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Ricardo Vidal Golovaty. A “psicologia do boato” numa ... - ANPUH-SP

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Veloso narra esse conto a padre Guilherme quan<strong>do</strong> este o procura em busca de consolopela calúnia de que fora vítima. Tem o padre trinta e nove anos, há seis habitan<strong>do</strong> Candeias. Eleé caracteriza<strong>do</strong> na novela como uma mistura de bondade e pouca esperteza, natureza <strong>do</strong>ce ecomunicativa. Tem ao fun<strong>do</strong> de sua casa a companhia da empregada Rosa, mulata, servi<strong>do</strong>rafiel. O seu sacristão chama-se Chicão: negro caboclo de andar desajeita<strong>do</strong>.Padre Guilherme a<strong>do</strong>tara um recém nasci<strong>do</strong>, deixa<strong>do</strong> na porta da Igreja, após Chicãochamá-lo para um batismo urgente, de um inocente desfaleci<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> relato <strong>do</strong>s pais.Chega<strong>do</strong>s à Igreja esperam por estes, mas apenas há o bebê deixa<strong>do</strong> à porta, segun<strong>do</strong> relato deChicão e Vito (afilha<strong>do</strong> <strong>do</strong> padre, negro). Sua bondade e solidão fazem padre Guilhermeintencionar a a<strong>do</strong>ção. Começa a cuidar de Matias (nome da<strong>do</strong> à criança em homenagem aosacristão, seu verdadeiro nome, pois Chicão era alcunha provinda <strong>do</strong> seu pai) como legítimo ecuida<strong>do</strong>so pai. Corre então o boato que a criança era filha legítima <strong>do</strong> padre, provavelmente desuas relações com Rosa. Calunia<strong>do</strong> pela comunidade e imprensa local padre Guilherme seentristece até deixar Candeias e Matias. Mas logo após sua ida a verdade vem à tona: Matias erafruto de adultério de Chicão. Para ajudá-lo, Rosa armou um tríplice artifício: o padre a<strong>do</strong>ta obebê; Chicão se livra <strong>do</strong> filho indeseja<strong>do</strong>; e o órfão ganha vida digna, pois a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo padre.Nas duas narrativas o eixo é o boato como história inverídica prejudican<strong>do</strong> pessoasinocentes com desfecho “trágico”. Daí a intenção naturalista de Amadeu Amaral: a novela éuma espécie de estu<strong>do</strong> sobre o poder <strong>do</strong> boato <strong>numa</strong> pequena cidade, ten<strong>do</strong> como personagensprincipais <strong>do</strong>is amigos que se completam: padre Guilherme, exemplo de bondade e ingenuidade;Veloso, exemplo de intelecto e faro para o mal. Ambos intelectuais locais e, por isso, solitáriosobjetos de calúnia – o padre como um novato e Veloso como o experiente.Outros indícios da abordagem naturalista estão nas soluções formais da novela. 10 Apesar<strong>do</strong> tom coloquial Amadeu Amaral opta pouco pela oralidade (tão presente e posteriormentecriticada) <strong>do</strong>s textos regionalistas <strong>do</strong>s anos 1920. Ela aparece na fala <strong>do</strong>s negros e de um italianoem seus contornos mais gerais. 11 Como narra<strong>do</strong>r Amaral não fala à moda <strong>do</strong>s personagens, nemcoloca um deles nessa função (solução típica <strong>do</strong> regionalismo), salvo em algumas passagenscom Veloso. 12 Último indício: contemporâneo de Amaral, o alienista Franco da Rocha escreveao autor saudan<strong>do</strong>-o pela obra, rara, pois pesquisara literatura de ficção sobre o boato e nada10 Importante salientar que a recepção crítica de Nestor Victor, contemporâneo de Amadeu Amaral entendeu aPulseira como novela naturalista. Ver: VICTOR, Nestor. Cartas à gente nova. Rio de Janeiro: Edição <strong>do</strong> Annuario<strong>do</strong> Brasil, 1924. Sobre Nestor Victor como crítico literário ver: CARA, Salete de Almeida. A recepção crítica: omomento parnasiano-simbolista no Brasil. São Paulo: Ática, 1983.11 Alguns exemplos. Rosa: “Venanço! Purfiro! Benedito!”. Chicão: “Não faz mal seu vigário. Aminhã ela arrepeteos guiza<strong>do</strong>s.” Nicola: “Oh <strong>do</strong>ttore, aqui entre noise: sabe o que estava dizen<strong>do</strong> o Bernardino, agora meisimo?”.12 Pode-se objetar que as falas de padre Guilherme e Veloso não têm oralidade devi<strong>do</strong> à condição destes comointelectuais. Penso que esta hipótese é provável, porém, deve-se reconhecer que tal condição não necessariamenteelimina tipos de dicção, impostação de voz, formas de expressão <strong>do</strong> “R” reconhecidas como caipiras.Texto integrante <strong>do</strong>s Anais <strong>do</strong> XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

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