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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Drummond e Machado <strong>de</strong> Assis: uma filosofia da dúvida...<br />

Se procurar bem, você acaba<br />

encontrando, não a explicação<br />

(duvidosa) da vida, mas a poesia<br />

(inexplicável) da vida.<br />

Observe-se que a própria poesia aí aparece inexplicável. Seria uma pesquisa<br />

excitante, do maior interesse literário, e rendimento filosófico, a que pudéssemos<br />

fazer para verificarmos se o nosso Drummond taxou <strong>de</strong> “inexplicável” a<br />

poesia, antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter Fernando Pessoa <strong>de</strong>finido o poeta como um<br />

“fingidor”...<br />

Prometi algumas reflexões paralelas sobre Machado <strong>de</strong> Assis. Vou cumprir.<br />

Chego a crer que para o Bruxo do Cosme Velho, como para o Magrinho <strong>de</strong><br />

Itabira e <strong>de</strong>pois Andarilho <strong>de</strong> Copacabana, o exercício da literatura, em termos<br />

<strong>de</strong> poesia e prosa, não terá resultado apenas <strong>de</strong> um impulso vocacional ou <strong>de</strong><br />

um mero prazer estético. Mais que isso: a literatura não terá sido para ambos<br />

um fim em si mesmo, mas um meio <strong>de</strong> construir idéias ou fazer <strong>de</strong>la uma arte<br />

<strong>de</strong> pensar, uma técnica <strong>de</strong> comunicação profunda, uma proposta <strong>de</strong> filosofia<br />

pura – e filosofia, permitam-me insistir, tendo por sistema nervoso a dúvida e<br />

a ironia. Ou para melhor: a ironia embebida ou imersa na dúvida.<br />

Lembremo-nos da problemática <strong>de</strong> Capitu, a personagem mais nevrálgica<br />

<strong>de</strong> Machado, encarnação, ao mesmo tempo melancólica e suave, <strong>de</strong> uma incerteza<br />

que até hoje perdura na mente dos analistas literários e dos psicólogos embrenhados<br />

na trama do romance.<br />

Do mesmo corte filosófico é aquele Memórias póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas como por<br />

igual Dom Casmurro, Quincas Borba, Memorial <strong>de</strong> Aires, obras capitais que não fazem<br />

senão confirmar o ceticismo, que eu diria orgânico, do escritor inconfundível.<br />

E não é o ceticismo um retrato da dúvida, ou não raro seu fruto mais ácido?<br />

No caso <strong>de</strong> Machado e <strong>de</strong> Drummond, nem sempre ácido ou amargo; vem<br />

adoçado freqüentemente pela graça do próprio humor que não corrói; vem<br />

brando, ameno, eu ia dizer gracioso, mesmo quando arranha na crítica, – uma<br />

arte literária meio gata; nunca seria canina...<br />

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