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uma empresa, várias gerações - Gazeta Das Caldas

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UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕESCurel alia inovação e tradição num ofício secularLuís Matias nasceu a 11 de Setembrode 1940 no lugar de Cabeço doBoieiro, no Pego, para os lados de Alvorninha.Filho de gente humilde, quetrabalhava a terra, estudou até à 4ªclasse, com grande sacrifício dospais. Aos 12 anos, ainda gaiato e coma continuação dos estudos bem longedos seus horizontes, Luís foi obrigadoa fazer-se homem e a ajudar emcasa com o fruto do seu trabalho. Valeu-lhea “inspiração” do pai, queapós algum tempo a trabalhar com ofilho nas suas terras decidiu que, sehouvesse saída da pobreza, teria queser noutro ofício.“Nascido na aldeia, mal sabialer e escrever, mas era inte-ligente e marcava um bocado adiferença em relação às outraspessoas dali. Disse-me: ‘vaispara a escola”, conta agora LuísMatias, prestes a completar os 70anos de idade. “Quando a escolaacabou, fui trabalhar a terracom o meu pai, que teve, en-tão, esta ideia: o rapaz vaiaprender, vai para as navalhas,porque os navalheiros é tudo<strong>uma</strong> pobreza muito grande, maspor ali pode haver <strong>uma</strong> saída.Agora isto da agricultura nuncadá nada. E o meu pai não se en-ganou”. Foi assim que Luís Matiasfoi “para as navalhas”.O seu primeiro ‘mestre’ foi FernandoPolicarpo, “um senhor que tra-balhava muito bem as navalhase era muito habilidoso”. Perto decasa, Luís Matias aprendeu os truquesde um ofício em que tudo era feito manualmente.“Nesse tempo trabalhava-sede manhã à noite, fazi-am-se muitos serões. Faziam-semuitas horas para ganhar sem-pre pouco”.Dois anos depois de ter começadoa laborar na oficina de Policarpo, aganhar 10 escudos [5 cêntimos] pormês, surge <strong>uma</strong> lei que manda que osnavalheiros não trabalhem mais deoito horas por dia. “O meu patrãoficou muito atrapalhado. Então,se nós trabalhávamos todo o diae fazíamos serão para ganharum ordenadito… Depois haviaquem dissesse que ia haver fis-calizações”. Ora, n<strong>uma</strong> zona ondemuitos tinham “<strong>uma</strong> barraquita”onde faziam as navalhas, “toda agente ficou com muito medo”.Fernando Policarpo decidiu fechara sua oficina e ir trabalhar para a Ribafria,na Benedita, naquela que foi aoficina onde nasceu a Icel. Luís Matiasdecidiu então ir trabalhar para <strong>uma</strong>oficina, pertencente a Luís Gonzaga,na localidade de Casal Velho, perto daRamalhosa, “onde já havia algu-ma evoluçãozita, que já tinhaum motor para acabar as nava-lhas”. Luís Matias passou a ganhar12 escudos [6 cêntimos], “porqueeu já trabalhava muito bem”,afiança.Contudo não ficou com este patrãomuito tempo porque esta foi <strong>uma</strong> dasdiversas oficinas da zona que seriamfundidas n<strong>uma</strong> só emprea – a Sovi –propriedade de António Ivo Peralta.É assim que Luís Matias passa aficar ao serviço deste seu terceiropatrão. No entanto, passa a trabalharmais longe de casa, tendo de deslocar-sea pé desde o Pego para SantaCatarina, muitas vezes às escuras,em estradas de carros de bois.“Viemos em Setembro, no fimdo Verão. Este caminho torto,com carreiros, lamas e ribeiras,nessa altura passava-se bem.Mas começou o Inverno e al-guns dos empregados, os queeram casados, ficaram a viverem Santa Catarina. Fiquei só eue um meu vizinho, o Avelino. Ficámosos novatos a fazer o ca-A Curel foi fundada em 1977 na localidade das Relvas, freguesia de Santa Catarina. Cinco anosdepois foi comprada por Luís Matias, que trabalhava a fazer navalhas desde os 12 anos de idade eque mais tarde passou a caixeiro-viajante de cutelarias, construindo <strong>uma</strong> pequena fortuna.Ainda que a história da <strong>empresa</strong> não tenha início com Luís Matias, foi com ele que a Curel se afirmouaquém e além fronteiras. Hoje, é o filho – Vasco Ivo Matias – que está ao comando da <strong>empresa</strong>, queproduz anualmente cerca de 2,5 milhões de facas e canivetes. Mas a história da fábrica de cutelariasde Santa Catarina faz-se das memórias de um homem ambicioso e é fruto da inspiração do seu pai,que quis um futuro melhor para o filho do que o trabalho na terra.minho, mas nós não tínhamosproblema”. Mas a companhia duroupouco mais de um ano porque o amigodesistiu. Só ficou Luís Matias, já com15 anos e a ganhar então 15 escudos[7,5 cêntimos] por mês.“Dava a maior parte do di-Matilde do Carmo Ivo e Luís Matias emmeados da década de setentanheiro que ganhava aomeu pai. Era com o que ganhavacom as horas extraordinári-as que me vestia. Era feliz. Nãotinha dinheiro, mas sabia quegostavam de mim no trabalho eeu gostava do que fazia”. E seisso não bastasse para o fazer ficar atrabalhar em Santa Catarina, o jovemtinha-se já enamorado pela irmã dopatrão, Matilde do Carmo Ivo, que hojeMétodos de fabrico quase artesanais eram ainda usuais na década de setentaé a sua mulher.Em 1961, com 21 anos, Luís Matiasfoi para a tropa. O serviço militar foicumprido em Chaves e em Angola.Saiu de Portugal, onde ganhava já 620escudos [3,10 euros] por mês, para oUltramar onde era ‘caçador especial’e lhe pagavam 1.300 escudos [6,5 euros].Mandava para os pais tanto quantopodia. E aproveitou para tirar a cartade condução e o curso de ‘GuardaLivros’, o nome que na altura se davaaos Técnicos Oficiais de Contas.Quando regressou à Metrópole(como então se dizia), em 1964, com ideiasde voltar para África, o patrão convenceu-oa “ir para a viagem”, isto é, aser caixeiro-viajante dos seus produtos.“Foi um sucesso muito gran-de”, garante Luís Matias, e “na fábricanão se falava noutra coisaque no meu sucesso, de todasas coisas novas que eu trazia,na boa revolução que intro-duzi na fábrica”.Entretanto já casado, Luís Matiasdecidiu estabelecer-se por conta própria.De início vendia o artigo do anti-Pai e filho, as duas <strong>gerações</strong> que apesar de não terem fundado a Curela tornaram n<strong>uma</strong> marca de prestígio aquém e além fronteirasgo patrão à comissão, depois começoutambém a dedicar-se a outros produtos,sobretudo aos que eram feitosna zona, como a marroquinaria. Foi armazenistadurante 12 anos. “Ganheiimenso dinheiro”, afiança. E começaentão a projectar a sua própria fábricade cutelarias.É em 1982 que lhe propõem a comprada Curel, <strong>uma</strong> pequena cutelariamontada há cinco anos nas Relvas.Com 42 anos, Luís Matias fechou onegócio por 23 mil contos [114.863euros]. Da fábrica, ficou com tudomenos o edifício (onde só ficou durantecinco anos), mudando-se depoiscom os trabalhadores e o equipamentopara a nova unidade construída emSanta Catarina.“Uma fábrica construída apulso”Quando Luís Matias comprou a fábrica,Vasco Ivo Matias, um dos seusdois filhos, tinha 12 anos. Apesar datenra idade, aquele que hoje prossegueo negócio do pai lembra-se bemde ser pequenito e já andar entre facase canivetes. “Eu costumo dizerque nasci num cesto de li-malhas”, brinca.Dos seus tempos de menino, lembra-sedo aparecimento da electricidadena zona. “Um acontecimen-to extraordinário, foi quase ummilagre”. Também se recorda bemda construção das instalações ondeainda hoje se mantém a Curel. “Foramfeitas a pulso, praticamen-te por administração directa ecom as placas enchidas a balde.Aos sábados, convocavamseos trabalhadores todos. Todosos cantos da fábrica tive-ram pormenores de carinho”.Com as novas instalações, começaaquela que Vasco Ivo Matias dizter sido “<strong>uma</strong> fase extraordináriade investimento, principalmentenas condições de traba-lho das pessoas, na melhoria doseu relacionamento com a tec-nologia”. As instalações de SantaCatarina foram feitas “com o quede mais moderno existia na altura,e que ainda hoje está bas-tante actualizado”.Já reformado, o seu pai continua aacompanhar a fábrica de perto. Orgulhosodas certificações e credenciaçõesque atestam a qualidade dosseus produtos, Luís Matias afirmaque “esta é <strong>uma</strong> fábrica que tempernas para andar”.Joana Fialhojfialho@gazetacaldas.com

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