15.05.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Nelson Saldanha<br />

<strong>de</strong>riam lembrar um aqueduto. Houve comentaristas que associaram a forma<br />

geral da Torre ao Coliseu Romano; po<strong>de</strong>ria semelhar, ainda, um amontoado<br />

<strong>de</strong> castelos.<br />

Dir-se-ia também, conforme a associação que a cada observador ocorre,<br />

um mandala com ângulos, ou então um anti-mandala: unida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong><br />

conjugadas <strong>de</strong> modo um tanto estranho. Semelharia ainda um colossal <strong>de</strong>pósito<br />

<strong>de</strong> coisas várias, inclusive <strong>de</strong> gente: uma edificação insólita e entretanto<br />

imponente.<br />

Mas a Torre dá, além <strong>de</strong> tudo isto, uma impressão a mais: a <strong>de</strong> uma construção<br />

humana que se finca na terra (um rochedo ou um plano) e se confun<strong>de</strong><br />

com ela. A largura da construção, os tons em que se acha pintada (ocre, bege,<br />

cinza), a compleição assimétrica.<br />

E nisso, na fusão entre a base da Torre e o pedaço <strong>de</strong> chão terrestre em que<br />

se acha plantada, cabe ver uma representação das relações do homem com a<br />

terra. O homem na terra, habitando casas que se fazem nela e <strong>de</strong>la; e contudo<br />

saindo <strong>de</strong>la, subindo em torres, erigindo monumentos, inclusive obeliscos,<br />

tentando alçar vôo e chegar às nuvens. Sabe-se que um dos lugares-comuns<br />

referentes ao quadro é dizer que ele retrata a soberba dos homens que buscaram<br />

levantar patamares <strong>de</strong> pedra (ou <strong>de</strong> tijolo) chegando às nuvens (há nuvens,<br />

no quadro, à altura da parte superior). Mas no caso da torre a construção<br />

não se <strong>de</strong>staca da terra, nem po<strong>de</strong>ria fazê-lo: fun<strong>de</strong>-se com ela pelo lado<br />

<strong>de</strong> baixo, pelos alicerces.<br />

A Torre é “híbrida” no sentido grego, <strong>de</strong> <strong>de</strong>smedida, e também no sentido<br />

que tomou, mo<strong>de</strong>rnamente, <strong>de</strong> mistura. Há, portanto, um contraste,<br />

que é ao mesmo tempo uma fusão, entre a construção humana, enorme e<br />

bizarra, e a terra em que se encrava. Ou seja, e agora tento dizer o essencial:<br />

entre a natureza e o humano. Em termos contemporâneos, natureza e cultura.<br />

A natureza como o básico, mas também o ru<strong>de</strong>, o “bruto”, ou ainda o<br />

pré-humano. Mas também como garantia e asseguramento, como a proximida<strong>de</strong><br />

do chão para quem navega. E como o regular, o que apresenta regularida<strong>de</strong>s,<br />

o previsível. James Frazer, no capítulo XLIII <strong>de</strong> The Gol<strong>de</strong>n Bough,<br />

196

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!