que dão a idéia de continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fila humana. Sob os pés e ao redor dos personagens,têm-se nuvens desenha<strong>da</strong>s, lembrando o céu cristão ou paraíso mulçuma<strong>no</strong>. A confirmaçãode que se trata do último, se pode comprovar pelo uso pro<strong>no</strong>me pessoal nós na fala doprofeta, posto que é <strong>no</strong> paraíso de Maomé, que segundo uma certa interpretação religiosado Alcorão, haveria virgens a serem ofereci<strong>da</strong>s como “recompensa” aos mártires quemorrem defendendo à fé islâmica.Diante do exposto, as charges de Maomé estão inscritas dentro de uma FD, onde épermiti<strong>da</strong> a sua representação, contrapondo-se a outra FD (mulçumana) que a proíbe.Podemos aplicar nesse caso, a teoria de Maingueneau (2005), pois ele considera asproibições discursivas como um sistema de restrições, que seria uma espécie de filtragemrealiza<strong>da</strong> por uma determina<strong>da</strong> Formação Discursiva a fim de distinguir quais enunciadoslhe são ou não pertinentes. Dessa forma, para se constituir e se reafirmar, essas FDs irãorivalizar <strong>entre</strong> si, polemizando e provocando o processo de interincompreensão discursiva:A ca<strong>da</strong> posição discursiva se associa um dispositivo que a faz interpretar osenunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo deseu próprio sistema. Em outras palavras, esses enunciados do Outro só são“compreendidos” <strong>no</strong> interior do fechamento semântico do intérprete; para12
constituir e preservar sua identi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> espaço discursivo, o discurso não podehaver-se com o Outro como tal, mas somente com o simulacro que constróidele. Convencionar-se-á chamar discurso-agente aquele que se encontra emposição de tradutor e de discurso-paciente aquele que é assim traduzido; é pordefinição em proveito do primeiro que se exerce a ativi<strong>da</strong>de de tradução.(MAINGUENEAU, 2005, p. 103).Nessa perspectiva, o discurso ocidental sobre o mulçuma<strong>no</strong> será sempre umsimulacro do último. Assim, não interessa ao <strong>Ocidente</strong> entender o que move os mártires,ou seja, procurar identificar se há outros motivos de ordem mais pessoal, religiosa ousocial que os impelem à morte. Dessa forma, a idéia <strong>da</strong>s virgens celestes como recompensatorna-se também um simulacro do islamismo.Ressaltamos ain<strong>da</strong>, que para valorizar a sua formação discursiva, o chargistaprocura retratar os pontos frágeis do discurso mulçuma<strong>no</strong>, aquilo que segundo a FormaçãoDiscursiva ocidental é uma lei ou valor elementar. “Mas polemizar é, sobretudo, apanharpublicamente em erro, colocar o adversário em situação de infração em relação a uma Leique se impõe como incontestável.” (MAINGUENEAU, 2005, p. 114).A “ameaça” mulçumana é relativiza<strong>da</strong> na charge analisa<strong>da</strong> através <strong>da</strong> ironia. Otexto verbal que compõe <strong>no</strong>sso objeto está negando não apenas a existência de virgens <strong>no</strong>paraíso islâmico, mas sua própria possibili<strong>da</strong>de de existência. Atualmente, sabemos quedentro <strong>da</strong> FD ocidental a virgin<strong>da</strong>de não é tão valoriza<strong>da</strong>, quanto na FD mulçumana. Énesse ponto que o texto irá tocar, através <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> parodia<strong>da</strong> de uma certainterpretação <strong>da</strong> religião islâmica.Ao mesmo tempo em que o fragmento é uma mostra <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>presença constitutiva do outro, o chargista insere o discurso opositor <strong>no</strong> seu própriodiscurso, com a intenção de desconstruí-lo e ridicularizá-lo.A citação exerce assim um papel absolutamente crucial: rompendo a condiçãodo Mesmo com fragmentos localizáveis do Outro, aparece como um engodonecessário, que introduz apenas um simulacro atrvés do próprio gesto que13