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ARTHUR LAÉRCIO HOMCI - Fabsoft - Cesupa

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O DIREITO COMO INTEGRIDADE NA PRÁTICA INTERPRETATIVA DOSDIREITOS HUMANOSArthur Laércio Homci 1Ricardo Araujo Dib Taxi 2Resumo: O artigo objetiva discutir os direitos humanos para além da (insuficiente)descrição de tratados internacionais e sua forma de positivação no ordenamento pátrio, apartir da teoria do direito como integridade de Ronald Dworkin, apresentando umaproposta para a prática interpretativa dos direitos humanos no contexto brasileiro. Istoporque liberdade, igualdade, saúde, segurança não são conceitos prontos e acabados,mas dependem, para seu dimensionamento, de circunstâncias que só vêm à tona no casoconcreto, razão pela qual é preciso sempre rediscutir esses direitos para que os mesmostenham um conteúdo substantivo e não sejam apenas um discurso vazio e fetichizado.Palavras-chave: Direitos Humanos. Interpretação. Direito como Integridade. RonaldDworkin.LAW AS INTEGRITY IN PRACTICE INTERPRETATIVE HUMAN RIGHTSAbstract: The article aims to discuss human rights in addition to the (inadequate)description of international treaties and their way of positive parental rights in land, fromthe theory of law as integrity of Ronald Dworkin, presenting a proposal for an interpretativepractice of human rights in Brazil. This is because freedom, equality, health, safetyconcepts are not ready and finished, but depend for their design of circumstances comingto light in this case, which is why you always need to revisit these rights as they have asubstantive content and are not just empty talk and a fetishized.Key Words: Human Rights. Interpretation. Law as Integrity. Ronald Dworkin.1 INTRODUÇÃOOs Direitos Humanos são hoje considerados a fonte central de legitimidade doDireito, o núcleo de conteúdo para o qual o discurso jurídico precisa se remeter comvistas a mostrar-se socialmente legítimo.Isto porque, como se mostrará no decorrer deste trabalho, a época em que osordenamentos jurídicos eram considerados legítimos apenas pela autoridade de seus1 Mestre pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pesquisa na área de Direitos Humanos e InclusãoSocial. Professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil do Centro Universitário do Estadodo Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA).2 Mestre e Doutorando pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pesquisa na área de Filosofia eDireitos Humanos. Bolsista CAPES.


poderes, pela edição “democrática” das leis e pela regular investidura de juízes e demaismembros do Judiciário está em franca decadência.A breve história do século XX mostrou que, se o velho jusnaturalismoracionalista do iluminismo dos XVIII já não possui amparo filosófico, a aposta em umaoperacionalidade do direito por si mesmo, isto é, concentrado na norma e desvinculado definalidades político-jurídicas para com as quais os juristas devam prestar conta, foi umaopção que tornou o direito um alvo fácil de quaisquer ideologias políticas, por maisperversas que fossem.Certamente, é preciso salientar que a intenção inicial dos positivistas não eratornar o Direito uma maquinação irrefletida, e a opção metodológica pretensamenteneutra e cientificamente descritiva foi uma preocupação epistemológica em ser ciência, enão só mais uma ideologia prescritiva. Todavia, a suposta intenção em expor oordenamento jurídico apenas formalmente, preterindo a análise valorativa das questõesde conteúdo, foi mais longe do que se imaginava. Isso porque, se a intenção inicial emseparar direito e moral restringia-se à explicação formal dos ordenamentos jurídicos, opositivismo foi culturalmente assimilado como um incentivo à decisão puramente técnica,olvidando qualquer tipo de argumento moral.Contudo, como a moral é inseparável de qualquer argumentação e mais aindada argumentação jurídica, o positivismo não gerou uma cultura amoral de análise dodireito, mas uma cultura pretensamente neutra, mas que trazia velada, embutida, umamoral conservadora e ligada a um tipo de estabilidade social e a uma forma de resolver astensões sociais que não vinha à tona porque a estrutura positivista não dava espaço aesse tipo de abordagem.Foi, então, apenas no período do pós-guerra, a partir da segunda metade doséculo XX, que os argumentos morais foram reincorporados ao cerne da reflexão jurídica,erigindo-se os Direitos Humanos como pilares desse movimento, na medida em que osmesmos foram documentados em tratados internacionais e fixados como conteúdosmínimos de direitos indispensáveis a qualquer sociedade, logo, de observância obrigatóriapor particulares e pelos poderes públicos, não podendo ser alienados nem pela vontadedo próprio titular.Essa guinada deveria representar mundialmente a retomada da moral não sócomo fundamentação interpretativa de determinados casos, mas como explicação dopróprio Direito. Todo o tecnicismo e a positividade passariam a ser considerados uminstrumento a serviço de um raciocínio holístico maior, ligado aos fundamentos morais2


consubstanciados nos direitos humanos, tal como descritos nos documentosinternacionais.Entretanto, essa positivação, ao contrário do que pensava Norberto Bobbio(BOBBIO, 1992), é o começo e não o fim da discussão acerca da compreensão dosDireitos humanos e de sua aplicabilidade universal.A construção dos direitos a partir dos direitos humanos depende, comoqualquer interpretação, de uma compreensão do conteúdo, da dimensão e do alcancedesses direitos, pois hoje já está também fora de dúvida que os textos legais não falampor si, e assim dependem de uma compreensão frente ao caso concreto para tornarem-seautênticas normas de conduta.Em todo caso, a constatação da inescapável margem de criatividade notrabalho interpretativo não se traduz necessariamente em uma discricionariedade, isto é,em uma margem de liberdade ao intérprete para construir e dispor dos sentidos do textodo modo que melhor lhe parecer, apenas por ser o intérprete autêntico.Por isso, o estudo da obra de Dworkin torna-se central na medida em que,compreendendo o Direito como uma prática interpretativa na qual as atribuições desentido renovam-se sempre em busca da explicação mais atraente do ordenamento comoum todo, seu objetivo é justamente unir o aspecto hermenêutico de compreensão dostextos legais com a necessidade normativa de repensá-los com vistas a resolver osproblemas concretos da melhor maneira possível, segundo os princípios jurídicosvigentes.A partir desse impulso, é possível levar a discussão sobre Direitos Humanospara além da (insuficiente) descrição de tratados internacionais e sua forma depositivação no ordenamento pátrio. Isto porque, sem desmerecer ou diminuir essetrabalho, fato é que liberdade, igualdade, saúde, segurança não são conceitos prontos eacabados, mas dependem para seu dimensionamento de circunstâncias que só vêm àtona no caso concreto, razão pela qual é preciso sempre rediscutir esses direitos para queos mesmos tenham um conteúdo substantivo e não sejam apenas um discurso vazio efetichizado.Obviamente, diversas poderiam ser as abordagens aptas a problematizar essaquestão. A opção por Dworkin, contudo, mostra-se importante não apenas pela luz quetraz à questão, mas também porque esse teórico tem sido cada vez mais utilizado e lidoentre juristas brasileiros, razão pela qual um esclarecimento acerca de alguns pontoscentrais em sua teoria pode significar uma contribuição não apenas para os DireitosHumanos, mas para a teoria do direito de um modo geral.3


Como a ideia de integridade como uma virtude política distinta da justiça e daequidade é ela mesma um conceito interpretativo, a discussão em torno dos direitoshumanos pode representar também um acréscimo de materialidade na discussão deDworkin, evitando que os conceitos sejam discutidos como meras abstrações desprovidasde objeto e sejam pensados frente a problemáticas concretas.42 AS DIVERGÊNCIAS SOBRE O DIREITOÉ importante o modo como os juízes decidem os casos, pois a adoção de umargumento em desfavor de outro pode fazer significativa diferença na vida dacomunidade. A decisão de um juiz encarna não apenas a disposição de quem tem direitoa algo, mas inclui um valor moral, que determina quem agiu de modo correto emdeterminada circunstância. Por essa razão, é importante saber o que os juízes pensam doDireito, e sobre o que o modo de pensar deles é divergente. Segundo Dworkin, osprocessos judiciais sempre suscitam três questões que podem tornar-se divergentes:questões de fato, questões de direito e questões de moralidade, fidelidade e política(DWORKIN, 2010).Nesse primeiro momento, importa discutir as divergências nas questões dedireito. Todos os juristas pressupõem que há algumas proposições jurídicas 3 que sãoverdadeiras ou falsas. A partir dessa constatação, podem-se visualizar duas formas pelasquais os juristas podem divergir em relação às questões de direito: divergências empíricase divergências teóricas.As divergências empíricas ocorrem na aplicação de determinada norma numcontexto jurídico, e as divergências teóricas ocorrem sobre o fundamento de determinadanorma. Essa divergência é mais complexa que a anterior e está inserida mesmo nasdiscussões do público em geral (ainda que inconscientemente).A doutrina não possui uma teoria acerca da divergência teórica do Direito. Essadivergência é encarada como uma ilusão. Na concepção do direito como simples questãode fato, que Dworkin repudia, o Direito nada mais é do que aquilo que as instânciasjurídicas anteriores decidiram que ele é (DWORKIN, 2010). Sob essa visão, as questõesjurídicas sempre podem ser respondidas a partir de uma análise nos arquivos que contêmos extratos jurídicos anteriores. A versão acadêmica desse ponto de vista écomplexificada pela constatação de que nem sempre há uma lei anterior, boa ou má, para3 Tudo aquilo que as pessoas afirmam ou alegam que a lei permite, proíbe ou autoriza.


ser aplicada a determinado caso. Nesse caso, cabe ao juiz exercer o seu discernimentoparticular no julgamento, descobrindo ou inventando o Direito.Para Dworkin, essa análise do direito como questão de fato é muito simplória(DWORKIN, 2003). Sendo o Direito instrumento de influência direta na vida da sociedade,e o Judiciário a instância maior de sua materialização, é necessário o aprofundamentodessas questões teóricas, para melhor compreensão do fenômeno jurídico.É necessário construir, então, algo mais sólido em termos teóricos, para definirqual a real divergência existente entre os juízes na aplicação do direito. A preocupaçãocentral diz respeito à questão do Direito, e não com os argumentos particulares utilizadospelos julgadores no momento das decisões.O argumento central apresentado por Dworkin para definir essa divergência é oseguinte: o Direito possui uma peculiaridade em relação aos demais fenômenos sociais, éargumentativo. Esse caráter pode ser visto externa ou internamente (dentro do própriofenômeno jurídico). Dworkin se preocupa com o caráter interno do Direito, e suaabordagem é feita a partir de determinados casos concretos, que denomina hard cases,ou casos difíceis (DWORKIN, 2001).Para a solução desses casos, não basta uma visão do Direito como simplesquestão de fato. Algo mais é necessário, desde a reelaboração do conceito geral de lei. Alei, afinal de contas, é texto aprovado no congresso, ou o direito criado ao ser promulgadoo texto? A intenção dos legisladores faz parte da lei? Na decisão de um caso concreto,pode-se considerar o argumento contextual, em contraste ao argumento literal do texto dalei? Pode o juiz buscar a intenção dos legisladores? Pode buscar, mediante pesquisaempírica, qual o objetivo dos congressistas ao aprovarem uma lei? Essas discussõesdizem respeito à natureza da lei, à forma como ela deve ser interpretada.Várias teorias buscam responder a essas questões, e Dworkin apresenta-asem especial na obra Império do Direito (2003). Inicialmente, traça uma linha geral sobre oque ele denomina de teorias semânticas. Para determinar o significado da palavra Direito,há a necessidade de estabelecimento de alguns critérios, entre eles os ontológicos, paraque os filósofos possam dar um conteúdo mínimo à expressão. Trata-se, evidentemente,de uma questão linguística, relacionada ao modo como se fala o direito.As teorias semânticas do Direito dispõem que os advogados (juristas) seguemdeterminados critérios linguísticos para avaliar as proposições jurídicas. O positivismo,como teoria semântica, sustenta que o direito é uma simples questão de fato, segundo aqual a verdadeira divergência sobre a natureza do direito é empírica e varia de acordocom os fatos históricos que lhe dão base.5


Para Hebert Hart (1994), expoente do positivismo anglo-saxão, a legitimidade éoutorgada pela sociedade, por meio das regras de reconhecimento, que outorga a alguémo direito de emanar leis legítimas. Segundo Hart, as regras de reconhecimentoconsistiriam no remédio para a incerteza, pois eliminariam dúvidas acerca da própriaexistência das regras primárias. Em outras palavras, seriam regras para a identificaçãoconcludente das regras primárias de obrigação.Seria estabelecida uma ordenação das regras ou um critério de superioridade,para casos de conflitos, o que confere uma marca dotada de autoridade que introduz,embora de forma embrionária, a ideia de sistema jurídico, porque as regras não seriamapenas um conjunto discreto e desconexo, mas estariam unificadas, mesmo que de ummodo simples. Daí, ter-se-ia o germe da ideia de validade jurídica.Por outro lado, o remédio para a qualidade estática do regime de regrasprimárias consistiria, segundo o mesmo autor positivista, na introdução de regras dealteração, cuja forma mais simples seria a que confere poder a um indivíduo ou a umcorpo de indivíduos, para introduzir novas regras primárias para a conduta da vida dogrupo ou para eliminar as regras antigas. Os poderes atribuídos podem ser isentos derestrições ou limitados de várias maneiras; as regras podem, além de especificar quais aspessoas que devem legislar, definir o processo a seguir-se na legislação. Neste aspecto,Hart (1994) destaca que haverá uma conexão muito estreita entre as regras de alteraçãoe de reconhecimento.Finalmente, para remediar a ineficácia da pressão social difusa, Hart propõe aintrodução de regras secundárias que dão poder aos indivíduos para proferirdeterminações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se, numa ocasiãoconcreta, foi violada uma regra primária. Seriam regras de julgamento, as quais, além deidentificar os indivíduos que devem julgar, definem também o processo a seguir.Em casos polêmicos, mesmo os positivistas, que dão base à ideia de direitocomo mero fato histórico, estão divergindo sobre a natureza do Direito, pois precisam(re)pensar o direito para aplicá-lo no presente. Mediante esse argumento de Dworkin, adivergência semântica sobre a palavra Direito é inevitável, mas mantém-se um núcleocentral sobre o significado da expressão. Nesse caso, não estariam divergindo ospositivistas sobre o significado do direito?Para Dworkin, essa divergência parece evidente.6


3 O DIREITO COMO CONCEITO INTERPRETATIVOA interpretação define não apenas por que as regras existem (valor), mastambém o que, devidamente compreendidas, elas agora requerem (conteúdo). Valor econteúdo, no processo interpretativo, se confundem. A interpretação realizada em relaçãoa algum ato ou norma irá influenciar necessariamente nas práticas a ele(a) ligadas.Portanto, uma teoria da interpretação é uma interpretação prática dominante deusar conceitos interpretativos. Em outras palavras: a forma como cada sociedadeinterpreta as suas normas depende, inclusive, do conceito de interpretação adotado.Nesse passo, Dworkin expõe a sua concepção de interpretação, que servirá debase para o restante da obra.Quase todas as práticas dos seres humanos são atos de interpretação.A forma de interpretação que estamos estudando — a interpretação de umaprática social — é semelhante à interpretação artística no seguinte sentido: ambaspretendem interpretar algo criado pelas pessoas como uma entidade distintadelas, e não o que as pessoas dizem, como na interpretação da conversação, oufatos não criados pelas pessoas, como no caso da interpretação científica(DWORKIN, 2003, p. 61).Essas seriam, então, as formas de interpretação criativa, que não lidam com asintenções do criador da prática ou norma. São formas de interpretação construtivas, quese preocupam com os propósitos interpretativos, e não com a causa; mas essespropósitos são os do intérprete, e não o do criador da norma.A interpretação das obras de arte e das práticas sociais, como demonstrarei, naverdade, se preocupa essencialmente com o propósito, não com a causa. Mas ospropósitos que estão em jogo não são (fundamentalmente) os de algum autor,mas os do intérprete. Em linhas gerais, a interpretação construtiva é uma questãode impor um propósito a um objeto ou prática a fim de torná-lo o melhor exemplopossível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam” (DWORKIN,2003, p. 64).Esse propósito é o de sempre tornar o nosso objeto de interpretação o melhorpossível, mas o intérprete não é completamente livre ao compreender, pois está vinculadoà tradição que cerca o objeto ou prática de interpretação.Prática Interpretação Compreensão (ligada à tradição) Construção 47No campo da interpretação artística, que serve de parâmetro para ainterpretação das normas, a intenção do autor não é a única maneira de interpretar,verdadeiramente, uma obra de arte. Antes, ela precisa fazer parte de um conjunto deoutros fatores, para ganhar contorno de interpretação real.4 Esse seria um movimento cíclico constante.


As obras de arte apresentam-se, em nosso contexto, como portadoras de umvalor: o valor estético. Esse valor estético é atribuído pelos intérpretes de acordo com atradição interpretativa na qual estão inseridos, e da qual não podem escapar.Transportando a ideia para a interpretação social, Dworkin afirma queUma prática social cria e pressupõe uma distinção crucial entre interpretar os atose pensamentos dos participantes um a um, daquela maneira, e interpretar aprática em si, isto é, interpretar aquilo que fazem coletivamente. Ela pressupõeessa distinção porque as afirmações e os argumentos que os participantesapresentam, autorizados e estimulados pela prática, dizem respeito ao que elaquer dizer, e não ao que eles querem dizer (DWORKIN, 2003, p. 76-77).Para que as práticas sociais possam ser reconhecidas, há a necessidade deuma confluência de saberes, mínima, o suficiente para que qualquer divergência sejalegítima, mas não para que não haja divergência alguma. Só é possível realizar umainterpretação da prática social em si, desvinculada das intenções dos seus partícipes uma um, se o intérprete aderir à prática que se propõe compreender. Em outras palavras: aprática a ser interpretada determina as condições da interpretação.84 BASES PARA A COMPREENSÃO DA INTEGRIDADEFeita a explanação básica da ideia do direito como um conceito interpretativo,Dworkin apresenta alguns argumentos de base para a sua análise posterior, daintegridade como um princípio autônomo e fundador da interpretação judicial.Inicialmente, parte do pressuposto de que todo julgamento de Direito é um atointerpretativo. As influências que levam à convergência de opiniões entre juízes, além dosparadigmas do Direito, são inerentes à natureza da interpretação. Além disso, o meio, osprecedentes, e a formação jurídica inclinam a um pensamento convergente em umamedida mínima.Segundo o autor, “a dinâmica da interpretação resiste à convergência aomesmo tempo que a promove, e as forças centrífugas são particularmente fortes ali ondeas comunidades profissional e leiga se dividem em relação à justiça” (DWORKIN, 2003, p.110).O fluxo de movimentação do Direito na atualidade imprime aos juristas anecessidade de crença nas decisões judiciais, dados os debates contínuos sobredeterminados assuntos.A antiga imagem do direito como simples matéria de fato, apresentada no 1ºcapítulo desse livro, dizia para não tomarmos ao pé da letra os votos proferidospelos juízes nos casos difíceis; essa nova imagem tem o mérito notável de nospermitir, mais uma vez, acreditar no que dizem nossos juízes (DWORKIN, 2003, p.112).


9A interpretação judicial acaba sendo responsável pela oxigenação do Direito, eas melhores teorias do Direito são interpretações construtivas, pois buscam apresentar oconjunto de jurisdição em sua melhor luz, para alcançar o equilíbrio entre a jurisdição talcomo o encontram e a melhor justificativa dessa prática.Assim, qualquer discussão prática sobre o direito é também uma discussãosobre o melhor fundamento a ser adotado, logo, trata-se de uma questão interpretativa. Acompreensão sistêmica do direito não é algo dado pela comunidade, como a estruturajurídica em si (tribunais, normas, leis, etc.), mas faz parte do problema interpretativocompreender o sistema jurídico.As interpretações do Direito aprimoram o conceito de Direito, através dequestionamentos profundos sobre a estrutura do conceito, que são basicamenteformulados da seguinte maneira: justifica-se o suposto elo entre Direito e coerção, pormeio de direitos e responsabilidades que decorrem de políticas anteriores? Qual é osentido disso? Que leitura de decorrer é a mais apropriada?A teoria do Direito como integridade afirma-se da seguinte maneira: aceita semreservas o direito e as pretensões juridicamente asseguradas nas decisões passadas;supõe que a vinculação beneficia a sociedade não apenas por uma questão de segurançajurídica, mas por assegurar um tipo de igualdade que torna a comunidade mais genuína eaperfeiçoa sua justificativa moral para exercer o poder político; os direitos que decorremde decisões anteriores têm valor legal quando procedem dos princípios de moral pessoale políticas que as decisões pressupõem a título de justificativa.5 A INTEGRIDADE COMO PRINCÍPIO POLÍTICO-JURÍDICOHá dois princípios de integridade política:1) Legislativo: que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leismoralmente coerente;2) Jurisdicional: que demanda que a lei seja vista como coerente, nessesentido.O cerne da problemática dworkiana é discutir o princípio da integridadeaplicado ao âmbito jurisdicional. Os conflitos entre ideias são comuns em política. Amaioria dos filósofos, por exemplo, admite que nem sempre uma decisão justa é tida comequidade, e nem sempre uma decisão tomada com equidade é justa. Nas palavras deDworkin (2003, p. 215), “se acreditarmos que a integridade é um terceiro e independenteideal, pelo menos quando as pessoas divergem sobre um dos dois primeiros, então


podemos pensar que, às vezes, a equidade ou a justiça devem ser sacrificadas àequidade”.Outrossim, é imperioso ressaltar o sentido que Dworkin atribui aos ideais dejustiça e equidade. Na sua percepção, a equidade é tida como um método de distribuiçãodo poder, que possibilita a participação de todos no processo decisional político. É umafaceta procedimental da equidade, na qual o poder deve ser distribuído de maneiraequânime a todos. A justiça, por sua vez, é vista em um sentido restrito, ligada aosresultados da distribuição de recursos na sociedade 5 .Uma solução conciliatória, calcada na equidade — conforme estruturada porDworkin — é fundada em normas que tentam conciliar determinadas concepçõesincoerentes. A distribuição de poder decisional entre grupos, por exemplo, que possuemconcepções diferentes sobre o aborto provavelmente acarretaria decisões injustas, quepoderiam abalar o ordenamento político de determinado Estado.Dowrkin propõe, então, que cada ponto de vista deve ser escutado em umadeliberação, mas a decisão deve ser tomada com base num princípio que possasalvaguardar a coerência do ordenamento político.Vale salientar que a integridade é diferente do que se denomina comumente decoerência, ou é algo além disso. A integridade não significa a impossibilidade de alteraçãode parâmetros preestabelecidos, mas apenas a necessidade de avaliação recorrentedesses parâmetros no processo de interpretação que levará à tomada da decisão política.Para sua realização, a integridade política supõe uma personificação profunda dacomunidade. Pressupõe que esta se engaje na fomentação dos princípios deequidade, justiça e devido processo legal, e que honre essas virtudes. A ideia deintegridade política personifica a comunidade como um agente moral, atuante,pressupondo que a comunidade pode adotar, expressar e ser fiel ou infiel aprincípios próprios, diferentes daqueles de quaisquer de seus dirigentes oucidadãos enquanto indivíduos. A partir dessas considerações, é possível entenderque o princípio da integridade não admite que uma comunidade personificadaaplique direitos diferentes, que não podem ser definidos como um conjuntocoerente com os princípios de justiça, equidade e devido processo legal(DMITRUK, 2008).Feita a defesa da integridade como virtude política independente, o autor passa adiscutir a questão interpretativa. Nesse ponto, o papel da comunidade torna-sefundamental, conforme exposto no excerto acima, no processo interpretativo, poisqualquer argumentação política que encare a integridade como ideal autônomo serábaseada nos preceitos morais da comunidade.105 Sobre os processos de justiça distributiva, é imprescindível a leitura de A virtude soberana: teoria e práticada igualdade (DWORKIN, 2005). Para um comparativo entre a teoria da igualdade de recursos de Dworkin ea concepção em voga no Brasil de igualdade material, ver A teoria igualitária de Ronald Dworkin e osaspectos da igualdade material no Brasil (<strong>HOMCI</strong>, 2009).


O Direito como integridade volta-se tanto para o passado como para o futuro,interpretando a prática jurídica contemporânea como uma política em processo contínuode desenvolvimento. Por isso, a tese de que os juízes descobrem ou inventam o direito érejeitada pela integridade. O princípio da integridade orienta os juízes a identificarem osdireitos e deveres legais, até no limite do possível, a partir do pressuposto de que foramcriados todos pelo mesmo autor, a comunidade personificada, que expressa umaconcepção coerente de justiça e equidade.O Direito como integridade avalia as proposições jurídicas como sendo verdadeirasse elas constam ou derivam de princípios de justiça, de equidade e do devido processolegal, que oferecem melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade.Nesse ponto, é mais inflexivelmente interpretativo do que o convencionalismo e opragmatismo, pois tais correntes recomendam, em suas conclusões pós-interpretativas,estilos ou programas diferentes de deliberação judicial, mas não pedem que os juízesencarregados de dirimir casos difíceis façam novos exames, essencialmenteinterpretativos, da doutrina jurídica.O direito como integridade é diferente, ou seja, é tanto o produto da interpretaçãoabrangente da prática jurídica quanto da sua fonte de inspiração. Por isso, o programaque apresenta aos magistrados que decidem casos difíceis é essencialmenteinterpretativo, devendo, sempre, continuar interpretando o mesmo material que tenha sidointerpretado com sucesso por outros juízes.Dworkin então parte para uma relação entre história e Direito como integridade, vezque esta não necessita de uma coerência em todas as etapas históricas do Direito.Frisa o autor que o Direito como integridade invariavelmente inicia o processointerpretativo no presente, e só retorna ao passado na medida em que o enfoquecontemporâneo assim o determine. Não pretende integrar à prática jurídicacontemporânea os ideais ou objetivos dos primeiros políticos que criaram um dadoinstrumento, mas sim justificar o que eles fizeram.O autor, outrossim, fará uma abordagem acerca da cadeia do direito, começandopor explicá-la através da ideia de romance em cadeia. Nesta, um grupo de romancistasescreve uma obra em série, ou seja, cada romancista interpreta os capítulos que recebeue começa a escrever um novo capítulo e assim por diante, até se ter um romanceunificado e de qualidade. Cada um deve escrever o seu capítulo da melhor maneirapossível, e a complexidade dessa tarefa é semelhante à complexidade encontrada nasolução de um caso difícil.11


Em alusão às questões jurídicas, sabe-se, por exemplo, que quando recebe umacausa, o juiz sabe que já houve outros casos semelhantes julgados por outros juízes eque, em face desta complexidade de decisões, deve-se considerar cada uma delas comosendo parte de uma longa história do direito, tendo por necessidade a interpretação e, aomesmo tempo, dar continuidade à história.Para melhor explicar o que pretende demonstrar, Dworkin apresenta o personagemfantasioso chamado Hércules, sendo que este possui capacidade e paciência sobrehumanas,aceitando o Direito como integridade. Esse instrumento retórico irá marcar aobra dworkinana. O autor diz que Hércules tem que decidir sobre o caso difícil específico,e terá de levar em consideração os diversos precedentes levantados pelas partes, tendoem vista que cada uma delas hasteou precedentes favoráveis às suas respectivas teses.Hércules deve formar uma opinião própria sobre a questão em discussão. Deve opersonagem encontrar alguma teoria coerente sobre os direitos legais, tal que umdirigente político com a mesma teoria pudesse ter chegado à maioria dos resultados queos precedentes relatam.Ao estudar os precedentes, Hércules terá que distinguir sua força gravitacionalnas decisões posteriores. A força gravitacional de um precedente, segundoDworkin, repousa na equidade, os casos semelhantes devem ser tratados domesmo modo. Para definir a força gravitacional de um precedente, Hércules sólevará em consideração os argumentos de princípio que justificam esseprecedente (DMITRUK, 2008).Portanto, o direito como integridade exige que os magistrados admitam, namedida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípiossobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo. A interpretação não podeser desconsiderada neste quadro, pois ela tem como escopo mostrar o que é interpretadoda melhor maneira possível e esta interpretação não deve levar somente emconsideração as decisões anteriores, mas também o modo como estas decisões foramtomadas.O direito como integridade pressupõe que os juízes encontram-se em situaçãodiversa da dos legisladores. Logo, os julgadores — quando elaboram regras sobreresponsabilidade não reconhecidas anteriormente — não têm a liberdade outorgada aoslegisladores. Os juízes devem elaborar suas decisões sobre o common law tendo comoarrimo os princípios e não políticas. Em outras palavras: devem os magistradosapresentar argumentos que digam por que as partes realmente teriam direitos e devereslegais novos, e esse é o papel de Hércules.O autor ressalta que as opiniões de Hércules irradiam-se, em uma espécie decírculos concêntricos, a partir do caso que tem diante de si. Inicialmente, Hércules12


pergunta quais das interpretações possíveis ajustam-se aos casos do passado. Depois,verifica quais se amoldam aos casos mais genéricos que têm ligação com o caso a serjulgado. Em seguida, verifica quais se ajustam aos prejuízos a interesses econômicos, eassim por diante, até adentrar em áreas cada vez mais distantes do caso citado.O autor diz que o procedimento levado a cabo por Hércules confere umaespécie de prioridade local àquilo que se pode chamar de áreas do direito.Dentro da prática jurídica observa-se, constantemente, a divisão do Direito empartes distintas. Esta compartimentalização é bastante apropriada para oconvencionalismo (vez que demonstra certa tradição) e para o pragmatismo (já quefornece instrumentos para a manipulação de ideias, gerando uma margem maior deliberdade com a escusa de que a decisão calca-se em outro ramo do Direito). Entretanto,tratando-se do Direito como integridade, tal panorama muda, vez que este intrincadoproblema dos ramos do direito passa a ser encarado de forma mais abrangente(sistêmica). A atitude de dividir o direito em ramos é condenada e se pede aos juízes quetornem a lei coerente como um todo.Dworkin elucida que Hércules procura fazer uma interpretação construtiva dacompartimentalização. Se as divisões do Direito fazem sentido para as pessoas em geral,elas estimulam o protesto que a integridade favorece, pois permitem que tanto as pessoascomuns quanto os julgadores interpretem o Direito dentro dos limites práticos queparecem naturais e intuitivos.Porém, quando tal cisão torna-se mecânica e arbitrária — ou porque a moralmodificou-se ou porque o conteúdo das divisões não mais reflete a opinião pública —,Hércules não mais estará disposto a utilizar a prioridade local.136 OS DIREITOS HUMANOS PARA ALÉM DO POSITIVISMO JURÍDICOApós essa longa e necessária explanação sobre a compreensão interpretativado direito formulada por Ronald Dworkin, faz-se imperioso voltar os olhos para o segundoobjetivo desta faina, que é o de tentar aplicar, em alguma medida, a teoria dworkiana aum instituto do direito um tanto mais concreto.A opção pelos direitos humanos, como esse ramo concreto, é evidentementecomplexa, pois se sabe que um dos atributos menos visíveis nesse ramo de estudo éjustamente a concretude. Não obstante isso, observar-se-á como a teoria do direito comointegridade pode contribuir para uma compreensão mais fundamentada dos direitoshumanos na contemporaneidade.


Antes, porém, é necessária uma breve explanação sobre o desenrolar dosdireitos humanos.Muito embora a ideia de direitos humanos tenha seu surgimento atribuído àcarta de João sem Terra, ainda no Século XIII (1212), seu mais amplo alcance foi sendoconstruído e ampliado somente na contemporaneidade.Para um entendimento apropriado, serão aqui apresentados, emboraresumidamente, alguns caminhos que, historicamente, confluíram para a concepçãocontemporânea dos direitos humanos.Primeiramente, sob o plano filosófico, os grandes desenvolvimentosmetafísicos como explicação da humanidade foram sendo paulatinamente questionados,até que em Nietzsche (2005) encontrou-se o termo mais radical dessa crítica. Com efeito,o filósofo alemão desmistificou qualquer possibilidade metafísica de explicação dosfenômenos humanos, pretendendo trazer o homem do transcendental para o humano, doraciocínio metafísico para a vida, buscando em nossa condição histórica humana asrespostas para os anseios fundamentais da humanidade.A essa constatação aliou-se uma concepção também nova de história, forjadaoriginariamente por meio do romantismo alemão (BERLIN, 2005), segundo a qual ahistória não se constitui de fatos isolados no tempo e estanques, mas se trata de umacontinuidade, pela qual somente se compreende o presente se este for entendido comoum fio contínuo que carrega o passado e é o resultado de uma construção longínqua queprecisa ser resgatada para que a condição humana possa então ser verdadeiramentedimensionada.A noção verdadeiramente humana trazida a partir da morte da metafísica,aliada à concepção de história como continuidade, possibilitou a formulação da premissafilosófica contemporânea sob a qual se pensam hoje os direitos humanos, isto é, comoum produto histórico da racionalidade humana em busca de condições melhores,incorporando, através de crises e guerras, valores fundamentais que passam a constituirdireitos considerados inalienáveis e que precisam ser garantidos em busca de condiçõesdignas de vida (ARENDT, 2002).Paralelamente a essa questão filosófica, as graves crises e atrocidades asquais muitos seres humanos sofreram ao longo da história contribuíram para umanecessidade coletivamente vislumbrada de proteger a raça humana de seus própriosarbítrios.Muito embora já tivesse havido grandes atrocidades como a inquisiçãomedieval, os horrores das execuções penais do século XVIII e XIX e muitas outras, foi o14


holocausto nazista o ponto culminante para a emergência da proteção internacional eincondicional dos direitos humanos.Com efeito, a imagem de Auschwitz-Birkenau chocou a humanidade de talmaneira que possibilitou que, mesmo em meio às profundas diferenças histórico-culturaise à, até então, inabdicável soberania interna, os países (sobretudo ocidentais) pensassema humanidade sob uma perspectiva global e relativizassem suas concepções em prol dabusca de um consenso que afastasse a raça humana de qualquer tipo de violação combase em características individuais, culturais etc., reconhecendo então direitos a todo equalquer ser humano que possuem legitimidade com base tão-somente no caráterhumano dos titulares, de modo a impossibilitar qualquer meio de exclusão de tais direitos.Sob esse enfoque, e ainda sob a mancha que recaiu sobre a humanidade coma 2ª Guerra Mundial, surgiu, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos , aqual estabeleceu os direitos humanos como o paradigma interpretativo de todo regimejurídico democrático.No continente americano, surgiu, em 1969, a Convenção Americana de DireitosHumanos (CADH), também chamada de Pacto de San José da Costa Rica, pela qual osEstados signatários se comprometeram a “respeitar os direitos e liberdades nelareconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à suajurisdição, sem qualquer discriminação” (art. 1º, item 1).Se o exercício de tais direitos e liberdades não estivessem ainda asseguradosna legislação ou em outras disposições, os Estados membros obrigaram-se a adotar asmedidas legais ou de outro caráter para que venham a se tornar efetivos.Esses direitos — que são expostos em várias ordens, embora todas elasestando no mesmo patamar teórico de garantia — são extremamente variados, passandopor interesses individuais (como o direito à liberdade de pensamento) e alcançandodireitos de caráter social mais patentes, pela forma de seu exercício (direito de reunião)ou mesmo por meio da maneira pela qual o exercício do direito é possibilitadoestruturalmente (direito à saúde). Desse breve resumo do delinear histórico-filosófico dosdireitos humanos, depreende-se que a teoria do direito como integridade pode contribuirpara o aperfeiçoamento das práticas interpretativas dos direitos humanos. Mas como?Como se salientou, os direitos humanos fazem parte de uma construçãohistórica, que encontra na segunda metade do século XX a sua maior deliberação teóriconormativa.Se muitos afirmam que o fundamento dos direitos humanos já estáconsolidado com a Declaração Universal de 1948 (BOBBIO, 1992), há quem diga queainda resta muito a descobrir sobre esse fundamento. Aplicando a teoria dworkiana,15


observa-se que a busca por esse fundamento é algo permanente, e se desenvolvemediante um processo interpretativo, no qual serão sempre levados em consideração osvalores morais da comunidade, para a aplicação concreta dos textos normativos sobre osdireitos do homem. Esses valores morais, ou princípios informativos, serão parâmetrospara a avaliação das melhores políticas de direitos humanos a serem aplicadas.O positivismo jurídico do século XX é insuficiente para explicar os direitoshumanos porque o contexto histórico de seu surgimento é totalmente diverso. Opositivismo surge num contexto aparente esfacelamento de qualquer possibilidade deapelar a uma moral comum, unívoca, para justificar o direito. A apresentação do caráterdiscricionário da interpretação, o apelo a consensos semânticos e a fatos históricos comojustificação da coerção fazem sentido justamente por não mais se acreditar em umfundamento moral intersubjetivo.Assim, se a moral torna-se apenas moral individual, perdida em umapluralidade não mais redutível a padrões comuns, só resta à teoria do direito descreveresquemas formais que expliquem conceitualmente as engrenagens do fenômeno jurídico.Todavia, o discurso contemporâneo em torno dos direitos humanos surge,como já dito aqui, justamente em um contexto de repulsa a esse formalismo a-valorativo ea um relativismo moral. Ronald Dworkin rejeita a discricionariedade justamente porquerejeita a ideia de que qualquer opinião moral seja meramente um sentimento individual.Imerso na tradição liberal norte-americana, acredita que, por mais diferentes eantagônicos que sejam os valores de uma comunidade, há um núcleo moral passível deser argumento, porque se refere a liberdades individuais e à igualdade, revelando-secondição para a existência digna de qualquer sociedade.Desse modo, os direitos humanos não são mais uma questão abordada porDworkin, mas são o núcleo substantivo de sua teoria, pois são o arcabouço moral que,construído historicamente pelo Direito de determinada sociedade, permite que seinterprete e argumente acerca da legitimidade do uso da coerção.Para a teoria do direito como integridade fazer sentido, isto é, para que aprática interpretativa do direito e a escrita do romance possam fazer sentido, é necessárioque essa interpretação não seja meramente um ato de escolha individual, relativo ao Juizou ao legislador que decide de tal modo.A coerência de princípio que a integridade busca, como já dito, depende dosvalores erigidos por determinada comunidade como fundamentais. Assim, se o recurso avalores universais parece uma utopia jusnaturalista, a saída parece não ser apenas umrelativismo completo. A mediania, que impede que se recaia numa utopia de moral única16


18REFERÊNCIASALVES, Lindgren. A declaração dos direitos humanos na pós-modernidade.Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2009.ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo:Companhia das Letras, 2004.BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça social, gênese, estrutura e aplicação de um conceito.Revista da Faculdade de Direito da PUCRS, Porto Alegre, ano 25, n. 28, 2003.BERLIN, Isaiah. A força das idéias. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhiadas Letras, 2005.BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.COELHO, André. Contra Ronald Dworkin: a integridade é mesmo fundamental?Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2009.COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:Saraiva, 1999.DMITRUK, Erika Juliana. O princípio da integridade como modelo de interpretaçãoconstrutiva do direito em Ronald Dworkin. Revista Jurídica da UniFil, ano 5, n. 4, 2008.Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2009.DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. Teoria e prática da igualdade. São Paulo:Martins Fontes, 2005.______. Derechos em sério. Barcelona: Aliel, 1984.______. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.______. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.______. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2001.HART, Hebert. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991.<strong>HOMCI</strong>, Arthur Laércio. A teoria igualitária de Ronald Dworkin e os aspectos daigualdade material no Brasil. Apresentado no V Encontro Anual da Associação Nacionalde Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. Belém, 2009. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2009.KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.______. Introdução à filosofia do direito e a teoria do direito contemporâneo. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.


NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:Companhia das Letras, 2005.PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed.São Paulo: Saraiva, 2007.SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2006.19

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