UMA EMPRESA, VÁRIAS GERAÇÕESFerreira & Santos, Lda. – <strong>uma</strong> só firma com duas áreErnesto Ferreira. Se fosse vivo teria 99 anos. Foi ele quefundou a firma que já vai hoje na terceira geração.Durante 11 anos Ernesto Ferreirade Sousa teve o prazer detrabalhar em conjunto com o seufilho, João Maria e as netas MariaJoão e Ana Ferreira. Quando morreu,em 2000, com 89 anos, estecomerciante caldense deixava assimem boas mãos o negócio daourivesaria e das duas ópticas(<strong>uma</strong> delas comprada meses antes)com que fizera nome na cidade.Ernesto Sousa nasceu em 1911e começou cedo a trabalhar comoourives. Mas não quis ficar empregadotoda a vida e em 1941estabelece-se por conta próprian<strong>uma</strong> loja no Largo Heróis de Naulila,ainda como comerciante emnome individual. Três anos depoismonta <strong>uma</strong> sociedade com AugustoMendes dos Santos (1903-1994). Nasce assim a Ferreira &Santos, Lda. que é hoje <strong>uma</strong> dassociedades por quotas mais antigasdas <strong>Caldas</strong>.Durante a década de cinquentaa firma alarga a sua actividadeà óptica, com <strong>uma</strong> loja na Rua JoséMalhoa. João Maria conta que adecisão do seu pai teve em contao facto de na ourivesaria Mourão(onde ele antes trabalhara) sevenderem também óculos e por,à data, haver apenas <strong>uma</strong> lojadesse ramo na cidade.Durante meio século a firmacoexiste com os dois negócios,mas as novas tecnologias e omercado haveriam de ditar umpeso maior do ramo mais inovador,aquele que constitui hoje um“pelouro” das suas duas filhas.João Maria prefere a ourivesaria,mas reconhece que é hojemais um coleccionador do que umourives. E conta que o seu estabelecimentosempre teve um elementodistinto que é a joalhariaantiga. “É a área em que maisgosto de trabalhar, as pratas,as jóias, os objectos de artecom incorporação de joalha-ria, imagens de marfim comaplicação de pedras precio-sas e semi-preciosas... enfim,é esse mais o meu mundo”, diz.Por isso, a sua loja não é hoje“Sou mais um coleccionador do que um comerciante”. João Maria Ferreira na sua discreta ourivesaria. Herdou onegócio do seu pai e ainda mantém a firma Ferreira & Santos, Lda, que gere com as filhas, tendo alargado a actividade àópticaum estabelecimento permanentementeaberto ao público, comum corropio de clientes a entrar ea sair. Pelo contrário, a discretaloja aparece meio escondido emplena Praça da Fruta, mantendono interior o mobiliário de origemdos anos quarenta.Dir-se-ia que o tempo não passoupor ali, mantendo intactas asmadeiras e os expositores de vidroonde se guardam peças quepoderiam já lá ter estado há 50anos. Também discretas, duas câmarasde vídeo – que zelam pelasegurança - são os únicos sinaisde modernidade.“Neste momento sou maisum coleccionador do que umcomerciante”, diz João MariaFerreira, que se entretém com assuas peças e atende alguns clientesocasionais. Em linguagemmoderna poderia dizer-se que asua actividade está a ser “descontinuada”.Nem sempre foi assim, claro.Nos anos quarenta e cinquentaas ourivesarias respondiam a <strong>uma</strong>procura de “ostentação”, sobretudoda burguesia endinheiradaA Ferreira & Santos, Lda. começou por ser <strong>uma</strong> ourivesaria em 1944, masalargou os seus negócios ao ramo da óptica. João Maria Ferreira, 77 anos,filho do fundador, reparte hoje com as duas filhas a gestão de <strong>uma</strong> firmaque inclui a ourivesaria e as lojas Novoptica e Óptica Ramiro.que gostava de comprar jóias epeças de ouro muito trabalhado.E respondiam também à necessidadede entesouramento por partedas classes mais baixas.“As pessoas não tinhammuita apetência para os bancose para os produtos finan-ceiros e o aforro era o ouro”,conta João Maria. Os fios, pulseirase colares deste metal podiamser usados no dia a dia, ou nasocasiões festivas e tinham a vantagemde, a qualquer momento,serem vendidos (ou penhorados),transformando-se em dinheiro.A clientela tradicional das ourivesariaseram “a gente domar” e “a gente do campo”,que usavam objectos de ouro maispesados, que valiam pelo seu pesoe valor facial, enquanto que osricos preferiam um ouro mais rebuscado,com incorporação demão-de-obra, ou seja, - outro termomoderno – com valor acrescentado.Carlos Ciprianocc@gazetacaldas.comO quotidiano caldense de 1947 a desfilar em frente à ourivesaria
as de actividadeO negócio das ópticas em expansãoMaria João Henriques PinheiroFerreira, de 54 anos e a irmã AnaFerreira Isaac, 41 anos, são, emconjunto com o pai, João MariaFerreira, os três sócios-gerentesdesta sociedade que é compostapor <strong>uma</strong> ourivesaria e duas ópticas.Ainda crianças, as duas irmãsmoviam-se entre a tabacaria Ibérica,ali bem perto, onde trabalhavama mãe e a sua madrinha(mulher de Augusto Mendes dosSantos, sócio do pai).Depois da escola primária e doExternato Ramalho Ortigão, MariaJoão fez o Magistério Primário(nos Pavilhões do Parque) e chegouainda a leccionar em VilaFranca Xira e nos Mosteiros (<strong>Caldas</strong>da Rainha). Mas já nessa alturaos professores andavam coma casa às costas e quando se lhedeparou <strong>uma</strong> colocação demasiadolonge das <strong>Caldas</strong>, Maria João,então com 29 anos e já casada,optou por ficar a trabalhar na ourivesariado pai.Não por muito tempo porqueem breve, em 1994, a firma decideabrir ali mesmo ao lado a Ópticada Praça. A sua mudança paraeste novo estabelecimento surgenaturalmente.“Sempre tive a percepção deque o negócio das antiguidadesa que o meu pai se dedi-cava era muito específico eque ele é que era o especialis-ta da área. Na verdade, nãoera muito apelativo para mime por isso decide-me pela óp-tica”, conta a empresária.A formação foi feita com a experiênciaadquirida e, mais recentemente,devido à complexidadedesta área, com acções promovidaspelos fornecedores e em viagensde trabalho.Hoje em dia <strong>uma</strong> óptica é muitomais do que <strong>uma</strong> loja que vendeóculos. Existe a óptica médica(cujos artigos só se vendem comreceituário médico), e a venda deartigos como óculos de sol, binóculos,termómetros, barómetros eobjectos afins. E há também os serviços,como os testes de visão, feitoshoje facilmente na loja, mas quehá 20 anos só podiam ser realizadosno oftalmologista porque necessitavamde <strong>uma</strong> tecnologia queainda não estava massificada.A responsável da Óptica Ramirorefere ainda as especificidadesdas lentes de contacto. “Dan-tes só havia as rígidas e assemi-rígidas, mas hoje há len-tes descartáveis que se usamdurante um mês ou até só porum dia”, conta.Já a irmã, Ana, andou no “liceu”,no Parque, e foi inaugurar oedifício da Raul Proença onde concluiuo secundário. “Assim queacabei o 12º ano tomei logo adecisão de vir trabalhar como meu pai. Foi <strong>uma</strong> decisão demomento, não tinha pensadomuito nisso antes, mas a ver-dade é que era importante darcontinuidade ao negócio dafamília”. Estava-se em 1986 e Anatinha então 18 anos. Desde entãonão mais largou esta actividade,partilhando a gestão com a irmãe o pai.A CRISE, A CONCORRÊNCIA EO COMÉRCIO TRADICIONALAs duas ópticas da Ferreira &Santos são praticamente vizinhas:Novoptica e Óptica Ramiro distamescassos 10 metros <strong>uma</strong> da outra.Não fazem concorrência entresi?As duas irmãs sócias dizem quenão. E explicam que - apesar dosclientes actualmente serem muitovoláteis e não haver a mesmafidelização que havia antigamente- é possível distinguir um segmentode mercado mais urbanona Óptica Ramiro e outro, de pessoasmais de fora da cidade, naNovóptica.A Ferreira & Sousa é, assim,um pequeno grupo económico quedetém <strong>uma</strong> ourivesaria e duasópticas. Emprega dez pessoas (incluindoos gerentes) e conta aindacom duas médicas oftalmologistase <strong>uma</strong> optometrista que alidão consultas <strong>várias</strong> vezes por semana.A sua facturação aproxima-sede 1 milhão de euros.A crise tem-se feito sentir, masa <strong>empresa</strong>, não estando pujante,está longe de sofrer dificuldades.“Noto que há quem tenhadificuldade em fazer a consul-ta e comprar os óculos nomesmo mês. E quem peça parapagar a prestações”, diz MariaJoão. Estes são alguns dos sinaisMaria João e Ana Isaac. As duas irmãs e sócias partilham com o pai a gestão da firma.da crise, mas também há as mudançasde comportamento dosconsumidores. Por exemplo, osóculos de sol, que já foram umnegócio florescente, estão embaixa porque há-os em todo o tipode lojas, mais baratos e de menorqualidade. “É mais agradávelter quatro pares de óculos desol, um de cada cor, do queter um bom par de óculos dequalidade”, ironiza a empresária.Já a entrada em cena do Vivaci,que possui a marca Multiópticas,não teve um impacto relevante.“É claro que ao princí-pio faz sempre mossa porqueos preços deles são muitocompetitivos e a sua publici-dade é muito agressiva, masdepois do primeiro impactotudo volta ao normal”.A irmã, Ana Isaac, acrescentaque a óptica ainda funciona comoum negócio de proximidade, confiançae de competência, onde aspessoas, sobretudo no caso daslentes, gostam de um acompanhamentomais personalizado emais familiar do que aquele queexiste em alg<strong>uma</strong>s marcas doscentros comerciais.Com os três estabelecimentosda firma situadas em pleno centroda cidade, as duas empresáriastêm <strong>uma</strong> visão muito própriado comércio tradicional: “fazsempre falta o comércio derua, até porque as pessoas sefartam também de estar nosespaços fechados dos cen-tros comerciais. É agradávelandar na rua às compras.Mas temos que oferecer qua-lidade e produtos distintospara contrariar a massifica-ção dos produtos que estãoem todas as grandes superfí-cies comerciais”.As duas irmãs dizem que nuncachegou a haver conflito de <strong>gerações</strong>na firma: “Deixámossempre a gestão das coisasmais importantes ao nossopai e ainda hoje é assim. Podehaver <strong>uma</strong> ou outra discordância,mas normalmente es-tamos de acordo”.C.C.Augusto Santos (1903-1994) foi sócio de João MariaFerreira. Na foto, datada de 13/05/1960, está com a mulher,Amélia Santos, no quintal da ourivesaria.João Maria Ferreira e o pai, Ernesto Ferreira, na ourivesaria em 1993CRONOLOGIA1941 – Ernesto Ferreira deSousa estabelece-se comocomerciante em nome individualn<strong>uma</strong> ourivesaria noLargo Heróis de Naulila1944 – Forma sociedadecom Augusto Mendes dosSantos e criam a Ferreira &Santos, Lda. na Praça da República1954 – A sociedade abre<strong>uma</strong> óptica no Largo Heróisde Naulila1974 – Abre a Novóptica, naRua José Malhoa1994 - Abre a Óptica da Praça,na Praça da República, aolado da ourivesaria. E fechao estabelecimento no LargoHeróis de Naulila.1999 – A firma compra a ÓpticaRamiro, na Rua José Malhoa2007 – Encerramento daÓptica da Praça