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Ricardo Vidal Golovaty. A “psicologia do boato” numa ... - ANPUH-SP

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A título de melhor compreensão/conceituação <strong>do</strong> boato, Franco da Rocha prossegue nasua caracterização pelas dimensões humana e civilizatória em que ele se expressa. Definin<strong>do</strong> ohumano como sujeito misto de bondade e maldade, sociabilidade e crueldade, contenção eviolência, o inconsciente <strong>do</strong> indivíduo e da sociedade fornece o campo de disputa das tendênciascontraditórias, <strong>do</strong>nde o trabalho secular da civilização é o de contenção da dimensãoanimal/cruel, ao fornecer constrangimentos sociais pelo trabalho da moral e da cultura. Noensaio <strong>do</strong> alienista esta discussão está colocada no momento de abstração <strong>do</strong> fenômeno no quetange aos seus aspectos individuais/sociais, psicológicos/culturais. Na Pulseira, é no momentoque Veloso busca confortar o vigário de seu sofrimento e frustração que ele palestra sobre oshomens e suas animalidades intrínsecas. Paralelo que merece citação:Repare-se quan<strong>do</strong> diversos cavalos comem <strong>numa</strong> só manje<strong>do</strong>ura, cada um com seuquinhão de alimento, como sai sempre um deles <strong>do</strong> seu lugar, para ir escoicear osoutros, embora não lhe falte comida. É o mesmo fenômeno que se encontra no meiosocial, muito abranda<strong>do</strong>, está visto, pelo grau superior de desenvolvimento em que seacha o homem. 25O homem, descendente degenera<strong>do</strong> <strong>do</strong> gorila, estava fada<strong>do</strong> a ser um bruto feroz eleal, a ter a agressividade rija, direta e explosiva <strong>do</strong>s grandes vertebra<strong>do</strong>s, que lutam àluz <strong>do</strong> sol, atiran<strong>do</strong>-se ao inimigo, sem cerimônias, sem disfarces, quan<strong>do</strong> isso lhes dána gana, morden<strong>do</strong>, escoicean<strong>do</strong>, pisan<strong>do</strong>, rasgan<strong>do</strong> carnes, rebentan<strong>do</strong> ossos,espalhan<strong>do</strong> sangue, aos berros, aos guinchos, aos pinotes. Vieram vocês, econvenceram o bicho de que era preciso ser humano, ser humilde, ser desambicioso,ser compassivo, ser justo. (...) O bruto ganhou em peçonha, em perversidade recolhidae fe<strong>do</strong>renta o que perdeu em brutalidade esbarrondante e sadia (...). 26E como em tu<strong>do</strong> há diferenças de qualidade ou de “quantidade” de civilizaçãoacumulada, hereditária, Franco da Rocha encerra seu ensaio revelan<strong>do</strong> a diferença moral entre oboateiro e o homem de bem. Enquanto o boateiro se abre aos impulsos sarcásticos da tentaçãode difundir o boato, o homem civiliza<strong>do</strong> não se permite ao engano e ao engo<strong>do</strong>, reprimin<strong>do</strong> seusimpulsos e também reprimin<strong>do</strong> o boateiro. O mesmo se dá na Pulseira, em momentos queVeloso busca defender o padre, repreenden<strong>do</strong> os boateiros, seja na botica de Felisberto (quan<strong>do</strong>toma conhecimento da mentira), seja na barbearia de Nicola e, principalmente, quan<strong>do</strong> se dirige“A conversação de cidade pequena, entre concidadãos que estão liga<strong>do</strong>s uns aos outros por amizades hereditárias,são e devem ser muito diferentes das conversações de cidade grande, entre pessoas instruídas que se conhecemmuito pouco. (...) Os primeiros, em troca, não têm idéias que lhes sejam mais comuns e ao mesmo tempo maisconhecidas <strong>do</strong> que as particularidades da vida e <strong>do</strong> caráter das outras pessoas de seu conhecimento; daí suapropensão ao mexerico e à maledicência.” TARDE, Gabriel. A opinião e a conversação, in: A opinião e as massas.São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.79. Ao diferenciar os interesses de Le Bon, Siguele e Tarde, respectivamente osde combate às multidões, de normalização jurídica e de caráter demonstrativo (ou seja, interesse de investigação emdetrimento ao de intervenção), Dominique Cochart permite aventar mais um da<strong>do</strong> de que a Pulseira é um estu<strong>do</strong>naturalista <strong>do</strong> boato, posto este pequeno paralelo Amaral-Tarde. COCHART, Dominique. As multidões e aComuna: análise <strong>do</strong>s primeiros escritos sobre a Psicologia das Multidões, in: Revista Brasileira de História. SãoPaulo: v.10, nº20, março 1991-agosto1991, p.116.25 ROCHA, Franco da. Psicologia <strong>do</strong> Boato, in: AMARAL, Amadeu. Opus cit. p.XXI.26 AMARAL, Amadeu. Novela e Conto. Opus cit. p.67.Texto integrante <strong>do</strong>s Anais <strong>do</strong> XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

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