
<strong>para</strong> discutir o que fazer com o dinheiro.<br />
Nazareno Mateus, presidente da associação local,<br />
explicou que cada produtor recebeu sua parte<br />
proporcionalmente ao nível de sua produção. Cada<br />
família havia tido um pedido <strong>para</strong> 20 canteiros<br />
de priprioca, mas como a produção foi muito<br />
mais abundante do que a esperada havia uma boa<br />
quantia de dinheiro. As casas eram de taipa 5 e a<br />
maioria do grupo decidiu construir novas casas.<br />
Cada família preparou seu próprio projeto e<br />
contratou os construtores. Agora, as casas são feitas<br />
de tijolos.<br />
A associação de Campo Limpo é bem organizada,<br />
e esse também foi um fator-chave <strong>para</strong> o sucesso.<br />
Todo o dinheiro é contabilizado de forma<br />
transparente e comunicado pelos diretores. As<br />
reuniões são registradas em minutas.<br />
Dois exemplos de como a comunidade<br />
constrói seu sucesso. Certo dia a Natura avisou<br />
que havia algum dinheiro depositado no banco<br />
<strong>para</strong> a associação local. Era a parte devida a Campo<br />
Limpo pelos direitos de imagem das imagens<br />
usadas em filmes <strong>para</strong> promover a priprioca. Como<br />
sempre, os membros foram chamados <strong>para</strong> a “sala<br />
de reuniões” debaixo das mangueiras. Juntos, eles<br />
decidiram comprar um ônibus. “Seria usado <strong>para</strong><br />
transportar nossa colheita, <strong>para</strong> levar as pessoas<br />
em viagens e alugar <strong>para</strong> outras comunidades”,<br />
explicou Nazareno. Eles compraram um ônibus,<br />
e à medida que o tempo passou, perceberam que<br />
era difícil gerenciar o uso do veículo. Ele então foi<br />
alugado à prefeitura local e agora é uma fonte de<br />
renda <strong>para</strong> a associação.<br />
A eletricidade também é algo novo que chegou<br />
à comunidade. Ney e sua irmã Rosilene fizeram<br />
um grande esforço <strong>para</strong> convencer o prefeito<br />
local a levar linhas de transmissão de eletricidade<br />
até a comunidade. Os postes já foram colocados.<br />
Ney agora pretende convencer a empresa de<br />
eletricidade a estender os cabos até a área de<br />
plantio, <strong>para</strong> que a bomba d’água movida a<br />
diesel possa ser eliminada.<br />
A ajuda externa também sempre foi bem-vinda.<br />
Aílson Ney trabalhava <strong>para</strong> a Emater 6 como<br />
especialista em desenvolvimento rural. Sua<br />
contribuição agregou <strong>valores</strong> importantes à<br />
comunidade. Quando visitou Campo Limpo<br />
pela primeira vez, Aílson ficou preocupado<br />
com a falta de diversidade no plantio. Esse<br />
era um grande risco <strong>para</strong> o futuro porque não<br />
havia garantias de que a Natura continuaria a<br />
trabalhar com a comunidade no longo prazo<br />
ou que o negócio da priprioca seria bemsucedido.<br />
Não foi difícil <strong>para</strong> Ney convencer<br />
o gerente local do Banco do Brasil a financiar<br />
a produção de legumes em Campo Limpo e<br />
ajudar na diversificação agrícola da plantação.<br />
A estrutura das famílias, a organização da<br />
comunidade e o histórico dos negócios com a<br />
Natura contribuiu <strong>para</strong> isso. Durante o primeiro<br />
ano, o empréstimo chegou a aproximadamente<br />
R$12.000, com uma carência de dois anos, e<br />
foi pago integralmente antes do prazo. O banco<br />
refinanciou o empréstimo <strong>para</strong> a comunidade<br />
no total de R$13.200. Além da priprioca, a<br />
comunidade agora produz legumes, mandioca e<br />
frutas (mamão e limão).<br />
Em seguida, Campo Limpo começou a produzir<br />
produtos orgânicos. Ney conduziu uma visita<br />
dos membros da comunidade ao laboratório<br />
experimental da Emater <strong>para</strong> que eles<br />
aprendessem sobre a agricultura orgânica. Em<br />
2006, a comunidade já estava se pre<strong>para</strong>ndo<br />
<strong>para</strong> que sua produção orgânica fosse<br />
certificada. Luciana reflete sobre o que ela tem<br />
visto na comunidade: “Eles não ficam esperando<br />
pela Natura. Eles procuraram o escritório local<br />
da Emater e conseguiram agendar uma visita e<br />
um curso”.<br />
A influência das mulheres. A influência<br />
das mulheres em Campo Limpo claramente<br />
impactou no comportamento e no sucesso da<br />
comunidade inteira. As mulheres estão sempre<br />
cuidando das crianças e participam muito da<br />
educação delas. Rosilene, por exemplo, costuma<br />
ir à escola com suas crianças todas as manhãs,<br />
<strong>para</strong> ajudar a professora delas.<br />
As mulheres também são muito ativas<br />
politicamente. Rosilene e Maria de Lurdes,<br />
a esposa de Nazareno, explicaram por que<br />
votaram nos candidatos que escolheram na<br />
última eleição. Elas sabem o que querem do<br />
novo governo estadual e insistem que irão<br />
encontrar uma maneira de fazer com que seus<br />
projetos se realizem.<br />
5<br />
Taipa: construção feita de varas, galhos e cipós cobertos com barro.<br />
6<br />
A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) é uma agência oficial do governo que presta serviços nas áreas de ciências<br />
humanas e agrárias e transmite informação e conhecimento tecnológico qualificado nas áreas rurais do estado do Pará.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
167
Durante a caminhada de dois quilômetros até a área de plantio, Maria de Lurdes disse: “Se você chegar na<br />
comunidade e não nos achar, basta caminhar até a área de plantio e você vai nos encontrar trabalhando<br />
lá”. Normalmente, os homens saem de casa muito cedo de manhã e voltam na hora do almoço. À tarde, as<br />
mulheres normalmente os acompanham de volta até o trabalho <strong>para</strong> cuidar de suas próprias plantas. Está<br />
absolutamente claro que elas não permitirão que os homens desanimem ou percam a inspiração.<br />
Fatores-chave do sucesso e<br />
lições aprendidas<br />
O conceito da linha Ekos necessitava de um forte<br />
compromisso das comunidades. A priprioca era<br />
apenas um dos dezessete ingredientes naturais<br />
adquiridos das comunidades locais <strong>para</strong> constituir<br />
a linha Ekos, mas ela exemplifica o processo,<br />
as lições e as inovações desenvolvidas ao longo<br />
do caminho. Lições que a Natura aprendeu a<br />
partir dos relacionamentos com as comunidades<br />
fornecedoras, no processo de criação e<br />
implementação da linha Ekos, são discutidas a<br />
seguir:<br />
Transparência. Um relacionamento consistente<br />
com as comunidades necessitava de altos níveis<br />
de confiança. No que se refere à cadeia de<br />
suprimentos da linha Ekos, Ricardo Martello<br />
afirmou: “Sempre houve muita transparência<br />
nesta cadeia sobre o que estava envolvido, quem<br />
eram os stakeholders, e como a responsabilidade<br />
e o trabalho eram compartilhados nas tarefas”.<br />
A transparência também foi fundamental <strong>para</strong> o<br />
estabelecimento dos preços. O conceito de cadeia<br />
de valor aberta exigiu que <strong>todos</strong> os parceiros<br />
soubessem dos custos ao longo de <strong>todos</strong> os<br />
estágios de desenvolvimento do produto e<br />
garantiu o pagamento justo pelo trabalho. Ricardo<br />
Martello chamou a atenção <strong>para</strong> o fato de que “A<br />
transparência ajuda até mesmo na renegociação<br />
de ajustes”. As comunidades têm custos, tais como<br />
os de mão-de-obra, matérias-primas e fertilizantes<br />
naturais. Quando o peso de cada componente<br />
ficou claro, foi possível recalcular o custo total e<br />
renegociar uma nova distribuição de <strong>valores</strong> entre<br />
as partes.<br />
Desenvolvimento sustentável. Os princípios<br />
e <strong>valores</strong> da Natura incluem um forte senso<br />
de compromisso com o desenvolvimento<br />
sustentável das comunidades. Esse aspecto tem<br />
sido encorajado nas discussões das comunidades<br />
parceiras sobre modelos de desenvolvimento<br />
local sustentável e, da mesma forma, a Natura<br />
tem tentado contribuir com a organização social<br />
das comunidades, indo além dos interesses de<br />
negócios. A empresa queria compreender a<br />
realidade local. ONGs locais foram contratadas<br />
<strong>para</strong> melhor entender as pessoas, assim<br />
como suas necessidades e demandas. A<br />
conclusão principal foi que a complexidade<br />
do relacionamento, a diversidade de situações<br />
e a importância das comunidades como<br />
fornecedores de matéria-prima necessitava de<br />
um departamento específico dentro da empresa<br />
<strong>para</strong> lidar com elas. Também foi concluído<br />
que seria necessário criar parcerias <strong>para</strong><br />
implementar o plano de ação construído após<br />
esse processo de compreensão.<br />
O Programa de Desenvolvimento Sustentável<br />
com as Comunidades Fornecedoras da Natura,<br />
criado em 2005, estabeleceu o objetivo de<br />
promover o desenvolvimento sustentável<br />
nessas comunidades (na região norte do<br />
Brasil) buscando reforços locais, no âmbito<br />
social e ambiental, que vão além da atividade<br />
comercial com a Natura. Diagnósticos<br />
locais foram feitos com o as comunidades<br />
fornecedoras <strong>para</strong> monitorar o progresso do<br />
desenvolvimento sustentável. Para determinar<br />
a maneira apropriada de medição, de acordo<br />
com cada região, múltiplas partes interessadas<br />
foram consultadas; estão entre elas: entidades<br />
públicas, ONGs, empresas do setor privado e<br />
universidades. Em 2005, o Diagnóstico Local<br />
Participativo e o Plano de Desenvolvimento<br />
Comunitário Iratapuru Sustentável (PDCI) foram<br />
concluídos. A Natura contratou uma firma<br />
de consultoria externa <strong>para</strong> desenvolver, em<br />
sistema de colaboração, os dois programas com<br />
a comunidade. O PDCI apresentou ações críticas<br />
<strong>para</strong> serem executadas no curto e médio prazo,<br />
assim como a implementação de estratégias. Em<br />
2005, o Instituto Peabiru, uma ONG local das<br />
comunidades de Boa Vista, Cotijuba e Campo<br />
Limpo, desenvolveu um processo semelhante.<br />
Um fundo de desenvolvimento comunitário<br />
também foi criado a partir de um percentual<br />
da receita gerada pela venda da matéria-prima<br />
produzida pelas comunidades. O dinheiro será<br />
usado <strong>para</strong> financiar projetos que visem ao<br />
desenvolvimento sustentável local, sujeitos à<br />
aprovação de <strong>todos</strong> os parceiros envolvidos na<br />
cadeia de valor.<br />
168 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Práticas de gestão. O Sistema de Gestão da<br />
Responsabilidade Corporativa avaliou riscos<br />
relativos a questões de comportamento ético,<br />
transparência, diálogo aberto com o público e<br />
adoção de metas de sustentabilidade corporativa.<br />
Essa ferramenta de gestão ajudou a identificar<br />
áreas <strong>para</strong> melhoria. As prioridades foram<br />
estabelecidas com base nos resultados, e os<br />
planos de ação postos em prática. Uma Matriz de<br />
Investimento em Responsabilidade Corporativa<br />
ajudou a monitorar as atividades principais da<br />
gestão socialmente responsável. O Sistema de<br />
Gestão Ambiental (baseado nas normas ISO<br />
14001) monitorou as metas e os indicadores<br />
ambientais. Esses dois sistemas alimentaram o<br />
ciclo de planejamento e o mapa estratégico nos<br />
quais o mesmo nível de importância foi atribuído<br />
aos objetivos socioambientais e financeiros.<br />
Em 2005, a empresa começou a implementar<br />
o Sistema de Gestão de Responsabilidade<br />
Corporativa nas suas operações internacionais.<br />
Em termos de estrutura interna, a Natura<br />
criou o Grupo de Gestão de Relações com as<br />
Comunidades. O grupo está encarregado de<br />
identificar e trabalhar com as comunidades<br />
fornecedoras. Essa equipe multifuncional<br />
tem contribuído no desenvolvimento de uma<br />
estratégia <strong>para</strong> identificar e desenvolver<br />
as comunidades fornecedoras de ativos da<br />
biodiversidade, a partir de critérios que permitam<br />
a parceria comercial e a geração de benefícios<br />
<strong>para</strong> <strong>todos</strong> os stakeholders envolvidos.<br />
Técnicas de plantio. A tradicional prática<br />
agrícola, de cortar e queimar, dos índios da<br />
região amazônica não era sustentável em<br />
escala industrial. A Natura ensinou <strong>para</strong> as<br />
comunidades fornecedoras de priprioca uma<br />
nova técnica de plantio: o plantio em canteiros<br />
e uso de fertilizantes naturais. Esse processo<br />
envolveu mais trabalho, mas a mão-de-obra<br />
adequada foi contabilizada nas negociações <strong>para</strong><br />
o estabelecimento dos preços.<br />
Compartilhamento de benefícios. As<br />
empresas farmacêuticas e de cosméticos, assim<br />
como outros setores, têm, há muito tempo,<br />
explorado o conhecimento indígena sobre a<br />
biodiversidade local <strong>para</strong> fins medicinais e<br />
outros propósitos, proporcionando poucos<br />
benefícios aos povos indígenas. O Brasil assinou<br />
uma lei em 2001 <strong>para</strong> apoiar a conservação<br />
e o uso sustentável da biodiversidade. O<br />
compartilhamento de benefícios está entre os<br />
fatores importantes desse compromisso, mas,<br />
além de pouca experiência prática, não existiam<br />
procedimentos suficientes ou condições <strong>para</strong><br />
torná-lo funcional.<br />
A Natura foi pioneira no compartilhamento<br />
de benefícios oriundos de recursos genéticos<br />
durante o desenvolvimento da linha Ekos, cuja<br />
base legal é um pouco mais clara do que <strong>para</strong><br />
outras questões relativas ao compartilhamento<br />
de benefícios (como o conhecimento<br />
tradicional). “A Natura tem sido precursora<br />
no compartilhamento desses benefícios<br />
e, de certo modo, no estabelecimento de<br />
procedimentos <strong>para</strong> o cumprimento da lei. Ainda<br />
há muitos fatores de incerteza e imprecisão.<br />
Vale mencionar que tomamos a iniciativa<br />
de reconhecer tais benefícios formalmente”,<br />
acrescenta Ricardo Martello.<br />
As negociações sobre o patrimônio genético<br />
foram realizadas a partir de uma proposta da<br />
empresa <strong>para</strong> os grupos, com a assistência de<br />
um antropólogo (uma exigência do Ministério do<br />
Meio Ambiente). Quando se chegou a um acordo,<br />
solicitou-se a aprovação do Conselho de Gestão<br />
do Patrimônio Genético (órgão governamental<br />
oficial) e também das ONGs e indústrias (dos<br />
setores farmacêutico e de biotecnologia).<br />
Em 2006, a Natura aprovou o Breu Branco<br />
e o Cupuaçu, com o benefício calculado em<br />
percentual sobre a receita líquida da venda dos<br />
produtos.<br />
Relacões com o governo . A experiência<br />
com a Emater em Campo Limpo destacou a<br />
importância de incluir os órgãos governamentais<br />
nos esforços <strong>para</strong> a promoção do<br />
desenvolvimento sustentável nas comunidades<br />
fornecedoras. A Emater contribuiu com valiosa<br />
assistência técnica oferecida aos produtores e<br />
com a capacidade de se relacionar facilmente<br />
com as comunidades. Na busca de parcerias com<br />
o governo do Pará, a Natura descobriu sinergias<br />
com programas estaduais de desenvolvimento,<br />
como o Pará Rural.<br />
Ao mesmo tempo, a experiência com o<br />
compartilhamento de benefícios demonstrou a<br />
importância de cooperar com outras instituições,<br />
além do governo, <strong>para</strong> ajudar na melhoria e<br />
na aplicação da lei. O uso da biodiversidade<br />
brasileira ainda está sujeita a um sistema<br />
institucional imaturo.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
169
A Fábrica de sabonete: novos horizontes<br />
<strong>para</strong> o aumento da produção<br />
Enquanto os produtos de priprioca e a linha Ekos seguem seus caminhos de crescimento<br />
como cosméticos do portfólio da Natura, a empresa tem buscado contribuir ainda mais<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento sustentável do Pará e os seus estados vizinhos. Em 2006, a Natura<br />
inaugurou uma nova fábrica de massa de sabonete perto de Belém, no município de<br />
Benevides.<br />
Benevides é um exemplo típico de terra desmatada. Sua vegetação está predominantemente<br />
composta por florestas secundárias que substituíram as florestas originais cortadas <strong>para</strong><br />
a produção de madeira, agricultura de subsistência e pastagem. A vegetação original<br />
que cobria a região foi alterada em mais de 95,75% de sua área, mas algumas florestas e<br />
bosques preservados ainda podem ser encontrados ao longo das margens dos rios, tais<br />
como as matas ciliares, florestas de água branca e mangues na parte mais baixa do córrego<br />
Tauá.<br />
Situações semelhantes prevalecem por toda a região onde a floresta foi cortada nos últimos<br />
40 anos. Para as comunidades que anteriormente viviam na floresta amazônica e levavam<br />
um estilo de vida com base na subsistência familiar, era preciso encontrar um novo meio<br />
de vida. A princípio, isso parecia incompreensível <strong>para</strong> as comunidades da floresta. Porém,<br />
pouco a pouco, novas redes sociais foram estabelecidas em torno da atividade agrícola de<br />
subsistência e da criação de gado. O espaço físico aberto permitiu novas fronteiras agrícolas<br />
que pudessem suprir as cidades que surgiram em decorrência da floresta destruída.<br />
Para a Natura, o desenvolvimento de novas redes e meios de vida tinha o potencial <strong>para</strong><br />
aplicação de conhecimento e expansão da vegetação tradicional que crescia na floresta<br />
secundária. Seria natural começar a criar redes produtivas baseadas na agricultura de<br />
subsistência, associações e cooperativas. Novas empresas de processamento e comércio<br />
completariam a rede.<br />
O óleo de palma é um ingrediente essencial <strong>para</strong> a produção de sabonete sem ingredientes<br />
de base animal, que é uma das normas da Natura. Inicialmente, a fábrica de sabonetes da<br />
Natura comprava 14.000 toneladas de óleo de palmeira por ano da Agropalma (uma grande<br />
empresa local).<br />
A idéia era substituir pouco a pouco o fornecimento de óleo de palma por matérias-primas<br />
compradas diretamente dos produtores de Benevides, usando o modelo bem-sucedido<br />
estabelecido com a linha Ekos. “Estamos <strong>criando</strong> as condições <strong>para</strong> inovar nas tecnologias<br />
de processamento <strong>para</strong> diversas outras espécies além da palmeira. Dessa forma, criaremos<br />
novas condições <strong>para</strong> a agricultura e, principalmente, <strong>para</strong> o manuseio sustentável das<br />
florestas primárias e secundárias que restam,” diz José Renato Cagnon, gerente da fábrica<br />
de sabonete. Um amplo estudo <strong>para</strong> catalogar a floresta num raio de 200 km da fábrica<br />
contribuirá na obtenção do conhecimento necessário <strong>para</strong> o estabelecimento de uma<br />
produção estável de óleo de palma, baseada nas atuais condições naturais e sociais instáveis.<br />
Nenhuma família foi contratada diretamente como fornecedora, mas o projeto tem o<br />
potencial de incluir cerca de 5.000 famílias.<br />
Conclusão<br />
A experiência da Natura com a linha Ekos ilustra possibilidades existentes <strong>para</strong> o<br />
estabelecimento de parcerias com as comunidades e <strong>para</strong> a promoção do desenvolvimento<br />
sustentável no norte do Brasil. A Natura reconheceu essas possibilidades e tem buscado<br />
criar e alimentar um negócio que desenvolve redes sociais existentes e contribui <strong>para</strong><br />
um meio de vida sustentável a partir da extração de produtos naturais da floresta que<br />
não sejam a madeira. Dessa forma, o consumo de seus produtos gera benefícios que são<br />
compartilhados ao longo da cadeia de suprimentos e com o meio ambiente natural do qual<br />
as matérias-primas são extraídas.<br />
170 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
REFERÊNCIAS<br />
Financial Times. Website oficial. Disponível<br />
em www.ft.com.<br />
Ghoshal, S, et al. 2002. Natura: The magic<br />
behind Brazil’s most admired company.<br />
London Business School.<br />
Natura. 2005. Relatório Anual.<br />
Natura. Website oficial. Disponível em<br />
www.natura.net.<br />
Natura. Um país encontra sua essência.<br />
Filme Natura. Região amazônica.<br />
Disponível em http://pt.wikipedia.<br />
org/w/index.phptitle=Regi%C3%A3o_<br />
amaz%C3%B4nica&oldid=2056983. 4<br />
de janeiro de 2007.<br />
Uniethos. Natura Ekos, The Brazilian<br />
Biodiversity. Disponível em http://<br />
www.uniethos.org.br/_Ethos/<br />
documents/natura_text.pdf.<br />
Wikipedia. Pará. Disponível em http://<br />
pt.wikipedia.org/w/index.phptitle=<br />
Par%C3%A1&oldid=4440062. 4 de<br />
janeiro de 2007.<br />
Wikipedia. Ver-o-Peso. Disponível em<br />
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ver-opeso.<br />
12 de fevereiro de 2007.<br />
ENTREVISTAS<br />
Ailson (Ney). Extensionista Rural da Emater, Santo Antônio do Tauá. 20 de dezembro de 2006.<br />
Cagnon, José Renato. Gerente de Unidade de Negócios, Natura Cosméticos. Benevides, PA. 20<br />
de dezembro de 2006.<br />
Martello, Ricardo. Negociador de suprimentos, Natura Cosméticos. Cajamar, SP. 01 de<br />
dezembro de 2006.<br />
Mateus, Nazareno Neves. Presidente da Associação de Agricultores de Campo Limpo. Campo<br />
Limpo, PA. 20 de dezembro de 2006.<br />
Mateus, Rosilene e Maria de Lurdes. Agricultores. Campo Limpo, PA. 20 de dezembro de 2006.<br />
Roncolleta, Luciana. Coordenadora de Relacionamento com a Comunidade, Natura Cosméticos.<br />
Cajamar, SP. 31 de outubro de 2006.<br />
CASO. NATURA EKOS<br />
171
P r o g r a m a d e<br />
Suinocultura Sustentável<br />
Sadia (Programa 3S):<br />
trazendo sustentabilidade <strong>para</strong> a cadeia de suprimentos<br />
Pre<strong>para</strong>do por:<br />
Cláudio Boechat, Nísia<br />
Werneck & Letícia Miraglia<br />
Setor: Alimentos<br />
Classe de Empresa:<br />
Multinacional do Sul<br />
RESUMO<br />
O Programa de Suinocultura Sustentável Sadia<br />
(Programa 3S) foi projetado <strong>para</strong> ajudar mais de 3500<br />
produtores de suínos a reduzir as emissões de gases do efeito<br />
estufa emanadas de suas operações. Desenvolvido e gerenciado pelo<br />
Instituto de Sustentabilidade da Sadia, o Programa 3S busca instituir a<br />
sustentabilidade da cadeia de suprimentos da empresa. As reduções nas<br />
emissões qualificam-se <strong>para</strong> o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo<br />
(MDL) do protocolo de Kyoto, sob o qual o Instituto Sadia vende seus<br />
créditos de carbono. A tecnologia de redução das emissões gera receita<br />
suplementar e melhores condições de trabalho <strong>para</strong> os produtores de<br />
suínos da Sadia (produtores rurais), reduzindo, ao mesmo tempo, o<br />
impacto ambiental associado à produção de suínos.<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
173
174 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Visão geral da empresa<br />
Fundada no Brasil em 1944, a Sadia é um dos maiores<br />
produtores do mundo de alimentos frios e congelados.<br />
No Brasil, a empresa lidera <strong>todos</strong> os segmentos de<br />
mercado de seus 680 produtos, incluindo carnes,<br />
massas, margarinas e sobremesas (veja os detalhes na<br />
TAB. 1). Ela é também a principal exportadora do país<br />
de produtos à base de carne. A empresa tem mais de<br />
40.000 funcionários e 12 unidades industriais no Brasil,<br />
que juntas produzem mais de 1,3 milhões de toneladas<br />
de produtos à base de proteína derivados de frango,<br />
peru e carnes suína e bovina. Em 2006, sua receita<br />
totalizou 3,7 bilhões de dólares. A FIG. 1 ilustra a receita<br />
especificada por categoria de produto.<br />
Figura 1: Receita registrada<br />
(2006) por categoria de produto<br />
Outros:<br />
Bovino<br />
4%<br />
4%<br />
Porco<br />
7%<br />
17%<br />
Frango<br />
Pedaços<br />
de frango<br />
US$ 3,7 bilhões<br />
19%<br />
49%<br />
Produtos<br />
industrializados<br />
Fonte: Sadia<br />
Figura 2: Receita Bruta Operacional da<br />
Sadia (1998 - 2006) em milhões de R$<br />
Receita Bruta Operacional<br />
7.317<br />
8.328<br />
4,7%<br />
{<br />
7.940<br />
TOTAL<br />
5.855<br />
51% 56%<br />
4.689<br />
51%<br />
4.017<br />
55%<br />
3.146 3.258<br />
2.654<br />
58%<br />
62%<br />
82%<br />
73% 73%<br />
49% 44%<br />
49%<br />
45%<br />
18% 27% 27% 38% 42%<br />
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006<br />
Mercado<br />
Brasileiro<br />
Mercado<br />
Internacional<br />
Fonte: Sadia<br />
Tabela 1: Classificação por segmento<br />
de produtos no mercado brasileiro<br />
Classificação Participação Fonte Período<br />
no Mercado<br />
Congelados<br />
1º<br />
43,2%<br />
NIELSEN<br />
ON06<br />
Resfriados<br />
1º<br />
30,2%<br />
NIELSEN<br />
ND06<br />
Margarina<br />
1º<br />
38,1%<br />
NIELSEN<br />
ON06<br />
Frangos<br />
1º<br />
14,2%<br />
ABEF<br />
2005<br />
Peru<br />
1º<br />
65,6%<br />
UBA<br />
2005<br />
Porco<br />
1º<br />
12,2%<br />
ABIPECS<br />
2005<br />
ON06 – outubro/novembro 2006 ND06 – novembro/dezembro 2006<br />
Fonte: Sadia<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
175
A Sadia foi considerada a marca mais valiosa do setor de alimentos brasileiro pela quarta vez<br />
consecutiva em pesquisa divulgada pela consultoria inglesa Interbrand em 2005. Seus produtos<br />
podem ser encontrados em mais de 300.000 pontos de venda por todo o Brasil. A Sadia também<br />
exporta <strong>para</strong> aproximadamente 200 clientes estrangeiros em quase 100 países (algumas das marcas<br />
estão mostradas na FIG. 3), principalmente na Europa e no Oriente Médio, mas também <strong>para</strong> Rússia,<br />
Japão, sudeste da Ásia e Américas. A distribuição das vendas internacionais é mostrada na FIG. 4.<br />
Figura 3: Marcas selecionadas da<br />
Sadia no mundo inteiro<br />
Figura 4: Distribuição regional<br />
de vendas<br />
US$1,6 bilhões<br />
Américas<br />
15%<br />
23%<br />
Oriente Médio<br />
Eurásia<br />
21%<br />
26%<br />
Europa<br />
15%<br />
Ásia<br />
Fonte: Sadia<br />
SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA<br />
Valores como a educação, a transparência, o bem-estar, a saúde e a segurança de funcionários e<br />
consumidores sempre foram considerados, desde que o fundador da Sadia, Attilio Fontana, iniciou o<br />
negócio. Reconhecendo a crescente influência de questões sociais e ambientais, a Sadia criou, em 2004,<br />
o Comitê Estratégico de Sustentabilidade, que compreende alguns dos mais altos executivos da empresa.<br />
O Instituto Sadia de Sustentabilidade, que será apresentado neste estudo de caso, também foi criado em<br />
2004 <strong>para</strong> gerenciar o investimento social da companhia.<br />
Atualmente, a Sadia possui um Comitê de Sustentabilidade no seu Conselho que conta com a<br />
participação do Presidente do Conselho.<br />
A Sadia também integra o Laboratório de Alimentos Sustentáveis (Food Lab), um projeto elaborado<br />
<strong>para</strong> repensar os sistemas da cadeia de suprimentos de alimentos da América Latina, América do Norte<br />
e Europa. Empresas, governos e organizações da sociedade civil trabalham juntos <strong>para</strong> desenvolver<br />
produtos alimentícios que, além de serem mais saudáveis, são mais sustentáveis ao longo da cadeia de<br />
suprimentos, do produtor ao consumidor final. A empresa está liderando uma iniciativa brasileira do<br />
Food Lab, chamada Brazilian Business Coalition, <strong>para</strong> engajar as partes interessadas da cadeia produtiva<br />
de alimentos no Brasil.<br />
176 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Impulsionadores do Programa 3S<br />
Em 2004, a Sadia reconheceu a necessidade de olhar mais estrategicamente as implicações<br />
ambientais e sociais do seu negócio. Os principais impulsionadores do Programa 3S estavam<br />
relacionados ao impacto social e ambiental da produção de suínos.<br />
Para atender a demanda por seus produtos, a Sadia faz parceria com cerca de 10.000 produtores de<br />
frangos e suínos no Brasil, chamados pela empresa de integrados. Dos integrados da Sadia, 3.500<br />
são produtores de suínos. Aqueles que possuem mais de 1000 animais, são considerados grandes<br />
produtores, os que possuem entre 600 e 1000 animais, produtores médios e o restante, com menos<br />
de 600 animais, pequenos produtores. Cerca de 90% dos integrados da Sadia são pequenos e<br />
médios, e 10% são grandes produtores.<br />
Certamente, existem impactos ambientais e sociais em toda produção de suínos, mas os pequenos e<br />
médios produtores enfrentavam desafios específicos, tanto sociais quanto ambientais, que poderiam<br />
ter efeitos danosos à Sadia. Esse era um cenário preocupante <strong>para</strong> uma empresa que buscava a<br />
sustentabilidade em todas as suas atividades, incluindo a cadeia de suprimentos.<br />
Desafios ambientais: eliminação de resíduos.<br />
Um número significativo das instalações de<br />
suínos na cadeia de produção da Sadia não<br />
possuía nem mesmo uma licença ambiental.<br />
A legislação brasileira exige o uso de um<br />
mecanismo de remoção de resíduos, de certa<br />
forma ineficiente, que pouquíssimos produtores<br />
usavam. As licenças ambientais também<br />
custavam caro e nem <strong>todos</strong> os produtores<br />
tinham consciência da importância delas ou<br />
sabiam como obtê-las.<br />
Não era incomum, por exemplo, que<br />
pequenos produtores lançassem os resíduos<br />
não tratados (dejetos) diretamente no solo ou<br />
em fontes de água. Tais práticas comprometiam<br />
o ecossistema ao poluir a terra e a água, sem<br />
mencionarmos o mau cheiro. As análises<br />
demonstravam que uma instalação que criasse<br />
300 porcos gerava o equivalente à carga de<br />
poluição de uma cidade de 75.000 habitantes.<br />
Além disso, os resíduos também emitiam gases<br />
causadores do efeito estufa.<br />
Desafios sociais: urbanização. Outro desafio<br />
enfrentado pela Sadia era o potencial limitado<br />
de geração de receita da produção de suínos<br />
<strong>para</strong> o sustento de médios e pequenos<br />
produtores e suas famílias. Tais produtores<br />
tipicamente dependiam que grandes empresas,<br />
como a Sadia, comprassem seus produtos.<br />
Entretanto, o pequeno produtor tinha pouco<br />
poder de negociação em tal relação.<br />
A situação dos pequenos e médios<br />
produtores também levava as gerações mais<br />
jovens a deixarem o interior em busca<br />
de melhores oportunidades nas cidades<br />
maiores (embora não necessariamente as<br />
encontrassem). Na verdade, as grandes<br />
cidades brasileiras enfrentam altas taxas de<br />
desemprego. Com pouquíssimas exceções,<br />
esse êxodo contribuiu <strong>para</strong> as crescentes<br />
estatísticas de pobreza urbana. Portanto,<br />
a diversificação da produção agrícola e da<br />
criação de animais, era essencial <strong>para</strong> garantir<br />
renda adicional e melhorar a qualidade de<br />
vida de gerações presentes e futuras.<br />
Permitir que o ambiente de trabalho se<br />
tornasse mais saudável e agradável também<br />
era importante. Quando os resíduos da<br />
produção de suínos não são bem gerenciados,<br />
comprometem a auto-imagem e a auto-estima<br />
dos produtores e também desencorajam<br />
a participação das gerações mais jovens<br />
nos negócios da família. Além disso, as<br />
comunidades do entorno eram afetadas pela<br />
poluição da água e do solo, assim como pelo<br />
mau cheiro.<br />
Para a Sadia, o risco de apoiar práticas não<br />
sustentáveis em sua cadeia de suprimentos<br />
e de perder produtores pela busca de outros<br />
meios de vida, era agravado pelo risco de<br />
perder produtores <strong>para</strong> os competidores.<br />
As condições desfavoráveis da produção de<br />
suínos também fazem com que os produtores<br />
queiram mudar de uma empresa <strong>para</strong> outra<br />
de tempos em tempos. A Sadia não poderia<br />
permitir o aumento da já alta taxa de<br />
rotatividade de fornecedores, de cerca de 10%<br />
ao ano.<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
177
O desenvolvimento do Programa 3S<br />
No início de 2004, a Sadia decidiu enfrentar o desafio de reduzir o impacto ambiental da produção<br />
de suínos sem custo adicional, aumentando, ao mesmo tempo, a receita dos produtores. No começo<br />
parecia improvável, mas o estudo das tecnologias disponíveis e as oportunidades do mercado de<br />
créditos de carbono mostravam uma realidade promissora considerando a primeira metodologia da<br />
UNFCCC, a AM0006. O que eventualmente se tornaria o Programa Suinocultura Sustentável Sadia<br />
(Programa 3S) envolvia colocar os resíduos dos suínos em biodigestores <strong>para</strong> múltiplos benefícios.<br />
Com os biodigestores, o resíduo dos suínos é fermentado por bactérias dentro de reservatórios<br />
fechados, evitando a emissão de metano. No processo, o gás metano é convertido em CO 2 , que é 21<br />
vezes menos intensivo como gás do efeito estufa. Essa captura de gases causadores do efeito estufa<br />
gera crédito de carbono pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do protocolo de Kyoto,<br />
que pode ser comercializado com outras empresas que precisam dos créditos de carbono. Veja o<br />
Apêndice A <strong>para</strong> uma visão geral do MDL. De acordo com os estudos da Sadia, e considerando a antiga<br />
metodologia AM0006 da UNFCCC, a venda de créditos de carbono poderia ser suficiente <strong>para</strong> cobrir o<br />
custo dos biodigestores.<br />
Além disso, a renda dos produtores aumentaria. Os gases capturados na operação dos<br />
biodigestores podem ser usados como energia, reduzindo assim os custos operacionais dos<br />
produtores. E o subproduto do processo de fermentação pode servir como fertilizante ou como<br />
alimento <strong>para</strong> a criação de peixes. A FIG. 5 ilustra o processo.<br />
Figura 5: O ciclo dos resíduos de<br />
suínos tratados em biodigestores<br />
Resíduos da<br />
Criação de<br />
Porcos<br />
Créditos de Carbono Negociáveis<br />
Biofertilizantes<br />
Energia<br />
Renovável <strong>para</strong><br />
ser usada na<br />
Propriedade<br />
Culturas<br />
Complementares<br />
e Alimentação<br />
dos Porcos<br />
Resíduos<br />
Biofertilizantes<br />
Lago<br />
de Decantação<br />
Criação de<br />
Peixes<br />
Fonte: Os autores<br />
Visão geral do Programa 3S<br />
No final de 2004, a Sadia havia decidido propor um projeto no âmbito do MDL. A empresa criou uma<br />
entidade sem fins lucrativos, chamada Instituto Sadia de Sustentabilidade, <strong>para</strong> gerenciar o Programa<br />
3S e negociar os créditos de carbono. Desde seu início em 2004, além de gerenciar e garantir os<br />
recursos financeiros <strong>para</strong> o Programa 3S, o Instituto assumiu a responsabilidade pelo mesmo e pelo<br />
investimento social da Sadia nas comunidades em que a empresa tem fábricas industriais e unidades<br />
comerciais.<br />
178 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Nos primeiros três trimestres de 2005, o Instituto desenvolveu estudos <strong>para</strong> analisar o Programa<br />
3S e identificou os produtores que poderiam ser participantes potenciais. Eles pediram que <strong>todos</strong><br />
os integrados da Sadia completassem um levantamento sobre suas instalações e produção <strong>para</strong><br />
encontrar aqueles que melhor se encaixavam no Programa.<br />
O Instituto também iniciou negociações <strong>para</strong> torná-lo financeiramente viável. Em dezembro de<br />
2005, apoiando-se na reputação da Sadia, o Instituto obteve uma linha de crédito de 60 milhões<br />
de reais com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) <strong>para</strong> a implementação do Programa<br />
3S. Essa quantia permitiria que o Instituto incluísse 60% dos integrados da Sadia no Programa.<br />
Ele esperava engajar 100% através dos lucros do Programa 3S, tornando-o uma iniciativa autofinanciada<br />
já em meados de 2007. Entretanto, no início do ano de 2007, surgiram desafios de<br />
regulamentação que adiaram essa meta. Se a receita gerada pelos créditos de carbono não for<br />
adequada, o Instituto Sadia buscará alternativas <strong>para</strong> incluir <strong>todos</strong> os integrados no Programa.<br />
O papel do Instituto Sadia era o de fornecer aos suinocultores a informação, através dos<br />
técnicos da empresa, <strong>para</strong> obter os biodigestores, identificar a estrutura necessária em cada<br />
instalação, contratar as empresas responsáveis pela construção do lago de decantação e cuidar da<br />
administração geral do Programa.<br />
Fase 1: A adesão dos produtores<br />
No último trimestre de 2005, <strong>para</strong> gerar interesse pelo Programa 3S, o Instituto organizou<br />
reuniões com os produtores de suínos <strong>para</strong> apresentar a proposta da Sadia e fornecer o máximo<br />
de informação possível. Os técnicos da empresa foram treinados <strong>para</strong> apresentar o Programa 3S<br />
aos suinocultores durante essas sessões de informação em grupo e apresentar a eles uma cópia do<br />
contrato. Alguns dos integrados decidiram aderir ao Programa imediatamente após essas reuniões,<br />
formalizando sua participação através da assinatura do contrato.<br />
A Sadia esperava que cerca de 50% dos produtores participaria do Programa 3S. No início de<br />
2007, 96% já haviam assinado o contrato indicando a sua disposição em participar do programa.<br />
Os outros 4% eram integrados de grande porte que já estão pre<strong>para</strong>dos ou estavam se pre<strong>para</strong>ndo<br />
<strong>para</strong> operar individualmente no mercado de crédito de carbono. Embora 96% dos integrados<br />
quisesse participar do Programa 3S, ele foi implementado em apenas 30% das propriedades.<br />
No início, a Sadia achou que seria mais fácil trabalhar com os integrados em grupos de acordo<br />
com as regiões geográficas. As reuniões iniciais seriam com esses grupos, os quais também teriam<br />
um Documento de Conceito do Projeto em comum (ver o Apêndice 5). Esse modelo simplificaria<br />
e reduziria os custos do processo de aprovação pelo governo brasileiro e pelas Nações Unidas.<br />
Entretanto, o ritmo de avanço, o estágio de desenvolvimento e o cumprimento da legislação<br />
ambiental variavam amplamente entre os produtores, e isso tornou impossível o trabalho com<br />
grupos por região. A Sadia preferiu então trabalhar individualmente com os produtores que<br />
estavam pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> se juntar ao Programa.<br />
Fase 2: A instalação dos biodigestores<br />
Após a adesão dos produtores ao programa, o processo de implementação foi iniciado. O Instituto<br />
Sadia determinou quantos biodigestores seriam necessários, estimou a quantia disponível de<br />
carbono a ser capturado e calculou o tempo que levaria <strong>para</strong> que o produtor reembolsasse o<br />
Instituto pelo investimento. Os biodigestores foram instalados e comissionados pelo Instituto,<br />
e cada produtor recebeu instruções de como operá-los. No final da segunda fase, o impacto<br />
ambiental da produção de suínos já havia sido reduzido, e o produtor tinha fertilizante <strong>para</strong> seus<br />
plantios e comida <strong>para</strong> começar a criar peixes.<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
179
Fase 3: A instalação do equipamento <strong>para</strong><br />
queimar e medir o gás metano e o CO 2<br />
Na terceira fase, o equipamento <strong>para</strong> queimar os<br />
gases e medir a quantidade de gás emitido foi<br />
instalado e comissionado (da mesma forma que os<br />
biodigestores). Dessa maneira, o produtor podia<br />
certificar e negociar os créditos de carbono.<br />
Fase 4: A geração de energia<br />
Alguns integrados instalaram o equipamento<br />
necessário <strong>para</strong> gerar eletricidade a partir da<br />
combustão dos gases. A eletricidade é usada<br />
na propriedade dos produtores, reduzindo seus<br />
custos com energia. A consideração sobre a<br />
viabilidade financeira individual <strong>para</strong> aquisição<br />
desse equipamento seria um segundo estágio do<br />
programa, após a geração de créditos de carbono<br />
gerados a partir do seqüestro do gás metano.<br />
O Instituto Sadia é proprietário de <strong>todos</strong> os<br />
equipamentos instalados nas propriedades dos<br />
suinocultores <strong>para</strong> propósitos do Programa 3S.<br />
Em aproximadamente cinco anos, quando os<br />
produtores terminarem de pagar o Instituto,<br />
os biodigestores e <strong>todos</strong> os equipamentos<br />
relacionados passarão a ser de propriedade dos<br />
integrados.<br />
O modelo financeiro. O Instituto Sadia<br />
negocia os créditos de carbono com a Entidade<br />
Operacional designada no âmbito do MDL. O<br />
Instituto recebe uma porcentagem da receita<br />
<strong>para</strong> cobrir as despesas operacionais e o restante<br />
é repassado ao produtor. Antes de ver qualquer<br />
rendimento dos créditos, o produtor paga pelo<br />
biodigestor; estima-se que o pagamento seja<br />
quitado após cinco anos de prestações. A Sadia<br />
considera que o principal benefício financeiro<br />
<strong>para</strong> os produtores venha da produção de<br />
energia e fertilizante.<br />
Em maio de 2006, a Sadia e o Instituto Sadia<br />
venderam os primeiros créditos de carbono<br />
gerados pelo programa 3S. 290.000 toneladas<br />
foram vendidas pelas próprias fazendas da Sadia<br />
e foram entregues em 2007 ao preço de €11<br />
por tonelada por 50.000 toneladas e o restante<br />
foi baseado no índice europeu de mercado. O<br />
Fundo Europeu de Carbono também comprou<br />
do Instituto aproximadamente 2,5 milhões de<br />
toneladas de carbono, os quais serão capturados<br />
pelos integrados. O preço ainda será definido,<br />
porque o mercado de carbono é extremamente<br />
volátil e os preços variam quase diariamente; o<br />
preço será determinado pelo índice europeu de<br />
mercado.<br />
Desafios e inovações na implementação<br />
do Programa 3S<br />
A idéia dos biodigestores ajudou a Sadia a desenvolver o Programa 3S, e a empresa estava<br />
comprometida em descobrir uma maneira de fazê-lo dar certo. Mas a implementação não aconteceu<br />
sem desafios.<br />
Os desafios tecnológicos: biodigestores<br />
e instrumentação. O primeiro desafio foi<br />
o de identificar os fornecedores <strong>para</strong> os<br />
biodigestores e <strong>para</strong> a instrumentação que mede<br />
as emissões de gás. Esses dois componentes<br />
eram necessários <strong>para</strong> viabilizar o seqüestro de<br />
carbono. As soluções disponíveis eram caras,<br />
tornando-os inacessíveis <strong>para</strong> os pequenos e<br />
médios produtores de suínos.<br />
A principal dificuldade no processo de<br />
introdução do Programa 3S era a necessidade<br />
de encontrar um fornecedor <strong>para</strong> produzir os<br />
biodigestores a um preço razoável <strong>para</strong> tornálos<br />
acessíveis aos produtores. Quando a Sadia<br />
começou a pensar no programa 3S em 2004,<br />
havia apenas uma única companhia no Brasil<br />
capaz de produzir os biodigestores: a Sansuy. Mas<br />
essa empresa tinha um acordo de exclusividade<br />
com uma companhia canadense e não poderia ser<br />
fornecedor do Instituto Sadia.<br />
O Instituto Sadia não conseguiria encontrar<br />
uma empresa alternativa. No entanto, encontrou<br />
um engenheiro disposto a trabalhar no<br />
projeto. Ele tinha conhecimento, mas nenhuma<br />
experiência na produção de biodigestores. A<br />
empresa decidiu investir nesse profissional<br />
e esperava que ele pudesse desenvolver um<br />
protótipo. Um ano se passou, mas ele não<br />
respondeu às expectativas do Instituto.<br />
180 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Enquanto isso, a Sansuy teve muitas<br />
dificuldades em renegociar com a empresa<br />
canadense e decidiu rescindir o contrato. A<br />
Sansuy ficou disponível e, na mesma época,<br />
outro produtor de biodigestores foi identificado:<br />
a Avesuy. Em 2006, a Sadia decidiu firmar uma<br />
parceria com as duas empresas.<br />
O segundo desafio tecnológico foi o de achar<br />
um equipamento <strong>para</strong> medir as emissões de<br />
gás. Ele é necessário <strong>para</strong> medir a quantidade<br />
de metano seqüestrado e a quantidade de CO 2<br />
produzida. Não havia uma tecnologia eficiente<br />
disponível <strong>para</strong> tal propósito, e <strong>todos</strong> os<br />
aparelhos testados eram corroídos rapidamente<br />
(o metano é altamente corrosivo) e <strong>para</strong>vam<br />
de funcionar. Portanto, era necessária uma<br />
manutenção constante, aumentando os custos e<br />
tornando as medidas não confiáveis.<br />
Medidores de alto desempenho continuaram<br />
difíceis de ser encontrados. A Sadia decidiu<br />
então estabelecer uma parceria com a<br />
Universidade do Espírito Santo <strong>para</strong> desenvolver<br />
um equipamento novo. Essa universidade<br />
tinha larga experiência na medição de gás<br />
por trabalhar com a Petrobrás no processo de<br />
extração do petróleo e usava uma tecnologia que<br />
não demonstra sinais de corrosão. A Sadia tem,<br />
até então, obtido resultados satisfatórios dos<br />
testes realizados com essa tecnologia. Porém,<br />
<strong>para</strong> garantir os resultados, a empresa precisará<br />
patrocinar mais pesquisas.<br />
Desafios culturais: a conscientização dos<br />
produtores rurais. Com o Programa 3S, o<br />
Instituto Sadia conseguiu superar os desafios<br />
tecnológicos, mas os problemas estavam apenas<br />
começando. Era ainda necessário convencer e<br />
mobilizar os produtores <strong>para</strong> mudarem seus<br />
mé<strong>todos</strong> de produção de suínos, os quais eles já<br />
estavam acostumados a utilizar e vinham sendo<br />
praticados há várias gerações.<br />
A empresa forneceu informação sobre os<br />
biodigestores, o processo de seqüestro do<br />
carbono e a produção de energia e fertilizantes.<br />
Para a Sadia, era importante que os produtores<br />
rurais tomassem uma decisão com conhecimento<br />
de causa sobre aderir ou não ao Programa<br />
3S. Desde o início, a empresa decidiu que a<br />
participação seria voluntária, e os técnicos da<br />
Sadia seriam responsáveis por comunicar sobre<br />
o programa e seus benefícios aos produtores.<br />
O grupo de técnicos da Sadia já era conhecido<br />
e respeitado pelos integrados. Os técnicos eram<br />
responsáveis pelo acompanhamento da produção<br />
de suínos de cada um dos integrados. Eles<br />
visitavam as granjas <strong>para</strong> verificar uma série de<br />
índices de eficiência e qualidade, o que, de modo<br />
geral, contribuía <strong>para</strong> um bom relacionamento<br />
entre o produtor e a empresa. A credibilidade e<br />
o respeito dos técnicos junto aos produtores os<br />
tornaram valiosos no processo de disseminação<br />
da informação e geração de interesse sobre<br />
os biodigestores. Eles eram o elo principal de<br />
comunicação <strong>para</strong> apresentar o Programa 3S aos<br />
integrados.<br />
Outra medida importante que a Sadia tomou<br />
<strong>para</strong> trazer os suinocultores <strong>para</strong> o Programa 3S<br />
foi a de instalar biodigestores e desenvolver o<br />
processo de seqüestro de carbono, certificação e<br />
comercialização em granjas próprias da empresa.<br />
O sucesso do exemplo ajudou a convencer os<br />
produtores e possibilitou o aprendizado e a<br />
melhoria do processo.<br />
Desafios financeiros. O desafio financeiro era<br />
o de garantir o capital <strong>para</strong> instalar a infraestrutura<br />
necessária <strong>para</strong> o programa. Esperavase<br />
que o programa fosse auto-sustentável no<br />
médio prazo, mas, a princípio, os recursos da<br />
comercialização de créditos de carbono seriam<br />
insuficientes <strong>para</strong> cobrir os custos iniciais.<br />
A ratificação do protocolo de Kyoto em<br />
fevereiro de 2005 triplicou o valor dos créditos<br />
de carbono, melhorando o panorama financeiro<br />
do programa. A comercialização dos créditos<br />
de carbono poderia, eventualmente, cobrir o<br />
investimento, mas levaria algum tempo até que<br />
o programa tivesse acesso a esses fundos. Sob<br />
o MDL a negociação <strong>para</strong> a venda dos créditos<br />
de carbono é fechada antes que o carbono<br />
seja verdadeiramente seqüestrado, mas é pago<br />
somente após o seqüestro ser certificado.<br />
Portanto, os créditos negociados em 2006 só<br />
seriam pagos em 2008. Entretanto, o Instituto<br />
Sadia e os integrados precisariam do dinheiro<br />
mais cedo, caso contrário seria impossível<br />
alcançar o volume de créditos de carbono<br />
que o Programa almejava negociar. Nesse<br />
momento, a reputação da Sadia foi crucial <strong>para</strong><br />
conseguir linhas de crédito que viabilizassem a<br />
concretização do programa.<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
181
Desafios institucionais. O Instituto Sadia<br />
também precisava consolidar um grande número<br />
de instalações <strong>para</strong> o seqüestro de carbono<br />
(biodigestores) <strong>para</strong> alcançar o volume de<br />
créditos de carbono que fosse significativo <strong>para</strong><br />
os interesses do mercado.<br />
O primeiro passo <strong>para</strong> qualificar o projeto de<br />
Seqüestro de Carbono brasileiro é apresentá-lo<br />
à comissão interministerial sobre a mudança do<br />
clima no Brasil. Se o projeto responder a todas<br />
as exigências, a comissão dará a ele uma carta de<br />
aprovação, autorizando o envio do Documento de<br />
Conceito do Projeto (Project Design Development<br />
PDD) <strong>para</strong> as Nações Unidas. Nesse estágio, o<br />
Conselho Executivo da ONU <strong>para</strong> Mudanças<br />
Climáticas permite que a empresa responsável<br />
pelo projeto negocie os créditos, gerados a<br />
partir do seqüestro do carbono, no mercado<br />
internacional.<br />
Ao assinar a carta de aprovação, o governo<br />
brasileiro torna-se responsável pela verificação<br />
da informação fornecida pelos gerenciadores do<br />
projeto. A ONU não tem a responsabilidade de<br />
descobrir se a informação dada é correta ou não.<br />
O Comitê Executivo da ONU possui suas próprias<br />
regras sobre o conteúdo do PDD e a maneira<br />
de como calcular o seqüestro do carbono, entre<br />
outras. A definição dessa regra era muito recente;<br />
na verdade, ela mudou depois que o Programa<br />
3S já estava em fase de desenvolvimento.<br />
O processo era muito complexo <strong>para</strong> os<br />
pequenos e médios produtores; exigia<br />
capacidades técnicas e institucionais que eles<br />
normalmente não têm. Além disso, era muito<br />
difícil encontrar alguém que fosse capaz de<br />
desenvolver um PDD; assim, a Sadia treinou<br />
pessoas (e continua a fazê-lo) num processo<br />
fundamentado no princípio do “aprender<br />
fazendo”.<br />
Era também importante prestar constante<br />
atenção ao mercado de crédito de carbono, já<br />
que ele ainda está em fase de estruturação. Os<br />
compradores estão começando a se mobilizar<br />
e a se organizar, e muitas mudanças ainda<br />
podem acontecer antes que ele se consolide.<br />
Todos esses desafios mostram que os<br />
pequenos produtores (90% dos integrados<br />
da Sadia são pequenos e médios produtores)<br />
nunca conseguiriam sozinhos ter lidado com<br />
o impacto ambiental de suas instalações de<br />
criação de suínos, de modo a gerar receita<br />
através das vendas de créditos de carbono e<br />
energia <strong>para</strong> reduzir os custos de produção.<br />
Eles precisariam de um agente externo <strong>para</strong><br />
estruturar um programa consistente e ajudá-los<br />
na sua implementação.<br />
B e n e f í c i o s e s p e r a d o s e r e s u l t a d o s p a r a o<br />
desenvolvimento a partir do Programa 3S<br />
O Programa 3S, primeiro grande projeto do Instituto Sadia, é um exemplo de prática sustentável<br />
que leva em conta os aspectos sociais, ambientais e econômicos. Através do Programa, pelo menos 3<br />
bilhões de litros de dejetos de suínos serão processados diariamente, um volume equivalente a 5% do<br />
total de resíduos de suínos produzido no Brasil.<br />
Os benefícios do Programa 3S <strong>para</strong> os integrados incluem custos operacionais mais baixos, a<br />
possibilidade de usar uma fonte alternativa de energia e o surgimento de novas fontes potenciais de<br />
geração de renda. Os custos operacionais são reduzidos a partir das fontes de energia e fertilizante<br />
gratuitas. O produtor pode usar o lago <strong>para</strong> piscicultura como um novo empreendimento. Além disso,<br />
o fertilizante orgânico é melhor <strong>para</strong> o meio ambiente. Ao reduzir os custos e criar a possibilidade de<br />
diversificação das fontes de renda, a Sadia espera encorajar os pequenos produtores a se manterem<br />
no negócio e diminuir o êxodo rural.<br />
O Programa 3S também traz benefícios <strong>para</strong> a saúde dos integrados e das comunidades próximas<br />
às suas instalações. Os dejetos de suínos ao ar livre atraíam insetos e roedores que podiam ser<br />
vetores de doenças. O novo processo também contribuiu <strong>para</strong> a qualidade de vida dos integrados e<br />
das comunidades do entorno ao reduzir o mau cheiro. O Programa aumentou a auto-estima, pois os<br />
suinocultores e suas famílias não estavam mais convivendo com ratos e mosquitos, ou com o mau<br />
cheiro e a sujeira que normalmente estão relacionados à produção de suínos.<br />
182 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
As comunidades do entorno de áreas com intensa produção de suínos também se<br />
beneficiaram com o Programa 3S, pois ele ajudará a melhorar a qualidade da água, reduzir a<br />
poluição do solo e controlar o mau cheiro.<br />
Espera-se que o Programa 3S também ajude a disseminar a educação ambiental entre os<br />
suinocultores, educando-os sobre temas importantes relacionados à conservação e ao melhor<br />
uso dos recursos naturais.<br />
O programa também desenvolverá um grupo de pessoas treinadas <strong>para</strong> trabalhar com a<br />
implementação dos projetos MDL. Centros mundiais de pesquisa e organizações ambientais<br />
podem se beneficiar da experiência. Algumas universidades locais já demonstraram interesse<br />
em acompanhar a evolução do projeto e contribuir com idéias <strong>para</strong> sua melhoria.<br />
Para a Sadia, o programa representa a oportunidade de desenvolver uma parceria mais bem<br />
firmada com os produtores de suínos, aumentando a lealdade dos fornecedores.<br />
Próximos passos e atuais desafios<br />
O principal desafio enfrentado pelo Instituto Sadia e seu Programa 3S, no início de 2007, foi<br />
um problema de regulamentação. Em setembro de 2006, o Comitê Executivo do MDL propôs<br />
novas regras <strong>para</strong> a aplicação dos projetos MDL, que foram aceitas em dezembro, tornando<br />
ainda mais difícil a participação de pequenos e médios produtores. Essas novas regras declaram<br />
que <strong>todos</strong> os equipamentos dos projetos MDL precisam ter algumas características em comum,<br />
independente do tamanho ou do tipo de produção. O custo do equipamento designado pelo<br />
Conselho Executivo do MDL pode prejudicar o programa. O Instituto Sadia estava tentando<br />
ganhar a batalha de sobrevivência do 3S de duas maneiras. Primeiro, buscando novos<br />
fornecedores de equipamento, especificamente aqueles que têm biodigestores “três em um”<br />
(biodigestor, flare e medidor). O equipamento poderia, dessa forma, ser mais eficiente e mais<br />
barato. O Instituto estava também tentando convencer o Comitê Executivo do MDL de que as<br />
mudanças discriminam os pequenos produtores e podem excluí-los de projetos MDL. O Instituto<br />
Sadia espera convencer o Conselho Executivo de que as diferenças de escala precisam ser<br />
respeitadas e que o tipo de equipamento exigido <strong>para</strong> o seqüestro do carbono por um pequeno<br />
produtor de suínos não tem de ser o mesmo exigido, por exemplo, <strong>para</strong> ser usado por uma<br />
instalação de processamento de lixo de uma cidade grande.<br />
O projeto 3S foi desenvolvido e planejado na primeira metade de 2004 e começou a ser<br />
implementado no último trimestre de 2005. Nenhum resultado foi mensurado até agora.<br />
As ferramentas de avaliação estavam sendo desenvolvidas de acordo com os avanços na<br />
implementação. O 3S é um programa de gestão desenvolvido <strong>para</strong> a cadeia de suprimentos<br />
dos produtores de suínos da Sadia, mas a experiência provavelmente será estendida a outros<br />
produtores que fazem negócios com empresa.<br />
Um grande desafio apareceu desde o fim do ano de 2006, com a nova metodologia ACM0010<br />
da UNFCCC. Essa metodologia trouxe mais especificações técnicas <strong>para</strong> controlar o sistema de<br />
equipamentos e as regras <strong>para</strong> monitorar a eficiência do seqüestro do metano. Ela gera mais<br />
custo, o que poderia tornar impraticável a implementação do Programa 3S como um todo.<br />
A expectativa da Sadia era de que os custos do Programa 3S estariam recuperados até 2010,<br />
com base no preço por tonelada de carbono entre 8 a 12€, mas essa previsão estava sendo<br />
revista após as mudanças realizadas pelo Conselho Executivo do MDL. Como já foi mencionado,<br />
os produtores de suínos pagarão pelo equipamento, custos administrativos e operacionais<br />
tais como monitoramento, PDDs, compromisso com resultados, entre outros, e assim não se<br />
espera que os créditos de carbono sejam uma de suas principais fontes de renda; entretanto, a<br />
diversificação da produção e a diminuição dos custos deve melhorar o rendimento deles.<br />
O próximo passo do Programa 3S é encorajar e qualificar as propriedades e os produtores<br />
<strong>para</strong> a piscicultura. A Sadia está desenvolvendo uma “Plataforma Sustentável” na qual ela<br />
dará aos integrados alternativas <strong>para</strong> novas possibilidades de produção. O programa incluirá<br />
treinamento sobre questões ambientais, financeiras e de gestão, formando empreendedores mais<br />
bem pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> o mercado.<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
183
R e f e r ê n c i a s<br />
Nações Unidas. Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Website oficial:<br />
http://unfccc.int/2860.php.<br />
Sadia. Website: disponível em www.sadia.com.br.<br />
Entrevistas<br />
Ferreira, Meire de Fátima. Coordenadora <strong>para</strong> Sustentabilidade, Sadia. Diretor Executivo,<br />
Instituto Sadia. São Paulo. 16 de novembro de 2006.<br />
Dassuw, Ervino. Produtor Rural. Toledo. 14 de novembro de 2006.<br />
Mazzarollo, Agostinho. Produtor Rural. Toledo. 14 de novembro de 2006.<br />
A p ê n d i c e A : u m a v i s ã o g e r a l d o<br />
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo<br />
Para se enquadrar nas Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) do protocolo de Kyoto, o Programa<br />
3S precisa se qualificar pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. De acordo com o artigo 12 do<br />
protocolo de Kyoto, “a finalidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo será a de assistir as partes<br />
não incluídas no Anexo I (países em desenvolvimento) <strong>para</strong> alcançar o desenvolvimento sustentável<br />
e contribuir <strong>para</strong> o objetivo principal da Convenção, e ajudar as partes incluídas no Anexo I (países<br />
industrializados) a atingir a conformidade com seus compromissos de limites de emissão e redução<br />
quantificados sob o artigo 3”.<br />
Em outras palavras, através do MDL, os países desenvolvidos juntam-se aos países em desenvolvimento<br />
<strong>para</strong> implementar projetos que geram a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa.<br />
Para os países em desenvolvimento, é uma oportunidade de encorajar o desenvolvimento sustentável<br />
através de tecnologia ambientalmente responsável, financiada pela comercialização de créditos de<br />
carbono no mercado internacional. Para os países desenvolvidos, o MDL cria boas oportunidades <strong>para</strong><br />
atingir suas metas de emissão determinadas pelo protocolo de Kyoto.<br />
O primeiro passo <strong>para</strong> implementar um projeto MDL é registrá-lo com o Conselho Executivo do MDL,<br />
apresentando um Documento de Conceito do Projeto (Project Design Development PDD) <strong>para</strong> provar<br />
que o projeto cumpre as exigências do MDL. O PDD fornece uma descrição geral do projeto, apresenta<br />
a metodologia básica proposta, estima a duração do projeto e o período de crédito, demonstra como o<br />
projeto gera redução de emissões que são adicionais ao que ocorreria da forma convencional, apresenta<br />
uma análise dos impactos ambientais, discute o processo de consulta com as partes interessadas e<br />
esboça o plano de monitoramento e verificação. Uma vez aprovado, o PDD é apresentado à Entidade<br />
Operacional designada <strong>para</strong> a validação do projeto.<br />
184 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Setembro de 2007<br />
As informações apresentadas neste estudo de caso foram revisadas e confirmadas pela<br />
empresa <strong>para</strong> assegurar a sua autenticidade. As opiniões expressadas pelo autor no estudo<br />
de caso não refletem necessariamente as da ONU, do PNUD ou de seus Estados Membros.<br />
Copyright @ 2007<br />
Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,<br />
armazenada, ou transmitida, <strong>para</strong> qualquer finalidade e de qualquer forma, eletrônica,<br />
mecânica, fotocópia ou outro meio, sem a permissão prévia do PNUD<br />
Design: Suazion, Inc. (NY, EUA)<br />
Para obter mais informações sobre a Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos, acesse:<br />
www.growinginclusivemarkets.org ou gim@undp.org<br />
Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Divisão do Setor Privado, Departamento de Parcerias<br />
One United Nations Plaza, 23rd floor<br />
New York, NY 10017, USA<br />
CASO. programa de suinocultura sustentável sadia (programa 3s)<br />
185
Votorantim Celulose<br />
e Papel (VCP):<br />
Plantando eucaliptos em parceria com pequenos<br />
produtores rurais<br />
Pre<strong>para</strong>do por:<br />
Cláudio Boechat &<br />
Roberta Paro<br />
Setor: Agricultura<br />
Classe de Empresa:<br />
Multinacional do Sul<br />
RESUMO<br />
O Brasil é um país marcado por grandes desigualdades<br />
de renda e pobreza, especialmente nas áreas rurais. Apesar das<br />
recentes políticas governamentais de apoio aos assentamentos rurais<br />
através do programa de reforma agrária, o desencontro entre as demandas<br />
sociais e a capacidade do estado de responder às necessidades da<br />
população de maneira apropriada continua sendo um problema. Foi nesse<br />
contexto que a Votorantim Celulose e Papel (VCP), uma das principais<br />
empresas de celulose e papel no Brasil, conduziu uma expansão florestal<br />
significativa no estado do Rio Grande do Sul. A VCP criou um modelo de<br />
negócios que inclui a comunidade local como parceira na produção de<br />
eucalipto.<br />
Através do Programa Poupança Florestal da VCP, o Banco ABN AMRO<br />
Real forneceu recursos financeiros aos agricultores. A VCP forneceu as<br />
mudas e assistência técnica <strong>para</strong> o plantio de eucalipto e se comprometeu<br />
a comprar a madeira, após sete anos, a um preço justo. O Programa<br />
Poupança Florestal é apoiado por parcerias locais como agências do<br />
governo e universidades. Este caso examina o modelo de negócios da VCP<br />
e como ele contribuiu <strong>para</strong> a inclusão socioeconômica da população rural<br />
pobre.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
187
188 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Introdução<br />
O Poupança Florestal é um programa de plantação de eucalipto desenvolvido pela Votorantim<br />
Celulose e Papel (VCP) no âmbito de uma importante expansão de negócios no Rio Grande do<br />
Sul. O programa oferece aos agricultores da comunidade do entorno da VCP a oportunidade de<br />
se tornarem parceiros na produção de madeira. O Banco ABN AMRO Real fornece aos parceiros<br />
os recursos financeiros (através de empréstimos). A VCP fornece gratuitamente as mudas e a<br />
assistência técnica <strong>para</strong> o plantio de eucalipto e também garante a compra da madeira após sete<br />
anos. A FIG. 1 ilustra os diversos parceiros envolvidos no Programa Poupança Florestal.<br />
Figura 1: Poupança<br />
Florestal - Parceiros<br />
ABN AMRO Real<br />
Floresta<br />
SINDICATOS<br />
Monitoramento<br />
GOVERNO<br />
EMATER<br />
Projeto, capacitação,<br />
assistência técnica<br />
VCP<br />
Projeto, assistência técnica,<br />
mudas, tecnologia, colheita e<br />
compra da madeira<br />
PRODUTOR<br />
Terra e mão de obra<br />
Assentado (5-20 ha.)<br />
Pequeno prod. (
Um modelo inalterável de concentração de<br />
terra. O modelo de distribuição de terra no<br />
Brasil teve início em 1530 com a criação de<br />
um sistema através do qual a Coroa Portuguesa<br />
distribuiu enormes terrenos <strong>para</strong> cultivo em<br />
troca de um sexto da produção. Desde então,<br />
a estrutura de propriedade continua sendo<br />
fortemente concentrada. 1 . O padrão estável de<br />
concentração de terra pode ser observado pelo<br />
Índice Gini. 2 : 0,837 em 1972, 0,854 em 1978,<br />
0,831 em 1992, 0,843 em 1998, e 0,802 em<br />
2000. 3 .<br />
De acordo com o Ministério de<br />
Desenvolvimento Agrário, 45% da área<br />
agrária do país está concentrada em 1% das<br />
propriedades rurais. Esse é um fator significativo<br />
que caracteriza um dos padrões de distribuição<br />
de renda mais desiguais do mundo e prejudica<br />
o desenvolvimento local ao forçar a migração<br />
<strong>para</strong> as cidades. 4 . Por outro lado, a violência e o<br />
conflito nas áreas rurais aumentaram à medida<br />
que os campesinos, deslocados no processo de<br />
modernização tecnológica, buscavam outros<br />
meios <strong>para</strong> sobreviver. 5<br />
A importância econômica da agricultura de<br />
pequena escala. A importância dos pequenos<br />
proprietários de terra, especialmente na<br />
agricultura familiar, é relevante tanto na esfera<br />
econômica quanto social. No contexto brasileiro<br />
de capital escasso, mas mão-de-obra e terra<br />
abundantes, a agricultura familiar de mão-deobra<br />
intensiva é um componente importante<br />
<strong>para</strong> o desenvolvimento local. 6 . De acordo com<br />
o Programa Nacional de Fortalecimento da<br />
Agricultura Familiar (PRONAF), a participação da<br />
agricultura familiar representava 10,1% do PIB<br />
em 2003 ou R$156,6 bilhões (cerca de US$74,6<br />
bilhões). Representando 85,2% do número total<br />
de estabelecimentos rurais e ocupando 30,5%<br />
da área, as pequenas unidades produtivas<br />
foram responsáveis por 37,9% do valor bruto<br />
da agricultura nacional, 50,9% da renda total<br />
advinda da agricultura e 77% da mão-de-obra<br />
nas áreas rurais. A renda total por hectare/<br />
ano era 2,4 vezes maior quando prevalecia o<br />
trabalho familiar. 7 .<br />
Um processo de reforma agrária<br />
impulsionado por conflitos. Historicamente, a<br />
luta pela terra no Brasil tem sido permeada pela<br />
violência, que aumentou durante a década de<br />
1980 à medida que, juntamente com o final do<br />
regime militar, o movimento dos trabalhadores<br />
rurais fazia pressão pela concessão de escrituras<br />
de propriedade. A crescente pressão por terra<br />
levou ao crescimento da violência praticada<br />
pelos grandes latifundiários e pelo governo<br />
numa tentativa de defender suas propriedades<br />
rurais. 8 . O número de mortes de trabalhadores<br />
a partir desses conflitos nas últimas décadas é<br />
periodicamente relatado pela Comissão Pastoral<br />
da Terra: apenas em 2005, 1.304 conflitos<br />
fundiários foram registrados, deixando 38<br />
pessoas mortas. 9<br />
O conflito pela terra e a falta de políticas<br />
robustas de redistribuição de terra acarretaram<br />
importantes movimentos sociais, liderados<br />
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem<br />
Terra (MST). 10 . Eles empregaram a ocupação<br />
da terra como estratégia principal, forçando o<br />
governo a instituir um processo de distribuição<br />
de terra mais significativo. Entre 1995 e 2001,<br />
584.301 famílias obtiveram escrituras de<br />
terras. 11 . Paralelamente, em 1996, foi instituído<br />
um programa governamental dedicado ao<br />
fortalecimento da agricultura familiar (PRONAF).<br />
1<br />
Buainain e Pires, 2003.<br />
2<br />
O Gini Index varia de 0 a 1, e quanto mais próximo de 1, mais concentrado é o atributo medido.<br />
3<br />
MDA, 2001.<br />
4<br />
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1999 a 2001 5.3 milhões de pessoas deixaram o campo. De<br />
1985 a 1996, 941.000 unidades de produção foram encerradas, das quais 96% eram menores que 100 hectares (Rosseto, 2006).<br />
5<br />
O processo de modernização tecnológica contribuiu <strong>para</strong> um crescimento econômico que marginalizou a população rural, com menor<br />
demanda de trabalho. Ao mesmo tempo, políticas de crédito seletivas favoreceram grandes produtores (Buainain e Pires, 2003).<br />
6<br />
Ver Guanziroli, 1999; Veiga, 2001<br />
7<br />
Buainain e Pires, 2003.<br />
8<br />
Oliveira, 2001.<br />
9<br />
Comissão Pastoral da Terra, 2006.<br />
10<br />
Em 2003, a demanda estimada <strong>para</strong> a reforma agrária compreendia cerca de 3-4 milhões de famílias.<br />
11<br />
Teofilo e Garcia, 2003.<br />
190 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A importância do MST nesse processo foi<br />
amplamente reconhecida, não apenas por ter<br />
trazido a reforma agrária de volta à agenda<br />
política, mas também por ter fortalecido a<br />
demanda por políticas específicas <strong>para</strong> a<br />
agricultura familiar 12 . 13 As ocupações de<br />
terra foram um impulsionador-chave <strong>para</strong> o<br />
programa de reforma agrária. 14<br />
Em 2006, o cenário político não havia<br />
mudado muito. O apoio do governo à reforma<br />
agrária estava sendo criticado por não ter<br />
alcançado as metas estabelecidas 15 , embora<br />
o governo estivesse tomando posição em<br />
relação aos movimentos sociais tais como o<br />
MST. Os conflitos persistiam, com a violência<br />
surgindo tanto do movimento rural quanto do<br />
movimento contra ele; a ação governamental<br />
respondia às crises, em vez de evitá-las.<br />
Entretanto, os direitos de propriedade<br />
eram apenas um dos obstáculos no processo<br />
de geração de oportunidades <strong>para</strong> os pobres<br />
da zona rural. Além de facilitar o acesso<br />
à terra, o Estado precisava assegurar que<br />
as pessoas tivessem outras necessidades<br />
básicas atendidas (incluindo o acesso à água,<br />
eletricidade, educação, saúde, financiamento)<br />
<strong>para</strong> que os assentados pudessem progredir<br />
além do nível da subsistência.<br />
O contexto agrário do Rio Grande do<br />
Sul. No Rio Grande do Sul, os problemas<br />
históricos de disputa pela terra estavam<br />
sendo intensificados. A região tinha a mais<br />
alta concentração e tradição histórica de<br />
agricultura familiar e da pequena propriedade<br />
assim como de produtores politicamente<br />
organizados. 16 . Em 2006, o Movimento<br />
dos Sem Terra passou por um processo de<br />
radicalização evidenciado pela destruição<br />
de viveiros de mudas de eucaliptos de outra<br />
grande empresa de celulose e papel. Face<br />
à multiplicação dos principais meios de<br />
pressão do MST, com ocupações de terra<br />
e o fato de que algumas fazendas estavam<br />
cercadas de acampamentos com cerca de 100<br />
manifestantes sem-terra, a região passava<br />
por um crescente medo de invasões entre os<br />
latifundiários.<br />
Os acampamentos eram formados por<br />
manifestantes sem-terra que já haviam<br />
reivindicado terra, mas que ainda não tinham<br />
suas posses liberadas pelo programa de<br />
reforma agrária. 17. Tipicamente, eles usam lonas<br />
pretas como abrigo e, em alguns casos, fazem<br />
pequenos plantios e criam animais. A situação<br />
dos acampamentos é marcada por uma enorme<br />
instabilidade e estigma.<br />
Outro aspecto único da região era a presença<br />
de centenas de assentamentos geradas pelo<br />
programa de reforma agrária (ver a figura 2).<br />
A região onde a VCP planejava expandir suas<br />
atividades possuía 4648 famílias assentadas<br />
nos últimos 25 anos (em 133 assentamentos).<br />
Entretanto, como o acesso à terra não era seguido<br />
de assistência governamental e disponibilização<br />
de recursos necessários à produção agrícola,<br />
a maioria dos assentados vivia em condições<br />
precárias de plantio e moradia. Em alguns casos,<br />
as situações eram semelhantes às de favelas<br />
urbanas, o que contribuía <strong>para</strong> um cenário de<br />
instabilidade socioeconômica e política.<br />
Figura 2: Região geográfica do<br />
empreendimento da VCP, no extremo sul do Rio<br />
Grande do Sul, e os assentamentos vizinhos<br />
Mesmo tendo a escritura da terra, os pequenos<br />
agricultores tradicionais da região enfrentavam<br />
dificuldades semelhantes <strong>para</strong> estabelecer meios<br />
de sustento. A região do extremo sul do Rio<br />
Grande do Sul, onde a VCP estava se expandindo,<br />
dependia, basicamente, do gado e do arroz e<br />
sofria por causa de instabilidades no preço, do<br />
regime de impostos desfavorável <strong>para</strong> os dois<br />
produtos, de importações de arroz mais baratas<br />
do Uruguai e também de barreiras à exportação<br />
do gado <strong>para</strong> o Uruguai e <strong>para</strong> o estado vizinho<br />
de Santa Catarina. Conseqüentemente, a região<br />
estava entre as mais pobres do Brasil.<br />
12<br />
O relacionamento entre o MST e os novos assentados, ex sem-terra, permanece mesmo depois que a terra é concedida pelo governo,<br />
razão pela qual o Movimento é considerado um importante interlocutor <strong>para</strong> ambos os grupos rurais. As necessidades da agricultura<br />
familiar e de pequena escala também ganham maior visibilidade na medida em que o MST se fortalece.<br />
13<br />
Ver Guanziroli, 1999; Navarro, 2002; Veiga, 2001.<br />
14<br />
Navarro, 2002.<br />
15<br />
Ver Oliveira, 2006.<br />
16<br />
Foi nesta região que a comunidade rural, em protesto contra os efeitos da modernização da agricultura, conduziu a formação do MST<br />
em 1980.<br />
17<br />
Quando pequenos lotes de terra são oficialmente concedidos, eles formam um assentamento.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
191
Um olhar mais profundo sobre o setor<br />
de celulose e papel: uma reputação<br />
prejudicada. O setor de celulose e papel<br />
tinha uma reputação que agravava ainda mais<br />
os conflitos agrários no Brasil. As críticas<br />
surgiam principalmente devido às atividades<br />
do setor nos estados da Bahia e do Espírito<br />
Santo e estavam relacionadas tanto aos<br />
impactos sociais quanto aos ambientais das<br />
plantações de eucalipto em larga escala 18 . Nos<br />
anos 70, como as plantações expandiram-se,<br />
os pequenos agricultores, as comunidades<br />
rurais negras (descendentes das comunidades<br />
de escravos fugidos, os quilombos) e as<br />
comunidades indígenas foram pressionadas<br />
a se transferir <strong>para</strong> áreas agrícolas marginais<br />
ou, ao perderem seus meios de subsistência,<br />
acabaram migrando <strong>para</strong> as áreas urbanas <strong>para</strong><br />
viver em favelas. O processo contribuiu<br />
<strong>para</strong> a alta concentração e valorização da<br />
terra nessas regiões. Na cidade de Aracruz,<br />
apenas uma empresa é proprietária de cerca<br />
de 40% do território, com a incorporação de<br />
244 propriedades. 19<br />
A expansão do plantio de eucalipto<br />
nessas regiões também contribuiu <strong>para</strong> a<br />
redução da Mata Atlântica remanescente.<br />
Além do impacto sobre a biodiversidade<br />
e, conseqüentemente, sobre as condições<br />
de subsistência de algumas comunidades<br />
locais, o não cumprimento da legislação<br />
ambiental e a devastação de florestas<br />
ribeirinhas e de outras áreas sensíveis<br />
trouxeram severos impactos negativos ao<br />
equilíbrio da água regional e ao processo de<br />
erosão.<br />
Votorantim Celulose e Papel (VCP)<br />
A empresa. A VCP está entre as maiores<br />
empresas de celulose e papel da América Latina,<br />
operando no Brasil e internacionalmente. A<br />
empresa produz celulose de eucalipto, incluindo<br />
a celulose branqueada de fibra curta (BHKP).<br />
As características da celulose branqueada de<br />
eucalipto da VCP a tornam apropriada <strong>para</strong><br />
produzir uma variedade de tipos de papel,<br />
incluindo papéis de impressão e escrita,<br />
cartolinas, papéis acetinados, papel sem<br />
carbono, papel térmico e etiquetas. As operações<br />
integradas da empresa vão desde a produção de<br />
madeira à distribuição <strong>para</strong> o consumidor final.<br />
Em 2005, a VCP registrou uma receita<br />
líquida de aproximadamente US$1,3 bilhões.<br />
Desse valor, 38% correspondem à venda de<br />
celulose e 62% à venda de papel. Em relação<br />
aos mercados, 50% da receita foi originada<br />
no mercado nacional e 50% no exterior. Em<br />
2005, as vendas alcançaram 1.493 toneladas,<br />
compostas de 58% de celulose e 42% de papel.<br />
Do total produzido, 66% foram dirigidos ao<br />
mercado externo e 34% ao mercado doméstico.<br />
Com investimentos expressivos em pesquisa<br />
<strong>para</strong> melhoramento genético e expansão da sua<br />
base florestal durante décadas, 100% da celulose<br />
produzida pela VCP é proveniente de florestas<br />
plantadas de eucalipto. Essa característica,<br />
combinada com a diversificação dos<br />
produtos da VCP, confere-lhe um diferencial<br />
competitivo. A empresa negocia ações na<br />
bolsa de <strong>valores</strong> de São Paulo (Bovespa) e na<br />
bolsa de <strong>valores</strong> de Nova York (NYSE) e detém<br />
ações de outras empresas importantes do setor<br />
tais como a Aracruz Celulose, a Suzano Bahia<br />
Sul Papel e Celulose e a Ripasa. A empresa,<br />
cuja matriz está localizada em São Paulo, foi<br />
fundada em 1988, e é uma subsidiária da<br />
Votorantim Participações S. A.<br />
Planejando o empreendimento. Enquanto<br />
planejava a expansão dos negócios em 2003,<br />
a empresa mapeou no mundo inteiro as áreas<br />
geográficas em potencial <strong>para</strong> desenvolver um<br />
novo parque industrial. O extremo sul do Rio<br />
Grande do Sul foi escolhido principalmente<br />
por suas vantagens produtivas: boas condições<br />
logísticas, disponibilidade de terra e mãode-obra,<br />
condições climáticas e topografia<br />
apropriada <strong>para</strong> o eucalipto, bom suprimento<br />
de água e nível educacional relativamente<br />
alto (de parte) da população. 20 A meta era ter<br />
100.000 hectares de eucaliptos plantados<br />
na área até 2011. Na época, a VCP tinha<br />
uma fábrica de celulose na região <strong>para</strong> o<br />
processamento da madeira.<br />
18<br />
Por exemplo, várias organizações da sociedade civil dessas regiões estabeleceram o Rede Alerta Contra o Deserto Verde.<br />
19<br />
Ver Calazans, 2002<br />
20<br />
Embora não intuitiva, a disponibilidade de boas universidades, combinado com um passado próspero da região, resultou em mão-deobra<br />
qualificada no âmbito da gestão e de operações. Entretanto, também existem muitas pessoas marginalizadas, conforme discutido<br />
anteriormente. Este fenômeno está diretamente relacionado com o alto nível de desigualdade no Brasil.<br />
192 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
A visão da VCP <strong>para</strong> os próximos 15 anos, um<br />
tempo relativamente curto <strong>para</strong> um negócio<br />
que funciona em ciclos produtivos de 7 anos,<br />
seria ver a companhia se tornar um dos<br />
maiores fornecedores de celulose de eucalipto<br />
do mundo, com um aumento de 3 vezes em<br />
seu rendimento líquido anual através da<br />
expansão da produção de celulose e papel até<br />
o ano de 2020. Isso significaria um aumento<br />
na renda líquida de US$1 bilhão em 2004<br />
<strong>para</strong> US$4 bilhões em 2020. Em 2004, a VCP<br />
começou a comprar terras no Rio Grande do<br />
Sul.<br />
O modelo tradicional do agronegócio, de<br />
depender o mínimo possível de terceiros<br />
e comprar a terra <strong>para</strong> plantar e colher<br />
a madeira, tinha efeitos potenciais de<br />
concentração de terra que poderiam inflamar<br />
uma região já volátil. Numa tentativa de<br />
incluir os agricultores locais no processo de<br />
negócios, a VCP decidiu que 30% da madeira<br />
usada na produção deveria ser proveniente de<br />
fornecedores terceirizados.<br />
A meta de 30% necessitaria de 30.000<br />
hectares procedentes de parcerias com as<br />
comunidades locais cuja confiança ainda<br />
precisava ser conquistada pela empresa.<br />
Os agricultores locais estavam cautelosos<br />
em relação a esse novo negócio na sua<br />
região e também preocupados por causa<br />
da reputação do eucalipto de secar e<br />
empobrecer a terra. As outras grandes<br />
barreiras <strong>para</strong> o trabalho com os agricultores<br />
locais no plantio do eucalipto eram a falta<br />
de experiência com esse tipo de plantio<br />
na região e a falta de recursos financeiros<br />
disponíveis <strong>para</strong> investir na plantação (sem<br />
mencionar a espera dos sete anos até que a<br />
madeira pudesse ser cortada e o rendimento<br />
da colheita recebido). Como resposta a esses<br />
desafios, a VCP criou o Programa Poupança<br />
Florestal.<br />
P o u p a n ç a F l o r e s t a l : c o n s t r u i n d o<br />
vínculos confiáveis de negócios com<br />
as comunidades locais<br />
Implementado em 2005 pela VCP, o Poupança Florestal é um programa que facilita a participação<br />
dos agricultores vizinhos da empresa na produção de eucalipto. Ao engajar a comunidade, esperavase<br />
que o sentimento de inclusão também contribuiria <strong>para</strong> legitimizar as operações da VCP na<br />
região. Através desse modelo, o produtor pode plantar sem reservas financeiras e não precisa usar<br />
sua propriedade como garantia <strong>para</strong> o empréstimo. Em vez disso, a própria madeira produzida é a<br />
garantia, tendo a esposa do produtor como a avalista do empréstimo <strong>para</strong> assegurar que o agricultor<br />
cumprirá as condições.<br />
O ABN AMRO Real foi o único banco no Brasil que aceitou as condições propostas pela VCP.<br />
Maurik Jehee, analista de crédito do Banco, disse que a intermediação da VCP, a possibilidade de<br />
adquirir novos clientes <strong>para</strong> relacionamentos a longo prazo e o alinhamento com as normas de<br />
sustentabilidade do ABN AMRO Real foram as principais razões <strong>para</strong> aceitar a proposta. “Além<br />
das preocupações ambientais, [o Poupança Florestal] possui um aspecto social interessante e um<br />
potencial de desenvolvimento regional. Além disso, ele traz novos clientes potenciais numa região<br />
onde o banco tem pouca penetração”, disse Jehee. O volume financiado deve chegar a US$30<br />
milhões num período de sete anos (até 2012) e beneficiar de 20.000 a 25.000 produtores.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
193
FINANCIAMENTO<br />
Financiamento fornecido pelo ABN AMRO Real a juros de 9% ao ano (ver a TAB. 1 com a<br />
programação de pagamento do empréstimo de 4 anos)<br />
A madeira garante o empréstimo<br />
A esposa é a avalista do empréstimo<br />
O empréstimo, totalizando R$ 2.371 num período de quatro anos, permite ao agricultor<br />
ter capital suficiente <strong>para</strong> comprar os insumos da produção e remunerar a mão-de-obra<br />
<strong>para</strong> o plantio de eucalipto<br />
A quantia emprestada equivale aos próprios custos da VCP <strong>para</strong> plantar a floresta;<br />
portanto, o agricultor pode contratar a mesma empresa que faz o plantio <strong>para</strong> a VCP ou<br />
aprender como plantar e usar o dinheiro <strong>para</strong> outros fins (por exemplo, um trator)<br />
As tarefas e os gastos de manutenção são monitorados de perto pela VCP<br />
O acordo é feito por 14 anos, o que equivale a dois ciclos de produção do eucalipto<br />
Os riscos de fracasso (na entrega da madeira) devem ser assumidos pelo ABN AMRO Real<br />
e pela VCP; quando a parceria é feita com assentados da reforma agrária, os riscos são<br />
assumidos pela VCP.<br />
Tabela 1: Distribuição dos recursos<br />
financeiros durante o ciclo de produção<br />
Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Total<br />
Total 1,689 222 236 363 2,510<br />
Mão-de-obra 1,180 124 135 280 1,719<br />
Insumos 509 98 101 83 791<br />
Observação: Valores corrigidos em 9% ao ano; o empréstimo estará completamente entregue<br />
após quatro anos, pois o quinto, sexto e sétimo ano necessitam de gastos mínimos, embora os<br />
juros continuem a correr. O pagamento não ocorre até que a madeira seja colhida.<br />
Fonte: VCP<br />
Renda alternativa<br />
Para evitar a dependência da produção de<br />
eucalipto e dar incentivo aos produtores<br />
<strong>para</strong> continuar com as culturas tradicionais<br />
(de milho, arroz e criação de gado), a área<br />
plantada é limitada a 30% da propriedade. Isso<br />
também é importante <strong>para</strong> que tenham renda<br />
até o sétimo ano (quando é feita colheita<br />
da madeira). A VCP doa as mudas <strong>para</strong> os<br />
assentados e <strong>para</strong> os pequenos e médios<br />
produtores.<br />
A receita líquida por hectare no final do<br />
sétimo ano é de aproximadamente<br />
R$ 4.878,21 (baseada em uma produção<br />
média esperada de 280 m 3 /hectare);<br />
com<strong>para</strong>tivamente, isso seria o suficiente<br />
<strong>para</strong> comprar um hectare de terra na região<br />
(TAB. 2). Se a produção for menor do que a<br />
esperada, a receita líquida por hectare será<br />
proporcionalmente menor.<br />
194 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Tabela 2: Cálculo da receita<br />
Dívida<br />
(insumos + mão-de-obra)<br />
Preço de venda<br />
Produção média esperada<br />
Renda bruta<br />
(produção + preço)<br />
Renda líquida<br />
Hoje – sem correção<br />
(R$ 2,372/ha)<br />
R$ 18/m 3<br />
280 m 3<br />
R$ 5040/ha<br />
R$ 2668/ha<br />
7 Anos<br />
Corrigido a 9%*<br />
(R$ 4,336/ha)<br />
R$ 33/m 3<br />
280 m 3<br />
R$ 9213/ha<br />
R$ 4878/ha<br />
* correção de 9% <strong>para</strong> ajuste do preço de venda a cada ano; a taxa <strong>para</strong> os juros é a mesma.<br />
Fonte: VCP<br />
Suporte técnico e capacitação<br />
A VCP fornece gratuitamente as mudas<br />
de eucalipto (e também mudas de floresta<br />
nativa <strong>para</strong> reflorestar as áreas sensíveis).<br />
Para garantir a produtividade, a VCP fornece<br />
o mesmo material genético usado em suas<br />
próprias florestas.<br />
A Emater (Empresa de Assistência Técnica<br />
e Extensão Rural) foi contratada pela VCP,<br />
<strong>para</strong> o período de 2005 a 2015, <strong>para</strong> prestar<br />
assistência técnica (gratuita) aos agricultores<br />
nas operações de produção, da fase inicial de<br />
planejamento da propriedade ao plantio da<br />
floresta e a manutenção de todo o ciclo.<br />
Cada plantação é monitorada de perto e<br />
regularmente pela Emater <strong>para</strong> assegurar<br />
que são tomadas as medidas apropriadas de<br />
manutenção em cada fase (por exemplo, o<br />
controle de formigas e ervas daninhas), o que<br />
é uma pré-condição <strong>para</strong> a liberação de uma<br />
nova quantia de empréstimo e também reduz<br />
os riscos de fracasso da colheita. 21<br />
Termos de compra<br />
Após sete anos, a VCP garante a compra<br />
de pelo menos 95% 22 da madeira, por um<br />
preço previamente estabelecido (atualmente<br />
estabelecido a R$18/m 3 , o preço de mercado<br />
regional, corrigido a 9% ao ano, a mesma taxa<br />
do empréstimo).<br />
Se, no momento da colheita, o valor de<br />
mercado da madeira for menor do que o<br />
estabelecido pelo contrato, prevalece o<br />
último, o que representa um baixo risco<br />
<strong>para</strong> o produtor.<br />
A VCP paga pela colheita e pelo transporte<br />
da madeira da propriedade até a fábrica de<br />
celulose.<br />
Agrossilvicultura<br />
A alocação máxima de terra de 30%<br />
<strong>para</strong> o plantio de eucalipto pode ser<br />
concentrada em uma só área ou pode ser<br />
combinada com outras atividades agrícolas,<br />
tais como o cultivo de grãos e a criação<br />
de animais por toda a extensão da terra<br />
(agrossilvicultura).<br />
Exigências contratuais<br />
Cumprimento da legislação ambiental.<br />
Não usar trabalho infantil ou trabalho<br />
forçado. 23<br />
21<br />
O Eucalipto requer um cuidado especial no primeiro ano, e algum também no segundo (controle de ervas daninhas; adição de fertilizantes).<br />
22<br />
Cerca de 5% da madeira pode ser usada <strong>para</strong> o consumo interno (evitando o uso de árvores nativas <strong>para</strong> esse fim), ou vendida em grandes<br />
tamanhos a um preço superior.<br />
23<br />
Existe um compromisso <strong>para</strong> reforçar essa norma entre os sindicatos regionais; o seu cumprimento é verificado pela Emater.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
195
Impactos sobre o desenvolvimento<br />
A inclusão dos assentados e dos pequenos<br />
agricultores. Para tornar comercialmente viável<br />
a plantação de eucalipto dos assentamentos 24<br />
e das pequenas propriedades rurais, o plantio<br />
seria, idealmente, feito em propriedades vizinhas<br />
dentro de um raio de 5 km. Isso facilitaria<br />
<strong>para</strong> a VCP a logística da colheita da madeira -<br />
atividade considerada muito perigosa (no âmbito<br />
da saúde e da segurança) <strong>para</strong> os produtores<br />
rurais desempenharem.<br />
De acordo com o ABN AMRO Real, desde<br />
2005, quando ocorreu a comunicação pública<br />
sobre o programa, até o final de 2006, 312<br />
projetos haviam sido aprovados (representando<br />
7,283 hectares de área plantada de eucalipto), e<br />
outros 55 estavam sendo avaliados pelo banco,<br />
correspondendo a uma área total de 8,409<br />
hectares. Esse número tem muito potencial <strong>para</strong><br />
crescer à medida que mais requerimentos sejam<br />
submetidos e aprovados pela VCP e pelo ABN<br />
AMRO Real. O principal gargalo no processo<br />
de aprovação <strong>para</strong> que os produtores rurais<br />
pudessem se juntar ao programa resultava das<br />
irregularidades encontradas na documentação<br />
de suas propriedades. A regularização da terra<br />
é um processo lento que requer aprovação do<br />
governo.<br />
No final de 2006 25 , cerca de 131 famílias<br />
assentadas haviam assinado acordos com a<br />
VCP aderindo ao Programa Poupança Florestal,<br />
com cerca de cinco a dez hectares cada uma, e<br />
uma área plantada total de aproximadamente<br />
874 hectares. A maioria dos projetos (78%)<br />
corresponde a pequenos produtores e<br />
assentados. Em termos de área plantada,<br />
os pequenos produtores e os assentados<br />
representam 47% do total. A TAB. 3 mostra<br />
detalhes dos fornecedores VCP.<br />
Tabela 3: Distribuição dos projetos por<br />
tipo de produtor<br />
Tipo de produtor<br />
Assentado<br />
Pequeno (500 ha.)<br />
Total<br />
% projetos % área<br />
Número de<br />
projetos<br />
Área (ha.)<br />
42 12 131 873.96<br />
36 35 112 2,549.05<br />
18 35 56 2,549.05<br />
4 18 13 1,310.94<br />
100 100 312 7,283.00<br />
Fonte: ABN AMRO Real<br />
A VCP espera um aumento do interesse<br />
dos assentados em se juntar ao programa<br />
à medida que os mesmos observarem os<br />
impactos positivos sobre seus vizinhos, e<br />
a empresa continuar com as atividades de<br />
comunicação do programa.<br />
Uma fonte de renda alternativa.<br />
Os parceiros do programa recebem<br />
primeiramente o treinamento da Emater<br />
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão<br />
Rural) e no primeiro ano recebem o<br />
empréstimo <strong>para</strong> o plantio da floresta.<br />
Ao fornecerem eles mesmos a mão-deobra<br />
(incluindo a do plantio e controle de<br />
formigas e ervas daninhas), as famílias<br />
podem alocar a quantia designada a essas<br />
atividades (que é a mesma paga pela VCP<br />
quando empresas fazem a tarefa) <strong>para</strong><br />
outros fins.<br />
De acordo com as estimativas da VCP,<br />
ao final do processo, o lucro do produtor<br />
deve atingir de cerca de R$2.500 por<br />
hectare 26 (ver os detalhes na TAB. 2),<br />
sem levar em conta a poupança potencial<br />
em mão-de-obra. Criar um modelo de<br />
negócio que permite a participação de<br />
pequenos produtores - numa escala de<br />
produção individual que implica <strong>para</strong> a<br />
empresa custos de iniciação, manutenção<br />
e logística maiores, que reduzem a sua<br />
viabilidade comercial - pode representar<br />
uma importante alternativa de renda <strong>para</strong><br />
aqueles que não têm meios financeiros de<br />
subsistir a partir de suas terras, enquanto<br />
representa oportunidades de trabalho <strong>para</strong><br />
suas famílias.<br />
Conformidade ambiental. A estratégia<br />
de crescimento da VCP também precisou<br />
levar em conta os impactos ambientais<br />
normalmente associados à agricultura:<br />
conformidade com a legislação ambiental,<br />
especialmente no que diz respeito às<br />
reservas legais de terras e áreas de proteção<br />
permanente. Embora a conformidade com<br />
legislação ambiental deva ser uma condição<br />
básica da operação de qualquer negócio<br />
agrícola, essa não era a realidade <strong>para</strong> a<br />
maioria dos casos no Brasil. De acordo com<br />
24<br />
O tamanho médio de um assentamento é de 20 hectares, e subtraindo-se a terra usada <strong>para</strong> a subsistência (milho, feijão, gado e carneiro),<br />
restam cerca de 5 hectares <strong>para</strong> florestas de eucalipto.<br />
25<br />
Informação da ABN AMRO Real, de 05/12/2006.<br />
26<br />
Com<strong>para</strong>tivamente, o salário mínimo no Brasil é de R$350 mensais, e um hectare de terra na região custa cerca de R$2500 a R$3000.<br />
196 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
a VCP, a não conformidade também ocorria<br />
no setor de celulose e papel no Rio Grande<br />
do Sul, mas a VCP incorporou a exigência de<br />
conformidade com as leis ambientais em <strong>todos</strong><br />
os contratos com os agricultores parceiros<br />
como pré-condição <strong>para</strong> o financiamento.<br />
Durante a fase inicial de treinamento, o<br />
agricultor, junto com os técnicos da Emater,<br />
fica responsável pelo planejamento da<br />
plantação e áreas de preservação. Para evitar<br />
a dependência na produção de eucaliptos<br />
ou a inibição dos cultivos tradicionais como<br />
arroz, milho e criação de gado, o programa<br />
estabeleceu que em 50% de cada propriedade<br />
deve-se manter a colheita original. Conforme<br />
exige a lei, nos outros 50%, o mínimo de 20%<br />
da área total deve ser mantida como área de<br />
preservação e também deve haver a proteção<br />
permanente das áreas em torno das nascentes 27<br />
(cerca de 5%). Isso deixa um máximo de 30%<br />
da propriedade com potencial <strong>para</strong> a produção<br />
de eucaliptos. O resultado foi um mosaico<br />
muito diferente da prática da monocultura, que<br />
normalmente utiliza-se de áreas de preservação<br />
e cria múltiplos impactos sociais, econômicos e<br />
ambientais.<br />
Os desafios <strong>para</strong> se aumentar a<br />
escala do Poupança Florestal<br />
Para alcançar a meta de 30.000 hectares de eucaliptos plantados por terceiros no extremo sul<br />
do Rio Grande do Sul, a área real contratada precisa ser muito maior, o que demanda uma ampla<br />
participação da comunidade local.<br />
O relacionamento entre o MST e os novos assentados (ex sem-terra) permanecia mesmo após o<br />
recebimento da terra do governo, e o movimento era visto como um interlocutor relevante <strong>para</strong> os<br />
dois grupos rurais. Por essa razão, em 2004, a VCP convidou Ciro Correia, representante do MST,<br />
<strong>para</strong> uma reunião numa tentativa de estabelecer novos padrões <strong>para</strong> a relação com o MST no Rio<br />
Grande do Sul e discutir o que era necessário <strong>para</strong> que todas as partes se beneficiassem com os<br />
investimentos da VCP na região. A reunião aconteceu com a mediação de Oded Grajew, presidente<br />
do Instituto Ethos, a mais ativa e conhecida organização promotora da responsabilidade social<br />
corporativa no país, e uma das fundadoras do Fórum Social Mundial.<br />
Ciro Correa precisava considerar restrições políticas, pois o MST havia tomado uma atitude de<br />
batalha em sua tentativa de construir novos e mais inclusivos padrões de vida <strong>para</strong> as populações<br />
rurais do país. Ele respondeu que precisava consultar a liderança do MST antes de dar uma<br />
resposta definitiva à parceria proposta pela VCP. Embora o movimento nunca tivesse tornado<br />
pública uma posição oficial, cerca de um mês mais tarde a mensagem era clara: o MST não queria<br />
se envolver.<br />
As razões pelas quais o MST ignorou a proposta e a oportunidade de dialogar não foram<br />
oficialmente declaradas. Entretanto, pode ser deduzida pela clara oposição do movimento às<br />
florestas homogêneas e maciças. O MST defende um modelo de desenvolvimento diferente, que<br />
exclui o agronegócio em grande escala.<br />
Como representante-chave dos assentamentos rurais e da agricultura familiar, o apoio do MST<br />
era importante. Entretanto, já que não havia uma oposição oficial à participação dos membros<br />
do movimento na proposta da VCP, os mesmos podiam optar por aderir ao Programa Poupança<br />
Florestal numa perspectiva individual e não se sentirem em conflito com o MST.<br />
Como a região tradicionalmente produz colheitas anuais, pode haver incertezas em relação a<br />
um compromisso de 14 anos (dois ciclos de sete anos). Ainda assim, o interesse pelo programa<br />
cresceu desde 2005, reforçado pela confiança construída à medida que os assentados vizinhos<br />
constatavam os impactos sobre os produtores VCP.<br />
Presumindo-se que o interesse continue a crescer, o programa tem a burocracia como um<br />
possível obstáculo. Como mencionado anteriormente, as pequenas propriedades normalmente<br />
possuem documentação irregular, e as exigências legais <strong>para</strong> regularização dos documentos das<br />
propriedades podem variar de cidade <strong>para</strong> cidade. O processo de regularização traz custos extras e<br />
atrasos que podem causar dificuldades <strong>para</strong> a participação dos agricultores no Poupança Florestal.<br />
27<br />
O Código Florestal Brasileiro determina a proteção permanente <strong>para</strong> áreas num raio mínimo de 30m ao longo de cursos d’água e<br />
50m ao redor de nascentes.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
197
Os desafios <strong>para</strong> o estabelecimento<br />
d e u m a l i c e n ç a s o c i a l d e o p e r a ç ã o<br />
Além do Programa Poupança Florestal, a VCP teve de estabelecer uma licença <strong>para</strong> operar<br />
na região. Para isso, a empresa precisou trabalhar com a comunidade local, enfrentar as<br />
preocupações ambientais sobre a produção de eucaliptos, fazer parcerias com órgãos<br />
públicos e abrir a maior quantidade possível de linhas de comunicação com os grupos de<br />
interesse.<br />
A priorização dos negócios locais e o<br />
estabelecimento de relações de trabalho<br />
com os assentados. Além de incluir os<br />
agricultores vizinhos como parceiros no<br />
plantio dos eucaliptos através do Poupança<br />
Florestal, a VCP também buscava fortalecer<br />
a sua licença de operação das atividades<br />
na maior área de terra, que corresponde<br />
às suas propriedades (70% da área total<br />
plantada).<br />
A empresa buscou priorizar as empresas<br />
locais na compra de insumos e contratou<br />
pessoas localmente <strong>para</strong> desempenhar<br />
atividades diversas, da gestão às operações.<br />
Todos os terceirizados trabalhando nas<br />
plantações (inclusive nas propriedades<br />
da VCP) são do Rio Grande do Sul; no<br />
total, foram contratadas cerca de 900<br />
pessoas. “Menos de 50 pessoas vêm de<br />
outras regiões, e muitas delas são oriundas<br />
dos acampamentos”, afirmou o Diretor<br />
Presidente da VCP, José Luciano Penido.<br />
Os assentados contratados recebem<br />
uma atenção especial. Além de ter <strong>todos</strong><br />
os seus direitos trabalhistas garantidos,<br />
eles contam com a assistência de uma<br />
equipe de relacionamento constituída<br />
por funcionários da VCP, da Emater e<br />
da mão-de-obra terceirizada. Uniformes<br />
de trabalho apropriados, transporte,<br />
treinamento, tratamento de saúde, comida<br />
quente e instalações sanitárias nos campos<br />
são alguns dos benefícios fornecidos aos<br />
trabalhadores.<br />
A agrofloresta e o eucalipto: controvérsias<br />
e estudos colaborativos. Outro aspecto<br />
relevante do plantio de florestas tipo<br />
mosaico é a possibilidade, se o agricultor<br />
assim desejar, de assistência técnica na<br />
prática da agrofloresta - o plantio de<br />
florestas combinando outros plantios ou<br />
pastagem, na mesma extensão de terra<br />
- ou, mais especificamente, o sistema<br />
agrosilvopastoril, quando inclui a criação<br />
de animais. A prática da agrofloresta busca<br />
produzir e maximizar interações positivas<br />
entre árvores e plantios, e normalmente<br />
é considerada como tendo um papel<br />
importante no desenvolvimento rural<br />
e na produção de sistemas agrícolas<br />
sustentáveis.<br />
Entretanto, as controvérsias em<br />
torno do eucalipto não poderiam ser<br />
ignoradas. Os eucaliptos são árvores de<br />
crescimento rápido, que exigem muito dos<br />
nutrientes do solo e grande quantidade<br />
de água, e há também o debate sobre<br />
a sua sustentabilidade nos sistemas de<br />
agrofloresta 28 . Uma das características<br />
dos eucaliptos é a sua capacidade de se<br />
adaptar a variadas condições de solo e<br />
água devido ao seu longo e profundo<br />
sistema de raízes. Por outro lado, tratase<br />
de uma espécie muito competitiva<br />
em relação às plantas que o cercam,<br />
trazendo, em algumas condições, risco de<br />
desertificação e redução da biodiversidade.<br />
Entretanto, argumenta-se que tais efeitos<br />
negativos podem ser evitados através de<br />
técnicas de gestão apropriadas, por isso<br />
um componente-chave <strong>para</strong> o sucesso<br />
do programa era o de assegurar que as<br />
orientações técnicas 29 estavam sendo<br />
seguidas corretamente e a legislação<br />
ambiental respeitada.<br />
Ciente das críticas que a introdução<br />
dos eucaliptos nas pequenas propriedades<br />
poderia trazer, a VCP estabeleceu -<br />
além das exigências relacionadas à<br />
adequação do solo e às práticas de gestão<br />
da vegetação nativa - parcerias com<br />
universidades <strong>para</strong> o monitoramento dos<br />
impactos do plantio de eucalipto na região.<br />
Entre as parcerias acadêmicas estão<br />
a Universidade Federal de Santa Maria<br />
e a Albert-Ludwigs-Universitat Freiburg<br />
(Alemanha), que desenvolveram um estudo<br />
em conjunto <strong>para</strong> monitorar parâmetros<br />
como solo, atmosfera, água (incluindo a<br />
qualidade da precipitação e a quantidade<br />
dentro e fora da floresta), nutrientes e<br />
condições de luz <strong>para</strong> as plantações de<br />
eucalipto. Interações do eucalipto com<br />
o sorgo, soja e forragem produzida (o<br />
sistema agrosilvopastoril) e a forragem<br />
nativa do sul do Rio Grande do Sul também<br />
são analisadas.<br />
28<br />
Sungsumarn, 1996.<br />
29<br />
Ver Couto e Betters, 1995.<br />
198 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
Iniciado em 2005, o estudo pretende fazer<br />
diversas medições durante um período de<br />
sete anos (o ciclo de tempo de crescimento<br />
dos eucaliptos) e introduzir novas tecnologias<br />
de monitoramento <strong>para</strong> florestas plantadas<br />
em combinação com culturas agrícolas,<br />
forragem e criação de animais.<br />
Outras parcerias <strong>para</strong> a fauna e a<br />
flora, assim como <strong>para</strong> o inventário e o<br />
monitoramento da herança arquitetural,<br />
incluem importantes universidades da<br />
região, tais como a Universidade Católica<br />
de Pelotas, Universidade Federal de Pelotas<br />
e Universidade Federal de Santa Maria. A<br />
importância dessas universidades deve-se à<br />
familiaridade que possuem com as questões<br />
locais e a sua relevância na área agrícola.<br />
Existe ainda um projeto com a<br />
Universidade de São Paulo que almeja<br />
construir um sistema abrangente de avaliação<br />
de impacto das atividades da VCP do Rio<br />
Grande do Sul, baseado em indicadores<br />
socioeconômicos de desenvolvimento local e<br />
sustentabilidade.<br />
O impacto econômico da entrada da<br />
VCP na região também exigiu parcerias e<br />
intensas negociações com sindicatos locais e<br />
prefeituras.<br />
O estabelecimento de parcerias com<br />
agências governamentais. Além das<br />
parcerias acadêmicas, a parceria com a<br />
Emater (Empresa de Assistência Técnica e<br />
Extensão Rural) tem sido fundamental <strong>para</strong><br />
a implementação do Poupança Florestal. A<br />
Emater fornece a capacitação, o treinamento<br />
e o monitoramento <strong>para</strong> o programa.<br />
Fernando Roldan Alves é o funcionário<br />
da Emater responsável pela parceria com<br />
a VCP. Segundo ele: “Você pre<strong>para</strong> um<br />
projeto e vai ver o sujeito e ele diz que quer<br />
plantar 6 hectares de árvores de eucaliptos,<br />
e planta. Você marca um dia e vai lá, e<br />
realmente tudo foi plantado. Você chega<br />
lá e pode ver o trabalho que os sem-terra<br />
fizeram 30 . É realmente formidável. Nós não<br />
estávamos acostumados com esse tipo de<br />
ação e não teríamos [a Emater sozinha] os<br />
recursos necessários <strong>para</strong> fazê-lo. Essa é<br />
a verdade. Estes 6 hectares precisam ser<br />
cuidados, coletamos algum material, temos<br />
que controlar isso. Existem 500 hectares lá<br />
e essas pessoas vão vender a terra a preço<br />
barato porque não têm outros recursos<br />
Bom, agora eles podem prosperar. Eles estão<br />
plantando e ganhando dinheiro que acaba<br />
sendo gasto aqui mesmo na região”.<br />
As parcerias com as universidades<br />
mencionadas, juntamente com os órgãos<br />
governamentais e a participação dos<br />
sindicatos (que buscam assegurar o<br />
respeito à legislação trabalhista), facilitam<br />
o monitoramento do impacto social e<br />
ambiental baseado em dados primários.<br />
Entretanto, seria também importante e de<br />
grande valia desenvolver parcerias entre a<br />
empresa e organizações da sociedade civil<br />
que se opõem ao plantio dos eucaliptos da<br />
VCP na região, no sentido de buscar uma<br />
participação construtiva delas no processo de<br />
monitoramento.<br />
Comunicação e conflitos. As críticas com<br />
relação às atividades do setor de celulose e<br />
papel no Rio Grande do Sul (incluindo a VCP)<br />
estão relacionadas à ameaça de um deserto<br />
verde, extinção de espécies, do bioma dos<br />
pampas, falta de água e de emprego e êxodo<br />
rural. Essas críticas podem ser vistas na<br />
mídia local 31 , e muitas delas estão reunidas<br />
numa publicação, chamada “O Latifúndio dos<br />
Eucaliptos”, que foi recentemente divulgada 32 .<br />
Portanto, tem sido vital <strong>para</strong> a companhia<br />
manter os canais de comunicação abertos com<br />
a comunidade e a mídia <strong>para</strong> poder esclarecer<br />
e modificar os planos quando necessário.<br />
Palestras, entrevistas e reuniões com as<br />
comunidades são regularmente realizadas pela<br />
VCP.<br />
Invasões evitadas. Até então, a VCP parece<br />
ter ganhado licença <strong>para</strong> operar. No último<br />
ano, a estratégia de ocupação <strong>para</strong> pressionar<br />
o governo brasileiro a acelerar a reforma<br />
agrária, coordenada pelo MST e outras<br />
organizações que defendem os direitos dos<br />
trabalhadores rurais sem-terra, funcionou<br />
contra todas as empresas que possuem largas<br />
extensões de terra. Terras pertencentes<br />
a várias empresas de celulose e papel<br />
foram invadidas em muitas regiões, exceto<br />
naquelas do sul do país pertencentes à VCP.<br />
A empresa conseguiu evitar invasões devido<br />
a informações recebidas dos assentados, que,<br />
como mencionado anteriormente, mantémse<br />
ligados ao MST mesmo após a aquisição<br />
da terra, e hoje participam do Programa<br />
Poupança Florestal, ou trabalham na VCP<br />
como empregados.<br />
30<br />
Ele está, na realidade, se referindo aos ex sem-terra, que são os atuais assentados.<br />
31<br />
Vargas e Cassol, 2006; Ritzel, 2006.<br />
32<br />
Via Campesina, 2006.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
199
CONCLUSÃO<br />
A estratégia da VCP foi a de desenvolver um modelo de negócios que lidava com a realidade<br />
e as necessidades da região na qual ela queria se expandir. Fornecendo recursos financeiros<br />
em condições justas e assistência técnica gratuita, a empresa contribuiu <strong>para</strong> um ambiente<br />
favorável ao crescimento dos negócios, enquanto criava oportunidades de subsistência <strong>para</strong> a<br />
população pobre da zona rural.<br />
REFERÊNCIAS<br />
Buainain, A.M. e Pires, D. 2003. “Reflexões sobre Reforma Agrária e Questão Social no Brasil.”<br />
Brasília: INCRA. 47p.<br />
Calazans, M. (coord.) 2002. “Violação de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais na<br />
Monocultura do Eucalipto.”. Disponível em: www.desertoverde.org/textos/Relat_rio_DESC_ES_I_<br />
Port%5B1%5D..pdf<br />
Couto, L. e Betters, D.L. 1995. “Shot-Rotation Eucalypt Plantations in Brazil: Social and<br />
Environmental Issues.” Disponível em: http://bioenergy.ornl.gov/reports/euc-braz/eucal2a.html<br />
Guanziroli, C. 1999. “Reforma Agrária e Globalização da Economia: O Caso do Brasil.”<br />
Econômica, v.1. n.1.<br />
MDA. 2001. “O Brasil Desconcentrando as Terras: Índice de Gini.” Brasília: Ministério do<br />
Desenvolvimento Agrário.<br />
Navarro, Z. 2002. “Mobilização sem Emancipação — as lutas sociais dos sem-terra no Brasil.” In:<br />
Santos, B. de S. Produzir <strong>para</strong> viver. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.<br />
Oliveira, A.U. de. 2006. “Sociedade brasileira não está acostumada a ver ações políticas de<br />
massas.” Disponível em: http://www.mst.org.br/biblioteca/entrevistas/ariovaldoihu.htm<br />
Oliveira, A. U. de. 2001. “A Longa Marcha do Campesinato Brasileiro: movimentos sociais,<br />
conflitos e Reforma Agrária.” Estudos Avançados. v.15, n. 43, p. 185-206.<br />
Comissão Pastoral da Terra. 2006. “Land Conflicts: Comparison of Land Conflicts 1996-2005.”<br />
Comissão Pastoral da Terra. Disponível em: www.cptnac.com.br/system=news&action=read&id<br />
=1263&eid=6<br />
Ritzel, L. 2006. Polêmica Verde. Jornal Zero Hora, 31 July 2006. Disponível em: www.bracelpa.<br />
org.br/br/clipping/julho/310706/03.html<br />
Rossetto, M. 2006. Reforma Agrária. Ministry of Foreign Relations. Available at:<br />
www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/polsoc/refagra/apresent/index.htm<br />
Sungsumarn, K. 1993. “Why Eucalyptus is Not Adopted for Agroforestry.” Reports Submitted<br />
to the Regional Expert Consultation on Eucalyptus, v.2. FAO Regional Office for Asia and the<br />
Pacific. Bangkok, 4-8 Outubro 1993. Disponível em: www.fao.org/DOCREP/005/AC772E/<br />
ac772e0p.htm<br />
Teofilo, E. e Garcia, P.D. 2003. “Brazil: land politics, poverty and rural development.” Land<br />
Reform: Land settlement and cooperatives. Rome: FAO, p.19-29.<br />
Vargas, A. e Cassol, D. 2006. “Votorantim atinge quilombolas no sul do RS”. Jornal Brasil de<br />
Fato, 22 de maio de 2006. Disponível em: www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/<br />
news_item.2006-05-22.1510081159<br />
Veiga, E. da. 2001. “O Brasil rural ainda não encontrou seu eixo de desenvolvimento.” Estudos<br />
Avançados, v. 15, n. 43. p.101-119.<br />
Via Campesina 2006. “O Latifúndio dos Eucaliptos: Informações básicas sobre as monoculturas<br />
de árvores e as indústrias de papel.” Via Campesina, Rio Grande do Sul. Disponível em: www.sof.<br />
org.br/marcha/paginas/publicacoes/cartilhaeucalipto.pdf<br />
200 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
ENTREVISTAS<br />
Maurik Jehee, Analista de Crédito, ABN AMRO Real. 9 de outubro de 2006 e 11 de dezembro<br />
de 2006.<br />
Fernando Roldan Alves, Assistente Técnico e Coordenador do Poupança Florestal, Emater –<br />
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. 26 de julho de 2006.<br />
Ciro Correa, Coordenador de Produção, Setor de Cooperação e Meio Ambiente, MST –<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 23 de outubro de 2006.<br />
Adalberto Garcia Pereira, Diretor, Tecnoflora – Companhia contratada <strong>para</strong> o planejamento<br />
(Rio Grande do Sul). 28 de julho de 2006.<br />
Mauro Riani Fernández, Coordenador do Poupança Florestal, VCP – Unidade Extremo Sul (Rio<br />
Grande do Sul). 3 de janeiro de 2007 e 2 de abril de 2007.<br />
Arnaldo Geraldo Cardoso, Engenheiro florestal, Agrossilvicultura, VCP – Unidade Extremo Sul<br />
(Rio Grande do Sul). 26-28 de julho de 2006.<br />
Cristiano Antunes Souza, Biólogo, Pesquisa Ambiental, VCP – Unidade Extremo Sul (Rio<br />
Grande do Sul). 26-28 de julho de 2006.<br />
Fausto Rodrigues Alves de Camargo, Engenheiro Florestal, Gerente de Meio Ambiente e<br />
Poupança Florestal, VCP – Unidade Extremo Sul (Rio Grande do Sul). 26-28 de julho de 2006.<br />
Glodoaldo Arantes Ramiro, Coordenador de Pesquisa, VCP – Unidade Extremo Sul (Rio Grande<br />
do Sul). 26-28 de julho de 2006.<br />
João Afiune Sobrinho, Gerente Operacional, VCP – Unidade Extremo Sul (Rio Grande do Sul).<br />
26-28 de julho de 2006.<br />
Luiz Eduardo Alves Sabbado, Engenheiro II, Planejamento Florestal, VCP – Unidade Extremo<br />
Sul (Rio Grande do Sul). 26-28 de julho de 2006.<br />
José Luciano Penido, Diretor Presidente, VCP – São Paulo. 17 de julho de 2006.<br />
José Maria de Arruda Mendes Filho, Diretor Florestal de Operações da Unidade Extremo Sul,<br />
VCP – São Paulo. 17 de julho de 2006.<br />
Luiz Henrique Ribeiro de Arruda Dias, Comunicação e Responsabilidade Social, VCP – São<br />
Paulo. 17 de julho de 2006.<br />
CASO. votorantim celulose e papel (VCP)<br />
201
Ficha técnica da edição brasileira<br />
Tradução:<br />
- Relatório - Milton Meyer<br />
- Casos de empresas brasileiras - Carlos Alberto Barbosa da Silva<br />
Revisão técnica:<br />
Tereza Cristina A. Bicalho de Menezes<br />
Editoração: Célula de Edição de Documentos – CED da Fundação Dom Cabral<br />
Apoio:<br />
Benedito Nunes<br />
Coordenadores:<br />
Cláudio Bruzzi Boechat e Célula de Edição de Documentos – CED<br />
Setembro de 2007<br />
As informações apresentadas neste estudo de caso foram revisadas e confirmadas pela<br />
empresa <strong>para</strong> assegurar a sua autenticidade. As opiniões expressadas pelo autor no estudo<br />
de caso não refletem necessariamente as da ONU, do PNUD ou de seus Estados Membros.<br />
Copyright @ 2007<br />
Programa das Nações Unidas <strong>para</strong> o Desenvolvimento<br />
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida,<br />
armazenada, ou transmitida, <strong>para</strong> qualquer finalidade e de qualquer forma, eletrônica,<br />
mecânica, fotocópia ou outro meio, sem a permissão prévia do PNUD<br />
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Para obter mais informações sobre a Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos, acesse:<br />
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Divisão do Setor Privado, Departamento de Parcerias<br />
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New York, NY 10017, USA<br />
202 CRIANDO VALORES PARA TODOS: ESTRATÉGIAS PARA FAZER NEGÓCIOS COM OS POBRES
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