Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Benedicto Ferri <strong>de</strong> Barros<br />
tanta força, tanta profundida<strong>de</strong>, tanta beleza, como se a prosa se elevasse aí ao<br />
nível <strong>de</strong> comunicação da poesia a mais alta. Os tipos são comuns, mas seu perfil<br />
os singulariza, e, <strong>de</strong>senhados a leves traços <strong>de</strong> pincel, parecem, contudo, gravados<br />
em água-forte.<br />
Em alguns contos, como “O amante <strong>de</strong>mônio”, “Hóspe<strong>de</strong>s da nação”,<br />
“Miss Holland”, “Barro”, está visto que a vida não é mesmo para brinca<strong>de</strong>iras.<br />
Na maioria os sentimentos se mesclam na confusa ambivalência que caracteriza<br />
a autêntica realida<strong>de</strong> humana.<br />
Nunca estive na Irlanda, mas é como se a houvesse visitado e <strong>de</strong> há muito a<br />
conhecesse e a sua gente, pois muitos <strong>de</strong> seus lugares e pessoas me lembram,<br />
universalmente, lugares e gente da minha própria infância, lugares singelos e<br />
humil<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> vivi enquanto menino.<br />
Já salientei o nível igualmente alto <strong>de</strong> cada conto. Em matéria <strong>de</strong> preferência<br />
pessoal coloco-os, porém, em três planos: o primeiro, constituído por “O fundo<br />
da terra e o fundo do mar”, “O gato e o milharal”, “Hóspe<strong>de</strong>s da nação”,<br />
“O bêbado” e “O fazedor <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte” (nessa exata or<strong>de</strong>m); meio <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente,<br />
“O amante <strong>de</strong>mônio”, “A velha”, “Miss Holland”, “A coroa do<br />
martírio”, “A tola borboleta”, “Paixão”, “A partida para o exílio”; ficam num<br />
terceiro plano – e para dizer tudo, não consegui atravessar “As asas da pomba”<br />
nem me atrevi a ler “Ping”. É uma questão <strong>de</strong> alergia cultural que me sinto na<br />
obrigação <strong>de</strong> explicar no parêntesis que vai a seguir.<br />
Excelente o trabalho informativo <strong>de</strong> Munira Mutran e altamente meditadas<br />
e judiciosas as consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Maria Helena Kopschitz, profunda conhecedora<br />
e analista <strong>de</strong> Beckett que é.<br />
<br />
(Pessoalmente tenho alergia pelo extremismo em todos os campos, aí incluídos<br />
o da literatura e artes em geral. Trata-se <strong>de</strong> uma concepção pessoal, avessa<br />
à <strong>de</strong>formação da linguagem, da comunicação – à originalida<strong>de</strong> à outrance que se<br />
amanceba com o caos.<br />
206