12.07.2015 Views

Ricardo Vidal Golovaty. A “psicologia do boato” numa ... - ANPUH-SP

Ricardo Vidal Golovaty. A “psicologia do boato” numa ... - ANPUH-SP

Ricardo Vidal Golovaty. A “psicologia do boato” numa ... - ANPUH-SP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

segun<strong>do</strong>s. Padre Guilherme vê em Chicão apenas um sacristão ignorante, <strong>do</strong> qual conversam emmonólogo, como momentos de piedade e companhia. Rosa é entendida pelo padre como mulatafiel e carinhosa, mas uma mera empregada.Entre patrões e subalternos, brancos e negros, a Pulseira enfatiza implicitamente aastúcia <strong>do</strong>s negros como parte <strong>do</strong> saber peculiar <strong>do</strong>s pobres, saber que se organiza dentro <strong>do</strong>espaço <strong>do</strong>s <strong>do</strong>minantes: não fosse a bondade religiosa <strong>do</strong> padre, não teria caí<strong>do</strong> no artifício.Ainda em plano implícito, a novela tem na boataria o seu “vilão”, e, nesta circunstância, a“totalidade” da cidade de Candeias (totalidade <strong>do</strong> social sobre os indivíduos), com foconarrativo nos “setores médios” (comerciais - a botica e a barbearia – e institucionais - o jornal ea igreja), que dão asas aos vôos da farsa <strong>do</strong> padre como pai <strong>do</strong> bebê. Resolução que volta àinstituição como vilã. Lembran<strong>do</strong> o diagnóstico de Amaral sobre a escravidão, o boato e achacota são verdadeiras instituições de Candeias: na interpretação certeira de Veloso,metamorfoseada no “nosso pão espiritual de cada dia”. 16 Mas há também preconceitos emAmadeu Amaral, presentes na caracterização <strong>do</strong>s negros: Vito sorri como macaco; Rosa émulata, velha e gorda; Chicão é ignorante, “bal<strong>do</strong> de inteligência”, tem cabeça de moganga.Prosseguin<strong>do</strong> na análise das instituições como vilãs da vida social, a Pulseira trazrespectivamente, na simbologia de Padre Guilherme e <strong>do</strong> bacharel Veloso, uma crítica à Igreja eao Esta<strong>do</strong>, instituições que se pretendem regenera<strong>do</strong>ras. 17 Representantes da religião e daciência, mas incapazes de entender, diagnosticar e governar as classes pobres, os negrosescravos ou ex-escravos, são, ao contrário, vítimas das astúcias destes. Já as classes médiasrepresentam o ócio, hipocrisia e inveja nas instituições <strong>do</strong> comércio e da imprensa: Felisberto,desafeto de padre Guilherme, é o <strong>do</strong>no da botica, ponto de encontro das fofocas locais; Nicola:barbeiro, é um <strong>do</strong>s propaga<strong>do</strong>res <strong>do</strong> boato; e Camacho, professor de primeiras letras e articulistada Gazeta de Candeias se vê constrangi<strong>do</strong> ao boato ao publicar artigo que ironiza o padre.3) “PSICOLOGIA DO BOATO” NA PULSEIRA DE FERRO: “DEMOPSICOLOGIA”?No ano de 1920 foram publicadas três obras de Amadeu Amaral. Seus conteú<strong>do</strong>srevelam certa passagem <strong>do</strong> autor como poeta e crítico literário para estudioso da linguagem e<strong>do</strong>s costumes populares, bem como prosa<strong>do</strong>r. Letras Floridas é uma coletânea de críticas e16 AMARAL, Amadeu. Novela e Conto. Opus cit. p.65.17 É possível alçar essa hipótese porque, apesar da história se passar em 1875 ou 1880, como afirma<strong>do</strong> no prólogo, adata da publicação (1920) permitiria a Amaral criticar as suas instituições e classes contemporâneas. O registro dedesterra<strong>do</strong> com que encerra a análise da literatura da escravidão reforça esta hipótese: “Quem, como eu,desabrochou para o mun<strong>do</strong> na atmosfera das lutas pela liberdade <strong>do</strong> negro e pela liberdade <strong>do</strong> branco, e bebeu alargos sorvos o vento de ideal que ro<strong>do</strong>piava por tu<strong>do</strong> e zunia por todas as frinchas, e chorou, e exultou, e riu, esofreu, no embate desinteressa<strong>do</strong> das idéias, pela sorte de uns tantos anelos ama<strong>do</strong>s, há de arrastar sempre pela vida,onde tais situações de exaltação generosa são passageiras e raras, a melancolia funda de um desengana<strong>do</strong>, odesencanto secreto de alguém que despertou de um grande sonho, a saudade pungente e irremediável <strong>do</strong> desterra<strong>do</strong>de uma pátria morta!” AMARAL, Amadeu. Letras Floridas. Opus cit. p.122.Texto integrante <strong>do</strong>s Anais <strong>do</strong> XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong>-U<strong>SP</strong>. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!