LixÃ£o do Roger : habitat urbano do homem urubu

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publicadas em jornais locais, é comum ver os menores trabalhando após o horário escolar. Morar no Lixão do Roger é estar em meio a animais, pastando restos de comida e fezes. Contudo, segundo eles próprios dizem., “ a gente termina se acostumando ...” . O cheiro insuportável e urubus voando simbolizam a sujeira e a podridão. Em suas manobras, caminhões e tratores colocam em risco a vida dos “moradores”, trafegando entre homens, mulheres e crianças e, levantando uma poeira fina ao redor dos “barracos”, construídos com tapumes, tábuas, plásticos, palhas, ou qualquer outra coisa. Os “barracos” servem para estocar o produto coletado, além de abrigo e local de vigília, tanto dos moradores locais, como os oriundos de outros municípios. Nos finais de semana, os catadores, habitantes do Lixão, vão visitar suas famílias, levando a renda obtida com o produto do trabalho. A princípio, os “barracos” têm a função de não deixar molhar o papel e o papelão na chuva. Contudo, na hora do descanso, ao longo da jornada de trabalho, os catadores puxam um papelão e estendem no chão para se deitarem. Do lado de fora do “barraco”, os trabalhadores possuem uma mesa improvisada, de madeira ou com armação de ferro para prepararem as suas refeições. O fogo para o cozimento dos alimentos não é problema, pois, no próprio local, são encontrados madeira ou galhos usados na fogueira. A água para consumo é encontrada na portaria do Lixão. Demonstrando todo orgulho de ser um trabalhador ativo, os homens-urubu reservam para si alguns momentos de descontração, entre uma e outra chegada de caminhões. Entre gritos e risos batem “ aquela” pelada de futebol em campo improvisado sobre o mar de entulhos e dejetos, chutando em todas as direções a bola murcha encontrada no meio do caos. “Não é de hoje que se discute a criação de um aterro sanitário, para a Região Metropolitana de João Pessoa e a intensificação da coleta seletiva.” Ao entrar no Lixão do Roger, é de qualquer um ficar, por alguns instantes, pasmos e paralisados com o que se vê ao redor: pessoas andam procurando seu sustento no meio do lixo, com um olhar firme para o chão, podendo, a qualquer momento achar algo de interessante, e só levantam a cabeça para cumprimentar outra pessoa. Na mão o “gadenhe”, ferramenta utilizada para auxiliar a catação, semelhante a um garfo de um dente só; na outra mão, um saco plástico ou de nylon para encher de material coletado e, raramente, usam luva. A variação dos preços depende da qualidade do produto, ou seja, se está limpo vale mais, se está sujo, vale menos. Por isso, existe uma hierarquia no processo de catação, tendo os trabalhadores mais antigos prioridade sobre os mais novos, na coleta de “mercadorias” mais limpas e valiosas. Para um observador mais atento, é possível perceber a existência de um código de ética no Lixão do Roger, que é respeitado por todos. Existe uma área reservada para depositar-se o lixo hospitalar, onde há um buraco feito com trator e onde são jogados os resíduos. Nesse local, não é permitido aproximar-se, devido à alta contaminação provocada por gazes, seringas, resíduos de cirurgias e amputações. Mas, quando o trator está quebrado, os veículos que transportam o lixo hospitalar despejam os resíduos em qualquer lugar do Lixão, aumentando o risco de contaminação dos trabalhadores. Em 1999, um pequeno grupo de 40 catadores organizou e criou a Associação dos Trabalhadores do Material Reciclável do Lixão do Roger (ASTRA- MARE) onde, com muita dificuldade, reunia-se uma vez por semana. Em conversas informais, muitos declaravam não acreditar naquela associação. Mas, com a ajuda de religiosos e voluntários da sociedade civil, estabeleceram uma lista de reivindicações para apresentar ao prefeito da Cidade. Algumas delas incluíam a construção de um galpão para trabalharem e um melhor acesso a serviços de saúde. O movimento cresceu, houve novas adesões e passeatas foram organizadas. Agora a associação reivindica melhores preços dos materiais coletados, porque, anos atrás, os valores das mercadorias eram mais altos. Não é de hoje que se discute a criação de um aterro sanitário, para a Região Metropolitana de João Pessoa e a intensificação da coleta seletiva. Em 2001, foi apresentado um projeto para remediação do Lixão do Roger, elaborado pela Empresa Municipal de Limpeza Urbana – EMLUR. Segundo o projeto, no período de cinco anos a área será transformada num “parque ecológico”, com um “centro de educação ambiental” e áreas de lazer. A proposta inclui a retirada do chorume e a eliminação dos gases por tubulações e, no seu entorno, será erguida uma barreira de argila. Entretanto, a EMLUR não revelou como irá executar o projeto ecológico no Lixão, e nem como captará os recursos para esse fim. Após mais de dois anos, desde o lançamento do projeto, absolutamente nada foi feito. Uma única melhoria pode ser constatada, e que serve à perpetuação do Lixão naquele local. Foram construídos dois galpões adaptados com esteiras Janeiro/Junho de 2003 C O N C E I T O S 105
para a separação do lixo recolhido, sendo empregados alguns dos trabalhadores cadastrados. Há mais de dois anos foi feito cadastramento dos catadores para trabalharem nos galpões. O critério para a seleção considerou preferencialmente os mais antigos, assim como as gestantes e o número de filhos. O objetivo da Associação é incluir todos os catadores que vivem do Lixão, exercendo os direitos como cidadãos. Observando o quadro social e de saúde em que se encontram os “homensurubus” do Lixão do Roger e, considerando o conceito de poluição segundo Grisi (1997), em que o efeito acarretado pelo procedimento humano de lançar na Natureza resíduos, dejetos ou qualquer outro material que alterem as condições naturais do ambiente e, que contaminam ou deterioram nossa fonte natural de recursos, do ar, terra, ou água, prejudicial ao próprio homem ou a qualquer ser vivo desejável, e levando em conta a definição de saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde - FAO (1975), e a estado de completo bemestar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade, pode-se constatar mais uma vez que os “homensurubus” são os antropoindicadores da péssima qualidade de vida e da baixíssima qualidade ambiental do ambiente insalubre onde vivem, sob o olhar silencioso do poder público. A Prefeitura Municipal de João Pessoa, através da EMLUR, procura, timidamente, informar sobre a importância da coleta seletiva de lixo. Contudo, esse trabalho de educação ambiental não é acompanhado de medidas eficazes para a solução ou mitigação do problema. Para os “homens-urubus”, a seleção do lixo no local é uma necessidade e uma questão de sobrevivência, o que é evidenciado pela grande concorrência entre eles próprios e a tentativa de novos atravessadores, na disputa pelos materiais de alto valor rejeitados pela sociedade. Para uma área nobre, como o Bairro do Roger, que está junto ao centro da cidade de João Pessoa, próximo ao comércio e dos escritórios, deveria funcionar um centro de transbordo de resíduos sólidos, devido a sua proximidade com os bairros emissores. Com a instalação desse centro de captação, a EMLUR não acrescentaria gastos imprevisíveis com combustível nem tanto com galpões instalados para a seleção de material reciclável. A via férrea da Rede Ferroviária – REFFSA, que margeia o Lixão, pode ser utilizada para o transporte dos resíduos excedentes, a fim de serem processados em uma usina de compostagem e um incinerador, instalados na zona rural do município de Santa Rita, a uma distância aproximada de 12 quilômetros, numa combinasão intermodal – transporte ferroviário e rodoviário. Ao invés de soluções como acima apresentada, a Prefeitura de João Pessoa desapropriou uma área para instalação do futuro aterro sanitário. Os impactos ambientais do referido projeto são inevitáveis, pois o local escolhido está situado na bacia dos rios Mambaba-Gramame, próximos a represa do mesmo nome, encarregada de fornecer água para consumo da população de João Pessoa. Entretanto, qualquer medida nesse sentido deve passar, obrigatoriamente, pela criação da Região Metropolitana de João Pessoa acompanhada de ampla discussão junto à comunidade, de forma a proporcionar melhorias na qualidade ambiental do município, oferecendo condições dignas às famílias que sobrevivem da cata do lixo. B I B L I O G R A F I A FELLEMBERG, Gunter. Introdução aos Problemas da Poluição Ambiental. São Paulo: Edusp,1980. GRISI, Breno M. Glossário de Ecologia e Ciências Ambientais. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1997. LIMA, Luiz Mário Queiroz. Lixo: Tratamento e Biorremediação. São Paulo: Hemius, 1995. MIRANDA, Luciana L. de O Que é o Lixo. São Paulo: Brasiliense, 1995. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD / FAO. Passmore, R. et al. Manual sobre Necesidades Nutricionlales del Hombre. Genebra: OMS, 1975. SCARLATO, Francisco C. e PONTIN, Joel A. Do Nicho ao Lixo: Ambiente, Sociedade e Educação. São Paulo: Scipione, 1998. 106 C O N C E I T O S Janeiro/Junho de 2003
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