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Caderno 2 - MAB

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SumárioAs mãos constroemEstas mãos _____________________________________________________________________15O teatro das mãos ________________________________________________________________16Carranca_______________________________________________________________________17“Tem muita gente angustiada e doente por causa da barragem”, diz atingido por barragem _______18Luta por moradia - Despejo da maior ocupação vertical da América Latina é iminente __________20A cultura popular - Modos de vidaO som dos tambores: ecos de resistência e luta do povo negro ______________________________23A cultura, a consciência e a mística __________________________________________________24Refletindo um pouco sobre a história da música _________________________________________34Violar é preciso __________________________________________________________________36A infância e seu processo formativoInfância, Formação e Conscientização: O que é a nossa Ciranda? ___________________________41Jornada dos Sem Terrinha _________________________________________________________42Brinquedos _____________________________________________________________________43Sem Terrinha aprendem e ensinam na Escola Paulo Freire _________________________________44A terra é o sentido da vida para os Guarani - Fotógrafo mostra a força da cultura indígenana luta contra a expansão do agronegócio no MS _______________________________________45Carta da terra - Conferência mundial dos povos indígenas sobre Território,meio ambiente e desenvolvimento - rio-92 _____________________________________________47Violência e destruição na prisão dos atingidosUma criança de sete anos é levada presa com o pai _____________________________________49Educação emancipadora, educação popular, Educação do campo!Educação: Exercício de viver _______________________________________________________53Educação popular: alguns apontamentos ______________________________________________54Os atingidos por barragens construindo a luta e valores coletivos ___________________________56O <strong>MAB</strong> e a Educação do Campo ____________________________________________________573


ApresentaçãoAo longo dos últimos anos o <strong>MAB</strong> vem desenvolvendo várias experiências no âmbito da educação,principalmente com Jovens e Adultos, e a partir disso tem se consolidado como um importantesujeito político nesta área.Mediante o desenvolvimento destas experiências surgem desafios os quais nos exigem refletir eorganizar o que ao longo desta caminhada viemos construindo. Dentre os desafios colocados está anecessidade de produzirmos materiais pedagógicos que tenham vínculo e relação direta com a realidadedas populações atingidas por barragens e com o conjunto das organizações que trabalham na perspectivaatual da educação do campo.Nesse sentido o <strong>MAB</strong> vem a elaborar e produzir três cadernos pedagógicos:1) Imagens em Movimento;2) Imagens em Movimento: Textos de aprofundamento e debate;3) Imagens em Movimento: Sugestões de Atividades de Letramento e Etnomatemática.Estes cadernos pedagógicos desempenham o papel de subsidiar o planejamento e a realização depráticas educativas realizadas na educação do campo, nas turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos.Outro aspecto é que este material servirá também para que educadores e educandos conheçam váriasculturas e realidades do Brasil, possibilitando, assim, que se pense em outras maneiras de expressar,conhecer e interpretar o mundo em que vive. Assim haverá conhecimento, descoberta, compreensão etolerância para com o diferente: outras pessoas, outras sociedades, outras épocas, outros costumes.Desta forma esperamos contribuir para a qualificação e aprimoramento das atividades desenvolvidasnas comunidades, já que este material busca estabelecer um diálogo direto e profundocom a história, a memória, os costumes, as culturas, as formas de produzir, as relações estabelecidascom a natureza, com os empreendimentos hidrelétricos e com os problemas e desafios que arealidade do campo nos apresenta.Assim conhecemos a seguir o objetivo geral de cada caderno pedagógico:No primeiro caderno pedagógico “Imagens em Movimento” consta imagens seguidas de pequenostextos que buscam auxiliar os educadores na reflexão com os educandos buscando interpretar a realidadea partir das sensações e pontos de vista de quem as observa, do que elas nos representam e nostransmitem a partir de suas expressões.O objetivo é provocar nos educadores e educandos o interesse por uma forma de linguagemque distrai, ilustra, espanta, inova, renova, perturba e faz pensar. A imagem e a palavra remetempara o fato de que ver, pensar, lembrar e sentir estão sempre juntos. E tudo isso são formas deconhecimento e de questionamento sobre as coisas que os rodeia. A imagem retira novidade egrandeza do cotidiano. Ela as registra e tira-as de seu contexto habitual e faz com que as pessoasvejam suas próprias vidas com outros olhos.7


No segundo caderno, além das imagens, serão apresentados textos que ajudam na reflexão dostemas refletidos sobre as imagens. Com esse caderno o educador e educando serão desafiados a secolocar frente a diferentes questões. Sentindo-se provocados a compartilharem suas idéias, propor alternativas,produzir conhecimento e expressar seus valores e convicções.No terceiro caderno constam sugestões e dicas de atividades que poderão ser desempenhadasem aula, buscando sempre relação e vínculo direto com a vida dos educandos, com a intenção decontribuir com a formação humana integral, de sujeitos participativos do processo histórico e darealidade na qual se encontram. São atividades relacionadas com o tema de cada imagem que contemplama oralidade, escrita e leitura.De acordo com a especificidade de cada turma, alguns temas e atividades serão mais interessantespara uns do que para outros, e a estrutura do <strong>Caderno</strong> propicia uma liberdade na utilização domaterial. A seqüência das dicas e sugestões de atividades tem um caráter organizativo e não significaque deva ser seguida com rigorosidade em seqüência das páginas do caderno.O conjunto dos três cadernos pedagógicos propõe ações educativas que levem os educadorese educandos:a) Desenvolver novas habilidades e adquirir conhecimentos para tomar decisões apoiadas emuma consciência solidária e tolerante.b) Aprender a ler a realidade e obter conhecimentos para interpretá-la criticamente e buscarsoluções para as situações limites que vivenciam.c) Ter acesso a bens culturais que apóiem e fortaleçam a conquista e a garantia de direitos ecidadania.Em suma, com este material pretendemos dar um importante passo no sentido de qualificar epotencializar o processo educativo do <strong>MAB</strong>, o qual pretende formar sujeitos na sua totalidade, comcapacidade de compreender de forma critica a realidade e em condições de intervir de maneira direta etransformadora na mesma contribuindo no processo da educação do campo.Movimento dos Atingidos por BarragensColetivo de educaçãoSão Paulo, junho de 2008.8


Introdução9


Estas mãos 1Daiane dos Santos Carlos 2Alexandra, Judite, Ivanei, Nivia, Suerda,Rosana. Olha para estas mãos, de mulherroceira, esforçadas, mãos cavocadeiras.Sonia, Flávia, Claudia, Raquel, Tânia,mãos trabalhadeiras.Edson, Claret, Rogério, Marcos, Océlio, Yuri,Diego, Aildo. Olha para estas mãos: pesadas, semtrato, sem carinho....Mãos de ribeirinhos, camponeses,quilombolas, indígenas, pescadores, de trabalhadores.Dos quatro cantos do país, mãos dos atingidospor grandes construções de represas. Ossudase grosseiras. Mãos que varreram e cozinharam.Lavaram e estenderam roupas nos varais.Pouparam e remendaram. Mãos domésticas eremendonas. Íntimas da economia, do arroz e dofeijão, da casa, do tacho de cobre, da panela debarro, da cinza na fornalha. E faziam sabão.Minhas mãos roceiras, fecundas, ásperasde lavrar a terra. Semear e cuidadosamente cuidare ter a certeza da colheita. Mãos pensativasque sabem que organizados podem transformaro mundo, mãos de lideranças que carregam aindignação e fazem cotidianamente algo paratransformar.Mãos guerreiras que não se deixam calar.Jamais ociosas. Mãos doceiras. Imensas eocupadas. Mãos laboriosas. Abertas sempre paradar, ajudar, unir e abençoar. Mãos tenazes eabsoletas, feridas na remoção de pedras e tropeços.Convidadas a contar um pouco de sua sabedoria,um pouco de suas vivências, suas experiênciasde organização, suas vitórias, seus medos,suas dificuldades, suas convicções para construirdias melhores para as futuras gerações, quebrandoas arestas da vida gerando libertação.Mãos que se dedicam a escrever, a proporum projeto energético alternativo, a decidir sobreos próximos passos da organização, mãos que trazema simbologia da mística, dos cantos e perfumes,dos relatórios de intensos estudos, de pautasde negociação.Mãos que não se aquietarão até que algumainjustiça ainda esteja sendo cometida contraqualquer pessoa em qualquer lugar.Mãos que se reúnem para cuidar e preservartudo que a natureza gerou, mãos queconhecem a importância da água, da terra, dassementes, da vida.Mãos como reflexo de todas as mulheres. Amulher que traz no seu interior a humanidade, oideal de justiça, a fraternidade, a igualdade comodireito de todos.O amor como princípio. O carinho da mãe.O desejo de ser feliz. O trabalho por paixão. Aintuição e uma sensualidade, capaz de convertero mais irreverente dos homens, num amante davida, num homem livre.O que pode ser o começo da transformação,do reencontro da humanidade com omelhor de si.Mãos que lutam incansavelmente. Já sãotantas. Milhares. Milhões. Uma verdadeira ramaflorescendo.São mãos se agrupando, se organizando,construindo acampamento, enfrentando a opressão,hasteando bandeira, buscando lenha, fazendoestudo, exigindo verdades.Tudo isso porque reconhece que é tempopropício de gerar igualdade. A esperança que épartilhada quando se reúnem, quando conversame vêem que os problemas são os mesmos e as saídasdevem ser buscadas em conjunto.Uma organização com muitos sonhos emuito a superar, ainda vão mais homens pranegociação, ainda há mulheres escondidas nasombra masculina, dependente do pai, domarido, ainda te apresentas como filha oumulher do fulano.Na verdade por trás de um grande homem,esconde qualidades de que esteve na frenteuma grande mulher. Há libertação há de chegarpor luta.1Texto elaborado a partir de um trabalho pedagógico feito com militantes educadores, inspirado através do poema “Estasmãos” da autora Cora Coralina.2Daiane é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens.15


Estas mãos sabem que precisamos avançare por isso toda a direção está se propondo aestudar, construir novas relações entre homens emulheres. E a formação há de ajudar.Mãos não importa a origem, seja do campoou cidade, não depende de cor nem idade. O sentimentoé de transformar numa nova sociedade.Falamos muito no novo homem e na nova mulher.Mãos que escalam montanhas, descem baixadas,passam sede e fome, em busca de seus ideais elasdeixam famílias, perdem dias, noites de sono.Nesse caminho o que nunca podem perderé o amor pela igualdade, pela liberdade, a felicidadedos povos, a mística do sorriso no rosto deuma criança de quem já conheceu a liberdade, afelicidade de quem luta.Mas quando nos perguntamos onde estáesse novo homem e essa nova mulher, digamos:eles estão dentro de nós.Mãos de militantes, dirigentes, de trabalhadorese trabalhadoras que não se cansam até odia em que juntos homens e mulheres, todos etodas, em todas as comunidades, grupos de base,em todas as cidades, campos e construções, possamedificar o poder popular. Mãos alavancas naescava de construções inconclusas.O teatro das mãos 3Ana Miranda 4Tricô e crochê, torno mecânico, carpintaria,jardinagem, culinária, rabiscos distraídosque fazemos quando conversamos...O trabalho manual concentra, cria sensaçãode paz, e traz alguma felicidade.Uma das atividades que mais me preenchemé a de trabalhos manuais. Gosto de desenhar,de dedilhar um violão, de costurar um botãode camisa, de lavar folhas, uma a uma soba torneira, de descascar batatas... Entregar-se,pertencer às próprias mãos, traz um sentimentoreconfortante.Tive uma blusa de renda todabordada por mim, quando eu eraadolescente. Sobre cada flor eu pregavacinco contas brancas em círculoe, nas folhas, mais cinco, em fileirasreviradas. Não terminei o trabalho,e a blusa ficou perdida numade minhas mudanças. Mudei-meconstantemente, durante toda a minhavida mudei de casa, ou cidade.Talvez tenha me esquecido de umacasa onde morei. Mas a blusa jamais saiu deminhas recordações mais nítidas.O trabalhomanualconcentra,cria sensaçãode paz, e trazfelicidadeTenho diversos cadernos de desenho preenchidos.Até hoje desenho, rabisco, minuciosostraços e coloridos vão delineando meus seres imaginários:um gato de asas, uma sereia com chifres,bailarinas ou hermafroditas, um peito abertopor uma fenda de onde nasce uma flor, uma mulher-árvorecom as mãos enterradas como se fossemraízes, ou um corpo de mulher composto devários rostos, coisas assim.Costumo fazer para as crianças aqueleteatro de sombras com as mãos juntas; também,medir as coisas com os dedos estendidos,a contar quantos palmos. Dizemalguns cientistas que somos desenvolvidostecnologicamente apenasporque temos nosso polegar,que nos permite a preensão.Quando me entrego ao trabalhomanual, parece que esqueço osproblemas, me transporto para outrosrecantos do mundo, outras esferasmuito mais bucólicas, puras,prazerosas, próximas às minhas origensligadas à natureza, à memória animal. Écomo se me recordasse dos primeiros gestos3Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br164Ana Miranda é escritora, autora de Boca do Inferno, Desmundo, Amrik, Dias & Dias e colunista da revista mensal Caros Amigos.


“Tem muita gente angustiadae doente por causa da barragem”,diz atingido por barragem 5Bernardo Cruz Souza é maranhense, mashá 18 anos mora em Minas Gerais. Depoisque foi atingido pela barragem deCandonga ficou desempregado e hoje mora de favorem uma casa no município de Rio Doce.Bernardo ajuda na organização do Movimentodos Atingidos por Barragens (<strong>MAB</strong>) na sua regiãoe conta que por esse motivo sofre ameaças.Em entrevista ao Setor de Comunicação do <strong>MAB</strong>,ele relatou a angústia ao ver sua casa sendo destruída,sua situação de vida e suas esperanças.Hoje, 30 de agosto, a barragem está sendo inauguradapelas empresas e pelo governador doestado, mas a população local não se cala, repudiao ato e se mobiliza dizendo que já bastade ditadura aos atingidos.Setor de Comunicação: Qual seu sentimentoquando você vai ao lago dabarragem?Bernardo Cruz Souza: Antes era tudo bonito,agora eu não me conformo e infelizmente tenhoque olhar e dizer: eu morava ali naquelelocal onde agora é o lago. Sempre que vemgente visitar eu digo: você quer ver onde anós morava? A empresa chegou oferecendomil maravilhas, dizendo que nós teria umavida melhor, que os filhos iriam para a escola...Só que hoje o pessoal está passandofome, tem famílias que estão pensando emvender a casa, querendo comprar um pedacinhode terra e ir para a roça. Na Velha Soberboera um lugarzinho feio, mas todo muitogostava. Até mesmo eu que cheguei depoisfui acostumando com as pessoas.Setor de Comunicação: Qual era abase da economia na região?Bernardo: Muitos garimpeiros moravam ali mesmo,tiravam ouro e pedras preciosas. Tinhabastante gente que vivia da extração, mas tambémtinha os que plantavam para a sobrevivência.Não faltava alimentação para ninguém,hoje a maioria das pessoas atingidasestá desempregada, em torno de 95%. Eupasso uma grande necessidade e posso falarque nem no nordeste, que foi a região que eunasci, não passei tanta necessidade comoestou passando nesse local, pois agora eu estoudesempregado. Fazem 20 anos que eu trabalhono garimpo e graças a Deus, sempretinha alguma coisa pra mim me manter.Setor de Comunicação: O que os funcionáriosda empresa diziam quandoforam para Minas construirCandonga?Bernardo: Quando eles vieram para Minas, diziamque eram psicólogos, mas na verdadeeram negociadores. Mostravam um documentopra gente dizendo que todo mundo iareceber moradia, eu lembro muito bem. Háoito anos atrás, quando eles andaram fazendoas primeiras visitas, fazendo os levantamentos,eles mostravam esse documento,não pra todo mundo, mas pra gente que procurava.Nos tiraram e botaram até em outromunicípio. E nos diziam: espera ali ou vaipra justiça. E quem vai se meter com a justiça?Ela só vale para alguns... E como eu estavafalando antes, essa necessidade, essafalta de alimentação, eu vim passar em MinasGerais por causa da barragem. Nuncatinha me acontecido e já tenho 44 anos.Setor de Comunicação: No dia 3 demaio de 2007 a polícia destruiu opovoado onde vocês moravam. Nosconte como foi aquela situação.Bernardo: Na verdade a gente já estava commedo uma semana antes do dia 3. A gentetinha medo que eles poderiam nos ata-185Texto disponível em http://www.consciencia.net/agencia/2005/3108-mabmg.html


car à noite, então fizemos várias barricadas,botamos madeira e fogo na estrada.Naquela semana o comandante foi na comunidadee disse que era melhor a gentesair, pois, segundo ele, aquelas terras jáeram da empresa. Os policiais ficavam 24horas por dia lá, vigiando cada passo quenós dava.Então naquele dia 3, às 5 e meia da manhãeles vieram, tinham várias viaturas, caminhõesde bombeiros, cães farejadores...Também vieram autoridades, juízes, promotores.Isso pra nos tirar, mas quando foi pararesolver os problemas, eles não voltaram.Algumas famílias já haviam saído, pois ficaramcom muito medo. E os que restaramnão queriam ficar, mas ficaram, pois nãotinham pra onde ir.Setor de Comunicação: E o sentimentode ver as casas sendo destruídaspelas máquinas?Bernardo: Isso foi horroroso. Seis meses depoisdaquilo eu não conseguia comer, nemdormir bem. Às vezes eu vou lá e pareceque vejo tudo de novo começando. Masquem sofreu foram as pessoas mais idosasque viram a última construção ser destruída,a igreja católica. E se não fosse chegaruma pessoa na hora, tinham destruído aigreja com todas as imagens dentro. Foiuma imensa falta de respeito, isso por voltadas nove horas da noite.Quando destruíam as casas, várias pessoaspassaram mal, teve uma senhora queficou com o braço machucado por um policial,pois quando começaram a destruira casa da mãe dela, ela ficou muito nervosa.Eu mesmo, que sou forte, nessa horafui fraco e não consegui ficar olhando. Numdia destruíram tudo e no local ainda moravam14 famílias.Setor de Comunicação: E agora?Bernardo: Agora já encheu o lago e o pessoalestá com a mão na cabeça, comodiz o ditado. Não sabemos o que fazer.Isso sem falar que algumas famílias quereceberam casas, tem que se mudar, poisas casas já estão caindo, outras estãoescoradas com ferragem e paus pra nãocair. E mais, há 15 dias atrás teve umareunião numa cidade vizinha e falaramsobre proteção ao meio ambiente. Naverdade a gente já escutava falar que nãoteremos mais acesso ao lago, nem parapescar. Garimpar nunca mais.Setor de Comunicação: Qual sua maioresperança?Bernardo: A minha maior esperança é quetodos tenham consciência que em qualquerregião que forem construídas, asbarragens só trarão problemas. Porexemplo, lá onde eu moro, só 5% dosgarimpeiros foram reconhecidos. Fomoscomparados com plantadores de maconha,diziam que nós tínhamos um trabalhoilegal. E os meeiros receberam umaproposta miserável e se não quisessemaquilo, teriam que entrar na justiça ousenão ficar sem nada.Mas o que eu mais quero é que um dia agente tenha um espaço para viver, uma moradiae terra pra trabalhar, porque todasas pessoas que agora estão em Nova Soberboestão sem terra.Setor de Comunicação: O que significao <strong>MAB</strong> em Candonga e o quevocê diria para quem construiu abarragem?Bernardo: No início, quando o <strong>MAB</strong> chegou, foirejeitado pelas pessoas, pois ainda não conheciamo Movimento. Mas foi rejeitado sópor aquelas poucas famílias que estavam sendoindenizados. Eu sei que nós só conseguiremosas coisas se estivermos organizados no<strong>MAB</strong>. E para a Novelis e Alcan, eu diria queeles não tem nada de humanidade. Eles estãomatando o povo.Tem muita gente angustiada e doente por causada barragem. Eu não concordo com asbarragens, nem que eles pagassem todo mundodireitinho, porque você perde todos os espaçospara viver.19


Luta por moradiaDespejo da maior ocupação verticalda América Latina é iminente 6Rafael SampaioProprietários venceram causa na Justiçae desocupação de edifício na Av. PrestesMaia, no centro de São Paulo, deveocorrer até 4 de março, a menos que Prefeiturafaça uma ‘intervenção política’. 1630 pessoas ficarãosem moradia.SÃO PAULO – A maior ocupação verticalda América Latina está sob risco iminentede despejo. O edifício, localizado na avenidaPrestes Maia, no centro de São Paulo, tem 22andares e há dois anos abriga 468 famílias, quereúnem 1630 pessoas.A reintegração de posse, movida na Justiçapelo ex-candidato a vereador Jorge Hamuche(PHS), um dos proprietários do prédio, será executadaaté o dia 4 de março. “Em termos jurídicosnão há mais nada a fazer”, lamenta o advogadodos sem-teto, Manoel Del Rio. Ele crê emsomente uma solução para o problema: a intervençãopolítica da prefeitura junto ao juiz queacompanha o caso.Desde segunda-feira (5), 300 sem-teto montaramum acampamento diante do prédio da Prefeitura,e prometem sair apenas quando for apresentadauma solução para as famílias que habitamo prédio da Prestes Maia. O secretário municipalde Habitação, Orlando de Almeida Filho,não deu sinais de que receberá qualquer comissãodos acampados.Ivonete Araújo, coordenadora do Movimentodos Sem-Teto do Centro (MSTC), reclamada omissão do poder público. “Faz doisanos que a prefeitura nos diz que não tem interesseem permitir que as famílias do PrestesMaia fiquem na rua. E agora eles deixam queo despejo aconteça, que todos nós sejamosjogados fora”, reclama.Poucas saídasDel Rio diz que o edifício está avaliado pelaCaixa Econômica Federal em R$ 7 milhões, e queos proprietários – Jorge Hamuche e EduardoAmorim – têm uma dívida de R$ 5,8 milhões acumuladacom o município, devido ao não-pagamentode IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).Em 2003, a gestão petista na Prefeitura,encabeçada por Marta Suplicy (PT-SP), se dispôsa pagar a diferença (R$ 1,2 milhão) para desapropriaro edifício. “Então se iniciou o processode compra do prédio da ocupação”, lembra o advogado.Segundo o jornal Brasil de Fato, a Justiçaexigiu que o valor da propriedade - R$ 7 milhões- fosse depositado integralmente pela prefeiturapara que fosse feita a desapropriação. Como opoder público não pôde pagar, nada foi feito.“A prefeitura não dá sinais de que interviráa favor dos moradores do Prestes Maia. GilbertoKassab entregou o caso para a Justiça”,reclama Del Rio. O MSTC entrou em contatocom o Ministério das Cidades para pedir apoiopolítico, mas o governo federal pode fazer pouco,neste caso. O advogado sugere que a Prefeiturapoderia propor um projeto de lei na Câmarados Vereadores para desapropriar o edifício,ou então retomar o acordo iniciado durantea gestão petista.Osmar Silva Borges, coordenador da Frentede Luta por Moradia (FLM), informa que naquinta-feira (08) haverá uma reunião com o comandoda Polícia Militar, para discutir sobre comoserá feita a reintegração. “A prefeitura tem quenos atender e dar um destino para as famílias”,diz ele. A FLM integra o acampamento erguidopara pressionar o poder público a atender os moradoresda ocupação Prestes Maia.206Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br


O som dos tambores:ecos de resistência e luta do povo negroHá tempos os tambores são utilizadoscomo forma de expressão dos negrosno Brasil. O som vibrante eram escutadosnos terreiros das fazendas, quando o povoafricano desapropriado de suas origens se reuniapara festejar, louvar os ancestrais e reafirmar osideais de resistência e luta.Ainda hoje, várias danças e manifestaçõesculturais são embaladas pelo som dos tambores efica difícil permanecer imóvel em meio à energiaque eles transmitem. Na reportagem do jornal Brasilde Fato intitulada “A riqueza multicultural de SãoPaulo” 7 , a cena descrita oferece uma idéia do corpoembalado pelo ritmo da batucada:Entre os grupos de dança, apresentações defolias de reis, congadas, moçambiques, catira efolias do divino. Muita cor, muita música e muitadescontração contagiavam a platéia, que procuravaseguir os passos dos grupos e acompanhavacom palmas o ritmo caipira.Para entender um pouco mais sobre as diversasmanifestações culturais do nosso país, destacamosa seguir um Pequeno Dicionário Cultural, comofoi nomeado pela equipe de reportagem do jornal:Congada paulistaCongado é sinônimo de encontro ritual devários grupos de Congos, Moçambiques eAssemelhados. Cortejos de forte raiz africana,existem nos mais diversos pontos dopaís, em festas religiosas, principalmentenas dedicadas à Nossa Senhora do Rosárioe a São Benedito.ReisadoFolias de Reis são grupos que, em forma deranchos, recontam a lendária viagem dosTrês Reis Magos do Oriente para adorar oDeus Menino.JongoDança de origem banto, do mesmo troncodo batuque, ambos ancestrais do samba edo pagode, que resiste em alguns pontos doVale do Paraíba. Nela, são homenageadosSão Benedito e antepassados negros.Fandango de TamancosFandango, no interior Sul e litoral Sul, continuaa designar os bailes de sítio, asfolganças que animam ocasiões especiais(casamentos e aniversários). Neles, sapateadose palmas se alternam com valsadose danças de sapateado forte (fandango detamancos e fandango de chilenas).Samba de Bumbo e Samba de LençoDuas variantes do samba tradicional emSão Paulo, consideradas como os ancestraisdo samba cosmopolita. Guardam traços queos aproximam do jongo e do batuque. O deBumbo é característico da festa do Bom Jesus,em Pirapora. O de Lenço é em devoçãoa São Benedito.CatiraOutra dança de palmeados e sapateados,acompanhados, sempre, por duplas devioleiros, que alternam as modas com a atuaçãodos catireiros. De tradição masculina,muitos grupos já admitem a participaçãode mulheres.CocoDança típica das regiões praieiras, e comumno Norte e Nordeste. O coco vemdo canto dos tiradores de coco. Tem umacoreografia básica: os participantes formamfilas, ou rodas, sapateiam, respondemo coco, trocam umbigadas e batempalmas marcando o ritmo. A dança teminfluência dos bailados indígenas Tupis edos negros, os batuques africanos. Os instrumentosmais utilizados de percussão:ganzá, bombos, zabumbas, caracaxás,pandeiros e cuícas.7Jornal Brasil de Fato de 25 de setembro a 1º de outubro de 2003. Cultura (pág. 16)23


O pesquisador Paulo Dias 8 utiliza a expressão“Comunidades do Tambor” ao se referiraos diferentes estilos regionais das danças-músicasnegras (como os batuques, ascongadas, os candomblés e o samba urbano).E destaca: [...] um certo repertório de padrõesrítmicos que se reproduz, em diferentes conjuntosinstrumentais, através do imenso territóriodo Brasil e das Américas negras, criandolaços simbólicos de parentesco com a Áfricadistante. Linhagens rítmicas que, mais resistentesao tempo que qualquer palavra ou canto,atualizam-se a todo instante pelas mãos quetocam e pelos pés que dançam.A cultura, a consciência e a mística 9Ademar BogoTrês elementos se combinam na formaçãodo sujeito histórico Sem Terra:a cultura a consciência e a mística.Um ser humano independentemente dascircunstâncias de que é gerado, nasce pelo empenhoe esforço de outros que se relacionam.Os hábitos do cuidado para que este ser se desenvolvasão recolhidos dos ensinamentos passadospelas gerações que fizeram sua experiênciae descobriram que determinadas ervas setransformam em remédios, frutas e cereais setransformam em alimentos etc.Ao rebentar, o ser humano indefeso, deixade ser apenas rebento e passa fazer partede uma sociedade determinada, por isso torna-seser social.Encontra, portanto uma estrutura socialmontada que lhes facilita a vida e ao mesmo tempoimpõe limites estabelecidos por dois poderes:temporal e espiritual. O Estado cuida da estruturadas leis, e a religião da moralidade.Aprende a manejar as coisas a partir dosensinamentos produzidos pela experiência de seusgenitores e se produz a si próprio a partir das iniciativase determinações estabelecidas.Tem como obrigação nesta escala da formaçãohumana, primeiro aprender o nome dosobjetos que usará para se comunicar e produzira própria existência; segundo: seguindo atradição, educar-se em uma escola, freqüentara igreja assumindo uma religião, assimilar valorese pô-los em prática, e terceiro, dedicar-seao trabalho para daí extrair os alimentos, buscarmeios para edificar sua moradia, comprarutensílios, roupas, calçados, portanto lidar como mercado etc. Se os pais são camponeses epossuem terra, aprenderá cedo o ofício da agriculturaexecutando tarefas determinadas e perceberáque o alimento vem da terra cultivada.Se os pais forem operários, aprenderá que oalimento vem do salário. Quem não tem salárionão tem alimentos. Essa é a ordem de comandodo capital.Acompanha esta trajetória, preceitos morais,ou seja, normas que se baseiam em valoresmorais que objetivam formar costumes. É issoque diz a palavra “moral” no latim significa mores,ou seja, costumes. Estes ao serem assimilados,seguem os passos da obediência pacífica.No caso de dúvidas ou desrespeitos, apela-separa a ética que refletirá o modo de ser e retificaráos desvios de caráter.Os costumes padronizam o comportamento,de grupos ou de toda a sociedade quepodem ser alterados de tempos em tempos.Em sociedades igualitárias as normas sãomais duradouras. Em sociedades desiguais,as normas e os valores são ultrapassadosconstantemente pelos interesses do capital,que busca atingir através da “massificaçãoda cultura” (cultura de massas) o caráter das248Trabalho publicado (ver site do Min. das Relações exteriores http://www.dc.mre.gov.br) Foi escrito originalmente paraapresentar a exposição multimídia “Comunidades do Tambor”, montada no SESC Vila Mariana, em São Paulo, durante oevento “Percussões do Brasil”, em 1999.9Estudo feito com o setor de cultura do MST em Ibirité em 19 e 20 de maio de 2001.


pessoas, para que se submetam à ordem dosinteresses político ideológicos da classe dominante.Os grupos e as sociedades nãoconsumistas se defendem através da “culturapopular” repassando os conhecimentos pelaafetividade existente na relação comunitáriaque a seqüência de gerações estabelece.Isso acontece em ambas as condições eé possível, porque os seres humanos não nascemprontos e acabados. Há espaçona consciência social e políticapara acrescentar elementosque dão identidade ao caráter, ecom isso, os seres humanos adquiremcaracterísticas próprias, apartir de seu próprio esforço e interesse,ou pela manipulação ealienação de instituições criadaspara este fim.A cultura representandotudo o que fazemos, parte delaconduzida pela superestrutura dasociedade, e parte dela pelo sensocomum, condiciona o ser humanoa executar gestos que reforcea harmonia social, obrigando-se a cederem pontos particulares quando estes estãofora de seu alcance ou ferem os direitosdos outros. Mas por outro lado, aprende naprodução da existência a ter direitos como:propriedade (terra, casa, objetos de uso) comprare vender, passear, amar etc.As mudançastecnológicasmudamrapidamentehábitos e,quando não bemassimiladas,tornam aspessoas vítimasdo própriodesenvolvimento.As mudanças tecnológicas mudam rapidamentehábitos e quando não bem assimiladas,tornam as pessoas vítimas do próprio desenvolvimento.Estabelecem mudanças nas relaçõessociais e deixam à margem da sociedadeuma quantidade significativa de seres sociaisque, não podendo reproduzir os hábitos anteriores,nem podendo assimilar os hábitos novosna totalidade, se colocam entre duas alternativas:misturar o possível entre o velho queresta e o novo emergente, modificando a práticae deformando o caráter, ou resistir para nãodeixar-se excluir e assimilar o possívelconscientemente da evolução.Mas tornam-se cultura tambémos aspectos negativos em umasociedade desigual. Isso ocorrequando as pessoas aceitam as condiçõese reproduzem os interessesalheios sem reagir. Aceitam ver gentedesempregada, sem terra, analfabeta,faminta, prisõessuperlotadas, transporte ruim etc.como aspectos naturais de uma sociedade“desenvolvida”.As reações espontâneasnão resistem à dominação cultural,elas devem se propor a daridentidade aos gestos que simbolicamente setransformam em referência de resistência permanente.Nasce assim, a ideologia da resistênciacomo novo conteúdo da cultura que semanifesta no fazer acontecer possibilidades atéentão desapercebidas.Esta trajetória histórica e seus limites é quedemonstraremos na existência feita pelo MST eas possibilidades de mudanças que descobriu pelosimples fato de pensar e fazer diferente.Da cultura produzida para a produção da culturaO conhecimento sociológico e históricopode explicar as transformações econômicas esociais que ocorreram no campo brasileiro nosúltimos 50 anos, onde passamos, de sociedadeagrária, para sociedade urbana industrializada.Mas é o caipira que faz a cidade e fica fora dela.Esta transferência de cultura de um lugarpara outro nos deixa quatro elementos paraanalisar a desconstrução e os pilares da reconstruçãocultural.1ºIronia CaipiraO êxodo rural transferiu dentro de sacariasatadas com cordões de couro e cipós, embaús de madeira feitos á machadinha, a riquezacultural de alguns séculos de existência produzidaás margens das trilhas de terra que levavame traziam o progresso, mas os ventos daindustrialização e das invenções tecnológicas,25


26um dia sopraram os últimos ciscos humanospara os centros urbanos onde o capital engoliuo espaço e tudo ficou apertado. Ali a consciênciae a mística se misturam para dar forma aesta nova maneira de produzir a existência. Assimo caipira conta sua história de quando chegana cidade através da Música de Tião Carreiro“Cochilou o Cachimbo Cai”“Quando cheguei em São PauloDava pena dava dóMinha mala era um sacoO cadeado era um nó”2ºMudança de NaturezaEsta mudança de lugar social, e de separaçãodo ser de sua categoria de origem para formaruma nova categoria do dia para noite semespecialização, explica-se como sendo o desmanchede um modo de vida social, para no simplesdescarregar das mudanças, formar outro, commais luzes mas com menos claridade para iluminaros passos futuros. Muda o lugar social mudasea base da formação da consciência.3ºIncerteza e DúvidaOs que teimam ficar na agricultura, agarraram-seaos próprios suspiros. Pesarosos, olhandopara quem parte sem saber se estão certos em deixara roda da história seguir sem eles. Mesmo semterra para trabalhar, resistem. Alimentam a tradiçãode serem posseiros, meeiros, arrendatários oupeões de fazendas. Os filhos dos pequenos proprietáriossaem da adolescência, recebem o avisoque devem se quiserem casar e constituir uma família,procurar outro galho para fazerem o ninho,pois aquele no qual vivem com os pais, já nãoresiste a muito mais peso. O sentimento da resistênciaé o caminho para a reconstrução do serhumano, misturando consciência e mística paraproduzir um tempo novo.Ao mesmo tempo que alimentam a categoriaaprendem coisas novas, que vão fazendo mudançasno comportamento e na forma de pensar.Coisas boas que enraízam ainda mais a culturamas também coisas ruis que ficaram como cicatrizespara serem apagadas no futuro.4ºA construção da identidadeEsta condição de ser sem-terra se transformaem consciência, onde a mesma condição socialserve para dar nome a um Movimento em queseu desenvolvimento confere a mesma identidadeàs pessoas, mudando sua cultura, a consciênciae a mística tornando-se condição social. Por isso,mesmo conquistando a terra, os homens, as mulherese as crianças, ficaram marcadas por estesinal de ser Sem Terra.Na produção da existência com umanova consciência alimentada pela mística,aparece o processo da formação da nova cultura,o sem-terra (condição social) de ontem,se torna no Sem Terra (sujeito histórico) dehoje, conviveu e convive com três formaçõesculturais combinadas.a) A cultura impostaEnquanto categoria sem-terra vivendo noscampos e nas periferias das, ficando cada vez maisà margem da modernização tecnológica, anormatização da sociedade organizada e os preceitosmorais difundidos pelas religiões e pelamídia, são mediadoras em submeter a massadeserdada e desinformada dos próprios direitos,aos caprichos e interesses da classe dominanteque acumulou sem piedade a terra, a renda, a riqueza,o poder e os conhecimentos.Com isso, dia-a-dia as pessoas foram vendoseus conhecimentos históricos, hábitos de convivência,valores e costumes sendo arrancados daprópria consciência a golpes e a empurrões, e emseu lugar, plantados pela propaganda massiva,viram nascer o interesse pelo consumismo, a competição,o desrespeito pela vida e a aceitação passivada destruição da própria identidade.A ideologia dominante, na busca de escondera verdade, encarregou-se de justificar, atravésda mídia o mal estar e o abandono dos caipirasagora na cidade. Como uma árvore adultatransplantada, mantém-se abatida, murcha, massobrevive por algum tempo.A semelhança entre os hábitos, levam os jovensdo uso do cigarro ao consumo de drogas maisperversas. A linguagem ganha novos vocábulos ea ingenuidade caipira cede lugar à gíria. O modismocondiciona os interesses e ocupa o espaçoda consciência social com nomes, marcas, cores.


A mídia, sábia, vai até o campo atravésda arte buscar pedaços de raízes decepadas, eas traz para a cidade, para consolar, ao mesmotempo que faz consumir os desconsolados. Atravésda música adaptada, demonstra que se podeter em casa em forma de som, o que já não setinha mais na vida.A mística através de um de seus elementosprincipais, a arte, cumpre o papel de preencheros vazios na consciência estética e no sentimentodos pobres desenraizados.Quem se adapta e se dá bem na cidade,passa a integrar o mundo urbano dos incluídos,vivendo como àqueles que ali nasceram em condiçõesfavoráveis. Mas para àqueles que nadaconseguem a não ser a marginalidade do desenvolvimento,a saída é raciocinar e vivenciar misticamenteas fantasias.Perdem-se com as batidas nas barrancasda história, pedaços da cultura produzida e alimentadapor diversas gerações. Ficam para trásdespedaçados os valores, utensílios domésticosrejeitados ou impedidos de serem usados, conhecimentosno trato com os animais, nomesde plantas e de sementes, as superstições, a religião,fantasias, contos e estórias de caçadores,viajantes, boiadeiros etc. Estes vazios deixadospelos pedaços de vida perdidos, são agorasubstituídos pela pomposidade dos interessesdominantes. Vem a desmotivação a dor e odesespero. Quem está dominado perde a condiçãode expressar com liberdade o que sente.b) A contestação da culturaEstes elementos positivos e negativos, presentese passados acompanham os Sem Terraantes e depois de se tornarem categoria social,que em determinado momento ajuda alinhar ospassos para o lado certo.É um período de transição entre a imposiçãoe a contestação da cultura, mas que, pela insegurançae desconhecimento, muitas coisas aindasão impostas.Tudo inicia com a assimilação do pensamento;“A terra é para quem nela trabalha”. Deuma frase confusa, se origina a filosofia da contestaçãocultural e a formação do MST. Confusaporque não específica “quem nela trabalha”e nem a quantidade de terra necessária paratrabalhar. Mas por outro lado dá a entender queninguém pode ter terra se não trabalha nela, eninguém pode ficar sem terra, se ela existe emquantidade. Sendo assim os que tem terra perdemo direito de arrendá-la ou de mantê-la comoreserva de valor.Esta contestação terá dois sustentáculosque outrora serviram exclusivamente para dominaros excluídos: A Constituição Federal e a Bíblia.Ou seja, do poder temporal vem a lei, dopoder espiritual vem o direito. Associando os doispoderes, quebra-se as barreiras da proibição egera-se um “terceiro poder”: o poder popular, quefaz perder o medo de buscar através da luta oque pertence a cada um.Neste lutar, definem-se os amigos e os aliados.Na esfera política surgem os políticos contráriosque se articulam para reprimir, e também osaliados que buscam através dos Sem Terra, autoafirmar-secomo políticos profissionais.O conhecimento das classes sociais pelavia prática, traz, para a consciência dos lutadorespela conquista da terra um elemento novo,que é o de perceber como se exerce o poder políticono país. A diferenciação dos três poderes,aprende-se na prática e descobre-se que o judiciárioé o poder que está mais próximo, justamentepara garantir o direito de propriedade aoshomens influentes da região. O legislativo é mais“liso” e oportunista, e o executivo é lento e melindroso.Mas a força da consciência os decifrafacilmente para enfrentá-los.A ação direta tem o poder de colocar emcirculação os que até então eram desconsideradosna da superestrutrutura da sociedade e isso leva amexer com os poderes: local, regional, nacional eposteriormente internacional. As organizaçõessociais e políticas como sindicatos e partidos,buscam articular formas de defesa jurídica, solidariedadee propaganda da ação.A imprensa se manifesta a favor e contra,procurando divulgar o fato para ajudar a resolvero conflito pela via da negociação ou pelo desgastepolítico de quem luta, para que a repressão atuecom maior tranqüilidade.As igrejas, através de seus representantes,com as devidas precauções, também se manifestampara intermediar, podendo ajudar o fazendeirocomo os trabalhadores.Essas intervenções deixam marcas, comocicatrizes na face, que serão reconhecidas no27


28futuro, e assim como podem atrair aliados, podemafastá-los, pois a cultura tem este poder deao fazer a existência, provocar o aumento dadominação, como também incentivar o nascimentoda autonomia.Esta reação ativa e coletiva, contrária daanterior provocada pelo êxodo rural passiva e individualizada,exige o surgimento de uma organização,nasce então a cultura do movimento.Ninguém sabe o que significa e nem as conseqüênciasque terá, fazendo parte de um movimento,mas as circunstâncias naturalmente empurramas pessoas para este caminho que lhesdará de imediato tarefas para cumprir. Cooperarexige trabalho e emprego de mais esforço.A cultura do movimento ganha conteúdo.E aos poucos se estende e avança para formarum movimento social, como instrumentode defesa e resistência frente às injustiças. Oque vem antes, portanto, é a injustiça compreendidapela consciência.Em nosso país não é difícil perceber isso,pois já a décadas, a injustiça se transformouem exclusão, e a exclusão em indigência. Nãohá para onde fugir, pois o espaço está todo tomado,embora não ocupado como é o caso daagricultura. Temos no Brasil 850 milhões dehectares de terras e apenas 34 milhões de há,são utilizados com lavouras. Isso demonstra quea cabeça de nossos governantes está no primeiromundo, mas os pés estão presos nas capitaniashereditárias.c) A construção da nova culturaA nova cultura tem seu germe na reuniãode base onde se toma a decisão de ocupar, acamparou pressionar o governo de alguma forma paraque distribua a terra.Renasce nas pessoas o espírito adormecidode liderança e começa aparecer os nomesde quem se envolvem. O nome está ligadoà responsabilidade e ao poder de resolver osproblemas. Quanto mais se envolve mais comprometidofica.É hora da consciência perfumar com a místicaa existência que está sendo produzida.O resgate do velho, mas útil compõe o carregamentoda mudança que leva este velho serpara uma nova terra, para na solidariedade formar-senova gente.Agora é o momento que ganha importânciaas velhas panelas, os velhos colchões e cobertores,as ferramentas inativas, os facões cujo tempolhes roubou o direito de cortar e todos os conhecimentosadormecidos despertam para ajudarna viajem que construirá a nova existência.Mas, por outro lado o MST consegue utilizaroutros elementos um pouco esquecidos,mas que dão condição às pessoas de firmaremos passos na direção da libertação. Vejamosalguns deles.1ºA autonomiaO surgimento dos movimentos sociais trouxeconsigo esta característica de desde o inícioquerer ser autônomos. Isto não significa isolamentoe desarticulação. O fato de buscar definiros critérios de participação, elaborar o própriométodo, definir datas, horários etc. é a demonstraçãoprática de que o sujeito da história somenteo é quando tem liberdade de pensar e decidirsobre si próprio.Os movimentos sociais forjaram a liberdadede se constituírem sem manuais. Por isso nascecom eles uma nova consciência e um novo jeitode ser sujeito histórico.Ninguém pode querer medir a velocidadedos passos de quem quer correr para chegar maiscedo. É a marcha da história que se choca com aburocracia do Estado. Os limites superam-se combinandoforça e inteligência.2ºA noiteUtiliza-se a velha noite. Ela é a referênciaprimeira para se fazer uma ação. A escuridãorepresenta medo, mas neste caso dá segurançapara quem precisa mover-se. É nessa via contraditóriaentre esta contradição de sono e rebeldiada busca apaixonada do encontro da terracom os seres humanos, como se ambos tivessemvergonha de nascer do latifúndio duranteo dia, precisam dos braços da noite para realizaro grande nascimento.As reuniões são feitas à noite quando osSem Terra, ainda operários voltam do trabalho,onde deixaram toda a força de trabalho mas nãoo ânimo de buscar sua própria terra.


Por isso também temos o preto comouma das cores de nossa bandeira. Representamais que o luto pelos companheiros mortos,que certamente gostam de ser homenageadospela cor vermelha, mas a noite comosimbologia do sofrimento que pretendemos eliminarindo ao rumo do dia. A existência doMST começa pela noite, ao contrário de outrasorganizações que esperam pelo horáriocomercial para abrir suas portas.A noite não é só dos seresteiros, mas de todosos apaixonados que buscam na relação humanacoletiva e solidária fazer nascer das fantasiasum mundo de verdade.3ºA famíliaA velha família criada pela divisão socialdo trabalho e utilizada como espaço de dominaçãoentre àqueles que se amam, ganha novo significadona luta dos Sem Terra.Recorre-se à família como força de referênciapara aumentar o número de pessoasna ocupação, mas também como formade respeitar o princípio de que a terra pertencesomente àqueles que por ela lutam enela querem viver.A família, embora se estruture de formaautoritária e nela se reproduza a dominaçãoentre entes-queridos, é o espaço do cultivo doamor e das paixões, envolve as pessoas tornando-as“uma só carne e um só espírito” eatravés dela, resgata-se a identidade, os valorese o companheirismo entre os lutadores.Além do mais ela mantém as pessoas unidas.Pode-se deixar para trás pedaços de lonas, masnunca pedaços da família.O destino de uns está ligado ao destinodos outros. Por isso é difícil desmobilizaruma ocupação, mesmo com violência nosdespejos, as pessoas permanecem organizadas,pois não tem como voltar para casa.Tanto a casa quanto a mudança estão juntocom os lutadores.Os utensílios mantém as pessoas agrupadasao redor deles. Como estamos em umestágio de lutas de massas este fator é importantepois as formas de luta não exigem muitamobilidade.4ºOs símbolosTudo passa ter significado próprio. Discosvelhos de arado servem de sino para expressarem códigos através de batidas, quando é assembléiaou emergência. Alguns resgatados da tradiçãocomo a cruz e a bandeira. Estes objetos alémde ganharem significado próprio, alimentam a ideologiae a utopia daqueles que lutam.As ferramentas de trabalho ganham importânciacomo a simbologia do trabalho, mas tambémcomo instrumento de defesa.As ferramentas simples são essenciais,usadas desde a construção do barraco, revelama defesa de um modelo de agricultura quenão excluí a mão de obra pela tecnificação.Pena que isso nem sempre se sustente e a seduçãodas máquinas levam a encostá-los, submetendoa agricultura familiar aos inventos dagrande empresa.Máquinas também fazem parte dos instrumentosde trabalho e demonstram o desejo decooperar e produzir em grande escala de formacooperativada. A tecnologia que ajuda no desenvolvimentoeconômico social e humano deve estarsempre ao alcance das mãos daqueles quesabem quem estão com os pés firmes no chão.5ºAs tarefasSurgem da noite para o dia as comissões,e àquele que mal aprendeu viajar precisa embarcarem um avião para ir até a capital negociarcom o governador, que nunca o viu nem sequersabe qual é sua opinião sobre a reformaagrária. A consciência e a mística se misturamnesta nova relação é preciso arranjar uma roupamelhor, um calçado adequado é o resgate daauto-estima que começa a nascer a partir doscuidados com o corpo.Os que ficam ansiosos por notícias sãotransformados em soldados da guarda popular,armados de paus e foices para garantir a integridadefísica daquela comunidade. Há os que sededicam à saúde, à educação e a outros serviçosvoluntários.Na medida em que o conflito vai se resolvendoe a terra está prestes a passar para29


as mãos de quem lutou por ela, começa haveruma certa acomodação, justamente porqueagora a idéia não é organizar para o conflitomas para a passividade.Não é a disposição que enfraquece, masa consciência que ganha novos elementos e amística nasce por outras frestas abertas nestaconstrução do sonho familiar. A consciência passaa receber novas informações e símbolos queos interesses pessoais desenham sobre ela commuita rapidez. O pequeno aviário feito de varas,a arapuca para pegar passarinhos, o anzolarmado na margem do rio é a velha cultura despertandoem uma nova consciência através dehábitos simples.Dependendo da incapacidade de estabelecerobjetivos coletivos, os interesses revelamas marcas nas consciências como: propriedadeprivada dos lotes, moradia individualpara ficar distante dos vizinhos, aquisiçãode máquinas individualmente para nãocoletivizar, uso do fogo em demasia, de adubosquímicos, herbicidas e inseticidas. Esteselementos definem a produção da existênciadas pessoas depois da terra conquistada, quegeram novas tarefas.A reflexão e a prática da cooperação aospoucos demonstra que a libertação dos fracos estána unificação das forças dispersas.6ºA EscolaMuitas famílias se reúnem e lutam se primeirotiver escola para os filhos. A educaçãopara a grande maioria é tão importante como oalimento. Ninguém quer que os filhos cresçamsem ter o direito de estudar. Por isso uma dasprimeiras coisas a fazer após instalar-se na ocupaçãoda terra é a escola, onde alguém é solicitadoa iniciar as aulas enquanto uma comissãoluta pelo reconhecimento na secretaria de educaçãono município.Na preocupação com a busca do conhecimentoescolar, está a mística de que os filhos sejam“diferentes” dos pais que não tiveram estaoportunidade de estudar. Há nisso um valor ,mastambém um preconceito. O valor é que a preocupaçãoem conhecer sempre, mais liberta o ser humanoda ignorância. O preconceito é de que oser humano que não tem escolaridade é inferior enunca será “alguém na vida”.7ºA AlegriaMuitas músicas são cantadas para animaras reuniões e as assembléias antes e depois daocupação. Festas são organizadas e fogueiras sãoacesas como elemento de unidade e confraternização.A luz e o barulho espantam o medo e evitamo isolamento.Cerimônias religiosas, refletem os sentimentosmas também trazem bem-estar e consciênciados atos que devem ser assumidos portodos. Estes e outros elementos e objetos utilizadosse agregam-se à consciência das pessoase se transformam em aprendizado na produçãodeste pedaço de existência.Posteriormente as festas de comemoraçãodas colheitas, das conquistas e de datas significativasfazem da memória histórica elementos de reflexão,onde o prazer de Ter feito se mistura aoprazer de dizer que fez. Por isso a mística é ummistério que não acaba nunca.Dezenas de outros aspectos se misturamnesta reconstrução da história, por isso o resgatedaquilo que em um ambiente desgastado pelasdeformações ajuda a forjar uma nova estruturacom coisas simples.A formação da consciência e a mística30A consciência está ligada ao conhecimento.As coisas passam para a esfera do conhecimentoe se tornam consciência. Isto acontece sempreque uma nova informação aparece, a ignorânciasede lugar ao conhecimento.Enquanto não conhecemos a existênciae a causa dos fenômenos, somos escravos deles.Quando tomamos conhecimento de suaexistência, aprendemos a dominá-los ou a convivercom eles.


Há por sua vez, formas distintas de conhecer,ligadas à necessidade humana. A emoção dedescobrir somente sente àquele que procura.É na busca de satisfazer as necessidadesbásicas, que os seres humanos aprendem a dominara natureza e a lidar com ela. No convíviocom a natureza e com a sociedade, vamos aprendendocoisas que possibilitam defender a vida, edesenvolvemos capacidades de produzir objetosque se conformam na cultura de um determinadogrupo social.Esta consciência social, formada pela convivênciasocial tem maior ou menor nível de conhecimentosa partir do esforço empregado e osinteresses que tem os próprios indivíduos.Há culturas de grupos sociais altamentedesenvolvidas pelo fato de terem desenvolvido oconhecimento e aprenderam a dominar a realidade,transformando a natureza e alcançando umalto nível de desenvolvimento. Há necessidadesque encontram meios favoráveis na realidade efavorecem as descobertas tecnológicas.Existem povos na história da humanidadeque desenvolveram, antes mesmo do desenvolvimentoda ciência, conhecimentos altamenteimportantes para seu crescimento. Porisso, a consciência na formação dessa novaexistência é:IdentidadeEla é o conhecimento das coisas e ao mesmotempo o conhecimento de quem conhece, atravésdas capacidades desenvolvidas. Quanto maisse conhece, mais nítida se torna a identidade pessoale de um povo.Consciência confusa, forma identidadesconfusas e confuso também fica o caráter daspessoas. Ao mesmo tempo que afirmam, negampela prática deformada dos valores.MemóriaMemória são saberes retidos evitando quese percam, disponíveis para serem usados sempreque os interesses pessoais exigirem. Por isso éque a consciência além de conhecimento é sentimento,emoções, vontade e imaginação.O saber são experiências desenvolvidaspor seres sociais que a seu modo conseguiramcriar em cada momento histórico soluções paraas contradições que se formaram, produzindomais contradições.MísticaA mística é mais do que alimento nesta produçãoda existência, é o fator que provoca a fomede querer mais e melhor.A mística no MST tem três vertentes fundamentais:1ª) A contemplaçãoO camponês é condicionado a pensaratravés do ciclo do desenvolvimento das coisas.No preparo do solo ele espera a chuvapara semear. Ao semear espera a planta nascerpara limpar a roça e cuidar dos insetos.Depois espera as flores, os frutos verdes e maduros.Aí vem a colheita e a repartição da safraem três partes na seguinte ordem: sementes,comer e mercado.Com os animais é a mesma coisa. O períodode gestação de uma fêmea é acompanhado decuidados e admiração. É o ciclo da vida que ensinano silêncio a ser contemplativos.2ª) A espiritualidadeO camponês vive para alguém. Tem a sensaçãode que está sendo vigiado por alguém superiora ele, por isso recorre a ele sempre quetem dificuldades na doença das pessoas e dosanimais, quando falta chuva ou quando quer alcançaralgum objetivo.A religião através de seus ritos transforma ocamponês também num ser místico, ligando amatéria ao transcendente.3ª) A músicaNão é apenas o canto da natureza, as vozesdos zunidos dos insetos, das asas das abelhasque faz o camponês um ser místico, senão oseu próprio canto. Canta-se a vida com todas asfantasias e dores.Estas três vertentes se ligam no momentoda organização da luta dos Sem Terra. O gostopela beleza, a capacidade de esperar mesese anos embaixo de lonas pretas, a alegria das31


Há por exemplo uma preocupação muitogrande com a propriedade privada da terra e precisamosrespeitar conscientemente esta vontade.Há no imaginário familiar que a organizaçãofundiária é a grande fazenda ou o pequeno sítio.O capitalismo não desenvolveu ainda grandespropriedades cooperadas. Os trabalhadores assalariadosna grande maioria das atividades sãosazonais e se diferenciam dos operários porquepodem ser substituídos a qualquer momento. Porisso que a primeira coisa após a liberação da terraé dividi-la em lotes. Soma-se a isso a visão douso da mão de obra familiar.O problema não está nestesaspectos da propriedade, do trabalhoe da moradia, mas sim nacompreensão de que é preciso organizara convivência social apartir desta realidade que ajudano melhoramento das condiçõesde vida, na elevação do nível deconsciência e no fortalecimentoda mística. Tudo o que utilizamospara produzir vai sendo relacionadopela consciência, que se organizaem forma de memória e serevelará toda vez que o ser portadordeste conhecimento acumulado sentir necessidadedele. Por isso, não basta teorizar sobrea destruição da natureza, pelas derrubadase queimadas, ou fazer longos discursossobre envenenamento da terra, dos rios e daspessoas, se lentamente não for colocado parasubstituir na consciência social os elementosque possuam a equivalência, mas com valoresdiferentes.O capitalismo e o imperialismo agem dessaforma quando querem deformar a consciência ea cultura. Se apropriam primeiro do que já existee transformam com uma nova tintura, mais perversa,com conteúdo diferente, que visa alienar enão conscientizar. Por isso é que de um dia paraoutro aparece uma nova dança, onde seus consumidoresnão sabem de onde vem, nemtampouco como foi produzida e porque, comoqualquer mercadoria, mas a influência da modaleva grandes massas a participar para não correro risco de ser classificados de atrasados, conservadores.Assim as mulheres são chamadas de “cachorras”e levam como elogio.Na parte social, as formas organizativas podemalienar as massas como as estruturas sociaisAs pessoas, como tempo, podemrejeitar aspectosimpostos apartir donascimento ebuscar suaprópria forma deexistência.alienam. A estrutura social deve estar a serviçoda sociedade, mas para que isso aconteça deveser apropriada por ela. A delegação de poderes éo primeiro sintoma de que uma grande maioriaparticipará menos. As estruturas não podem serestáticas. Quando isso acontece se burocratizam.A delegação de poderes possibilita a diferenciaçãoentre os membros da mesma organização.Hierarquiza-se para eu alguns possam ter maispoder que outros. Não se pode querer, porém quese tenha uma organização anárquica, sem instânciase coordenações, mas é preciso saber comoparticipam àqueles que ficam fora dessas esferas?Que discussões fazem e que decisõestomam?A produção da organizaçãoé também a produção de seuorganizador. Um não cresce semo outro. Quando uma organizaçãoforma poucos quadros, é sinal queestá se burocratizando e que a estruturae a teoria dessa organizaçãoestá sendo assimilada por poucagente. Mesmo sendo um movimentode massas, a grande maioriaestá alienada da organização,participa dela, mas não sabe comose compõe nem o que pretende alcançar. Como tempo vem o cansaço acomodação e a desistência.A mística foi embora.Na parte intelectual referimo-nos à produçãodo pensamento da organização. O pensamentoevolui na medida em que a prática evolui. Asnecessidades provocam os conhecimentos paraque se transforme em idéias e práticas.Elabora-se mais quando as condições decrescimento são favoráveis. Em muitos casos asidéias não vingam porque a prática está deficiente.Enfim a consciência para se firmar precisapassar a barreira da revolta e alcançar a linhada indignação consciente. Há pessoas que participamdas lutas por influência de alguma coisa,com o tempo a abandonam. Neste caso oque havia era apenas ideologia, mas esta nãochegou a se transformar em consciência. Assimque surgiram outras idéias, substituíram as quehaviam e passaram a conduzir este ser socialpara outros objetivos.A imposição de algo criado é tão perversoquanto o descontrole sobre o que é criado, porisso que muitas coisas se transformam em mito.33


Há dezenas de aspectos impostos a partirdo nascimento de uma pessoa, desde a religiãoaté as idéias de transformação da sociedade. Aspessoas, com o tempo, podem rejeitar tudo e buscarsua própria forma de existência.Com a religião vemos muitas pessoas abandonarema igreja depois que conquistam a terra.Ás vezes é por desleixo, mas às vezes é conscientemente.Porque lhes deram de presente um Deusjá pronto que se confunde com aquele divulgadopela Igreja. Mas há lugares e quem muitos religiosossão contra a ocupação e o raciocínio concluíque: como pode alguém que quer levá-lo para océu não quer levá-lo para terra que é mais perto?Na luta política também podemos chegarà mesma coisa: como podemos levar alguémao socialismo se não aceitamos a liberdadede escolha de alguém quem quer produzirsua própria existência.A conclusão, portanto é de que o dogmatismoe o sectarismo nunca construirão a liberdadeporque se agarram ao velho como algo estático.Tudo aquilo que pensamos ser estático é apenasum nome a mais que se dá à decadência.Refletindo um pouco sobrea história da música 10Jadir BonacinaOSer Humano possui em sua vida sete “dimensões”:Física, Espiritual, Intelectual,Social, Profissional, Afetiva e Familiar.De todas as realizações do Homem, a Arte é aque mais intrinsecamente permeia todas essasdimensões da existência humana. E de todas asArtes, a mais antiga é a Música.A música é nossa mais antiga forma de expressão,possivelmente até mais antiga que a linguagem.De fato, a música é o Homem, muitomais que as palavras, pois estas são símbolosabstratos. A música toca nossos sentimentos maisprofundamente que a maioria das palavras e nosfaz responder com todo nosso ser.Muito antes de o ser humano aprender apintar, esculpir, escrever ou projetar algo, já sabiaa produzir e apreciar os sons. Obviamente essessons seriam hoje considerados apenas ruídos, masconsiderando que “música é a arte de manipularos sons”, o que o Homem primitivo produzia eramúsica, ou um “embrião” musical.O “instrumento” musical mais antigo queexiste é a voz humana, Com ela, o homem aprendeua produzir os mais diversos sons, e a agruparesses sons, formando as primeiras linhas melódicas.Depois inventou os instrumentos musicais,que se multiplicaram e evoluíram ao longo da História,muitos destes desapareceram, e a Músicamudou muito em todo este tempo, mas o gosto doser humano pela música permanece intacto.A música sempre foi uma parte importanteda vida cotidiana e da cultura geral do homem.Hoje vê a Música sendo transformada em meroproduto pela “Indústria do Entretenimento”, e domercado. Muitas vezes ela se torna um simples ornamentoque permite preencher noites vazias comidas a consertos ou shows, organizar festividadespúblicas, etc... As pessoas ouvem, atualmente,muito mais música do que antes, mas esta representa,na prática, bem pouco, e possuí muitas vezes,não mais que uma mera função decorativa.Mas em todo o Mundo ela ainda mantém vivoseu caráter social, de transmitir sentimentos, de servirde elo com a Divindade, de perpetuar a História, alíngua, a cultura e as tradições de cada povo. A músicaé a mais sublime das Artes, a arte que homens eanjos compartilham, deve ser ensinada como umalíngua, e não como mera técnica e prática, sem vida.3410Trechos extraídos do trabalho de conclusão do curso Realidade Brasileira. A música como instrumento político e ideológicono processo de formação. Chapecó, 2007. Pág, 4 e 8.


A músicacomo instrumento políticona formação da consciência nos movimentos sociaisMúsica, este é um tema que parece serfácil ou mesmo óbvio, afinal, em nosso dia-adiaconvivemos com música, e não temos muitadificuldade em saber do que se trata, ligamoso rádio para ouvir um pouco de músicaenquanto dirigimos, cantamos no chuveiro,dançamos ao som de música, nas rodas dechimarrão.As manifestações musicais são extremamentediversificadas, um grupo de rock, de rap,de pagode, um grupo de ciranda, de maracatu,de reisado, o coral da igreja, o canto na procissão,a roda de amigos que cantana mesa de bar, ao redor dafogueira, o violão na varanda dacasa, a música de viola caipira,são manifestações musicais diferenciadas,produções populares,ou da indústria cultural - todassão músicas. Mas suas características,conteúdos, Ideologias, sãopoliticamente diferentes.Nesse processo de formaçãode novos seres humanos, de sujeitosde uma nova história se temmuitos desafios travados na formaçãoda consciência do novo homemda nova mulher, que faz a luta pelosseus direitos, e que também buscaa sua dignidade, corre em busca deseus sonhos e de uma vida melhor,e mais humana.Esses seres humanos que travam uma lutade classes, ideológica, contra o modelo capitalistaimplantado, que faz do ser humano umamáquina para trabalhar a mando de alguns quese utilizam do estado para repreender, e atacaras organizações e aqueles que querem construirum mundo diferente, sem exclusão, commais dignidade.A músicanão deve serconsideradaalgo apenas parapreencher nossotempo, mas simpara divulgara nossa utopia,construir e passara mensageme a realidadeda classetrabalhadora.Uma das questões que é um desafio paraos movimentos e também para toda a sociedadeé a Música para ser usada como instrumento político,que forma os sujeitos. Uma música culturalmentereúne melodia, poesias, as coisas danossa gente, do nosso dia-a-dia, que representaas culturas do nosso povo.O capitalismo se apossou da música comoato de preencher um vazio que ele não conseguepreencher na vida dos seres humanos, casadocom isso vem as drogas, bebidas, cigarro,maconha, dizendo que isso é fazer festa e diversão.As músicas desculturadas, sem conteúdo,fazem com que os jovens ficam alienados acomprar roupas de marcas, ficam atrelados aempresas que só vendem marketing, acabam saindopor ai usando chapéu decowboy escutando cowtry americano,e dizendo que é música sertanejapopular.Nós devemos entender amúsica como parte fundamentalpara a nossa vida, pois contribui,e muito, na nossa formação.A música está vinculada inteiramenteno nosso dia-a-dia,pois dificilmente lemos um livro,mas escutamos cinco músicaspor dia. Essa música que escutamosquase sempre vem preencherum tempo que nos sobrapara descanso, neste momentoo capitalismo, a indústria musicalse aproveita para entrar nasnossas mentes através da música introduzindoa sua ideologia com valores do individualismo,da desvalorização da mulher e do homemtambém, em especial desprezando osCamponeses, e o seu modo de vida.No entanto a música não deve ser consideradaalgo apenas para preencher nosso tempo,mas sim para divulgar a nossa utopia, construir epassar a mensagem e a realidade da classe trabalhadora.Nesse ponto de vista finalizo esse trabalhoreafirmando a música como um forte instrumentopolítico-ideológico que deve ser mais bempotencializado em nossos movimentos sociais eorganizações populares.35


Violar é precisoNina FidelesA valorização da cultura caipirana construção de um projeto popular para o país 11Acentenária figueira, símbolo do SítioPau D´Alho, em Ribeirão Preto, interiorpaulista, serviu de inspiraçãohá quatro anos, quando abrigava mais umaroda de viola, para a idealização de um encontrode violeiros. Mas deveria ser um encontrodiferente. Um espaço onde violeiros evioleiras pudessem tocar e trocar experiênciase conhecimento, sem competição ou cachê.Não seria um festival, mas um encontro entreamigos e amigas, que se reconhecem na artede tocar viola e de levar adiante a cultura caipirabrasileira. Estava definido o formato doEncontro Nacional de Violeiros.No ano seguinte, em 2003, aconteceu a primeiraversão do encontro, com cerca de trintaapresentações em apenas um dia de festa. Em2004, na segunda edição, mais artistas. Um diafoi pouco para tantas apresentações, o que fez comque a organização optasse por dois dias de festana terceira edição, em 2005.Este ano, confirmando as expectativas,mais de 100 violeiros, violeiras, duplas, orquestrase grupos de folias de reis passaram pelopalco montado em frente à grande figueira.Apesar da chuva no primeiro dia, o IV EncontroNacional de Violeiros foi prestigiado porcerca de 15 mil pessoas, entre militantes doMST e apreciadores de boa música de todosos cantos do Brasil.ConstruçãoUma forma diferente de construção doEncontro dos Violeiros foi colocada em práticaeste ano. Militantes vindos de todas as regionaisdo MST no estado de São Paulo participaramde oficinas com o objetivo de contribuirem alguma área. A oficina de expressãocorporal preparou os participantes da místicade abertura, que contou com uma apresentaçãode dança e percussão, comandada pelosparticipantes da oficina de tambor. A ornamentaçãoficou por conta da oficina de bonecos,que construiu um modelo de São Francisco deAssis, homenageado na festa. Os instrumentosconstruídos pelos participantes da oficinade fabricação de viola ficaram expostos na galeriade arte, junto com os quadros de BlancoCastro, autor do desenho do cartaz do encontro.A oficina de comunicação ficou responsávelpela produção de fotos e vídeos, documentandoas oficinas e as apresentações.Apresentar as milhares de maneiras possíveisde lidar com a viola sempre foi uma preocupaçãoda organização do encontro. Cada violeirotem a sua mão e, claro, seu estilo. Tudo cabe naproposta do Encontro, desde as tradicionais duplas,passando por violeiros e violeiras solo, orquestrase grupos modernos. Toda esta diversidadeprova que existe cada vez mais gente tocandoviola no Brasil. E como nem só de viola vive acultura caipira, o Encontro abriu espaço para manifestaçõespopulares de música e dança, como aFolia de Reis e a Capina.Apresentada por um grupo de senhoresvindos de Jequitibá, em Minas Gerais, a Capinachamou a atenção do público por usar enxadasem sua dança e também pelo discursodo líder do grupo. Nelson Jacó afirmou que seugrupo é o último que ensaia e apresenta a dançaem sua região. Para ele, a dispersão das manifestaçõesculturais dos camponeses se dá peloavanço implacável do latifúndio, realidade emtodos os cantos do Brasil. “Se nós não dançarmos,ninguém mais dança”.TrincheiraPara Edvar Lavratti, da direção estadualdo Movimento em São Paulo, realizar o EncontroNacional de Violeiros em Ribeirão Preto étambém um posicionamento político. Capital doagronegócio, a cidade e arredores estão tomadospelas grandes propriedades monocultorasde cana-de-açúcar. A cidade é também rotade passagem do gênero conhecido comocountry, com suas roupas de cowboy e músi-3611Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=2379


cas pasteurizadas no estilo dos grandes rodeios,como a festa do peão de Barretos. “Nadadisso é nosso”, defendeu Lavratti.O violeiro e professor IvanVilella se diz preocupado quandoafirma que antigamente, todasas manifestações culturaisestrangeiras que chegavam aoBrasil não eram puramente assimiladas,mas se fundiam comnosso repertório. A diferença éque hoje está cada vez mais difícilque a mistura aconteça, poisessas referências nacionais estãose perdendo. A missão dequem procura preservar asraízes culturais brasileiras hojevai além de uma atitude puramente xenófoba,de negar o que vem de fora, mas sim garantirque não haja apenas assimilação, mas uma fusãocom nossos elementos.Um encontro entreamigos e amigas,que se reconhecemna arte de tocarviola e de levaradiante a culturacaipira brasileira.Este é o perfil doEncontro Nacionalde Violeiros.Para Vilella, por mais que a cultura countryesteja presente na região, muita gente faz questãode ir ao encontro e assistir às apresentações, oque explica o grande público. O violeiro afirmaque apesar de ter sido trazida para o Brasil durantea colonização portuguesa, a viola é um instrumentoessencialmente brasileiro, já que foi emterras brasileiras que suas potencialidades foramampliadas e diversificadas.João Ba, artista de 74anos e 53 de estrada, concordae defende que sua música éinspirada pelos pequenos elementosda natureza, como otrabalho do bicho da seda, porexemplo. João, que não é propriamentevioleiro (seu instrumentoé o violão) mas sim umcantador, participou do Encontropela primeira vez, trazidopor parceiros que já conheciama festa.Para o ano seguinte, fica a certeza de queo V Encontro Nacional dos Violeiros será aindamaior em 2007, com a presença de mais violeiros,ansiosos por apresentar sua arte em um espaçobonito e festivo. Fica também a certeza, de queapesar de não estar presente nos grandes meiosde comunicação, a arte da viola sobrevive na belezado trabalho de velhos e novos violeiros. Oque prova que a valorização da cultura popularestá estritamente ligada à construção de um projetopopular para o Brasil.37


via nos filmes. Uma pistola automática, por exemplo.Ou um avião. Ou um destroyer. Cujos canhõeseram pregos. A corrida bélica naquelaépoca era resolvida com muita simplicidade:quanto mais pregos numnavio de madeira, maior o poder defogo. E pregos não eram muito caros.Os modernos traficantes de armas certamentenos invejariam.Dá para comparar aqueles brinquedoscom os de agora? Não, nãodá. Eram coisas simples, toscas mesmo.Diferente era a nossa imaginação.Porque ela era muito mais mobilizada,muito mais exigida. Fico me perguntandose estes brinquedos não ajudaram a queeu me tornasse um escritor. Acho que sim.“Brinquedosatendem ànecessidade quetemos de usar aimaginaçãocomo umaforma de darvazão à fantasia”Moacyr ScliarNotem: não estou dizendo que antigamenteera melhor, uma frase que, no meumodo de ver, deveria ser abolida,porque, além de não ser verdadeira,não ajuda as pessoas emnada. Os brinquedos de hoje introduzema criança à tecnologia,e tecnologia em nosso mundo épalavra-chave.Mas a imaginação é maisimportante ainda. Imaginaçãomuda a nossa vida. Se a imaginaçãotransforma um pedaço demadeira com pregos num naviopoderosamente armado, então,seguramente estamos prontos para conquistaro mundo.Sem Terrinha aprendem e ensinamna Escola Paulo Freire 14Flautas, cirandas, capoeira, argila, música,balangandãs, pernas de pau, chocalhos.As brincadeiras da EscolaItinerante Paulo Freire, montada para o 5º CongressoNacional do MST, refletem a diversidadecultural e o afeto com as crianças, os mais de600 Sem Terrinha que são acolhidos por cercade 400 educadores e educadores de todos osestados brasileiros. A baiana Andreza Gonçalvesdos Santos, de 10 anos, abre um sorrisoenorme quando se diz sem-terra. “Quando a gentemora na cidade, não consegue o que a gentequer. Agora, tudo o que eu quero ter eu estouconquistando”, afirma.“Esperamos que a criança seja um sujeito,que tenha voz ativa na sociedade”, explicaCristina Vargas, do Setor de Educação Nacionaldo MST. Cícero da Silva Júnior, do Pernambuco,é um dos responsáveis pela brigada que cuidadas crianças de 09 e 10 anos. Na manhã de terça-feira(dia 12), ele conversou com os educandossobre o nome da escola: “Paulo Freire foi umgrande revolucionário, que trabalhava a educaçãocom o intuito de libertar a classe operária”.No processo contínuo de ensinar-aprender,Júnior conta que aprendeu novas brincadeirasde diferentes cantos do país.HistóriaEm 2007, são celebrados 10 anos de mortede Paulo Freire. O ano marca ainda os 10anos de ciranda infantil dentro do MST. E em2006 foi a Escola Itinerante que fez seu décimoaniversário. “A proposta de EscolaItinerante foi idéia dos próprios Sem Terrinha,que reivindicaram seu direito de ter uma escolaperto de casa, que acompanhasse a dinâmi-4414Matéria feita por Joana Tavares de Brasília (DF). 13/06/2007


ca de suas famílias”, contextualiza Paola Pereira,do Distrito Federal. A primeira experiência de EscolaItinerante foi no Rio Grande do Sul e atualmenteela é reconhecida em seis estados, mantendosua concepção de educação ligada à realidadedas crianças.Foi justamente essa concepção que encantouEterilda da Silva Santos, da Bahia. Noveanos atrás, ela substituiu uma professora em umacampamento. A professora voltou, Etelvina nãosaiu mais e hoje coordena uma regional do seuEstado. “A educação do MST é muito diferenciadadaquela feita nas cidades. Aqui a gente sededica, acompanha as crianças. Na cidademuitos professores dão aula só pelo dinheiro,no movimento a gente trabalha por amor”, diz.Durante o Congresso, Eterilda se juntou acozinheiros e cozinheiras dos estados para contribuirna cozinha da escola. Todos os dias, as criançasfazem um lanche pela manhã e outro pela tarde.A Escola conta também com uma equipe desaúde, composta por médico, enfermeiras e auxiliares,da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.Uma escola com princípiosEm maio deste ano, foi realizado umseminário sobre a infância e uma oficina decapacitação para 60 educadores e educadoras.Nesta oficina, depois multiplicada nosestados, foi feito um planejamento diário dasatividades, dividido por faixa etária. São setebrigadas, que contemplam as crianças de 0a 11 anos de idade.A proposta da Escola é trabalhar comas crianças os temas do 5º Congresso, comuma linguagem próxima e lúdica. Uma dasoficinas da Escola trabalha a reforma agrária,a partir da concepção dos Sem Terrinha.“É uma forma de ajudar as pessoas que nãotêm onde morar e não têm o que comer”, dizum. “É uma luta que todos nós fazemos”, completaoutro. Krisleyde Travassas, do Pernambuco,explica que a idéia é discutir temas geradores,como ocupação e reforma agrária.Estudante de pedagogia, ela começou a participardo setor há três anos e diz que mudousua percepção sobre a relação com as criançaspequenas. “A gente aprende a respeitarseu espaço, seu momento. Se tem uma palavraque aprendi nesses últimos nesses trêsanos é construção”. Mãe de uma Sem Terrinhade 3 meses, ela conta que se sente realizadacomo profissional e como mãe e que sua experiênciano setor lhe mostrou outras formasde educar sua filha 15 .A terra é o sentido da vida para os GuaraniFotógrafo mostra a força da cultura indígena naluta contra a expansão do agronegócio no MS 16Para o povo guarani, a terra é o sentidoda vida. É a mãe, a conexão como Criador, e o local sagrado. É nas“casas de reza” que fazem seus rituais, mantêma transferência da sabedoria milenar paraos mais jovens.A terra não tem função de acúmulo. Não épara ser usada para monocultura, venda do excedentee ampliação para latifúndio. Quando tiramosa terra dos Guarani, tiramos literalmente ochão dos pés deles. Ficam sem norte e sem reza.Perdem a noção do sentido de vida, se matam.15Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=369416Matéria feita por João Roberto Ripper do Rio de Janeiro (RJ). Publicada no Jornal Brasil de Fato, de 28 de abril a 4 de maiode 2005, pág 16.45


Como não acumulam, não lutam e nãoguerreiam, diversas teses tentaram decifrar a“passividade” desse povo. Mas, no Mato Grossodo Sul, a década de 90 foi uma virada de recuperaçãocultural e de retorno àterra; lideranças indígenas partirampara o confronto. O resultado foi arecuperação de muitas áreas sagradas,com vestígios de casa de reza,mas sobretudo o uso do argumentoirrefutável sobre a recuperação dealgo que, um dia, lhes pertenceu defato e permaneceu sendo espiritualmentedeles.As crianças guarani do Mato Grosso do Sulmorrem semanalmente, por desnutrição, por faltade terras. É um trabalho de limpeza étnica.Os rituaisVejamos como são os rituaisdesse povo. No alto, as estrelas parecemastros leves e sensuais, exercendoa dança da solidariedade nocéu, voluntárias em manter o equilíbrio,a beleza e a harmonia com alua, nas noites que iluminam as dançase os cânticos das aldeiasKaiowá. Cá na terra os índios cantam,dançam e brincam, até o amanhecerquando, então, se despedemdo espetáculo, como as estrelas,para que o sol seja novamente odono da festa.Mas não foi sempre assim.Há mais de 20 anos essa naçãoindígena sofria com a freqüênciacom que seus jovens guerreiros emulheres se suicidavam. Desde1986, foram registrados 310 casos de suicídio,a maioria de moças e rapazes, sem horizontesou perspectivas.Mas o retorno dos indígenas às suas antigasterras vem reduzindo drasticamente os casos.“Hoje, o Kaiowá ou luta ou morre. Ondeele conquista sua terra sagrada de volta, ele nãoA terraé a mãe,a conexãocom o Criador,e o localsagradoNo alto,as estrelasparecem astrosleves e sensuais,exercendo adança dasolidariedadeno céu,voluntáriasem mantero equilíbrio,a belezae a harmoniacom a luase mata”, resume o cacique e pajé Marcos Veron,68 anos, da Aldeia Takuára.O Mato Grosso do Sul é o Estado quepossui a segunda maior população indígena doBrasil: são cerca de 56 mil índiosdivididos entre várias etnias:Guarani Kaiowás e Nandeva,Guató, Terena, Kadiuei, Ofaié. Há200 anos, os Guarani chegaram aocupar 25% do Mato Grosso do Sul,possuindo cerca de 8,7 milhões dehectares. Atualmente, formam amaioria da população indígena,principalmente os Kaiowá, que sedistribuem por 28 pequenas áreas indígenasdemarcadas pelo governo.O processo de criação das reservas indígenasno Mato Grosso do Sul teve início no finalda década de 20, quando os Guarani começarama ser expulsos de suas terrase a ser usados como escravosem fazendas de cultivo de ervamate.O governo brasileiro, nas décadasde 30 e 40, removeu os indígenaspara oito reservas demarcadas,de pequenos espaços – cercade 1,5 hectare por pessoa. Atualmenteos índios ocupam menos deum por cento das antigas terras.Hoje, o Mato Grosso do Sul éo Estado com a maior concentraçãofundiária do Brasil. Segundo dadosdo Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE), 50 mil propriedadesrurais detêm, pelo menos, 20milhões dos 35 milhões de hectares.Segundo o Conselho IndigenistaMissionário (Cimi), existemainda cerca de quatro mil Guarani Kaiowádesaldeados nas periferias das cidades, às margensde rodovias, sobrevivendo do artesanato esubempregados em fazendas. Entretanto, sãopovos que ainda mantêm a noção do seu territóriosagrado, que se estende ao norte, até osrios Apa e Dourados, e ao sul, até a Serra deMaracaju e afluentes do Rio Jejuí 17 .4617Todos esses aspectos estão documentados nas fotos da pagina do Brasil de Fato desta matéria.


Carta da terra 18Conferência mundial dos povos indígenas sobreTerritório, meio ambiente e desenvolvimento - rio-92ApoioPrograma das Nações Unidas para o DesenvolvimentoComitê Intertribal - Memória e Ciência IndígenaHistóricoNossos antepassados sempre nos ensinarama sermos verdadeiros e corajosos, quando queremosvencer desafios e sermos respeitados. Por isso,quando a ONU decidiu realizar a RIO- 92, váriosindígenas componentes do Comitê Intertribal - 500Anos de Resistência, responsável pela articulaçãono Brasil, idealizaram e decidiram concretizar aConferência Mundial dos Povos Indígenas sobreTerritório, Meio Ambiente e Desenvolvimento.Não bastava apenas ajuntar nossos líderes,era preciso que a nossa voz fosse ouvida pelo homemmoderno, preocupado com seu futuro. Assim,rebuscando a luta de outros líderes do passadoe a iniciativa de 15 estudantes-índios que, em1980, desafiaram critérios pré-estabelecidos e criaramo primeiro movimento político no Brasil, aUNIND (União das Nações Indígenas), era precisotambém na ECO- 92 arriscar para que pudéssemoscaminhar com nossas próprias pernas.Então sete povos do Alto Xingu - MT e o povoTukano do Amazonas construíram a Kari-Oca, umtemplo para abrigar a sabedoria indígena e traduzirum verdadeiro parlamento para a Terra. Uma arquiteturae engenharia que não se aprende nas escolasurbanas, mas certamente numa longínqua aldeia naselva. Plantada como folclore, mas pra nós, um códigode vida jamais decifrado pelo homem branco.Um criminoso incêndio, porém, acabou com aKari-Oca, mas não acabou com o sonho indígena determos a terra assegurada, de viver com dignidade ede contribuir com o bem estar da humanidade, quevive graves crises sociais e ambientais. Por isso, aDeclaração da Kari-Oca e a Carta da Terra são documentoshistóricos que devem ser registrados comodocumentos oficiais pelos governos e pela sociedade.Nós consideramos assim, afinal foi inspirada na nossamagia de bem viver e na íntima relação espiritual,cultural e física com a natureza, um cotidiano quenos permitiu resistir às várias pressões de “integração”e “desenvolvimento consumista”.Marcos Terena - Coordenador Geral18Texto disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/et000018.pdfDeclaração da Aldeia Kari-OcaNós, Povos Indígenas das Américas, Ásia,África, Austrália, Europa e Pacífico, unidos em sóvoz na Aldeia Kari-Oca, expressamos a nossa gratidãocoletiva aos povos indígenas do Brasil.Inspirados por este encontro histórico, celebramosa unidade espiritual dos povos indígenascom a Terra e nossos antepassados.Continuamos construindo e formulando nossocompromisso mútuo de salvar a nossa mãe Terra.Nós, Povos Indígenas, apoiamos como nossaresponsabilidade coletiva para que nossas mentese nossas vozes continuem no futuro, a seguinteDeclaração:Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direçãoao futuro nas trilhas dos nossos antepassados.Do maior ao menor ser vivente, das quatrodireções do ar, da água, da terra e das montanhas,o Criador colocou a nós, povos indígenas,em nossa terra, que é nossa mãe. As pegadas denossos antepassados estão permanentemente gravadasnas terras de nossos povos. Nós, Povos Indígenas,mantemos nossos direitos inerentes àautodeterminação. Sempre tivemos o direito dedecidir as nossas próprias formas de governo, deusar nossas próprias leis, de criar e educar nossosfilhos, direito a nossa própria identidade culturalsem interferências. Continuamos mantendo nossosdireitos inalienáveis as nossas terras e territórios,e a todos os nossos recursos do solo e dosubsolo, e das nossas águas.Afirmamos nossa contínua responsabilidadede passar todos esses direitos às gerações futuras.Não podemos ser desalojados de nossas terras.Nós, Povos Indígenas, estamos unidos pelo círculoda vida em nossas terras e nosso meio ambiente.Nós, Povos Indígenas, caminhamos em direçãoao futuro, nas trilhas dos nossos antepassados!(Assinado na Aldeia Kari-Oca, Brasil,em 30 de maio de 1992)47


48Carta da terra - Alguns destaques:[...]15. Os governos não devem obrigar-nos a aceitarmudanças de localização de nossas populações.16. Devemos manter nosso direito às formas tradicionaisde nossas vidas.[...]18. Devemos manter nosso direito de não sermospressionados pelas multinacionais, sobre nossasvidas e nossas terras. Todas as incorporaçõesque violarem nossas terras nativas devemser denunciadas às representações daONU a nível internacional.[...]31. Os Povos Indígenas foram colocados pelo Criadorna Mãe Terra. Nós pertencemos à Terra,não podemos ser separados de nossas terrase de nossos territórios.32. Os nossos territórios sempre viveram total eem permanente relação vital, seres humanose natureza. Estar neles representa o desenvolvimentode nossas culturas. Nossa propriedadeterritorial deve ser inalienável.33. Os direitos inalienáveis dos Povos Indígenassobre a Terra e os recursos existentes reafirmama necessidade de termos assegurado suaposse e sua administração feitas por nós mesmos,e isso deve ser respeitado.34. Ratificamos nossos direitos à demarcação denossos territórios tradicionais. A definição de“território” deve incluir o espaço (o ar), a terrae as águas, como tradição especial indígena.35. Onde os territórios indígenas tenham sido degradadosdeve-se facilitar recursos para restaurálos.A recuperação desses territórios é um deverdos estados nacionais que não pode tardar.Dentro deste processo de recuperação, a compensaçãoda dívida histórica ecológica deve ser levadaem conta. Os estados nacionais devem revisar em profundidadesuas políticas agrárias, minerais e florestais.[...]38. Se um governo não indígena, indivíduos oucorporações obrigarem o uso de nossas terras,deve ser estabelecido um acordo formal eas condições. Nós, os Povos Indígenas, devemoster a segurança de uso de nossas terraspara o bem comum e a compensação paranossas populações.39. As fronteiras tradicionais de nossos territórios,incluindo as águas, devem ser respeitadas.[...]42. Os povos indígenas não devem ser expulsos desuas terras para dá-las aos colonizadores oupara outras formas de atividade econômica.[...]58. As florestas têm sido destruídas em nome do“desenvolvimento econômico”, ocasionando adestruição do equilíbrio ecológico. Essas atividadesnão beneficiam o ser humano, os animaisdo campo, das águas e do mar. Recomendamosque as concessões e os incentivos àsmadeireiras, mineradores e garimpeiros sejamevitados pois nossa experiência prevê agressãoao meio ambiente e aos recursos naturais.[...]61. Os povos indígenas devem ser consultadospara quaisquer trabalhos e projetos em seusterritórios. Antes do consentimento ser obtido,as pessoas indígenas devem estar totalmenteenvolvidas nas decisões. A eles devem ser dadastodas as informações a respeito do projetoe seus efeitos. Do contrário, será consideradoum crime contra os Povos Indígenas. A pessoaou as pessoas que violarem isto devemser julgadas em um tribunal mundial com ocontrole das pessoas indígenas designadaspara esse propósito, que pode ser similar aosjulgamentos feitos depois da Segunda GuerraMundial contra crimes à humanidade.[...]64. Qualquer estratégia de desenvolvimento devepriorizar a eliminação da pobreza, a garantia relativaao clima, a administração sustentável dosrecursos naturais, a continuidade das sociedadesdemocráticas e o respeito às diferenças culturais.[...]67. Reconhecendo a relação harmônica que existeentre os povos indígenas e a natureza, osmodelos de desenvolvimento ambiental e valoresculturais devem ser respeitados como distintase vitais fontes de sabedoria.[...]78. Há diferentes formas de desenvolvimento,como a construção de estradas, comunicações,eletricidade, que facilitam acesso às terrasdos Povos Indígenas. Essa industrializaçãotem efeitos destrutivos sobre nossos povos.


Violência e destruição na prisão de atingidosUma criança de sete anosé levada presa com o pai 19Aprisão de cinco agricultores atingidospor barragem foi marcada por violênciae destruição. A prisão ilegal ocorreuno sábado dia 12-03 por volta das 08:00 horas.Nenhum dos agricultores foi informado do motivode sua prisão.A polícia militar de Santa Catarina montouverdadeira operação de guerra, com 10 viaturase policiais fortemente armados para prenderos cinco agricultores, desarmados, que estavamem suas casas com a mulher e filhos, e algunsaté na lavoura.Edio Grasse, de Celso Ramos, encontrava-sena lavoura com seu filho de 07 anosquando o batalhão chegou. Teve sua casa revistadae seu carro foi apreendido sob a acusaçãode que com ele seriam transportadosagricultores para as mobilizações do <strong>MAB</strong>. Acriança de sete anos foi levada presa juntocom seu pai até a delegacia de Campos Novos.O carro, que foi quebrado pelos policiaisdurante o deslocamento, foi abandonadonuma estrada do interior. A família de Edioficou isolada porque o carro era o único meiode transporte e moram numa localidade distante,onde não há ônibus.Leodato Vicente, 70 anos, de CamposNovos, estava saindo com seu caminhãoboiadeiro para buscar uma vaca, quando obatalhão chegou e revistou sua casa, causandodesordem e estragos, arrombando portase objetos. Os policiais perguntaram se ele iatransportar gente do <strong>MAB</strong> nas mobilizaçõesde 14 março e o levaram preso depois deaprender o caminhão. Sua mulher Maria deLurdes presenciou tudo.Aurélio Dutra, de Anita Garibaldi, que apoucos dias acertou sua indenização com aENERCAN sob a promessa de que não seriamais incomodado pela empresa também foi preso.Não bastasse a seca que penaliza os agricultoresAurélio poderá ficar sem crédito paraplantar a próxima safra pois necessitava ir noBanco do Brasil amanhã (15/03) para solicitaruma vistoria do PRONAF.Carlos da Silva, trabalhador rural em CamposNovos foi preso no sítio Pinheiro Seco e algemado.Quando perguntou qual seria o motivo daprisão foi agredido com socos no estômago. Ospoliciais aprenderam paus que são usados na lidacom o gado e perguntavam “Vão se manifestaragora vagabundedo?”. Carlos pediu para trocarde roupa e foi novamente agredido com socos nacabeça e empurrado para dentro de uma Kombi,tendo ficado só com a roupa de corpo e um parde chinelo de dedos.Dorneles Vicente, de Anita Garibaldi, foipreso em sua casa, enquanto sua filha ainda estavadormindo.A Policia também recolheu o ônibus que fazo transporte escolar no município de Abdon Batista,sob a justificativa que seria usado para transportaragricultores que iriam na mobilização. Nodia de hoje as crianças não puderam ir a escolapor falta do ônibus.Os presos foram transferidos para o presídiode Joaçaba, a 120 Km de Anita Garibaldi,onde seus familiares não têm condições de ir visitálose nem lhes levar roupas. Além dos presos, háuma lista de mais 05 companheiros agricultorescom mandato de prisão, são eles: (Otacílio daRosa, João Vilmar, Joldemir De Nez, Gilberto dosSantos e Danilo Olterbak).19Texto disponível em http://www.movimientos.org/cloc/show_text.php3?key=424649


Educação:exercício de viverAroldo Magno de Oliveira 20O ícone na foto dos dois meninos – vejam osseus olhos - é este momento mágico que nospersegue, que entra sem pedir licença em nossatrilha, movendo a nossa curiosidade e a nossaousadia de querer exercitar a vida. Esse exercícioque faz do homem companheiro do homem,que nutre a utopia de um tempo emque o homem solidário seja, pelos menos, menossó, e que a terra, a água, o ar e toda aenergia da mãe-natureza sejam para o bem detodos nós, revertendo o processo histórico deapropriação ilegal daquilo que é para a dignasobrevivência de todos os seres humanos.Este título pode parecer simplório, masvejamos se realmente é. A nossa basede reflexão está no ícone acima: doismeninos em uma sala de aula com papel e lápis.Olhares de expectativa ante a câmera fotográfica,aguardando o clique que dá por encerrado otrabalho do fotógrafo.Sala de aula, momento do viver, aprendizagemdo ler e escrever. Exercício psicomotor dedesenhar letras, sílabas, palavras, frases e textos.Textos, início, meio e fim do processo pedagógico.Todos nós interagimos através da ininterruptaprodução de textos: orais e escritos. São eles quedinamizam a vida, a engrenagem insubstituível naatribuição de sentidos nos processos interlocutivos.Aquele que fala quer ser ouvido, sobretudocompreendido. Todo o seu esforço na formulaçãodas frases e textos concentra-se no desejo de fazero melhor possível para o outro. E o outro: viceversa.A vida acontecendo, de fato.As condições de produção dos textos, emfunção dos contextos sócio-políticos específicos,determinam/orientam o trabalho dos sujeitos coma linguagem na produção dos discursos. Dessaforma, o ato de ler e escrever, em uma escolaalternativa, ganha outro contorno. Ler e escreverjá não são só para ter acesso ao saber universal,mas para saber fazer. Saber fazer implica conheceras condições de produção dos textos, as condiçõesde vida de uma comunidade e as condiçõesque queremos viver.Nesse sentido, ler e escrever são ações queultrapassam os limites do conceito tradicional dealfabetização. Ler e escrever se caracterizamcomo ações integradoras – de integridade - etransformadoras. A primeira, responsável pelaformação mais integral do homem e a segunda,responsável pela ativação articulada da açãotransformadora avaliada como necessária parao bem viver de todos.Parece estar aí a importante distinção entrea escola do sistema formal/oficial de ensinoe a escola alternativa: aquela domestica e estaemancipa. Domesticar significa entender o alfabetizarpara ter acesso ao saber universal, enquantoemancipar significa entender o alfabetizarpara além do saber universal, significa entendero indivíduo como sujeito histórico, sujeitodo saber fazer. Saber fazer o possível paracriar as condições para uma vida mais bonitapara todos. Instrumentalizado o sujeito para oenfrentamento digno contra as adversidades, econtra eventuais grupos humanos que entendema vida de forma banalizada/banalizadora.Educação: exercício de viver. A palavraexercício inscreve-se no campo semântico deação, ação ininterrupta até a morte: final do viver.Portanto, educação, na perspectiva aqui sinteticamenteesboçada, é uma ação integradora– de integridade - e transformadora que só seinterrompe no indivíduo na hora de sua morte.Reafirmação da vida.20Docente da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e pesquisador em Linguagem, Educação, Ideologia e Mídia.53


Educação popular: alguns apontamentosSônia Fátima Schwendler 21Escrever sobre a Educação Popular nosleva a refletir sobre as práticas educativase políticas, enquanto sujeitos, enquantoclasse social, movimento organizado, intelectuaisorgânicos.A Educação Popular é um processo de formaçãoe capacitação na perspectiva do compromissocom as classes populares. Este processocontínuo, sistemático e intencional de formação,implica em momentos de reflexão e estudo sobrea prática sistematizada, com elementos de interpretaçãoe informação que permitem levar a novosníveis de compreensão da prática social. Implicatambém na ação transformadora, do contextoe dos sujeitos nele envolvidos.Para Brandão (2002), a que damos o nomede educação popular, é o processo do gesto pedagógico,de escolha de falar com eles, entre eles e arespeito deles. De dirigir a eles de uma maneirapreferencial a fala de um ofício.“A educação popular não é tanto umateoria ou um método restrito de trabalhopedagógico atrelado a uma tendênciaideológica única a respeito da pessoahumana, da sociedade, da educação.Ela é o imaginário e a vocaçãomúltipla de uma ou de algumas vocaçõesde escolhas. Escolhas de sujeitos,de modos de interação, de sentidos ede significados dados a destinos humanosatravés do saber. Escolhas, queuma vez estabelecidas, podem ser pensadasdentro de mais de uma teoria epodem ser realizadas por meio de maisdo que um único método”. (Brandão,2002, p. 41)A educação popular lida com “rostos quetornam o seu rosto, entre tantos outros, popular”.A educação popular constitui-se num estilo deeducação, com compromisso de teor político realizadoatravés de um trabalho cultural com sujeitos,compreendidos como protagonistas emergentesde um processo. Ao escolher ir aos que ficaramà margem, ao convocá-los ao circulo do diálogoo educador aprende a viver a sua realidade(Brandão, 2002).O processo educativo popular busca, atravésde uma metodologia dialética, articular conteúdoe forma, com a finalidade de gerar açõestransformadoras. A metodologia da EducaçãoPopular nos permite ter como ponto de partida oque o grupo faz, vive e sente. Neste processo, aprática educativa precisa estar baseada numa relaçãodialógica, que respeite a compreensão demundo, a cultura do povo, seu saber de experiênciafeito, como nos diz o grande mestre da Pedagogiado Oprimido.“Como educador preciso ir ‘lendo’ cadavez melhor a leitura do mundo que osgrupos populares com quem trabalhofazem de seu contexto imediato e domaior de que o seu é parte. O que querodizer é o seguinte: não posso de maneiraalguma, nas minhas relações político-pedagógicascom os grupos populares ,desconsiderar seu saber de experiênciafeito. Sua explicação do mundo de quefaz parte a compreensão de sua própriapresença no mundo. E isso tudo vemexplicitado ou sugerido ou escondido noque chamo ‘leitura do mundo’ que precedea ‘leitura da palavra’.Se, de um lado, não posso me adaptarou me ‘converter’ ao saber ingênuo dosgrupos populares, de outro, não posso,se realmente progressista, impor-lhes arrogantementeo meu saber como verdadeiro.O diálogo em que se vai desafiandoo grupo popular a pensar sua históriasocial como experiência igualmente socialde seus membros vai revelando a necessidadede superar certos saberes que,desnudados, vão mostrando sua ‘incompetência’para explicar os fatos” (Freire,1996, p. 90-1).5421Pedagoga e professora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná. Mestre emExtensão Rural. Desenvolve atividades de Pesquisa e Extensão junto aos Movimentos Sociais. Atuou na coordenação e naassessoria do Projeto de Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária na região Sul do Paraná: alfabetização,escolarização e capacitação, vinculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera. Coordenou a Educação doCampo na Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o Curso de Especialização em Educação do Campo pela UFPR.


Na pratica educativa da Educação Popular,tomar como refêrencia de uma reflexão maissistemática o saber de experiência feito, implicaem situar o cotidiano, o imediato, o individual eparcial dentro do social, do histórico e estrutural,na perspectiva de uma visão totalizadora da realidade.Este processo dialético, que busca entendercada acontecimento em sua articulação coma totalidade social em um momento histórico concreto,se completa com o regresso da prática paratransformá-la. O regresso à prática se constituinum novo ponto de partida.Freire (1987), compreende que somentena unidade dialética entre ação e reflexão, prática-teoria-prãtica,é que se pode superar o caráteralienador das práticas sociais. Os oprimidos,no ‘contexto concreto’, imersos na sua experiênciacotidiana, tomam consciência de suacondição de oprimidos, mas não, da razão deser de sua própria condição de opressão. Esta éuma das tarefas centrais da reflexão teórica,onde tomando distância do concreto vivido, problematizando-o,torna-se possível superar o sensocomum, pelo senso crítico, compreendendoa razão de ser dos fatos. Contudo, estedesvelamento da realidade, somente tem sentido,se estiver orientado numa ação política sobrea mesma, no sentido de modificá-la, sem aqual os homens e mulheres nela inseridos nãopodem alcançar a sua humanização.Neste sentido, se coloca como fundamentalum projeto de formação humana que articule diferentespraticas educativas em torno de um projetoeducativo que radicalize a formação de sujeitospara a práxis revolucionária. No processo daEducação Popular o fundamental não é compreendercomo podemos educar, conscientizar ehumanizar os oprimidos, mas sim entender comoeles se educam, se humanizam, aprendem, se formamcomo sujeitos políticos, sociais, culturais,cognitivos na situação desumanizadora, bemcomo na luta pela humanização.Neste processo, na ação cultural para alibertação, numa opção revolucionária, o diálogocom o povo não pode ser uma formalidade,mas sim uma condição indispensável ao atode conhecer, ao ato de transformar, ao processode conscientização. Freire destaca que adialetização da denúncia e do anúncio requerum compromisso, uma coerência teórico-práticodas lideranças revolucionárias que, segundoele, não podem:“a) denunciar a realidade sem conhecê-la.b) anunciar a nova realidade sem ter um préprojetoque, emergindo na denúncia, somentese viabiliza na prática.c) conhecer a realidade distante dos fatos concretos,fontes de seu conhecimento.d) denunciar e anunciar sozinha.e) não confiar nas massas populares, renunciandoà sua comunhão com elas.” (Freire, 1982, p.78).Nesta perspectiva, a Educação popular devepossibilitar por um lado, uma prática autônoma, oque implica que as organizações populares fomentem,organizem, propiciem para si novas formasde educação, articuladas as suas lutas específicase promovidas pelos seus intelectuais orgânicos e,por outro, contribuir para a elaboração de um sabersocial que emane das próprias classes, a partirda prática política, organizativa e produtiva, sejasignificativo para elas, capacitando-as para o exercícioda tarefa organizativa e dirigente.Segundo Freire (1991), a educação enquantodiretiva e política deve sempre “possibilitar nasclasses populares o desenvolvimento de sua linguagem,jamais pelo blábláblá autoritário e sectáriodos ‘educadores’, de sua linguagem, que emergindoda e voltando-se sobre sua realidade, perfile asconjecturas, os desenhos, as antecipações do mundonovo.”(p.41). Neste sentido, o diálogo implicano respeito entre os sujeitos nele envolvidos. “Nãopenso autenticamente se os outros também nãopensam (...) não posso pensar pelos outros nempara os outros nem sem os outros” (p.117).A Educação Popular portanto, se constituinuma pratica política e educativa, numa concepçãode mundo, de ser humano, de educação. Ela é fundamento,método, é ação cultural para a libertação.Atuar como educador da Educação Popular, implicaem compromisso político, em prática social orgânicae libertadora. Este é um grande desafio!Referências Bibliográficas:BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popularna escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade eoutros escritos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.___. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1987.___. Pedagogia da Esperança: um reencontro com apedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.___. Pedagogia da Autonomia: saberes necessáriosà prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.55


Os atingidos por barragensconstruindo luta e valores coletivosEm sua história de mais de 15 anos, o<strong>MAB</strong> vem buscando fortalecer a luta emfavor de um mundo menos desigual emenos injusto. Para tanto, sua frente de lutas insere-sena história dos movimentos sociais que, organicamente,vem questionando os modelos e processosde desenvolvimento baseados na manutençãode privilégios, concentração de renda e poder.Contrapondo-se aos interesses hegemônicosdo capital nacional e internacional, o <strong>MAB</strong> assu-me suas lutas específicas nos setores energético edo controle das águas.São lutas históricas que buscam articularnecessidades e direitos dos atingidos frente às organizaçõesque defendem interesses predominantementemercadológicos, como as políticas deEstado neoliberais e os conglomerados empresariaisnacionais e transnacionais. Entre as lutas permanentesdo <strong>MAB</strong> encontram-se: construção de política energética baseada em fontes alternativas e deacesso a todos, controlada pelo Estado a serviço do povo; luta pelo respeito e garantia dos Direitos dos atingidos; luta contra a privatização da água e o modelo capitalista neoliberal; construção de modelo socialista para o Brasil.dindo os rumos da vida coletiva. (Trindade (org.),2005, p. 13)”. A vivência e a construção cotidianada luta dos povos atingidos por barragens exigiudo Movimento a disseminação de valores coletivos(Trindade (org.), 2005, p. 19) como:São lutas que se fortalecem na medida emque os sujeitos são envolvidos em um “permanenteprocesso de formação e mobilização onde os atingidosvão compreendendo a realidade, tomandoconsciência de sua situação, participando e decia)Alegria, auto-estima, esperança;b) Fé, paixão e amor pelo povo oprimido e pela causa popular;c) Solidariedade em todo momento;d) Indignação e rebeldia contra qualquer injustiça;e) Coragem alimentada por convicções;f) Humildade, simplicidade e coerência, sem arrogância, submissão ou ingenuidade;g) Honestidade, verdade, transparência, compromisso e responsabilidade;h) Respeito a todo ser humano, sem discriminação ou preconceito;i) Disciplina consciente e voluntária;j) Capacidade de trabalho em equipe;k) Companheirismo mais forte que os laços de sangue;l) Disposição e espírito de sacrifício.56


O <strong>MAB</strong> e a Educação do Campo 22Aeducação no <strong>MAB</strong> está vinculada aosacúmulos, lutas e desafios do projetoda educação do campo no Brasil.Busca se orientar no movimento da ArticulaçãoNacional Por Uma Educação do Campo 23 que,desde 1998, vem associando a educação docampo ao projeto de desenvolvimento do campo,aprofundando o debate político da realidade,das diretrizes e perspectivas da educaçãodo campo e, principalmente contribuindo paraque esta se torne uma política pública coerentecom a vida, a luta, a identidade, o trabalho, acultura e a história dos camponeses no Brasil,sem perder de vista as interfaces campo e cidade,particularmente do projeto de desenvolvimentopara a Nação brasileira.Primeiramente se faz necessário trazer presenteos objetivos a que se propõe a ArticulaçãoNacional Por Uma Educação do Campo(1999 p. 78):Mobilizar o povo que vive no campo,com suas diferentes identidades,e suas organizações para conquista/construçãode políticas públicasna área de educação e, prioritariamente,da escolarização emtodos os níveis;Contribuir na reflexão político-pedagógicada educação do campo,partindo das práticas já existentese projetando novas ações educativasque ajudem na formação desujeitos do campo.A luta por uma educação do campo surgeno contexto da luta pelo reconhecimento docampo como espaço de vida, moradia e trabalho,bem como pela justiça e humanização dospovos que lá vivem, moram e trabalham, oscamponeses. Campo, nas palavras de Fernandese Molina (2004, p. 68), como “um espaço quetem suas particularidades e que é ao mesmotempo um campo de possibilidades da relaçãodos seres humanos com a produção das condiçõesda existência social”, não como um espaçodo atraso, da morada do jeca tatu, da desigualdadee da opressão, da exclusão do direitoà educação e à cultura letrada a que historicamenteforam submetidos os camponeses ao longodo processo histórico.Essa realidade exige mudanças sociais debase, necessárias e urgentes para o desenvolvimentonão apenas do campo, mas da sociedadebrasileira.Talvez a educação do camposeja a maior contribuiçãoque os movimentos sociaise organizações popularestenham dado à reorientaçãodo projeto da educação brasileira,pensando e praticando uma educaçãovinculada à realidade, à história,à identidade, à culturae ao trabalho dos camponeses.Educação aqui entendida não apenascomo aquela desenvolvida na escola (espaçoformal), mas aquela gerada no próprio movimentoda sociedade, na família, na igreja, naescola, na comunidade, no trabalho e nos grupossociais, sobretudo na organização intencionalmentedirigida e travada pelos movimentossociais populares que resistem e protagonizama luta pela humanização dos povos docampo e da cidade.No momento em que os camponeses passama participar dos movimentos organizados,independente dos motivos que os levem a isso,estão inseridos em processos de educação, poispassam a compreender a sua situação de vida e arealidade maior, a praticar os valores coletivos ea intervir na mudança da sociedade.É necessário que, a partir das lutas, se consigaressignificar os espaços existentes e criar espaçosde estudo, reflexão e debate que resultemem novas experiências, conhecimentos, relaçõese movimentos, cada vez mais humanizados e politicamentequalificados.[...]22<strong>Caderno</strong> Pedagógico do <strong>MAB</strong>, 2005, p: 26-3123Para maior conhecimento sobre a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo consultar os cinco cadernos dacoleção Por Uma Educação do Campo, organizados e editados a partir de 1999, pela própria Articulação Nacional.57


Embora concebida na lei como um direitosocial, a educação ainda é excludente, classista,a favor das elites, seletiva, promotora da alienação,pedagogicamente tradicional, desvinculadadas necessidades e interesses das classes populares,particularmente do desenvolvimento daspotencialidades intelectuais, físicas, emocionais,éticas, estéticas, políticas, culturais e sociais dosseres humanos. No campo, a questão se agrava,porque as elites negligenciaram e inviabilizaramum projeto de desenvolvimento específico para ospovos que lá vivem, moram, estudam e trabalham,implantando políticas neoliberais 24 .Repensar esta forma de se conceber e fazera educação, é tão necessário quanto urgente. Assimcomo coloca Trindade (2002, p. 107-108), ocaminho a ser empreendido pelas classes popularespara a superação da opressão-exclusão docapitalismo passa, necessariamente pela educação.Enquanto o capitalismo avança desfazendoa identidade das classes populares e fragmentandoa sua consciência, na educação encontra-se apossibilidade concreta da libertação e da emancipaçãodessas classes. Fica evidente, então, quea sociedade e a educação socialista têm sua gênesenas contradições da sociedade e da educaçãocapitalista.A educação do <strong>MAB</strong>:intenções políticas e pedagógicasA educação deve se colocar a favor das classespopulares, “uma educação que se propõe atransformar as mentalidades, as consciências, atitudese, conseqüentemente a estrutura que sustentaa velha sociedade” (Torres, 1988, p.68), canalizandoesforços, idéias e ações para a libertaçãodos camponeses, para o fortalecimento dosmovimentos sociais do campo e para o desenvolvimentodo campo.No atual momento histórico, mais do quesimplesmente ensinar a ler e escrever, é precisoarticular, pedagógica e politicamente, a educaçãodas crianças, a alfabetização/escolarizaçãodos jovens e adultos e a formação doseducadores à construção da consciência declasse, ou seja, a educação deve estar vinculadaà vida, à cultura, à realidade, à história, aotrabalho e às relações com a natureza e a comunidade.Neste sentido, cabe reconhecer aimportância dos atingidos, sejam adultos, jovensou crianças, elevarem seus níveis de compreensãoda realidade, não apenas pelamobilização, mas também pelo acesso ao conhecimento,à informação e à cultura universal.A problematização das próprias experiênciase relações e à assimilação crítica do conhecimento,poderão potencializar ainda maisa identidade e a consciência dos atingidos,fortalecendo a história de luta e organizaçãodo <strong>MAB</strong>, o sentimento de pertença a esse gruposocial e à Nação brasileira.Povo que conhece a sua história é povo queluta pela sua identidade, memória e cultura, conscientedo projeto de sociedade que cotidianamentese vem construindo na e pelas lutas organizadas.Por isso, os atingidos têm o direito de acessar oconhecimento universal acumulado pela humanidade,capacitando-se à leitura, à compreensão eao enfrentamento da realidade atual.5824Os governos neoliberais implementaram a política da nucleação das escolas do campo, as chamadas escolas pólos, ondecrianças e jovens são retirados das suas comunidades, transportadas para as cidades e submetidos a currículos alheios àvida do campo, perdendo vínculos sociais e culturais com a sua gente e o seu contexto.


Em Tucuruí, atingidos por barragensocupam obra de eclusa novamente 25Após dois meses da primeira ocupação,cerca de 300 pescadores e ribeirinhosvoltaram a ocupar o canteiro de obrasde uma das eclusas da hidrelétrica de Tucuruí. Aocupação ocorreu na madrugada de ontem, dia4. O objetivo da ocupação é impedir a continuaçãoda obra.“Resolvemos voltar ao local e impedir a continuaçãoda obra até que nossa pauta seja atendidapelos órgãos responsáveis, como nos foi prometidoanteriormente”, explicou Euvanice Furtado,da coordenação estadual do Movimento dosAtingidos por Barragens (<strong>MAB</strong>) no Pará.Na segunda-feira estava marcada uma assembléiapopular com a participação de representantesda empresa Centrais Elétricas do Norte doBrasil (Eletronorte), do Ministério Público e doInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Ibama), mas ninguémcompareceu. Além disso, a indenização dospescadores que perderam seu meio de sustentonão foi concedida até agora e as casas que estãosendo construídas para substituir as que foramatingidas pela obra são muito pequenas. “As famíliassão grandes e precisam de casas com nomínimo três quartos”, justifica Euvanice Furtado.Desde a primeira ocupação, aconteceramduas reuniões com a Eletronorte e Secretaria Especialde Aqüicultura e Pesca (SEAP), mas até agoraa única providência tomada foi a entrega de cestasbásicas para os pescadores até fevereiro.O contrato assinado para a construção daseclusas entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), Eletronorte e oConsórcio Camargo Corrêa tem valor de R$ 440milhões. As duas eclusas, ligadas por um canalintermediário, com 5,5 quilômetros de extensão,irão possibilitar a navegabilidade no RioTocantins, facilitando o escoamento de grãos eminérios de ferro para a exportação.Legado de Exclusão Social 26Arecente liberação prévia pelo InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente e RecursosHídricos (Ibama) para a construçãode duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira,região Norte do país, está gerando polêmica.Até mesmo setores do governo federal estão divididossobre o tema. Entre os movimentos sociais,Gilberto Cervinski, da direção nacional doMovimento dos Atingidos por Barragens (<strong>MAB</strong>),alerta para as conseqüências da construção dasusinas para as populações.De acordo com Cervinski, as obras irão beneficiarprincipalmente indústrias transnacionaisque requerem uma grande quantidade de energia,caso da metalúrgica Alcoa, e não trarão nenhumbenefício para a população local - inclusive afetandoum número de famílias muito maior do que oque está sendo divulgado pelos estudos realizados.Qual é a realidade por trás das obrasdas hidrelétricas no rio Madeira?As hidrelétricas foram planejadas com oúnico interesse de atender as demandas por energiade multinacionais dos Estados Unidos e daEuropa - em especial, as chamadas empresaseletro-intensivas, caso da norte-americana Alcoa.Atende também ao interesse das brasileiras Valedo Rio Doce e Votorantim, que também consomemmuita energia; esta última, por exemplo, consome4% de toda a energia disponível no Brasil.25Matéria de 05/12/2007. Fonte: Assessoria de Comunicação do <strong>MAB</strong>(disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4607, acessado em 18/05/2008).26Matéria de 11/07/2007, por Mateus Alves. Correio da Cidadania61


62No caso das transnacionais, estas sofremcom a crise energética em seus países e precisam,portanto, transferir suas indústrias para cá.Necessitam de energia barata para se viabilizar.Uma indústria de alumínio, por exemplo, só seviabiliza se paga menos de 34 dólares - ou menosde 70 reais - por megawatt/hora (MW/h). AAlcoa recebe da usina de Tucuruí, que é do governo,energia a 20 dólares o MW/h, enquanto opovo brasileiro paga mais de 200 dólares porMW/h. Isso é dez vezes mais.Qual será o impacto social eambiental das obras na região?Um estudo publicado diz que serãodeslocadas 1.800 pessoas, mas de acordo comnossas estimativas cerca de 5 mil famílias serãoprejudicadas em toda a extensão de 260 quilômetrosdo rio afetada pelas obras.As obras vão deixar um legado de muitaexclusão social e muito pouco emprego, poisestas indústrias eletro-intensivas não os geram.São empresas de alta tecnologia, automatizadas.As pessoas da região serão expulsas, perderãosua fonte de renda e podem ter comodestino as favelas.O investimento é, na realidade, uma loucura.As duas hidrelétricas que obtiveram olicenciamento fazem parte de um conjunto de obrasdo chamado “Complexo do rio Madeira”, que irácustar cerca de 43 bilhões de reais - dinheiro quesairá do BNDES para as mãos de quatro ou cincoempresas transnacionais.A população de Rondônia é de 1,5 milhãode habitantes. Serão investidos no projeto, portanto,28 mil reais por habitante - ou seja, é uminvestimento muito alto para algo que não temnada a ver com as necessidades da populaçãolocal, que não vai trazer progresso. Quantas casas,quantos hospitais, quantas escolas poderiamser construídas com esse montante? Quantas famíliaspoderiam ser assentadas?Os problemas ambientais também sãograves, como por exemplo a possibilidade decontaminação pelo mercúrio que será utilizadonas indústrias. Com a liberação, há um documentocondicionante, mas qual a garantiaque esse documento trará? Está escrito que asempresas precisam resolver problemas em relaçãoao meio ambiente, mas o que ocorreráse não resolverem?O que você acredita que está por trásda decisão de liberar as obras?O que está por trás é que o governo jogouno lixo sua história de vinte anos. O que estãofazendo é atender aos interesses dos grupos que,de fato, mandam no governo: o capital internacionale grupos financeiros. Teremos que esperar ahistória mostrar qual será o resultado dos investimentosque estão sendo feitos.Outra coisa é que o Brasil tem um dos maiorespotenciais de produção de energia elétricaatravés de barragens do mundo, e a Amazôniaconcentra 50% desse potencial. São 110 mil MW/h de potência na região. A liberação da construçãodas usinas significa liberar as obras em todosos rios que possuem esse potencial; por isso essademonstração, essa sinalização de que as multinacionaispodem se instalar na região pois o governogarantirá novas liberações.Você considera que tais projetos deobras cujos benefícios só servirão apoucos são o eixo principal do PAC?Com certeza. Dizemos que PAC significa “programade afogamento dos camponeses”, pois grandeparte de seus investimentos não são para o povo esim para a energia que será consumida pelos paísescentrais. Como há uma crise de energia no mundo, eessa energia tem como base o petróleo, o PAC atendea esse interesse de buscar novas fontes energéticas.As grandes obras do programa servem paracriar infra-estrutura e gerar energia para essas empresasmultinacionais que sofrem com a criseenergética e, ao mesmo tempo, fazer a transferênciado dinheiro do povo do brasileiro a grupos doexterior. Para se ter uma idéia, as duas hidrelétricasdo rio Madeira vão gerar um faturamento de500 mil reais por hora para a empresa que ganhara licitação - por isso, inclusive, está previstoo fechamento das minas de ouro que existem naregião pelo lago artificial que será criado. A produçãode energia vale mais do que ouro.Como será a agenda do <strong>MAB</strong>nestes próximos meses? Qual seráa principal pauta do movimento?Nosso principal compromisso é enfrentar osprojetos que não interessam ao povo. Um exemplomuito bom para nós foi a ocupação em Cabrobócontra a transposição do rio São Francisco.


Em setembro nos concentraremos na realizaçãodo plebiscito sobre o leilão da Vale do RioDoce. Ele abordará também a questão das tarifasde energia no país e o nosso modelo energético.Em relação a questões mais imediatas, tenhoa confiança de que o povo não irá aceitar aliberação da construção das usinas no rio Madeira.Haverá certamente uma reação.Mobilização é reprimidacom violência na Colômbia 27Na Colômbia, as mobilizações de povosindígenas e camponeses, queocorrem desde 15 de maio, estão sendofortemente reprimidas pela força pública nacional.A violência contra os atos, que acontecemnos estados de Cauca, Nariño, Valle e Meta,teve como resultado mais de 100 pessoas feridas,30 desaparecidos e o assassinato do líderindígena Pedro Coscue.Os manifestantes protestam contra a assinaturado Tratado de Livre Comércio, a reeleiçãodo atual presidente Álvaro Uribe e emdefesa da soberania nacional. Eles estão reunidosem uma Cúpula Itinerante discutindo as necessidades,demandas e propostas para um desenvolvimentosoberano e alternativo aoneoliberalismo, que foram construídas coletivamentedurante muitos anos.Para dissolver as mobilizações, os militaresutilizam a via aérea, lançando gases lacrimogêneose aterrorizando a população. Asautoridades civis do país justificam o uso daforça por uma suposta infiltração da guerrilha,o que comprova o total desconhecimento dagrave situação social que vivem milhares decamponeses, indígenas e afro-descendentes.Estas populações estão ainda mais ameaçadasdiante da assinatura do Tratado de Livre Comércioentre a Colômbia e os Estados Unidos,o que deixaria os povos colombianos sem nenhumtipo de proteção na economia, no territórioe no modo de vida.Estes povos se organizaram diversas vezespara expressar o rechaço à assinatura doTLC e não foram atendidos pelo atual governo,sem vontade de dialogar com os setores populares.Diante disso, a Associação Nacionalde Usuários Camponeses Unidade e Reconstrução(ANUCUR) exige que as autoridades civise militares: Respeitem o direito constitucional de livre expressão e mobilização; Cessem a brutal repressão realizada pela força pública; Garantam a vida e a segurança de maneira integral às comunidades que se mobilizamnas diferentes regiões nesta Cúpula Social; Instalem uma mesa de diálogo entre autoridades competentes e representantes dascomunidades; Atendam às demandas do população mobilizada;Convocamos as organizações sociais e de direitoshumanos nacionais e internacionais a se pronunciar,denunciar e acompanhar esta mobilizaçãodos povos camponeses, indígenas e afrodescendentespor uma vida digna, em defesa de seus territórios,cultura, autonomia e soberania nacional.27Matéria de 18/05/2006. Fonte ANUCUR/ Minga Informativa (disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=1160)63


Ato em memória de Galdinolembra lideranças que morreramna luta pela terra 28Pataxó Hã Hã Hãe,povo ao qual pertencia Galdino,aguarda há 24 anosdecisão do STF sobre suas terras.Manifestação lembrou os 257 indígenasque foram assassinados desde 1997.A violência contra os indígenase a criminalização de suas liderançasforam algumas das questões debatidasnas atividades que antecederamo ato no acampamento Terra Livre.Um ato para marcar os 10 anos do assassinatode Galdino Pataxó Hã HãHãe fechou o segundo dia (17/4) doAcampamento Terra Livre, que permanece atéquinta-feira, 19 de abril, na Esplanada dos Ministérios,em Brasília. Os cerca de mil indígenas, de100 povos, que estão acampados no local, caminharamaté a Praça Galdino, onde o indígena foiqueimado vivo em abril de 1997 por jovens daclasse média alta de Brasília.A manifestação também lembrou os 257indígenas que foram assassinados desde aqueladata, segundo levantamento do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi). Muitas pessoas carregavamcartazes com os nomes de liderançasque foram mortas na luta pela terra. “Continuamameaçando nosso povo. Os assassinos docacique João montaram casa dentro de nossaterra e continuam nos perseguindo. A Justiçanão fez nada,” repetia indignada AntôniaGuajajara, que carregava o cartaz com o nomede João Araújo, assassinado em 2005, emmeio à luta pela demarcação da terraBacurizinho, no Maranhão.Galdino também foi assassinado quandoestava em Brasília lutando pela terra de seu povo,que, há 24 anos, aguarda decisão do SupremoTribunal Federal (STF) sobre o processo que pedea nulidade dos títulos de terra concedidos pelogoverno da Bahia à fazendeiros que invadem aárea Hã Hã Hãe. “Esse processo parado contribuipara aumentar a violência. Os fazendeiroscontratam pistoleiros para ameaçar a gente e tambémtêm uma proposta para acabar com a nossaterra”, reforça Reginaldo Vieira, cacique daaldeia Caramuru, que estava com Galdino naépoca do assassinato.Ao chegarem na Praça Galdino, onde háum monumento em memória ao indígena, houveum ritual feito por líderes religiosos de diversospovos. Em seguida, os manifestantes limparam epintaram a obra, que estava suja e abandonada.“É para mostrar que o movimento indígena estáforte. Por isso vamos cuidar da memória de nossosmártires que morreram na luta”, afirmouJecinaldo Sateré-Mawé, coordenador-geral da Coordenaçãodas Organizações Indígenas daAmâzônia Brasileira (Coiab).6428[18/04/2007 11:32], por Marcy Picanço, com colaboração de Oswaldo Braga de Souza.(disponível em http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2443, acessado em 18/05/2008)


O acampamento Terra Livre é a principalmobilização do Abril Indígena, conjunto de manifestaçõese protestos do movimento indígena quemarcam o mês de abril já pelo terceiro ano consecutivo.Neste ano, o acampamento reúne cerca demil indígenas, de mais de cem povos diferentes.Estão ocorrendo plenárias, debates, atividades culturaise manifestações para propor soluções aosprincipais problemas das comunidades indígenase denunciar as agressões aos seus direitos.Terra – demarcação e proteçãoA violência contra os indígenas e acriminalização de suas lideranças foram algumasdas questões debatidas nas atividadesque antecederam o ato. Pela manhã,divididos em grupos por região ou povos,os indígenas acampados iniciaram a discussãosobre os problemas que os afetam.Eles apresentaram as dificuldades que passame as suas reivindicações principais.Apesar das diferenças culturais e regionais,a maior parte dos grupos destacouos problemas que enfrentam na questãofundiária, tanto os que sofrem com ademora nos processos de demarcação,quanto os que têm suas terras ameaçadaspor invasores ou por grandes projetos quepodem afetá-las. “Somos acusados de serinvasores de Parques, mas os Parques foramcriados depois de nossa terra”, falouuma liderança Guarani M´byá sobre o problemados Guarani do litoral com asobreposição de Terras Indígenas em Unidadesde Conservação. Maurício Gonçalves,liderança Guarani do Rio Grande doSul, disse que a Funai alega que a Constituiçãonão contempla a dinâmica deperambulação dos Guarani e a relação queeles têm com o território, por isso este povoé um dos que mais sofre com a falta deterra.“A fronteira foi inventada pelas classesdominantes! Ela não existia antes. Paranós, não existe. E a terra é nossa. São nossosantepassados que estão enterrados nela.Não são os antepassados dos donos dasmultinacionais”, declarou Toninho Guarani,liderança do Espírito Santo, cuja terra é invadidapela empresa Aracruz Celulose.Saúde e educação diferenciadasOs indígenas também apresentaramos problemas que enfrentam na educação esaúde e as propostas para estas áreas. Naeducação, o reconhecimento dos professoresindígenas como uma categoria diferenciadae concursos específicos são reivindicaçõesde quase todas as regiões. “Não queremosque não-índio dêem aula para nossopovo. Isso é desrespeito”, pontuou ElizaTruká, que apresentou o resultado do debateentre os povos do Nordeste.A ausência de aulas de 5ª a 8ª e doensino médio nas aldeias e as barreiras enfrentadaspelos indígenas que pretendemfazer um curso superior também foramdestacados como problemas da educaçãoescolar indígena. Cotas, bolsas de estudos,cursos específicos foram algumas das propostasapresentadas.Em relação à saúde, além da faltade equipamentos generalizada, os indígenasda Amazônia Ocidental (AC, AM,RO e RR) afirmaram que a Fundação Nacionalde Saúde (Funasa) não tem atendidoas decisões das comunidades. Aindaem relação ao controle social, reforçaramque os indígenas devem participarmais da discussão das políticas públicasvoltadas para eles, por exemplo, ficandoatentos para o Fundo Indígena, quereparte verbas para vários projetos de diversosministérios.65


Controle da CNPIA instalação da Comissão Nacionalde Política Indigenista (CNPI) foilembrada pelos indígenas como umavitória, pois é um espaço para participaremda discussão das políticas queos afetam. Na análise de conjunturaque Saulo Feitosa, vice-presidente doCimi fez antes dos debates em grupo,ele lembrou que a CNPI não será umasolução imediata, mas será fortalecidaa medida que o movimento indígenaocupá-la e fiscalizá-la. Na avaliaçãode Feitosa, o movimento indígena precisase articular cada vez mais com oscamponeses, quilombolas e ribeirinhospara se fortalecer.66


Para que construirusinas hidrelétricas? 29Ahistória atual da humanidade tem sidoa história da luta de classes. A históriada luta entre os que fazem tudo paraexplorar, se apropriar das riquezas naturais e doproduto do trabalho social realizado pelas maiorias,e a história dos que lutam para que a organizaçãoe o resultado da produção, realizado pelamaioria, sejam divididos entre todos os seres humanos,ou seja, dos que acreditam que todos devemter o direito de desfrutar dos resultados dotrabalho, dos bens naturais existentes e do conhecimentoadquirido pela história da humanidade.Os atingidos por barragens, por sua vez, sãoas maiores vitimas de uma política social eambiental irresponsável: centenas de pessoas expulsasa força de suas propriedades e atividades,perda de terras férteis e produtivas, florestas devastadas,vidas destruídas, culturas condenadasà morte, meio ambiente degradado. Hoje não sãosomente as populações ribeirinhas que sofrem comessa política, mas sim todos nós, o povo brasileiroque é atingido por uma política energética irresponsávele insustentável.Por isso, temos que aprofundar o estudo e odebate sobre as origens da crise energética e as melhoresmaneiras de superá-la. Isso é importante nãoapenas para os atingidos por barragens, mas tambémpara os demais movimentos populares e paratoda a sociedade brasileira. Para que todos entendamque podemos atender às necessidades de águae energia do povo brasileiro sem mandar para asperiferias das cidades as populações ribeirinhas, semdestruir a vida nos vales, como é caso do “Vale deSão Marcos”, sem condenar à morte de nossos riose nossas florestas, sem destruir a fauna terrestre efluvial e principalmente nosso cerrado.O preço da Luz é um rouboA vítima é vocêNos últimos anos, as tarifas de luz, água etelefone têm aumentado muito, sempre acimada inflação. De 1995 a 2002 a tarifa de energiaresidencial aumentou mais de 180%, enquantoo IPC (Índice que mede a inflação) teve um aumentode 58%.Além do alto preço cobrado pelas empresas,os governos ainda acrescentam mais 25%a 30% de imposto. O resultado você vê todo mêsnas contas, cada vez mais caras. Sendo assim,devemos considerar duas questões: para queme para onde vai a energia.A lógica da sociedade capitalista é considerartudo como mercadoria e ter o controle totaldos locais de produção, isto é, o controle diretoda exploração do trabalho. Desse modo,acontece a exploração do trabalho e a formaçãodo lucro capitalista.A produção de energia, por sua vez, nãoescapa a essa lógica e é, também, consideradamercadoria.Para onde vai todo o dinheiro?Você Imagina quanto as empresas arrecadamnas contas de luz? Sim, é muito dinheiro. E amaior parte vai para fora do Brasil, pois essasempresas, na maioria dos casos, são multinacionais(Tractebel, AES, Alcoa, Bradesco, Alcam).A parte que o governo arrecada com os impostos- ou seja, recursos públicos -também vaipara fora do Brasil, para pagar os juros da dívidaou em forma de subsídios para estas mesmasempresas fazerem suas obras.Quantos empregos são gerados?Na maioria dos casos são muitos poucosos empregos, tantos nas usinas, como é caso deUHE de três Ranchos (FURNAS) que empregaoito funcionários, quanto nas empresas que vendemou consomem muita energia. E vem com odebate de gerar 1400 à 1800 emprego na região.O que sobra para os brasileiros?A conta alta para pagar todo mês. Nos últimosanos a tarifa de energia aumentou cerca de 400%.29Texto elaborado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens.69


VOCÊ SABIA?‣ Que o custo para produção de um kilowatt de energia é menos de 10 centavos evocê paga mais de 50 centavos o kilowatt?‣ Que as mesmas empresas norte americanas cobram no Brasil o dobro do valorcobrado nos Estados Unidos pela mesma quantia de energia?‣ Que no Paraná as famílias que gastam menos de 100 kilowatt de energia por mêsnão pagam a conta de luz?‣ Que a Alcoa - empresa dos Estados Unidos – paga somente seis centavos o kilowattde energia, para abastecer suas fabricas que exploram o alumínio no Brasil?‣ Que as empresas que mais gastam energia são as que menos geram empregosno Brasil?‣ Que o povo brasileiro paga uma das taxas mais altas do mundo no preço da luz?‣ A cada 1000 MWh consumidos na indústria de alimentos e bebias geram 70,2 empregosenquanto nas indústrias de alumínio geram 2,7 empregos;‣ 6% da população mundial que vive nos países ricos consomem 1/3 de toda aenergia produzida no mundo.A falácia do risco da falta de energia 30Especialista e movimentos sociais rebatemalarmismo da mídia corporativa, governo e investidoresde que faltará energiaAescassez de energia é apontada pelamídia, governo e investidores como ogrande problema para o desenvolvimentodo país. Em coerência com essa idéia, a maiorparte do orçamento (R$ 274,8 bi) do Programade Aceleração do crescimento – PAC, divulgadopelo governo no último mês, foi destinada para arubrica “investimento em infra-estrutura energética”.Porém, especialista e movimento social refutamessa tese com base nos próprios dados divulgadospela Agência Nacional de Energia Elétrica(ANEEL).O Ministério de Minas e Energia (MME)definiu que, está dentre os objetivos do programa,“garantir a segurança do suprimento de energiaelétrica” contando, inclusive, com a “partici-7030Disponível em www.mabnacional.org.br/noticias/050307_falta_energia.htm - 29k.


pação efetiva do setor privado”. Para isso, estáprevista a construção de mais hidrelétricas até2010 capazes de gerar 12.386 MW, e aimplementação de alguns instrumentos de incentivoao investimento privado. Além disso, um GrupoGestor (GGPAC/ MME) do Ministério foi formadona última terça-feira (6/2) para acompanhare assegurar as ações previstas no Programa.Todas essas medidas foram feitas em nomedo “desenvolvimento” e do “crescimento econômico”do país.No entanto, Dorival Gonçalves Júnior,professor de engenharia elétrica da UniversidadeFederal de Mato Grosso (UFMT), desconstróia tese do risco de falta de energia. Para isso eleexamina, inicialmente, a capacidade de fornecimentomédio de eletricidade durante todo oano, que é denominada de “energia assegurada”pela ANEEL. Segundo o banco de dadosda Agência, a capacidade de gerar energia elétricana atualidade é de 57.500 megawatts (MW)médios. Comparando agora com a demanadarequerida durante o ano de 2006 (que foi de47.500 MW), de acordo com os dados da ONS(Operador Nacional do Sistema Elétrico Interligado),conclui-se que sobrou 10 MW de energiano ano passado. Para reforçar, ele dá umexemplo mais recente, de janeiro de 2007,onde o consumo de energia foi de 49.183 MWmédios, sobrando assim, 8.317 MW médios deenergia. Dorival conclui: “considerando queesse excedente de 8.317 MW é, praticamente,a energia assegurada da Itaipu (atribuída pelaANNEL), podemos dizer que hoje o sistema elétricointerligado nacional opera com umaItaipu em stand by”.Já o prof. Luiz Pinguelli Rosa, Coordenadordo Programa de Planejamento EnergéticoCOPPE/UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás, oBrasil tem uma projeção de crescimento econômicoe precisa gerar emprego. Portanto, “é necessáriaa expansão de energia, eu não tenhodúvidas disso”, alerta Pinguelli. Ele acrescentaainda que a energia per capita do Brasil é muitopequena. “Se comparar com os EUA ou Europaé uma disparidade. Mesmo na América Latina,se comparar com Argentina ou Chile, é muitomenor”, avalia.• Demanda FuturaO principal argumento dos defensores da“tese da escassez” é que o crescimento econômicodo Brasil nos próximos anos deve fazer comque a atual energia assegurada (57.500 MW) nãoseja suficiente. Contrariando essa opinião, GonçalvesJr. mostra que, seguindo a previsão do PlanoDecenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 (PDEE), elaborado pela Empresa de PesquisaEnergética (EPE), não teremos falta de energianos próximos anos.O plano aponta três cenários de crescimentoda demanda de energia: O primeiro, denominado“trajetória alta”, estima o crescimentoanual da carga de energia para os próximos4 anos de 5,1%. O segundo, chamado de “trajetóriareferência”, prevê o crescimento anualaté 2010 de 4,9% ao ano. E, o terceiro, “trajetóriabaixa”, admite a variação da carga em3,9% ao ano no período.A partir desses números (ver tabela 1), levandoem conta a oferta e o consumo, GonçalvesJr. conclui que o único cenário que ultrapassaa energia assegurada de hoje em 2010 éo de trajetória alta (que teria demanda de57.956,8MW em 2010). “Ele ultrapassa somente456,8 MW médios. Semana passada começarama construir a hidrelétrica de Estreito, emTocantins, que vai produzir mais de 1.000MWde energia, ou seja, muito acima do necessário”,afirma o professor.Gonçalves Jr. pondera ainda que esta hipótesede crescimento para a demanda (5,1% aoano) parece muito improvável de se realizar, poisos dados registrados pelo ONS nos anos 2005 e2006, foram respectivamente de 4,5% e 3,9%, epara este ano o ONS estima um aumento de 3,6%.“Então é difícil acontecer esse cenário de trajetóriaalta. Mesmo que não seja adicionado nem umanova fonte até 2010, não faltará energia”, argumentaDorival.Energia para quem?O Movimento dos Atingidos por Barragens– <strong>MAB</strong>, que junto com outras entidades está puxandoa campanha O preço da luz é um roubo,considera a tese do défcit de energia uma chantagemdo setor elétrico. “Isso é uma especulação nacomercialização de energia elétrica. O que elesquerem é que tenha energia sobrando paracomprá-la cada vez mais barata e em forma desubsidio do governo”, alerta Marco AntonioTrieveiller, da coordenação do movimento. Issoacontece, por exemplo, no Pará com a Albrás eno Maranhão com a Alumar.71


Apesar de defender que o país precisa demais fontes de energia, Pinguelli acredita que oque deveria ser feito é usar a energia dos produtoresde alumínio (eletro-intensivos) para a população.“Existe um grupo de privilegiados chamadosde consumidores livres, que consomem 30% daenergia do Brasil a um preço baratinho. Quempaga é o pobre”.Para Dorival Gonçalves Jr., sob o discurso daescassez iminente de eletricidade, “está submersauma matriz de interesses que de modo algum expressamqualquer interesse dos trabalhadores”. Segundoele, desde a privatização do setor o preço datarifa residencial subiu. (ver tabela 2). A eletricidadesaiu da faixa dos US$ 70 dólares para mais deUS$130, mantendo-se no nível dos US$ 100.Mecanismos de sustentação deste modeloforam inclusos no PAC. No caso dos financiamentosdo BNDES, que já eram bastante favoráveis,ficaram ainda mais, já que o banco financiaráaté 80% do empreendimento e o prazo de pagamentoaumentou de 14 para 20 anos. Além disso,está sendo criado o Fundo de Investimento emInfra-estrutura com o uso do FGTS. “O PAC veiopara aperfeiçoar esse modelo energético lucrativo”conclui Dorival.Hidrelétricas na AmazôniaAs hidrelétricas do Rio Madeira (RO) ede Belo Monte(PA) são dois polêmicos projetosque constam no Programa de Aceleração doCrescimento (PAC). Ambos são alvos de críticase protestos por parte de movimentos sociaise ambientais.O complexo do Rio Madeira prevê a construçãodas usinas hidrelétricas Santo Antônio eJirau que, juntas, poderão gerar cerca de 7,5 milMW. Segundo Wesley Ferreira Lopes, do <strong>MAB</strong>,esses empreendimentos são pra atender as necessidadesdo capital e não do povo, já que aenergia produzida pelas hidrelétricas é para abasteceras empresas e não o a população. Além disso,“as obras vão elevar o nível do rio em maisde 4m em algumas regiões, desabrigando maisde 3 mil famílias”, denuncia.Belo Monte, com geração prevista de 11mil MW, teve sua autorização de estudoambiental questionada pelo Ministério PúblicoFederal do Pará na semana passada. Eles exigemuma consulta aos indígenas da região peloCongresso Nacional, além de discutirem possíveisalternativas à obra.“Antes de produzir energia,as hidrelétricas produzem excluídos”,diz Dom Orlando Dotti 31Setor de Comunicação: Como o senhorvê a organização do <strong>MAB</strong> e a inserçãodo Movimento na sociedade?Dom Orlando Dotti: O meu pensamento não éexclusivamente meu, é um pensamento quenós da Igreja temos. Em primeiro lugar dize-mos que o <strong>MAB</strong> é o legítimo representantedos atingidos por barragens. Dentro dessecontexto de exclusão, é um movimento própriodesses excluídos, não alguma coisa superior,nem alguma coisa lateral. Em segundolugar preciso mencionar sua atuação. Euconheci o movimento quando morava na7231Dom Orlando Dotti, bispo Emérito da diocese de Vacaria/RS, é um dos grandes apoiados do Movimento dos Atingidos porBarragens desde a sua criação, acompanhou atingidos por barragens na Bahia, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul emesmo como bispo emérito, continua junto à luta dos pobres do campo. Dom Orlando fala ao Jornal do <strong>MAB</strong> sobre o papelda Igreja entre os movimentos sociais e a criminalização dos mesmos. Matéria publicada no Jornal do <strong>MAB</strong>.


Bahia, era pequeno, regional. Agora perceboque cresceu e amadureceu em muitos aspectos,tornou-se movimento nacional e articulou-seinternacionalmente. Há uma expansãomuito grande do <strong>MAB</strong> e acima de tudo, háuma qualificação de suas ações.Setor de Comunicação: Do seu pontode vista, qual é o papel da Igrejajunto aos Movimentos?Dom Orlando: Eu penso que hoje a Igreja sesitua num outro patamar. Principalmente duranteo período da ditadura ela fazia quasetudo: organizava e mobilizava o povo, produziaos subsídios, etc. Com o passar do tempoa Igreja entendeu que não é toda a sociedade,mas uma parte dela. Eu diria que o projetodo <strong>MAB</strong> e dos demais movimentos sociaisé o mesmo que o nosso: queremos uma vidamelhor, o bem comum para todos, o projetode uma sociedade livre, democrática, que hajamenos desigualdade social.Setor de Comunicação: As prisões queaconteceram contra os atingidos retomamações da ditadura militar?ecentemente temos presenciado umaforte ofensiva das empresas do setorelétrico contra militantes sociais e derio.Uma promiscuidade que dita o que sedeve fazer para que a barragem sejaconstruída e para o lucro das empresas, nãose importando com o que acontece com opovo. E o que está acontecendo em algumasregiões do país é um abuso, a coisa mais fácilpara se acabar com um movimento écriminalizar as lideranças, e é o que estão fazendoneste pacto que existe entre o poderconstituído e as empresas. Então criminalizamdando ordens de prisão, são supostos comocriminosos e fica por isso mesmo.Setor de Comunicação: Como o senhorvê os próximos passos da luta?Dom Orlando: Criou-se a mentalidade de sercontra as barragens porque sabe-se de antemãoque elas vão trazer grande malefíciospara as pessoas. É a vida humana que estáem jogo e até hoje as barragens nunca melhorarama vida dos atingidos. Por isso temtanta gente que é contra esse modelo de produçãode energia, o governo tem que implantarum novo modelo, que privilegie a pessoahumana. O <strong>MAB</strong> tem que lutar cada vezmais por isso e os investimentos públicos,que servirão somente a interesses particulares,devem ser revertidos ao bem estar dospobres ribeirinhos, pois antes de produzirenergia, estas usinas produzem excluídos eisso deve acabar.Ditadura na barranca dos rios brasileiros:perseguição e criminalização demilitantes da luta contra as barragens 32Eduardo Luiz ZenRDom Orlando: A opressão aos atingidos aconteceporque existe uma promiscuidade entreas empresas, o ministério público e o judiciá-fensores dos direitos humanos das populaçõesatingidas por barragens. Na medida em que aresistência das comunidades ribeirinhas con-32Artigo disponível em www.mabnacional.org.br/textos/index.htm - 51k73


74tra o atual modelo energético vai se tornandomais forte, intensifica-se também as ações deforça da polícia contra os atingidos, não só nasreintegrações de posse dadas pela justiça, masprincipalmente nas ações violentas para dispersarmanifestações em rodovias, nas invasõese destruição de acampamentos e até nasaudiências públicas oficiais para discutir asbarragens, quando os atingidos são impedidosde se expressar ou expulsos de forma violentado local da audiência.A ação policial tem aumentado de maneirasignificativa também nas ações de despejos,quando os atingidos se recusam a abandonarsuas terras e casas, que ficarão embaixo dos lagosdas barragens. Nestes casos, a polícia se encarregade expulsar a família de sua casa, quelogo é demolida ou incendiada, como forma deimpedir que os moradores retornem.Em 2004 uma comunidade inteira atingidapela barragem de Candonga, em Minas Gerais,passou por esta situação. Na vila de SãoSebastião do Soberbo, dezenas de famílias resistiramdurante semanas contra as investidas dapolícia militar com apoio da polícia federal paraefetuar o despejo de todos. No final, com aumentodo efetivo policial ocupando a vila, as famíliasnão puderam conter as retroescavadeiras que destruíramsuas casas.Perto dali, no dia 08 de março de 2005,35 pessoas ficaram feridas durante a realizaçãode uma audiência pública para discutir aconstrução da barragem de Jurumirim, no municípiode Rio Casca. Mulheres e crianças foramespancadas pela polícia, que também mantevepresos por um dia, seis pessoas apontadascomo líderes do <strong>MAB</strong>.No estado do Pará, tropas do exército comautorização para agirem como polícia, chegarama ser utilizadas no mês de março de 2005, para“proteger” as instalações da Usina Hidrelétrica deTucuruí (PA), que há duas décadas atrás expulsou30 mil pessoas de suas terras, a maioria semreparação até hoje.Mais recentemente, no dia 05 de outubrode 2005, 50 policiais invadiram e destruíramcompletamente um acampamento de agricultorespróximo ao Rio Canoas, na região atingidapela barragem de Campos Novos, em SantaCatarina. Após esta ação, a tropa dirigiu-se aoutro acampamento localizado próximo ao canteirode obras da Usina, onde houve confrontoe um agricultor foi preso.Estes são apenas alguns exemplos do tratamentoque às populações ribeirinhas recebem,quando estão organizadas e em luta pelos garantiados seus direitos. Mas o que mais chama atençãona tática do governo e das empresas do setorelétrico para combater a organização e resistênciadas populações atingidas por barragens sãoas perseguições políticas, difamação, ameaças etentativa de criminalização das lideranças eapoiadores desta luta.Um levantamento preliminar feito na baciado Rio Uruguai, sul do país, mostrou quenesta região, 107 atingidos por barragens respondema processos civis ou criminais demandadospelas empresas construtoras ou por outrosagentes a seu serviço. As principais liderançasdo <strong>MAB</strong> na região sul do Brasil respondemsozinhas a mais de 15 processos cadauma. Os autos dos processos judiciais, somammais de 30 mil páginas. Para 36 atingidos processadosem ações criminais, são pedidas penasque vão de 1 a 30 anos de prisão por participaremdo movimento e 9 pessoas respondema ação onde se pede indenização de R$1 milhão de reais por danos na Usina de CamposNovos. Além disso, advogados eapoiadores do <strong>MAB</strong> também estão na lista deprocessados, como forma de coagi-los a pararemde apoiar a luta dos atingidos.Toda esta tentativa de criminalização temcomo objetivo geral enfraquecer a luta contraas barragens. Para isso, os processos judiciaiscumprem o papel de intimidar os atingidos ouseus apoiadores, para que abandonem a organizaçãoe parem de lutar. Os processos tambémmantêm os dirigentes ocupados, levandoosa usarem parte significativa de seu tempoem se defenderem, quando poderiam estar organizandoa resistência.A criminalização também busca desqualificaros atingidos perante a opinião pública,tachando-os de marginais e bandidos. Paraisso, as empresas construtoras contam com valiosoapoio da mídia. Em última instância, oobjetivo final dos processos é levar a prisão osprincipais dirigentes e militantes da luta contraas barragens.Os fatos de criminalização ocorridos sãoapenas um dos desdobramentos de um pro-


cesso bem mais amplo, que levam o <strong>MAB</strong> adenunciar à sociedade brasileira a existênciade uma verdadeira “ditadura” na barrancados nossos rios.Esta ditadura se materializa na retirada eexpropriação dos meios de vida e subsistênciadas população não-proprietária que são afetadaspor uma represa; na negação sistemática dosdireitos humanos, econômicos, sociais, culturaise ambientais destas populações; na incapacidadetotal do ministério público e do poder judiciárioem garantir estes direitos; na utilização daviolência policial e até de tropas do exército paraguarnecer os canteiros de obras e dispersar manifestaçõespopulares contra as barragens; na perseguiçãopolítica, tentativas de criminalização eprisões arbitrárias de militantes sociais e líderesque organizam a resistência das populações.Além disso, os processos de licenciamentoambiental das obras são marcados por irregularidadese fraudes, onde impera a política dofato consumado em desacordo com a legislaçãovigente no país.As decisões sobre as liberações das obrasnão são técnicas e nem acontecem em ambientedemocrático, são decisões políticas tomadaspor governos submissos aos interesses dasgrandes empresas.Hidrelétricas e violaçõesde Direitos HumanosLeandro Gaspar ScalabrinAlucratividade do sistema energéticoprivatizado brasileiro é tanta que as empresasde energia e gás estabelecidas noBrasil foram o segundo maior segmento a remeterlucros para o exterior em 2006: US$1,378 bilhão,ficando atrás apenas dos bancos.Apenas no segundotrimestre de 2007, o lucro líquido da TractebelEnergia (subsidiária da multinacional franco-belgaSuez-Tractebel) - maior empresa privada geradorade energia no Brasil – foi de R$229,5 milhões.Apesar da enorme dívida social e ecológicaem aberto nas inúmeras barragens jáem operação, dos inúmeros casos de violaçõesde direitos humanos não reparados, ogoverno federal insiste no modelo de construçãode barragens. Atualmente, integram oPAC – Programa de Aceleração do Crescimento– e estão em fase de construção asseguintes usinas hidrelétricas (e seus respectivosorçamentos): UHE Estreito (Tocantins / Maranhão)..............................................................R$2 bilhões Eclusas da UHE de Tucuruí (Pará).............................................................R$611 milhões UHE Foz do Chapecó (Rio Grande do Sul / Santa Catarina).......................R$2,2 bilhões UHE São Salvador (Tocantins / Goiás) - Tractebel.........................................R$424 milhões UHE Serra do Facão (Goiás).......................................................................R$707 milhões UHE Salto Pilão (Santa Catarina)..............................................................R$352 milhões UHE Castro Alves (Rio Grande do Sul).......................................................R$47 milhões UHE 14 de julho (Rio Grande do Sul)..........................................................72,7 milhões75


Apenas nestas obras, cerca de vinte milfamílias serão atingidas e deslocadas compulsoriamente,ou seja, serão obrigadas a abandonarseu modo de vida tradicional, suas terrase suas casas – porque estas foram declaradasde “utilidade pública” para fins de “aproveitamentoshidrelétricos”.O modelo energético brasileiro é a causadas violações de direitos humanos: os rios sãopúblicos, as concessões das obras são públicas,o licenciamento ambiental é público, mas os lucrossão privados.O Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), tem tido papelde destaque nas violações de direitos humanosna implantação de hidrelétricas, na medidaem que não exige dos financiados o respeitoaos pactos internacionais firmados pelo Brasil.O BNDES aprovou R$ 8,3 bilhões em financiamentopara o setor de Energia Elétricanos últimos 12 meses.O Artigo 11 do Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais (PIDESC),reconhecido pelo Brasil, reconhece o direito detoda pessoa a uma melhora continua de suas condiçõesde vida. Ter acesso à energia elétrica não éum luxo e sim um direito de todo cidadão. O preçoda energia tem obrigado as famílias carentes,se alimentar menos, se vestir pior, ter menos lazere pior condição de moradia, num claro retrocessonas suas condições de vida: duas pessoas morreram,uma no Ceará e outra em Rondônia, ambasdoentes, que tiveram suas contas de energia cortadaporque não tinham condições de pagar.Os atingidos por barragens, organizados emmovimento, precisam e continuarão, exigindo doEstado a sua responsabilidade para cumprimentodos diplomas nacionais e internacionais quegarantem a defesa e promoção dos direitos humanos,em especial no que se refere às suas obrigaçõespara com PIDESC, no que tange a garantiada melhoria contínua das condições de vidada população brasileira.<strong>MAB</strong> denuncia violaçãodos direitos humanos 33Comissões visitam regiões mais afetadasComunidades esquecidas, isoladas. Repressãopolicial. Direitos negados ounão reconhecidos. Tradições culturaisextintas. Na tentativa de pautar estes e outros problemassofridos pela população atingida junto aosórgãos competentes do país, o <strong>MAB</strong> encaminhoudiversas denúncias de violações de direitos humanosdecorrentes do processo de construçõesdas barragens ao Conselho de Defesa dos Direitosda Pessoa Humana (CDDPH), órgão ligado aSecretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH)do governo federal.Em uma reunião do CDDPH do ano passadofoi formada uma Comissão Especial que duranteesse ano visitou a barragem de Acauã, naParaíba, e as hidrelétricas de Foz do Chapecó, emSanta Catarina, Tucuruí, no Pará, Aimorés,Emboque e Fumaça, em Minas Gerais, e CanaBrava, em Goiás.O representante da Defensoria Pública daUnião na Comissão, João Paulo Dorini, afirma queem todas as visitas as denúncias feitas pelo <strong>MAB</strong>foram confirmadas. O caso que mais causou espantopara Dorini foi o da Barragem de Acauã.7633Texto feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens


“Muitas pessoas saíram de suas casas já com aágua nos pés. E a comunidade está totalmenteesquecida, isolada”.Um relatório final feito pela Comissão seráentregue ao CDDPH. A Comissão Especial só tempoder de sugerir medidas, até mesmo de caráterde urgência, mas não de executá-las. “Espero queo relatório não seja mais um documento que vápra gaveta. Se ele servir pelo menos para a discussãopública sobre o tema já cumpriu boa partedo seu papel”, afirmou Dorini.Para o <strong>MAB</strong>, o relatório será mais um instrumentode luta e pressão política.A Comissão esta constituída com representaçãodo Ministério do Meio Ambiente, Ministériode Minas e Energia, Movimento dosAtingidos por Barragens, Conselho de Defesados Direitos da Pessoa Humana, Câmara dosDeputados, Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Ministério PúblicoFederal e Defensoria Pública da União.Veja algumas das denúnciasencaminhadas em cada região:UHE de Cana Brava (GO)(recebeu a visita entre 15 e 18 de agosto)No cadastro do Movimento dos Atingidospor Barragens (<strong>MAB</strong>) constam 808 famíliasatingidas pela usina hidrelétrica de CanaBrava, localizada município de Minaçu (GO)que ainda não receberam qualquer tipo de indenização.Esta é a principal denúncia encaminhadapelo movimento ao Conselho de Defesados Direitos da Pessoa Humana(CDDPH), órgão ligado à Secretaria Especialde Direitos Humanos (SEDH).O projeto da usina de Cana Brava foiconcedido à CEM – Companhia EnergéticaMeridional, subsidiária da Tractebel EnergiaS.A, como resultado de uma licitaçãointernacional promovida pela ANEEL, emmarço de 1998. Segundo o <strong>MAB</strong>, 946 famíliasforam atingidas (entre ribeirinhos, semterra,pescadores, arrendatários, meeiros,mineradores, professores de escolas fechadas,etc), mas só 121 foram reconhecidas.O processo de reassentamento das famíliasreconhecidas ainda não foi concluído. Estasfamílias encontram-se acampadas e organizadasem grupo.UHE de Tucuruí (PA)(recebeu visita entre 4 e 6 de agosto)Criada durante o regime militar, a usinadeslocou 32 mil famílias, segundo dadosda própria Eletronorte. Como foi construídaantes da lei que exige que seja feito o estudode impacto ambiental antes da construção dabarragem, o mesmo foi elaborado simultaneamenteà construção da obra.Segundo estudo do Instituto de Pesquisada Amazônia (INPA), as conseqüências sociaise ambientais da hidrelétrica de Tucuruíforam, e continuam a ser, negativas e prejudiciais.Algumas delas: o deslocamento dapopulação na área de inundação e a suarealocação subseqüente devido a uma pragade mosquitos Mansonia; o desaparecimentoda pescaria que sustentava, tradicionalmente,a população a jusante da barragem;os efeitos sobre a saúde devido à malária e acontaminação por mercúrio; e o deslocamentoe perturbações de grupos indígenas(Parakanã, Pucurui e Montanha)77


Barragem de Acauã (PB)(recebeu a visita entre 18 e 20 de abril)Os reassentamentos de Cajá, Melânciae Pedro Velho na Paraíba são consideradospelo Movimento dos Atingidos por Barragens(<strong>MAB</strong>) a pior situação social das famílias reassentadaspor uma barragem no país. O <strong>MAB</strong>denuncia: déficit habitacional de 240 moradias;escolas inexistentes ou com funcionamentoprecário; merenda escolar insuficiente;posto médico inexistente ou com funcionamentoprecário; assistência médica ruim;inexistência de área para desenvolvimento daagricultura e pecuária, entre outros déficits.UHE de Foz de Chapecó (SC)(recebeu a visita entre 27 e 29 de julho)Até agora foram desapropriadas 71famílias na região do canteiro de obras deFoz do Chapecó. Dessas, segundo o <strong>MAB</strong>,mais de 30 tiveram os direitos negados ou“não reconhecidos” pela empresa. Alémdisso, o consórcio, formado pelo grupoCPFL (Votorantim, Camargo Corrêa eBradesco), Furnas e a concessionária CEEE,estaria induzindo as famílias a escolheremcarta de crédito ou indenização em dinheiroao invés de reassentamento coletivo, desrespeitandoa livre opção de escolha garantidapor lei.Entre as práticas utilizadas pela empresae denunciadas pelo Movimento, destacamse:ameaças, cooptação, pressão psicológica,uso da força, queima e destruição de casas,omissão de informações ao Poder Judiciário.UHE de Emboque (MG)(recebeu visita no dia 29 de agosto)Famílias atingidas pela UHE deEmboque, da empresa CAT–LÉO ENER-GIA, relatam casos de total desrespeito aosDireitos Humanos como. Um deles foi ocaso de Sílvio Clemente, que suicidou-se porcausa da truculência e maus tratos da empresa.Ângela, que foi tirada de sua própriacasa por vinte policiais e está sem indenizaçãoaté hoje.A barragem de Emboque, localizada norio Matipó, municípios de Abre Campo e RaulSoares, em nove anos de funcionamento, acumulaum triste saldo de dez mortes. Na épocada construção da barragem de Emboque morreramcinco pessoas, sendo dois operários etrês atingidos. Depois do lago cheio, morrerammais cinco, dois em acidente nas curvas perigosasdas estradas relocadas pela empresa.UHE de Fumaça (MG)(recebeu visita no dia 30 de agosto)78A empresa norte americana Novelis,dona da barragem de Fumaça, localizadano Rio Gualaxo do Sul, municípios deMariana e Diogo de Vasconcelos, comprometeu300 anos de artesanato em pedrasabão na região próxima a Ouro Preto eafetou, diretamente, a atividade culturalde centenas de artesãos e a sobrevivênciade mais de duas mil pessoas. Muitosartesãos estão até hoje sem nenhum tipode indenização. O lago da barrageminviabilizou a exploração de quarenta pedreiras,que ficaram em área de risco oudebaixo d’água.


Usinas hidrelétricas no Rio Madeirae a cobiça internacionalO que está por trás da construção de Jirau e Santo Antônio?Rapinagem das riquezas amazônicas pela hidrovia, fortalecimentoda indústria da barragem, energia barata para as indústriaseletrointensivas e uma fábrica de dinheiro com a venda daenergia para o povo brasileiro.Odia 9 de agosto de 2007 ficou marcadona história do nosso país como mais umdia em que o governo federal se curvou ecedeu aos interesses das grandes transnacionais.Nesta data o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente(Ibama) concedeu a licença prévia, atestandoa viabilidade ambiental das hidrelétricas de SantoAntônio e Jirau, no coração da floresta amazônica,em Rondônia.Estes dois projetos de hidrelétricas no RioMadeira vêm sendo discutidos há vários anos efazem parte de um plano maior de saqueio daAmazônia. Desde setembro do ano 2000, atravésde uma iniciativa do então presidente FernandoHenrique Cardoso, o plano dessas hidrelétricas foiganhando forma e força e, mais a frente, o GovernoLula passou a assumir como um dos principaisprojetos de geração de energia de seu governopelo chamado Programa de Aceleração doCrescimento (PAC).Segundo o debate que o Movimento dosAtingidos por Barragens vem fazendo, a crisemundial de energia está atraindo para países comoo Brasil as indústrias que, nas suas nações de origem,já não têm condições de adquirir a elevadacarga de energia que consomem. E como necessitamde energia barata para se viabilizar, encontraramaqui todas as vantagens que precisam, soba conivência e incentivo do Estado brasileiro.Além disso, o fato é que o entreguismo dosrecursos naturais da Amazônia agora vem mascaradopor uma mentira, ou seja, foi criada umanecessidade de energia para evitar um novo‘apagão’ num futuro breve, no entanto, dadosapontam que se o crescimento do país continuarna média dos últimos anos, temos energiaelétrica suficiente até 2010. Mas esses dados nãosão publicizados e o pânico que o governo e agrande mídia criaram na população com possibilidadede um novo racionamento de energiaforam condições para este primeiro licenciamentodado pelo Ibama, sob forte pressão de interessesprivados.Para o governo federal as duas usinas podemproduzir o que hoje representa 8% da demandanacional, necessários para impedir o‘apagão’, mas para o <strong>MAB</strong> a falta de energia e aconstrução das duas usinas é um pretexto e significaabrir hidrovias para o escoamento das riquezasminerais que estão na região amazônica, alémde garantir o funcionamento da indústria da barragemcom a venda de turbinas, geradores, cimento,entre outros.Com a licença prévia, concedida à estatalFurnas Elétricas, a obra já pode ser leiloadae as verdadeiras interessadas nas obras sãoa Companhia Vale do Rio Doce, Alcoa,Citicorp, Duke Energy, todas dos Estados Unidos;a Votorantim e o Banco Bradesco, do Brasil;além da inglesa Billington Metais e da chinesaCTIC. A energia elétrica gerada em Jiraue Santo Antônio terá o preço de custo (R$51,00/ megawatt/hora – MW/h) para as suasindústrias de alumínio, siderurgia, celulose, papel,cimento, ferro-ligas e petroquímica, o quejá é um grande vantagem.79


80Mas o verdadeiro lucro que as empresasacionistas terão será com a venda da energia,que com um custo de produção muito reduzidoe beneficiadas pelos altos preços nastarifas de energia no Brasil, obtém altos lucrosna venda do excedente. De acordo comcálculos do <strong>MAB</strong>, considerando que o valor éde R$ 130 por megawatt nos leilões de energiano Brasil e que a capacidade é de4.051 MW/hora nas duas usinas,as empresas acionistas de Jirau eSanto Antônia podem faturar atéR$ 530 mil a cada hora.Segundo dados do PAC -Programa de Aceleração de Crescimento,grande parte energia produzidapelas duas hidrelétricasserá levada principalmente paraos estados onde as empresas acionistaspossuem suas indústriasconsumidoras de energia, comoSão Paulo, Rio de Janeiro e MinasGerais. Ou seja, pouca ouquase nada da energia produzidaserá utilizada pelo estado deRondônia, então o discurso dedesenvolvimento regional com aconstrução de usinas hidrelétricas mais umavez é uma falácia.Povo brasileiro pagapara ser roubadoNa região amazônica o desnível do terrenoé pouco e os impactos sociais eambientais que as duas obras ocasionarão sãoincalculáveis. Com 529,36 km² (53 mil hectares)de área inundada, o <strong>MAB</strong> estima que serãoatingidas cinco mil famílias da região. OEstudo de Impacto Ambiental (EIA) fala em 2,8mil pessoas, no entanto, segundo o Movimento,estão sendo contabilizadas apenas as pessoasque possuem título de propriedade sobreas terras, como é recorrente em todas as construçõesde barragens no país.A dignidade do povo não interessa à cobiçainternacional, mas o dinheiro do povointeressa e muito para a construção da obra.Os 43 bilhões de reais necessários para o conjuntode obras do chamado “Complexo do rioMadeira” sairá do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), umGrande parteda energiaproduzidapelas duashidrelétricasserá levadapara os estadosonde asempresasacionistaspossuem suasindústriasbanco público, do povo brasileiro controladopelo Governo Federal, que utiliza recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) paraseus empréstimos. Ou seja, o BNDES pega dinheirodos trabalhadores para investir em empresasinternacionais, dá 14 anos para o pagamentodeste empréstimo e o que o povo recebeem troca é a quinta tarifa de energiamais cara do mundo.Se transformarmos estes 43bilhões de reais da construção deJirau e Santo Antônio em rendapara a população local, teremosuma noção do lucro extraordinárioque as empresas terão com avenda de energia.Por exemplo: a capital deRondônia, Porto Velho, segundoestimativas de 2006, possui umapopulação de 380.971 pessoas.Se compararmos com o total doinvestimento, ou seja, 43 bilhõesde reais, isso equivale a 113 milreais para cada habitante domunicípio.Ameaçar a cobiçainternacional: esta é a forçada organização do povoO capitalismo tem medo do povo e estaé a tarefa dos verdadeiros donos dos rios eflorestas: ameaçar, amedrontar e expulsar osmascarados que se instalam em todo o país,e agora em especial na Amazônia, para saquearnossas riquezas.Para a coordenação nacionaldo Movimento dos Atingidospor Barragens, nossoprincipal compromisso é enfrentaros projetos que não interessamao povo e entregarnossas fontes de energia, nossosrios, nossa água, nossos minériose florestas para gruposinternacionais, é entregar nossoterritório e nossa gente à dominaçãoestrangeira. É comprometernosso futuro como povoe como Nação.


Os donos de nossos rios. Até quando? 34OMovimento dos Atingidos por Barragens-<strong>MAB</strong> tem entre suas principaisbandeiras de luta a construção de umnovo modelo energético, onde a água e a energiaestarão a serviço e sob controle do povo Brasileiro.As empresas abaixo são inimigas denossa proposta e do povo brasileiro. Estas empresastransnacionais controlam hoje a exploraçãode nossos rios para produção de energia,e fazem de maneira ditatorial e excludente. Dentrodas novas leis brasileiras de recursos hídricos,poderão controlar dentro brevemente o uso denossos rios para irrigação, transporte e abastecimentode água.Tractebel-SuezSubsidiária belga do conglomeradofrancês de exploração de água, Suez, S.A..A Tractebel está construindo a barragem deCana Brava, no rio Tocantins, com US$160milhões em financiamento do BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID). ATractebel se recusou a reunir com o <strong>MAB</strong> paradiscutir a situação de centenas de famíliasatingidas, excluídas arbitrariamente de programasde compensação. Controla tambémas barragens de Itá e Machadinho (rio Uruguai)e tenta adquirir a concessão para construirmais barragens no Tocantins.Alcoa(Aluminium Company of America)A maior empresa de alumínio do mundo,com sede nos Estados Unidos, vem se beneficiandode cerca de 200 milhões de dólaresanuais através do uso de energia subsidiadada barragem de Tucuruí (que inundoucerca de 2.820 km2 de florestas tropicais)para sua fábrica de alumínio, Alumar. Planejaconstruir três grandes barragens na Amazôniaque inundarão comunidades indígenase reservas ecológicas. São sócios também embarragens no rio Pelotas e Uruguai, no Sul doBrasil. Tem parceria também nos rios Pelotase Uruguai no Sul do Brasil.BHP BillitonA maior empresa de minérios do mundo,sediada nos Reinos Unidos, é sócia da ALCOAno controle da Alumar e planeja barragens para aAmazônia. Também é acionista de peso na Cia.Vale do Rio Doce.CiticorpBanco dos Estados Unidos que tem partedo controle da Companhia Vale do Rio Doce(CVRD), a maior empresa de mineração do Brasil,e da fábrica de alumínio Albrás junto a umconsórcio japonês. Está unindo-se a Alcoa e Billitonem planos de novas barragens para a Amazôniapara satisfazer sua gula por eletricidade.AES CorporationEmpresa sediada nos Estados Unidos e omaior investidor privado no Brasil. Embora afirme“ter orgulho” de sua responsabilidade social,AES tem controle da CEMIG (Companhia Energéticade Minas Gerais), que em parceria com aCVRD está construindo barragens como as deAimorés, Igarapava, e Porto Estrela que expulsarãomilhares de famílias.AEP(American Eletrical Power)Empresa sediada nos Estados Unidos eprincipal acionária da barragem de Lajeado, norio Tocantins. 15.000 pessoas foram expulsaspela barragem, e o reservatório já está em enchimento.Mas o maior parte dos planos demitigação dos impactos sociais e ambientaisainda não foi implementado, levando promotorespúblicos a acusar que há “fraude” no processode licenciamento.Eletricidade de PortugalAssociada a AEP na barragem de Lajeadoplaneja quatro novas barragens no rio Tocantins.34Texto feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens.81


Southern Company (USA)Associada a AES no controle da CEMIG.Outras:Electricité de FranceAssociada a AES no controle da Light.Duke Energy (USA)Proprietária de barragens no rio Paranapanemae de usina termelétrica em Corumbá (rioParaguai, no Pantanal).Endesa (Spain)Dona da barragem de Cachoeira Dourada.Como funciona a exploração nastarifas de energia elétrica 35“O modelo de energia elétrica no Brasil está a serviço dosbanqueiros e das grandes empresas multinacionais”1Como vimos, a energia é tida peloscapitalistas como uma mercadoriaque gera muito lucro. A partir do processode privatização do setor elétricobrasileiro, a energia foi transformadanuma grande mercadoria e quempassou a controlá-la foram as empresasmultinacionais. Além disso, tornou-seum grande negócio que movimentaem torno de 100 bilhões de reaispor ano, entre dezembro 1995 (inícioda privatização) e final de 2006 aAgência Nacional de Energia Elétrica(Aneel) reajustou as tarifas residenciaisde energia elétrica em 386,2%,quase o dobro da inflação.2 3O domínio privado trouxe conseqüênciasdesastrosas ao povo brasileiro,tem privatizado a água ea energia e impôs uma superexploraçãoda população ao mesmotempo em que privilegia os maisricos (grandes consumidores deenergia). O setor elétrico brasileiro,antes da privatização possuíamais de 200 mil trabalhadores/as,mais da metade foram demitidose hoje temos pouco mais de 100mil. Além disso, as empresas quemais gastam energia são as quemenos produzem empregos. Osdados atuais apontam que estasempresas consideradas extrativas(as que extraem as riquezas doBrasil principalmente para exportar)são as que mais estão crescendono país.No Brasil, mais de 80% da energiaelétrica vem de fonte hídrica,considerada uma das energias como menor custo de produção. Emgrande parte, o baixo custo de produçãoda energia é fruto do descasocom que as empresas cons-8235Texto extraído da cartilha “O Preço da Luz é um Roubo”. Publicada pela Assembléia Popular. São Paulo, 2008.


45trutoras de barragens tratam a populaçãoatingida pelas obras, não ressarcindoo que é de direito de cadafamília. Hoje, 70% das famílias atingidaspor barragens no Brasil, não sãoconsideradas pelas empresas construtoras,portanto, ficam sem terra, semcasa, sem nada. Outro fator para obaixo custo de produção da energiaé em virtude das empresas não consideraremnem repararem os gravescustos ambientais.Mesmo com o suposto baixocusto, o preço da energia elétrica deixoude ser cobrado pelo seu custo deprodução real (baseado na hidroeletricidade)para ser definido pelos padrõesinternacionais e determinadopela energia que tem o maior custode produção, predominante nos demaispaíses: a energia térmica, provenienteprincipalmente do petróleo.Isso significa que o modelo energéticobrasileiro foi organizado para permitirque as empresas controladoras daenergia (multinacionais) possam extrairas mais altas taxas de lucro (lucrosextraordinários).Dessa forma, nós pagamos um dospreços mais altos do mundo pelaenergia, superior ao de muitos paísesonde a população tem um saláriomuito maior do que o salário dopovo brasileiro. Por exemplo, em média,os brasileiros pagam o dobro dopreço cobrado nos Estados Unidos.A fonte de energia é a mesma que anossa – a água – e as empresas quevendem a energia também são asmesmas que vendem aqui no Brasil.No mais, todos sabemos que eles têmum ganho salarial muito maior doque os brasileiros.O problema central na questão daenergia é a estruturação do modeloenergético, baseado no atual modo deprodução – o capitalismo. Portanto,no atual estágio de dominação, a lutaem torno da energia ultrapassa a lutapelos direitos das famílias e tambémnão é um problema puramente de67natureza tecnológica. Todos os planosde novas hidrelétricas, ou os planosde aproveitamento de outras fontes,estão pensados para gerar energia aoimperialismo, ou seja, para que asgrandes empresas multinacionais aumentemseus lucros, aproveitando opotencial energético brasileiro.A tendência para os próximos anos,se não ocorrer nenhuma transformaçãode caráter popular, é acelerar aconstrução de usinas em todas as regiõesdo Brasil, especialmente na regiãoamazônica.Os planos de hidrelétricas no Rio Madeiratem sido exemplo disso. Aomesmo tempo, que é porta de entradapara um conjunto de hidrelétricasa serem construídas na Amazônia,é possível afirmar que estas obrasestão pensadas na lógica do atualmodelo energético e, portanto, sãoanti-populares. Combatê-las deve serum compromisso de todo povo brasileiro.Não se trata de uma luta apenasda população atingida pelos lagosdas hidrelétricas, todo povo brasileiroé atingido pelas altas tarifas,pela privatização da água e da energia,pelo caráter do financiamentovia BNDES, ou porque coloca as empresaspúblicas e o dinheiro de todoo povo, a serviço desta lógica perversa.Portanto, a luta da energia devese transformar em luta popular porque,antes de tudo, é uma luta pelasoberania de nosso país.O discurso de escassez de energiatem sido o principal argumento ideológicopara justificar novas obras,os aumentos de tarifas e o financiamentopúblico, através do BNDES.No entanto, o cenário mundial decrise energética afeta principalmenteos países centrais do capitalismo(Estados Unidos, Europa e Japão),pois são eles que consomem 70% detoda energia do mundo, apesar depossuir apenas 21% da populaçãomundial. Ao analisarmos estes númerospercebemos que não se trata83


de uma questão referente à quantidadede energia a ser produzida, esim de um padrão de vida e de consumonestes países, é incompatívelcom a possibilidade de ser reproduzidomundialmente. Ou seja, é impossívelmanter o nível de produçãode energia para satisfazer este padrãode consumo.Existe energia suficiente para todosos brasileiros. Em estudo recente,o professor Dr. Dorival GonçalvesJunior, da Universidade Federal doMato Grosso (UFMT), informou queno Brasil sobram, hoje, mais de 8mil megawatts de energia elétrica,ou seja, 8 milhões de kilowatts. Estasobra de energia equivale a toda aprodução de Itaipu, que é a maiorbarragem do Brasil e uma das maioresdo mundo.9Afirmamos que o modelo energéticobrasileiro está organizado na lógicado capital financeiro, para permitiros maiores saqueios e rapinas. Atualmente,os chamados “donos daenergia” tem sido uma fusão de grandesbancos (Santander, Bradesco,Citigroup, Votorantim, etc.), grandesempresas energéticas mundiais(Suez, AES, Duke, Endesa, GeneralEléctric, Votorantim, etc.), grandesempresas mineradoras e metalúrgicasmundiais (ALCOA, BHP Billiton,Vale, Votorantim, Gerdau, Siemens,General Motors, Alstom, etc.), grandesempreiteiras (Camargo Correa,Odebrecht, Andrade Gutierrez,Queiroz Galvão, etc.), e grandes empresasdo agronegócio (Aracruz,Klabin, Amaggi, Bunge Fertilizantes,Stora Enso, etc.).848No mesmo estudo, o professoraponta que, mantendo os atuaisníveis de crescimento econômico,não vai faltar energia até o ano2010, nem que o governo não façanenhuma nova usina. Hoje, a produçãode energia é de 57.500 MW/hora médios.A luta em torno da energia deve serentendida em sua totalidade, comoparte da luta pela transformação doatual modelo de sociedade.• Na esfera da geração de energia, aluta contra as hidrelétricas tem setransformado numa luta anti-imperialista,ou seja, o enfrentamento seconcentra contra as maiores transnacionaisdo mundo;• Na esfera da transmissão e distribuiçãode energia, a luta contra oalto preço das tarifas, apesar deseu caráter tático, também podeser uma luta importante, pois afetaa esfera de realização dos lucrospelos capitalistas, já que opovo brasileiro paga uma das tarifasde energia elétrica das maiscaras do mundo.10O lucro das grandes empresas quemandam no setor elétrico brasileirotem sido cada vez maior. Em um estudorecente, o engenheiro José PauloVieira chegou a seguinte constatação:o brasileiro paga, por ano, R$15 bilhões a mais pelas tarifas deenergia do que quando as empresaseram estatais. O estudo mostraque a privatização, seguida de racionamento,revisão tarifária e aumentode encargos, elevou custo doserviço para a população. A privatizaçãodo setor elétrico brasileironão cumpriu a maior parte das promessasque fez.Se fossem levados em consideraçãoos custos do chamado seguroapagão, esse valor seria ainda maior.Esta é a conclusão da tese de doutoradodefendida pelo engenheiro ediretor presidente da Termoaçu, JoséPaulo Vieira, no Instituto de Eletrotécnicae Energia (IEE) da Universidadede São Paulo (USP). Para chegarao valor, o especialista tambémlevou em conta a elevação dos tributose encargos setoriais posterioresao racionamento.


1112No atual modelo energético a destruiçãoda natureza é cada vez mais evidentee alarmante. São grandes quantidadesde terra e de floresta que sãoalagadas para fazer mais e mais barragens.São grandes quantidades deflorestas derrubadas e de solos reviradospara retirar os minerais. São enormesplantações de eucalipto e canapara exportar, transformando grandesáreas em verdadeiros desertos verdes.Com a construção de barragens, asempresas construtoras não enriquecemsomente com a produção daenergia, mas se apropriam indevidamentedo nosso território, da riquezade nosso país. Ou seja, barram nossosrios e ficam donas de nossas terrase da nossa água. E querem fazercada vez mais obras, agora entrandona Floresta Amazônica.Todas as usinas hidrelétricas foramconstruídas ou financiadas com dinheiropúblico. Todo o sistema elétriconacional foi montado pelos governos,durante muitos anos, com dinheiropúblico. Depois, durante os governosde Fernando Collor, Itamar Francoe Fernando Henrique Cardoso,houve a famosa privatização, onde foientregue muito do patrimônio para asgrandes empresas do setor.Muitas empresas foram privatizadas: comoa Eletropaulo, parte da CEEE (Companhia Estadualde Energia Elétrica), parte da Eletrosul. Mesmoque algumas sejam ainda consideradas estatais,têm boa parte do seu capital na mão de empresáriosparticulares.É bom sabermos que mesmo as que se dizemparticulares – tanto as empresas quanto asusinas – pegaram e continuam pegando dinheirodo governo para seu financiamento. Na maioriados casos, usam todo o dinheiro para fazera obra. Com o lucro da venda da energia, a obrase paga em 3 ou 4 anos e eles têm um prazo demais 10 anos para pagar o empréstimo para ogoverno, ficando por 30 anos donos da produçãoda energia.Um exemplo de dinheiro público favorecendoas grandes empresas privadas é o do ComplexoMadeira, que prevê a construção das barragensde Santo Antônio e Jirau.O BNDES (Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social) já anunciou quevai financiar até 75% do total das obras dasbarragens. A empresa estatal Furnas, que participado consórcio, também deverá desembolsaruma grande parcela para a construção. Assim,as empresas privadas do consórcio ficarãode donas das barragens, usufruindo do lucro davenda da energia, sem colocar quase nada dedinheiro para as obras.O consumo da energia no Brasil“Os grandes consumidores de energia são os que menos pagam”No atual modelo do setor elétrico, os consumidoressão divididos em dois grupos: de um ladoos grandes consumidores de energia elétrica, chamados“consumidores livres”, e de outro os pequenose médios consumidores, chamados “consumidorescativos”.Aos consumidores livres é fornecido energiaao preço de custo real. São aqueles que conseguemcomprovar que consomem em um determinadomomento mais de 3.000 quilowatt e, comisso, eles obtém o direito de negociar livrementecom as geradoras o preço da energia através decontratos que podem ser de curto, médio e longoprazo (mais de 20 anos). Na prática são as multinacionais,através da grande indústria (principalmenteeletrointensiva) e grandes supermercados(shoppings). Atualmente, existem no Brasil 665consumidores livres e consomem sozinhos quase30% da eletricidade.Os chamados consumidores cativos são osconsumidores residenciais e quase a totalidadeda pequena e média indústria e do pequeno emédio comércio. O objetivo das empresas quedominam a energia é vender a energia ao preçomais alto possível para este grupo de consumidorese, desta forma, buscam obter as mais altas85


taxas de lucro. Quem define a tarifa que deve serpaga por este grupo de consumidores é a Aneel.E, como vimos, nestes últimos dez anos de privatizaçãoos preços foram reajustados em cercade 400%. A justificativa para os aumentos é sempreo mesmo: escassez de energia.Os consumidores cativos estão divididos emsubgrupos (A1, A2, B1, B2,...). Um destessubgrupos é o que chamamos de “SubclasseResidencial Baixa Renda”. Este grupo, por serconsiderado famílias de consumidores de baixarenda, possui uma política de preços subsidiados.Conforme a média de consumo brasileira, teríamosem torno de 17,5 milhões de famílias que seenquadrariam neste subgrupo, no entanto, a Aneeltenta criar critérios para excluir a grande parte destasfamílias do acesso a este direito.Transformando em exemplo:A empresa estadunidense ALCOA e a Valepossuem indústrias de alumínio e ferro noMaranhão e no Pará (a Alumar e a Albrás) e desde1984 recebem energia subsidiada daEletronorte. Em 2004, seus contratos com aEletronorte foram renovados. A ALCOA, que nestesúltimos 20 anos recebeu energia ao preço médiode 20 dólares ao megawatt-hora (cerca de 38reais), em maio de 2004 renegociou o contratoaté 2024 para receber 820 Mw médios e pagaráem média 25 dólares ao Mwh (cerca de 45 reais).A Vale, que recebia energia ao preço médio de 13dólares (24 reais) por megawatt-hora até 2004,renegociou seu contrato de 800 Mwh médios até2024 ao preço médio de 18 dólares/megawatthora(33 reais/Mwh).Enquanto estas multinacionais (livres)recebem a energia a um preço de 03 a 05 centavospor Kwh/mês, os trabalhadores das cidades,agricultores e pequenos e médios empresários(cativos) pagam de 700 a 1000%mais que este preço.Na tabela abaixo vemos a diferença de preçopago pela mesma quantidade de energiaconsumida por estas duas empresas, comparandocom o preço pago pelas famílias no Estado doRio Grande do Sul:ConsumidoresConsumoValor por kwem R$Veja no gráfico abaixo o preço pago pelas duas empresas (ALCOA e Vale) e os demaisconsumidores, tomando como exemplo a tarifa cobrada no Rio Grande do Sul:Totalem R$Vale (Albrás) 100 Kw 0,033 3,30Alcoa (Alumar) 100 Kw 0,045 4,50Consumidor residencial – tarifa normal – RGE/RS 100 Kw 0,467 46,70Consumidor residencial – tarifa rural – RGE/RS 100 Kw 0,255 25,50Consumidor residencial – tarifa social – RGE/RS 100 Kw ---- 24,3386Elaboração do gráfico: <strong>MAB</strong>


Pelo gráfico, vemos que, enquanto a Alcoae a Vale pagam menos de R$ 5,00 por 100Kwh deenergia, os consumidores residenciais e as empresase o comércio de pequeno e médio portepagam mais de R$ 45,00 pela mesma quantidadede energia consumida.Ainda pelo gráfico, vemos que as famíliasgaúchas residentes no meio rural pagam poucomais de R$ 25,00 e as famílias que se enquadrariamna tarifa social, pagariam mais de 24reais, ou seja, 500% mais caro que as multinacionaiscitadas.A luta pela tarifa socialFamílias que consomem até 220 kwh/mês podem ter acessoà Tarifa Social mediante autodeclaração1. A tarifa social de energia elétrica é um preçocobrado das famílias mais pobres, varia delocal para local, mas na maioria dos casosfunciona com preços mais baixos do que atarifa normal. Os descontos na conta de luzpodem variar de 10% até 65% do valor datarifa normal.2. Conforme a lei em vigor neste momento (maiode 2008), as orientações para as famílias interessadassão as seguintes:A) Para todas as famílias que consomemmenos de 80 kwh/mês, o reconhecimentopela distribuidora de energia elétrica deve seremitido de forma automática nas contas de luz,não havendo necessidade nenhuma de comprovaçãode baixa renda.B) Para as famílias que seu consumo situa-sena faixa de 80 kwh/mês até nomáximo 220 kwh/mês, podem ser enquadradasobservando os seguintes orientações:O gasto de energia da família não pode ultrapassar o chamado“limite regional máximo”. A Aneel definiu uma tabela queapresenta os limites para cada Estado.As ligações devem ser monofásicas.Para quem se inclui nestes critérios e ainda não está cadastrado naconcessionária basta preencher um documento chamado de“Autodeclaração”. Este documento deve ser assinado pelo responsávelpela conta da energia e entregue na sede da distribuidoralocal. Depois de entregue, a empresa é obrigada a colocar imediatamenteestas novas famílias como beneficiárias dos subsídios constantesna Tarifa Social Baixa Renda.As famílias não precisam provar sua inscrição no Programa Socialdo Governo Federal (Fome Zero) para serem reconhecidas peladistribuidora ou para se autodeclarar.Os prazos estão em aberto e não há datas limites para apresentarnovas autodeclarações.A decisão é de abrangência nacional, ou seja, em todos os estadosas famílias podem se autodeclarar.87


As batalhas na justiçaÉ bom saber que para garantir esta lei estáse travando também uma batalha na justiça,que já teve os seguintes passos realizados:1.2.3.Em 2004, a Associação Brasileira deDefesa do Consumidor (ProTeste) e aFundação Procon de São Paulo entraramna justiça com uma Ação Civil Públicacontra a Aneel e contra o GovernoFederal para garantir às famíliasque consomem menos de 220 kwh/mês o direito a pagarem a chamada“Tarifa Social de Energia Elétrica” ou“Baixa Renda”.Este processo está em andamento naJustiça Federal. Em abril de 2006, umJuiz de Brasília deu uma decisão favorávelàs famílias, podendo o benefíciochegar para mais de 17 milhõesde famílias no Brasil inteiro. Verificamosque milhares de famílias têm odireito, mas não vem recebendo osdescontos nas “contas de luz” porqueainda não estão cadastradas.E em maio de 2007 as famílias brasileirastiveram nova vitória. Conformea decisão do Sr. Catão Alves, DesembargadorFederal de Brasília, todas asfamílias que consomem abaixo de 220kwh/mês de energia elétrica, para receberemos descontos referentes a Ta-4.5.6.rifa Social Baixa Renda, basta entregarinicialmente uma autodeclaraçãona distribuidora de energia elétrica desua região. Desta forma, novas famíliaspodem ser enquadradas na chamadaTarifa de energia elétrica SubclasseBaixa Renda.Desde setembro de 2007, todas asconcessionárias e distribuidoras deenergia elétrica foram notificadas eorientadas pela Agencia Nacional deEnergia Elétrica, para que cumpram adecisão judicial (através do ofício circularnº 560/2007 - Aneel). No entanto,as empresas têm buscado abafar anotícia, para evitar que as famílias comdireito possam se autodeclarar.Finalmente é importante destacarque muitas famílias que encaminharamsuas autodeclarações de formaorganizada para as empresas que vendemenergia já estão ganhando osdescontos nas suas contas de energiaelétrica.Conforme mencionamos acima, os limitesmáximos regionais variam de localpara local. Na página ao lado, segueuma tabela com os limites máximos, definidospela Aneel, conforme a empresadistribuidora de energia.Companheiros e companheiras, todos os elementos citadosno texto só têm sentido se existir a organização e a pressãopopular. Então, como militantes que somos, também somosresponsáveis por assumir esta campanha contra os altospreços da energia elétrica.Temos que organizar nossas comunidades, bairros e vilas,fazer panfletagens e ações de agitação e propagandapara que a informação chegue ao maior número possível defamílias, e dessa forma consigamos baixar o preço da luz emobilizar o povo.88


EMPRESASCERON - Centrais Elétricas de RondôniaCELPA - Centrais Elétricas do ParáCEMAT - Centrais Elétricas MatogrossensesCENF - Companhia de Eletricidade de Nova FriburgoCEA - Companhia de Eletricidade do AmapáCOELBA - Companhia de Eletricidade do Estado da BahiaCERJ - Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de JaneiroCELB - Companhia Energética da BorboremaCEAL - Companhia Energética de AlagoasCELPE - Companhia Energética de PernambucoCERCOELCE - Companhia Energética do CearáCEMAR - Companhia Energética do MaranhãoCEPISA - Companhia Energética do PiauíCOSERN - Companhia Energética do Rio Grande do NorteSULGIPE - Companhia Sul Sergipana de EletricidadeENERGIPE - Empresa Energética de SergipeLIGHTJarcel CeluloseSAELPA - Sociedade Anônima de Eletrificação da ParaíbaLimite regional - kWh140ENERSUL - Empresa Energética do Mato Grosso do Sul 150AES SULELETROCAR - Centrais Elétricas de CarazinhoCELESC - Centrais Elétricas de Santa CatarinaCOCEL - Companhia Campolarguense de Energia - PRCFLO - Companhia Força e Luz do OesteCEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica - RSCOPEL - Companhia Paranaense de EnergiaCOOPERALIANÇADEMEI - Departamento Municipal de Energia de IjuíEFLUL - Empresa Força e Luz de Urussanga - SCJOÃO CESAFORCELXANXERÊHIDROPAN - Hidrelétrica PanambiUHENPAL - Usina Hidrelétrica de Nova Palma - RSRGE - Rio Grande Energia - RSMMCCELTINS - Companhia de Energia Elétrica do Estado do TocantinsCEB - Companhia Energética de BrasíliaCELG - Centrais Elétricas de GoiásCEMIG - Companhia Energética de Minas GeraisCHESP - Companhia Hidroelétrica de São PauloCFLCL - Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina - MGDMEPC - Departamento Municipal de Eletricidade de Poços de Caldas - MGESCELSA - Espírito Santo Centrais ElétricasELFSM - Empresa de Luz e Força Santa Maria - ESELETROACRE - Companhia de Eletricidade do AcreCEAM - Companhia Energética do AmazonasMANAUS ENERGIABOA VISTA ENERGIABANDEIRANTECaiuáCJECLFMCNEE - Companhia Nacional de Energia ElétricaCLFSC - Companhia Luz e Força Santa CruzCPEE - Companhia Paulista de Energia ElétricaCPFLPIRATININGACSPEELEKTROEEBEEVPELETROPAULO16018020022089


Declaração universaldos direitos da águaEm 22 de março de 1992 a ONU (Organizaçãodas Nações Unidas) instituiuo “Dia Mundial da Água”, publi-cando um documento intitulado “DeclaraçãoUniversal dos Direitos da Água”. Eis o texto quevale uma reflexão:01020304050607080910A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo,cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsávelaos olhos de todos.A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vidade todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos concebercomo são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou aagricultura.Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos,frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipuladacom racionalidade, precaução e parcimônia.O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação daágua e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionandonormalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Esteequilíbrio depende em particular, da preservação dos mares e oceanos,por onde os ciclos começam.A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo,um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidadevital, assim como a obrigação moral do homem para com as geraçõespresentes e futuras.A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico:precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e quepode muito bem escassear em qualquer região do mundo.A água não deve ser desperdiçada, poluída, nem envenenada. De maneirageral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento paraque não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração daqualidade das reservas atualmente disponíveis.A utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui umaobrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Estaquestão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteçãoe as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e oconsenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.93


Legislação sobre a água 36Na história das sociedades, os direitoshumanos foram e estão sendoconstruídos através das lutas e daorganização do povo. Os direitos ambientaisforam consagrados há pouco tempo pelas NaçõesUnidas, particularmente consignados naAgenda 21, promulgada pela ECO-92, a ConferênciaMundial sobre o Meio Ambiente, realizadano Rio de Janeiro, em 1992. Trata-se deum conjunto de direitos que pretendem assegurara vida no Planeta Terra pela proteção,preservação e recuperação das condiçõesambientais e pelo uso sustentável dos recursosnaturais (terra, ar, água e biodiversidade). OBrasil se comprometeu em implementar a Agenda21, apesar de não ter força de lei.Dentre os direitos ambientais, queremosdestacar o direito à água. Nada mais justo que opovo se organize em defesa da conquista dessedireito. Para isso, é necessário o conhecimento dalegislação sobre os recursos hídricos. Seguem algunstópicos:1 - Em nível internacionalA Declaração Universal dos Direitos da Água,proclamada em 1992, pela ONU, embora não tenhaforça de lei, representa uma carta de intençõesdas Nações Unidas sobre o direito à água. EssaDeclaração é, na verdade, uma convocatória aoscidadãos e aos países do mundo inteiro para quese esforcem no desenvolvimento da cultura do direitoe dos deveres em relação à água.Os Art. 1 e 2 da Declaração afirmam que:Art. 1 - “A água faz parte do patrimônio doplaneta”.Art. 2 - “A água é a seiva do nosso Planeta.Ela é a condição essencial da vida detodo ser vegetal, animal ou humano.Sem ela não poderíamos concebercomo são a atmosfera, o clima, a vegetação,a cultura ou agricultura. Odireito à água é um dos direitos fundamentaisdo ser humano [...]”.A Declaração entende a água como umpatrimônio da humanidade, condição essencialpara a vida, um direito humano e um bem público.Como todos somos responsáveis por ela, devemosutilizá-la com consciência e racionalidade, ou seja,com precaução, cuidado e preservação. A gestãoeconômica, sanitária e social da água deve sercontrolada pelo Poder Público com a participaçãode toda a sociedade.O Art. 6 da mesma Declaração, aponta: “Aágua não é uma doação gratuita da natureza; elatem um valor econômico: precisa-se saber que ela é,algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muitobem escassear em qualquer região do mundo.”Este artigo entende a água como “valor econômico”,o que evidencia uma contradição emrelação aos Art. 1 e 2, citados anteriormente. Se aágua é considerada “condição essencial de vida”e “patrimônio do planeta”, não pode ser consideradobem econômico, desfrutável mediante pagamentocomo bem. O único pagamento deve serpelo serviço de disponibilizá-lo.2 - Em Nível Nacionala) A Constituição do Brasil, promulgada em04/10/1988, chamada “Constituição Cidadã”,traça a política nacional das águas em três artigos:Art. 20 – “São bens da União:III – os lagos, os rios e quaisquer correntesde água em terrenos de seu domínio, ouque banhem mais de um Estado, sirvamde limites com outros países, ou se estendama território estrangeiro ou dele provenham,bem como os terrenos marginaise as praias fluviais.Art. 26 - “Incluem-se entre os bens dos Estados:I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,emergentes e em depósito, ressalvadas,neste caso, na forma da lei, as decorrentesde obras da União.”Art. 21 - “Compete à União:XIX - instituir sistema nacional de gerenciamentode recursos hídricos e definir critériosde outorga de direitos de seu uso”.b) A Lei N. 9.433, de 08/01/1997, institui aPolítica Nacional de Recursos Hídricos e cria oSistema Nacional de Gerenciamento de RecursosHídricos.9436Texto disponível em www.mabnacional.org.br


O Art. 1 da Lei N. 9.433 estabelece osfundamentos da Política Nacionalde Recursos Hídricos:I – a água é um bem de domínio público;II – a água é um recurso natural limitado,dotado de valor econômico;III – em situações de escassez, o uso prioritáriodos recursos hídricos é o consumohumano e a dessedentação de animais;IV – a gestão dos recursos hídricos deve sempreproporcionar o uso múltiplo das águas;V – a bacia hidrográfica é a unidade territorialpara implantação da Política Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos;VI – a gestão dos recursos hídricos deve serdescentralizada e contar com a participaçãodo Poder Público, dos usuários edas comunidades.Com esse conjunto de fundamentos, a PolíticaNacional de Recursos Hídricos tem como objetivospreservar o direito ao acesso à água em padrõesde qualidade para as gerações atuais e futuras;utilizar racionalmente a água integrando-a aoprojeto de desenvolvimento sustentável do País;prevenir e defender a água de usos inadequados.Alguns aspectos dessa leia serem consideradosA cobrança do usodos recursos hídricosQuando a legislação define a cobrança do usodos recursos hídricos pretende reconhecer o fornecimentoda água como um bem econômico dando aousuário a indicação do seu real valor e incentivar aracionalização de seu uso. Os valores arrecadadosdeverão, necessariamente, ser aplicados na baciahidrográfica na qual foram gerados para asseguraro direito à água para as futuras gerações.Quem define os valores a serem cobrados pelouso dos recursos hídricos? São as Agências de Água,autarquias vinculadas ao Ministério do Meio Ambiente,que exercem a função de secretaria executivados Comitês de Bacia Hidrográfica. É a Lei N. 9.984,de 17/07/2000, que dispõe sobre a criação da AgênciaNacional da Água – ANA. Portanto, a ANA controlao mecanismo de gerenciamento das águas, istoé, a outorga (licença de uso), a determinação docusto das águas, e é a arrecadadora do valor estipuladopela água utilizada pelo consumidor e aaplicadora das respectivas arrecadações.O sistema nacional de gestãodos recursos hídricosA gestão da água deverá ser feita por umsistema integrado e descentralizado, envolvendo:o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, osConselhos Estaduais de Recursos Hídricos, os Comitêsde Bacia Hidrográfica, os órgãos dos poderespúblicos federal, estadual e municipal cujascompetências estejam relacionadas à gestão dosrecursos hídricos e as Agências de Água.Em especial, cabe a cada cidadão buscar ainformação e a participação nos Comitês de BaciaHidrográfica.O que é um Comitê de BaciaHidrográfica?O Comitê é um agrupamento de pessoasrepresentantes do Poder Público, dos usuários eda sociedade civil que se organizam para planejara gestão das águas de uma Bacia Hidrográfica,isto é, de um conjunto de afluentes situados numamesma região e que deságuam em um rio principal.Um Comitê tem, portanto, a área de atuaçãogeográfica de uma Bacia Hidrográfica.O Comitê tem como principais competências:debater e articular as questões relativas aos recursoshídricos; resolver conflitos, em primeira instância, relacionadosà questão; aprovar e acompanhar a execuçãodo Plano de Recursos Hídricos da Bacia; estabelecermecanismos de cobrança pelo uso dos recursoshídricos e sugerir valores a serem cobrados dosusuários; definir critérios e ratear custos das obras deuso coletivo; propor mapeamento e demarcação depequenas nascentes, córregos e mananciais aos ConselhosNacional e Estadual de Recursos Hídricos.A Resolução N. 5, do Conselho Nacionalde Recursos Hídricos, de 10/04/2000, ao regulamentara criação dos comitês, estabeleceu que osmesmos devem ser compostos por uma tríplicerepresentação: 40% do poder público; 40% deusuários; e 20% da sociedade civil organizada.Todos de uma forma ou de outra, podemparticipar dos Comitês de Bacia Hidrográfica edas demais lutas em defesa do direito à água paracontribuir na tomada de decisão sobre os rumosde sua comunidade (local, municipal, estadual efederal), assegurando o acesso e a qualidade daágua, sua preservação e sua gestão pública.95


3 - Em nível estaduala) A Constituição do Estado do Rio Grandedo Sul, de 1989, em seu Art. 171 institui:“o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, integradoao sistema nacional de gerenciamentodesses recursos, adotando as Bacias Hidrográficascomo unidades de planejamento e gestão,observados os aspectos de uso e ocupaçãodo solo, com vistas a promover:I – a melhoria da qualidade dos recursoshídricos do Estado;II – o regular abastecimento de água às populaçõesurbanas e rurais, às indústrias eaos estabelecimentos agrícolas”.b) A Lei N. 10.350, de 30/12/1994, regulamentao Art. 171 da Constituição Estadual,instituindo o Sistema Estadual de RecursosHídricos. O objetivo do Sistema Estadual é definidono Art. 2 da Lei que pretende “promovera harmonização entre os múltiplos e competitivosusos dos recursos hídricos e sua limitadae aleatória disponibilidade temporal e espacial,de modo a:I – assegurar o prioritário abastecimento dapopulação humana e permitir a continuidadee desenvolvimento das atividadeseconômicas;II – combater os efeitos adversos das enchentese estiagens e da erosão do solo;III – impedir a degradação e promover amelhoria de qualidade e o aumento da capacidadede suprimento dos corpos de águasuperficiais e subterrâneos, a fim de que asatividades humanas se processem em umcontexto de desenvolvimento socioeconômicoque assegure a disponibilidade dosrecursos hídricos aos seus usuários atuaise às gerações futuras, em padrões quantitativae qualitativamente adequados”.Em conformidade com a legislação federal,o Estado pretende assegurar água em qualidade equantidade para o abastecimento humano e econômico,descentralizando suas ações na gestão daágua por regiões e Bacias Hidrográficas, bem comopor meio da participação comunitária através deComitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográficae a criação de Agências de Região Hidrográfica.Privatização da água 37Silvio Caccia Bava 38OBrasil está pressionado pelo FMI e peloBanco Mundial a privatizar os serviçosde água e esgoto. De fato, este processojá começou. Estima-se que sejam cerca de trintamunicípios que já privatizaram esses serviços. Ainiciativa mais expressiva talvez seja a do governodo Estado do Amazonas, que em junho de2000 leiloou a Manaus Saneamento, responsávelpor 96% das atividades da Companhia de Saneamentodo Amazonas. Quem comprou a ManausSaneamento foi a transnacional francesa Suez-Lyonnaise. Pagou R$ 180 milhões, mas 50% destesrecursos foram financiados pelo BNDES. Segundoespecialistas, estes recursos teriam sidorecuperados pela empresa em apenas 14 mesesde operação. A fonte destes recursos são as tarifaspagas pela população.A privatização da água é um processo queganha escala em todo o mundo. Em 1980 eram12 milhões de domicílios. Hoje são 600 milhões.Os países pioneiros são a Inglaterra, a França, oChile. Com o discurso das PPP (parcerias público-privado),que não tem nada de brasileiro, quatrograndes multinacionais – com o respaldo dasagências multilaterais de financiamento – avançamsobre os serviços públicos de saneamentobásico no mundo inteiro. São elas: Ondeo, uma9637Estudos da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental revelam que a privatização dos serviços sai muito mais cara parao consumidor. Se os investimentos forem feitos por órgãos públicos municipais, preço da água seria até 48% menor do queno modelo das PPPs. Texto disponível em http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=94.38Sociólogo, é diretor do Instituto Pólis e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).


filial da Suez-Lionnaise, com 125 milhões de clientes;Veolia (ex-Vivendi), com 110 milhões declientes; Saur, com 29 milhões de clientes. A estastrês companhias francesas se soma a RWE alemãe sua filial inglesa, a Thames Water.O resultado destas privatizações é um aumentoexorbitante no preço da água. Em 1995 a empresaGénérale des Eaux (Veolia) ganhou o leilão de privatizaçãoda água na província Argentina de Tucumán.Ao assumir os serviços a empresa aumentou em 104%o preço dos serviços. Em 2000 a empresa norte-americanaBetchel assumiu o controle dos serviços de águade Cochabamba, na Bolívia. Em semanas a empresatriplicou o preço dos serviços para as famílias maispobres. Os exemplos poderiam se multiplicar, pois estaé a lógica das empresas que operam neste novo mercado.Mas estes exemplos têm outro significado também.Nos dois casos a mobilização popular obrigouseus governos a rescindirem os contratos com estasempresas e a assumirem diretamente a prestação destesserviços públicos.Estimativas do Ministério das Cidades dizemque são necessários R$ 178 bilhões parauniversalizar os serviços de água e esgoto até 2020.Algo como R$ 9 bilhões por ano. Dinheiro para atenderaos 10,7% de domicílios urbanos que ainda nãotem água e os 23,3% que ainda não tem esgoto, alémde investimentos para garantir o sistema atual.O histórico de investimentos em saneamentobásico não é animador. Nos anos 70 ele foi de0,34% do PIB; nos anos 80 foi de 0,28%; nos anos90 foi de 0,13%. Em 2003 foram gastos apenasR$ 60 milhões; em 2004 foram autorizados R$818,8 milhões, mas até o fim do ano tinham sidopagos apenas R$ 53,6 milhões e comprometidosoutros R$ 454,7 milhões. Os recursos programadose não liberados foram para o pagamento dosjuros da dívida pública.Segundo estudos da Frente Nacional peloSaneamento Ambiental a privatização sai muitomais cara para o consumidor. Se os investimentosforem feitos por órgãos públicos municipais, opreço da água seria de 37% a 48% menor do queno modelo proposto pelas PPP. Além de observarque as empresas que participam das privatizaçõestêm financiado seus investimentos com recursosdo BNDES e do FGTS, que poderiam serdirecionados para as autarquias municipais ouas companhias estaduais de saneamento.O acesso à água é um direito humano fundamental.O abastecimento de água e o saneamentodevem ser serviços públicos prestados peloEstado. Estas são proposições da Plataforma Globalda Água, documento elaborado por uma articulaçãode movimentos sociais do mundo inteiro,e são uma reação à onda de privatizações dosserviços públicos que transformam a água de umbem público em mercadoria.A África do Sul e o Uruguai já incluíramnas suas Constituições que a água não pode serprivatizada. A Frente Nacional de SaneamentoAmbiental apresentou ao Congresso um documentocom 720.000 assinaturas contra a privatizaçãoda água no Brasil. Não podemos abrir mão de quetodo brasileiro tem direito à água potável de qualidade,mesmo se não tiver dinheiro para pagar.O Nordeste é Viável sem Transposiçãoe com Ética na Política 39De São João a São Pedro, o Nordestetodo se une em sua maior festa. Coincidentecom as colheitas no sertão,é a festa da fartura, da solidariedade e da alegria.Do Nordeste viável, auto-sustentável e soberano.Nós, os movimentos populares e enti-dades civis da Bacia do Rio São Francisco e detodo o Nordeste, vimos festejar em Cabrobó-PEpara mostrar que o Nordeste não precisa desteprojeto traiçoeiro chamado “integração de bacias”,a mesma antiga transposição. Acampadosem cerca de 2000 pessoas junto ao canteiro39Declaração dos movimentos sociais(disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/imagens/banners/anexos/ 20070626-1.doc, acessado em 18/05/2008)97


98de obras, no km 29 da BR 428, vimos exigir aimediata suspensão das ações que dão inícioàs obras da transposição. Em sinal de outro desenvolvimento,voltado para a população e nãopara o capital, nos irmanamos ao Povo Truká eaos indígenas de todo o Nordeste na retomadadesta terra, da Fazenda Mãe Rosa, desapropriadapara a transposição, território Truká desdetempos imemoriais.Água nos açudes e cisternas,caatinga verdejante,comidas de milho, requeijão epaçoca, licores e muito forróao redor da fogueira...Sinais do Nordeste bonito eviável, evidências do que podeo período chuvoso do semi-árido,se para ele deslocarmos o foco,concentrarmos os esforços,investirmos.Ao optar por obra contra a seca e não afavor do semi-árido e sua dinâmica sócioambiental,o governo erra mais uma vez, comotem acontecido historicamente. A proposta deconviver com o semi-árido – esperava-se dessegoverno – sepultaria a política e a indústriado combate à seca e consolidaria a políticado aproveitamento do chuvoso, pois éneste, e não na seca, que se decide a vida dosertão e do sertanejo. A transposição, barganhadae em nome de uma falsa revitalizaçãodas bacias do Nordeste, significa uma “travessiapara o passado”.A questão não é doar água ou não, masqual desenvolvimento, a que preço e para quem.E como enfrentar os limites impostos pelas mudançasclimáticas globais, que tendem a diminuiros mananciais do Rio São Francisco edesertificar o semi-árido.Este é o terceiro acampamento que fazemos,o último em Brasília por uma semanano mês de março, com 740 pessoas. Já sesomam quase uma centena de manifestaçõespúblicas. Sequer fomos recebidos, muitomenos ouvidos ou considerados. Será por quesignificamos a incômoda verdade sobre esseprojeto e o que ele vai trazer de falso desenvolvimentopara o Nordeste? Ou é porque vivemosnum blefe de democracia? Ditadurade novo, com desenvolvimentismo e até açãodo Exército?O processo transcorrido até aqui não foi democráticonem republicano e desabona o projeto,seus promotores e lobistas:‣ Estudos de impacto ambiental formais eincompletos;‣Críticas fundamentadas dos principaisespecialistas;‣ Desrespeito às decisões do Comitê deBacia;‣Descumprimento do acordo feito com D.Luiz Cappio, ao encerrar a greve defome, em novembro de 2005, para quehouvesse um amplo e sério debate nacionalsobre o assunto;‣ Incertezas e inverdades quanto as reaismotivações do projeto, quanto a seuscustos e a quem vai pagar a conta;‣Propaganda enganosa sobre seu alcance,ao manipular a opinião pública e inventarum público beneficiário de 12 milhõesde sedentos, na verdade, os que vãopagar a conta dos grandes usos econômicosintensivos em água;‣ Irregularidades flagrantes detectadas peloTribunal de Contas da União;‣Indícios de corrupção (caso daGautama, empreiteira candidata ao segundotrecho mais caro da obra);‣ Ocultação ao debate público dosprojetos de transposição do RioTocantins para os Rios São Franciscoe Parnaíba;‣Compra descarada de apoio dos políticosdo São Francisco, com verbas darevitalização;‣ Chantagens de um pseudo-desenvolvimentotransmutado em crescimentoeconômico a qualquer custo e semfuturo...São motivos mais que suficientes para queesse projeto seja arquivado. E que a sociedadecobre essa única atitude digna de um Estado deDireito democrático e republicano.


Transposição não é soluçãoesta a verdade que não quer calar!√√√√√√√√√√√√Queremos um programa verdadeiro de convivência com o semi-árido;Queremos um projeto de desenvolvimento regional que atenda às reais necessidades dapopulação do semi-árido e do São Francisco e não de uma minoria de empresários nacionaise estrangeiros;Queremos a democratização do acesso à água, com acesso livre da população aos açudese às adutoras;Queremos controle social sobre os usos das águas dos açudes e reservatórios geridos comcompetência;Queremos destinação prioritária das águas para a agricultura familiar e camponesa;Queremos a implementação imediata das 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – AgênciaNacional de Águas para levar água a 34 milhões de habitantes do Polígono das Seca;Queremos programas que ampliem, divulguem e implantem as mais de 140 tecnologiashídricas, agrícolas e ambientais de convivência com o bioma caatinga e o clima semi-árido;Queremos reforma agrária ampla e efetiva e regularização dos territórios tradicionais, a começarpelas áreas dos Povos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Cambiwá, atingidos pela transposição;Queremos a suspensão das barragens de Pedra Branca, Riacho Seco e Pão de Açúcar e deCentrais Nucleares na região;Queremos uma revitalização do Rio São Francisco que seja para valer!Queremos que o Supremo Tribunal Federal tome finalmente a decisão e que essa seja contráriaao projeto;Queremos o arquivamento definitivo do projeto de transposição!Conviver com o semi-árido é a solução!São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!Cabrobó, 26 de junho de 2007.Ao São Francisco 40Ademar BogoSão Francisco, rio e santo. Águas vertidasdo pranto das margens secas estendidas.Margens que perderam a vida,águas que perderam o encanto.Margens de velhas carcaças pelos anos carcomidas.Por não serem protegidas desbarrancaramno leito, como um peso sobre o peito o rio jánão respira; e parece uma mentira, mas tambémnão se alimenta; e quem do rio se sustenta, senteque não tem mais jeito.Pensam em sangrar o rio cortando qualestilete. Pra desviar um filete do sangue que já nãotem. Dizem que é para o bem da pobreza do nordeste;na verdade os cafajestes controlarão o canal; nãohaverá nada igual, nos novos tempos vindouros, aágua vai virar ouro nos baldes do capital.40Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=565, acessado em 18/05/2008.99


Pra manter o Chico vivo é a grande reação.Contra a transposição, desta armação tão perfeita.Não pode querer colheita quem nunca plantou umgrão! Nem pode existir razão em um projeto polêmico.O Chico é um escravo anêmico,que está indo ao mercado e seráprivatizado se não houver reação.Em nosso grande nordeste hádez milhões de camponeses, e foi pordiversas vezes que votaram em eleições;aguardando soluções que aquinunca chegaram, somente os ricosganharam e haverá continuidade, sea solidariedade não assumir os desafios,pois só as águas dos rios, aindanão são propriedade.Se o presidente quisesse fazeruma obra bonita, atacaria a malditapropriedade fundiária, faria a ReformaAgrária e daria condições, paraque os nossos sertões fossem todos protegidos.Tendo isto resolvido, se voltaria pra cidade, teriaágua em quantidade com os rios abastecidos.Poderia então transpor as águas do SãoFrancisco; não correria nenhum risco no conteúdoe na forma. Depois de feita a reforma erevitalizado o rio, pra não ficar no vazio teria leispor garantia, que enquanto raiasse os dias, aságuas dos rios ou paradas, não seriam privatizadasnem vendidas suas bacias.São Francisco,rio e santo.Águas vertidasdo pranto dasmargens secasestendidas.Margens queperderam avida, águasque perderamo encanto.Este é o grande dilema que teremos de enfrentar,aqui e em qualquer lugar, que exista águacorrente. Creiam, que daqui pra frente, nossas fontesnaturais, com políticas liberais, serão todas perseguidas,saqueadas ou mesmo vendidas,para empresas comerciais.Por isso é que a confiança estáperdendo a paciência, pois os sinaisde incoerência estão por todos os lados!Vemos milhões de acampadossem ver um palmo de terra! O agronegócioimpera, poluindo o ambiente; eé o mesmo presidente, dos transgênicose das barragens, que em tudo achavantagem num modelo decadente.Então se torna importante apoiaro Frei Luiz. É o orgulho do paísaos poucos se levantando. Ele está nocomando, contra a transposição; fezda fome a condição de um movimentode massas; contra as mentiras e trapaças seergue descalça a verdade, impondo-se a crueldade,para evitar a desgraça.Todo povo brasileiro está chamado a jejuar,é a forma de lutar que encontramos neste instante;seja aqui perto ou distante terá força esteprotesto, que aos poucos e em um só gesto seampliará esta rede. Se não houver solução, seguindoa transposição, o frei morrerá de fome e orio morrerá de sede.A Reforma Hídrica 41Roberto Malvezzi“Estão cercando os lagos brasileiros”, adverteo Movimento dos Atingidos por Barragens.O povo já não pode aproximar-se sequer pararetirar um caneco de água. Cercaram o “Eixão”que leva água do Castanhão, no Ceará, para oporto de Pecém, na grande Fortaleza. A água estáprotegida por arame, guardas em moto, câmerasfilmando os movimentos de quem ousar aproximar-sedo canal. Foi também por isso que Géssia,a menina sem água de 12 anos, morreu emPetrolina, ao cair de um canal de 15 metros dealtura que leva água para irrigação. Ela tentavaroubar um balde de água para suprir as necessidadesbásicas de sua família.10041Texto publicado em 26/03/2008, disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5137(consulta realizada em 18/05/2008)


O Dr. Manoel Bonfim, por tantos anos diretordo DENOCS, em seu livro “Potencialidadesdo Semi-árido”, afirma que o “grande erro doDENOCS foi não fazer a distribuição das águasestocadas no Nordeste”. Assim, 70 mil açudes feitosem toda a região – a mais açudada do planeta– guardam águas que nunca são democratizadas,porque as adutoras que visem sua distribuiçãojamais são feitas. Os poços, feitos com dinheiropúblico, acabaram trancafiados em propriedadesparticulares de latifundiários.Finalmente, se o governo conseguir realizara transposição do São Francisco, todos osgrandes açudes receptores terão suas águas privatizadas,tanto as originadas pela chuva – potencialde 37 bilhões de metros cúbicos - quantoaquelas oriundas do rio São Francisco. Finalmenteuma elite nordestina restrita vai conseguirimpor o primeiro grande “mercado deáguas” no Brasil, como já queria o Banco Mundialainda na década de 90.Pouco a pouco, sem grande reação da populaçãobrasileira, nossas águas vão conhecendoo caminho da privatização, embora constitucionalmentecontinuem como um “bem da União”.Quando falamos em reforma hídrica, propomosexatamente o empenho do Estado paragarantir que a água continue um bem comum,acessível a todos, fora das regras do mercado.Parece que, assim como a terra, não será possível,a não ser pela luta popular.Ao construirmos aproximad amente 300 milcisternas, ao propormos a captação da água dechuva para a produção, ao propormos a construçãodas adutoras que estão previstas no Atlas doNordeste, estamos propondo a segurança hídricapara milhões de pessoas e também a socializaçãode um bem que constitucionalmente ainda continuade todos os brasileiros. Seria o princípio da reformahídrica, a começar pelo Nordeste. Ou então vamospara o pior, assim como aconteceu com a terra.101


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Por trabalho, eles perdem a saúde 42Expostos a tarefas extremamente prejudiciais edegradantes, crianças, adultos e idosos enfrentamjornadas de semi-escravidãoNo sertão mineiro, os homens carvoeirostrabalham desde a madrugada, aosom seco de tosses repetidas. Enchemsacos de carvão e pulmões de fuligem.Sob vento de areia preta, José dos Santostrabalha solitário e solidário com o parceiro que,enfermo, não veio para a labuta. Não reclama davida, não reclama das dores nas costas nem datosse. Os olhos choram às vezes, mas quase todos,algum dia, choram no carvão. Deve ser a fuligem;se é algo do coração, todos disfarçam, ninguémsabe não.Santos tem 27 anos e trabalha desde os dez.Há nove, transporta sacos de carvão. Normalmentetrabalha com mais três companheiros: doisensacando e um carregando nas costas sacos quechegam a 40 quilos. Esse trabalhador sobe cercade 450 vezes uma escada, com os sacos nas costas,para encher um caminhão. Quando o caminhãoé grande, sobe 600 vezes. Como enche doiscaminhões por dia, pode chegar a subir e descer1200 vezes... com 40 quilos nas costas.Alguns dias existem dois carregadores parasubir no caminhão e essa tarefa é dividida. Recebempor produtividade, por carga executada –curiosamente, o salário não aumenta quando ocaminhão comporta 600 sacos, mas baixa quando,por motivos alheios à vontade do trabalhador,não tem caminhão para dois carregamentos.Começam a trabalhar às 2 horas da manhã.Eles vêm de longe, em bicicletas, porque afirma, a empreiteira Carvoaria e Transporte IrmãosSantos, apesar do nome, não fornecetransporte para os carvoeiros. Alguns demoramduas horas de bicicleta para ir, duas para voltare trabalham 14 horas por dia. “Me revolto caladotodos os dias. Esse serviço é muito ruim. Pegomuito cedo porque o solacaba com a gente e,às vezes, só saio às 4 da tarde. Só estudei até asegunda série completa e mal sei assinar onome. Meus filhos estudam e não quero quesejam carvoeiros”, diz Santos.Na sua equipe, trabalha o ensacador FranciscoRamos Sales, de 43 anos, desde os oitona labuta. Nascido em Rio Pardo (MG), estácasado pela segunda vez. Tem seis filhos dosdois casamentos. Os filhos estudam, mas ele sófez a primeira série. “Quem está nesse trabalho,é porque não tem outro. A gente fica cativoda pobreza e da ignorância. Aí, como tem muitagente assim,o empreiteiro tem sempre trabalhador”,afirma Sales.Exploração InfantilSantos está tentando romper uma correnteperversa que alimenta uma cadeia de trabalhodegradante nas carvoarias brasileiras, assimcomo nos sisais, nas fazendas, nos canaviais, naspedreiras e em vários setores do segmento ruralque alimentam indústrias urbanas.O trabalhador que vive em trabalho degradanteou análogo a escravo é, na sua imensamaioria, analfabeto, e foi explorado comotrabalhador infantil. Aconteceu assim com seuspais e seus avós. O normal é acontecer com osfilhos e netos.Ainda não existe no Brasil uma políticasocial que faça a associação entre trabalho infantile trabalho degradante, análogo a escravo,de forma a romper esse círculo. A realidade éque o trabalhador escravo de hoje foi o trabalhadorinfantil de ontem.“A gente custa a entender que nasceu para serpeixe de engordar gato que engorda rico e, emcasa, a gente fabrica com todo amor os próximos42Matéria feita por João Roberto Ripper de Rio Pardo (MG). Publicada no Jornal Brasil de Fato, Ano 1, Número 37, São Paulode 13 a 19 de novembro de 2003. Pág. 13.105


peixinhos. Para fugir disso, botei todo mundo paraestudar, mas sinto um aperto no peito porque seique o ensino é muito ruim. Filho de pobre, mesmodepois de estudar um, dois, quatro anos, continuaanalfabeto”, conta Santos.Muitas vezes o trabalho não é consideradotrabalho escravo, mas sempre é um trabalhoextremamente pesado e, quase sempre,mesmo em casos de carteira assinada, quandose recebe em média um salário mínimo, trata-sede um trabalho degradante. Acaba coma saúde do trabalhador.As fórmulas encontradas para exploração doscarvoeiros e burlas da legislação trabalhista têmnuances diferentes em alguns Estados como MinasGerais, Maranhão e Mato Grosso do Sul, onde seconcentram mais de 100 mil carvoeiros exploradospor siderúrgicas e madeireiras. Contudo, uma coisaé sempre comum. Quem mais lucra, quase nuncacontrata. As siderúrgicas não consideram o carvãotrabalho fim, mas meio para a produção do ferro edo metal. Por isso, contratam as empreiteiras,terceirizam o trabalho e, dessa forma, se eximem daresponsabilidade sobre o calvário do carvoeiro.EscravidãoEm Minas Gerais, no ano passado, 42 madeireirase carvoarias foram autuadas pordescumprir a legislação trabalhista e, em algunscasos, manter os trabalhadores em condições análogasà de escravo.O resultado da fiscalização foi encaminhadoao Ministério Público e à Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI) de Minas Gerais e gerou aCPI do Trabalho Escravo. O coordenador da Fiscalizaçãodo Trabalho Rural em Minas Gerais,Marcelo Campos, explicou que “essas empresastêm utilizado a terceirização ilegal de suas atividadesfinais, usando empreiteiras de fachada paracontratar trabalhadores necessários ao processoprodutivo. Com isso, tentam mascarar a verdadeirarelação de emprego e as conseqüências delaadvindas”. Para Campos, o número de trabalhadoresexplorados em trabalho degradante nas carvoariasde Minas Gerais pode passar de 50 mil.Segundo o presidente da CPI das carvoarias,deputado Adelmo Leão, do PT, a situaçãoé ainda mais grave porque, além dotrabalho escravo, existe a exploração do trabalhoinfantil.No Norte de Minas Gerais, as empresassiderúrgicas que mais exploram o carvão e oscarvoeiros são a V&M (Vallourec & Mannesman)Florestal e a Plantar Reflorestamento, ambascertificadas por qualidade ecológica pelo ForestSewardship Council (FSC), apesar de todas asdenúncias de irregularidades trabalhistas, humanase ecológicas feitas contra elas.Expostos a tarefas extremamente prejudiciaise degradantes, crianças, adultos e idososenfrentam jornadas de semiescravidão Maisde 100 mil pessoas são exploradas em carvoariase siderúrgicas de Minas Gerais, Maranhãoe Mato Grosso do Sul. As condições de trabalhobeiram a escravidão: são 14 horas por diacarregando sacos de 40 quilos nas costas, semcarteira assinada e salário fixo.Por que morremos cortadores de cana? 43Francisco Alves 44Segundo a Pastoral do Migrante, entre assafras 2004/2005 e 2005/2006 morreram10 cortadores de cana na Região Canavieirade São Paulo. Eram trabalhadores jovens, comidades variando entre 24 e 50 anos, todos erammigrantes, que tinham vindo de outras regiões do10643ALVES, F. (2006). Por que Morrem os Cortadores de Cana, in Saúde e Sociedade, set/dez 2006, No. 15/3, p 90 a 98.Texto disponível em http://www.pastoraldomigrante.com.br.44Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.


país (Norte de Minas, Bahia, Maranhão, Piauí)para o corte de cana. As causas mortis em seusatestados de óbitos são vagas a respeito do queocasionou verdadeiramente as mortes, os atestadosdizem apenas que morreram por paradacardíaca.Para entendermos as razões destas mortesé necessário entendermos o processo de trabalhoa que os cortadores de cana estão submetidosnesta atividade produtiva. O processo de trabalhopassou por mudanças significativas da década de80 até a presente década. Na década de 80, logono seu início, o país, e mais especificamente osetor sucro-alcooleiro, vivia o seu período áureo,em plena vigência do Proálcool, na sua segundafase (após 1979), que incentivava a produçãode álcool hidratado e anidro, produzido em destilariasautônomas, direcionadas a atender aoenorme crescimento da demanda por álcool, derivadasda produção nacional de automóveismovidos unicamente a este novo combustível. OProálcool foi o maior programa público mundialde produção de combustível alternativo aos derivadosdo petróleo.Em decorrência do Proálcool cresceu a produçãode cana-de-açúcar, novas destilarias e usinasforam instaladas e cresceu o número de empregosdiretos em toda a cadeia produtiva; da indústriaprodutora de máquinas e equipamentospara o setor sucro-alcooleiro à comercializaçãode álcool e açúcar, isto é, houve a criação de novospostos de trabalho industrial a novos postosde trabalho agrícola.Naquele período cresceu também a produtividadeda cultura agrícola, medida em quantidadede cana por hectare ocupado com a atividadeque saiu de 50 toneladas por hectare e atingiumais de 80, entre as décadas de 50 e 80. Cresceutambém a produtividade do trabalho no cortede cana, medida em toneladas de cana cortadaspor dia por homem ocupado.Se na década de 60 a produtividade do trabalhoera, em média, de 3 toneladas de cana pordia de trabalho, na década de 80 a produtividademédia passa para 6 toneladas de cana por diapor homem ocupado e no final da década de 90 einício da presente década, atinge 12 toneladas decana por dia.O processo de trabalho no corte de canaconsistia, na década de 80, no trabalhador cortarum retângulo; com 8,5 metros de largura, em 5ruas (linhas em que é plantada a cana), por umcomprimento que varia de trabalhador para trabalhador,que é determinado pelo que ele conseguecortar num dia de trabalho. Este retângulo échamado pelos trabalhadores de eito e o comprimentodo eito varia de trabalhador para trabalhador,porque depende do ritmo de trabalho e daresistência física de cada um e é esta distância,que é medida ao final do dia e será o indicadordo seu ganho diário. Estes metros lineares de cana,multiplicados pelo valor da cana pesada pela usina,dá o valor do dia de trabalho no corte de canapara cada trabalhador.Estima-se que para cortar 6 toneladas decana num dia, considerando uma cana de primeirocorte, de crescimento ereto, que o comprimentodo eito é de aproximadamente 200 metros.O trabalhador, além de cortar a cana contida naárea deste retângulo (1.700 m²), deve cortar tambémas pontas e transportar a cana para a linhado meio (3ª linha) que dista 3 metros de cada umadas extremidades do eito.O pagamento dos trabalhadores era, e é feito,a partir da quantidade de cana que é cortadapor dia de trabalho, portanto, era, e ainda é, umpagamento por produção. Os motivos que levamas usinas a adotarem o pagamento por produção,que é uma das formas de trabalho já denunciadapor Adam Smith, no final do século XVIII, e porKarl Marx, no século XIX, como uma das maisdesumanas e perversas, pois o trabalhador tem oseu ganho atrelado a força de trabalho despendidapor ele por dia.É verdade que tanto Adam Smith quantoKarl Marx denunciavam este trabalho, chamando-ode perverso e desumano, analisando apenasesta forma de trabalho em situações em que o trabalhadorcontrolava o seu processo de trabalho etinham, ao final do dia, pleno conhecimento dovalor que tinham ganho, isto porque conheciam ovalor do trabalho executado.No corte de cana é diferente porque os trabalhadoressó sabem quantos metros de cana cortaramnum dia, mas não sabem, a priori, do valordo metro de cana para aquele eito cortado porele, este desconhecimento é devido a que o valordo metro de cana do eito depende do peso dacana, que varia em função da qualidade da cananaquele espaço e a qualidade da cana naqueleespaço depende, por sua vez de uma série de variáveis(variedade da cana, fertilidade do solo,sombreamento etc.). Nestas condições, as usinaspesam a cana cortada pelos trabalhadores e107


108atribuem o valor do metro, através da relaçãoentre peso da cana, valor da cana e metros queforam cortados. Tudo isto é feito nas usinas,onde estão localizadas as balanças, sem controledo trabalhador. Portanto, entre aquelas situaçõesde trabalho analisadas pelos dois pensadoresnos séculos XVIII e XIX e as praticadasna cana nos séculos XX e XXI há uma enormedistância, que é o não controle do salário e doprocesso de trabalho pelos trabalhadores, esteé controlado pelas usinas.Os trabalhadores trabalham no corte decana por produção, em pleno século XXI, semsaberem quanto ganham, porque isto depende dequanto cortam. Além disto, mesmo cortando muitosmetros podem ter um ganho pequeno, porqueo valor do metro depende de uma conversão quenão é controlada pelos trabalhadores e sim pelasusinas. Portanto, se todos os autores declaram queo pagamento por produção, além de ser uma formade salário arcaica, perversa e desgasta os trabalhadores,porque sua produção e salário dependemde seu esforço físico, na cana esta forma detrabalho é mais perversa porque o ganho não dependedos trabalhadores mas de uma conversãofeita pelo departamento técnico das usinas.Há inúmeros casos de desavenças entretrabalhadores e usinas derivados desta conversãode toneladas de cana em metro. Estas desavençasforam responsáveis, inclusive peladeflagração de uma greve em 1986, que começounas cidades de Leme, no Estado de São Pauloe de lá alastrou-se para outras cidades e regiõescanavieiras do Estado e do país. Esta já eraa segunda grande greve realizada pelos trabalhadores,após a greve de Guariba de 1984 contrao sistema de corte em 7 ruas.Na greve de 1986 os trabalhadores reivindicavamo pagamento por metro de cana cortadoe não por tonelada. A reivindicação era simples:cada metro de cana cortada, dependendo do tipode cana (cana de primeiro corte, cana de segundoe demais cortes, cana de ano e meio, canacaída e enrolada) teria um preço definido no acordocoletivo de trabalho, os trabalhadores, ao finaldo dia receberiam um recibo (pirulito), onde viriagravado, a quantidade de metros cortadas naqueledia e o valor do metro de cana naquele eito.Os empresários contra-argumentavam, dizendoque era impossível para a usina adotar opagamento por metro, porque a sua unidade demedida, utilizada em todas as etapas do processoprodutivo, era a tonelada de cana. Na verdade aargumentação dos empresários escondia o essencial.Se os trabalhadores adquirissem o controledo processo de trabalho e o controle do seu pagamento,as usinas perderiam o principal meio depressão que as empresas dispõem para aumentara produtividade do trabalho. Isto porque o processode trabalho no corte de cana depende únicae exclusivamente da destreza do trabalhador,isto é, depende de um conjunto de atividadesmanuais, exercida pelos trabalhadores, independenteda administração do processo.No corte de cana os trabalhadores têm ocontrole da atividade, o que não ocorre em outrosprocessos de produção, que através do sistemade máquinas, há a subordinação do trabalhadore do trabalho ao sistema, onde os aumentosde produtividade são alcançados através dosistema de máquinas.No corte de cana, o trabalhador recebe oeito de cana definido pelo supervisor da turma erealiza as atividades exigidas: começa a cortarpela linha central, a linha que será depositada acana, em seguida corta as duas linhas laterais àcentral, de forma a que todas as linhas do eitosejam cortadas simultaneamente, sem deixar linhassem cortar (deixar telefone).No corte, especificamente, o trabalhadorabraça um feixe de cana (contendo entre cinco edez canas) e curva-se para cortar a base da cana.O corte da base tem que ser feito bem rente aochão, porque é no pé da cana que se concentra asacarose. O corte rente ao chão não pode atingira raiz para não prejudicar a rebrota. Depois decortadas todas as canas do feixe o trabalhadorcorta o palmito, isto é a parte de cima da cana,onde estão as folhas verdes, que são jogadas aosolo. Em algumas usinas é permitido aos trabalhadoreso corte do palmito no chão, na fileira domeio, onde os feixes são amontoados. Neste caso,além de cortar o palmito o trabalhador tem que realizarum movimento com os pés, para separar aspontas das canas amontoadas na linha central.Em algumas usinas as canas amontoadasna fileira central devem ser dispostas em montes,que distam um metro um do outro, em outras usinasé permitido ao trabalhador fazer uma esteirade canas amontoadas sem a necessidade dos montes.Com isto, fica claro que a quantidade cortadapor dia por trabalhador depende mais, para ganharmais, e de sua força física e habilidade paraexecução da atividade.


Eu comparo o cortador de cana a um corredorfundista, porque os trabalhadores com maiorprodutividade não são necessariamente os quetêm maior massa muscular, são os que têm maiorresistência física para a realização de uma atividaderepetitiva e exaustiva, realizada a céu aberto,sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça,em alguns casos, e por um período que variaentre 8 a 12 horas de trabalho diários.Um trabalhador que corte 6 toneladas decana, num talhão de 200metreos de comprimento,por 8,5 metros de largura, caminha,durante o dia uma distância de aproximadamente4.400 metros, despende aproximadamente50 golpes com o podão para cortar um feixede cana, o que equivale a 183.150 golpes nodia (considerando uma cana em pé, não caídae não enrolada e que tenha uma densidadede 5 a 10 canas a cada 30cm.). Além de andare golpear a cana, o trabalhador tem que a cada30cm. abaixar-se e torcer-se para abraçar egolpear a cana bem rente ao solo e levantar-separa golpeá-la em cima. Além disto, ele aindaamontoa vários feixes de cana cortados emuma linha e os transporta até a linha central.Isto significa que ele não apenas anda 4.400metros por dia, mas transporta, em seus braços,6 toneladas de cana, com um peso equivalentea 15 Kg, a uma distância que varia de1,5 a 3 metros.Além de todo este dispêndio de energia andando,golpeando, contorcendo-se, flexionandosee carregando peso, o trabalhador sob o sol utilizauma vestimenta composta de butina combiqueira de açõ, perneiras de couro até o joelho,calças de brim, camisa de manga comprida commangote, também de brim, luvas de raspa de couro,lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné.Este dispêndio de energia sob o sol, comesta vestimenta, leva a que os trabalhadoressuem abundantemente e percam muita água ejunto com o suor perdem sais minerais e a perdade água e sais minerais leva a desidrataçãoe a freqüente ocorrência de câimbras. Ascâimbras começam , em geral, pelas mãos e pés,avançam pelas pernas e chegam no tórax, o queprovoca fortes dores e convulsões, que fazempensar que o trabalhador esteja tendo um ataquenervoso. Para conter as cãimbas e a desidratação,algumas usinas já levam para o campoe ministram aos trabalhadores soro fisiológicoe, em alguns casos suplementos energéticos,para reposição de sais minerais.O fim da greve de 1986 só foi alcançadoquando acordou-se que o pagamento dos trabalhadoresseria feito a partir da tonelada decana convertida em metro linear, com a possibilidadede controle pelos trabalhadores destaconversão, que deixava de ser apenas uma atribuiçãotécnica dos funcionários das usinas, maspodiam ser fiscalizadas pelos trabalhadores eseria feita da seguinte forma: Ao início do trabalho, de manhã cedo, umcaminhão, chamado de campeão vai aolocal de corte; Este caminhão é cheio com cana colhidade três pontos diferentes do talhão, pararealizar uma amostra representativa da qualidadee especificidades da cana no local; Os trabalhadores podem participar da escolhados três pontos; Este caminhão depois de cheio com canacolhida dos três pontos do talhão vai paraa usina para ser pesado, já sabendo queaquela carga corresponde a um determinadonúmero de metros lineares; Os trabalhadores podem acompanhar ocaminhão para verificar a pesagem na balançadas usinas e certificarem-se que nãohá roubo; Depois de realizada a pesagem é realizadaa conversão de tonelada de cana parametro, já atribuído o valor do metro, namedida em que a tonelada de cana pagaaos trabalhadores já tem seu valor definidopelo acordo coletivo; Este valor do metro obtido da conversão éinformado aos trabalhadores no canavialantes do fim do dia; No fim do dia de trabalho cada eito decana de cada trabalhador daquele talhãoé medido através de um compasso de pontade ferro com 2 metros de largura entreuma ponta e outra; Feita a medição do eito é elaborado, nocampo, um recibo (pirulito) onde constaa quantidade de metros cortados por cadatrabalhador, o valor de cada metro e o totalde rendimentos obtidos pelos trabalhadoresnaquele dia de trabalho.109


110Apesar de todo este procedimento constardos acordos coletivos desde 1986, na prática,ele nunca funcionou, porque a base para oseu funcionamento era a participação dos trabalhadoresnas seguintes etapas:I)escolha dos três pontos representativos dacana do talhão;II) medição em metros da cana para carregaro campeão;III) fiscalização da pesagem da cana na usina;IV) participar do cálculo de conversão da toneladaem metro.Como os trabalhadores são remuneradospor produção, aqueles que se dispõem a acompanharaquelas 4 etapas, que exigem participaçãodos trabalhadores, perdem, no mínimo meiodia de trabalho, portanto se não trabalham, nãoganham. Além disto, aqueles que se dispõem aparticipar se sentem marcados pelos gatos, fiscaise apontadores e pelas usinas e temem perderemseus empregos.O que passou a ocorrer, na prática, é quemesmo nas usinas que mantiveram o campeão,a conversão de tonelada em metros é de responsabilidadeexclusiva das usinas e podemconter roubos.A partir da década de 90 houve um grandeaumento da produtividade do trabalho. Ostrabalhadores para manterem seus empregosna cana necessitam hoje cortar no mínimo 10toneladas de cana por dia, para se manteremempregados; a média cortada expandiu-se para12 toneladas de cana por dia. Portanto a produtividademédia cresceu em 100%, saiu de 6toneladas/homem/dia, na década de 80, e chegoua 12 toneladas de cana por dia, na presentedécada.O fato dos trabalhadores hoje terem umaprodutividade duas vezes superior a da décadade 80 se deve a um conjunto de fatores: O aumento da quantidade de trabalhadoresdisponíveis para o corte de cana eesta maior disponibilidade se devem atrês fatores:1. aumento da mecanização do corte decana;2. o aumento do desemprego geral daeconomia, provocada por duas décadasde baixo crescimento econômicoe3. expansão da fronteira agrícola paraas regiões do cerrado, atingindo o suldo Piauí e a região da pré-amazôniamaranhense, destruindo as formasde reprodução da pequena propriedadeagrícola familiar, predominantenestes estados. Possibilidade de seleção mais apuradapelos departamentos de recursoshumanos das usinas. Esta seleçãomais apurada de trabalhadores leva a:seleção de trabalhadores mais jovens,redução da contratação de mulheres ea possibilidade de contratação de trabalhadoresoriundos de regiões maisdistantes de São Paulo (Norte de Minas,Sul da Bahia, Maranhão e Piauí). A seleção mais apurada permite queas usinas implementem a contrataçãopor período de experiência , onde ostrabalhadores que não conseguematingir a nova média de produção, 10toneladas de cana por dia, são demitidosantes de completarem três mesesde contrato.Um trabalhador que corta hoje 12 toneladasde cana em média por dia de trabalho realizaas seguintes atividades no dia: Caminha 8.800 metros; Despende 366.300 golpes de podão; Carrega 12 toneladas de cana em montesde 15 kg. em média cada um, portanto,ele faz 800 trajetos levando 15Kg.nos braços por uma distância de 1,5 a3 metros; Faz aproximadamente 36.630 flexões deperna para golpear a cana; Perde, em média 8 litros de água por dia,por realizar toda esta atividade sob solforte do interior de São Paulo, sob os efeitosda poeira, da fuligem expelida pelacana queimada, trajando uma indumentáriaque o protege, da cana, mas aumentaa temperatura corporal.


Com todo este detalhamento pormenorizadoda atividade do corte de cana, fica fácilentendermos porque morrem os trabalhadoresrurais cortadores de cana em São Paulo. A soluçãopara este problema, ao meu ver, não sedará através mudanças que não vão ao cerneda questão. O que vai ao centro da questão,que são as mortes dos trabalhadores cortadoresde cana pelo excesso de trabalho é o pagamentopor produção.Enquanto o setor sucro-alcooleiro permanecercom esta dicotomia interna: de um lado,utiliza o que há de mais moderno em termostecnológicos e organizacionais, uma tecnologiatípica do século XXI (tratores e máquinas agrícolasde última geração, agricultura de precisão,controlada por geo-processamento via satéliteetc.); mas manter, de outro lado, relaçõesde trabalho, já combatidas e banidas do mundodesde o século XVIII, trabalhadores continuarãomorrendo. Isto porque os 10 que morreramnas duas últimas décadas são uma amostrainsignificante do total que deve morrer todasas safras clandestinamente.Ao longo dos últimos vinte anos que me dedicoa análise das condições de vida e trabalhodos trabalhadores rurais, colhi vários depoimentosde trabalhadores que relatavam mortes comoas agora tornadas públicas através do excelentetrabalho da Pastoral do Migrante de Guariba.Trabalho escravo no Brasil de hoje 45Leonardo SakamotoAescravidão contemporânea é diferentedaquela que existia até o final do século19, quando o Estado garantia quecomprar, vender e usar gente era uma atividadelegal. Mas é tão perversa quanto, por roubar doser humano sua liberdade e dignidade. E ela nãose resume à terra de ninguém que é a região deexpansão agrícola amazônica, mas está presentenas carvoarias do cerrado, nos laranjais e canaviaisdo interior paulista, em fazendas de frutas ealgodão do Nordeste, nas pequenas tecelagens doBrás e Bom Retiro, da cidade de São Paulo.Antigamente, a propriedade legal era permitida,hoje não. Mas era muito mais caro comprare manter um escravo do que hoje. O negroafricano era um investimento dispendioso quepoucas pessoas podiam ter. Hoje, o custo é quasezero - paga-se apenas o transporte e, no máximo,a dívida que o sujeito tinha em algum comércioou hotel. Além do fato de que, se o trabalhadorfica doente, é só largá-lo na estrada mais próximae aliciar outra pessoa. O desemprego é gigantescono país, e a mão-de-obra, farta.Na escravidão contemporânea, não fazdiferença se a pessoa é negra, amarela ou branca.Os escravos são miseráveis, independentementede raça. Porém, tanto na escravidão imperialquanto na do Brasil de hoje, mantém-sea ordem por meio de ameaças, terror psicológico,coerção física, punições e assassinatos.Ossadas têm sido encontradas em propriedadesdurante ações de fiscalização, como na fazendade Gilberto Andrade, família influente daregião Sul do Pará.Não há estatística exata para o númerode trabalhadores em situação de escravidão nopaís. Estima-se que sejam entre 25 mil e40 mil, de acordo com número da ComissãoPastoral da Terra (CPT) – órgão, ligado à ConferênciaNacional dos Bispos do Brasil, e a maisimportante entidade não-governamental queatua nessa área – e da Organização Internacionaldo Trabalho (OIT).A forma de trabalho forçado mais encontradano país é a da servidão, ou “peonagem”, pordívida. Nela, a pessoa empenha sua própria capacidadede trabalho ou a de pessoas sob sua responsabilidade(esposa, filhos, pais) para saldar umaconta. E isso acontece sem que o valor do serviçoexecutado seja aplicado no abatimento da contade forma razoável ou que a duração e a naturezado serviço estejam claramente definidas.45Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br111


E não é apenas o cerceamento da liberdadeque configura o trabalho escravo, mas sim umasérie de etapas. Segundo Ela Wiecko de Castilho 46 ,o processo inclui: recrutamento, transporte, alojamento,alimentação e vigilância. E cada qual coma existência de maus-tratos, fraudes, ameaças eviolências física ou psicológica.As primeiras denúncias de formas contemporâneasde escravidão no Brasil foram feitas em1971 por dom Pedro Casaldáliga, na Amazônia.Sete anos depois, a CPT denunciou a fazendaVale do Rio Cristalino, pertencente à montadorade veículos Volkswagen e localizada no sul doPará. O depoimento dos peões que conseguiramfugir a pé da propriedade deu visibilidade internacionalao problema.Outro exemplo de envolvimento de grandesempresas é o das fazendas reunidas TainaRecan, em Santa do Araguaia, e Alto Rio Capim,em Paragominas, ambas no Pará, pertencentesao grupo Bradesco, onde, entre as décadasde 70 e 80, foram encontrados trabalhadoresreduzidos à condição de escravidão. O governoacaba envolvido indiretamente com o trabalhoforçado quando financia empresas que seutilizam da prática. A Superintendência para oDesenvolvimento da Amazônia (Sudam), porexemplo, bancou a Companhia Real Agroindústriae as fazendas Agropalma, também no Pará,pertencentes ao Banco Real, em que foram encontradasirregularidades no início da década de90. Tudo isso é fruto da política de desenvolvimentoadotada durante a ditadura militar, de incentivaros grandes empreendimentos na regiãoamazônica, que fechou o olho para os direitoshumanos e trabalhistas. Quem protestava ou reivindicavaera preso e torturado.Apesar de as convenções internacionais de1926 e a de 1956, que proibiam a servidão pordívida, entrarem em vigor no Brasil em janeirode 1966, o país demorou para criar um mecanismopara combatê-la. O que veio a acontecerapenas em 1995, quando foram instituídos osgrupos móveis de fiscalização. Essas equipes, coordenadaspela Secretaria de Inspeção do Trabalho(SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego,respondem diretamente a Brasília, são acompanhadasde policiais federais e contam com osuporte do Ministério Público do Trabalho e daJustiça do Trabalho.O Plano Nacional para Erradicação do TrabalhoEscravo, lançado no início de 2003, reúne76 medidas de combate à prática. Entre elas, projetosde lei como o que expropria terras em quefor encontrado trabalho escravo e transfere paraa esfera federal os crimes contra os direitos humanos,limitando assim as influências locais nosprocessos. A implantação do plano tem sido lentae muitas vezes esbarra na falta de verbas, pressãoda bancada ruralista e na incapacidade do governofederal de liberar recursos para aumentar eaparelhar a fiscalização.Nos últimos meses, mudanças na legislaçãotornaram mais duras as penas para quem for pegocom trabalho escravo. Outros importante instrumentosforam a determinação da suspensão nocrédito agrícola de quem foi condenado pela práticae a criação de 269 novas Varas do Trabalho,a primeira delas a ser instalada em Redenção, suldo Pará. Vale ressaltar que o combate ao trabalhoescravo avançou graças à dedicação pessoal dosauditores do grupo móvel do Ministério do Trabalhoe Emprego, mesmo com falta de recursos financeiros,equipamentos, veículos que não quebremem serviço e telefones que funcionem naimensidão verde da Amazônia.Mas mesmo fiscalização, multas, prisão dosenvolvidos, cortes em linhas de crédito atacam asconseqüências, deixando muitas vezes a causa emaberto. O trabalhador resgatado não vê opçõespara a sobrevivência e acaba caindo de novo naarmadilha. “Com terra para plantar não teria idoembora [da minha terra]. Além disso, pessoa bemestudada não precisa sair, arruma emprego. Osoutros têm de ir para o machado mesmo”, afirmaum trabalhador libertado.Escravidão no Brasil é sintoma de algo maior:desigualdade. “Os trabalhadores que vêmpara cá são de locais onde a situação de pobrezaé terrível. Se não houver uma política de fundopara gerar emprego e renda e fixar a populaçãonos seus Estados de origem, de nada vai adiantar”,afirma José Batista Afonso, coordenadorda CPT em Marabá. Uma efetiva política de reformaagrária, acompanhada de juros baixospara o crédito rural e transferência de conhecimento.Infelizmente, o que vemos hoje é umagrande quantidade de desempregados, reserva decontingente para o trabalho forçado nas regiõesde fronteira agrícola.11246Subprocuradora-geral da República e professora de direito penal na Universidade de Brasília e na Universidade Federal de SC.


Dados parciais de conflitosno campo em 2007 4742,5% de conflitos pela água ocorreram nos estadosbanhados pelo Rio São FranciscoEstamos oferecendo hoje à sociedade brasileiraos dados parciais dos conflitos nocampo, relativos aos meses de janeiro asetembro de 2007. Acompanham esta nota, astabelas de Violência contra a Ocupação e a Posse;de Violência contra a Pessoa, um RelatórioSíntese dos conflitos e uma tabela de Manifestações.Todos de janeiro a setembro de 2006 e 2007.Segue também, a relação de todos os assassinatosocorridos no campo até dezembro de 2007,somando um total de 25.Os conflitos pela água, neste ano, apresentaramcrescimento em relação a igual período de2006. De 38 conflitos para 40 em 2007. O númerode pessoas envolvidas, porém, mais que dobrou:de 12.632 para 25.919. Na região Sudestehouve o maior crescimento desses conflitos, de 6,em 2006, para 14, em 2007. Destes, 11 são emMinas Gerais. 17 dos 40 conflitos, 42,5%, foramregistrados nos Estados banhados pelo rio SãoFrancisco, objeto do projeto de Transposição dogoverno federal.Diminuição de conflitos nãoesconde a violênciaMesmo que em termos absolutos tenha havidouma queda geral nos números dos conflitos,em termos relativos há crescimento da violência.Em 2006, para cada ocorrência de conflitohouve 1,2 famílias expulsas, 16 despejadase os assassinatos correspondiam a um paracada 47 conflitos. No mesmo período de 2007,(é bom ressaltar que são dados ainda parciais)para cada ocorrência de conflito se computam5 famílias expulsas, 19 despejadas e um assassinatopara 44 conflitos.Mas é em relação ao número de famíliasexpulsas pelo poder privado que se verifica o maiorcrescimento da violência, não seguindo a tendênciade queda verificada em outros indicadores.As famílias expulsas passaram de 1.657, em2006, para 2.711, em 2007, mais de 100% amais. Este aumento verificou-se em todas as regiõesdo País, sem exceção:Famílias expulsasRegião 2006 2007Centro-Oeste 0 318Nordeste 459 491Norte 714 757Sudeste 95 435Sul 49 710Total 1.317 2.711Isto mostra que o poder do latifúndio edo agronegócio está atento e atuante, dispostoa agir por conta própria caso o poder públiconão atenda suas reivindicações de puniros trabalhadores que se levantam na defesade seus direitos.Número de conflitos em quedaNo geral, porém, o ano de 2007 apresentanúmeros inferiores aos de igual período de 2006.O total de conflitos no campo (conflitos por terra,por água, trabalhistas e etc.) de 1.414, em 2006,caiu para 837. O número de pessoas envolvidaspassou de 652.284 para 561.926, e o número deassassinatos de 30 para 19.Também em relação ao trabalho escravo onúmero de ocorrências caiu de 214, em 2006, para177, em 2007, com, respectivamente, 5.767 e5.127 trabalhadores submetidos a condições análogasà escravidão.Os conflitos exclusivamente por terrapassaram de 1.042, para 540. As ocupações47Texto disponível em http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=2108&eid=6113


114despencaram de 329 para 247, e os acampamentosde 60 para 35. O número de famílias, nas ocupações,porém, cresceu, passou de 35.315 para37.630. O número de famílias despejadas foi menor:17.443, em 2006; 10.669, em 2007.Por outro lado, o número de Manifestaçõescresceu passando de 579, com a participação de359.998 pessoas, em 2006, para 671, com a participaçãode 465.394 pessoas, em 2007.O que explicam esses númerosO aumento no número de famílias em ocupações,apesar de estas terem sofrido uma diminuiçãoexpressiva, acaba evidenciando que onúmero de famílias sem terra continua muito elevadoe que há necessidade de um programa efetivode reforma agrária.A queda acentuada no número de conflitosse dá não porque tenha sido adotada umapolítica mais eficaz de reforma agrária ou decombate à violência. O que se pode sentir é quea não execução da reforma agrária, com famíliasacampadas há 4, 5, 6 ou mais anos, desestimulaa ação dos trabalhadores e dos seus movimentos,daí a queda expressiva dos números deocupações e acampamentos. Aliado a isso, obolsa-família dando um mínimo de condiçõespara as famílias terem o alimento de cada dia,acaba arrefecendo o ímpeto de quem, premidopela necessidade, tem que buscar a qualquercusto seus meios de sobrevivência.Número de assassinatos dobrano Centro-OesteAnalisando os números em detalhe, o quese vê é que o número de assassinatos que decresceuno país como um todo, teve um aumento de100% no Centro-Oeste passando de 2, em 2006,para 4 em 2007; e de 50% na região Nordeste,passando de 4 para 6.No Centro-Oeste, 3 dos 4 assassinatos sãode indígenas, dois deles no Mato Grosso do Sulonde os Guarani-Kaiowá vivem a situação maisdramática de que se tem conhecimento, encurraladosem pequenas áreas ou acampados na margemde estradas, não se garantindo espaço paraquem era o dono de toda aquela região. O outroindígena foi assassinado no Mato Grosso.No Nordeste, dos 6 assassinatos, 3 são tambémde indígenas, 1 na Bahia, 1 no Ceará, e 1 noMaranhão. Também ali se configura uma situaçãoem que o avanço do agronegócio não respeitanada, muito menos comunidades tradicionais,taxadas de improdutivas e de serem empecilhopara o progresso.No Centro-Oeste, cresceu o número de pessoassubmetidas ao trabalho escravo. De 1.078,em 2006, passaram para 1.157, em 2007, comdestaque para Goiás que de 3 ocorrências, em2006, passou para 8, em 2007, com envolvimentode pessoas passando de 113 para 441. O mesmoacontecendo em Mato Grosso do Sul onde se registraram9 ocorrências, envolvendo 628 pessoas,em 2007, contra 3 ocorrências e 39 pessoas,em 2006. O trabalho escravo também cresceu expressivamenteno Maranhão e no Piauí. Goiástambém se destaca por ter aumentado o númerogeral de conflitos, de 28 para 31 e de famílias envolvidasde 16.870 para 25.904.Sudeste, onde conflitos eviolência crescemO que mais chama a atenção, porém, naanálise mais regionalizada dos números é a regiãoSudeste que se comportou de modo inversoao restante do país. A região foi a única queapresentou crescimento no número de conflitospassando de 180, para 193 e no número de pessoasenvolvidas, que saltou de 71.983 para112.356. Em relação às famílias expulsas a regiãoSudeste seguiu a tendência geral do País,passaram de 95 para 435. O Sudeste tambémfoi o único que apresentou crescimento no númerode famílias despejadas passando de 980para 1.477. Foi só nessa região, ainda, que houvecrescimento no número de ocupações: 78,em 2006; 88, em 2007, e de acampamentos: 4,em 2006; 7, em 2007.Na região mais rica e urbanizada do Paísé impressionante constatar que ocorreram23,5% de todos os conflitos no campo, e ondeestão 20% das pessoas envolvidas em conflitos.O grande progresso tecnológico aplicado aocampo e o avanço das monoculturas geram,além das riquezas propagandeadas, maior desigualdade,exclusão e, em conseqüência disso,novos e graves conflitos.A bem da verdade pode-se imputar estedestaque do Sudeste à presença mais próximados meios de comunicação que registram os fatos,na maior parte das vezes, para criticar a ação


dos trabalhadores. Em outras regiões do País,boa parte dos conflitos nunca chegam aoconhecimento público. Como diz o professorCarlos Walter Porto Gonçalves, da UniversidadeFederal Fluminense: “Não deixa de serpreocupante que a região mais rica do Brasilapresente crescimento da violência no campoem relação às demais regiões. Uma novageografia da violência está se desenhando,conforme indicam estes dados parciais de2007. Tudo indica que o avanço do cultivoda cana, diante da febre dos agrocombustíveis,esteja trazendo implicações no aumentodo preço da terra, que rebate no programade Reforma Agrária, e consigo carrega oaumento da violência”.Dossiê trabalho escravoComo alguém se torna escravo 48Leonardo SakamotoOs direitos dos trabalhadores ruraisfreqüentemente são ignorados na chamada“fronteira agrícola”, onde a florestaamazônica perde espaço a cada dia paragrandes fazendas. Péssimos alojamentos e alimentação,atraso ou não-pagamento de salários e atéprivação de liberdade sob ameaça de morte acontecemcom freqüência na região.“Quando eu cheguei aqui, a coisa era muitodiferente do que havia sido prometido.” Nos últimostempos, uma praga atingiu as fazendas decacau onde Uexlei Pereira trabalhava no Sul daBahia, deixando muita gente sem serviço. Aliciadopor um “gato”, saiu de sua cidade, Ibirapitanga,com a oferta de um bom salário, alimentação e condiçõesdignas de alojamento. No Sul do Pará, Uexleipercebeu que havia sido enganado. Quando foiresgatado, recebia há dois meses só comida. Nãotinha idéia de quanto devia ao gato, conhecidocomo Baiano, e nem quando iria receber.A sua história não é diferente da dos demaistrabalhadores que fogem do desemprego para cairna rede da escravidão. A seguir, estão detalhadosoito passos que transformam um homem livre em umescravo, padrão que se repete com triste freqüência.1Devido à seca, à falta de terra para plantare de incentivos dos governos para fixaçãodo homem no campo, aos altos juros docrédito agrícola, ao desemprego nas pequenascidades do interior ou a tudo isso2345junto, o trabalhador acaba não vendo outrasaída senão deixar sua casa em buscade sustento para a família.Ao ouvir rumores de que existe serviço fartoem fazendas, mesmo em terras distantes,ele ruma para esses locais. O Tocantinse a região Nordeste, tendo à frente os Estadosdo Maranhão e Piauí, são grandesfornecedores de escravos.Alguns vão espontaneamente. Outros são aliciadospor “gatos” (contratadores de mão-deobraque fazem a ponte entre o empregador eo peão). Estes, muitas vezes, vêm buscá-lo deônibus ou caminhão – o velho pau-de-arara.O destino principal é a região de expansãoagrícola, onde a floresta amazônica tombadiariamente para dar lugar a pastos e plantações.Pará e Mato Grosso são campeõesem denúncias e resgates de trabalhadorespelo Ministério do Trabalho e Emprego.Há os “trecheiros” ou “peões do trecho”que deixaram sua terra um dia e, semresidência fixa, vão de trecho em trecho,de um canto a outro em busca de trabalho.Muitos deles acabam se hospedandonos chamados “hotéis peoneiros”, ficandodias até que algum gato venhabuscá-los, compre suas dívidas e os leve48Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br115


6às fazendas. A partir daí, tornam-se seuscredores e devem trabalhar para abatero saldo. Muitos seguem contrariados porestarem sendo negociados. Mas há osque vão felizes, pois acreditam ter conseguidoum emprego que possibilitaráhonrar seus compromissos e ainda ganhardinheiro.Já na chegada, o peão vê que a realidadeé bem diferente. A dívida que tem porconta do transporte aumentará em umritmo constante, uma vez que o materialde trabalho pessoal, como botas, é compradona cantina do próprio gato, dodono da fazenda ou de alguém indicadopor eles. Os gastos com refeições, remédios,pilhas ou cigarros vão para um“caderninho”, e o que é cobrado por umproduto dificilmente será o seu preçoreal. Um par de chinelos pode custar otriplo. Além disso, é costume do gato nãoinformar o montante, só anotar. Pedroconta que um par de botas sai por R$ 25na cantina da fazenda Nossa Senhora78Aparecida. Uma rede, R$ 16 e uma foice,R$ 12. Material de trabalho que deveriaser entregue gratuitamente. Juntocom o equipamento mínimo de segurança,que também não existia.Meses de serviço e nada de dinheiro. Soba promessa de que vão receber tudo no final,o trabalhador continua derrubando amata, aplicando veneno, erguendo cercase outras atividades degradantes e insalubres.Cobra-se pelo uso de alojamentos semcondições de higiene.No dia do pagamento, a dívida do trabalhadoré maior do que o total que ele teria areceber – isso considerando que o acordoverbal feito com o gato é quebrado, tendo opeão direito a um valor bem menor que ocombinado. Ao final, quem trabalhou mesessem receber nada acaba devedor dogato e do dono da fazenda, e tem de continuarsuando para poder quitar a dívida. Sefor necessário, até força física e armas sãousadas para mantê-lo no serviço.Trabalhadoras ruraisQuebradeiras de Coco reescrevem a históriaNo Maranhão, mulheres lutam contra derrubada daspalmeiras de babaçu e conquistam acesso livre ao coco 49Há cerca de 20 anos, no MédioMearim, Estado do Maranhão, mulheresquebradeiras de coco babaçudecidiram escrever um novo roteiro para a históriadas palmeiras de babaçu. “Ou a gente brigavacontra a derrubada e a queima das palmeiras,ou a gente ia morrer”, conta a vereadora equebradeira de coco, Maria Alaíde, do municípiode Lago do Junco.A vereadora diz que as mulheres começaramavisando aos fazendeiros, que não as deixavam entrarno babaçual, que eles não podiam juntar o cocopara vendê-lo em grandes quantidades, nem podiamcortá-lo porque só uma pessoa seria beneficiada.“A gente ganhou mais força quando os homenssentiram na pele a necessidade de lutar pela terra.Eles disseram aos fazendeiros que não iam mais passarpor baixo de arame”, acrescenta Maria Alaíde.11649Matéria feita por Fátima Lessa, de São Luis (MA). Publicada no Jornal Brasil de Fato, de 30 de dezembro de 2004a 5 de janeiro de 2005.


Foi o começo dos conflitos e perseguiçõesàs quebradeiras de coco babaçu e aos trabalhadoresrurais. Em 1987, elas criaram a Associaçãodas Mulheres Trabalhadoras Rurais(AMTR). Em 1989, surgia a Associação em Áreasde Assentamento no Estado do Maranhão(Assema), para prestar assistência técnica aostrabalhadores rurais nas áreas de assentamento.Em 1991, foi a vez do Movimento Interinstitucionalde Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB, hoje AMIQCB).ConquistasA luta valeu a pena. “A gente não estámais sonhando. Nosso sonhos deixaram de serutopia para ser realidade”, diz, alegre, a coordenadorada Associação e Movimento Interinstitucionalde Quebradeiras de CocoBabaçu (AMIQCB), Maria Adelina de SouzaChagas, a Dada.A região do Médio Mearim é a de maiorconcentração de babaçu do Brasil: dez milhõesde hectares. A imensa maioria das palmeirasestáem grandes fazendas, que cobravam para deixaras quebradeiras tirar o coco, ou simplesmentebarravam a sua entrada.São mais de 300 mil extrativistas que têmno babaçu a principal fonte de renda noMaranhão, Pará, Piauí e Tocantins. Sua vida nãoera fácil, permeada de obstáculos para ter acessoaos babaçuais.Hoje, o acesso ao coco é livre, garantidopor lei em vários municípios e por lei estadual.Além de garantir o livre acesso, a legislação proíbederrubadas, cortes de cachos e uso deherbicidas nos babaçuais.Atravessadores não mandam maisA história da palmeira do coco babaçu confunde-secom a história das quebradeiras de coco.Geralmente,elas começam na atividade aos seteanos e vão até a velhice. Uma trajetória que astorna vítimas de doenças graves e seqüelas físicasmuitas vezes irreversíveis.Apesar de serem responsáveis por cercade 70% das 115 mil toneladas de amêndoas produzidasno país, a maioria das quebradeiras decoco vive sem assistência médica, dentária esocial. Entretanto, esse desamparo não desanimaessas guerreiras.No Maranhão, além do “coco livre”, as quebradeirasconseguiram criar o “kit babaçu livre”:sabonete, carvão, farinha do mesocarpo, papelreciclado, óleo etc. Elas também montaram umafábrica de sabonetes e, pela Cooperativa Agroextrativistade Lago do Junco (Coppalj) uma plantade produção de óleo.Para montar a unidade de óleo, elas receberamR$ 80 mil do Fundo das Nações Unidaspara a Infância e Adolescência (Unicef). O óleoextraído já tem destino certo: 30% vão para forado país, para a indústria inglesa Body Shop; 5%para a fabricação do sabonete, e o restante é vendidoa empresas da região.O contrato com os ingleses foi assinado hámais de cinco anos. “Se não fosse a compra daBody Shop, a gente não teria recursos para repassaràs quebradeiras de coco todo fi nal de ano.Antes disso, a cooperativa não saía do vermelho”,conta a vereadora Alaíde.A empresa inglesa paga à cooperativa odobro do preço do mercado pelo litro de óleo.Agora quem dita as regras é a Coppalj, não oatravessador, como antes. “Estamos conseguindoque o atravessador acompanhe o nosso preçoou então vai ficar sem o produto”, informa o presidenteda cooperativa, Raimundo Vidal.É dura a vida da quebradeira do coco. Paraconseguir cerca de 10 quilos de amêndoas, sãonecessários mais de 120 quilos do coco. Elas trabalham,em média, oito horas por dia, segundolevantamento feito por estudantes de uma faculdadedo Maranhão.Do babaçu, aproveita-se tudo. Com omesocarpo, é fabricado um complemento alimentarque substitui o chocolate. O óleo é matériaprima para a produção de sabonetes, e as cascaspara a de carvão. A palmeira é utilizada tanto nacobertura de casas, como na produção de papel ede embalagens. (FL).Mulheres organizadasA Associação em Áreas de Assentamentono Estado do Maranhão (Assema) é a entidadeque articula as várias associações nas quais asmulheres quebradeiras de coco babaçu se organizam.Por meio do Programa de Organização dasMulheres, as quebradeiras de coco participam dediscussões sobre políticas ambientais, direito evalorização da mulher, entre outras.117


“A meta é fortalecer as organizações demulheres vinculadas à Assema e ao MovimentoInterestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB)”, diz a coordenadora da Associação eMovimento Interinstitucional de Quebradeiras deCoco Babaçu (AMIQCB), Maria Adelina, Dada.Ela avalia que o Programa vem contribuindopara a redução das desigualdades nas relaçõesde gênero, para garantir o livre acesso aosbabaçuais e para a participação das mulheres nasdiscussões sobre projetos produtivos.Nesse aspecto, o Programa trabalha comassociações e grupos de mulheres quebradeirasde coco babaçu, incentivando a criação de alternativasprodutivas e de geração de renda,como a fábrica de sabonete, extração de óleosespeciais, fabricação de papel reciclado, farmáciaviva, compotas de frutas.Na área de articulação política, o Programade Organização das Mulheres acompanhaa discussão e a criação de leis municipaisque liberam o acesso aos babaçuais, e desenvolveum trabalho de fortalecimento regionaldo Movimento Interestadual das Quebradeirasde Coco Babaçu.LegislaçãoPrimeiro, elas atingiram seus objetivos naluta diária, depois partiram para as esferas políticasconvencionais – Câmaras e AssembléiaLegislativa – para brigar pela criação de leis queprotegessem a palmeira do babaçu.Em 1997, no município de Lago do Junco,as quebradeiras de coco conseguiram aaprovação do projeto de Lei Babaçu Livre. Aluta foi iniciada pela Associação de MulheresTrabalhadoras Rurais de Lago do Junco e deLago dos Rodrigues.Dois anos depois, foi a vez do município deLago dos Rodrigues, onde a associação local demulheres trabalhadoras rurais conseguiu a aprovaçãoda Lei Babaçu Livre (nº 32/99).Em dezembro de 1999, em Esperantinópolis,foi aprovada a Lei nº 255/99.Em setembro de 2001, a secretaria damulher do Sindicato dos Trabalhadores e TrabalhadorasRurais lutou e conseguiu a aprovaçãoda Lei nº 319/2001 no município deSão Luiz Gonzaga do Maranhão. Nesse município,as quebradeiras conquistaram, ainda,a aplicação de advertência e penalidades, medidasque até então não estavam contempladasem lei.Segundo a vereadora e quebradeira de cocoMaria Alaíde, a luta das quebradeiras incluiu aproteção das palmeiras de babaçu, desde junhode 1986 amparadas pela Lei Estadual nº 4.734,que proíbe a sua derrubada. Recentemente, a leisofreu uma emenda que prevê a aplicação demultas aos infratores. (FL).118


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Agrocombustíveise produção de alimentos 50Por Ariovaldo Umbelino 51Arelação entre a expansão dos agrocombustíveise a produção de alimentos ganhoua agenda política internacional.A agricultura mundial continua passando portransformações profundas. O avanço da “comoditização”dos alimentos e do controle genéticodas sementes que sempre foram patrimônio dahumanidade foi acelerado.Dois processos monopolistas comandam aprodução agrícola mundial. De um lado, está aterritorialização dos monopólios, que atuam simultaneamenteno controle da propriedade privadada terra, do processo produtivo no campo e doprocessamento industrial da produçãoagropecuária. O principal exemplo é o setorsucroalcooleiro.De outro lado, está a monopolização do territóriopelas empresas de comercialização eprocessamento industrial da produçãoagropecuária, que, sem produzir absolutamentenada no campo, controlam, por meio de mecanismosde sujeição, camponeses e capitalistas produtoresdo campo.As empresas monopolistas do setor de grãosatuam como “players” no mercado futuro dasBolsas de mercadorias do mundo e, muitas vezes,têm também o controle igualmente monopolistada produção dos agrotóxicos e dos fertilizantes.A crise, portanto, tem dois fundamentos. Oprimeiro, de reflexo mais limitado, refere-se à altados preços internacionais do petróleo e, conseqüentemente,à elevação dos custos dos fertilizantese agrotóxicos.O segundo é conseqüência do aumento doconsumo, mas não do consumo direto como alimento,como quer fazer crer o governo brasileiro,mas, isto sim, daquele decorrente da opçãodos Estados Unidos pela produção do etanol apartir do milho.Esse caminho levou à redução dos estoquesinternacionais desse cereal e à elevação de seus preçose dos preços de outros grãos -trigo, arroz, soja.Assim, a “solução” norte-americana contrao aquecimento global se tornou o paraíso dos ganhosfáceis dos “players” dos monopólios internacionaisque nada produzem, mas que sujeitam produtorese consumidores à sua lógica de acumulação.Certamente, não há caminho de volta paraa crise, pois, no caso norte-americano, os solosdisponíveis para o cultivo são disputados entretrigo, milho e soja.O avanço de um se reflete inevitavelmenteno recuo dos outros. Daí a crítica radical de JeanZiegler, da ONU (Organização das Nações Unidas),que classificou o etanol como “crime contraa humanidade”.É no interior dessa crise que o agronegóciodo agrocombustível brasileiro quer pegar caronano futuro fundado na reprodução do passado. Ogoverno está pavimentando o caminho.Por isso, a questão dos agrocombustíveis ea produção de alimentos rebatem diretamente nocampo brasileiro. A área plantada de cana-deaçúcarna última safra chegou perto de 7 milhõesde hectares e, em São Paulo, onde se concentramais de 50% do total, já ocupa a quase totalidadedos solos mais férteis existentes.Em meio à expansão dos agrocombustíveis,uma pergunta se faz necessária: quais foram asconseqüências, para a produção de alimentos noBrasil, da expansão da cultura da cana nos últimos15 anos?Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, revelama redução da produção dos alimentos impostapela expansão da área plantada de canade-açúcar,que cresceu, nesse período, mais de2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municípiosque tiveram a expansão de mais de 500 hectaresde cana no período, verifica-se que, neles,ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e340 mil hectares de arroz.Essa área reduzida poderia produzir 400 miltoneladas de feijão, ou seja, 12% da produção50Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=531051Ariovaldo Umbelino é professor titular de geografia agrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária).121


nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, o queequivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-senesses municípios a produção de 460milhões de litros de leite e mais de 4,5 milhões decabeças de gado bovino.Embora a expansão esteja mais concentradaem São Paulo, já o está também no Paraná,em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, emGoiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-sea área de produção de alimentos agrícolase se deslocou a pecuária na direção da Amazô-nia. Isso deu, conseqüentemente, em desmatamento.Por isso, a expansão dos agrocombustíveis continuaráa gerar a redução da produção de alimentos.A produção dos três alimentos básicos nopaís - arroz, feijão e mandioca - também nãocresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou omaior país importador de trigo do mundo. Portanto,o caminho para a saída da crise e da construçãode uma política de soberania alimentarcontinua sendo a realização de uma reformaagrária ampla, geral e massiva.Fome e direitos humanos 52Por Jean Ziegler 53IA cada cinco segundos, uma criança menorde dez anos morre de fome ou em decorrênciadas seqüelas imediatas. Mais de seis milhõesem 2007. A cada quatro minutos, alguém perde avisão devido à falta de vitamina A. Há 854 milhõesde seres humanos gravemente desnutridos,mutilados pela fome permanente 54 .Isto acontece num planeta que transbordade riquezas. A FAO é dirigida por um homem corajosoe competente, Jacques Diouf. Ele constataque no estado atual de desenvolvimento das forçasagrícolas de produção, o planeta poderia alimentarsem problemas 12 bilhões de seres humanos, ouseja, o dobro da população mundial atual 55 .Conclusão: este massacre cotidiano devidoà fome não obedece a nenhuma fatalidade.Por trás de cada vítima há um assassino. A atualordem mundial não é apenas mortífera, mas tambémabsurda. O massacre está instalado numanormalidade imóveA equação é simples: quem tem dinheirocome e vive. Quem não tem sofre, torna-se inválidoe morre. Não existe a fatalidade. Qualquermorte por fome é um assassinato.52Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=532753Jean Ziegler é sociólogo suíço e relator especial da ONU sobre o direito à alimentação. A tradução é do Cepat (Centro dePesquisa e Apoio aos Trabalhadores).54FAO, O estado da insegurança alimentar no mundo. Roma, 2006.55Uma alimentação normal significa proporcionar diariamente 2.700 calorias a cada indivíduo adulto.IIO maior número de pessoas desnutridas,515 milhões, vive na Ásia, onde representam24% da população total. Mas se consideramosa proporção das vítimas, o preço mais alto épago pela África subsaariana, onde há 186 milhõesde seres humanos permanente e severamentedesnutridas, ou seja, 34% da populaçãototal da região. A maioria dessas pessoaspadece o que a FAO chama de “fome extrema”,sua ração diária se situa em média em300 calorias abaixo do regime da sobrevivênciaem condições suportáveis.Uma criança privada da alimentaçãoadequada em quantidade suficiente, desdeque nasce até os cinco anos, sofrerá as seqüelasdurante toda a sua vida. Por meio deterapias especiais praticadas sob supervisãomédica, é possível reintegrar à existência normalum adulto insuficientemente alimentadotemporariamente. Mas, no caso de uma criançade cinco anos isso é impossível. Privadasde alimento, suas células cerebrais terãosido prejudicadas irremediavelmente. RégisDebray chama estes pequenos de “crucificadosde nascimento” 56 .12256Régis Debray e Jean Ziegler. Il s’agit de ne pas se rendre. Paris: Arléa, 1994.


A fome e a desnutrição crônicas constituemuma maldição hereditária: todos os anos, centenasde milhares de mulheres africanas severamente desnutridasdão à luz a centenas de milhares de criançasirremediavelmente afetadas. Todas essas mãesdesnutridas e que, contudo, dão à vida, lembram asmulheres condenadas de Samuel Beckett, que “dãoà luz a um cavalo sobre um túmulo. O dia brilha porum instante e depois, de novo, a noite” 57 .Uma dimensão do sofrimento humano estáausente desta descrição: a da pungente e intolerávelangústia que tortura qualquer ser morto defome desde que acorda. Como, durante o dia quecomeça, poderá assegurar a sobrevivência dosseus, e à sua própria? Viver nessa angústia é, talvez,ainda mais terrível do que suportar as múltiplasdoenças e dores físicas que se abatem sobreesse corpo faminto.A destruição de milhões de africanos pelafome acontece numa espécie de normalidade estática,todos os dias, num planeta desbordante deriquezas. Na África subsaariana, entre 1998 e2005, o número de pessoas grave e permanentementedesnutridas aumentou em 5,6 milhões.IIIJean-Jacques Rousseau escreveu: “Entre ofraco e o forte a liberdade oprime e a lei liberta”.Com a finalidade de reduzir as desastrosas conseqüênciasdas políticas de liberalização e privatizaçãoexecutadas ao extremo pelos senhores domundo e seus mercenários (FMI, OMC), a AssembléiaGeral da ONU decidiu criar e proclamarcomo questão de justiça um novo direito humano:o direito à alimentação.O direito à alimentação é o direito de ter acessoregular, permanente e livre, quer seja diretamenteou por meio da compra com dinheiro, a uma alimentaçãoquantitativa e qualitativamente adequadae suficiente, que corresponda às tradições culturaisdo povo a que pertence o consumidor e quegaranta a existência física e psíquica, individual ecoletiva, livre de angústia, satisfatória e digna.Os direitos humanos – infelizmente! – nãoestão inscritos no Direito positivo. Isso significaque ainda não existe nenhum tribunal internacionalque faça justiça aos famintos, defenda seu direitoà alimentação, reconheça seu direito de produzirseus alimentos ou de obtê-los comprandooscom dinheiro e proteja seu direito à vida.IVTudo vai melhor quando governos como odo presidente Lula, no Brasil, ou o presidente EvoMorales, da Bolívia, mobilizam por vontade própriaos recursos do Estado, com a finalidade degarantir a cada cidadão seu direito à alimentação.A África do Sul é outro exemplo. O direito àalimentação está inscrito na sua Constituição. Estaestabelece a criação de uma Comissão Nacionaldos Direitos Humanos, composta em paridade pormembros nomeados pelas organizações da sociedadecivil (Igrejas, sindicatos e diferentes movimentossociais) e membros designados pelo Congresso.As competências da Comissão são amplas. Desdeque entrou em funcionamento, há cinco anos, a Comissãojá conseguiu vitórias importantes. Pode intervirem todos os âmbitos implicados na negação do direito àalimentação: expulsão de camponeses de suas terras;autorização dos municípios a sociedades privadas paraa gestão do abastecimento da água potável, que impliquetaxas proibitivas para os habitantes mais pobres;desvio da água por parte de uma sociedade privada emdetrimento dos agricultores; falta de controle sobre a qualidadedos alimentos vendidos nas periferias, etc.Mas, em quantos governos, especialmenteno Terceiro Mundo, existe a preocupação cotidianaprioritária pelo respeito à alimentação de seuscidadãos? Pois bem, nos 122 países do TerceiroMundo vivem atualmente 4,8 bilhões dos 6,2 bilhõesde pessoas que povoam o Planeta.VOs novos senhores do mundo têm ojerizaaos direitos humanos. Eles os temem como o diaboa água benta. Porque é evidente que uma políticaeconômica, social e financeira que cumprisseao pé da letra todos os direitos humanos, romperiataxativamente a absurda e mortífera ordemdo mundo atual e produziria necessariamente umadistribuição mais eqüitativa dos bens, satisfariaas necessidades vitais das pessoas e as protegeriada fome e de uma grande parte de suas angústias.Portanto, o objetivo final dos direitos humanosencarna um mundo completamente diferente, solidário,liberto do menosprezo e mais favorável à felicidade.Os direitos humanos políticos e civis, econômicos,sociais e culturais, individuais e coletivos 58são universais, interdependentes e indivisíveis. Esão, hoje, o horizonte de nossa luta.57Samuel Beckett. Esperando Godot (1953). São Paulo: Cosac Naify, 2005.58Direitos humanos coletivos são, por exemplo, o direito à autodeterminação ou o direito ao desenvolvimento.123


Colapso do agronegócioe a agricultura do futuro 59Gerson Teixeira 60Ainteração de dois fenômenos estruturaissão preditivos de uma atividadeagrícola no futuro, organizada sobbases incompatíveis com a manutenção doagronegócio nos termos atuais. O primeiro fenômeno,de ordem econômica, subproduto damodernização conservadora da agricultura, dizrespeito à trajetória erosiva, no longo prazo,dos níveis de rentabilidade econômica da baseprimária da atividade, decorrente do gap continuadoentre preços agrícolas e custos de produção.Esse descompasso teve início com aauto-suficiência alimentar da Europa no finalda década de 1970. À título de exemplo, deacordo com a FAO, entre 1980 e 2005, os níveisreais dos preços do milho, arroz, trigo ealgodão declinaram, respectivamente, 55%,50%, 46%, 60% e 54%.Interagem com esse fenômeno os ganhos deprodutividade agrícola em escalas incapazes deconvergir as curvas dos preços e custos. A esterespeito, vale consultar na Central de InformaçõesAgropecuárias da Conab (www.conab.gov.br) osdados sobre a evolução dessas variáveis, paravárias culturas, no período de 1998 a 2007.Nos países ricos, o colapso da agricultura,por força desses fenômenos, tem sido evitado porpolíticas protecionistas vigorosas que incluem bilhõesde dólares em ajuda aos agricultores.No Brasil, a grande exploração agrícolatem resistido, com competitividade internacional,graças ao concurso de fatores como: a “cultura”da inadimplência no crédito rural, a precarizaçãodo trabalho, os baixos preços relativos da terra,o uso predatório dos recursos naturais e os incentivosda Lei Kandir.Decorre das tendências acima, portanto, arota desestruturante da base primária da agriculturaempresarial, ao que tudo indica, inevitável, àmedida que resultante de fatores dificilmente reversíveis,a exemplo do protecionismo agrícola,da imanência excedentária do modelo agrícola edos processos de concentração e a centralizaçãoeconômica dos capitais industrial, financeiro ecomercial no entorno da atividade agrícola.Poder-se-ia contra-argumentar que a economiados agrocombustíveis imporá inflexão nessastendências. Mas, o governo brasileiro, osagrosenhores e os seus agro-intelectuais garantemque não haverá competição com a produção dealimentos! Aliás, recomenda-se àqueles que aindaapostam na mega-economia dos agrocombustíveis,a interpretação política da lista de bensambientais, sem o etanol, apresentada em Bali naCOP 13, pelos EUA e Europa, em atropelo e desrespeito,como de praxe, às negociações entabuladaspelos mais de 150 membros do Comitê deComércio e Meio Ambiente da OMC.Esta ameaça à agricultura empresarial perdeintensidade no caso da agricultura familiar ecamponesa por conta dos valores e relações coma terra não restritos à lógica marginalista.Com esta maior blindagem e levando emconta os efeitos do segundo fenômeno tratado naseqüência, a pequena produção agroecológica sehabilita para hegemonizar, no futuro, a paisagemagrária, principalmente em países como o Brasil.O segundo fenômeno deriva dos impactosna atividade agrícola das mudanças climáticasglobais e, ao mesmo tempo, das contribuições daagricultura para o aquecimento global.O mundo se depara com o grandioso (e aoque tudo indica, irrealizável) desafio de reduzir,entre 50% e 80% as emissões de gases de efeitoestufa,nos próximos 50 anos, para evitar que atemperatura global ultrapasse os 2 graus centígrados.E as medidas nesta direção devem serimplementadas, nas hipóteses mais otimistas, noprazo de até 15 anos.A agricultura contribui de forma importantee será fortemente afetada por esse processo. Calcula-seque esta atividade seja responsável por30% das emissões globais de gases geradores do59Texto disponível em www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4803 - 15k12460Gerson Teixeira é coordenador geral da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA, no DF.


efeito estufa. Afora as queimadas em países comoo Brasil, o principal fator da contribuição da agriculturapara o aquecimento global é o empregointensivo de fertilizantes químicos. Daí decorre oseguinte dilema: sem a redução massiva da utilizaçãodos agroquímicos não há possibilidade deredução do aquecimento global e, ao mesmo tempo,sem o uso crescente desses insumos a agriculturaprodutivista estará inviabilizada.Neste quadro, no qual a grande exploraçãoagrícola conspira contra a sua própria sobrevivênciae a do planeta, os impactos do aquecimentoglobal desestabilizadores da agricultura, previstosno último Relatório do IPCC, exigirão mudançasde profundidade na base técnica da agriculturasob pena de severas ameaças à segurança alimentarda população mundial.É óbvio que os centros de pesquisa em todoo mundo já vêm se empenhando por soluções técnicasagronômicas para as situações de superstressque advirão do aquecimento global. Todavia,se, por exemplo, é possível a obtenção de variedadescompatíveis com adversidades ambientaisprevistas, não parece razoável supor uma atividadeagrícola no futuro ultra-intensiva em fertilizantes.A não ser que a opção seja pela destruiçãodo planeta! Não sendo assim, é possível imaginaro atual modelo agrícola, sem os agroquímicos?Aí já seria um outro modelo agrícola!Do mesmo modo, muitos cientistas asseguramque a agricultura com biodiversidadeserá essencial para a convivência com os desdobramentosdas mudanças climáticas. Comoisto seria possível com um tipo de agriculturano qual a biodiversidade tem sido uma das suasprincipais vítimas? Além disso, semmonocultivos em escala não há possibilidade deviabilidade econômica para a base primária doagronegócio, nos termos atuais. De novo, agorapor razões ambientais, a pequena produçãoagroecológica se credencia para dominar a paisagemagrária do futuro.Em suma, se fatores desestabilizadores danatureza e da economia tendem a criar essa oportunidadede hegemonia para a agricultura familiare camponesa, no futuro, resta que, na política,as suas organizações atuem para tal sob perspectivaestratégica.Para tanto, mais do que nunca, reformaagrária, agricultura familiar e meio ambiente devempassar a ser pontos de convergência dasagendas das lutas populares no campo. E cumpreque se perceba a necessidade de luta pelarevisão do Pronaf à medida que, na concepçãoatual o programa nivela as formas de gestão eprodução dos camponeses às bases de organizaçãoda agricultura produtivista. Isto não ajudaa construir o futuro!Fome: alimentos como negócioLeonardo Boff - 29/4/2008Omundo está se alarmando com a altado preço dos alimentos e com as previsõesdo aumento da fome no mundo.A fome representa um problema ético, denunciadopor Gandhi: “a fome é um insulto, elaavilta, desumaniza e destrói o corpo e o espírito;é a forma mais assassina que existe”. Masela é também resultado de uma politica econômica.O alimento se transformou em ocasiãode lucro e o processo agroalimentar num negóciorentoso. Mudou-se a visão básica que predominavaaté o advento da industrialização moderna,visão de que a Terra era vista como aGrande Mãe. Entre a Terra e o ser humano vigoravamrelações de respeito e de mútua colaboração.O processo de produção industrialistaconsidera a Terra apenas como baú de recursosa serem explorados até à exaustão.A agricultura mais que uma arte e uma técnicade produção de meios de vida se transformounuma empresa para lucrar. Mediante a mecanizaçãoe a alta tecnologia pode-se produzirmuito com menos terras. A “revolução verde”introduzida a partir dos anos 70 do século XX edifundida em todo mundo, quimicalizou quasetoda a produção. Os efeitos são perceptíveis125


agora: empobrecimento dos solos, devastadoraerosão, desfloretamento e perda de milhares devariedades naturais de sementes que são reservasface a crises futuras.A criação de animais modificou-se profundamentedevido aos estimulantes de crescimento,práticas intensivas, vacinas, antibióticos, inseminaçãoartificial e clonagem.Os agricultores clássicos foram substituídospelos empresários do campo. Todo este quadrofoi agravado pela acelerada urbanização do mundoe o consequente esvaziamento dos campos. Acidade coloca uma demanda por alimentos queela não produz e que depende do campo.Vigora uma verdadeira guerra comercial poralimentos. Os países ricos subsidiam safras inteirasou a produção de carnes para colocá-las amelhor preço no mercado mundial, prejudicandoos paises pobres, cuja principal riqueza consistena produção e exportação de produtos agrícolase carnes. Muitas vezes, para se viabilizarem economicamente,se obrigam a exportar grãos e cereaisque vão alimentar o gado dos países industrializadosquando poderiam, no mercado interno,servir de alimento para suas populações.No afã de garantir lucros, há uma tendênciamundial, no quadro do modo de produçãocapitalista, de privatizar tudo especialmente assementes. Menos de uma dezena de empresastransnacionais controla o mercado de sementesem todo o mundo. Introduziram as sementestransgênicas que não se reproduzem nas safrase que precisam ser, cada vez, compradas comaltos lucros para as empresas. A compra dassementes constitui parte de um pacote maior queinclui a tecnologia, os pesticidas, o maquinárioe o financiamento bancário, atrelando os produtoresaos interesses agroalimentares das empresastransnacionais.No fundo, o que interessa mesmo é garantirganhos para os negócios e menos alimentarpessoas. Se não houver uma inversãona ordem das coisas, isto é: uma economiasubmetida à política, uma política orientadapela ética e uma ética inspirada por uma sensibilidadehumanitária mínima, não haverásolução para a fome e a subnutrição mundial.Continuaremos na barbárie que estigmatiza oatual processo de globalização. Gritos caninosde milhões de famintos sobem continuamenteaos céus sem que respostas eficazes lhes venhamde algum lugar e façam calar este clamor.É a hora da compaixão humanitáriatraduzida em políticas globais de combate sistemáticoà fome.Transnacionais de alimentos lucramcom aumento da fome 61Boaventura de Sousa SantosHá muito conhecido dos que estudama questão alimentar, o escândalo finalmenteestalou na opinião pública:a substituição da agricultura familiar, camponesa,orientada para a auto-suficiência alimentar eos mercados locais, pela grande agro-indústria,orientada para a monocultura de produtos deexportação (flores ou tomates), longe de resolvero problema alimentar do mundo, agravou-o.Tendo prometido erradicar a fome do mundono espaço de vinte anos, confrontamo-nos hojecom uma situação pior do que a que existia háquarenta anos. Cerca de um sexto da humanidade12661A fome no mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção quea fome. Nos últimos meses, os meses do aumento da fome, os lucros da maior empresa de sementes e de cereais aumentaram83%. Ou seja, a fome de lucros da Cargill alimenta-se da fome de milhões de seres humanos. A análise é de Boaventura de SousaSantos. Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14976.


A fome nomundo não éum fenômenonovo. Ficaramfamosas naEuropa asrevoltas da fomedesde a IdadeMédia até oséculo XIX.passa fome; segundo o Banco Mundial, 33 paísesestão à beira de uma crise alimentar grave; mesmonos países mais desenvolvidos os bancos alimentaresestão a perder as suas reservas; e voltaramas revoltas da fome que em alguns países jácausaram mortes. Entretanto, a ajuda alimentarda ONU está hoje a comprar a 780 dólares a toneladade alimentos que no passado mês de marçocomprava a 460 dólares.A opinião pública está a ser sistematicamentedesinformada sobre esta matéria para que senão dê conta do que se está a passar. É que o quese está a passar é explosivo e pode ser resumidodo seguinte modo: a fome do mundo é a novagrande fonte de lucros do grande capital financeiroe os lucros aumentam na mesmaproporção que a fome.A fome no mundo não é um fenômenonovo. Ficaram famosas naEuropa as revoltas da fome (com osaque dos comerciantes e a imposiçãoda distribuição gratuita do pão)desde a Idade Média até ao séculoXIX. O que é novo na fome do séculoXXI diz respeito às suas causas eao modo como as principais sãoocultadas. A opinião pública tem sidoinformada que o surto da fome estáligado à escassez de produtos agrícolas,e que esta se deve às más colheitasprovocadas pelo aquecimentoglobal e às alterações climáticas; ao aumentode consumo de cereais na Índia e na China; aoaumento dos custos dos transportes devido à subidado petróleo; à crescente reserva de terra agrícolapara produção dos agro-combustíveis.Todas estas causas têm contribuído para oproblema, mas não são suficientes para explicarque o preço da tonelada do arroz tenha triplicadodesde o início de 2007. Estes aumentos especulativos,tal como os do preço do petróleo, resultamde o capital financeiro (bancos, fundos de pensões,fundos hedge [de alto risco e rendimento])ter começado a investir fortemente nos mercadosinternacionais de produtos agrícolas depois dacrise do investimento no sector imobiliário.Em articulação com as grandes empresasque controlam o mercado de sementes e a distribuiçãomundial de cereais, o capital financeiroinveste no mercado de futuros na expectativa deque os preços continuarão a subir, e, ao fazê-lo,reforça essa expectativa. Quanto mais altos foremos preços, mais fome haverá no mundo, maioresserão os lucros das empresas e os retornosdos investimentos financeiros.Nos últimos meses, os meses do aumentoda fome, os lucros da maior empresa de sementese de cereais aumentaram 83%. Ou seja, a fomede lucros da Cargill alimenta-se da fome de milhõesde seres humanos.O escândalo do enriquecimento de alguns àcusta da fome e subnutrição de milhões já não podeser disfarçado com as “generosas” ajudas alimentares.Tais ajudas são uma fraude que encobre outramaior: as políticas econômicas neoliberais quehá trinta anos têm vindo a forçar os países do terceiromundo a deixar de produzir os produtos agrícolasnecessários para alimentar assuas próprias populações e a concentrar-seem produtos de exportação,com os quais ganharão divisas que lhespermitirão importar produtos agrícolas...dos países mais desenvolvidos.Quem tenha dúvidas sobre estafraude que compare a recente “generosidade”dos EUA na ajuda alimentarcom o seu consistente voto na ONUcontra o direito à alimentação reconhecidopor todos os outros países.O terrorismo foi o primeiro grandeaviso de que se não pode impunementecontinuar a destruir ou a pilhara riqueza de alguns países para benefício exclusivode um pequeno grupo de países mais poderosos.A fome e a revolta que acarreta parece ser osegundo aviso. Para lhes responder eficazmenteserá preciso pôr termo à globalização neoliberal,tal como a conhecemos.O capitalismo global tem de voltar a sujeitar-sea regras que não as que ele próprio estabelecepara seu benefício. Deve ser exigida umamoratória imediata nas negociações sobre produtosagrícolas em curso na Organização Mundialdo Comércio.Os cidadãos têm de começar a privilegiaros mercados locais, recusar nos supermercadosos produtos que vêm de longe, exigir do Estado edos municípios que criem incentivos à produçãoagrícola local, exigir da União Europeia e dasagências nacionais para a segurança alimentarque entendam que a agricultura e a alimentaçãoindustriais não são o remédio contra a insegurançaalimentar. Bem pelo contrário.127


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Cerrado 62Considerado atualmente a savana maisrica do mundo em biodiversidade, oCerrado brasileiro reúne, numa grandevariedade de paisagens, mais de 10.000 espéciesde plantas e 1.575 qualidades de animais. Entrechapadas e vales, com uma vegetação que vai docampo seco às matas de galeria, esse bioma seestende por uma vastidão de 2 milhões de km²(Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, MinasGerais, Tocantins, Piauí e Distrito Federal, alémde ser encontrado, também, em trechos de outrossete estados brasileiros), ocupando um quarto doterritório nacional.O Cerrado vive, atualmente, forte descaracterizaçãopela expansão desordenada dafronteira agrícola, que já ocupa cerca de metadeda região. Mais do que sua exuberante biodiversidade,a atual devastação põe em riscouma região que é o berço das águas das principaisbacias hidrográficas brasileiras, além debase da sobrevivência cultural e material deextrativistas, indígenas, quilombolas e produtoresfamiliares agroextrativistas, que têm, no usodos seus recursos, a fonte de sua subsistência egeração de renda.Baru – Baruzeir (Dipteryx alata)Árvore frutífera do Cerrado brasileiro, quepossui uma castanha de excelente sabor e propriedadesnutricionais. É rico em proteínas, fibras,magnésio, potássio e ferro, além de possuiralto valor energético. O baru está fortemente ameaçadopelo desmatamento para plantio de grãos,implantação de pastagens e utilização de sua madeira.O aproveitamento dos frutos contribui paraa conservação da espécie e do Cerrado, além demelhorar a qualidade de vida das comunidadesenvolvidas na coleta e no beneficiamento.Muitas histórias e tantas paisagens sobrea destruição e a resistência no cerrado 63Um dos ecossistemas mais ricos do país, fonte de águas de muitos rios, a região,no coração do Brasil, é oferecida em holocausto ao agronegócio; ela e osbrasileiros que a povoam vêm sofrendo contínua devastação e violência.Liderança entre os trabalhadores ruraisdo cerrado, Manuel da Conceição, assimcomo a terra em que vive, teve ocorpo devastado pelas torturas da ditadura. Umade suas pernas secou, como secaram tantos brejos,veredas, igarapés e pântanos.O cerrado, a partir de seu coração, no centrodo Brasil, se mistura com o pantanal; a matade araucária, no sul do país; a mata atlântica; acaatinga, no Nordeste; a zona dos cocais ebabaçuais, no Maranhão e Piauí; e a FlorestaAmazônica. Hoje, o cerrado é oferecido em62Texto disponível em http://www.nordestecerrado.com.br/cerrado/63Matéria feita por João Roberto Ripper, de Rio de Janeiro (RJ). Publicada no Jornal Brasil de Fato, Ano 2, Número 97,São Paulo de 6 a 12 de janeiro de 2005. Pág. 12 e 13.131


132holocausto, em troca da Amazônia, por uma políticaque ignora as suas populações.A partir dos anos 70, o agronegócio temcomo sócio majoritário a soja. Há tratores de230 mil dólares, mas a monocultura significanão produzir para o próprio povo e não contemplarquem produz nem suas famílias.Quantas sementes têm que ser plantadas paradar retorno a esse investimento? Que quantidadede terra é necessária pra tanta sementeser cultivada? Quantos chapadões são sacrificadose deixam de gerar agriculturadiversificada, extrativismo e caça para os povosdo cerrado?Além da soja, tem a cana-de-açúcar, oseucaliptos e sua produção de carvão vegetalcom utilização de mão-de-obra escrava, tudosugando as chapadas, chupando água do lençolfreático que sempre foi a garantia de vidadas veredas, das matas ciliares, dos pântanos,igarapés, rios.Manuel teve o corpo e o coração muitomachucados pelos militares, mas não perdeu abeleza, pois sua dignidade é perene, límpida,transparece e aparece em tantos outros homens emulheres que povoam o cerrado brasileiro.Disse um índio no Fórum Social Mundial:“Indiscutivelmente, a expansão do agronegócioestá matando as culturas dos povos do cerrado.Existe um conhecimento sobre o cerrado queestá inscrito na prática das populações. Comtoda certeza, quando seca um pântano, umigarapé, um rio, ou quando migra um camponês,um indígena, um quilombola, a humanidadefica mais pobre”.DestruiçãoOs camponeses, habitantes originários docerrado, sempre trabalharam com paisagensdiversificadas. Nas baixadas, a agricultura; naschapadas, o gado à solta, a caça e coleta de ervasmedicinais e de frutos, como o pequi; nas encostas,uma mistura de agricultura, extrativismo, umpouco de pecuária.Os chapadões foram um grande achadopara o agronegócio. Que consegue, hoje, captarágua a até 150 metros de profundidade, trazendopara a superfície a água do lençolfreático, num local onde a água já é escassapor seis meses.Essa operação provoca um desequilíbriohídrico de tal porte que rios, córregos e lagoas,antes perenes, tornam- se intermitentes e até deixamde existir. Com a falta d’água, antes de o a-gronegócio produzir grãos para exportação, produza sede, a fome e a expulsão de milhares dehabitantes. O problema afeta as bacias do Pratae Amazônica.Rios MortosO líder rural lamenta que os rios da regiãoestejam sendo devastados, aterrados por areia,envenenados por adubos químicos. “Os rios sótêm água roxa e preta. Acabou a fartura de peixes,pássaros, cutia, tatu, anta, veado. O que temagora é eucalipto, capim pra criar gado. Não temmais mata ciliar. Os tratores devastam as florestase as terras. Nas chuvas tudo é arrastado, entupindoos rios”.Manuel diz que estão desertificando oMaranhão. Mais: “Quando falarmos dos sereshumanos, a coisa é ainda mais grave. Quero verqual é o governo que vai conseguir segurar a violênciano Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, SãoLuís com essa grande quantidade de trabalhadorespobres que são expulsos, com fome e sem trabalho”Os pobres viram marginais, diz, e não vaiter governo que dê conta de atender esses milhõesde brasileiros que, sem querer, caem namarginalidade para sobreviver.”ResistênciaPara fazer frente a tudo isso foram criados,há 18 anos, o Centro de Educação e Cultura doTrabalhador Rural e, mais recentemente, a Centralde Cooperativas Agroextrativistas doMaranhão (CCAMA), em Imperatriz. Antes de seorganizar, esses trabalhadores não tinham nemterra e nem ferramentas.Hoje, são mais de 30 mil trabalhadoresassentados em Buriticupu, onde 38 grandes fazendasforam ocupadas. “Eles ainda estão muitopobres, mas pelo menos já têm o que comer”– conta Manuel. Declarando seu amorpelo cerrado, ele lembra que nele deixou suafamília quando foi preso e depois se refugiouna Suíça. “Aqui fiz a minha roça, colhi meubabaçu. Eu tenho todo interesse de dizer que oque faço hoje é tentar levantar as vozes adormecidasdos povos do cerrado”.


O Semi-Árido é beloe constrói conhecimentos 64Antonio Gomes Barbosa 65OSemi-Árido é, sem dúvida, um dosecossistemas mais intrigantes e fascinantesdo planeta! Esta expressão, que caracterizaadmiração e encantamento, é a de quempassa a observar de perto esta região, sobretudo,estudiosos da Biologia, Botânica, Antropologia,Geografia, Paleontologia, História, Sociologia,Jornalismo, Fotografia, dentre tantas outras áreasdo conhecimento.Rico em biodiversidade, o Semi-Árido, quealguns preferem denominar de “sertão”, para diferi-lodo litoral, apresenta mais de 160microclimas, de acordo com a Embrapa Semi-Árido; todos caracterizados por um alto poder deresistência e resiliência. Mesmo com longos períodosde estiagem, plantas e animais resistem eapresentam grande capacidade de regeneração.E é só cair as primeiras chuvas e tudo que eracinza e parecia morto, vira verde e esbanja vida.É também no Semi-Árido, de acordo com apesquisadora Niéde Guidon, que se registram asprimeiras marcas de ocupação humana das Américas.Ou seja, podemos dizer que a riqueza dessaregião não se expressa apenas em sua fauna,flora, pinturas rupestres e/ou formações rochosas(cristalino na maior parte). O maior patrimôniodo Semi-Árido é, principalmente, a diversidadecultural de seu povo: agricultores/as, vaqueiros/as, ribeirinhos/as, quilombolas, indígenas,extrativistas, quebradeiras de coco; que cultivam,criam, extraem, cantam, dançam, observam e produzemconhecimentos.Portadores de um vasto saber, adquiridos apartir da observação da natureza ao longo dostempos, homens e mulheres aprenderam a arte deconviver com o meio ambiente, olhando os ciclosdas chuvas, o comportamento das plantas, dosanimais e as características do clima e do solo.Foi esse conhecimento que construiu as melhoresestratégias de convivência com o Semi-Árido, favorecendoo armazenamento de água para o consumoda família, através das cisternas; dos animaise das plantas por meio dos barreiros, tanquesde pedra, caldeirões, barragens subterrâneas;e a estocagem de comida (bancos de sementes,paiol, armazéns, etc.) e forragem para os animais(pastagens nativas, silos, fenos).A natureza não é muda 66Eduardo GaleanoOmundo pinta naturezas mortas, sucumbemos bosques naturais, derretem ospólos, o ar torna-se irrespirável e a águaimprestável, plastificam-se as flores e a comida, eo céu e a terra ficam completamente loucos.E, enquanto tudo isto acontece, um país latino-americano,o Equador, está discutindo umanova Constituição. E nessa Constituição abre-sea possibilidade de reconhecer, pela primeira vezna história universal, os direitos da natureza.A natureza tem muito a dizer, e já vaisendo hora de que nós, seus filhos, paremosde nos fingir de surdos. E talvez até Deus escuteo chamado que soa saindo deste país64Texto disponível em http://www.asabrasil.org.br65Sociólogo e Coordenador Pedagógico do P1+266O Equador está discutindo uma nova Constituição. Entre as propostas, abre-se a possibilidade de reconhecer, pela primeiravez na história, os direitos da natureza. Parece loucura querer que a natureza tenha direitos. Em compensação, parecenormal que as grandes empresas dos EUA desfrutem de direitos humanos, conforme foi aprovado pela Suprema Corte, em1886. Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14956133


134andino, e acrescente o décimo primeiro mandamento,que ele esqueceu nas instruções quenos deu lá do monte Sinai: “Amarás a natureza,da qual fazes parte”.Um objeto que quer ser sujeitoDurante milhares de anos, quase todo omundo teve direito de não ter direitos.Nos fatos, não são poucos os que continuamsem direitos, mas pelo menos se reconhece,agora, o direito a tê-los; e isso é bastantemais do que um gesto de caridade dos senhoresdo mundo para consolo dos seus servos.E a natureza? De certo modo, pode-se dizerque os direitos humanos abrangem a natureza,porque ela não é um cartão postal paraser olhado desde fora; mas bem sabe a naturezaque até as melhores leis humanas tratam-nacomo objeto de propriedade, e nunca como sujeitode direito.Reduzida a uma mera fonte de recursosnaturais e bons negócios, ela pode ser legalmentemaltratada, e até exterminada, sem quesuas queixas sejam escutadas e sem que asnormas jurídicas impeçam a impunidade doscriminosos. No máximo, no melhor dos casos,são as vítimas humanas que podem exigir umaindenização mais ou menos simbólica, e issosempre depois que o mal já foi feito, mas asleis não evitam nem detêm os atentados contraa terra, a água ou o ar.Parece estranho, não é? Isto de que a naturezatenha direitos... Uma loucura. Como sea natureza fosse pessoa! Em compensação, parecemuito normal que as grandes empresasdos Estados Unidos desfrutem de direitos humanos.Em 1886, a Suprema Corte dos EstadosUnidos, modelo da justiça universal, estendeuos direitos humanos às corporaçõesprivadas. A lei reconheceu para elas os mesmosdireitos das pessoas: direito à vida, à livreexpressão, à privacidade e a todo o resto, comose as empresas respirassem. Mais de 120 anosjá se passaram e assim continua sendo. Ninguémfica estranhado com isso.Gritos e sussurrosNada há de estranho, nem de anormal, oprojeto que quer incorporar os direitos da naturezaà nova Constituição do Equador.Este país sofreu numerosas devastaçõesao longo da sua história. Para citar apenas umexemplo, durante mais de um quarto de século,até 1992, a empresa petroleira Texaco vomitouimpunemente 18 bilhões de galões de venenosobre terras, rios e pessoas. Uma vez cumpridaesta obra de beneficência na Amazôniaequatoriana, a empresa nascida no Texas celebrouseu casamento com a Standard Oil. Nessaépoca, a Standard Oil, de Rockefeller, haviapassado a se chamar Chevron e era dirigida porCondoleezza Rice. Depois, um oleoduto transportouCondoleezza até a Casa Branca, enquantoa família Chevron-Texaco continuava contaminandoo mundo.Mas as feridas abertas no corpo do Equadorpela Texaco e outras empresas não são aúnica fonte de inspiração desta grande novidadejurídica que se tenta levar adiante. Alémdisso, e não é o menos importante, a reivindicaçãoda natureza faz parte de um processode recuperação das mais antigas tradições doEquador e de toda a América. Visa a que oEstado reconheça e garanta o direito de mantere regenerar os ciclos vitais naturais, e nãoé por acaso que a Assembléia Constituinte começoupor identificar seus objetivos derenascimento nacional com o ideal de vida dosumak kausai. Isso significa, em línguaquechua, vida harmoniosa: harmonia entre nóse harmonia com a natureza, que nos gera, nosalimenta e nos abriga e que tem vida própria,e valores próprios, para além de nós.Essas tradições continuam miraculosamentevivas, apesar da pesada herança do racismo,que no Equador, como em toda a América,continua mutilando a realidade e a memória.E não são patrimônio apenas da suanumerosa população indígena, que soubeperpetuá-las ao longo de cinco séculos de proibiçãoe desprezo. Pertencem a todo o país, eao mundo inteiro, estas vozes do passado queajudam a adivinhar outro futuro possível.Desde que a espada e a cruz desembarcaramem terras americanas, a conquista européiacastigou a adoração da natureza, queera pecado de idolatria, com penas de açoite,forca ou fogo. A comunhão entre a naturezae o povo, costume pagão, foi abolida emnome de Deus e depois em nome da civilização.Em toda a América, e no mundo, continuamospagando as conseqüências dessedivorcio obrigatório.


Mudanças Climáticas 67OClima pode ser definido como o conjuntode condições meteorológicas (temperatura,umidade, chuvas, pressão e ventos)que mantém características comuns em umadeterminada região. Variações no clima fazemparte da dinâmica ambiental do planeta. Por exemplo,a diferença das características de uma mesmaestação de um ano para outro, que pode ser maisquente ou fria, úmida ou seca, chuvosa ou não.Também são evidências das variações do clima osfenômenos como tempestades, ciclones e secas.As mudanças climáticas são uma alteraçãopermanente nessas características e aconteceram diversasvezes no passado, por causas naturais. Entretanto,as atividades humanas, em especial as que utilizamcombustíveis fósseis, vêm influenciando a ocorrênciadesse tipo de evento, por meio da alteração doequilíbrio climático do planeta. A causa central destefenômeno é a intensificação do efeito estufa, quemodifica o modo com que a energia solar interagecom a atmosfera, provocando graves conseqüências.Alguns indicadores das mudanças climáticasnos últimos 15 anos são o aquecimentoglobal, alterações bruscas em características básicasdas estações do ano em diferentes partesdo planeta, como temperatura e ocorrência dechuvas, ou aumento inédito nas últimas décadasde fenômenos abruptos como vendavais,ciclones e enchentes.Se hoje existe um consenso entre cientistasde que mudanças climáticas estão em cursoe têm como origem a influência das atividadeshumanas no ambiente, ainda há um longo caminhoa se percorrer no que diz respeito àmitigação das causas desse fenômeno e à adoçãode energias alternativas para as atividadesprodutivas. Os tratados internacionais abriramcaminhos para lidar com esse problema, ao estabeleceremdiretrizes para redução de emissõesdos gases do efeito estufa (GEEs) e ferramentasde ordem prática, como os mecanismos deflexibilização do Protocolo de Kyoto.Amsterdã, HolandaNovo relatório do Greenpeace mostra o papel daagricultura nas mudanças climáticas e o que sepode fazer para reduzir suas emissões de CO2 68Aagricultura é atualmente uma das maisimportantes fontes de emissão de gasesdo efeito estufa e mudanças urgentesprecisam ser feitas no modo como a atividadeé exercida para torná-la ambientalmente sustentável.Isso é o que conclui o novo relatório doGreenpeace, Mudanças do Clima, Mudanças noCampo 69 .“Os impactos da agricultura industrial noclima não podem ser ignorados”, afirma GabrielaVuolo, do Greenpeace Brasil. “É preciso trabalharpara que o futuro da agricultura seja produzindoalimentos em comunhão com a natureza ea população, e não contra elas”.O novo relatório traz detalhes de como a agriculturabaseada no uso intensivo de energia e produtos67Texto disponível em http://www.bioclimatico.com.br/document.aspx?IDDocument=2468Texto disponível em http://www.greenpeace.org/brasil/greenpeace-brasil-clima/noticias/mudan-as-do-clima-mudan-as-no.69O relatório foi escrito pelo professor Pete Smith, da Universidade de Aberdeen – um dos autores do mais recente relatóriodo Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – e é o primeiro a detalhar os efeitos diretose indiretos da agricultura nas mudanças climáticas.135


químicos provocou um aumento nos níveis de emissõesde gases do efeito estufa, principalmente devidoao excessivo uso de fertilizantes, desmatamento, degradaçãodo solo e criação intensiva de animais.A contribuição total da agricultura mundialpara as mudanças climáticas, incluindo desmatamentopara plantações e outros usos, é estimadoem algo entre 8,5 bilhões e 16,5 bilhões de toneladasde dióxido de carbono, ou entre 17% e32% de todas as emissões de gases do efeito estufaprovocadas pelo ser humano.O uso excessivo de fertilizantes é responsávelpela maior parte das emissões de gases do efeitoestufa, estando hoje em torno de 2,1 bilhões detoneladas de CO2 anualmente. O excesso de fertilizantesprovoca a emissão de óxido nitroso(N2O), que é algo em torno de 300 vezes maispotente que o CO2 na mudança do clima.O relatório detalha ainda a variedade desoluções práticas que podem reduzir as mudançasclimáticas e que são fáceis de ser implementadas,incluindo aí a redução do desmatamento,do uso de fertilizantes e a proteção do solo.“Do ponto de vista do clima global, ogrande vilão é a queima de combustíveis fósseisseguido da mudança de uso do solo,como as queimadas na Amazônia e asatividades agrícolas em geral. No Brasil,essa é a maior parte do problema”, afirmouLuís Piva, coordenador da campanha de climado Greenpeace. “Ações urgentes são necessáriaspara que o setor agrícola deixe deser parte do problema das mudanças climáticase passe a colaborar com a retirada decarbono da atmosfera e ao mesmo tempo garantira segurança alimentar”.136

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