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universidade de uberaba programa de mestrado em ... - Uniube

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UNIVERSIDADE DE UBERABAPROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃOPLAUTO RICCIOPPO FILHOENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EMUBERABA/MG (1881-1938): uma trajetória <strong>de</strong> avanços e retrocessosUBERABA – MG2007


1PLAUTO RICCIOPPO FILHOENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EMUBERABA/MG (1881-1938): uma trajetória <strong>de</strong> avanços e retrocessosDissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong>Mestrado <strong>em</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Uberaba como requisito parcial para aobtenção do título <strong>de</strong> Mestre <strong>em</strong> Educação.Orientadora – Profª Drª Alaí<strong>de</strong> Rita DonatoniUBERABA – MG2007


2PLAUTO RICCIOPPO FILHOENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EMUBERABA/MG (1881-1938): uma trajetória <strong>de</strong> avanços e retrocessosDissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong>Mestrado <strong>em</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Uberaba como requisito parcial para obtençãodo título <strong>de</strong> Mestre <strong>em</strong> Educação.Aprovado <strong>em</strong>: __ / __ / __BANCA EXAMINADORA:______________________________________Profª Drª Alaí<strong>de</strong> Rita Donatoni – OrientadoraUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba - UNIUBE______________________________________Prof. Dr. José Carlos Souza AraújoCentro Universitário do Triângulo - UNITRI______________________________________Profª Drª Sálua CecílioUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba - UNIUBE


3RESUMOEsta pesquisa t<strong>em</strong> o objetivo <strong>de</strong> investigar e analisar as relações existentes entre os aspectosinfra-estruturais e i<strong>de</strong>ológicos, que orientavam as relações entre as classes sociais presentes naépoca, e o surgimento, <strong>em</strong> Uberaba, das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> professores, no período <strong>de</strong> 1881 – ano <strong>de</strong> fundação da 1ª Escola Normal dacida<strong>de</strong> – a 1938 – ano <strong>de</strong> fechamento da 2ª Escola Normal. Buscamos, também, fazer umretrospecto do panorama educacional da cida<strong>de</strong>, no período anterior à nossa <strong>de</strong>limitaçãot<strong>em</strong>poral, situado entre a fundação do centro urbano e o ano <strong>de</strong> 1880. A pesquisa i<strong>de</strong>ntificouas contribuições trazidas por essas iniciativas – efêmeras, <strong>em</strong> sua maioria – para a socieda<strong>de</strong>local, especialmente no que se refere à formação <strong>de</strong> professores. Levando-se <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raçãoque, nessa época, a cida<strong>de</strong> possuía, <strong>em</strong> sua zona urbana, uma população que variou <strong>de</strong> 5.000(<strong>em</strong> 1881) a 25.000 habitantes (<strong>em</strong> 1938), essas iniciativas pioneiras po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radasousadas e visionárias. A pesquisa centrou-se, principalmente, na história das seguintesinstituições <strong>de</strong> ensino superior ou normal: 1ª Escola Normal Oficial, Instituto Zootécnico,S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz, Colégio Nossa Senhora das Dores, Colégio Diocesano do SagradoCoração <strong>de</strong> Jesus, Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>Uberaba, Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, S<strong>em</strong>inário São José e 2ª Escola Normal Oficial.Este trabalho enfoca, também, algumas iniciativas malogradas, ocorridas naquele período, quevisavam implantar instituições <strong>de</strong> ensino superior ou normal. A metodologia <strong>em</strong>pregada foi,principalmente, a análise documental, numa perspectiva histórico-crítica da educação.Palavras-chave: História da educação <strong>de</strong> Uberaba; formação <strong>de</strong> professores; ensino superior.


4ABSTRACTThis research has the objective of investigating and analyzing the existing relations betweenthe infrastructures and i<strong>de</strong>ological aspects, that gui<strong>de</strong>d the relations among the social classesof that time, and the sprouting, in Uberaba, of the first initiatives of superior education andteacher formation, in the period between 1881 – year of foundation of the first Normal Schoolof the city – to 1938 – year of closing of the second Normal School. We also rearched to tracethe educational view of the town, in the previus interval to our time <strong>de</strong>limitation, between thefoundation of the urban center until the year of 1880. The research i<strong>de</strong>ntified the contributionsbrought by these initiatives - eph<strong>em</strong>eral, in its majority - to the local society, especially for theteacher formation. Taking into account, at that time, the town had, in its urban zone, apopulation that varied from 5,000 (in 1881) to 25,000 inhabitants (in 1938), these pioneeringinitiatives can be consi<strong>de</strong>red bold and visionary. The research was centered, mainly, in thehistory of some institutions of superior or normal education: first official Normal School,Instituto Zootécnico, S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz, Colégio Nossa Senhora das Dores, ColégioDiocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus, Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba,Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito of Uberaba, Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, S<strong>em</strong>inário São José andsecond official Normal School. This work focuses also some failed initiatives occurred in thatperiod, that they aimed at implanting institutions of superior or normal education. The<strong>em</strong>ployed methodology was basically the documentary analysis, insi<strong>de</strong> of a historical-criticalperspective of the education.Keywords: Uberaba’s education history; teacher formation; superior education.


5Dedico este trabalho aos meus pais, Plauto eThereza; à minha esposa, Kátia; e aos meusfilhos, Enzo Afonso e Marcella.


6AGRADECIMENTOS- A Deus,por ter-nos dado a força e a perseverança necessárias para a realização <strong>de</strong>ste exaustivotrabalho.- À Profª Alaí<strong>de</strong> Rita DonatoniOrientadora, amiga e gran<strong>de</strong> incentivadora <strong>de</strong> nosso trabalho.- Aos <strong>de</strong>mais professores do Programa <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Educação da UNIUBE,pela gran<strong>de</strong> colaboração dada à minha reconstrução interna.- A todos os colegas do Programa <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Educação da UNIUBE,pela amiza<strong>de</strong> e pelo espírito <strong>de</strong> colaboração.- À minha mãe, Thereza Mendonça Riccioppo,pela preciosa ajuda prestada na revisão ortográfica <strong>de</strong>ste trabalho.- A todos os funcionários do Arquivo Público <strong>de</strong> Uberaba,pela gran<strong>de</strong> ajuda dada durante o processo investigativo.- Aos funcionários do Arquivo Público Mineiro, <strong>em</strong> Belo Horizonte,pela colaboração dada durante a nossa visita àquela instituição.- Aos funcionários da H<strong>em</strong>eroteca Pública <strong>de</strong> Minas Gerais, <strong>em</strong> Belo Horizonte,pela presteza no atendimento, o que muito ajudou <strong>em</strong> nossa pesquisa.- Aos senhores Lawrence <strong>de</strong> Melo Borges e Túlio Micheli Silva, advogados responsáveispela guarda do jornal Lavoura e Comércio,s<strong>em</strong> os quais não teria sido possível a exaustiva pesquisa realizada no arquivo daquele extintoórgão <strong>de</strong> imprensa.


7- Ao casal Arnaldo Rosa Prata e Marta,pela forma carinhosa com que nos recebeu <strong>em</strong> sua casa, permitindo a pesquisa no acervo doantigo jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba.- À direção do Colégio Marista Diocesano, especialmente ao Prof. Antônio Carlos e àProfª Maria Luiza,pela forma gentil e colaborativa com que nos receberam <strong>em</strong> sua escola.- A todos os funcionários do Colégio Nossa Senhora das Dores, particularmente aodiretor administrativo, Milton; à organizadora do museu, Irmã Ângela; e à secretária,Márcia,por ter<strong>em</strong> cedido para pesquisa os arquivos daquela instituição.- Aos entrevistados Hermantina Riccioppo, Hilda Mendonça, No<strong>em</strong>y Junqueira PassosPereira e Manoel Antônio Men<strong>de</strong>s André,pela extraordinária colaboração que <strong>de</strong>ram ao nosso trabalho, através <strong>de</strong> seus relatos orais.


8“Ubérrima Uberaba,On<strong>de</strong>, na leda infância, hei percorridoDa vida o tirocínio,Em minha alma a l<strong>em</strong>brança não se acabaDos vossos lindos vales, ver<strong>de</strong>s montes,Dos vossos claros, largos horizontes.Foi nesse céu <strong>de</strong> mágicos fulgores,Nessas vargens interminas, fecundas,De perenes verdores,Entre os solenes, místicos rumoresDessas matas profundas,Que da poesia na sagrada fontePela primeira vez banhei a fronte...”(Bernardo Guimarães)


9LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASABE: Associação Brasileira <strong>de</strong> EducaçãoACNSD: Arquivo do Colégio Nossa Senhora das DoresAN: Arquivo NacionalAPIMU: Arquivo da Primeira Igreja Metodista <strong>de</strong> UberabaAPM: Arquivo Público MineiroAPU: Arquivo Público <strong>de</strong> UberabaCAPES: Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong> Nível SuperiorCEFET: Centro Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação TecnológicaCESUBE: Centro <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> UberabaCONFEA: Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Engenharia, Arquitetura e AgronomiaCREA: Conselho Regional <strong>de</strong> Engenharia, Arquitetura e AgronomiaEaD: Educação a DistânciaFACTHUS: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Talentos HumanosFAFI: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás <strong>de</strong> AquinoFAZU: Faculda<strong>de</strong>s Associadas <strong>de</strong> UberabaFCETM: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Econômicas do Triângulo MineiroFISTA: Faculda<strong>de</strong>s Integradas Santo Tomás <strong>de</strong> AquinoIBGE: Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e EstatísticaLDBEN: Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação NacionalMEC: Ministério da Educação e CulturaSENAI: Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizag<strong>em</strong> IndustrialSPBA: Socieda<strong>de</strong> Propagadora das Belas ArtesUFTM: Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo MineiroUNIPAC: Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio CarlosUNIUBE: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> UberabaUNOPAR: Universida<strong>de</strong> Norte do ParanáUTRAMIG: Universida<strong>de</strong> do Trabalho <strong>de</strong> Minas Gerais


10LISTA DE QUADROSQuadro 2.1 – Distribuição da população indígena ao longo da Estrada <strong>de</strong> Goiás ................. 87Quadro 2.2 – População da Freguesia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1820 ....... 94Quadro 2.3 – População urbana da Vila <strong>de</strong> Uberaba segundo o Censo <strong>de</strong> 1855 ................. 104Quadro 2.4 – População da Paróquia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1868 ...... 107Quadro 2.5 – População da Paróquia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1873 ...... 108Quadro 3.1 – Obituário da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba (alguns meses <strong>de</strong> 1884 e 1885) ...................131Quadro 3.2 – Movimento da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba (1882-1883) ............................... 177Quadro 3.3 – Organização curricular do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba ......................... 205Quadro 4.1 – Gra<strong>de</strong> curricular do curso normal do Colégio N. S. Dores (1907) ............... 256Quadro 4.2 – Número <strong>de</strong> normalistas do 1º grau formadas no Colégio Nossa Senhora dasDores <strong>de</strong> Uberaba (1908-1938) ............................................................................................. 258Quadro 4.3 – Gra<strong>de</strong> curricular do curso normal das escolas normais oficiais e equiparadas(após o Decreto nº 8.162, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1928) ............................................................ 260Quadro 4.4 – Número <strong>de</strong> normalistas do 2º grau formadas no Colégio Nossa Senhora dasDores <strong>de</strong> Uberaba (1935-1938) ............................................................................................. 271Quadro 5.1 – Instrução pública e particular <strong>em</strong> Uberaba (1929) ......................................... 321Quadro 5.2 – Características das três primeiras escolas normais <strong>de</strong> Uberaba .................... 412


11LISTA DE FIGURASFigura 2.1 – Trajeto aproximado da Estrada do Anhangüera <strong>em</strong> um mapa atual .................. 83Figura 2.2 – Mapa mostrando a localização aproximada das al<strong>de</strong>ias indígenas ao longo daEstrada <strong>de</strong> Goiás ...................................................................................................................... 87Figura 2.3 – Prédio da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba (segunda meta<strong>de</strong> do século XIX)....102Figura 2.4 – Henrique Raimundo <strong>de</strong>s Genettes ................................................................... 109Figura 2.5 – Antônio Borges Sampaio ................................................................................. 116Figura 3.1 – Anúncios <strong>de</strong> escravo fugido ............................................................................ 128Figura 3.2 – Vista parcial <strong>de</strong> Uberaba <strong>em</strong> 1885 ................................................................... 132Figura 3.3 – Fábrica <strong>de</strong> Tecidos do Cassu (gravura <strong>de</strong> 1886) .............................................. 137Figura 3.4 – Colégio Nossa Senhora das Dores ................................................................... 148Figura 3.5 – Colégio Uberabense ......................................................................................... 152Figura 3.6 – Vista da Praça da Matriz (1894) ...................................................................... 157Figura 3.7 – Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus (foto <strong>de</strong> 1909) ................... 161Figura 3.8 – Vista da Praça da Matriz e do prédio da Escola Normal (1894) ..................... 178Figura 3.9 – Professores da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba (1889) .......................................... 179Figura 3.10 – Prédio do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba ................................................... 208Figura 3.11 – Fre<strong>de</strong>rico Maurício Draenert ......................................................................... 221Figura 3.12 – Dom Eduardo Duarte e Silva ......................................................................... 229Figura 3.13 – S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz e o Palácio Episcopal ............................................ 231Figura 4.1 – Vista parcial <strong>de</strong> Uberaba (1910) ...................................................................... 238Figura 4.2 – Corrida <strong>de</strong> cavalos no Jockey Club <strong>de</strong> Uberaba (1918) .................................. 240Figura 4.3 – Inauguração do Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba (1909) ......................................... 245Figura 4.4 – José Maria dos Reis (foto <strong>de</strong> 1915) ................................................................. 246Figura 4.5 – Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo Pontes ......................................................................... 249Figura 4.6 – Colégio N. S. Dores (Normalistas <strong>de</strong> 1908) .................................................... 257Figura 4.7 – Livros <strong>de</strong> Literatura e <strong>de</strong> Caligrafia adotados no curso normal do Colégio N. S.Dores ..................................................................................................................................... 265Figura 4.8 – Hilda Mendonça e Amélia da Cruz ................................................................. 268Figura 4.9 – Colégio N. S. Dores (Normalistas <strong>de</strong> 1938) .................................................... 273Figura 4.10 – Mr. Tarboux ................................................................................................... 282Figura 4.11 – Irmão Adorátor e Zacharias <strong>de</strong> Oliveira Borges (Borgico) ........................... 284


12Figura 4.12 – Frei Marie Wilbert (Irmão Vilberto) ............................................................ 301Figura 4.13 – Formandos do curso <strong>de</strong> Agrimensura (1914) ................................................ 302Figura 4.14 – Alunos do curso <strong>de</strong> Agrimensura (1916) ....................................................... 303Figura 5.1 – Praça Rui Barbosa (1930) ................................................................................ 312Figura 5.2 – Colégio Souza Novaes (<strong>de</strong>c. 1930) e Alceu <strong>de</strong> Souza Novaes ........................ 320Figura 5.3 – Colégio Diocesano e S<strong>em</strong>inário São José (1928) ............................................ 322Figura 5.4 – Dom Antônio <strong>de</strong> Almeida Lustosa .................................................................. 325Figura 5.5 – Prédio do S<strong>em</strong>inário São José (ao fundo) ........................................................ 329Figura 5.6 – Francisco Mineiro Lacerda .............................................................................. 335Figura 5.7 – Clínica <strong>de</strong>ntária da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ................ 340Figura 5.8 – Corpo docente da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba (1932) ...... 344Figura 5.9 – Nova se<strong>de</strong> da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ........................ 346Figura 5.10 – Laboratório <strong>de</strong> química da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba................................................................................................................................................ 348Figura 5.11 – Fidélis Gonçalves dos Reis ............................................................................ 353Figura 5.12 – Pavilhão central do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba (1927) ................. 362Figura 5.13 – Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa ......................................................................... 373Figura 5.14 – Sebastião Fleury e Victório Guaraciaba ........................................................ 380Figura 5.15 – Alunas da Escola Normal durante uma excursão <strong>de</strong> estudos ........................ 392Figura 5.16 – Alunas da Escola Normal partindo para uma viag<strong>em</strong> a Uberlândia .............. 396Figura 5.17 – Se<strong>de</strong> da Escola Normal Oficial <strong>de</strong> Uberaba .................................................. 398Figura 5.18 – Alunas do 2º ano do Curso <strong>de</strong> Aplicação da Escola Normal (Turma <strong>de</strong> 1935)................................................................................................................................................ 402Figura 5.19 – As normalistas, Hermantina Riccioppo e No<strong>em</strong>y Junqueira ......................... 410


13SUMÁRIOINTRODUÇÃO........................................................................................................................161 ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL ....................... 361.1 Trajetória dos ensinos superior e normal no período pré-republicano...................... 361.2 Trajetória dos ensinos superior e normal no período <strong>de</strong> 1889 a 1938 ........................ 471.3 Formação <strong>de</strong> professores no Brasil até 1938: as mudanças <strong>de</strong> paradigma ................ 632 A ESCOLA NA PRINCESA DO SERTÃO: PRIMEIROS TEMPOS .................................. 822.1 A conquista das terras e a formação sócio-econômica <strong>de</strong> Uberaba ............................ 822.2 Padres e professores leigos: os primeiros mestres uberabenses (1815 - 1880) ......... 1103 AS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES UBERABENSES DE FORMAÇÃO DOCENTE E DEENSINO SUPERIOR (1881 - 1905) ..................................................................................... 1253.1 A encruzilhada histórica: escravos, coronéis e imigrantes num cenário <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>smudanças ............................................................................................................................. 1253.2 A educação uberabense na virada <strong>de</strong> século (1881-1905) .......................................... 1453.3 A primeira Escola Normal: o início da formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Uberaba ....... 1643.4 O Instituto Zootécnico: a primeira instituição <strong>de</strong> ensino superior uberabense ...... 1923.5 O efêmero S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz ........................................................................... 2264 ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA CAPITAL DO ZEBU(1906 – 1924) ........................................................................................................................ 2354.1 O contexto histórico: a riqueza que veio do Oriente .................................................. 2354.2 Uma visão panorâmica da educação uberabense (1906-1924) .................................. 2424.3 As Irmãs Dominicanas e a primeira escola normal particular <strong>de</strong> Uberaba (1906-1938) ..................................................................................................................................... 2514.4 A <strong>universida<strong>de</strong></strong> protestante, o espiritismo e a reação católica................................... 2764.5 O ensino profissional dos irmãos maristas ................................................................. 2985 UBERABA: ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TEMPOS DECRISE (1925 – 1938) ............................................................................................................ 3075.1 T<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> crise ............................................................................................................. 3075.2 A educação uberabense no período 1925-1938 ........................................................... 3175.3 O S<strong>em</strong>inário São José ................................................................................................... 3255.4 A Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ..................................................... 332


145.5 A Universida<strong>de</strong> do Trabalho: um sonho <strong>de</strong> Fidélis Reis ............................................. 3535.6 A Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba ............................................................................ 3725.7 A primeira faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito .................................................................................. 3795.8 A segunda Escola Normal oficial: uma proposta escolanovista <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores ........................................................................................................................... 385CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................415FONTES DE PESQUISA ......................................................................................................421APÊNDICES ......................................................................................................................... 437Apêndice 1 - Relação parcial <strong>de</strong> alunos do curso normal da 1ª Escola Normal oficial <strong>de</strong>Uberaba ................................................................................................................................ 438Apêndice 2 - Relação parcial <strong>de</strong> alunos do curso primário (aula prática) da 1ª EscolaNormal oficial <strong>de</strong> Uberaba ................................................................................................. 439Apêndice 3 - Quadro com a relação <strong>de</strong> diretores da primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong>Uberaba ................................................................................................................................ 440Apêndice 4 - Quadro com a relação <strong>de</strong> professores da primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong>Uberaba ................................................................................................................................ 441Apêndice 5 - Quadros contendo o registro <strong>de</strong> receitas do Instituto Zootécnico <strong>de</strong>Uberaba …………………………………………………………………………………... 442Apêndice 6 - Quadro contendo o Registro Diário dos Serviços <strong>de</strong> Culturas e Criação doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba (1897-1898) .................................................................. 443Apêndice 7 - Quadro <strong>de</strong> funcionários do Instituto Zootécnico ....................................... 444Apêndice 8 - Quadro com as matrículas <strong>de</strong> alunos no S<strong>em</strong>inário São José (1925-1933)……………………………………………………………………………………………… 445Apêndice 9 - Quadro com o corpo docente da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong>Uberaba (segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1932) ................................................................................ 446Apêndice 10 - Relação parcial dos alunos formados no curso <strong>de</strong> Farmácia da Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ................................................................................ 447Apêndice 11 - Relação parcial dos alunos formados no curso <strong>de</strong> Odontologia da Escola<strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ........................................................................... 448Apêndice 12 - Quadro com a relação dos primeiros funcionários da Escola Normal .. 449Apêndice 13 - Relação parcial <strong>de</strong> alunos (as) formados (as) no Curso <strong>de</strong> Aplicação da 2ªEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba ................................................................................................. 450Apêndice 14 - Carta solicitando acesso ao arquivo do jornal Lavoura e Comércio ...... 451ANEXOS .............................................................................................................................. 452Anexo 1 - Decreto Nº. 3.198, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1863 ............................................... 453Anexo 2 - Lei Nº 2.783 – <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1881 ........................................................ 455Anexo 3 - Decreto Nº 8.245 ................................................................................................. 456


15Anexo 4 - Decreto-Lei Nº 63 ............................................................................................... 457Anexo 5 - Lei Nº 284, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1948 ........................................................... 458Anexo 6 - Decreto Nº 1.932 – <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1906 ....................................................... 459Anexo 7 - Decreto Nº 11.905 ............................................................................................... 460Anexo 8 - Lei Nº 41 – <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892 .................................................................... 461Anexo 9 - Emenda nº 217 – <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1891 ....................................................... 462Anexo 10 - Lei Nº 41 – <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892 .................................................................. 463Anexo 11 - Decreto Nº 760 - <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1894 ....................................................... 465Anexo 12 - Lei Nº 140 - <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1895 ................................................................ 466Anexo 13 - Decreto Nº 975 - <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1896 .................................................... 467Anexo 14 - Decreto Nº 1.191 - <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1898 ................................................... 495Anexo 15 - Decreto Nº 4.238 - <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1914 .................................................... 496Anexo 16 - Decreto Nº 4.247 - <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1914 ................................................. 497Anexo 17 - Lei Nº 492, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1924 .................................................................... 498Anexo 18 - Lei Nº 1.004 - <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1927 ....................................................... 499Anexo 19 - Lei Nº 652, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1929 ............................................................. 500Anexo 20 - Decreto Nº 558, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1934 .................................................. 501Anexo 21 - Decreto Nº 20.179, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931 ..................................................... 502Anexo 22 - Decreto Nº 1.003, <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1936 ..................................................... 507Anexo 23 - Decreto Nº 1.066 ............................................................................................... 508


16INTRODUÇÃONos últimos anos, convivendo no ambiente universitário da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba etransitando entre pesquisadores da história local, perceb<strong>em</strong>os a falta <strong>de</strong> bibliografias maiscompletas ou específicas acerca da história da educação <strong>de</strong> Uberaba. O pouco materialdisponível está contido <strong>em</strong> livros que relatam a história geral do município – e que não se<strong>de</strong>têm exclusivamente no fenômeno educacional – e <strong>em</strong> algumas dissertações, tendo, estasúltimas, como objeto <strong>de</strong> pesquisa, quase s<strong>em</strong>pre, alguma instituição <strong>de</strong> ensino específica.A nosso ver, <strong>de</strong>ntre outros aspectos, a falta <strong>de</strong> uma visão global da trajetória históricapela qual passou a educação na cida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> dificultado a realização <strong>de</strong> pesquisas <strong>em</strong> históriada educação envolvendo Uberaba. Parece-nos que t<strong>em</strong> ocorrido um processo às avessas, <strong>em</strong>que, primeiro, se realizam pesquisas pontuais – focando instituições ou t<strong>em</strong>as isolados –,relegando-se a história do todo a uma posição marginal. Além disso, boa parte dosconhecimentos relativos à historia da educação uberabense está armazenada <strong>em</strong> livros escritoshá mais <strong>de</strong> meio século, que, <strong>em</strong>bora tenham inegável valor, abordam os fatos históricos <strong>de</strong>uma forma épica, acrítica e pouco científica.Essas constatações nos encaminharam à idéia inicial <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma pesquisahistórica que procurasse costurar as informações e os conhecimentos já existentes sobre aeducação local, acrescendo-os com as muitas novas informações que <strong>de</strong>veriam aparecerdurante o processo <strong>de</strong> pesquisa. Construída essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informações, iniciaríamos o processo<strong>de</strong> análise crítica, <strong>em</strong> que os diversos fatos históricos, já <strong>de</strong>vidamente relacionados entre si ecom o contexto sócio-econômico mais amplo, ganhariam tessitura histórica, formando umtodo carregado <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> sentido. Com base nesse pensamento, firmamos o objetivo <strong>de</strong>pesquisar não somente uma <strong>de</strong>terminada instituição <strong>de</strong> ensino, mas um conjunto <strong>de</strong> iniciativaseducacionais inseridas <strong>em</strong> período histórico que ainda seria <strong>de</strong>finido.Outro importante passo <strong>em</strong> direção ao início do processo <strong>de</strong>sta pesquisa foi a <strong>de</strong>finiçãodo enfoque filosófico-metodológico a ser adotado. A produção científica – incluindo aspesquisas <strong>em</strong> história e <strong>em</strong> educação – t<strong>em</strong> ganhado, nas últimas décadas, novos enfoquesfilosóficos e metodológicos. Frigoto (2004) aponta duas gran<strong>de</strong>s concepções opostas sobre o<strong>de</strong>senvolvimento do mundo: uma metafísica e outra dialética materialista. A posturametafísica orienta os métodos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> forma linear, a-histórica, lógica e harmônica.


17Sob esta perspectiva, os fenômenos sociais reg<strong>em</strong>-se por leis naturais e, por isso mesmo, sãopassíveis <strong>de</strong> observação neutra e objetiva. A separação <strong>de</strong> fatos e valores, i<strong>de</strong>ologias e ciência,sujeito e objeto não só é possível, mas necessária à objetivida<strong>de</strong>.Por outro lado, a perspectiva materialista histórica, estruturada por Karl Marx ainda noséculo XIX, situa-se no plano histórico, sob a forma da trama <strong>de</strong> relações contraditórias,conflitantes, <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> construção, <strong>de</strong>senvolvimento e transformação dos fatos. A concepçãomarxista valoriza as categorias : totalida<strong>de</strong>, contradição, mediação, i<strong>de</strong>ologia e práxis. Emsuma, enquanto as concepções metafísicas fixam-se no fenômeno, no mundo das aparências,na existência positiva, no movimento visível, na falsa consciência e na sist<strong>em</strong>atizaçãodoutrinária das representações (i<strong>de</strong>ologia), a concepção materialista histórica se fixa naessência, no mundo real, no conceito, na consciência real, na teoria e na ciência (FRIGOTTO,2004).Na perspectiva marxista, a compreensão das partes só se torna possível com a visão dotodo, e só se penetra na verda<strong>de</strong> dos fatos históricos com um estudo minucioso do amplocontexto sócio-histórico que os envolve. Segundo Kosik (1995), os fenômenos que povoam oambiente cotidiano, com sua regularida<strong>de</strong>, imediatismo e evidência, penetram na consciênciados indivíduos, assumindo um aspecto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e natural, constituindo o que ele chama<strong>de</strong> mundo da pseudoconcreticida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o fenômeno indica a essência e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, aescon<strong>de</strong>. Nessa abordag<strong>em</strong>, o conhecimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado objeto apenas se concretizaquando se consi<strong>de</strong>ra a estrutura sócio-histórica que o envolve, o que, por sua vez, só épossível com uma análise dialética do todo.A dialética propõe-se a nos levar à compreensão da verda<strong>de</strong>, através da <strong>de</strong>composiçãodo todo, a fim <strong>de</strong> reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa e, <strong>em</strong> conseqüência,compreen<strong>de</strong>r a coisa <strong>em</strong> si. A dialética busca <strong>de</strong>struir a pseudoconcreticida<strong>de</strong> para atingir aconcreticida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>svendando o mundo real do mundo da aparência e a essência do fenômeno.Pela dialética, tenta-se <strong>de</strong>scobrir, atrás da práxis utilitária – produtos, criações e ativida<strong>de</strong>shumanas – e da realida<strong>de</strong> reificada da cultura dominante, a autêntica realida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong>(KOSIK, 1995). Nas palavras <strong>de</strong> Gramsci (1984), o materialismo histórico – filosofia dapráxis, para o filósofo sardo – é, antes <strong>de</strong> tudo, uma crítica do senso comum.A partir <strong>de</strong>ssas pr<strong>em</strong>issas, optamos por dar à nossa pesquisa o enfoque da dialéticamaterialista histórica, que nos po<strong>de</strong>ria levar à compreensão do todo. Por outro lado, essabusca pela totalida<strong>de</strong> e pela concreticida<strong>de</strong> aumentou o nosso interesse <strong>em</strong> fixar uma<strong>de</strong>limitação t<strong>em</strong>poral mais ampla para a investigação: por que não pesquisar um período mais


18longo da História da Educação <strong>de</strong> Uberaba, o qual partisse das iniciativas educacionaispioneiras até atingir um período mais recente, ainda a ser fixado? Surgiram, entretanto, asdificulda<strong>de</strong>s inerentes a uma <strong>de</strong>limitação tão ampla para um objeto <strong>de</strong> pesquisa extr<strong>em</strong>amentecomplexo (a educação), principalmente no que se refere à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprofundamentoda pesquisa, já que o t<strong>em</strong>po disponível para a execução do trabalho pareceu-nos insuficiente.Decidimos, então, que seria necessária a <strong>de</strong>limitação da pesquisa a um período históricomenor, e a escolha <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> pesquisa não tão abrangente, mas s<strong>em</strong> que issocomprometesse nossa intenção inicial, que era a <strong>de</strong> não nos fixarmos <strong>em</strong> um objeto <strong>de</strong>pesquisa muito específico – como, por ex<strong>em</strong>plo, uma <strong>de</strong>terminada instituição <strong>de</strong> ensino.Na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do objeto <strong>de</strong> pesquisa, perceb<strong>em</strong>os que, <strong>de</strong>ntro da História daEducação <strong>de</strong> Uberaba, dois setores nos <strong>de</strong>spertavam maior interesse: o ensino normal e oensino superior. Na verda<strong>de</strong>, se partirmos do pressuposto <strong>de</strong> que a maioria das instituições <strong>de</strong>ensino superior do Brasil, e não somente as licenciaturas, têm sido, há quase dois séculos,locais <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> intelectuais que, para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas sócioeconômicas,acabaram <strong>de</strong>dicando-se à educação escolar, concluir<strong>em</strong>os que ambos os níveis <strong>de</strong>ensino tiveram como produto ou subproduto a formação <strong>de</strong> professores. Assim, po<strong>de</strong>ríamosfundir os dois setores <strong>de</strong> interesse <strong>em</strong> um só objeto, que ganharia a classificação <strong>de</strong>instituições formadoras <strong>de</strong> professores.Já a <strong>de</strong>finição final do período histórico a ser pesquisado foi influenciada pela leitura<strong>de</strong> alguns trabalhos acerca da história local, que revelaram uma inquietante ausência <strong>de</strong>conhecimentos envolvendo os primórdios do ensino superior uberabense. Recent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong>maio <strong>de</strong> 2007, um texto da Secretaria <strong>de</strong> Educação da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Uberaba,enviado às instituições <strong>de</strong> ensino superior da cida<strong>de</strong>, convidando-as a participar do FórumMunicipal <strong>de</strong> Educação Superior, <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminado ponto, ao <strong>de</strong>screver a evolução da re<strong>de</strong><strong>de</strong> ensino superior da cida<strong>de</strong>, afirmava que:Em conseqüência, Uberaba acrescenta às suas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Capital doZebu, a vocação universitária que t<strong>em</strong> seu início <strong>em</strong> 1947, com aimplantação da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia do Triângulo Mineiro. Outrosmais se seguiram, não apenas os i<strong>de</strong>alizados pela família Palmério –pioneira no ramo – como também por outros que <strong>de</strong>ixaram sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas propostas <strong>de</strong> formação profissional (PREFEITURAMUNICIPAL DE UBERABA, 2007, p. 4).O texto elaborado pela Secretaria da Educação, ao afirmar que o ensino superior <strong>de</strong>Uberaba t<strong>em</strong> início <strong>em</strong> 1947, retrata a falta <strong>de</strong> conhecimento geral acerca <strong>de</strong> um período ricoda história da educação local. E esse <strong>de</strong>sconhecimento não se restringe apenas aos órgãos


19ligados ao governo municipal, já que atinge, também, os trabalhos oriundos das aca<strong>de</strong>mias.Araújo (2005, p. 158), <strong>em</strong> uma obra organizada pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia, aofalar das instituições <strong>de</strong> ensino superior do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, faz a seguintecolocação: “Com relação ao ensino superior nas regiões <strong>em</strong> apreço, sua orig<strong>em</strong> se pren<strong>de</strong> –com exceção <strong>de</strong> Uberaba, que t<strong>em</strong> a sua Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia Ciência e Letras a partir <strong>de</strong>1949 – aos anos <strong>de</strong> 1960 e 1970: Uberlândia, 1960; Araguari (1968); Ituiutaba (1970); Patos<strong>de</strong> Minas (1970); Patrocínio (1974); Araxá (1974).”.Por uma razão obscura para nós, no que se refere ao ensino superior e normal, operíodo da história uberabense anterior à década <strong>de</strong> 1940 foi relegado ao esquecimento,tornando-se <strong>de</strong>sconhecido para a população <strong>em</strong> geral e para a maior parte da comunida<strong>de</strong>científica. Acreditamos que, <strong>em</strong> alguns casos, esse <strong>de</strong>sconhecimento se alia ao preconceito <strong>em</strong>relação às instituições <strong>de</strong> ensino superior e normal que existiram naquele período,marginalizadas <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua existência quase s<strong>em</strong>pre efêmera, o que, na visão <strong>de</strong> muitos,po<strong>de</strong> trazer a sensação <strong>de</strong> que foram iniciativas fracassadas e <strong>de</strong> pouca importância histórica.A partir do conhecimento prévio <strong>de</strong> que a primeira escola normal oficial <strong>de</strong> Uberabahavia sido fundada <strong>em</strong> 1881, enquanto a segunda fora fechada <strong>em</strong> 1938, realizamos umaexploração inicial e <strong>de</strong>scobrimos que, no período <strong>de</strong> 1881 a 1938 – que convencionamos<strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> fase heróica da educação uberabense 1 –, ocorreram várias iniciativas visando àimplantação <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores na cida<strong>de</strong>. Já àprimeira vista, pareceu-nos que essas experiências educacionais não po<strong>de</strong>riam serpreviamente tachadas <strong>de</strong> fracassadas, pois tudo parecia indicar que elas teriam tido umaimportância social muito maior do que a história, até então, lhes reservara. Enten<strong>de</strong>mos quefoi a partir <strong>de</strong>ssas primeiras tentativas que se formaram as bases necessárias à construção daatual estrutura <strong>de</strong> ensino superior da cida<strong>de</strong>, uma das mais importantes <strong>de</strong> Minas Gerais e doBrasil central.Uma breve <strong>de</strong>scrição do atual panorama do setor educacional <strong>de</strong> Uberaba mostra-nosque a cida<strong>de</strong> passa por um momento <strong>de</strong> expansão <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino como um todo. Comrelação à taxa <strong>de</strong> alfabetização, segundo o Censo D<strong>em</strong>ográfico (2000), Uberaba apresenta94,2% da população alfabetizada, índice superior às médias verificadas no estado <strong>de</strong> Minas1 Não <strong>de</strong>sejamos que essa <strong>de</strong>nominação traga a idéia <strong>de</strong> que preten<strong>de</strong>mos escrever uma história épica, com heróise vilões. Longe disso: com o termo fase heróica da educação uberabense, só quer<strong>em</strong>os ressaltar o pioneirismo<strong>de</strong> alguns setores da socieda<strong>de</strong> local que, por motivos diversos, <strong>em</strong>penharam-se na concretização <strong>de</strong><strong>em</strong>preendimentos educacionais ousados para aquela época.


20Gerais (89,1%) e no Brasil como um todo (86,7%). Entretanto, tal índice não escon<strong>de</strong> asgraves dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelas escolas <strong>de</strong> educação básica – principalmente asmantidas pelo po<strong>de</strong>r público –, ocasionadas por fatores como: insuficiência das verbas<strong>de</strong>stinadas à educação, baixa qualida<strong>de</strong> do ensino escolar e precária situação social <strong>de</strong> muitascrianças.A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino superior é composta por 2 instituições fe<strong>de</strong>rais, 6 particulares e 1mista (particular-municipal), conforme relação abaixo:1º - Instituições fe<strong>de</strong>rais: Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM) e CentroFe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação Tecnológica (CEFET).2º - Instituições particulares: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba (UNIUBE), Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nteAntônio Carlos (UNIPAC), Universida<strong>de</strong> Norte do Paraná (UNOPAR), Faculda<strong>de</strong>sAssociadas <strong>de</strong> Uberaba (FAZU), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Econômicas do Triângulo Mineiro(FCETM) e Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Talentos Humanos (FACTHUS).3º - Instituição mista: Centro <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> Uberaba (CESUBE).Os cursos superiores oferecidos <strong>em</strong> Uberaba apresentam gran<strong>de</strong> variação no que serefere aos custos 2 para o aluno. Exist<strong>em</strong> cursos totalmente gratuitos, como os oferecidos pelaUFTM e pelo CEFET; cursos <strong>de</strong> baixo custo, principalmente Licenciaturas, que cobram, hoje,mensalida<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> R$ 180,00; e cursos <strong>de</strong> alto custo, como alguns da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,cujas mensalida<strong>de</strong>s chegam a atingir o patamar dos R$ 3.000,00. Ressaltamos, ainda, que,para o cálculo da manutenção <strong>de</strong> um aluno, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser acrescidos, ao valor das mensalida<strong>de</strong>s,os custos relativos ao material didático e ao transporte, além dos gastos com alimentação <strong>em</strong>oradia, no caso dos estudantes oriundos <strong>de</strong> outras localida<strong>de</strong>s.Quanto ao acesso da população da cida<strong>de</strong> e região ao ensino superior, ocorre umasituação contraditória e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, similar à que se verifica no restante do país: s<strong>em</strong>uma formação que lhes permita competir, <strong>em</strong> pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, com os alunos oriundos dasclasses mais favorecidas, os jovens provenientes das escolas públicas vê<strong>em</strong>-se praticamenteexcluídos do ingresso nos cursos gratuitos mais valorizados – como o <strong>de</strong> Medicina, oferecidopela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro, cujas vagas acabam ocupadas, <strong>em</strong> suagran<strong>de</strong> maioria, por jovens pertencentes aos estratos mais elevados da socieda<strong>de</strong>. S<strong>em</strong> outraalternativa, aqueles que consegu<strong>em</strong> ultrapassar o limite do ensino médio são forçados adirigir-se às instituições particulares e, a suas expensas (ou <strong>de</strong> seus responsáveis), custear suaformação superior.2 Valores praticados no segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 2006, segundo levantamento feito pelo próprio autor.


21Nos últimos anos, com o acréscimo <strong>de</strong> novas instituições <strong>de</strong> ensino superior na cida<strong>de</strong>,as vagas para a maioria dos cursos <strong>de</strong> graduação cresceram espetacularmente, provocandouma substancial queda no preço dos serviços prestados pelos estabelecimentos particulares,conforme pu<strong>de</strong>mos constatar <strong>em</strong> nosso levantamento. Também a oferta <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> pósgraduaçãolato sensu, <strong>em</strong> Uberaba, t<strong>em</strong> crescido muito, a ponto <strong>de</strong> não haver <strong>de</strong>mandasuficiente para preencher suas vagas. Já os cursos <strong>de</strong> pós-graduação stricto sensu, oferecidospela UFTM e pela UNIUBE, têm tido boa procura. A todo esse conjunto <strong>de</strong> cursos superiores,acrescenta-se a chegada da chamada Educação a Distância (EaD), que tornou possível oacesso ao ensino superior <strong>de</strong> uma parcela dos cidadãos outrora excluídos, principalmenteaqueles resi<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> escolas superiores.A formação <strong>de</strong> professores na cida<strong>de</strong> é feita, hoje, somente através <strong>de</strong> cursossuperiores, já que os antigos cursos normais <strong>de</strong> nível médio <strong>de</strong>sapareceram gradativamente, apartir da promulgação da nova Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),publicada <strong>em</strong> 1996. As chamadas licenciaturas são oferecidas pelas seguintes instituições:UFTM, UNIUBE, UNIPAC, FAZU, CESUBE e UNOPAR. Como as vagas oferecidas paraesses cursos são bastante numerosas, as faculda<strong>de</strong>s locais têm tido gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong>preenchê-las, principalmente <strong>em</strong> função da baixa valorização do trabalho docente no Brasil.O atual cenário do ensino superior <strong>em</strong> Uberaba, que passa por um processo <strong>de</strong>crescimento s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes na história, e a atual <strong>de</strong>svalorização da profissão docente sãofenômenos que nos convidam à reflexão. A partir <strong>de</strong> uma perspectiva materialista histórica,enten<strong>de</strong>mos que a compreensão do presente só se torna possível com o estudo dos períodoshistóricos anteriores. Assim, no caso uberabense, esses fenômenos têm raízes no já distanteperíodo histórico que convencionamos chamar <strong>de</strong> fase heróica da educação uberabense e quefoi alvo <strong>de</strong> nossa investigação.O certo é que se, atualmente, a cida<strong>de</strong> conseguiu expandir sua oferta <strong>de</strong> cursossuperiores a estratos sociais anteriormente excluídos – <strong>em</strong>bora a real <strong>de</strong>mocratização doensino ainda seja uma realida<strong>de</strong> distante –, isto não ocorreu s<strong>em</strong> lutas. Segundo Romanelli(1983, p. 103):A luta pela escola no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que passou a crescer a<strong>de</strong>manda social <strong>de</strong> educação, assumiu, a nosso ver, o caráter <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iraluta <strong>de</strong> classes. [..] Na verda<strong>de</strong>, a forma como se expressou e se t<strong>em</strong>expressado a <strong>de</strong>manda social <strong>de</strong> educação, forçando o sist<strong>em</strong>a educacional aabrir suas portas às camadas mais baixas da população, tomou o aspecto <strong>de</strong>uma luta inconsciente, mas <strong>de</strong>cisiva, das camadas <strong>em</strong> ascensão por posições<strong>de</strong> maior relevo.


22Como procurar<strong>em</strong>os mostrar neste trabalho, essa luta <strong>de</strong> classes apontada porRomanelli (1983) pô<strong>de</strong> ser observada, <strong>em</strong> nível local, por ocasião dos conflitos relacionadosao monopólio do saber, quando se opuseram as elites econômicas e os estratos <strong>em</strong>ergentes dapopulação uberabense. Além <strong>de</strong>sse, outros probl<strong>em</strong>as atuais relacionados com a educação <strong>de</strong>Uberaba (e nacional) também r<strong>em</strong>ontam aos primórdios da história da cida<strong>de</strong>. Dentre esses,citamos o caso da precarização do trabalho docente, que, como ver<strong>em</strong>os, já era uma realida<strong>de</strong>entre os primeiros mestres que atuaram <strong>em</strong> território uberabense. Perceb<strong>em</strong>os, então, que umacriteriosa análise do passado nos ajudará a compreen<strong>de</strong>r as razões que levaram ao atualquadro da educação <strong>em</strong> Uberaba. Nesse caso, esperamos que esta pesquisa seja mais umsubsídio para o entendimento dos vários aspectos relacionados ao fenômeno educacional <strong>em</strong>Uberaba, <strong>em</strong> suas diferentes épocas ou modalida<strong>de</strong>s.Escolhido o objeto <strong>de</strong> pesquisa (instituições formadoras <strong>de</strong> professores, incluindo asescolas normais e as escolas superiores) e <strong>de</strong>limitado o período <strong>de</strong> pesquisa (1881-1938),partimos para a fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição dos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pesquisa. Para direcionar essa fase,baseamo-nos <strong>em</strong> um pressuposto básico, fruto <strong>de</strong> nossa exploração inicial. Esse pressupostoconsi<strong>de</strong>rava que as instituições <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores quefuncionaram <strong>em</strong> Uberaba no período <strong>de</strong> 1881 a 1938, portanto antes da fundação daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia (criada por Mário Palmério <strong>em</strong> 1947) e da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia,Ciências e Letras Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino - FAFI 3 , não podiam ser precipitadamente tachadas<strong>de</strong> iniciativas fracassadas, porque trouxeram importantes contribuições para a socieda<strong>de</strong>uberabense.Na seqüência, com base nesse pressuposto e nos conhecimentos prévios <strong>de</strong> quedispúnhamos, elaboramos as seguintes questões, que nos auxiliaram na <strong>de</strong>finição dosprobl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pesquisa:1ª - Consi<strong>de</strong>rando o seu papel secundário <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente agrária eescravagista, os professores que atuaram <strong>em</strong> Uberaba, durante o período imperial, tinham anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma formação específica para o magistério?2ª - É correto afirmar que as diferentes iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores, ocorridas <strong>em</strong> Uberaba no período <strong>de</strong> 1881 a 1938, surgiram para aten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>terminados interesses utilitaristas das elites dominantes locais?3ª - Por que as três primeiras escolas normais <strong>de</strong> Uberaba (1ª Escola Normal oficial, 2ª Escola3 Instituição <strong>de</strong> ensino superior, voltada para formação <strong>de</strong> professores, fundada <strong>em</strong> 1949 e, posteriormente, <strong>em</strong>1976, transformada na FISTA (Faculda<strong>de</strong>s Integradas Santo Tomaz <strong>de</strong> Aquino).


23Normal oficial e Colégio Nossa Senhora das Dores), mesmo quando seguiam o mesmoRegulamento estadual, tinham propostas formativas diferentes?4ª - De que maneira as primeiras instituições <strong>de</strong> ensino superior ou normal <strong>de</strong> Uberaba,mesmo aquelas <strong>de</strong> vida efêmera, foram importantes, tanto para a formação <strong>de</strong> professores,quanto para a consolidação da cida<strong>de</strong> como centro educacional e cultural?5ª - Levando-se <strong>em</strong> conta que, no período <strong>de</strong> 1881 a 1938, a maioria da população brasileiraera analfabeta ou possuía baixíssima instrução, qual era o status adquirido pelas moças queconseguiam formar-se normalistas?6º - Por que muitos professores que atuavam nas escolas uberabenses (mesmo nas escolasnormais) tinham formação superior <strong>em</strong> outras áreas?Essas questões propiciaram-nos a <strong>de</strong>finição final dos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pesquisa – cujasrespostas <strong>de</strong>veriam, obrigatoriamente, gerar um conhecimento novo –, que ficaram assim<strong>de</strong>finidos: Quais são as relações existentes entre os aspectos infra-estruturais e i<strong>de</strong>ológicosque orientavam as relações entre as classes sociais presentes na época e o surgimento, <strong>em</strong>Uberaba, das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, noperíodo <strong>de</strong> 1881 a 1938? E quais são as contribuições que aquelas instituições <strong>de</strong> vidaefêmera e mesmo as iniciativas malogradas 4 daquele período trouxeram para a socieda<strong>de</strong>uberabense, especialmente no que se refere à formação <strong>de</strong> professores?Para respon<strong>de</strong>r a estas perguntas-probl<strong>em</strong>a e direcionar o processo <strong>de</strong> investigação,elaboramos a hipótese básica <strong>de</strong> nossa pesquisa, a qual afirma que todas as instituições <strong>de</strong>ensino superior ou normal, existentes <strong>em</strong> Uberaba no período <strong>de</strong> 1881 a 1938, mesmo as <strong>de</strong>vida efêmera, não po<strong>de</strong>m ser classificadas como fracassadas – <strong>em</strong>bora não tenham tidocondições <strong>de</strong> ultrapassar os limites e as possibilida<strong>de</strong>s impostos pelo contexto econômico,sócio-cultural e pedagógico da época –, consi<strong>de</strong>rando que, mesmo quando não visavam a essefim, tiveram como produto ou subproduto a formação <strong>de</strong> professores. Além disso, quase todasas iniciativas malogradas <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> novas instituições <strong>de</strong> ensino superior ou normal,ocorridas naquela época, tiveram a participação direta dos profissionais formados naquelasescolas.Por fim, com a <strong>de</strong>finição dos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> pesquisa e da hipótese básica, elaboramoso objetivo geral da pesquisa, que ficou assim <strong>de</strong>finido: Investigar e analisar as múltiplas ecomplexas relações existentes entre os aspectos infra-estruturais e i<strong>de</strong>ológicos que orientavam4 Utilizamos o termo malogradas para i<strong>de</strong>ntificar as iniciativas que, por motivos diversos, não chegaram a seconcretizar na prática, permanecendo apenas no nível das idéias.


24as relações entre as classes sociais presentes na época e o surgimento, <strong>em</strong> Uberaba, dasprimeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, no período <strong>de</strong> 1881 a1938. A partir <strong>de</strong>ssa análise, i<strong>de</strong>ntificar as contribuições trazidas por essas iniciativas para asocieda<strong>de</strong> local, especialmente no que se refere à formação <strong>de</strong> professores.T<strong>em</strong>os a consciência <strong>de</strong> que, ao <strong>de</strong>limitarmos um período longo (1881-1938) eescolhermos um objeto <strong>de</strong> pesquisa amplo e complexo (iniciativas <strong>de</strong> formação docente),acabaríamos assumindo a tarefa <strong>de</strong> tratar, <strong>em</strong> nosso trabalho, <strong>de</strong> várias instituições <strong>de</strong> ensinoque existiram no período e <strong>de</strong> tantas outras iniciativas frustradas <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>instituições <strong>de</strong> ensino superior e / ou normal ocorridas naquela época. Com isso, não seriapossível uma análise mais aprofundada <strong>de</strong> cada situação particular, o que, a nosso ver, nãoroubaria o valor <strong>de</strong>sta pesquisa, haja vista que tais aprofundamentos po<strong>de</strong>m ser feitos <strong>em</strong>trabalhos posteriores. Cr<strong>em</strong>os que o mais importante, no momento, é trazer à luz um períodohistórico da educação uberabense praticamente <strong>de</strong>sconhecido dos meios científicos e dapopulação <strong>em</strong> geral.Outro fator que nos encorajou a investigar um período histórico tão extenso foi aurgência <strong>em</strong> se fazer uma ampla coleta <strong>de</strong> dados nas fontes primárias existentes. Comover<strong>em</strong>os mais adiante, boa parte <strong>de</strong>ssas fontes primárias disponíveis para pesquisa (arquivosdos jornais Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e Lavoura e Comércio) pertenc<strong>em</strong> a particulares e passam porum progressivo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>teriorização. Some-se a isso o fato <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>mos afirmarse, num futuro próximo, esses arquivos ainda estarão disponíveis para pesquisa, ou serãovendidos para colecionadores nacionais ou estrangeiros, como se t<strong>em</strong> cogitado. Assim, acoleta <strong>de</strong> informações <strong>em</strong> tais fontes é, a nosso ver, <strong>em</strong>ergencial e necessária, <strong>de</strong>vendo ocorrerenquanto esses ricos acervos ainda estão disponíveis para consultas.O direcionamento <strong>de</strong> nossa pesquisa foi pautado <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados conceitos,procedimentos metodológicos e referenciais teóricos. Apesar <strong>de</strong> nossa opção pela perspectivamaterialista histórica – apontada por Frigotto (2004) como uma postura, um método <strong>de</strong>investigação e uma práxis –, o direcionamento dos processos <strong>de</strong> investigação e <strong>de</strong> análise nãotranscorreu isento <strong>de</strong> dúvidas e incertezas. Por se tratar <strong>de</strong> uma pesquisa que a<strong>de</strong>ntra o campoda História da Educação, já na elaboração do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa, surgiu <strong>em</strong> nós umincômodo conflito <strong>de</strong> caráter teórico-metodológico: diante das atuais tendências dahistoriografia brasileira e mundial, qual o enfoque mais apropriado à nossa pesquisa histórica?Ficaríamos fiéis à chamada teoria marxista da história, ou a<strong>de</strong>ntraríamos os novos caminhosabertos pelos Annales e que têm levado à chamada Nova História?


25Segundo l<strong>em</strong>bra Fonseca (2003), a História da Educação alimentou-se da tradiçãohistoriográfica positivista e da História das Idéias, passando, posteriormente, para ummomento <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> com o marxismo, estando hoje cada vez mais próxima da NovaHistória. Os últimos balanços realizados sobre a produção mundial <strong>em</strong> História da Educaçãoindicam essa forte e já reconhecida tendência das pesquisas para a direção da Nova História.Nessa perspectiva, a busca por novos objetos – profissão docente, processos <strong>de</strong> escolarização,cultura escolar, práticas educativas e pedagógicas, cotidiano escolar, etc. – e novasabordagens – história oral, história cultural, história social, história do cotidiano, história dasmentalida<strong>de</strong>s, etc. – têm orientado as pesquisas <strong>em</strong> educação.Por se tratar <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente documental, <strong>em</strong> que as principais fontesprimárias são jornais antigos e manuscritos oficiais, não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>sprezar a riqueza dasinformações contidas nesses materiais, principalmente aquelas que retratam <strong>de</strong>talhes da vidacotidiana da socieda<strong>de</strong> da época, com seus conflitos e aspirações. E é justamente essecotidiano que foi bastante explorado <strong>em</strong> nossa produção escrita, por revelar, <strong>de</strong>ntre outrascoisas: as práticas educativas, o relacionamento interpessoal nas instituições <strong>de</strong> ensino, aspolíticas educacionais e outros <strong>de</strong>talhes do dia-a-dia escolar.Embora analisados sob a ótica da perspectiva materialista histórica, esses fenômenosacabaram encaminhando nossa pesquisa na direção do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> história <strong>de</strong>fendido pelosAnnales. Acreditamos, entretanto, que essa aparente infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> para com o marxismo nãotrouxe como resultado um mix teórico-metodológico, já que a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes e <strong>de</strong>enfoques utilizados na historiografia dos Annales, <strong>em</strong> nosso enten<strong>de</strong>r, não se contrapõe àabordag<strong>em</strong> materialista histórica, conforme <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Neto (2000) 5 .Quanto ao modo <strong>de</strong> encarar o processo educacional, adotamos o enfoque históricocrítico,na verda<strong>de</strong> uma pedagogia essencialmente marxista. Nessa perspectiva, a educação éum processo que se relaciona dialeticamente com a socieda<strong>de</strong>, modificando-a e sendomodificada por ela. O ponto <strong>de</strong> partida do processo educacional <strong>de</strong>ve ser a prática social dosujeito, passando pelas etapas posteriores da probl<strong>em</strong>atização, da instrumentalização, dacatarse e voltando à prática social. O êxito da prática educativa só acontece quando o alunoatinge o nível da catarse, estágio <strong>em</strong> que os novos conhecimentos se tornam disponíveis aosujeito para ser<strong>em</strong> utilizados na modificação <strong>de</strong> sua prática social (SAVIANI, 2005b).5 O professor José Paulo Neto mostra a aproximação entre as duas tendências ao afirmar que Marx, assim comoos historiadores da Escola <strong>de</strong> Annales, valoriza a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes, trabalha a experiência direta e a indireta,e opera uma pesquisa diacrônica e, simultaneamente, uma pesquisa sincrônica (NETO, 2000).


26Ainda a partir da perspectiva histórico-crítica, refletindo agora sobre o processo <strong>de</strong>pesquisa, tiv<strong>em</strong>os o cuidado <strong>de</strong> valorizar os conteúdos culturais existentes, os quais serviram<strong>de</strong> base para a construção <strong>de</strong> novos conhecimentos, através <strong>de</strong> sucessivos processos <strong>de</strong>sintetização. Nesse sentido, Neto (2000) alerta-nos para o fato <strong>de</strong> que somente a preparaçãoteórico-metodológica não garante o êxito da pesquisa ou da investigação. Segundo ele: “Oque garante o êxito da pesquisa, da investigação, é a riqueza cultural do sujeito que pesquisa.Investigador ignorante, pesquisa estreita. Investigador rico, resultados fecundos e instigantes.”(NETO, 2000, p. 52). Dessa forma, aprofundamos as leituras e procuramos trabalhar com omaior número possível <strong>de</strong> fontes, não <strong>de</strong>sprezando nenhuma informação obtida a partir <strong>de</strong>las.Em muitas ocasiões, tomamos como ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>terminadas informações colhidas nasbibliografias existentes: foi sobre esse conhecimento inicial, sincrético, que nos apoiamospara dar a partida no processo <strong>de</strong> construção do novo conhecimento, através <strong>de</strong> processos <strong>de</strong>sintetização.Como já ressaltamos, a pesquisa geral <strong>de</strong>senvolvida por nós foi primordialmentedocumental, incluindo, também, levantamentos bibliográficos e entrevistas. A bibliografiautilizada na pesquisa incluiu, principalmente, obras que tratam dos seguintes t<strong>em</strong>as: Históriada Educação, Formação <strong>de</strong> Professores, Metodologia da Pesquisa, História <strong>de</strong> Uberaba, além<strong>de</strong> livros que abordam a história da educação nacional e estadual. Como forma <strong>de</strong> reforçar o<strong>em</strong>basamento teórico do trabalho, a pesquisa bibliográfica englobou, também, diversas obrasda literatura educacional. Por outro lado, <strong>de</strong>ntre as fontes documentais pesquisadas, inclu<strong>em</strong>sejornais, revistas, leis, <strong>de</strong>cretos, atas e documentos manuscritos. Essa coleta <strong>de</strong> informaçõesfoi realizada <strong>em</strong> arquivos públicos e particulares e <strong>em</strong> instituições <strong>de</strong> ensino, conforme<strong>de</strong>talhar<strong>em</strong>os a seguir.O processo <strong>de</strong> pesquisa começou já <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2005 e, logo <strong>de</strong> início, pu<strong>de</strong>mosconfirmar aquilo <strong>de</strong> que já suspeitávamos: são poucos os trabalhos produzidos que tratam daeducação uberabense. Os livros que abordam a história <strong>de</strong> Uberaba, como os <strong>de</strong> Pontes(1970), Borges (1971), Mendonça (1974), Teixeira (2001), Bilharinho (1983), Prata (1987),Cunha Filho (1983), Rezen<strong>de</strong> (1991) e Ferreira (1928) traz<strong>em</strong> informações dispersas e poucoaprofundadas sobre a educação local. Embora essas obras tenham, <strong>em</strong> seu conjunto, auxiliadobastante no encaminhamento da pesquisa, não trouxeram a maioria das respostas quebuscávamos. Também faz parte da bibliografia utilizada o livro <strong>de</strong> Coutinho (2001) queprocura retratar a história dos irmãos maristas <strong>em</strong> Uberaba; como boa parte <strong>de</strong>sse livro é<strong>de</strong>dicada ao Colégio Diocesano, a obra <strong>de</strong> Pedro Coutinho configura-se como a única que


27trata, especificamente, da história <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino uberabense.Já a produção científica – incluindo teses e dissertações – sobre a história da educaçãouberabense resume-se atualmente, pelo que pu<strong>de</strong>mos levantar 6 , a poucos trabalhos concluídosou <strong>em</strong> andamento, <strong>de</strong>ntre os quais: 2 (duas) dissertações cujo objeto <strong>de</strong> pesquisa é a antigaFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino (FISTA); 2 (duas)dissertações sobre o Colégio Marista Diocesano; 1 (uma) dissertação sobre o Colégio NossaSenhora das Dores; 1 (uma) dissertação sobre o Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba; 1 (uma)dissertação sobre o Instituto <strong>de</strong> Cegos do Brasil Central; 1 (uma) dissertação que aborda osensino laico e religioso no período <strong>de</strong> 1924-1934; 1 (uma) dissertação que procura revisitar asinstituições educacionais uberabenses através da imprensa (<strong>de</strong> 1889 a 1929); e 1 (uma)dissertação que aborda a influência do Regime Militar sobre a formação <strong>de</strong> professores queacontecia na FISTA.Nenhuma das dissertações produzidas até o presente momento apresenta o resultado<strong>de</strong> pesquisas acerca das instituições <strong>de</strong> ensino superior e das escolas normais que são objetos<strong>de</strong> nossa pesquisa, n<strong>em</strong> se preocupa, especificamente, com o estudo <strong>de</strong>sses níveis <strong>de</strong> ensinono período histórico por nós escolhido. Essa constatação arrefeceu nosso ânimo <strong>de</strong> produzirum conhecimento novo a partir do conhecimento disperso e sincrético que existe atualmente.Por outro lado, a relativa falta <strong>de</strong> bibliografias levou-nos a percorrer um caminho mais duropara a construção <strong>de</strong>sse conhecimento: restava-nos a busca das informações necessáriasdiretamente nas fontes primárias, principalmente nos órgãos <strong>de</strong> imprensa.Por retratar, <strong>de</strong> forma clara, as contradições e o modo <strong>de</strong> pensar da socieda<strong>de</strong> na qualestá inserida, a imprensa escrita é, hoje, uma das mais utilizadas fontes <strong>de</strong> pesquisa na área daHistória da Educação. Assim, ao planejarmos os passos <strong>de</strong> nossa pesquisa documental,<strong>de</strong>finimos que as principais fontes primárias <strong>de</strong> consulta seriam os periódicos (jornais erevistas) publicados na cida<strong>de</strong> durante o período pesquisado. Na seqüência, a partir das muitasinformações colhidas nesses periódicos, expandiríamos nossa pesquisa a outras fontes.Essa opção pela pesquisa nos órgãos <strong>de</strong> imprensa escrita é, hoje, uma realida<strong>de</strong> noBrasil. A importância da utilização <strong>de</strong> antigos jornais <strong>em</strong> investigações históricas,especialmente daquelas envolvendo o passado <strong>de</strong> Minas Gerais, encontra apoio nopensamento <strong>de</strong> John Wirth (1982 apud CARVALHO, 2006), quando este l<strong>em</strong>bra que aimprensa local foi um marco do regionalismo mineiro. Os jornais das pequenas cida<strong>de</strong>spertenciam, geralmente, aos chefes políticos locais, que se enfrentavam pelas páginas <strong>de</strong>sses6 Informações obtidas a partir da obra <strong>de</strong> Araújo (2005) e do contato direto com os pesquisadores envolvidos.


28periódicos, ao invés dos anteriores confrontos verbais, que terminavam <strong>em</strong> violência, tiroteiosou assassinatos. Além da política, a imprensa foi porta-voz das diferentes religiões e retratou,como poucas fontes, a economia e a cultura <strong>de</strong> cada lugar.O pensamento <strong>de</strong> John Wirth v<strong>em</strong> ao encontro, também, daquilo que imagina apesquisadora Ana Maria <strong>de</strong> Almeida Camargo (1975 apud CARVALHO, 2006), que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>a utilização da imprensa como fonte primária para o trabalho do historiador, pois consi<strong>de</strong>raque o jornal é um tipo <strong>de</strong> documento que dá aos historiadores a medida mais aproximada daconsciência que os homens têm <strong>de</strong> sua época e <strong>de</strong> seus probl<strong>em</strong>as, sendo um meio <strong>de</strong>expressão das mais diferentes tendências i<strong>de</strong>ológicas. Essa diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamentos,muitas vezes contraditórios, que se comunicam através da imprensa escrita, garante a riqueza<strong>de</strong>ssa fonte <strong>de</strong> pesquisa.Por isso, enten<strong>de</strong>mos que a utilização metódica das informações jornalísticas po<strong>de</strong> darimensa contribuição a um trabalho <strong>de</strong> pesquisa como o <strong>de</strong>senvolvido por nós, ainda mais seconsi<strong>de</strong>rarmos que, <strong>em</strong> alguns casos, <strong>em</strong> face do <strong>de</strong>saparecimento ou da <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>documentos originais pertencentes às antigas instituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Uberaba, a imprensaescrita tornou-se, talvez, a única fonte primária <strong>de</strong> informações ainda disponível.Além dos periódicos, <strong>de</strong>finimos que os livros <strong>de</strong> atas e <strong>de</strong> leis da Câmara Municipal <strong>de</strong>Uberaba, e outros documentos disponíveis no Arquivo Público <strong>de</strong> Uberaba – e <strong>em</strong> outrosarquivos públicos – po<strong>de</strong>riam trazer informações úteis ao nosso trabalho. O fato é que, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma perspectiva dialética, para aprofundarmos o estudo acerca da fase heróica daeducação uberabense e das instituições <strong>de</strong> ensino superior e normal que nela existiram,necessitaríamos recorrer a fontes <strong>de</strong> pesquisa diversificadas, que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> proporcionar-nosdiferentes olhares para cada uma <strong>de</strong>ssas instituições, trazendo informações significativassobre aspectos diversos, tais como: <strong>de</strong>scrição do edifício, movimento <strong>de</strong> alunos, <strong>programa</strong>s,resultados <strong>de</strong> exames, relação <strong>de</strong> professores, etc.Estando norteado nosso trabalho, para que fosse dado início à pesquisa nos jornaisuberabenses, tiv<strong>em</strong>os que contornar um sério obstáculo: os arquivos r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> jornaisda época resum<strong>em</strong>-se, basicamente, aos dos periódicos Lavoura e Comércio, Gazeta <strong>de</strong>Uberaba e Correio Católico 7 , e o acesso a eles é restrito e / ou proibido. No caso do jornalLavoura e Comércio (que começou a ser editado <strong>em</strong> 1899 e <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> circular há poucos7 Ex<strong>em</strong>plares esparsos <strong>de</strong> outros jornais publicados no período estão preservados no Arquivo Público <strong>de</strong> Uberabae na H<strong>em</strong>eroteca Pública <strong>de</strong> Minas Gerais (<strong>em</strong> Belo Horizonte). Outros arquivos públicos, como os <strong>de</strong> São Pauloe o do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Arquivo Nacional) também dispõ<strong>em</strong> <strong>de</strong> alguns ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> jornais antigos editados <strong>em</strong>Uberaba.


29anos), <strong>de</strong>vido à falência da <strong>em</strong>presa, o acervo <strong>de</strong> jornais antigos, assim como os <strong>de</strong>mais bensda <strong>em</strong>presa, ficaram sob a guarda do Estado e indisponíveis ao público. O arquivo do jornalGazeta <strong>de</strong> Uberaba (com ex<strong>em</strong>plares publicados entre 1879 e 1917), é um b<strong>em</strong> particular epertence ao Sr. Arnaldo Rosa Prata 8 , neto do fundador do jornal, e que, como bom guardião<strong>de</strong> algo tão precioso, é extr<strong>em</strong>amente cauteloso <strong>em</strong> permitir o acesso <strong>de</strong> pesquisadores ao seuacervo. Já o acervo do jornal Correio Católico (publicado a partir <strong>de</strong> 1897 e fechado nadécada <strong>de</strong> 1970) pertence ao Arquivo Público <strong>de</strong> Uberaba, mas os ex<strong>em</strong>plares relativos aoperíodo <strong>de</strong> nosso interesse não estão liberados para pesquisas, haja vista que, dado o seuprecário estado <strong>de</strong> conservação, <strong>de</strong>verão passar por um processo <strong>de</strong> restauração antes <strong>de</strong>ser<strong>em</strong> disponibilizados ao público.Para contornar esses probl<strong>em</strong>as e conseguir o acesso aos arquivos já citados, tiv<strong>em</strong>osque tomar algumas providências. Em primeiro lugar, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro/2005, iniciamosuma longa negociação com o Sr. Arnaldo Rosa Prata, no sentido <strong>de</strong> conseguir a sua permissãopara acessar o arquivo da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, fonte fundamental para nossa pesquisa, já que,dos acervos jornalísticos completos existentes, é o único que possui jornais publicados nasdécadas <strong>de</strong> 1880 e 1890, <strong>de</strong>ntro, portanto, do período <strong>de</strong>limitado por nós. Procuramos exporao proprietário do arquivo os motivos e a importância <strong>de</strong> nossa pesquisa, <strong>de</strong>ixando claro ocuidado que tomaríamos ao manusear o material. A negociação foi longa e somente após umano <strong>de</strong> insistentes pedidos, reforçados pela intervenção <strong>de</strong> uma irmã do Sr. Arnaldo,conseguimos a almejada autorização, feita <strong>de</strong> forma verbal e informal.Paralelamente, procuramos conseguir a liberação para acessar o arquivo do Lavoura eComércio. Entramos <strong>em</strong> contato com o síndico da massa falida, Dr. Lawrence Melo Borges, afim <strong>de</strong> tomarmos conhecimento dos trâmites legais para conseguir tal autorização. Receb<strong>em</strong>os<strong>de</strong>ste a orientação <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veríamos contactar o Sr. Túlio Micheli Silva, que havia sido<strong>de</strong>signado pelo po<strong>de</strong>r judiciário para fazer a guarda dos bens da antiga <strong>em</strong>presa jornalística. Apedido do próprio Sr. Túlio, encaminhamos a ele, no dia 26/05/2006, um ofício (Apêndice 14)solicitando o acesso ao arquivo e explicando o motivo da pesquisa. O pedido foi encaminhadoao Juizado <strong>de</strong> Falências, que, alguns dias <strong>de</strong>pois, autorizou o acesso ao acervo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que,durante as pesquisas, estivéss<strong>em</strong>os acompanhados pelo Sr. Túlio Micheli Silva, e que asvisitas ocorress<strong>em</strong> <strong>em</strong> datas a ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>vidamente marcadas.Enquanto aguardávamos as autorizações para pesquisar nos acervos dos dois jornais8 Arnaldo Rosa Prata foi prefeito <strong>de</strong> Uberaba no período <strong>de</strong> 1971 a 1973, secretário da agricultura do estado <strong>de</strong>Minas Gerais (1983-1986) e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral (1987 a 1991).


30citados, iniciamos investigações paralelas na documentação pertencente ao Arquivo Público<strong>de</strong> Uberaba (APU). Nos dias 31/05/2006 e 01/06/2006, comparec<strong>em</strong>os ao APU econseguimos obter várias informações relacionadas à nossa pesquisa, extraídas <strong>de</strong> diferentesreferenciais, tais como almanaques, revistas e livros publicados no período <strong>de</strong> interesse. Foinessas ocasiões que utilizamos, pela primeira vez, um importante instrumento auxiliar àpesquisa: a câmera fotográfica digital. Todos os documentos <strong>de</strong> interesse foram fotografados eas imagens digitalizadas foram <strong>de</strong>vidamente tratadas e melhoradas pelo <strong>programa</strong> AdobePhotoshop, sendo também datadas, referenciadas e organizadas <strong>em</strong> pastas digitais, para ser<strong>em</strong>utilizadas futuramente. Esse procedimento mostrou-se bastante eficaz na organização dasinformações coletadas e, por isso, continuou a ser adotado <strong>em</strong> toda a nossa pesquisa.A primeira etapa da pesquisa, realizada no arquivo do jornal Lavoura e Comércio,ocorreu no dia 17/06/2006. Acompanhados pelo Sr. Túlio Micheli Silva, comparec<strong>em</strong>os àantiga se<strong>de</strong> do jornal, localizada na rua Vigário Silva, <strong>em</strong> Uberaba, e iniciamos o longo epenoso processo <strong>de</strong> garimpag<strong>em</strong>. Num prédio lacrado pela justiça, s<strong>em</strong> energia elétrica equase s<strong>em</strong> móveis, verificamos que o acervo disponível para pesquisa incluía somente osjornais publicados a partir <strong>de</strong> 1902, já que os volumes contendo os ex<strong>em</strong>plares impressos <strong>em</strong>1899, 1900 e 1901 encontram-se, segundo o representante da justiça, <strong>em</strong> processo <strong>de</strong>restauração na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Voltamos a pesquisar o acervo do jornal nos dias12/07/2006 e 14/07/1906, s<strong>em</strong>pre acompanhados pelo Sr. Túlio.Em busca <strong>de</strong> outras fontes documentais, interromp<strong>em</strong>os o processo <strong>de</strong> pesquisa nojornal Lavoura e Comércio e <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>mos uma viag<strong>em</strong> à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, entre osdias 19/07/2006 e 21/07/2006. Durante todo o dia 19/07/2006, realizamos uma pesquisa naH<strong>em</strong>eroteca Pública <strong>de</strong> Minas Gerais, localizada naquela cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> conseguimos localizarex<strong>em</strong>plares avulsos <strong>de</strong> vários antigos jornais publicados <strong>em</strong> Uberaba (Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba,Correio Católico, Echo do Sertão, Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, Gazetinha, Jornal <strong>de</strong> Uberaba, ASeparação, O Triângulo, Tribuna do Povo, O Volitivo, O Garoto, Iris, Jornal do Comércio,Jornal do Triângulo, O T<strong>em</strong>po, Triângulo Mineiro), além do Minas Gerais, jornal oficialimpresso na capital estadual. Vários artigos consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> interesse para nosso trabalhoforam fotografados e arquivados <strong>em</strong> um computador portátil.Nos dias 20/07/2006 e 21/07/2006, <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>mos uma busca por documentos noArquivo Público Mineiro - APM, <strong>de</strong> Belo Horizonte. A pesquisa na Coleção <strong>de</strong> Leis eDecretos <strong>de</strong> Minas Gerais, nos Anais da Câmara dos Deputados, nas Revistas do ArquivoPúblico Mineiro e <strong>em</strong> manuscritos diversos, resultou <strong>em</strong> um rico volume <strong>de</strong> informações, que


31foram <strong>de</strong>vidamente transcritas no nosso computador portátil, já que o APM não permite queseus documentos sejam fotografados. Solicitamos, também, a cópia <strong>de</strong> alguns documentos <strong>de</strong>maior interesse, mediante o pagamento <strong>de</strong> uma taxa ao APM.Retornando <strong>de</strong> Belo Horizonte, realizamos novas pesquisas no Arquivo Público <strong>de</strong>Uberaba, nos dias 01/08/2006, 03/08/2006, 04/08/2006 e 10/08/2006, quando a pesquisa seconcentrou nos livros <strong>de</strong> atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, manuscritos a partir <strong>de</strong>meados do século XIX, e no arquivo pessoal <strong>de</strong>ixado pelo Sr. Antônio Borges Sampaio,consi<strong>de</strong>rado o primeiro historiador uberabense.No dia 11/08/2006, na Secretaria <strong>de</strong> Governo da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Uberaba,<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>mos uma pesquisa nos livros <strong>de</strong> leis e <strong>de</strong>cretos da Câmara Municipal. Nesseslivros, conseguimos fotografar várias leis e <strong>de</strong>cretos referentes à educação municipal noperíodo <strong>de</strong> nosso interesse.Após um período <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> quatro meses, <strong>em</strong> que concentramos nosso trabalho <strong>em</strong>levantamentos bibliográficos, voltamos, já <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro/2006, à pesquisa documental: nosdias 12/12/2006, 13/12/2006 e 14/12/2006, realizamos novas pesquisas no arquivo doLavoura e Comércio. Des<strong>de</strong> então, os trabalhos <strong>de</strong> pesquisa naquele local foram facilitadospelo fato <strong>de</strong> que a luz elétrica havia sido religada no prédio e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se pesquisarnum ambiente <strong>de</strong> penumbra haviam acabado. Em todas essas ocasiões, assim como naspesquisas posteriores realizadas naquele local, contamos com a colaboração do Sr. TúlioMicheli Silva, que nos acompanhou durante todos os períodos <strong>de</strong> trabalho.Finalmente, no dia 15/12/2006, após quase um ano <strong>de</strong> insistentes pedidos, o Sr.Arnaldo Rosa Prata permitiu que tivéss<strong>em</strong>os acesso ao arquivo do jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba.Dessa forma, no sábado, dia 16/12/2006, estiv<strong>em</strong>os no apartamento do referido senhor,localizado na rua São Sebastião, <strong>em</strong> Uberaba, pesquisando <strong>em</strong> sua preciosa coleção <strong>de</strong>jornais. Conseguimos, naquele dia, varrer o amplo período <strong>de</strong> 1880 a 1890, ajudados pelofato <strong>de</strong> que o jornal era, então, s<strong>em</strong>anal. Ao final daquela tar<strong>de</strong>, ficou acordado, com o Sr.Arnaldo, que seriam concedidas por ele novas datas para que pudéss<strong>em</strong>os prosseguir otrabalho.Novas pesquisas foram feitas no arquivo <strong>de</strong> jornais pertencentes ao Sr. Arnaldo RosaPrata nos dias 20/01/2007 e 27/01/2007. Nessas ocasiões, conseguimos examinar osex<strong>em</strong>plares jornalísticos da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba publicados entre os anos <strong>de</strong> 1891 e 1900.Convém ressaltar que faz parte <strong>de</strong>ssa coleção o conjunto <strong>de</strong> edições do efêmero jornal SãoPaulo e Minas – que, por algum t<strong>em</strong>po, substituiu a Gazeta <strong>de</strong> Uberaba –, publicado entre


321895 e 1896, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto.A pesquisa no arquivo do jornal Lavoura e Comércio foi reiniciada no dia 19/12/2006,prosseguindo nos dias 22/12/2006, 28/12/2006, 29/12/2006, 02/01/2007, 26/01/2007,01/02/2007, 03/05/2007, 10/05/2007, 13/06/2007 e 14/06/2007. No cômputo geral, a pesquisarealizada no acervo do jornal Lavoura e Comércio exigiu, <strong>de</strong> nossa parte, o exame <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>6.000 ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> jornais, publicados entre 1902 e 1938, número que, por si só, já<strong>de</strong>monstra a dimensão e a dificulda<strong>de</strong> do trabalho realizado.A pesquisa <strong>de</strong>senvolvida nos jornais procurou coletar a maior quantida<strong>de</strong> possível <strong>de</strong>informações acerca do sist<strong>em</strong>a educacional uberabense no período <strong>de</strong> 1881 a 1938. De posse<strong>de</strong>ssas informações e mediante um longo período <strong>de</strong> análise, foi possível enten<strong>de</strong>r melhor ahistória oculta <strong>de</strong> nossas primeiras instituições <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores, e reconstruir o contexto histórico <strong>em</strong> que cada escola se inseria. De nossa parte,s<strong>em</strong>pre foi gran<strong>de</strong> a preocupação <strong>em</strong> pesquisar os diferentes contextos históricos, já que, porse tratar <strong>de</strong> uma instituição social, a escola relaciona-se dialeticamente com a socieda<strong>de</strong> comoum todo, modificando-a e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, sendo <strong>de</strong>terminada por ela. Assim, não épossível o estudo do sist<strong>em</strong>a educacional <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> o estudo docontexto histórico que o envolve.Nessa perspectiva, as instituições <strong>de</strong> ensino uberabenses nasceram para aten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas locais, já que toda instituição social se articula com a socieda<strong>de</strong> numarelação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, possuindo fins e funções que lhe são confiados por esta última.Portanto, enten<strong>de</strong>r a dinâmica educacional <strong>de</strong> Uberaba naquele período histórico, com suascontradições e conflitos, é penetrar nos princípios, valores e projetos da socieda<strong>de</strong> uberabenseda época.Expandindo nossa pesquisa, no dia 20/12/2006, fomos recebidos na secretaria doColégio Nossa Senhora das Dores pela funcionária Márcia. Naquela instituição, tiv<strong>em</strong>os umprimeiro contato com o arquivo da escola e foi acertado nosso retorno, <strong>programa</strong>do para omês <strong>de</strong> janeiro/2006, a fim <strong>de</strong> que pudéss<strong>em</strong>os iniciar a pesquisa na documentação do cursonormal mantido por aquela escola a partir <strong>de</strong> 1906. Entretanto, por diversas circunstâncias, asinvestigações naquela instituição só aconteceram nos dias 12/05/2007 e 15/05/2007, quandofomos auxiliados pela funcionária Márcia e pela religiosa dominicana, Irmã Ângela.Outra escola uberabense que nos ce<strong>de</strong>u seus arquivos para pesquisa foi o ColégioMarista Diocesano. No dia 14/05/2007, <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>mos uma investigação nos antigosdocumentos mantidos pela escola, buscando informações que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> colaborar com nosso


33trabalho, principalmente as relacionadas com os antigos cursos <strong>de</strong> Agrimensura e Comércio,mantidos por aquela escola nas primeiras décadas do século XX. Nesse processo, tiv<strong>em</strong>osgran<strong>de</strong> colaboração por parte da direção da escola, na pessoa do professor Antônio CarlosGomes Lopes Garcia.Buscando novas informações que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> enriquecer ainda mais nossa investigaçãohistórica, no dia 05/06/2007, comparec<strong>em</strong>os à se<strong>de</strong> da primeira Igreja Metodista <strong>de</strong> Uberaba,fundada <strong>em</strong> 1896. A partir da leitura dos livros <strong>de</strong> atas, foi possível conhecer melhor a formacomo os metodistas organizavam o seu plano educacional. Recolh<strong>em</strong>os, também, novossubsídios acerca dos acontecimentos que cercaram a tentativa <strong>de</strong> abertura das instituições <strong>de</strong>ensino protestantes, na primeira e na terceira décadas do século XX.Novas pesquisas foram realizadas no Arquivo Público <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> coleções <strong>de</strong>antigos jornais <strong>de</strong> Uberaba, como a Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (anos <strong>de</strong> 1934, 1935, 1937 e 1938) eO Sorriso (ex<strong>em</strong>plares avulsos <strong>de</strong> 1911 a 1915), além do jornal araguarino O Triângulo (ano<strong>de</strong> 1935). Nossa investigação no APU englobou, também, o arquivo <strong>de</strong> documentos da antigaEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, que contém documentos diversos daquelainstituição, além do arquivo particular do Monsenhor Juvenal Arduini. Essas visitas ao APUocorreram nos seguintes dias: 29/12/2006, 18/01/207, 30/01/2007, 13/02/2007, 19/03/2007,20/03/2007, 16/04/2007, 18/04/2007, 16/05/2007 e 12/06/2007.Outro recurso metodológico utilizado <strong>em</strong> nossa investigação foram as entrevistasfeitas com pessoas que foram test<strong>em</strong>unhas oculares <strong>de</strong> partes dos processos histórico eeducacional analisados nesta pesquisa. É evi<strong>de</strong>nte porém que, por tratar-se <strong>de</strong> um períodohistórico que termina <strong>em</strong> 1938, são poucas as test<strong>em</strong>unhas r<strong>em</strong>anescentes e <strong>em</strong> condiçõesfísicas <strong>de</strong> fornecer-nos as informações necessárias. Entretanto, conseguimos importantes<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> ex-alunas que freqüentaram as instituições <strong>de</strong> ensino normal por nósestudadas nos últimos anos do período <strong>de</strong>limitado <strong>em</strong> nossa pesquisa. Dessas entrevistas,conseguimos extrair preciosas informações, principalmente acerca do processo formativo, qu<strong>em</strong>uito enriqueceram nosso trabalho.De posse <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> informações provenientes das fontes primárias eentrevistas, e <strong>em</strong>basados pelos vários referenciais teóricos utilizados na pesquisa, proce<strong>de</strong>mosà elaboração <strong>de</strong>sta dissertação 9 . Neste trabalho, a partir das diversas fontes utilizadas,9 Convém ressaltar que <strong>em</strong> todas as citações presentes no texto escrito, <strong>em</strong> que foram feitas transcrições <strong>de</strong>trechos retirados das fontes primárias <strong>de</strong> pesquisa, optamos por manter a grafia original, mesmo que ela nãocont<strong>em</strong>ple as atuais regras ortográficas.


34procuramos realizar algumas sínteses e produzir um novo conhecimento que, esperamos,possa servir <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para futuras pesquisas acerca da história da educação <strong>de</strong>Uberaba.Esta dissertação foi dividida <strong>em</strong> cinco capítulos. O primeiro apresenta um panoramahistórico do ensino superior e do ensino normal no Brasil, saindo do período colonial,passando pelo Império, a<strong>de</strong>ntrando a República, até atingir o ano <strong>de</strong> 1938, já na Era Vargas.Essa retrospectiva t<strong>em</strong> o objetivo <strong>de</strong> posicionar o processo ocorrido <strong>em</strong> Uberaba <strong>de</strong>ntro docontexto nacional. Nesse mesmo capítulo, é mostrada, <strong>de</strong> forma sucinta, a história daformação docente no Brasil, dando ênfase à evolução dos paradigmas que nortearam essaformação.O segundo capítulo retrata como ocorreu a formação histórica da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba e<strong>de</strong> seu mo<strong>de</strong>lo educacional, no período anterior a 1881. Na primeira parte <strong>de</strong>sse capitulo, éfeita a reconstituição histórica da colonização da região <strong>de</strong> Uberaba, período marcado pelacruel submissão dos povos indígenas, pela constituição do núcleo urbano e pelo nascimentodas elites que iriam ditar os rumos da história local nas décadas seguintes. Já a segunda partedo capítulo faz um relato das primitivas experiências educacionais da cida<strong>de</strong> naquele período,quando o ensino uberabense permaneceu restrito aos níveis primário e secundário <strong>de</strong>educação, e apresenta o perfil típico do professor que atuou na cida<strong>de</strong>, durante os t<strong>em</strong>posimperiais.O terceiro capítulo resgata o interessante período histórico situado entre 1881, ano <strong>de</strong>criação da primeira Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, e o ano <strong>de</strong> 1905, marcado pelo fechamento damesma escola. Numa época <strong>em</strong> que se misturavam, na cida<strong>de</strong>, os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos primeiroscolonizadores brancos, que constituíam a elite econômica local, escravos negros e os recémchegadosimigrantes europeus, fervilhavam idéias e ocorria a formação étnico-cultural dopovo uberabense. Retratando esse período fértil <strong>em</strong> idéias, e por exigência das eliteseconômicas <strong>em</strong>ergentes, surgiram as primeiras instituições <strong>de</strong> ensino normal e superior <strong>de</strong>Uberaba: a Escola Normal, o Instituto Zootécnico (a primeira instituição <strong>de</strong> ensino superiordo Brasil central) e o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz.O quarto capítulo retrata o período histórico situado entre os anos <strong>de</strong> 1906 e 1924, noqual a cida<strong>de</strong> se consolidou como centro <strong>de</strong> uma região que se entregou à criação e à seleção<strong>de</strong> uma nova raça bovina oriunda do Oriente: o Zebu. Com o fortalecimento das oligarquiasrurais e dos setores conservadores da socieda<strong>de</strong> local, as iniciativas relativas aos ensinosnormal e superior ficaram a cargo das or<strong>de</strong>ns religiosas ligadas à Igreja Católica; <strong>em</strong>


35contrapartida, as forças conservadoras barravam toda e qualquer iniciativa que pu<strong>de</strong>sseameaçar a sua heg<strong>em</strong>onia.Por fim, o quinto e último capítulo discute os fenômenos políticos, sociais eeducacionais ocorridos <strong>em</strong> Uberaba, no período <strong>de</strong> 1925 a 1938, que po<strong>de</strong> ser retratado comouma verda<strong>de</strong>ira era <strong>de</strong> incertezas. Marcado por crises locais e nacionais, pelos confrontosi<strong>de</strong>ológicos e por revoluções, esse período foi também muito rico <strong>em</strong> idéias, utopias einiciativas no campo dos ensinos superior e normal. Nele foi reaberta e novamente fechada aEscola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba; além <strong>de</strong>sta, ocorreram importantes iniciativas relacionadasà educação superior (Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia, S<strong>em</strong>inário São José, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Direito e Escola <strong>de</strong> Topografia), além da não concretizada tentativa <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> umaUniversida<strong>de</strong> do Trabalho. E é no já distante ano <strong>de</strong> 1938, marcado pelo fechamento dasegunda Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, que essa análise se encerra.Durante todo este trabalho, procuramos <strong>de</strong>monstrar a importância das primeirasiniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> ensino normal que ocorreram <strong>em</strong> Uberaba. Marcado poravanços e retrocessos, <strong>em</strong>bates i<strong>de</strong>ológicos, utopias e contradições, o período investigadomostrou-se extr<strong>em</strong>amente rico <strong>em</strong> <strong>em</strong>preendimentos na área educacional, merecendo, pois,ocupar o lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que a historiografia da educação s<strong>em</strong>pre lhe negou. Esperamos queessa seja uma das maiores contribuições <strong>de</strong> nossa pesquisa.Além <strong>de</strong>sse resgate histórico, este trabalho procurou, também, como po<strong>de</strong>rá serobservado, <strong>de</strong>senvolver reflexões <strong>em</strong> torno da trajetória da profissão docente <strong>em</strong> Uberaba,mostrando aspectos relacionados à formação dos primeiros mestres uberabenses e <strong>de</strong>stacando,ainda, a questão da precarização do magistério, assuntos revestidos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>.Nesse ponto, este estudo não <strong>de</strong>ve encerrar-se aqui: esperamos que a nossa pesquisa auxilie napreparação do terreno para investigações futuras <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as tão importantes e queainda precisam ser mais b<strong>em</strong> <strong>de</strong>batidos pela aca<strong>de</strong>mia.


361 ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASILEste capítulo, que po<strong>de</strong> ser classificado como introdutório, apresenta, <strong>de</strong> formasucinta, o nascimento e o <strong>de</strong>senvolvimento do ensino superior e do ensino normal no Brasil –com ênfase <strong>em</strong> Minas Gerais –, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período colonial até o ano <strong>de</strong> 1938, data limite <strong>de</strong>nosso recorte t<strong>em</strong>poral. A seguir, apresentamos uma visão geral das concepções <strong>de</strong> formação<strong>de</strong> professores heg<strong>em</strong>ônicas <strong>em</strong> cada fase <strong>de</strong>sse período, as quais, como ver<strong>em</strong>os noscapítulos posteriores, tiveram inconteste influência no processo educacional ocorrido <strong>em</strong> nívellocal, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.1.1 Trajetória dos ensinos superior e normal no período pré-republicanoNo início do século XIX, a socieda<strong>de</strong> colonial brasileira atravessava um período queFernando <strong>de</strong> Azevedo (1963) qualifica como um gran<strong>de</strong> vazio, meio século <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência e<strong>de</strong> transição, que se iniciara no ano <strong>de</strong> 1759, com a expulsão dos jesuítas das colôniasportuguesas e a implantação das Reformas Pombalinas da Instrução Pública. Com o<strong>de</strong>smantelamento da estrutura <strong>de</strong> ensino organizada pelos jesuítas, o confisco dos bens dospadres e a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> importantes livros e manuscritos, o governo colonial não ofereceu, <strong>de</strong>pronto, outra alternativa <strong>de</strong> ensino para a população, o que provocou um grave retrocesso nosist<strong>em</strong>a educacional brasileiro.No período situado entre 1549, quando os jesuítas, chefiados pelo padre Manuel daNóbrega, fundaram <strong>em</strong> Salvador uma escola <strong>de</strong> ler e escrever, até a crise ocorrida no séculoXVIII nas relações entre o governo português e a Companhia <strong>de</strong> Jesus, a educação jesuíticareinou soberana na colônia. Na verda<strong>de</strong>, o ensino no Brasil esteve, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início dacolonização, voltado para os interesses imediatos da Coroa portuguesa e os jesuítas ocupavamum lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nesse contexto histórico, operando a catequese dos povos indígenas. “Acatequese assegurou a conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante acriação <strong>de</strong> escolas el<strong>em</strong>entares para os ‘curumins’ e <strong>de</strong> núcleos missionários no interior dasnações indígenas” (ROMANELLI, 1983, p. 35).Segundo Carvalho (1985), a ação educacional jesuítica nas colônias portuguesas foi


37viabilizada através do alvará <strong>de</strong> 1564 <strong>de</strong> D. Sebastião, o qual fixou a forma como se daria aajuda financeira à Companhia <strong>de</strong> Jesus. Assim, através do amparo financeiro do reinoportuguês, feito através <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> dízimos, as escolas jesuítas cresceram <strong>em</strong>ultiplicaram-se pelo Brasil. Oferecendo estudos gratuitos, os colégios da Companhia tinhampor mo<strong>de</strong>lo o Real Colégio das Artes <strong>de</strong> Coimbra, que D. João III havia entregado à direçãodos jesuítas <strong>em</strong> 1555.A economia do Brasil colonial era baseada na gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> agrícola e noextrativismo. Assentava-se sobre uma socieda<strong>de</strong> patriarcal branca que, por sua vez, exercia oseu po<strong>de</strong>r heg<strong>em</strong>ônico sustentada pela mão-<strong>de</strong>-obra escrava, esta última abastecida pelaimportação <strong>de</strong> negros africanos e, <strong>em</strong> menor escala, pela captura e comércio <strong>de</strong> índiosbrasileiros. Dentro <strong>de</strong>sse contexto histórico, o trabalho pedagógico <strong>de</strong>senvolvido pelosmissionários jesuítas limitava-se ao objetivo <strong>de</strong> converter o gentio e impedir que os colonos se<strong>de</strong>sviass<strong>em</strong> da fé católica (ARANHA, 1996). Além disso, o trabalho missionário eraconsi<strong>de</strong>rado um instrumento importante para a garantia da unida<strong>de</strong> política da colônia, já quepropagava e uniformizava, entre a população local, a fé e os princípios morais da metrópoleeuropéia.A educação do povo não era uma meta prioritária, já que, para o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho dasfunções no campo, no engenho ou nas minas, não havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma formaçãoespecial. Dentro das unida<strong>de</strong>s econômicas, representadas pelos latifúndios, engenhos e minas,somente aos donos das terras cabia o direito à educação, ainda assim <strong>de</strong> forma restrita. Asmulheres e filhos primogênitos estavam excluídos <strong>de</strong>sse processo – aos primogênitos erareservada a futura direção dos negócios paternos, o que, <strong>de</strong>ntro dos costumes da época,levava-os a receber apenas uma rudimentar educação escolar que ocorria, <strong>em</strong> geral, <strong>de</strong>ntro daprópria família ou <strong>em</strong> pequenas escolas el<strong>em</strong>entares não jesuíticas.Segundo Cunha (2000), a educação nos colégios jesuítas era predominant<strong>em</strong>entevoltado para o ensino médio, já que o governo português não permitia a fundação <strong>de</strong><strong>universida<strong>de</strong></strong>s na Colônia, ao contrário do que acontecia nas colônias espanholas da América.Na falta <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s locais, a Metrópole permitia que alguns cursos superiores, como os<strong>de</strong> Artes e <strong>de</strong> Teologia, foss<strong>em</strong> oferecidos nos estabelecimentos escolares jesuítas e concediaum certo número <strong>de</strong> bolsas para que filhos <strong>de</strong> colonos melhor situados pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> estudarCiências Jurídicas <strong>em</strong> Coimbra.Com a proibição da criação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s na colônia, Portugal pretendiaimpedir que os estudos universitários operass<strong>em</strong> como coadjuvantes <strong>de</strong>movimentos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntistas, especialmente a partir do século XVIII,


38quando o potencial revolucionário do Iluminismo fez-se sentir <strong>em</strong> váriospontos da América (CUNHA, 2000, p. 152).Os ensinos médio e superior, ministrados pelos jesuítas, eram completamente alheios àrealida<strong>de</strong> da vida na Colônia e às novas <strong>de</strong>scobertas científicas. Baseados na orientação doRatio Studiorum 10 , seus cursos agrupavam-se <strong>em</strong> (ARANHA, 1996):- Studia inferiora, com duração total <strong>de</strong> seis anos, e que incluía o estudo das LetrasHumanas <strong>de</strong> grau médio (gramática latina, humanida<strong>de</strong>s e retórica) e <strong>de</strong> Filosofia eCiências (artes, lógica, introdução às ciências, cosmologia, psicologia, física, metafísica efilosofia moral).- Studia superiora, com duração <strong>de</strong> quatro anos, que visava à formação do padre e incluíaas disciplinas <strong>de</strong> teologia e ciências sagradas.O primeiro estabelecimento <strong>de</strong> ensino superior <strong>em</strong> terras brasileiras foi fundado pelaCompanhia <strong>de</strong> Jesus no ano <strong>de</strong> 1553, na Bahia, então se<strong>de</strong> do governo geral. Também <strong>em</strong>alguns dos 17 colégios criados no Brasil – on<strong>de</strong> estudavam filhos <strong>de</strong> funcionários públicos, <strong>de</strong>senhores <strong>de</strong> engenho, <strong>de</strong> criadores <strong>de</strong> gado e <strong>de</strong> alguns profissionais liberais – os jesuítasofereciam o ensino superior <strong>em</strong> Artes e Teologia, s<strong>em</strong> a finalida<strong>de</strong> exclusiva <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>sacerdotes, <strong>em</strong>bora fosse este o objetivo primeiro (CUNHA, 2000).O curso <strong>de</strong> Artes, também chamado <strong>de</strong> Ciências Naturais ou Filosofia, tinhaduração <strong>de</strong> três anos. Compreendia o ensino <strong>de</strong> Lógica, <strong>de</strong> Física, <strong>de</strong>Mat<strong>em</strong>ática, <strong>de</strong> Ética e <strong>de</strong> Metafísica. O curso <strong>de</strong> Teologia, <strong>de</strong> quatro anos,conferia o grau <strong>de</strong> doutor. Em 1553, começaram a funcionar os cursos <strong>de</strong>Artes e <strong>de</strong> Teologia. No século XVIII, o Colégio da Bahia <strong>de</strong>senvolveu osestudos <strong>de</strong> Mat<strong>em</strong>ática a ponto <strong>de</strong> criar uma faculda<strong>de</strong> específica para seuestudo. Cursos superiores foram também oferecidos no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong>São Paulo, <strong>em</strong> Pernambuco, no Maranhão e no Pará (CUNHA, 2000, p.152).Assim, os padres jesuítas implantaram um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino que seguia as seguinteslinhas básicas: fornecer uma educação el<strong>em</strong>entar para a população índia e branca <strong>em</strong> geral(com exceção das mulheres, que ficavam excluídas do processo), dar educação média aoshomens da classe dominante e, para alguns <strong>de</strong>stes últimos, propiciar uma formação superiormarcant<strong>em</strong>ente religiosa, que visava, na maioria das vezes, ao ingresso na classe sacerdotal.Dessa forma, durante o período colonial, ocupado <strong>em</strong> servir aos interesses da Coroaportuguesa e da Igreja católica, o ensino jesuítico não contribuiu significativamente para o10 Ratio atque institutio Studiorum significa Organização e plano <strong>de</strong> estudos. Publicado <strong>em</strong> 1599 pelo padreAquaviva, o documento contém um conjunto <strong>de</strong> regras práticas sobre a ação pedagógica, a organizaçãoadministrativa e outros assuntos consi<strong>de</strong>rados importantes para a ação pedagógica da Companhia <strong>de</strong> Jesus(ARANHA, 1996).


39processo <strong>de</strong> escolarização do povo e, por conseqüência, não representou um movimento quepu<strong>de</strong>sse levar ao rompimento do mo<strong>de</strong>lo sócio-econômico que reinava na colônia.Desinteressado, <strong>de</strong>stinado a dar cultura geral básica, s<strong>em</strong> a preocupação <strong>de</strong>qualificar para o trabalho, uniforme e neutro (do ponto <strong>de</strong> vista nacional,como quer Fernando <strong>de</strong> Azevedo), não podia, por isso mesmo, contribuirpara modificações estruturais na vida social e econômica do Brasil, naépoca (ROMANELLI, 1983, p. 34).Por ocasião <strong>de</strong> sua expulsão, a Companhia <strong>de</strong> Jesus era uma instituição sólida eenriquecida. Des<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s na colônia, a Coroa se havia comprometido a<strong>de</strong>stinar à or<strong>de</strong>m religiosa 10% do total <strong>de</strong> impostos arrecadados, além da doação <strong>de</strong> terras.Acresc<strong>em</strong>-se a esses os lucros obtidos com a produção agrária das missões. Por outro lado, oReino Português achava-se <strong>em</strong> plena <strong>de</strong>cadência econômica e cultural, proveniente, <strong>de</strong>ntreoutras coisas, da queda da mineração, dos acordos comerciais com a Inglaterra e do fanatismoreligioso. Essa situação incomodava o governo colonial, que não via com bons olhos ocrescente po<strong>de</strong>rio daquela or<strong>de</strong>m religiosa. A animosida<strong>de</strong> entre a Companhia <strong>de</strong> Jesus e aCoroa cresceu ainda mais com a intensificação dos atritos entre jesuítas e colonos, <strong>em</strong> tornoda questão da escravização dos índios e da <strong>de</strong>struição das missões por ban<strong>de</strong>irantes paulistas.Em 1759, aproveitando-se da situação, o Marquês <strong>de</strong> Pombal acusou a Companhia <strong>de</strong>preten<strong>de</strong>r formar um império t<strong>em</strong>poral cristão na região dos Sete Povos e expulsou-os doBrasil. Como paliativo momentâneo, no mesmo ano, a Coroa fundou nas cabeças <strong>de</strong> comarcaaulas avulsas secundárias, somente para meninos, <strong>de</strong> gramática latina, grega e hebraica, <strong>de</strong>retórica e <strong>de</strong> filosofia, a ser<strong>em</strong> ministradas por professores contratados pelo Erário Régio(HILSDORF, 2003). Entretanto, nesse primeiro momento, Pombal não criou aulas <strong>de</strong>primeiras letras. Segundo Romanelli (1983), foram precisos 13 anos para que foss<strong>em</strong> tomadasas primeiras providências mais concretas para a substituição do sist<strong>em</strong>a educacional jesuítico.Em 1772, com a implantação do ensino público oficial, a uniformida<strong>de</strong> da açãopedagógica da Companhia, a perfeita transição <strong>de</strong> um nível escolar para outro e a graduaçãoforam substituídas por um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> aulas régias <strong>de</strong> disciplinas isoladas. O Estado assumia,pela primeira vez, os encargos da educação e professores leigos começavam a serintroduzidos no ensino da Colônia. Na reforma <strong>de</strong> 1772, “é elaborado um mapa comindicação das cida<strong>de</strong>s, tipos <strong>de</strong> aula e número <strong>de</strong> professores necessários, tendo sido criadas17 aulas <strong>de</strong> ler e escrever, distribuídas entre Rio <strong>de</strong> Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas, SãoPaulo, Pará e Maranhão” (ARANHA, 1996, p. 134). Os professores, muitos <strong>de</strong>les formadosnos extintos colégios dos jesuítas, eram pagos pelo imposto que ficou conhecido como


40subsídio literário, cujos recursos eram, segundo Hilsdorf (2003), freqüent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>sviadospela administração pública.Ao iniciar-se o século XIX, já existia, na colônia, uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> aulas avulsas <strong>de</strong>primeiras letras, gramática latina, grego, retórica e poética, filosofia, mat<strong>em</strong>ática superior egeometria. Apesar <strong>de</strong> disperso e rebaixado <strong>de</strong> nível, o novo ensino na Colônia <strong>de</strong>u algumacontinuida<strong>de</strong> aos princípios educacionais jesuíticos, mantendo os mesmos métodospedagógicos, com ênfase na autorida<strong>de</strong> e na disciplina estreita, e com os mesmos objetivosreligiosos e literários.O quadro da educação brasileira só começou a alterar-se quando, <strong>em</strong> 1908, fugindo doexército <strong>de</strong> Napoleão, a família real portuguesa mudou-se para o Brasil. Algumas medidasimpl<strong>em</strong>entadas pelo governo davam sustentação às mudanças. Dentre as medidas <strong>de</strong> carátereconômico, citam-se: a abertura dos portos para o comércio com outros países além <strong>de</strong>Portugal e a revogação do alvará que proibia a instalação <strong>de</strong> manufaturas na Colônia.Também as ativida<strong>de</strong>s culturais foram incr<strong>em</strong>entadas, com as seguintes inovações: Criação daImprensa Régia (1808), da Biblioteca Pública (1810) – futura Biblioteca Nacional –, doJardim Botânico do Rio <strong>de</strong> Janeiro (1810) e do Museu Real (1818) – posteriormentetransformado <strong>em</strong> Museu Nacional. Além disso, a vinda da Missão cultural francesa (1816)trouxe para o Brasil artistas como Lebreton, Debret, Taunay, Montigny e outros, queinfluenciaram na criação da Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. (ARANHA, 1996)Para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s do governo português instalado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, D.João VI <strong>de</strong>terminou as primeiras medidas que diziam respeito à educação, principalmente aoensino superior. Com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar oficiais do exército e da marinha (para a <strong>de</strong>fesada Colônia), engenheiros militares, médicos e outros profissionais, foram abertas algumasinstituições <strong>de</strong> ensino, como a Aca<strong>de</strong>mia Real da Marinha (1808), a Aca<strong>de</strong>mia Real Militar(1810), cursos médico-cirúrgicos (a partir <strong>de</strong> 1808, na Bahia e no Rio) e diversos cursosavulsos <strong>de</strong> economia, química e agricultura (Rio e Bahia). Romanelli (1983, p. 38) <strong>de</strong>staca daseguinte forma a importância <strong>de</strong> tais medidas para o ensino superior brasileiro:A presença do príncipe Regente, D. João, por 12 anos, trouxe sensíveismudanças no quadro das instituições educacionais da época. A principal<strong>de</strong>las foi, s<strong>em</strong> dúvida, a criação dos primeiros cursos superiores (nãoteológicos)na Colônia. Embora organizados na base <strong>de</strong> aulas avulsas, essescursos tinham um sentido profissional prático. [...] Com D. João VI, noentanto, não apenas nascia o ensino superior, mas também se iniciava umprocesso <strong>de</strong> autonomia que iria culminar na In<strong>de</strong>pendência política.Todavia, o aspecto <strong>de</strong> maior relevância <strong>de</strong>ssas iniciativas foi o fato <strong>de</strong> ter<strong>em</strong>sido levadas a cabo, com o propósito exclusivo <strong>de</strong> proporcionar educação


41para uma elite aristocrática e nobre <strong>de</strong> que se compunha a Corte.A preferência <strong>de</strong> D. João VI pelo ensino superior fica clara quando se observa o totalabandono a que foram relegados os <strong>de</strong>mais níveis <strong>de</strong> ensino (el<strong>em</strong>entar e secundário). Nosúltimos anos do período colonial, s<strong>em</strong> nenhuma medida efetiva por parte do governo, aeducação das massas permanecia na mesma situação precária na qual se encontrava antes davinda da família real portuguesa: limitada ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> aulas avulsas, com professores malpagos e com parca distribuição geográfica.Em 1822, ocorria a in<strong>de</strong>pendência política do Brasil e, durante os primeiros anos doImpério, a situação dos níveis <strong>de</strong> ensino el<strong>em</strong>entar e secundário permaneceu caótica. SegundoAranha (1996), a primeira Constituição brasileira, outorgada <strong>em</strong> 1824, fazia referência a umsist<strong>em</strong>a nacional <strong>de</strong> educação, mas, com a promulgação da Lei Geral do Ensino <strong>de</strong> 1827, foimantida a organização das aulas avulsas públicas <strong>de</strong> primeiras letras criadas por Pombal. A lei<strong>de</strong>terminou a criação <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> primeiras letras para meninos <strong>em</strong> todas as cida<strong>de</strong>s, vilas elugarejos (art. 1º).Em seu artigo XI, a lei previa que, nas cida<strong>de</strong>s e vilas mais populosas, <strong>de</strong>veriam sercriadas escolas para meninas, o que se configurava como uma inovação, já que, até então, oacesso, mesmo aos níveis inferiores da educação, estava reservado aos meninos (HILSDORF,2003). Na verda<strong>de</strong>, segundo l<strong>em</strong>bra Villela (2000), as mulheres não eram formalmenteproibidas <strong>de</strong> freqüentar as escolas, pois já existiam no país instituições on<strong>de</strong> elas recebiam oensino <strong>de</strong> prendas domésticas, orações e rudimentos <strong>de</strong> leitura, o que, por outro lado, <strong>de</strong>ixaclara a redução do conteúdo curricular das escolas f<strong>em</strong>ininas.Seguindo a tendência <strong>de</strong> D. João VI, o governo imperial manteve a preferência peloensino superior. Já <strong>em</strong> 1827, foram criados no país os primeiros cursos jurídicos, nas cida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> São Paulo e Recife, mas que só se tornaram faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direto <strong>em</strong> 1854 (ARANHA,1996). Tal preferência refletia, na verda<strong>de</strong>, interesses ocultos <strong>de</strong> manutenção da or<strong>de</strong>mvigente, o que acabou confirmando-se na reforma conservadora <strong>de</strong> 1834.No Ato Adicional <strong>de</strong> 1834 à Constituição <strong>de</strong> 1824, optou-se pela <strong>de</strong>scentralização dosníveis inferiores <strong>de</strong> ensino, cuja administração passou a ser uma competência das províncias,quase todas s<strong>em</strong> condições para cumprir tal encargo. Por outro lado, o ensino superiorcontinuava sob o controle do governo central, assim como o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino secundário dacida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ao contrário do que acontecia nas <strong>de</strong>mais cida<strong>de</strong>s do país. Ficava,assim, explicitado o caráter fundamentalmente conservador do Ato Adicional <strong>de</strong> 1834, quereservava o controle da educação da elite econômica ao po<strong>de</strong>r central – que, <strong>de</strong>ssa forma,


42garantia às classes mais abastadas o acesso aos níveis superiores do ensino –, enquanto aeducação do povo era confiada às províncias (ARANHA, 1996).Durante todo o Império, a instrução básica sofreu com o <strong>de</strong>scaso governamental a talponto que, por algumas décadas, n<strong>em</strong> mesmo era exigida a educação el<strong>em</strong>entar para aconcessão <strong>de</strong> acesso ao ensino secundário. Desarticulado do ensino secundário e praticamenterelegado à iniciativa privada – já que as províncias eram incapazes <strong>de</strong> arcar com os custos daimplantação <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino – o curso primário tornou-se restrito a poucas escolasdistribuídas pelo país. Como test<strong>em</strong>unho da situação, o relatório oficial <strong>de</strong> Liberato Barrosoapontava que, <strong>em</strong> 1867, apenas 10% da população <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> escolar se achava matriculada nasescolas primárias. Diante da falta <strong>de</strong> escolas el<strong>em</strong>entares <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, a elite econômicapreferia educar seus filhos <strong>em</strong> casa, utilizando preceptores (ARANHA, 1996).A situação do ensino secundário da população, <strong>em</strong> geral, não era melhor. Entregue àsprovíncias, não possuía um currículo <strong>de</strong>finido e, normalmente, a escolha das disciplinas era<strong>de</strong>terminada pelos parâmetros do ensino superior, o que afirmava seu caráter propedêutico.Era um nível <strong>de</strong> ensino s<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, que existia para garantir, a uns poucos privilegiados, oacesso ao ensino superior. Inicialmente implantadas <strong>de</strong> forma improvisada por professoresparticulares, s<strong>em</strong> nenhuma fiscalização oficial, as escolas secundárias, aos poucos, iamganhando a companhia <strong>de</strong> liceus provinciais que, também s<strong>em</strong> um currículo organizado <strong>em</strong>séries, caracterizavam-se por um amontoado <strong>de</strong> aulas avulsas (ARANHA, 1996).Como já procuramos mostrar, a Lei <strong>de</strong> 1834, ao <strong>de</strong>stinar ao governo central aresponsabilida<strong>de</strong> pelo ensino superior, tinha o claro objetivo <strong>de</strong> manter total controle sobre oacesso aos mais altos níveis <strong>de</strong> ensino. Já que o número <strong>de</strong> vagas disponíveis nos cursossuperiores existentes no país era bastante limitado, a Coroa precisava reservá-lasestrategicamente à elite dominante.Para conseguir este resultado, o po<strong>de</strong>r central criou apenas umestabelecimento <strong>de</strong> ensino secundário, o Colégio Pedro II (1837), na Corte,e impediu que os liceus e ginásios secundários criados pelas províncias epela iniciativa privada <strong>de</strong>ss<strong>em</strong> acesso direto às Aca<strong>de</strong>mias – como era ocaso do Pedro II – obrigando os alunos <strong>de</strong>les a fazer<strong>em</strong> exames <strong>de</strong> ingressoaos cursos superiores (HILSDORF, 2003, p.47).Em outras palavras, os cursos secundários criados nas províncias não davam aos seusalunos o direito <strong>de</strong> requerer<strong>em</strong> as vagas do ensino superior. Azevedo (1963) l<strong>em</strong>bra quesomente o grau <strong>de</strong> bacharel <strong>em</strong> Letras, conferido pelo Colégio Dom Pedro II, habilitava àmatrícula nas faculda<strong>de</strong>s do Império. Para conseguir uma vaga nas escolas superiores, eraexigido aos estudantes dos <strong>de</strong>mais estabelecimentos <strong>de</strong> ensino secundário prestar um exame


43perante comissões fiscalizadoras, avaliação rígida <strong>de</strong>mais para o nível <strong>de</strong> ensino oferecido poraquelas escolas, o que <strong>de</strong>sestimulava os alunos <strong>de</strong> cursar<strong>em</strong> o secundário. Tal artimanha fezcom que diversos liceus secundários fechass<strong>em</strong> suas portas nas décadas <strong>de</strong> 1840 a 1860,levando o Estado a controlar, <strong>de</strong> forma indireta, o acesso ao ensino superior: a barreira, naverda<strong>de</strong>, estava instalada <strong>em</strong> um nível anterior, entre as escolas primárias e secundárias.Com uma seleção eficaz no início do processo, a retenção nos exames <strong>de</strong> acesso aoensino superior n<strong>em</strong> precisava ser significativa. Hilsdorf (2003, p.48) mostra-nos que, noBrasil, <strong>em</strong> 1872, “havia 12.000 alunos matriculados nos colégios secundários e 8.000 nasAca<strong>de</strong>mias do Império”, o que <strong>de</strong>monstra a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> nada menos <strong>de</strong> dois terços dosalunos, <strong>de</strong> um nível <strong>de</strong> ensino para outro, proporção que, longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a<strong>de</strong>mocratização do ensino superior, expressa, isso sim, a baixa freqüência do ensinosecundário na época.Apesar da existência <strong>de</strong> outros cursos superiores – como Medicina, Engenharia e Artes–, as Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito passaram a exercer uma supr<strong>em</strong>acia na formação dos quadrossuperiores do Império. Buscando ocupar os quadros administrativos e políticos da jov<strong>em</strong>nação, além <strong>de</strong> abrir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação <strong>em</strong> outros segmentos, como o jornalismo, osfilhos da elite e <strong>de</strong> uma classe intermediária mais abastada eram dirigidos aos cursos <strong>de</strong>Direito, o que acabava dando uma formação majoritariamente humanística à intelectualida<strong>de</strong>brasileira (ARANHA, 1996).No outro extr<strong>em</strong>o, estavam os <strong>de</strong>mais cursos superiores, <strong>de</strong> caráter fundamentalmenteutilitarista 11 , criados para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática das classes heg<strong>em</strong>ônicas eque tinham como efeito último o b<strong>em</strong>-estar <strong>de</strong>ssas elites. Incluíam-se nesse grupo, <strong>de</strong>ntreoutras, as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> engenharia, medicina, farmácia e odontologia. Apesar <strong>de</strong> sua aparenteproximida<strong>de</strong> com a técnica e com as ciências, quando comparadas com os cursos <strong>de</strong> basehumanística, essas escolas não conseguiram fazer avançar as ciências no Brasil. Conformel<strong>em</strong>bra Noronha (1998, p.113), os interesses econômicos da época, presos a “umacompreensão estreita <strong>de</strong> ciência, ligada sobretudo à resolução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as práticos imediatose não a uma atitu<strong>de</strong> científica, levam as primeiras iniciativas no campo da produção doconhecimento no Brasil a nascer sob o paradigma <strong>de</strong> uma perspectiva reducionista e11 Segundo Mill (2007), a doutrina utilitarista <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a única coisa <strong>de</strong>sejável como finalida<strong>de</strong> das diversasações humanas (incluindo a educação escolar), <strong>de</strong>ve ser a felicida<strong>de</strong> dos indivíduos e o b<strong>em</strong> geral; todas as outrascoisas seriam apenas <strong>de</strong>sejáveis como meios para tal finalida<strong>de</strong>. Por outro lado, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r sua própriafelicida<strong>de</strong>, as classes dominantes criaram, no Brasil e <strong>em</strong> outros países oci<strong>de</strong>ntais, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino superiordirecionado ao seu próprio b<strong>em</strong>-estar e não para beneficiar a socieda<strong>de</strong> como um todo, <strong>de</strong>turpando as pr<strong>em</strong>issasdo utilitarismo original.


44cientificista”.Assim como acontecia com os cursos <strong>de</strong> Direito, também os cursos <strong>de</strong> formaçãoprofissional eram, com raras exceções, reservados à elite dominante. Dessa forma, o ensinosuperior brasileiro, durante o século XIX, organizou-se <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> duas diferentesconcepções <strong>de</strong> ensino – humanística e utilitarista –, mas que, na verda<strong>de</strong>, operavam juntas <strong>em</strong>prol da manutenção das estruturas sociais vigentes na época e não tiveram o efeito <strong>de</strong> fazeravançar as ciências no país (NORONHA, 1998).Tendo optado por implantar no Brasil um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino superior composto porescolas isoladas, o governo, por motivos diversos, resistia aos argumentos que <strong>de</strong>fendiam ainstalação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s. Entretanto, com um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino superior criado fora da<strong>universida<strong>de</strong></strong>, acabaram por surgir alguns probl<strong>em</strong>as operacionais:[...] como se preparariam os professores <strong>de</strong>ssas escolas, visto que a culturahumanística era uma cultura clássica ministrada nos colégios secundários e,não sendo continuados tais estudos no nível superior, não seria possível otreino para licenciar seus mestres? (KULLOK, 2000, p.32)Como po<strong>de</strong>ria o país viver com escolas profissionais isoladas e especiais ecom o Colégio Secundário Pedro II e, <strong>de</strong>sse modo, formar a culturanacional, iniciar o brasileiro na disciplina do trabalho intelectual acadêmico,que <strong>de</strong>pois se tornaria científico, e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, lançar-se à pesquisa eao estudo dos conhecimentos humanos e dos conhecimentos relativos aopróprio país? (ibid., p.33)Não havendo, até aquele momento, nenhuma instituição que visasse à formação doprofessor, à formação do mestre, estava vaga a ca<strong>de</strong>ira do guardião do saber, ao mesmo t<strong>em</strong>po<strong>em</strong> que ficava a educação universitária da nação restrita ao ensino do tipo profissional. Issorefletia o caráter prepon<strong>de</strong>rant<strong>em</strong>ente utilitarista do ensino superior brasileiro da época; aexceção, como já foi dito, referia-se aos cursos <strong>de</strong> Direito. Assim, o sist<strong>em</strong>a educacionalorganizado pelo Império sofria com a falta <strong>de</strong> mestres capacitados para atuar tanto naeducação básica, quanto no ensino superior. Com isso,[...] a lacuna mais significativa do sist<strong>em</strong>a escolar foi que se manteve <strong>em</strong>todo império até o primeiro terço do século XX o ensino secundário do tipoeclético, s<strong>em</strong> nenhuma formação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> nível superior, n<strong>em</strong> paraos estudos clássicos e históricos, n<strong>em</strong> para a ciência, e, no ensino superior,só se dispunha <strong>de</strong> escolas profissionais, isto é, <strong>de</strong> ciências aplicadas eformação vocacional (KULLOK, 2000, p.33).Na verda<strong>de</strong>, as primeiras medidas estatais <strong>de</strong> organização e normatização da funçãodocente ocorreram a partir da promulgação da Lei Geral do Ensino <strong>de</strong> 1827. A lei <strong>de</strong>u início aum processo <strong>de</strong>


45[...] homogeneização, unificação e hierarquização <strong>em</strong> relação às iniciativasdiversificadas que caracterizaram a fase anterior. No entanto, se <strong>em</strong> termoslegais o caminho estava aberto, as primeiras iniciativas mais efetivas sóocorreriam mais tar<strong>de</strong>, com o Ato Adicional <strong>de</strong> 1834 e a política <strong>de</strong>transferir para as províncias a responsabilida<strong>de</strong> pela formação <strong>de</strong> seusquadros docentes (VILLELA, 2000, p.100).Obrigadas pela força da lei a fornecer os níveis básicos <strong>de</strong> educação, as provínciaslogo perceberam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar a formação <strong>de</strong> seus mestres, o que as levou ainiciar a fundação das primeiras escolas normais: Niterói (1835), Ouro Preto (1835) 12 , Rio <strong>de</strong>Janeiro (1835), Bahia (1836) e São Paulo (1846). Destas, segundo Villela (2000), a primeira ainiciar suas ativida<strong>de</strong>s, ainda na década <strong>de</strong> 30, foi a Escola Normal <strong>de</strong> Niterói, a pioneira,também, <strong>de</strong> toda a América Latina e, enquanto instituição pública, a primeira do continenteamericano, pois as existentes no Estados Unidos eram organizações privadas.Segundo Kullok (2000), as escolas normais criadas pelas províncias constituíam-se,normalmente, <strong>de</strong> cursos anexos aos liceus já criados anteriormente. Organizadas segundo omo<strong>de</strong>lo francês, este construído sobre os i<strong>de</strong>ais iluministas, na prática, as escolas normaisbrasileiras sofriam com a falta <strong>de</strong> recursos, o que as levava a funcionar <strong>de</strong> maneira precária eirregular. A improvisação que caracterizava a fundação <strong>de</strong>ssas escolas fazia com que, namesma rapi<strong>de</strong>z como se criavam, as escolas eram extintas e, mais tar<strong>de</strong>, reabertas, numasucessão <strong>de</strong> avanços e recuos característicos do período imperial. Em 1860, existiam apenasseis escolas normais no país, número ínfimo se consi<strong>de</strong>rarmos a enorme carência <strong>de</strong>professores verificada na época, o que confirma a absoluta omissão do po<strong>de</strong>r central <strong>em</strong>relação à educação <strong>de</strong> base (NORONHA, 1998).No <strong>de</strong>correr dos anos <strong>de</strong> 1860, com a influência dos pensamentos <strong>de</strong> Augusto Comte eHerbert Spencer, que retomavam cientificamente os i<strong>de</strong>ais da Ilustração do século anterior,começou a formar-se no Brasil um quadro que Hilsdorf (2003) classifica como <strong>de</strong>inconformismo e ânsia <strong>de</strong> renovação, que serviu <strong>de</strong> base para o surgimento <strong>de</strong> um novoliberalismo abolicionista, que <strong>de</strong>fendia o trabalho livre e a integração dos negros à socieda<strong>de</strong>brasileira. Esse novo liberalismo tinha como objetivo retirar o país do atraso, por meio docrescimento da indústria, da pequena proprieda<strong>de</strong>, do voto universal, do ensino primárioestatal e gratuito e da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino para a iniciativa privada.No campo da educação, a ação <strong>de</strong>sses liberais foi intensa a partir da década <strong>de</strong> 1870,gerando um ambiente social e cultural rico <strong>em</strong> <strong>de</strong>bates e polêmicas, assim como <strong>em</strong>12 A escola <strong>de</strong> Ouro Preto só começou a funcionar <strong>em</strong> 5/3/1840, tendo sido fechada <strong>em</strong> 10/12/1842 e reaberta <strong>em</strong>princípios <strong>de</strong> 1847 (TORRES, 1962).


46iniciativas e realizações no sentido da escolarição do povo brasileiro. Além da ampliação daoferta <strong>de</strong> ensino por parte das províncias, os liberais lutavam também pela introdução dasinovações pedagógicas surgidas na Europa e na América do Norte – como a metodologiaintuitiva <strong>de</strong> Pestalozzi. No caso das escolas normais, foi nesse período que começaram a serintroduzidas as matérias consi<strong>de</strong>radas científicas sob o ponto <strong>de</strong> vista positivista, assim comoo ensino prático <strong>em</strong> laboratórios, os congressos e exposições pedagógicas e os novoscompêndios (HILSDORF, 2003).A última reforma educacional do período imperial foi a Reforma Leôncio <strong>de</strong> Carvalho,acontecida <strong>em</strong> 1879. Além <strong>de</strong> criar novas normas para o ensino primário e secundário daCorte, a lei introduziu o princípio da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino e pesquisa, realizou alterações nosplanos das faculda<strong>de</strong>s e imprimiu as condições para a criação <strong>de</strong> escolas livres (particulares),o que permitiu à iniciativa privada aumentar a sua participação no campo da educaçãobrasileira (NORONHA, 1998).A lei do ensino livre, <strong>de</strong> Leôncio <strong>de</strong> Carvalho, representou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>concretização do princípio laissez-faire no ensino, o que se refletiu, também, na criação <strong>de</strong>escolas normais particulares. Inicialmente <strong>de</strong>stinadas apenas aos rapazes, essas escolaspassaram a aten<strong>de</strong>r a uma clientela cada vez maior <strong>de</strong> mulheres, o que se <strong>de</strong>veu,principalmente nas últimas décadas do século XIX, à expansão das escolas religiosas,representadas, <strong>em</strong> sua maioria, pelas instituições francesas <strong>de</strong> educação f<strong>em</strong>inina.No caso específico <strong>de</strong> Minas Gerais, a situação não diferia muito do que acontecia nas<strong>de</strong>mais províncias. O crescimento da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolas normais públicas só ocorreu a partir dadécada <strong>de</strong> 1880, graças ao crescimento da influência dos liberais no governo provincial. Em1889, no final do Império, funcionavam, na Província <strong>de</strong> Minas Gerais, escolas normaisoficiais nas seguintes cida<strong>de</strong>s: Ouro Preto, Campanha, Diamantina, Montes Claros, Paracatu,Sabará, São João Del Rei e Uberaba (BORGES, 2005). Nessas escolas, segundo a mesmaautora, “Eram precárias as estabilida<strong>de</strong>s do professor e dos <strong>de</strong>legados (nomeados, pelopresi<strong>de</strong>nte provincial, para a fiscalização dos quinze Círculos Literários)” (BORGES, 2005, p.246).Por outro lado, no período imperial, o ensino superior mineiro ficou restrito a poucasiniciativas, já que apenas dois estabelecimentos funcionaram durante um t<strong>em</strong>po apreciável: aEscola <strong>de</strong> Farmácia e a Escola <strong>de</strong> Minas, ambas <strong>em</strong> Ouro Preto. A primeira fora criada pelalei nº 140, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1839, que criou também um curso <strong>de</strong> Farmácia <strong>em</strong> São João DelRei (este acabou não vingando), enquanto a segunda foi criada pelo Decreto nº 6.026, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong>


47nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1875, e instalada oficialmente no dia 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1876.O que ocorria <strong>em</strong> Minas Gerais era um retrato do ensino superior <strong>de</strong> todo o BrasilImperial: estatal e centralmente controlado, reduzido a algumas poucas faculda<strong>de</strong>s instaladasnos principais centros econômicos, e restrito, basicamente, aos cursos <strong>de</strong> Direito e a outros, <strong>de</strong>caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente utilitarista. Embora os últimos pronunciamentos <strong>de</strong> D. Pedro IIfizess<strong>em</strong> menção à criação <strong>de</strong> duas <strong>universida<strong>de</strong></strong>s (NORONHA, 1998), estas só começaram aser implantadas no avançar do século XX, <strong>de</strong>ntro do período republicano. Além disso, comonenhuma iniciativa estatal ou privada <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> escolas superiores <strong>de</strong> formaçãodocente concretizou-se na prática, po<strong>de</strong>-se afirmar que a formação <strong>de</strong> professores até o finaldo Império só se efetivou, <strong>de</strong> fato, nas escolas normais <strong>de</strong> nível médio, sendo que, como jávimos, estas pa<strong>de</strong>ciam com a <strong>de</strong>sorganização curricular e com a falta <strong>de</strong> recursos públicospara sua manutenção.1.2 Trajetória dos ensinos superior e normal no período <strong>de</strong> 1889 a 1938Com a proclamação da República, <strong>em</strong> 1889, iniciou-se um breve período <strong>de</strong> influênciapositivista na política educacional, que logo pô<strong>de</strong> ser sentido com a reforma promovida porBenjamim Constant, nos anos <strong>de</strong> 1890 e 1891. Constant, nomeado ministro da Instrução,Correios e Telégrafos, procurou implantar um mo<strong>de</strong>lo educacional que superasse a concepçãopuramente humanista dos currículos escolares <strong>de</strong> primeiro e segundo graus, introduzindoneles as ciências físicas e naturais. O governo republicano, através do Artigo nº 72 daConstituição <strong>de</strong> 1891, estabelecera a separação entre Igreja e Estado, além da laicização doensino nos estabelecimentos públicos. Diante <strong>de</strong>sses fatos, a Igreja Católica reagia <strong>de</strong> formanegativa às novida<strong>de</strong>s positivistas do governo republicano, tachando-o <strong>de</strong> ateu (ARANHA,1996).Segundo Cunha (2004), no início da República, por força dos setores conservadores,as instituições <strong>de</strong> ensino superior herdadas do Império permaneciam estatais. Entretanto, oi<strong>de</strong>ário positivista preferia que esse nível <strong>de</strong> ensino fosse <strong>de</strong>ixado ao livre jogo do mercado.Assim, para <strong>de</strong>stravar as amarras que impediam a expansão do ensino superior no país, ogoverno republicano inventou o mo<strong>de</strong>lo brasileiro <strong>de</strong> cre<strong>de</strong>nciamento (<strong>em</strong> linhas gerais, aindahoje <strong>em</strong> vigor). Por ele, o registro dos diplomas das profissões regulamentadas <strong>em</strong> lei sópo<strong>de</strong>ria ser feito se o curso superior fosse concluído <strong>em</strong> instituições <strong>de</strong> ensino (estaduais ou


48privadas) que tivess<strong>em</strong> o mesmo currículo das fe<strong>de</strong>rais e que foss<strong>em</strong> fiscalizadas peloministério competente.Os ensinos normal e secundário foram reformados segundo as bases positivistas,privilegiando o estudo das disciplinas consi<strong>de</strong>radas científicas. Além disso, a Constituiçãorepublicana <strong>de</strong> 1891 reafirmou a <strong>de</strong>scentralização do ensino e atribuiu à União a incumbênciada educação superior e secundária, reservando aos estados o ensino fundamental eprofissional, retomando o perfil elitista do Império <strong>de</strong> menosprezo pela educação el<strong>em</strong>entar<strong>de</strong>stinada ao povo (ARANHA, 1996).Em meio a um clima revestido pela promessa <strong>de</strong> progresso trazida pela República epelos i<strong>de</strong>ais positivistas, Benjamim Constant criou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> 1890, oPedagogium, um centro <strong>de</strong> aperfeiçoamento do magistério que visava à organização, pelogoverno central, dos estudos pedagógicos <strong>de</strong> nível superior. Contudo, com a morte <strong>de</strong>Benjamin Constant, <strong>em</strong> 22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1891, o Pedagogium foi, pouco a pouco,transformando-se <strong>em</strong> um ineficiente órgão central <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação das ativida<strong>de</strong>s pedagógicasdo país, e o ensino público voltava à situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização que se verificara nos t<strong>em</strong>posdo Império (KULLOK, 2000).No ano <strong>de</strong> 1892, s<strong>em</strong> que o governo republicano tivesse conseguido levar adiante suaproposta <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, “<strong>em</strong> São Paulo, por meio da Lei nº 88/892, instituiu-se oprimeiro mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola superior <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> profissionais da educação [...]”(KULLOK, 2000, p.36). Embora não tenha sido implantado na prática, essa lei constituiu-sena primeira tentativa brasileira <strong>de</strong> criar uma escola normal oficial <strong>de</strong> nível superior.Entretanto, segundo Kullok (2000), apesar dos esforços dos reformadores educacionais doensino público, coube à iniciativa particular da Or<strong>de</strong>m dos Beneditinos <strong>de</strong> São Paulo, <strong>em</strong>1901, o pioneirismo na formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> nível superior no Brasil, através dacriação da primeira faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> filosofia, ciências e letras com instituto <strong>de</strong> educação anexo.Ao alvorecer da República, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolas normais <strong>de</strong> Minas Gerais englobava asinstituições das seguintes cida<strong>de</strong>s: Ouro Preto (aberta <strong>em</strong> 1847), Campanha (fundada <strong>em</strong>1872), Diamantina (instalada <strong>em</strong> 1879), Paracatu (1880), Montes Claros (1880), Uberaba(1881) e Sabará (1882). Entretanto, dando prossegumento ao que já acontecia nos anosimperiais, o processo formativo que ocorria nessas escolas <strong>de</strong>ixava a <strong>de</strong>sejar. Além disso,<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> má administração, <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> protecionismo <strong>de</strong>ntro dasescolas normais eram comuns naqueles t<strong>em</strong>pos.Da mesma forma que o ensino normal, no início do período republicano, o ensino


49superior mineiro reduzia-se às Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Minas, ambas sediadas <strong>em</strong> OuroPreto. Muito pouco, se levarmos <strong>em</strong> conta o peso político e econômico do estado <strong>em</strong> relaçãoao país. Os filhos das famílias mais abastadas acabavam forçados a <strong>de</strong>slocar-se para o Rio <strong>de</strong>Janeiro ou São Paulo para conseguir um diploma superior, seja <strong>de</strong> médico ou principalmente<strong>de</strong> advogado, o que feria o orgulho da tradicional elite política do estado.Com raras exceções, só mineiros natos militavam na política. Em sua maiorparte, essa elite se socializara numas poucas e conhecidas escolassecundárias e faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino superior. Em 1891, um dos primeirosobjetivos da elite era fundar uma escola <strong>de</strong> direito mineira; a educação<strong>de</strong>veria fazer-se <strong>em</strong> casa, não no Rio n<strong>em</strong> <strong>em</strong> São Paulo (WIRTH, 1985, p.87).A aspiração <strong>de</strong> possuir um curso <strong>de</strong> Direito não se concretizou durante o Império, maslogo nos primeiros anos <strong>de</strong> República (<strong>em</strong> 1892) nascia a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Ouro Preto,i<strong>de</strong>alizada por particulares (li<strong>de</strong>rados pelo Dr. Levindo Ferreira Lopes) e legalizada pelaCâmara dos <strong>de</strong>putados, <strong>em</strong> 10/12/1892. Tendo funcionado por cerca <strong>de</strong> seis anos <strong>em</strong> OuroPreto, com a mudança da capital, a nova faculda<strong>de</strong> transferiu-se para Belo Horizonte no ano<strong>de</strong> 1898 (MOURÃO, 1962).A República representava, para a elite intelectual mineira, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reorganização do Estado, possibilitando a transição para novos t<strong>em</strong>pos, marcados pelavalorização do mo<strong>de</strong>rno, da ciência e do civismo. De acordo como pensamento republicano, achave para o progresso era a instrução do povo. Somente ela seria capaz <strong>de</strong> formar o novocidadão, necessário ao almejado processo <strong>de</strong> industrialização das velhas Geraes. Respirava-seuma atmosfera <strong>de</strong> otimismo e <strong>de</strong> crença no potencial transformador da educação.A partir <strong>de</strong> 1891, com a promulgação da Constituição Republicana, o governo doestado <strong>de</strong> Minas, através <strong>de</strong> sua Câmara <strong>de</strong> Deputados, promoveu uma ampla reforma nainstrução pública, que resultou na Lei nº 41, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892, a qual ficou conhecidacomo Reforma Afonso Pena. A nova lei, consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>scentralizadora, <strong>de</strong>mocrática eextr<strong>em</strong>amente minuciosa (continha 341 artigos), criou as diretrizes <strong>de</strong> todos os níveis ecategorias do ensino público e privado do estado (BORGES, 2005).A Lei nº 41 procurou dar, também, uma mudança <strong>de</strong> rumos no ensino profissional esuperior do estado <strong>de</strong> Minas, através da criação <strong>de</strong> novas instituições <strong>de</strong> ensino e da reformana Escola <strong>de</strong> Farmácia <strong>de</strong> Ouro Preto. Em seu Artigo 159, foram mantidas as escolas normais<strong>de</strong> Ouro Preto, Sabará, São João Del Rey, Campanha, Uberaba, Paracatu, Montes Claros,Diamantina e Juiz <strong>de</strong> Fora, e criada mais uma, <strong>em</strong> Arassuaí. O Artigo 253 previa a fundação<strong>de</strong> dois institutos agronômicos, um <strong>em</strong> Itabira e outro <strong>em</strong> Leopoldina, além <strong>de</strong> dois institutos


50zootécnicos, um <strong>em</strong> Uberaba e outro <strong>em</strong> Campanha. Já o Artigo 265 criava cursos <strong>de</strong>Agrimensura anexos às escolas normais <strong>de</strong> São João Del Rey, Paracatu, Campanha eDiamantina (MINAS GERAES, 29/08/1892).Nos anos seguintes, a Lei nº 41 foi compl<strong>em</strong>entada por uma série <strong>de</strong> leis e <strong>de</strong>cretos,<strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacamos a Lei nº 77, <strong>de</strong> 19/12/1892, que dividiu o estado <strong>em</strong> <strong>de</strong>zCircunscrições Literárias 13 , com se<strong>de</strong> nas cida<strong>de</strong>s que possuíam escolas normais (Ouro Preto,Sabará, São João Del Rey, Campanha, Uberaba, Paracatu, Montes Claros, Diamantina, Juiz <strong>de</strong>Fora e Arassuaí), e o Decreto nº 607, <strong>de</strong> 27/02/1893, que regulamentou as escolas normais.Logo <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 1897, já no governo <strong>de</strong> Bias Fortes, uma nova lei (Lei nº 221, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong>set<strong>em</strong>bro) <strong>de</strong>liberou sobre o aumento do salário dos professores provisórios, mediante provas<strong>em</strong> bancas examinadoras, e o currículo das escolas normais foi simplificado <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong>(BORGES, 2005).No governo <strong>de</strong> Silviano Brandão, iniciado <strong>em</strong> 07/09/1898, obe<strong>de</strong>cendo a um radical<strong>programa</strong> <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas públicas que havia sido posto <strong>em</strong> prática pelo chefe doexecutivo, diversas escolas, <strong>de</strong> todos os níveis, começaram a ser suprimidas a partir do iníciodo mandato. Prosseguindo com seu plano <strong>de</strong> redução dos gastos públicos, <strong>em</strong> 16/09/1899,através da Lei nº 281 (Reforma Silviano Brandão), o governo mineiro realizou uma reformano ensino normal. O currículo das escolas normais foi ainda mais simplificado e <strong>de</strong>terminousea supressão das escolas cuja freqüência anual fosse inferior a 50 alunos. Foi restabelecida aprescrição da Lei nº 41, que equiparava às escolas normais do estado os estabelecimentos <strong>de</strong>ensino organizados conforme o plano daquelas, o que acabou favorecendo as iniciativasprivadas, principalmente as católicas (BORGES, 2005).A nosso ver, esta última medida po<strong>de</strong> ser entendida, também, como parte do plano <strong>de</strong>enxugamento das contas do estado, visando à gradual substituição das escolas normaispúblicas pelas privadas, suspeita que fica ainda maior com as novas medidas <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong>gastos, envolvendo as escolas normais, que foram impl<strong>em</strong>entadas nos anos seguintes. Sobreesse assunto, tratar<strong>em</strong>os melhor no terceiro capítulo <strong>de</strong>sta dissertação.O governador Silviano Brandão, através do <strong>de</strong>creto nº 1.357 <strong>de</strong> 29/01/1900, modificounovamente a forma <strong>de</strong> agrupamento dos municípios do estado para fins <strong>de</strong> organização dosist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> instrução: voltando à <strong>de</strong>nominação usada <strong>em</strong> 1884, o estado foi dividido <strong>em</strong> 513 Essas 10 Circunscrições Literárias substituíram os 25 Círculos Literários que vigoraram nos últimos t<strong>em</strong>posimperiais na antiga Província <strong>de</strong> Minas Gerais. Pela nova divisão, Uberaba passou a sediar a 4ª CircunscriçãoLiterária do estado.


51Circunscrições Literárias, ficando Uberaba com a se<strong>de</strong> da 4º Circunscrição. Com o diminutonúmero <strong>de</strong> circunscrições 14 , coube um elevado número <strong>de</strong> comarcas e uma gran<strong>de</strong> extensãogeográfica para cada uma <strong>de</strong>las, dificultando a fiscalização (MOURÃO, 1962).Em 16/09/1901, com o agravamento da crise das finanças públicas, Silviano Brandãopromulgou a Lei nº 318, que extinguiu diversas instituições <strong>de</strong> ensino públicas, inclusive asescolas normais, além <strong>de</strong> outros órgãos do governo, o que levou a um gran<strong>de</strong> retrocesso naeducação escolar do estado. Dentre outras medidas constantes na lei, <strong>de</strong>stacamos as seguintes:CAPÍTULO IIISECRETARIA DO INTERIORArt. 6º - Ficam suspensas todas as Escolas Normais do Estado,continuando os professores a perceber meta<strong>de</strong> dos vencimentos atuais atéum ano da data <strong>de</strong>sta lei, salvo se os professores, por proposta da respectivacongregação, se obrigar<strong>em</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 dias, a continuar no exercício <strong>de</strong>suas funções, apesar da redução <strong>de</strong> vencimentos, que serão <strong>de</strong> 1:800$000anuais.§ 1º - Se as Câmaras Municipais dos lugares on<strong>de</strong> existir<strong>em</strong> EscolasNormais quiser<strong>em</strong> manter esses estabelecimentos, entrarão <strong>em</strong> acordo,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ano, com o Governo do Estado, que neste caso prorrogará oprazo da disposição antece<strong>de</strong>nte. [...]Art. 10º - É autorizado o Governo a reorganizar a Escola <strong>de</strong> Farmácia<strong>de</strong> acordo com a lei fe<strong>de</strong>ral vigente, ficando os lentes, cujas ca<strong>de</strong>iras for<strong>em</strong>suprimidas, com direito à meta<strong>de</strong> dos vencimentos até um ano (TORRES,1962-b, p. 1251).A Lei nº 318 representou um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>sastre para as escolas normais do estado,levando ao fechamento da maioria <strong>de</strong>las e ao <strong>de</strong>smantelamento da estrutura <strong>de</strong> ensino normaldo estado. Nas escolas que <strong>de</strong>cidiram continuar <strong>em</strong> funcionamento, caiu o estímulo dosprofessores, que, <strong>em</strong> muitos casos, passaram a receber menos que certos professoresprimários. Além disso, as escolas <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser inteiramente gratuitas, cabendo aos alunoso pagamento <strong>de</strong> uma taxa <strong>de</strong> matrícula, <strong>em</strong> duas prestações (BORGES, 2005).Além das escolas normais, também a maioria das escolas superiores criadas pela Leinº 41 foram suprimidas pelo governo <strong>de</strong> Silviano Brandão, <strong>de</strong>ixando o ensino superior doestado reduzido a um panorama próximo ao existente no final do Império. Com isso, no iníciodo século XX, a situação do ensino superior <strong>em</strong> Minas Gerais não diferia muito da realida<strong>de</strong>que se verificava no restante do país, limitando-se a um pequeno número <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s14 A 4ª Circunscrição Literária, por ex<strong>em</strong>plo, compreendia as seguintes comarcas: Uberaba, Uberabinha,Araguari, Bagag<strong>em</strong>, Carmo da Bagag<strong>em</strong>, Patrocínio, Patos, Paracatu, Carmo do Paranaíba, Monte Alegre,Frutal, Prata, Araxá, Sacramento, Passos, Carmo do Rio Claro, São Sebastião do Paraíso, Santa Rita <strong>de</strong> Cássia,Piumhi, Bambuí, Jatuí, Muzambinho, Monte Santo e Cabo Ver<strong>de</strong>.


52isoladas 15 .Na República, ocorreu um processo <strong>de</strong> ampliação e sofisticação das burocraciaspúblicas <strong>de</strong> todos os estados. As antigas províncias tornaram-se estados fe<strong>de</strong>rados e ganharammaior autonomia, enquanto os municípios passaram a legislar <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte sobrevários aspectos. Novos cargos públicos surgiram e atraíram a cobiça dos coronéis e da novaclasse urbana – composta principalmente por imigrantes – que se formava nos estados docentro-sul. Paralelamente a esse processo, crescia a procura pelos cursos superiores.Os latifundiários queriam filhos bacharéis ou ‘doutores’, não só como meio<strong>de</strong> lhes dar a formação <strong>de</strong>sejável para o bom <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho das ativida<strong>de</strong>spolíticas e o aumento do prestígio familiar, como, também, estratégiapreventiva para atenuar possíveis situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>stituição social eeconômica. Os trabalhadores urbanos e os colonos estrangeiros, por sua vez,viam na escolarização dos filhos um meio <strong>de</strong> aumentar as chances <strong>de</strong>stesalcançar<strong>em</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida (CUNHA, 2000, p.157).Esse fenômeno ficou conhecido como bacharelismo, significando a tendênciageneralizada entre os pais <strong>de</strong> formar o filho, dando-lhe um título <strong>de</strong> doutor, tradição que aindase faz presente no Brasil. O importante feito <strong>de</strong> tornar-se um doutor, mesmo não sendo ummeio certo <strong>de</strong> enriquecimento, era, naqueles t<strong>em</strong>pos, certamente, a melhor forma <strong>de</strong> ascensãosocial, já que ao doutor abriam-se todas as portas da alta socieda<strong>de</strong> e, principalmente, osmelhores cargos do funcionalismo público (RIBEIRO, 1984).Enquanto as elites econômicas encaminhavam seus filhos às escolas secundáriasparticulares <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> (as quais adquiriram um caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>entepropedêutico), preparando seus alunos para o ingresso nas faculda<strong>de</strong>s, as classes subalternasconseguiam, quando muito, o acesso à educação el<strong>em</strong>entar. Gerava-se, assim, uma situaçãopeculiar: com a gran<strong>de</strong> maioria da população excluída da escola ou retida nos níveis inferioresdo ensino, uma minoria privilegiada chegava ao ensino secundário e, na seqüência, ao ensinosuperior, o que <strong>de</strong>ixava quase vazios os níveis <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> intermediários. LeôncioBasbaum (1957, p. 289 apud RIBEIRO, 1984, p.85) <strong>de</strong>screve o contexto da época: “Éramosum país <strong>de</strong> doutores e analfabetos”.Por aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s das elites sociais, no início do século XX, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensinosuperior brasileira permanecia restrita a uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s isoladas – normalmenteparticulares –, oferecendo cursos como Direito, Medicina e Engenharia. Entretanto, a criação<strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s era um assunto constant<strong>em</strong>ente ventilado nos meios políticos, conforme15 A criação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s ainda não se havia concretizado, o que só viria a acontecer <strong>em</strong> 1927, com afundação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais.


53po<strong>de</strong>mos observar na reportag<strong>em</strong> seguinte, intitulada A reforma do ensino, publicada, naépoca, por um jornal <strong>de</strong> Uberaba:A commissão <strong>de</strong> instrucção publica da camara dos <strong>de</strong>putados reuniu-se hapoucos dias no ministério do interior, para tratar da reforma do ensino naRepublica. Sobre o assumpto foram <strong>em</strong>ittidas varias opiniões parecendo terse assentado no seguinte, mais ou menos: crear uma Universida<strong>de</strong> no Rio <strong>de</strong>Janeiro, sendo mantidas as faculda<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>raes livres e as creadas nosEstados, po<strong>de</strong>ndo aquellas transformar-se <strong>em</strong> núcleos da Universida<strong>de</strong>;instituir o exame <strong>de</strong> Estado para os diplomados pelas faculda<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>raesque po<strong>de</strong>rão exercer funcções na Republica (LAVOURA E COMÉRCIO,18/06/1905, p.1).Segundo Cunha (2000), a criação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s públicas encontrava fortesrestrições no governo. Os positivistas rejeitavam violentamente as <strong>universida<strong>de</strong></strong>s, porconsi<strong>de</strong>rar<strong>em</strong> tais instituições irr<strong>em</strong>ediavelmente comprometidas com o conhecimentometafísico que a ciência estava <strong>de</strong>stinada a substituir. Dessa forma, dada a influênciacomteana nas esferas governamentais republicanas, as primeiras <strong>universida<strong>de</strong></strong>s brasileiras sósurgiram pela iniciativa particular. A primeira <strong>universida<strong>de</strong></strong> brasileira foi criada <strong>em</strong> Manaus,no ano <strong>de</strong> 1909, no período auge do chamado ciclo da borracha, graças à iniciativa <strong>de</strong> gruposprivados. Oferecia os cursos <strong>de</strong> Engenharia, Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia e aformação <strong>de</strong> oficiais da Guarda Nacional. A instituição acabou fechada <strong>em</strong> 1926, restandoapenas o curso <strong>de</strong> Direito, que acabou incorporado à Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas,criada <strong>em</strong> 1962.De volta à esfera estadual, v<strong>em</strong>os que, no início do século XX, mantendo-se a antigatradição, o governo mineiro impl<strong>em</strong>entou muitas reformas no ensino, algumas das quaisabordar<strong>em</strong>os a seguir. No governo <strong>de</strong> Francisco Antônio <strong>de</strong> Salles (07/09/1902 a 07/09/1906),através do Decreto nº 1.908, <strong>de</strong> 28/05/1906, o curso normal passou por nova reforma. Asmatérias foram distribuídas <strong>em</strong> quatro anos <strong>de</strong> curso e uniformizaram-se os <strong>programa</strong>s <strong>de</strong>todas as escolas normais, restringindo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> arbítrio das congregações <strong>de</strong>ssesestabelecimentos. Como medida <strong>de</strong> economia, agruparam-se as matérias correlatas <strong>em</strong> umaúnica ca<strong>de</strong>ira, regida por um só professor (BORGES, 2005). No mesmo ano, o governoconce<strong>de</strong>u prerrogativa <strong>de</strong> escola normal 16 aos seguintes estabelecimentos: Liceu Municipal <strong>de</strong>Muzambinho, Ginásio Leopoldinense, <strong>em</strong> Leopoldina, e Colégio Nossa Senhora das Dores,<strong>em</strong> Uberaba.Em 28/09/1906, o recém-<strong>em</strong>possado presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas, João Pinheiro da Silva,16 Conforme já citamos, a Lei nº 281 permitia que foss<strong>em</strong> equiparados às escolas normais do estado osestabelecimentos <strong>de</strong> ensino particulares organizados conforme o plano daquelas.


54mandava publicar a Lei nº 439, conhecida como Reforma João Pinheiro. Foi através <strong>de</strong>la quese introduziu no estado o sist<strong>em</strong>a dos grupos escolares, adotados <strong>em</strong> outros países civilizadosdo mundo, talvez o maior mérito <strong>de</strong> sua reforma. O sist<strong>em</strong>a consistia <strong>em</strong> reunir as escolasisoladas dos municípios mais populosos – nas quais um só professor lecionava para todos osalunos – <strong>em</strong> uma única escola maior, passando cada professor a lecionar <strong>em</strong> apenas umaclasse ou ano escolar. Entretanto, <strong>em</strong> face dos altos custos oriundos da implantação dosgrupos, a nova lei não eliminava, <strong>de</strong> pronto, o mo<strong>de</strong>lo anterior. Em seu artigo 3º, a Lei nº 439<strong>de</strong>finia que o ensino primário seria gratuito e obrigatório e <strong>de</strong>veria ser ministrado <strong>em</strong>: Escolasisoladas; Grupos Escolares; Escolas mo<strong>de</strong>lo, anexas às escolas normais (MOURÃO, 1962).O novo mo<strong>de</strong>lo dos grupos escolares, consi<strong>de</strong>rado avançado e muito mais racionalpelos condutores das políticas educacionais, não era apenas uma <strong>de</strong>corrência das novasinovações pedagógicas, mas também um reflexo das transformações culturais e do mundo dotrabalho. Influenciados pelo movimento higienista 17 e pelo taylorismo, os grupos escolaresbaseavam sua organização na divisão do trabalho e na especialização do professor. Com isto,apesar do inegável ganho <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> do novo mo<strong>de</strong>lo <strong>em</strong> relação às escolas isoladas,enten<strong>de</strong>mos que ele representou a consolidação do mo<strong>de</strong>lo capitalista <strong>de</strong> escola, no qual oprofessor, ao ter o seu controle reduzido a apenas uma parte do processo educacional, per<strong>de</strong> asua autonomia e vê limitado o exercício <strong>de</strong> sua criativida<strong>de</strong>, acentuando a dimensão negativado trabalho.O Regulamento do Ensino Normal no Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, Decreto nº 1960 <strong>de</strong>16/12/1906, que se seguiu à Reforma João Pinheiro, simplificou ainda mais o currículo dasescolas normais <strong>em</strong> relação à Reforma Afonso Pena e equivocou-se ao introduzir a disciplinaAritmética Comercial e Escrituração Mercantil, ina<strong>de</strong>quada ao curso normal, pois este não se<strong>de</strong>stinava a formar contabilistas e, sim, professores primários. Em relação ao currículosimplificado ao extr<strong>em</strong>o dos cursos normais, Mourão (1962, p. 149) afirma: “Fica-se,portanto, forçado a concluir que o curso normal da Reforma João Pinheiro era bastanteel<strong>em</strong>entar, não consentâneo com o curso primário para o qual <strong>de</strong>veria preparar professores.”.Pelo novo regulamento, as escolas normais voltaram a ser gratuitas e o acesso ao curso17 Para os higienistas, a organização do espaço escolar <strong>de</strong>veria atentar-se para questões básicas como localização,tipo <strong>de</strong> construções, organização interna e externa, funções e utilizações. As condições do espaço físico(topografia, condições climáticas, paisagens vegetais e outros) são vistas como el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>cisivos na formaçãodos sujeitos. Assim, os higienistas indicavam a edificação dos prédios escolares <strong>em</strong> locais aprazíveis, comconstruções iluminadas e ventiladas, on<strong>de</strong> estivess<strong>em</strong> presentes não só as salas <strong>de</strong> aulas e estudos, mas tambémrefeitórios, dormitórios, enfermaria, áreas <strong>de</strong> higiene e espaço livre ao entorno, com árvores que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>purificar o ar. Um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> internato – reafirmando-se a lógica iniciada pelos jesuítas – que pu<strong>de</strong>sserepresentar a oposição das ruas, ambientes sujos, <strong>de</strong> perdição e nocivos (LOPES, 2001).


55<strong>de</strong>veria ser feito através <strong>de</strong> um exame. As escolas anexas foram suprimidas e a prática domagistério passou a ser feito nos grupos escolares e nas escolas isoladas, existentes nosmunicípios-se<strong>de</strong>. A reforma previa, também, que o ensino normal <strong>de</strong>veria ser ministrado pelaEscola Normal Mo<strong>de</strong>lo da capital mineira e pelas escolas normais regionais; a primeira seriafundada quando o governo estadual julgasse oportuno. A esta escola, a lei <strong>de</strong>clarava quepo<strong>de</strong>ria ser anexado um curso superior para formação <strong>de</strong> professores, o que acabou nãoocorrendo (MOURÃO, 1962).Por outro lado, a reforma procurou fornecer alguns incentivos à profissão docente, aoprever <strong>em</strong> seu texto que a[...] classificação das escolas para garantir acesso à carreira do magistérioprimário e <strong>de</strong> prêmios aos professores eficientes; [...] nas escolas <strong>em</strong> geral,seria dada preferência às professoras, somente as escolas masculinaspo<strong>de</strong>riam ter professores homens, expressando a tendência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimórdios da República, <strong>de</strong> retirar esses últimos do magistério primário,função que passou a ser i<strong>de</strong>ntificada com mulher; os professores efetivosseriam, <strong>de</strong> preferência, normalistas do estado, etc. (BORGES, 2005, p. 253-254).Com isso, apesar <strong>de</strong> ter implantado um currículo simplificado e ina<strong>de</strong>quado nasescolas normais do estado, a Reforma João Pinheiro acabou trazendo um estímulosignificativo à formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Minas Gerais. Nesse sentido, pesou muito avalorização profissional dada ao professorado, que <strong>de</strong>u novo ânimo àqueles que pretendiamseguir a carreira docente.Poucos anos <strong>de</strong>pois, o Decreto nº 2.836, <strong>de</strong> 31/05/1910 (Reforma Wenceslau Brás),aprovou um novo regulamento <strong>de</strong> reorganização das escolas normais do estado <strong>de</strong> MinasGerais e, segundo Mourão (1962), apresentou notável progresso <strong>em</strong> relação à Reforma JoãoPinheiro. Dentre outras modificações, estabeleceu que o curso normal passaria a ter a duração<strong>de</strong> 4 anos, ao invés dos 3 anos previstos na reforma anterior. A escola normal <strong>de</strong> BeloHorizonte foi classificada como Escola Normal Mo<strong>de</strong>lo – conforme previa o Decreto 1.960 –e sua organização, processos e <strong>programa</strong>s passaram a servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para todas as outrasescolas normais do estado. Além disso, retornaram as escolas primárias anexas às escolasnormais, utilizadas na prática profissional, que haviam sido suprimidas por João Pinheiro.Entretanto, apesar <strong>de</strong> alguns avanços, a Reforma Wenceslau Braz continha falhas gritantes,como a falta da disciplina Pedagogia, base indispensável às ativida<strong>de</strong>s docentes.No ano <strong>de</strong> 1911, a Reforma Rivadávia Corrêa, <strong>de</strong> âmbito fe<strong>de</strong>ral, implantou umapolítica <strong>de</strong> <strong>de</strong>soficialização do ensino e abriu o caminho para a fundação <strong>de</strong> duas novas


56<strong>universida<strong>de</strong></strong>s no Brasil: a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo 18 (1911), criada com os recursos <strong>de</strong> um<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dor capitalista, e uma <strong>universida<strong>de</strong></strong> <strong>em</strong> Curitiba (1912). A primeira oferecia oscursos <strong>de</strong> Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio, Direito e Belas Artes, mas acaboufechada, por motivos financeiros, <strong>em</strong> 1917. Já a <strong>universida<strong>de</strong></strong> paranaense oferecia estudos <strong>em</strong>Direito, Engenharia, Medicina, Farmácia, Odontologia e Comércio; entretanto, com aproibição governamental da equiparação <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino superior <strong>em</strong> cida<strong>de</strong>s commenos <strong>de</strong> 100 mil habitantes, ela acabou dividida <strong>em</strong> faculda<strong>de</strong>s livres (Medicina, Engenhariae Direito), equiparadas nos anos 20 e incorporadas, <strong>em</strong> 1950, à recém-criada Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral do Paraná (CUNHA, 2000).A Reforma Rivadávia Corrêa possibilitou uma rápida expansão das faculda<strong>de</strong>sprivadas. Em 1907, antes da lei, existiam no país apenas 6 faculda<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais, 6 estaduais e13 particulares. Os cursos jurídicos eram a maioria (10), seguidos pelos cursos <strong>de</strong> Medicina,Cirurgia e Farmácia (9), e o ensino politécnico englobava as outras 6 instituições. Em 1912,<strong>em</strong>bora o número <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais e estaduais tivesse <strong>de</strong>crescido lev<strong>em</strong>ente (6 e 5,respectivamente), as particulares tiveram um extraordinário aumento, atingindo o número <strong>de</strong>39 instituições no território nacional (RIBEIRO, 1984). Outro fato importante a ser observadonos números relativos a 1907 e a 1912 refere-se ao crescimento da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>sque ofereciam o curso médico-cirúrgico-farmacêutico e o politécnico, que suplantaram, <strong>em</strong>número, o <strong>de</strong> Direito 19 . Essa mudança foi <strong>de</strong>corrência do incipiente processo <strong>de</strong> urbanização e<strong>de</strong> industrialização pelo qual passava o país, que aumentou a <strong>de</strong>manda por esses profissionais.A segunda instituição <strong>de</strong> ensino superior <strong>de</strong> Belo Horizonte, a Escola Livre <strong>de</strong>Odontologia 20 , foi instalada <strong>em</strong> 04/08/1907 e, <strong>em</strong> 1911, foi criado naquela instituição o curso<strong>de</strong> Farmácia. Com as facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da Reforma Rivadávia Corrêa, várias outrasfaculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia foram fundadas <strong>em</strong> Minas Gerais. Além das escolas <strong>de</strong>Odontologia e Farmácia, outras instituições <strong>de</strong> ensino superior nasceram no estado, durante asdécadas <strong>de</strong> 1910 e 1920: Escola Livre <strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong> Belo Horizonte (1911), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Medicina <strong>de</strong> Belo Horizonte (1911), Instituto Eletrotécnico <strong>de</strong> Itajubá (1913), Escola <strong>de</strong>Engenharia <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora (1917), Escola <strong>de</strong> Arquitetura <strong>de</strong> Belo e Escola Superior <strong>de</strong>Agricultura e Veterinária <strong>de</strong> Viçosa (1922). (MOURÃO, 1962)Em meados da década <strong>de</strong> 1910, apesar da promessa republicana <strong>de</strong> expandir o sist<strong>em</strong>a18 Não <strong>de</strong>ve ser confundida com a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, fundada pelo governo paulista no ano <strong>de</strong> 1934.19 Em 1912, havia 15 cursos jurídicos, contra 21 médico-cirúrgico-farmacêuticos, 13 politécnicos e 1 <strong>de</strong>filosofia.20 Em 1927, essa escola foi incorporada pela recém-criada Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais.


57<strong>de</strong> instrução pública, continuava visível a exclusão educacional das camadas inferiores dasocieda<strong>de</strong>, assim como a escassez <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores para atuar<strong>em</strong> <strong>em</strong>todos os níveis <strong>de</strong> ensino. Por outro lado, com a preferência governamental pelo ensinosuperior, tendência que se iniciara com D. João VI e que prosseguia na República, sobravamfaculda<strong>de</strong>s para aten<strong>de</strong>r à pequena parcela da população capaz <strong>de</strong> atingir tal nível <strong>de</strong> ensino.Carlos Maximiniano, autor da reforma do ensino <strong>de</strong> 1915, <strong>de</strong>clarou na ocasião:Para que cinco Aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> Direito na capital <strong>de</strong> um país <strong>de</strong> analfabetos,na qual se não contam quatro ginásios excelentes? Em cida<strong>de</strong> nenhuma domundo se nos <strong>de</strong>para s<strong>em</strong>elhante abundância <strong>de</strong> cursos superiores. Noscentros pouco populosos, se acaso uma faculda<strong>de</strong> existe, não é possível aseleção do pessoal docente: todos os médicos ou todos os advogados dolugar se tornam professores (MOACYR, 1942, p.93).A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Maximiniano, além <strong>de</strong> alertar para a excessiva preferência pelo ensinosuperior <strong>em</strong> relação aos <strong>de</strong>mais níveis <strong>de</strong> ensino, chama, também, a atenção para o fato <strong>de</strong> queo próprio sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino superior, baseado <strong>em</strong> um amontoado <strong>de</strong> escolas isoladas,mostrava-se ina<strong>de</strong>quado e contraditório. Presas aos interesses utilitaristas e bacharelistas, s<strong>em</strong>nenhuma preocupação com a pesquisa e com formação <strong>de</strong> docentes <strong>de</strong> alto nível, asfaculda<strong>de</strong>s não atendiam à própria <strong>de</strong>manda por professores universitários. Na opinião dosintelectuais reformadores da época, somente a implantação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s comprometidascom a pesquisa e com a produção do conhecimento, po<strong>de</strong>ria resolver esse probl<strong>em</strong>a.Mais grave ainda era o fato <strong>de</strong> que, apesar da quantida<strong>de</strong> excessiva <strong>de</strong> escolassuperiores, se consi<strong>de</strong>rarmos o baixo nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> da população brasileira, aqualida<strong>de</strong> da maioria <strong>de</strong>las <strong>de</strong>ixava a <strong>de</strong>sejar. Em muitas faculda<strong>de</strong>s brasileiras quefuncionaram na República Velha, a formação profissional tinha importância secundária. Naverda<strong>de</strong>, o que mais importava era formar o bacharel e o doutor, títulos que dariam aosalunos egressos o prestígio necessário à conquista <strong>de</strong> muitos privilégios, como o acesso aoscargos públicos mais importantes, além <strong>de</strong> ser um requisito básico àqueles que buscavam aascensão social. Lima Barreto, <strong>em</strong> um artigo jornalístico <strong>de</strong> 1918, assim comenta esse fato:Essa birra do ‘doutor’ não é só minha, mas poucos têm a corag<strong>em</strong> <strong>de</strong>manifestá-la. Ninguém se anima a dizer que êles não têm direito a taisprerrogativas e isenções, porque a maioria dêles é <strong>de</strong> ignorantes. E que só ossábios, os estudiosos, doutôres ou não, é que merec<strong>em</strong> as atenções que vão<strong>em</strong> geral para os cretinos cheios <strong>de</strong> anéis e <strong>em</strong>páfia. Tôdas as varieda<strong>de</strong>s do‘doutor’ acreditam que os seus privilégios, honras, garantias e isenções,como se diz nas patentes militares, se originam do saber, da ciência <strong>de</strong> quesão portadores; entretanto, entre c<strong>em</strong>, só <strong>de</strong>z ou vinte sab<strong>em</strong> razoàvelmentealguma cousa (1918, p. 40 apud LOPES, 2007, p. 10).


58Enquanto as instituições <strong>de</strong> ensino superior particulares expandiam-se pelo país, onúmero <strong>de</strong> escolas normais permanecia estagnado: ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se abriamalgumas instituições, outras se fechavam, ao bel prazer dos governos estaduais que sesucediam. Em Minas, a cada nova administração que tomava posse, aprovava-se um novoregulamento da instrução, trazendo modificações para todos os níveis <strong>de</strong> ensino. Tratar<strong>em</strong>os,a seguir, <strong>de</strong> forma resumida, <strong>de</strong> outras reformas no ensino normal mineiro, ocorridas nos anosseguintes.O governo <strong>de</strong> Júlio Bueno Brandão, através do Decreto nº 3.738 <strong>de</strong> 05/12/1912,publicou um novo Regulamento das Escolas Normais Regionais <strong>de</strong> Minas Gerais. O <strong>de</strong>cretoprevia a criação <strong>de</strong> escolas normais regionais nas seguintes regiões do estado: Norte, Sul,Mata, Oeste e Triângulo Mineiro. Em seu Artigo 1º, o regulamento <strong>de</strong>finia que a finalida<strong>de</strong>das escolas normais regionais era a <strong>de</strong> preparar professores para o ensino primário. Previa,também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, <strong>em</strong> cada escola, <strong>de</strong> um curso facultativo <strong>de</strong> trabalhosmanuais ou <strong>de</strong> agronomia. Em relação ao currículo, o novo regulamento reintroduziu asdisciplinas <strong>de</strong> caráter pedagógico, como Metodologia e Pedagogia (MOURÃO, 1962).Em 1916, durante o governo <strong>de</strong> Delfim Moreira, foi aprovado o Decreto nº 4.524, <strong>de</strong>21 <strong>de</strong> fevereiro, que unificou o ensino nas escolas normais mo<strong>de</strong>lo, regionais e equiparadas,as quais, até então, não seguiam, obrigatoriamente, o mesmo currículo da Escola Normal <strong>de</strong>Belo Horizonte. Dentre outras modificações curriculares, criou-se a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Pedagogia eHigiene, que incluía estudos <strong>de</strong> História da Educação, métodos gerais <strong>de</strong> ensino, organizaçãoe legislação escolar, psicologia infantil e higiene, além <strong>de</strong> cuidados médicos práticos para ascrianças (MOURÃO, 1962).Em meados da década <strong>de</strong> 1920, a formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Minas Gerais, assimcomo <strong>em</strong> todo o resto do país, continuava restrita às escolas normais <strong>de</strong> nível médio, <strong>em</strong>borao Decreto nº 6.831 <strong>de</strong> 20/03/1925, que continha o novo Regulamento do Ensino das EscolasNormais previsse, <strong>em</strong> seu Artigo 1º, que o “[...] ensino normal t<strong>em</strong> por objeto a formação <strong>de</strong>professôres primários do Estado, e será ministrado por uma Escola Normal Mo<strong>de</strong>lo, porescolas oficiais, sob a forma <strong>de</strong> externato, por escolas particulares equiparadas e por umaEscola Normal Superior.” (MOURÃO, 1962, p. 367). Pelo <strong>de</strong>creto, tanto a Escola NormalMo<strong>de</strong>lo, quanto a Escola Normal Superior <strong>de</strong>veriam ser localizadas <strong>em</strong> Belo Horizonte, sendoque a segunda se <strong>de</strong>stinaria ao “aperfeiçoamento pedagógico-literário <strong>de</strong> normalistas”(MOURÃO, 1962, p. 369) e teria um curso com duração <strong>de</strong> dois anos.A proposta <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> uma Escola Normal Superior não chegou a vingar, haja


59vista que, <strong>em</strong> 20/01/1928 era aprovado o Decreto nº 8.162, contendo o mais novoRegulamento do Ensino nas Escolas Normais do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, que substituiu oRegulamento <strong>de</strong> 1925. Esse <strong>de</strong>creto fazia parte da chamada Reforma Antônio Carlos-Francisco Campos, <strong>de</strong> influência escolanovista, e <strong>de</strong>monstrava uma gran<strong>de</strong> preocupação comos métodos <strong>de</strong> ensino, <strong>de</strong>dicando vários <strong>de</strong> seus artigos para tratar <strong>de</strong>sse particular. Alémdisso, o <strong>de</strong>creto previa a que a formação <strong>de</strong> professores seria feita <strong>em</strong> duas categorias <strong>de</strong>escolas: do primeiro grau e do segundo.Art. 1º - O ensino normal t<strong>em</strong> por objeto formar professôres e <strong>de</strong>maispessoal técnico para o ensino primário do Estado, e será ministrado <strong>em</strong> duascategorias <strong>de</strong> escolas: - do primeiro e do segundo gráu.Parágrafo único: Haverá, além disso, nos grupos <strong>de</strong> primeira e <strong>de</strong>segunda categoria, um curso <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong>stinado à formação <strong>de</strong>professôres rurais (1928 apud MOURÃO, 1962, p. 398).Por esse regulamento, o diploma <strong>de</strong> normalista do 2º grau dava a habilitação paratodos os cargos do magistério, inclusive para ministrar aulas <strong>de</strong> Metodologia e <strong>de</strong> PráticaProfissional nas escolas normais. Por outro lado, as escolas do 1º grau <strong>de</strong>stinavam-se àformação <strong>de</strong> professores apenas para atuar no ensino primário do estado <strong>de</strong> Minas Gerais(MOURÃO, 1962).De forma resumida, além do Decreto nº 8.162, a reforma <strong>de</strong> Francisco Campos foicompl<strong>em</strong>entada pela seguinte legislação estadual (SOUZA, 2006):- Regulamento do ensino primário (Decreto nº 7.970-A, <strong>de</strong> 15/10/1927);- Decreto nº 8.094, <strong>de</strong> 22/12/1927, que aprovou os <strong>programa</strong>s do ensino primário no estado;- Decreto nº 8.225, <strong>de</strong> 11/02/1928, que aprovou os Programas do Ensino Normal;- Decreto nº 8.987, <strong>de</strong> 22/02/1929, que aprovou o Regulamento da Escola <strong>de</strong>Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Belo Horizonte.Personificando os movimentos do entusiasmo e do otimismo pedagógico, a reformabuscava ampliar a base <strong>de</strong> votos e qualificar a mão-<strong>de</strong>-obra necessária à expansão do capital,o que só seria possível com a a<strong>de</strong>quação da instituição escolar aos parâmetros estabelecidospela nova socieda<strong>de</strong> liberal que se estruturava no Brasil. E assim, apoiada na citada legislação,a reforma impl<strong>em</strong>entada por Antônio Carlos – Francisco Campos trouxe, <strong>de</strong>ntre outros, osseguintes resultados práticos para o sist<strong>em</strong>a educacional mineiro (SOUZA, 2006):- Criação <strong>de</strong> 3.809 escolas primárias (entre 1926 e 1930);- Instituição da escola leiga, gratuita e obrigatória para crianças <strong>de</strong> 7 a 14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.- Aumento <strong>de</strong> 87% no número <strong>de</strong> matrículas <strong>de</strong> alunos nas escolas primárias até 1928;- Ampliação do número <strong>de</strong> escolas normais oficiais, <strong>de</strong> 2 para 21;


60- Envio <strong>de</strong> professores à Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Columbia (EUA), on<strong>de</strong> atuavam Dewey eKilplatrik, a fim <strong>de</strong> conhecer<strong>em</strong> os i<strong>de</strong>ais escolanovistas;- Criação, pela Inspetoria Geral da Instrução (comandada por Mário Casasanta), da Revista doEnsino, órgão <strong>de</strong> divulgação do i<strong>de</strong>ário escolanovista;- Criação <strong>de</strong> bibliotecas <strong>em</strong> todas as escolas normais oficiais, cada uma <strong>de</strong>las aparelhada com1.000 obras bibliográficas;- Organização da missão européia <strong>de</strong> ensino, <strong>em</strong> 1929, que trouxe a Minas Gerais alguns dosmais célebres representantes da Escola Nova: Theodore Simon, Alfred Binet, Leon Walter,Edouard Claparè<strong>de</strong> e Helene Antipoff.A reforma mineira, inclusive no tocante ao ensino normal, expandiu-se para outrosestados e foi a principal experiência que serviu <strong>de</strong> base para as primeiras políticaseducacionais do governo revolucionário <strong>de</strong> Getúlio Vargas, iniciado no final <strong>de</strong> 1930, quandoa pasta da educação ficou a cargo do próprio Francisco Campos. Entretanto, a influênciaescolanovista sobre os currículos das escolas normais per<strong>de</strong>u força com as reformas que seseguiram.Com relação ao ensino superior, a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> reservada pela década <strong>de</strong> 1920 foio nascimento das primeiras <strong>universida<strong>de</strong></strong>s não efêmeras. Surgida ainda na República Velha, aUniversida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, autorizada pelo Congresso Nacional <strong>em</strong> 1915 e criada <strong>em</strong>1920, foi a primeira instituição <strong>de</strong> ensino superior do Brasil a conseguir manter <strong>de</strong> formaduradoura o status <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>. A nova <strong>universida<strong>de</strong></strong> nasceu da reunião das faculda<strong>de</strong>sfe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Medicina e Engenharia, cujas origens r<strong>em</strong>ontam aos anos <strong>de</strong> 1808 e 1810,respectivamente, e <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito (CUNHA, 2000).A estratégia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s pela aglutinação <strong>de</strong> cursos preexistentes foiseguida <strong>em</strong> Minas Gerais e resultou, <strong>em</strong> 1927, na criação <strong>de</strong> uma nova <strong>universida<strong>de</strong></strong>, quereuniu as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Engenharia, Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia, já existentes<strong>em</strong> Belo Horizonte. Ressalta-se, porém, que, nos seus primeiros t<strong>em</strong>pos, tanto a <strong>universida<strong>de</strong></strong>do Rio <strong>de</strong> Janeiro 21 , quanto a <strong>de</strong> Minas Gerais, eram instituições débeis, que sofriam com falta<strong>de</strong> autonomia administrativa, já que o currículo dos cursos e a escolha <strong>de</strong> diretores eramrigorosamente controlados pelo governo fe<strong>de</strong>ral (CUNHA, 2000).No início da Era Vargas, dois grupos divergentes – católicos e liberais – procuravaminterferir nas políticas públicas relativas à educação. Segundo Azevedo (1963), os liberais,21 Em 1937, a Universida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro foi reorganizada e passou a chamar-se Universida<strong>de</strong> do Brasil.Pretendia servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para as novas instituições congêneres.


61influenciados pelas idéias da Escola Nova, já haviam conseguido implantar reformas nosprincipais estados brasileiros, principalmente no domínio dos ensinos primário e normal, masnão conseguiam penetrar com a mesma força nos ensinos secundário e superior, quepermaneciam inacessíveis ao movimento <strong>de</strong> renovação educacional.O ensino superior continuava, porém, reduzido ao ensino dirigido no‘interesse da profissão’, não no interesse intelectual do indivíduo n<strong>em</strong> <strong>em</strong>proveito da ciência, cujo <strong>de</strong>senvolvimento, se realizava antes nos institutos<strong>de</strong> ciência aplicada, on<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar probl<strong>em</strong>as urgentesligados à economia nacional orientava os trabalhos para a indagaçãocientífica original, <strong>em</strong> vários domínios. Nada se havia tentado, no terrenodas realizações, para que êsse movimento <strong>de</strong> conquista do espírito científicose fosse acentuando <strong>em</strong> nossa pedagogia, e penetrasse o ensino, provocandono ensino superior, com o mesmo espírito, as reformas que se<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>ram na educação fundamental e popular, confiada aindaexclusivamente aos Estados. É que a camada intelectual, recrutada atravésmais <strong>de</strong> um século, nas escolas profissionais (direito, medicina eengenharia) e que <strong>de</strong>sfrutava, numa socieda<strong>de</strong> estática, o monopólio naformação tanto das elites como da concepção da cultura, apresentava umpensamento ‘escolástico’, isto é, acadêmico e s<strong>em</strong> vida, que se opunha, pelaindiferença ou pela hostilida<strong>de</strong> às transformações profundas do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>cultura e do ensino superior no país (AZEVEDO, 1963, p. 677-678).O grupo progressista que lutava pela reconstrução educacional do país aspirava a umsist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino superior que não fosse meramente utilitarista. Desejava a introdução <strong>de</strong>escolas <strong>de</strong> pesquisa livre e <strong>de</strong> altos estudos que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> introduzir o método científico noensino. Em 1931, o governo provisório organizado por Vargas, com base <strong>em</strong> uma proposta doministro Francisco Campos, instituiu, por <strong>de</strong>creto, o regime universitário e criou umalegislação regulando o funcionamento das <strong>universida<strong>de</strong></strong>s brasileiras (AZEVEDO, 1963). Areforma impl<strong>em</strong>entada por Francisco Campos abrangeu todos os níveis da educação e trouxe aorganização que o ensino brasileiro nunca tivera.São, portanto, justas as palavras <strong>de</strong> Maria Tetis Nunes, ao referir-se àreforma Francisco Campos: ‘Ela é, teoricamente, uma gran<strong>de</strong> reforma’.Efetivamente, credita-se-lhe, entre outros méritos, o <strong>de</strong> haver dado umaestrutura orgânica ao ensino secundário,comercial e superior. Era a primeiravez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino. Era aprimeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensinoe, o que é importante, era pela primeira vez imposta a todo o territórionacional. Era, pois, o início <strong>de</strong> uma ação mais objetiva do Estado <strong>em</strong>relação à educação (ROMANELLI, 1983, p. 131).Cunha (2000) observa que, no início da era Vargas, existiam, ainda, apenas duas<strong>universida<strong>de</strong></strong>s no Brasil: a do Rio <strong>de</strong> Janeiro e a <strong>de</strong> Minas Gerais. A terceira <strong>universida<strong>de</strong></strong>brasileira, a Universida<strong>de</strong> Técnica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, ganhou esse status <strong>em</strong> 1934, tendoutilizado um processo <strong>de</strong> criação diferente das anteriores, isto é, surgiu a partir da Escola <strong>de</strong>


62Engenharia <strong>de</strong> Porto Alegre, instituição fundada <strong>em</strong> 1896, e que utilizava o mo<strong>de</strong>lo al<strong>em</strong>ão<strong>de</strong> ensino superior, ao contrário da gran<strong>de</strong> maioria das faculda<strong>de</strong>s brasileiras, a<strong>de</strong>ptas doparadigma francês 22 . Antes <strong>de</strong> transformar-se <strong>em</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>, a Escola <strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong>Porto Alegre contava, <strong>em</strong> 1928, com cerca <strong>de</strong> 1200 alunos e, além dos cursos <strong>de</strong> engenharia,oferecia também os <strong>de</strong> Agronomia, Veterinária e Química.Embora com o status <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>, essas primeiras experiências brasileiras nãopassavam, como já frisamos, <strong>de</strong> simples agregações <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> faltava o interessepela pesquisa e pela difusão da cultura, visando ao benefício da comunida<strong>de</strong> (ARANHA,1996). Coube, então, ao governo estadual paulista, sob o comando <strong>de</strong> Armando Sales <strong>de</strong>Oliveira, a iniciativa <strong>de</strong> fundar uma <strong>universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> fato, que pu<strong>de</strong>sse, nos dizeres <strong>de</strong>Azevedo (1963), <strong>de</strong>spertar os homens <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cultural para a especulação, apesquisa e o método experimental. A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo nasceu <strong>em</strong> 1934 – segundoum plano elaborado por Fernando <strong>de</strong> Azevedo, Júlio <strong>de</strong> Mesquita e outros i<strong>de</strong>alistas –,encampando algumas escolas superiores profissionais já existentes, acrescidas das recémcriadasFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Econômicas, <strong>de</strong> uma Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação e <strong>de</strong> umaFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras (AZEVEDO, 1963).No Rio <strong>de</strong> janeiro, a Universida<strong>de</strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, criada por Anísio Teixeira <strong>em</strong>1935, compunha-se <strong>de</strong> cinco faculda<strong>de</strong>s (Filosofia e Letras; Ciências; Economia Política eDireito; Educação; Artes), mas teve vida curta, já que acabou dissolvida <strong>em</strong> 1939, quandoparte <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s foi incorporada pela Universida<strong>de</strong> do Brasil (AZEVEDO, 1963).Enquanto, <strong>em</strong> 1937, era diplomada a primeira turma <strong>de</strong> professores formados pelaUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – com a licença para o magistério secundário –, <strong>em</strong> 10/11/1937,instituía-se, no Brasil, um regime autoritário e unitário, barrando a campanha que se vinha<strong>de</strong>senvolvendo pela renovação educacional. A Constituição <strong>de</strong> 1937, rompendo com astradições intelectuais e acadêmicas do país, elegeu como primeiro <strong>de</strong>ver do Estado o ensino22 Enquanto o mo<strong>de</strong>lo al<strong>em</strong>ão enfatiza a importância da pesquisa na <strong>universida<strong>de</strong></strong>, e mais do que isto, daindissociabilida<strong>de</strong> entre ensino, pesquisa e formação, no mo<strong>de</strong>lo francês, a pesquisa não é tarefa primordial da<strong>universida<strong>de</strong></strong>, havendo dissociação entre <strong>universida<strong>de</strong></strong>s que se <strong>de</strong>dicam fundamentalmente ao ensino, e gran<strong>de</strong>sescolas, voltadas para a pesquisa e a formação profissional <strong>de</strong> alto nível. Enquanto o mo<strong>de</strong>lo francês prega aformação especializada e profissionalizante, via escolas isoladas, o al<strong>em</strong>ão enfatiza a formação geral, científica ehumanista, com enfoque na totalida<strong>de</strong> e universalida<strong>de</strong> do saber e na consequente importância da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Filosofia, Ciências e Letras como órgão central da <strong>universida<strong>de</strong></strong>. Enquanto a <strong>universida<strong>de</strong></strong> francesa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>Napoleão, era mantida e dirigida pelo Estado, tornando-se uma espécie <strong>de</strong> aparelho i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong>ste, compequena autonomia frente aos po<strong>de</strong>res políticos, a <strong>universida<strong>de</strong></strong> al<strong>em</strong>ã, <strong>em</strong>bora também fosse uma instituição doEstado, por ele mantida e vivendo sob a sua vigilância, conservou, ainda no século XIX, uma parte do seu carátercorporativo e <strong>de</strong>liberativo, gozando <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> pesquisa.Enquanto a intelligentzia francesapossuía forte vínculo com o Estado, os intelectuais al<strong>em</strong>ães mantinham uma posição <strong>de</strong> maior neutralida<strong>de</strong> frenteaos po<strong>de</strong>res políticos instituídos (PAULA, 2007).


63técnico e profissional – e, nesse ponto, é consi<strong>de</strong>rada por alguns autores como <strong>de</strong>mocrática erevolucionária –, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento do ensino superior, cuja preferência r<strong>em</strong>ontava ao períodocolonial (ARANHA, 1996).Assim, <strong>em</strong> 1938, <strong>em</strong> plena vigência do Estado Novo, existiam, no Brasil, diversasfaculda<strong>de</strong>s isoladas e quatro <strong>universida<strong>de</strong></strong>s: Minas Gerais (1927), Porto Alegre (1934), SãoPaulo (1934) e Rio <strong>de</strong> Janeiro (1935). Dessas, apenas as duas últimas possuíam, como parteintegrante do sist<strong>em</strong>a universitário, faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Educação, Filosofia, Ciências e Letras,prepostas ao duplo fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da cultura filosófica e científica e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores <strong>em</strong> nível superior, conforme pregava o mo<strong>de</strong>lo al<strong>em</strong>ão <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>.1.3 Formação <strong>de</strong> professores no Brasil até 1938: as mudanças <strong>de</strong> paradigmaAo longo da história da formação docente no Brasil, observamos a influência <strong>de</strong>alguns paradigmas – contendo <strong>de</strong>terminadas concepções <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores –, osquais foram dominantes <strong>em</strong> contextos sócio-históricos específicos. No período compreendidoentre o início da colonização brasileira e o ano <strong>de</strong> 1938, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar a ascendência <strong>de</strong>alguns paradigmas – utilizando a nomenclatura adotada por Alleoni (2003) que, por sua vez,apropriou-se dos conceitos criados pelo pesquisador português Rogério Fernan<strong>de</strong>s – naformação <strong>de</strong> nossos professores: Paradigma do Magister (ou do Transmissor <strong>de</strong>Conhecimentos); Paradigma do Pedagogo; e Paradigma do Técnico. Buscar<strong>em</strong>os, então,mostrar como tais concepções mo<strong>de</strong>laram as instituições <strong>de</strong> formação docente <strong>em</strong> diferentesmomentos da história da educação brasileira.Conforme já tratamos, até a quarta década do século XIX, não havia, no Brasil,instituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>stinadas exclusivamente à formação <strong>de</strong> professores profissionais,comprometidos apenas com a instrução. Durante o período colonial, com a responsabilida<strong>de</strong>da educação nas mãos dos jesuítas, a formação docente subordinava-se, primeiramente, àformação do sacerdote, <strong>em</strong>bora a ação pedagógica dos futuros padres fosse <strong>de</strong>talhadamentenormatizada pelo Ratio Studiorum. Na verda<strong>de</strong>, o documento preocupava-se mais com aorganização administrativa dos colégios – ditando, <strong>de</strong> forma rígida, o mo<strong>de</strong>lo das aulas e<strong>de</strong>finindo a hierarquia interna, <strong>de</strong>talhando o trabalho do provincial, do reitor, do prefeito dosestudos, até do mais simples professor – do que com a preparação para o magistério(ARANHA, 1996).


64O Studia superiora dos jesuítas, composto <strong>de</strong> Teologia e Ciências Sagradas, priorizavaa formação do padre e não continha o ensino <strong>de</strong> disciplinas pedagógicas que visass<strong>em</strong>especificamente à formação do mestre. Tentando suprir essa falha, no final do século XVII, opadre francês Joseph Jouvency redigiu um completo manual <strong>de</strong> normas gerais e informaçõesbibliográficas necessárias ao exercício do magistério, a fim <strong>de</strong> uniformizar a ação dos mestresjesuítas e reduzir os riscos <strong>de</strong>correntes do livre arbítrio dos professores distribuídos pelomundo. A unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> ação era mantida através <strong>de</strong> uma farta correspondênciaentre os m<strong>em</strong>bros da Companhia, o que, entretanto, não impedia uma certa flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ação – s<strong>em</strong>pre rigorosamente vigiada –, <strong>de</strong> acordo com as características e costumes <strong>de</strong> cadalugar. (ARANHA, 1996).No Brasil colonial, o processo <strong>de</strong> escolarização das massas era, antes <strong>de</strong> tudo, umprocesso catequético que <strong>de</strong>veria levar à formação <strong>de</strong> católicos fiéis e súditos obedientes. Aoprofessor cabia o papel <strong>de</strong> transmissor das i<strong>de</strong>ologias dominantes, o que o colocava naposição <strong>de</strong> porta-voz dos interesses da Igreja e do rei, que, por sua vez, eram os gran<strong>de</strong>srepresentantes das classes heg<strong>em</strong>ônicas.Conforme l<strong>em</strong>bra Marx (1978 apud NORONHA, 1998), as i<strong>de</strong>ologias e as visões <strong>de</strong>mundo são criadas pelas classes sociais e não pelos indivíduos. Porém, qu<strong>em</strong> as sist<strong>em</strong>atiza,qu<strong>em</strong> lhes imprime a forma <strong>de</strong> uma teoria ou doutrina são os representantes políticos ouliterários da classe, tendo s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> vista os interesses <strong>de</strong> sua classe social. Assim,observando esse fato, Marx alerta que “Os homens faz<strong>em</strong> sua própria história, mas não afaz<strong>em</strong> como quer<strong>em</strong>; não a faz<strong>em</strong> sob circunstâncias <strong>de</strong> sua escolha e sim sob aquelas comque se <strong>de</strong>frontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (1978, p. 329 apudNORONHA, 1998, p. 35). Nessa perspectiva, os padres retransmitiam, na prática educativaque <strong>de</strong>senvolviam na colônia, as mesmas i<strong>de</strong>ologias 23 que haviam assimilado nos s<strong>em</strong>inários.A pedagogia jesuítica <strong>de</strong>pendia, para seu sucesso, da atenção individual <strong>de</strong> cada aluno.O gran<strong>de</strong> obstáculo encontrado era o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> alunos que dividiam a mesma sala <strong>de</strong>aula 24 . Com isso, os jesuítas esforçavam-se para <strong>de</strong>senvolver um método <strong>de</strong> ensino queconservasse tanto a individualida<strong>de</strong> quanto a educação <strong>de</strong> massa. Criaram, então, a figura domonitor – que era o aluno mais esperto e adiantado – para auxiliar o mestre no trabalho <strong>de</strong>aten<strong>de</strong>r individualmente os alunos <strong>em</strong> seu processo <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>. A esse respeito, diz oRatio Studiorum:23 Essas i<strong>de</strong>ologias serviam, <strong>em</strong> última instância, aos interesses das classes dominantes.24 Calcula-se que eram educados, ao mesmo t<strong>em</strong>po, entre 200 e 300 alunos.


65Os monitores <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser escolhidos pelo docente. Os mesmos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ouviro que foi m<strong>em</strong>orizado, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> recolher os trabalhos escritos para o docente,<strong>de</strong>v<strong>em</strong> anotar <strong>em</strong> um ca<strong>de</strong>rno quantas vezes a m<strong>em</strong>ória falha, qu<strong>em</strong> fez otrabalho escrito ou qu<strong>em</strong> não trouxe os materiais; <strong>de</strong>v<strong>em</strong> também realizaroutras coisas, caso o docente assim <strong>de</strong>seje (DUSSEL, 2003, p. 79).A linha <strong>de</strong> ação do professor jesuíta era normatizada ao extr<strong>em</strong>o, adquirindo umaconfiguração quase técnica. Vejamos como o Ratio Studiorum impunha as regras pedagógicaspara o trabalho dos professores <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>s:A divisão do t<strong>em</strong>po é a seguinte: na primeira hora da manhã, os monitores<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ouvir o que foi m<strong>em</strong>orizado com relação à eloqüência e à métrica;enquanto isso, o docente corrige os trabalhos escritos pelos monitores, e osescolares faz<strong>em</strong> alguns exercícios <strong>de</strong>terminados pelo docente; finalmente,alguns escolares <strong>de</strong>v<strong>em</strong> falar diante da classe aquilo que guardaram nam<strong>em</strong>ória, e o docente <strong>de</strong>ve controlar as anotações feitas pelos monitores(DUSSEL, 2003, p.80).Em suma, a sala <strong>de</strong> aula jesuítica era um lugar <strong>de</strong> catequização on<strong>de</strong>, através <strong>de</strong>processos <strong>de</strong> interrogatório e repetição, o docente trabalhava basicamente conteúdos <strong>de</strong>m<strong>em</strong>orização que <strong>de</strong>viam ser reproduzidos <strong>em</strong> sua presença. Com essa configuração, oprocesso educativo <strong>de</strong>senvolvido nas escolas jesuíticas assumia seu caráter conservador:“Enquanto repete suas frases na língua oficial <strong>de</strong>ssas escolas – o latim –, o aluno jesuítaapren<strong>de</strong> que a obediência é uma virtu<strong>de</strong>; o importante não é apenas o texto curto <strong>de</strong> Cíceroque <strong>de</strong>ve m<strong>em</strong>orizar, mas também a mecânica <strong>de</strong> que existe uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminada e umpapel <strong>de</strong>signado para cada um.” (DUSSEL, 2003, p.81).Com a implantação do ensino público oficial e a passag<strong>em</strong> do ensino ministrado pelosjesuítas para o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> aulas régias, ocorrida após 1772, a questão da formação docentepenetrou num período <strong>de</strong> total <strong>de</strong>sorganização. Uma boa parte dos mestres leigos havia sidoformada nas escolas da Companhia <strong>de</strong> Jesus e, apesar das modificações do currículoreformado (que continha o ensino <strong>de</strong> línguas mo<strong>de</strong>rnas, como o francês, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho,aritmética, geometria e ciências naturais), procuraram imprimir uma certa continuida<strong>de</strong> nomo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino dos jesuítas, se b<strong>em</strong> que <strong>em</strong> nível inferior. Além <strong>de</strong>sses, tentando ocupar ovazio <strong>de</strong>ixado pelos jesuítas, outras or<strong>de</strong>ns religiosas (carmelitas, beneditinos e franciscanos)criaram algumas poucas escolas confessionais (ARANHA, 1996). Dessa forma, apesar daexpulsão da Companhia, muitos dos professores que, nesse período, atuaram <strong>em</strong> territóriobrasileiro, mantiveram um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula que mantinha, basicamente, as mesmascaracterísticas das escolas jesuíticas.Paralelamente ao trabalho pedagógico dos mestres-escolas oficiais e das instituições


66<strong>de</strong> ensino confessionais católicas, espalhava-se, pelo território nacional, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>pequenas escolas particulares, cujos mestres ministravam as primeiras letras às crianças quehabitavam os centros urbanos e o campo. Esses mestres, eles mesmos, geralmente, <strong>de</strong>tentores<strong>de</strong> uma educação el<strong>em</strong>entar, ocupavam o vazio provocado pela total incapacida<strong>de</strong> do Estado<strong>em</strong> fornecer a instrução pública.A partir do início do século XIX, o governo colonial constatou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudaros métodos <strong>de</strong> ensino praticados nas escolas brasileiras, normalmente baseadas no chamadoensino individual, <strong>em</strong> que o professor ensinava, ao mesmo t<strong>em</strong>po, numa mesma sala <strong>de</strong> aula,alunos <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s e níveis <strong>de</strong> aprendizado. Tal mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino exigia do professoruma atenção individualizada a cada aluno, o que tornava inviável o trabalho com classes maisnumerosas. Esse inconveniente acentuava-se ainda mais quando se juntava à escassez <strong>de</strong>professores profissionais que se verificava no país.Fazia-se necessária a criação <strong>de</strong> escolas normais no Brasil, à s<strong>em</strong>elhança do mo<strong>de</strong>loeuropeu, on<strong>de</strong> seriam formados os mestres profissionais, portadores <strong>de</strong> um sabersist<strong>em</strong>atizado, e que consagrass<strong>em</strong> inteiramente suas existências a uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisiçãoe transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, a qual <strong>de</strong>veria ser a finalida<strong>de</strong> da sua ação educativa.Segundo Alleoni (2003), nessa concepção <strong>de</strong> educação, o valor central do processo educativoestá no saber que vale <strong>em</strong> si próprio e por si próprio, cabendo ao professor o papel <strong>de</strong><strong>de</strong>sbloquear o acesso ao saber, mediante a observância <strong>de</strong> uma rigorosa disciplina paraconsigo mesmo e para com os alunos. Nessa abordag<strong>em</strong>, advinda do Paradigma do Magister,a competência profissional está na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dominar o que se ensina (os conteúdos) e,num segundo momento, o modo único <strong>de</strong> se ensinar (o método). Na verda<strong>de</strong>, o como ensinar– e a formação docente, propriamente dita – não chegava a ser uma preocupação dominantena época, o que era resultado do pensamento geral <strong>de</strong> que qualquer um que dominasse<strong>de</strong>terminados conteúdos <strong>de</strong> ensino po<strong>de</strong>ria atuar como professor.Nas escolas normais do século XIX, a formação dos professores restringia-se,basicamente, à aquisição dos conteúdos escolares e <strong>de</strong> um treinamento visando ao domínio dométodo <strong>de</strong> ensino oficial. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, as discussões <strong>em</strong> torno dos métodos <strong>de</strong> ensinoenvolviam mais a questão da organização da sala <strong>de</strong> aula do que propriamente o processo <strong>de</strong>aquisição dos conhecimentos, o qual permaneceu preso no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> transmissãom<strong>em</strong>orização<strong>de</strong> conteúdos. Quanto à organização da sala <strong>de</strong> aula, como já tratamos, omo<strong>de</strong>lo mais difundido pelo Brasil baseava-se no método individual. Em oposição a ess<strong>em</strong>étodo, consi<strong>de</strong>rado antiquado e improdutivo, acenava-se com outros métodos <strong>de</strong> ensino


67criados na Europa, como o método mútuo – também chamado <strong>de</strong> lancasteriano ou monitorial–, além dos métodos global e simultâneo. Além <strong>de</strong>sses, como ver<strong>em</strong>os adiante, surgiu noBrasil oitocentista, uma versão tupiniquim: o método misto (TORRES, 1962a).O método global foi o primeiro a ser utilizado por um sist<strong>em</strong>a oficial <strong>de</strong> ensino, ao serimplantado, ainda no século XVIII, na Prússia, país pioneiro na organização da educaçãopública. Os alunos, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>, eram organizados <strong>em</strong> salas <strong>de</strong> aula, on<strong>de</strong> oprofessor procurava transmitir <strong>de</strong>terminados conteúdos. A didática era organizada segundo omo<strong>de</strong>lo catecista, utilizado nas escolas religiosas católicas e protestantes, no qual a dinâmica<strong>de</strong> pergunta e resposta baseava-se no princípio <strong>de</strong> que a resposta já estava estabelecida e<strong>de</strong>veria apenas ser reproduzida. Assim como <strong>de</strong>fendiam Comenius e os jesuítas, a disciplina ea atenção dos alunos era essencial nesse tipo <strong>de</strong> organização (DUSSEL, 2003).Segundo Dussel (2003), por volta <strong>de</strong> 1800, na Inglaterra, Joseph Lancaster e AndrewBell introduziram o método mútuo, que utilizava os alunos mais adiantados para ensinar oscolegas que sabiam menos do que eles. Dessa forma, o professor treinava os monitores que,por sua vez, instruíam os colegas, permitindo que se atingisse um número muito maior <strong>de</strong>alunos, num sist<strong>em</strong>a parecido com o das escolas jesuíticas, porém mo<strong>de</strong>rnizado por uma série<strong>de</strong> materiais pedagógicos e por uma distribuição <strong>de</strong> tarefas racionalmente organizada, que seaproximava ao <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> industrial. Lancaster afirmava que seu método eravantajoso <strong>em</strong> relação ao método global, já que permitia alfabetizar muito mais crianças <strong>em</strong>pouco t<strong>em</strong>po, e com menor custo. Segundo o pedagogo inglês, uma escola inteira podia serinstruída sob a vigilância <strong>de</strong> um só professor.Entretanto, segundo relata Dussel (2003), logo o método lancasteriano passou a sercriticado porque, <strong>de</strong>ntre outras características, centrava-se mais no ensino da leitura-escrita e<strong>de</strong> cálculo, negligenciando as aprendizagens religiosas.Muitos julgavam que este método não garantia o sentido moralizador doensino, a produção nos alunos da boa ou má consciência como reguladorinterno: o professor estava muito distante dos alunos e sua autorida<strong>de</strong> eramediada por outro aluno. Para os críticos da época, não bastava alcançar adocilida<strong>de</strong> dos corpos; era preciso também educar a alma (DUSSEL, 2003,p. 130).Prosseguindo, Dussel (2003) afirma que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximar novamente oprofessor dos alunos, garantindo a or<strong>de</strong>m nas jovens gerações, no contexto dos estadoscapitalistas nascentes, fez com que a figura do monitor fosse, pouco a pouco, sendo abolidadas escolas européias, fazendo surgir um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula – na verda<strong>de</strong> não tãonovo assim. O método simultâneo também surgiu na Inglaterra, como uma evolução <strong>de</strong> outros


68mo<strong>de</strong>los criados anteriormente, já que utilizava o mo<strong>de</strong>lo da sala <strong>de</strong> aula global, porémenriquecida pelas experiências pestalozzianas e pelos princípios instrucionais <strong>de</strong> Herbart. Osalunos eram distribuídos <strong>em</strong> classes homogêneas, divididas por ida<strong>de</strong> e nível <strong>de</strong> aprendizado,o que facilitava a organização dos conteúdos escolares e permitia o trabalho com salasrazoavelmente populosas, mas não tão numerosas quanto as salas lancasterianas. Tal mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula tornou-se a base da chamada Escola Tradicional.Enquanto a viabilida<strong>de</strong> do método lancasteriano era muito discutida na Europa, nasprimeiras décadas do século XIX iniciava-se a sua adoção no Brasil. Segundo Tanuri (2000),as primeiras escolas brasileiras a utilizar<strong>em</strong> o ensino mútuo começaram a ser instaladas apartir <strong>de</strong> 1820, por <strong>de</strong>terminação do governo colonial. Essas escolas-piloto tinham apreocupação não somente <strong>de</strong> ensinar as primeiras letras, mas <strong>de</strong> preparar os docentes nautilização do novo método. Com base nesse segundo objetivo, essas escolas po<strong>de</strong>m serconsi<strong>de</strong>radas como a primeira iniciativa oficial <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores no Brasil, <strong>em</strong>boraessa formação fosse feita <strong>de</strong> uma[...] forma exclusivamente prática, s<strong>em</strong> qualquer base teórica, que aliás seriaretomada pelo estabelecimento <strong>de</strong> ‘professores adjuntos’. Em 1º <strong>de</strong> março<strong>de</strong> 1823, um Decreto ‘cria uma escola <strong>de</strong> primeiras letras pelo método <strong>de</strong>ensino mútuo para instrução das corporações militares’. Algumas <strong>de</strong>cisõesposteriores indicam que a referida escola funcionou também com o objetivo<strong>de</strong> instruir pessoas acerca do método <strong>de</strong> Lancaster (TANURI, 2000, p.63).Entretanto, a maior complexida<strong>de</strong> da organização da sala <strong>de</strong> aula proposta pelométodo mútuo – exigia amplos espaços e uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais pedagógicos aser<strong>em</strong> utilizados pelos alunos e monitores –, além da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um treinamentoa<strong>de</strong>quado dos professores para a utilização daquele método, restringiu sua adoção a poucaslocalida<strong>de</strong>s do país; no restante das escolas el<strong>em</strong>entares, normalmente pequenas e dirigidaspor professores leigos, predominava o velho mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino individual.No caso da província <strong>de</strong> Minas Gerais, já no início da década <strong>de</strong> 1830, o governoconstatou a dificulda<strong>de</strong> na implantação do método lancasteriano. Batista (2003) <strong>de</strong>screve asdificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelo professor <strong>de</strong> ensino mútuo, Joaquim Zacharias Pacheco,transferido <strong>de</strong> Ouro Preto para Diamantina, <strong>em</strong> 1830:[...] não há casas para alugar e montar sua Aula, os salários não vêm sendopagos; teve <strong>de</strong> contrair dívidas para comprar materiais <strong>de</strong> ensino.[...] Comoquase s<strong>em</strong>pre, na vida <strong>de</strong>sse professor, faltam materiais didáticos, e <strong>em</strong>diferentes ofícios os solicita ao presi<strong>de</strong>nte. Em 1832, ele volta à carga epe<strong>de</strong>, mais uma vez, os materiais necessários para a instrução <strong>de</strong> seusalunos (BATISTA, 2003, p. 162).


69Em 1832, <strong>em</strong> seu relatório ao Conselho Geral, o Presi<strong>de</strong>nte da Província <strong>de</strong> MinasGerais, Manoel Ignácio <strong>de</strong> Mello e Sousa (1832 apud MOURA, 1913, pág. 116), assimexpunha os probl<strong>em</strong>as enfrentados <strong>em</strong> sua gestão, no que se refere à falta <strong>de</strong> professores, àcarência <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong>stinados à instrução pública, e à inviabilida<strong>de</strong> do método lancasteriano,então adotado nas escolas oficiais mineiras:[...] A Instrucção primaria recebeo um impulso pela proposta, que napassada sessão dirigiteis á Ass<strong>em</strong>bléa Geral, e mereceo a sua sancção, mas<strong>de</strong>vo observar que o Estado das finanças da Província não permittirá talvezque se realiz<strong>em</strong> <strong>em</strong> todas as vantagens que alli se promett<strong>em</strong> aosProfessores. Um <strong>de</strong>ffeito mais existe, e que não foi ainda r<strong>em</strong>ediado: a Leique mandou ensinar muitas matérias nas Escolas <strong>de</strong> primeiras Letras nãopreveo que faltarão Mestres, que b<strong>em</strong> prehenchesse os seos <strong>de</strong>veres. AsEscolas Lencasterianas que tanto prosperão na Europa, pouco fructo t<strong>em</strong>produzido entre nós. Collegios organizados <strong>de</strong> maneira, que anime seosDirectores, e suavise as <strong>de</strong>spezas aos Paes <strong>de</strong> famílias, dando fundadasesperanças aos alumnos aproveitados, me parec<strong>em</strong> os mais próprios parapromover a Instrucção, e mesmo para formar o caracter nacional.Os <strong>de</strong>fensores do método lancasteriano alegavam que os maiores probl<strong>em</strong>as naimplantação do ensino mútuo residiam na falta <strong>de</strong> recursos públicos disponíveis para aeducação e ao fato <strong>de</strong> os professores não ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>vidamente formados para ensinar através dométodo, e <strong>de</strong>fendiam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veria haver uma instituição que os formassea<strong>de</strong>quadamente. Isso só aconteceu com o advento das primeiras escolas normais, quando,apesar dos probl<strong>em</strong>as já constatados anteriormente, a maioria das províncias brasileiras aindainsistia na formação <strong>de</strong> professores que dominass<strong>em</strong> aquele método.Na perspectiva <strong>de</strong> Heller (1985), a adoção imediata <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados mo<strong>de</strong>los, comoaconteceu na escolha do método lancasteriano, <strong>de</strong>ve-se, muitas vezes, a processos <strong>de</strong> seduçãoadvindos da tradição ou da moda. A tradição teve maior influência nas socieda<strong>de</strong>s précapitalistas,cuja estrutura social orientava-se para o passado, enquanto a moda passou apredominar com a ascensão da socieda<strong>de</strong> burguesa, à qual se impôs a orientação para o futuro.Na época, o método <strong>de</strong> Lancaster, adotado na Inglaterra e na França, saiu vitorioso poraproximar-se <strong>de</strong> modismos fort<strong>em</strong>ente difundidos no cotidiano da socieda<strong>de</strong> brasileira daépoca, como a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e a disciplina.Qu<strong>em</strong> quer então <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar a<strong>de</strong>quadamente o seu papel não po<strong>de</strong> sepermitir o menor atraso <strong>em</strong> relação à moda; t<strong>em</strong> <strong>de</strong> segui-la passo a passo,t<strong>em</strong> <strong>de</strong> submeter-se a seu arbítrio, tanto no sist<strong>em</strong>a consuetudinário geralquanto no vestuário ou nas esferas estéticas da vida (<strong>de</strong>coração dahabitação, sensibilida<strong>de</strong> artística, etc.). A moda, portanto, é a manifestaçãoalienada da orientação para o futuro, encontrando-se <strong>em</strong> relação necessáriacom o crescimento da categoria <strong>de</strong> ‘papel’ (HELLER, 1985, p.90).


70Conforme já mencionamos, somente com a fundação das primeiras escolas normais éque foi iniciada a formação <strong>de</strong> mestres profissionais no Brasil. Segundo Villela (2000), omovimento <strong>de</strong> criação das escolas normais inseria-se num momento <strong>em</strong> que a políticaeducacional <strong>de</strong> várias províncias buscava uma maior uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> padrões culturais e <strong>de</strong>convivência social, o que, na visão da classe governista, se conseguiria por meio da escola. Aformação <strong>de</strong>sses professores iria <strong>de</strong>rramar a instrução por todas as classes, instrução que, <strong>de</strong>acordo com o pensamento iluminista, possibilitaria à socieda<strong>de</strong> brasileira atingir estágios maiselevados <strong>de</strong> civilização. E o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> civilizada era, para a elite brasileira daépoca, aquele que se verificava principalmente na França, daí a importação do mo<strong>de</strong>lo francês<strong>de</strong> Escola Normal.Discutia-se muito no Brasil, durante o século XIX, que método <strong>de</strong> instrução <strong>de</strong>veriaser ensinado, nas escolas normais, aos futuros professores. Num primeiro momento, segundoVillela (2000), as províncias optaram, <strong>em</strong> sua maioria, pela formação <strong>de</strong> professores quedominass<strong>em</strong> o método lancasteriano, mesmo que, já naquela época, este fosse alvo <strong>de</strong>inúmeras críticas. A principal razão apontada para a adoção do método referia-se ao melhoraproveitamento do t<strong>em</strong>po do professor e à redução <strong>de</strong> gastos por parte do Estado. Outra razãoque não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scartada é que, segundo seus <strong>de</strong>fensores, o método <strong>de</strong>senvolvia nos alunoshábitos disciplinares <strong>de</strong> hierarquia e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, características que se encaixavam muito b<strong>em</strong>nos propósitos políticos do grupo conservador governista, que pretendia difundir entre ajuventu<strong>de</strong> princípios como o patriotismo e a obediência ao imperador.Como já citamos, a primeira escola normal brasileira foi criada na Província do Rio <strong>de</strong>Janeiro, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Niterói, pela Lei nº 10, <strong>de</strong> 1835, a qual <strong>de</strong>terminava que: “Haverá nacapital da Província uma escola normal para nela se habilitar<strong>em</strong> as pessoas que se <strong>de</strong>stinar<strong>em</strong>ao magistério da instrução primária e os professores atualmente existentes que não tiver<strong>em</strong>adquirido necessária instrução nas escolas <strong>de</strong> ensino mútuo, na conformida<strong>de</strong> da Lei <strong>de</strong>15/10/1827.” (TANURI, 2000, p.64). O currículo da escola incluía os seguintes saberes: ler eescrever pelo método lancasteriano; as quatro operações e proporções; a língua nacional;el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> geografia; princípios <strong>de</strong> moral cristã. Os pré-requisitos para ingresso na escolanormal limitavam-se a ser cidadão brasileiro com, no mínimo, 18 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, ter boamorigeração, e saber ler e escrever (TANURI, 2000).Conforme po<strong>de</strong> ser observado no caso da escola <strong>de</strong> Niterói, as primeiras escolasnormais brasileiras não dispunham <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo curricular voltado para a formação dosprofessores, fato que reflete uma visão geral na época <strong>de</strong> que o magistério não constituía uma


71profissão, mas sim uma vocação, para a qual contribuíam a <strong>de</strong>dicação, qualida<strong>de</strong>s morais e aaptidão. As disciplinas pedagógicas, como Didática e Metodologia do Ensino, não apareciamna gra<strong>de</strong> curricular da escola normal. O currículo ass<strong>em</strong>elhava-se ao das escolas el<strong>em</strong>entares;a exceção era a disciplina que continha uma metodologia superficial <strong>de</strong> alfabetização pelométodo lancasteriano. A função básica da escola normal era, então, a <strong>de</strong> transmitir aos futurosprofessores os conhecimentos que <strong>de</strong>veriam ser retransmitidos aos alunos das escolasprimárias e secundárias. Ao novo mestre, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong>sses saberes sist<strong>em</strong>atizados, cabiacumprir sua função pré-<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong>ntro do sist<strong>em</strong>a escolar.Entretanto, diante dos probl<strong>em</strong>as práticos que vinham sendo encontrados naimpl<strong>em</strong>entação do método <strong>de</strong> Lancaster, as províncias passaram a estudar outras alternativas.No ano <strong>de</strong> 1835, o governo <strong>de</strong> Minas Gerais contratou dois técnicos, os senhores FernandoVaz <strong>de</strong> Melo 25 e Francisco <strong>de</strong> Assis Peregrino, para estudar a viabilida<strong>de</strong> da implantação doensino simultâneo na Província. Após conhecer o método na França, Peregrino elaborou umrelatório <strong>em</strong> que relata, com minúcias, a forma como o ensino simultâneo era aplicadonaquele país; além disso, seu relatório continha, também, um estudo sobre o métodolancasteriano, <strong>de</strong>saconselhando sua aplicação no Brasil, por falta <strong>de</strong> pessoal competente, oque já se vinha confirmando nas escolas da Província (TORRES, 1962a).E assim, mostrando-se incompatível com o caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente conservador dasocieda<strong>de</strong> brasileira – que preferia para seus filhos o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> aulas individuais –, com afalta <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong>stinados à instrução pública, e com a ausência <strong>de</strong> políticas eficazes para aeducação pública, o método mútuo não conseguiu firmar-se e, com o t<strong>em</strong>po, a maior parte dasescolas normais brasileiras acabou optando pelo treinamento <strong>de</strong> professores <strong>de</strong>ntro do métodosimultâneo. No caso específico das escolas normais mineiras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1840, otreinamento dos professores acabou evoluindo para um novo método, o misto, que combinavacaracterísticas dos métodos lancasteriano e simultâneo.Conforme l<strong>em</strong>bra Paulo Krüger Corrêa Mourão (TORRES, 1962), <strong>em</strong> Minas Gerais, apartir <strong>de</strong> 1847, com a reabertura da Escola Normal <strong>de</strong> Ouro Preto, todos os professores aser<strong>em</strong> habilitados naquela instituição <strong>de</strong>veriam apren<strong>de</strong>r o método <strong>de</strong> ensino misto. Alémdisso, o artigo 11º da Lei nº 311, <strong>de</strong> 1846, exigia a ida até Ouro Preto <strong>de</strong> todos os professoresmineiros, a fim <strong>de</strong> que estes pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> habilitar-se no método <strong>de</strong> ensino adotado na EscolaNormal. Assim, <strong>em</strong> meados do século, era fato comum os professores primários mineiros,25 Acreditamos que se trate do engenheiro civil Fernando Vaz <strong>de</strong> Melo, que, alguns anos <strong>de</strong>pois, acabou fixandoresidência <strong>em</strong> Uberaba e foi o responsável pela fundação da primeira escola secundária da cida<strong>de</strong>.


72mesmo os já atuantes, ser<strong>em</strong> mandados à capital da província para fazer um curso intensivona Escola Normal, a fim <strong>de</strong> preparar<strong>em</strong>-se para a utilização do método misto, num curso <strong>de</strong>habilitação nunca inferior a dois meses. Após o curso, o professor era examinado e só <strong>de</strong>poisrecebia o diploma habilitando-o para o magistério.Mas qu<strong>em</strong> eram os mestres mineiros? Dada a escassez <strong>de</strong> professores formados pelasescolas normais, a autorização para o exercício do magistério era bastante simples. Na década<strong>de</strong> 1860, por ex<strong>em</strong>plo, as normas provinciais que possibilitavam a nomeação <strong>de</strong> cidadãoscomo professores, tanto no sist<strong>em</strong>a público <strong>de</strong> ensino como no privado, baseavam-se noRegulamento nº 49, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1861, que <strong>de</strong>terminava ser necessário aos interessados<strong>em</strong> abraçar o magistério:§ 1º Ter 21 annos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>§ 2º Bom comportamento civil e moral§ 3º Ser catholico apostolico romano§ 4º Ter conhecimentos especiais das matérias do ensino§ 5º Estar<strong>em</strong> livres <strong>de</strong> <strong>de</strong>lictos, e não ter<strong>em</strong> sido con<strong>de</strong>nnados por crimes<strong>de</strong>gradantes, e por actos offensivos á Religião, e á moral [..] (MUNIZ,2003, p. 283)Percebe-se, no texto do regulamento, que a formação pedagógica não era, <strong>de</strong> modoalgum, um pré-requisito para a docência. Aos cidadãos <strong>de</strong> conduta ilibada interessados <strong>em</strong> setornar professores bastava o conhecimento dos conteúdos <strong>de</strong> ensino, o que acabava levandopara o magistério padres, médicos, engenheiros, advogados e outras pessoas que, mesmo nãotendo freqüentado os níveis mais elevados do ensino, tivess<strong>em</strong> uma formação autodidata <strong>em</strong>alguma matéria específica. O fato é que o país não dispunha <strong>de</strong> escolas normais suficientespara formar a mão-<strong>de</strong>-obra necessária às muitas escolas primárias e secundárias que surgiam,mesmo que <strong>de</strong> forma irregular, por toda a nação.A primeira escola normal do Rio <strong>de</strong> Janeiro teve duração efêmera, tendo sido fechada<strong>em</strong> 1849. Com a criação da segunda escola normal naquela província, <strong>em</strong> 1859, foiintroduzida no currículo a disciplina Pedagogia, que dava aos alunos uma base pedagógicarudimentar. Os <strong>de</strong>mais conteúdos curriculares não ultrapassavam o nível do ensino primário.Assim como acontecia com as <strong>de</strong>mais escolas normais existentes no país, a freqüência <strong>de</strong>alunos era bastante reduzida, mesmo com a garantia <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego nas escolas primárias dadapelos governos provinciais (TANURI, 2000).Provavelmente, a reduzida capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção das primeiras escolasnormais foi <strong>de</strong>vida não apenas às suas <strong>de</strong>ficiências didáticas, mas sobretudoà falta <strong>de</strong> interesse da população pela profissão docente, acarretada pelosminguados atrativos financeiros que o magistério primário oferecia e pelopouco apreço que gozava, a julgar pelos <strong>de</strong>poimentos da época.


73Acrescente-se ainda a ausência <strong>de</strong> compreensão acerca da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>formação específica dos docentes <strong>de</strong> primeiras letras (TANURI, 2000,p.65).A baixa qualida<strong>de</strong> da formação docente que acontecia na maioria das escolas normaisera gritante e trouxe a estas gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprestígio junto aos presi<strong>de</strong>ntes das províncias eInspetores <strong>de</strong> Instrução, a ponto <strong>de</strong> ser<strong>em</strong>, muitas vezes, rejeitadas como instrumento <strong>de</strong>qualificação <strong>de</strong> pessoal docente para compor os quadros públicos. Algumas províncias, comoa do Rio <strong>de</strong> Janeiro, optaram pelo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> professores adjuntos, <strong>de</strong> inspiração holan<strong>de</strong>sa eaustríaca, o qual consistia <strong>em</strong> <strong>em</strong>pregar aprendizes como auxiliares <strong>de</strong> professores <strong>em</strong>exercício, a fim <strong>de</strong> prepará-los para o magistério, <strong>de</strong> maneira estritamente prática, s<strong>em</strong>qualquer base teórica.O sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> professores adjuntos foi implantado na província do Rio <strong>de</strong> Janeiro peloRegulamento <strong>de</strong> 14/12/1849, <strong>em</strong> vista do fechamento da primeira escola normal, e foiinstituído por outras províncias, nas quais permaneceu por muito t<strong>em</strong>po, mesmo após ainstalação <strong>de</strong> suas escolas normais (TANURI, 2000). Essa formação prática <strong>de</strong> professoresparece ter sido comum <strong>em</strong> outras províncias brasileiras: segundo Borges (2005), no Relatórioda Inspetoria Geral da Instrução Pública do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais consta que, no final <strong>de</strong>1891, dos 1.433 professores do ensino primário público <strong>de</strong> Minas, apenas 392 haviam feito ocurso normal.Nas últimas décadas do século XIX, mesmo com os regulamentos das escolas normaistendo passado por diversas reformas curriculares e administrativas, como foi o caso <strong>de</strong> MinasGerais, a qualida<strong>de</strong> dos professores formados naquelas escolas ainda era alvo <strong>de</strong> críticas. Emum artigo publicado no ano <strong>de</strong> 1884, no jornal O Volitivo, <strong>de</strong> Uberaba, o autor se diz vítima<strong>de</strong> um professor <strong>de</strong>spreparado, pertencente aos quadros do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> instrução pública.Tendo freqüentado as suas aulas por mais <strong>de</strong> três anos, o autor afirma ter saído <strong>de</strong>las “lendo eescrevendo mallissimamente”. E, <strong>em</strong> terceira pessoa, continua narrando sua situação:E hoje si quer ter algum conhecimento <strong>de</strong> grammatica e saber melhor a sualíngua, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter trabalhado durante todo o dia, freqüenta a sala nocturnado cidadão Manoel Felippe <strong>de</strong> Souza, on<strong>de</strong> graças à pericia <strong>de</strong> tão habilprofessor, t<strong>em</strong> conseguido <strong>em</strong> oito mezes <strong>de</strong> estudo um adiantamento quenão conseguiria <strong>em</strong> dois ou três annos, se fosse leccionado pelo seuprimeiro mestre. Tendo soffrido, pois, as más conseqüências dos patronatosque lhe <strong>de</strong>ram um mào professor, pe<strong>de</strong> aos lentes das escolas normaes quenão cedam a peditorios e cumpram os seus <strong>de</strong>veres, sendo maisescrupulosos quando examinar<strong>em</strong> um individuo para exercer o professorado(O VOLITIVO, 21/09/1884, p. 2).A questão da falta <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> das escolas normais e seu reflexo na formação dos


74professores era alvo <strong>de</strong> críticas, também, por parte dos próprios governantes. Em 1887, oPresi<strong>de</strong>nte da Província <strong>de</strong> Minas Gerais, Carlos Augusto <strong>de</strong> Oliveira Figueiredo, observava,<strong>em</strong> seu relatório, que “as escolas normais não têm produzido os resultados que <strong>de</strong>las seesperavam” (1887 apud TORRES, 1962, p. 1059). Também o novo presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas, LuizEugênio Horta Barbosa, queixava-se, <strong>em</strong> seu relatório <strong>de</strong> 1/6/1888, da falta <strong>de</strong> eficiência dasescolas normais (1888 apud TORRES, 1962). Naquele t<strong>em</strong>po, conforme Paulo Krüger CorrêaMourão (1962 apud TORRES, 1962, p. 1059), essas escolas já ofereciam um currículoreformado, com duração <strong>de</strong> três anos e contendo as seguintes disciplinas:1º - Língua, Literatura Nacional.2º - Aritmética e Escrituração Mercantil.3º - Pedagogia e História Sagrada, Instrução Moral, Religiosa e Cívica.4º - Geometria, Desenho Linear e <strong>de</strong> Imitação.5º - Geografia, Cosmografia e História do Brasil.6º - Francês.Para alunas havia ainda Música e Trabalhos <strong>de</strong> Agulha e Bordados.Percebe-se que, nos últimos anos do Império, o currículo das escolas normais mineirasjá <strong>de</strong>ixava entrever uma certa influência do Liberalismo e do Positivismo, o que se confirmacom a presença da disciplina técnico-profissionalizante Escrituração Mercantil, que dividiaespaço com as matérias clássicas e cristãs, como Literatura Nacional, História Sagrada eEducação Religiosa.A presença f<strong>em</strong>inina nas escolas normais cresceu muito durante a segunda meta<strong>de</strong> doséculo XIX. No período <strong>de</strong> 1876 a 1880, os registros <strong>de</strong> diplomas <strong>de</strong> normalistas <strong>em</strong> MinasGerais apontavam para uma participação f<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> 64% do total <strong>de</strong> professores formados,tendência que se acentuaria ainda mais nas décadas seguintes (MUNIZ, 2003). A f<strong>em</strong>inizaçãodo magistério apresentava-se aos governos provinciais como uma solução para o probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong>mão-<strong>de</strong>-obra para o exercício da docência no ensino primário, rejeitada pelos homens, <strong>em</strong>vista da reduzida r<strong>em</strong>uneração e da falta <strong>de</strong> perspectivas profissionais. O magistérioapresentava-se também como um prolongamento da tradicional ativida<strong>de</strong> educadora que asmulheres já exerciam <strong>em</strong> casa com os filhos, tornando a entrada <strong>de</strong>las no mercado <strong>de</strong> trabalhomais palatável ao controle masculino. Tornar-se uma professora foi a forma encontrada pormuitas mulheres para romper com a reclusão doméstica e com a exclusão social, numa rupturasilenciosa, porém firme, que possibilitou a elas o ingresso num mundo do trabalho aindapredominant<strong>em</strong>ente masculino (MUNIZ, 2003).Por outro lado, a existência <strong>de</strong> um currículo diferenciado para as moças (que seprolongou, ainda, por algumas décadas), e que incluía o aprendizado <strong>de</strong> prendas domésticas,


75<strong>de</strong>ixa transparecer o caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente conservador das estruturas escolares. Ao mesmot<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que formava a professora, a escola normal formava também a dona <strong>de</strong> casa, a mãe<strong>de</strong> família, pronta para assumir o seu papel subalterno <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> patriarcal 26 . Nesseponto, convém ressaltar que <strong>em</strong>bora as mulheres, ao atingir o status <strong>de</strong> mestras, estivess<strong>em</strong>aparent<strong>em</strong>ente abalando a or<strong>de</strong>m estabelecida, elas mesmas, ao assumir sua função nasescolas primárias, passavam a transmitir para as novas gerações os antigos preconceitosculturais, através <strong>de</strong> um currículo i<strong>de</strong>ologicamente contaminado, propagando os fundamentosda socieda<strong>de</strong> patriarcal.O período imperial po<strong>de</strong> se entendido como aquele <strong>em</strong> que ocorreu o nascimento daprofissão docente no Brasil, ao possibilitar a transição <strong>de</strong> um momento <strong>em</strong> que a educaçãoocorria <strong>de</strong> forma menos sist<strong>em</strong>ática e os professores não eram especializados, para umsegundo momento, caracterizado por um conjunto <strong>de</strong> saberes, normas e valores próprios daativida<strong>de</strong> docente (baseados no Paradigma do Magister), que passaram a <strong>de</strong>finir a ação dosprofessores. Sustentada pelo projeto conservador que a instituiu, a trajetória da profissãodocente teve, nas escolas normais, o seu instrumento básico <strong>de</strong> conformação dos professores e<strong>de</strong> controle do exercício da profissão. Entretanto, apesar <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rir<strong>em</strong> ao projeto heg<strong>em</strong>ônico,que lhes possibilitou construir uma profissão legalmente reconhecida, os professores, poroutro lado, passaram a buscar a conquista da autonomia profissional e melhores condições <strong>de</strong>trabalho. “Talvez a maior <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> entre o velho mestre-escola e o novo professorprimário ou a nova professora que <strong>em</strong>erge no final do século XIX seja, exatamente, aconsciência <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> – a da conquista <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional.”(VILLELA, 2000, p.131).A partir da última década do século XIX, com a proclamação da República e a reformado ensino impl<strong>em</strong>entada pelo ministro da instrução, Benjamin Constant, e, ao mesmo t<strong>em</strong>po,através da divulgação dos estudos psicológicos e pedagógicos do inglês Herbert Spencer, ainfluência positivista tornou-se bastante visível nos currículos das escolas normais brasileiras.Entretanto, segundo afirma Rui Barbosa (AZEVEDO, 1963), Constant não conheciasuficient<strong>em</strong>ente b<strong>em</strong> as concepções <strong>de</strong> educação que estavam expressas nos tratados <strong>de</strong>filosofia e política positiva – ou que se podiam <strong>de</strong>duzir <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a filosófico –, e, aosobrecarregar o ensino normal e secundáriocom a mat<strong>em</strong>ática, el<strong>em</strong>entar e superior, a astronomia, a física, a química, a26 Talvez venha daí uma expressão bastante usada por muito t<strong>em</strong>po para <strong>de</strong>signar os cursos <strong>de</strong> magistério,popularmente chamados <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> espera-marido.


76biologia, a sociologia e a moral, rompeu o reformador com a tradição doensino literário e clássico e, preten<strong>de</strong>ndo estabelecer o primado dos estudoscientíficos, não fez mais do que instalar um ensino enciclopédico nos cursossecundários, com o sacrifício dos estudos das línguas e literaturas antigas <strong>em</strong>o<strong>de</strong>rnas (AZEVEDO, 1963, p.616).Explicando: o mo<strong>de</strong>lo pedagógico proposto por Comte recomendava o ensino dasciências somente após os 14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>; antes disso, a criança <strong>de</strong>veria receber umaeducação <strong>de</strong> caráter estético, baseada na poesia, na música, no <strong>de</strong>senho e nas línguas(RIBEIRO, 1984). Ao contrariar Comte, incluindo já na escola <strong>de</strong> 1º grau a aritmética, ageometria prática e, nas escolas secundárias (com crianças a partir dos 13 anos), atrigonometria e as ciências físicas e naturais, Benjamin Constant promoveu um simplesacréscimo <strong>de</strong> matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico. O mesmocaráter enciclopédico passou a caracterizar os cursos normais. Po<strong>de</strong>-se dizer que, a princípio,o positivismo penetrou no Brasil, não como um método <strong>de</strong> investigação, mas como umamaneira <strong>de</strong> pensar que se po<strong>de</strong>ria chamar <strong>de</strong> científica ou mesmo <strong>em</strong>pírica, que, <strong>em</strong> seu curtoperíodo <strong>de</strong> influência na educação oficial republicana, acabou não trazendo qualquercontribuição pon<strong>de</strong>rável ao progresso das ciências (AZEVEDO, 1963).A nosso ver, a formação positivista <strong>de</strong> professores nas escolas normais brasileira sóganhou uma certa cientificida<strong>de</strong> pedagógica – que faltara na reforma <strong>de</strong> Constant – com oestudo, naquelas escolas, das teorias <strong>de</strong> Spencer (1820-1903). Em sua principal obra,Educação intelectual, moral e física, Spencer expõe suas idéias pedagógicas, profundamenteinfluenciadas pelas ciências sociais <strong>de</strong> Comte, mostrando que os conhecimentos maisimportantes são os que serv<strong>em</strong> para a conservação e a melhora do indivíduo, da família e dasocieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral. Para ele, a educação consistia numa preparação completa do hom<strong>em</strong> paraa vida inteira, fornecendo os conhecimentos que melhor serviss<strong>em</strong> para <strong>de</strong>senvolver a vidaintelectual e social <strong>em</strong> todos os seus sentidos (GADOTTI, 1995).Segundo Silva (2004), os positivistas tinham uma profunda crença no processoeducativo, ancorado numa ciência <strong>em</strong>ergente, como intrumento <strong>de</strong> salvação da socieda<strong>de</strong>.Somente o conhecimento po<strong>de</strong>ria livrar os indivíduos da miséria, das imperfeições e daopressão, já que a ignorância seria a principal causa dos probl<strong>em</strong>as da condição humana.Nessa perspectiva, a educação escolar <strong>de</strong>veria conter conteúdos que valorizass<strong>em</strong> opatriotismo, a moral e o caráter, e a formação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong>veria ser fundamentada noaltruísmo, na paixão e no sentimento cívico, procurando <strong>de</strong>spertar nos alunos o amor à pátriae o <strong>de</strong>sejo do b<strong>em</strong> comum. Nas escolas normais, o antigo currículo <strong>de</strong> tradição pedagógica


77católico-humanista foi substituído por outro, que difundia os valores do nacionalismo e dacidadania, incorporando, às matérias consi<strong>de</strong>radas científicas, as disciplinas importantes àformação <strong>de</strong> novos hábitos, como Instrução Moral e Cívica e Higiene.No início do século XX, as reformas do ensino no Brasil passaram a oscilar entre ainfluência humanista clássica e a positivista. A primeira corrente saiu vitoriosa no código <strong>de</strong>Epitácio Pessoa (1901), que acentuou a parte literária, ao incluir a lógica e retirar a biologia, asociologia e a moral. Por outro lado, a Reforma Rivadávia Corrêa (1911) retomou aorientação positivista, tentando, <strong>de</strong>ntre outras medidas, infundir um critério prático ao estudodas disciplinas. Já as reformas <strong>de</strong> 1915 (Carlos Maximiliano) e <strong>de</strong> 1925 (Luiz Alves / RochaVaz), retomaram a tendência humanista (RIBEIRO, 1984).A influência positivista na formação <strong>de</strong> professores brasileiros, <strong>em</strong>bora curta, po<strong>de</strong> serentendida como o primeiro passo rumo à superação do Paradigma do Magister, ao propor umcurrículo cientificamente organizado e a transformação do antigo mestre transmissor <strong>de</strong>conhecimentos <strong>em</strong> um profissional executor <strong>de</strong> planos instrucionais i<strong>de</strong>alizados pelo Estado.Embora a formação técnica dos professores só tenha conseguido consolidar a sua base <strong>de</strong>apoio a partir da década <strong>de</strong> 1920, com a divulgação dos estudos <strong>de</strong> Bobbitt, Thorndike eWatson, e dos tratados <strong>de</strong> psicologia experimental, o positivismo educacional é, com certeza,o berço <strong>de</strong>ssa concepção <strong>de</strong> formação docente, com o que concordam muitos teóricos: Saviani(2005, p. 14), falando da Pedagogia Tecnicista, afirma que “Sua base <strong>de</strong> sustentação teórica<strong>de</strong>sloca-se para a psicologia behaviorista, a engenharia comportamental, a ergonomia,informática, cibernética, que têm <strong>em</strong> comum a inspiração filosófica neopositivista e o métodofuncionalista”; já Contreras (2002, p.94), ao explicar os princípios que fundamentam aracionalida<strong>de</strong> técnica, afirma:Tal como expressa Schön, a concepção positivista do conhecimentocientífico é a que sustenta esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong> técnica. De umlado, reduz o papel do conhecimento às regras <strong>de</strong> causa e efeito quepermit<strong>em</strong> a predição dos fenômenos e sua conseqüente manipulação econtrole. Por outro lado, reduz o conhecimento prático a um conhecimentotécnico, na medida <strong>em</strong> que as relações causais po<strong>de</strong>m se transformar <strong>em</strong>relações instrumentais, ou ainda construindo um conhecimento das relaçõesentre os meios e os fins, estabelecendo experiências que permitam compararquais são os meios que melhor consegu<strong>em</strong> os fins pretendidos.Mas, se por um lado, a influência comteana <strong>de</strong>u certo tom técnico-científico àformação <strong>de</strong> professores, por outro, não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que o mo<strong>de</strong>lo da racionalida<strong>de</strong>técnica – concepção <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores heg<strong>em</strong>ônica a partir do final da década <strong>de</strong>1950 – já estivesse presente no contraditório positivismo educacional implantado nas escolas


78normais brasileiras: nelas aprendiam-se os conhecimentos científicos da mesma forma comoeram assimilados os <strong>de</strong> natureza literária. Não se fazia ciência e não se aplicava o métodocientífico. Apenas tomava-se conhecimento dos resultados da ativida<strong>de</strong> científica. O ensinoenciclopédico adotado nas escolas normais, associado a princípios positivistas, <strong>de</strong>u uma formapeculiar àquela concepção <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores: apesar <strong>de</strong> privilegiar conteúdos ditoscientíficos, a falta <strong>de</strong> um planejamento racional do ensino fazia com que os própriosprofessores – à s<strong>em</strong>elhança do que s<strong>em</strong>pre acontecera <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos imperiais – acabass<strong>em</strong><strong>de</strong>cidindo quando, on<strong>de</strong> e como organizar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino (HILSDORF, 2003).Mesmo com a influência positivista sobre o governo central, a instrução públicabrasileira mantinha um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino que ainda se centrava na figura do professor.Entretanto, a partir da década <strong>de</strong> 1880, já se podiam verificar, principalmente <strong>em</strong> São Paulo,os primeiros ensaios <strong>de</strong> renovação do ensino público. O currículo das escolas normaiscomeçou a receber influências dos movimentos renovadores, visando à superação doParadigma do Magister. Os rudimentos dos princípios pestalozzianos, principalmente, jáfaziam parte do currículo <strong>de</strong> algumas escolas normais brasileiras, <strong>em</strong>bora ainda <strong>de</strong> formabastante precária. Nesse sentido, já <strong>em</strong> 1882, o Editorial do jornal A Província <strong>de</strong> São Pauloapontava as dificulda<strong>de</strong>s por que passavam alunos e professores da Escola Normal <strong>de</strong> SãoPaulo:O estabelecimento t<strong>em</strong>, é verda<strong>de</strong>, bons professores, mas não estão sujeitosa um <strong>programa</strong> <strong>de</strong> sorte que haja certa uniformida<strong>de</strong> no ensino das diversasmatérias. Cada qual leciona como julga melhor e <strong>de</strong>senvolve os pontos do<strong>programa</strong> regular como b<strong>em</strong> lhe apraz. Daí v<strong>em</strong> notar-se, logo ao primeiroexame, uma falta <strong>de</strong> acordo no modo <strong>de</strong> formar o mestre. Leciona-se alicomo nos colégios com o fim <strong>de</strong> instruir os alunos obrigando-os apenas aadquirir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pouco t<strong>em</strong>po os conhecimentos possíveis. [...] Ensina-se<strong>em</strong> uma aula anexa, a do sexo masculino, pelo método João <strong>de</strong> Deus e osalunos sa<strong>em</strong> da escola ignorando esse método! São incapazes <strong>de</strong> fazeraplicações dos métodos Pestalozzi e Froebel e talvez n<strong>em</strong> os compreendam.[...] Ensina-se geografia s<strong>em</strong> mapas, s<strong>em</strong> globos [...] As aulas <strong>de</strong> química efísica funcionam há mais <strong>de</strong> dois anos e não existe na casa um só aparelhon<strong>em</strong> mesmo <strong>de</strong>sses que se encontra aí <strong>em</strong> qualquer botica <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia! [...] Ointeligente professor da aula anexa, por mais que procure seguir os métodos<strong>em</strong> voga e dar um ensino intuitivo, nada po<strong>de</strong> fazer porque falta-lhe tudo(1882 apud HILSDORF, 2003, p. 52-53).No texto jornalístico, acima transcrito, perceb<strong>em</strong>os que a divulgação dos novosmétodos nas escolas normais ainda sofria com a <strong>de</strong>sorganização curricular, com a falta <strong>de</strong>planejamento e com a escassez <strong>de</strong> recursos pedagógicos. Tentando mudar esse quadro, <strong>em</strong>1890, Antônio Caetano <strong>de</strong> Campos <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>u uma gran<strong>de</strong> reforma na escola normal da


79capital paulista, introduzindo no currículo as idéias <strong>de</strong> Pestalozzi acerca dos métodosintuitivos <strong>de</strong> ensino e contratando professoras-diretoras <strong>de</strong> formação norte-americana(TANURI, 2000). Entretanto, apesar das teorias <strong>de</strong> Spencer, Pestalozzi e outros pedagogosestar<strong>em</strong>, já no final do século XIX, presentes nos currículos <strong>de</strong> algumas escolas normais,muitas <strong>de</strong>las ainda permaneciam presas a um ensino enciclopédico que se mostrou incapaz <strong>de</strong>realizar uma transformação radical no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino brasileiro ou <strong>de</strong> provocar umasignificativa renovação intelectual <strong>de</strong> nossas elites culturais.Enquanto, no Brasil, assistia-se ao <strong>em</strong>bate entre positivistas e tradicionalistas, <strong>em</strong>1899, o suíço Adolphe Ferrière fundava o Birô Internacional das Escolas Novas, sediado <strong>em</strong>Genebra, que aprovou trinta itens consi<strong>de</strong>rados básicos para a nova pedagogia. Comocaracterísticas básicas, a Educação Nova <strong>de</strong>veria ser integral (intelectual, moral e física),ativa, prática e autônoma (GADOTTI, 1995). Recebendo contribuições das obras <strong>de</strong>Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, Froebel e outros, o escolanovismo exerceu algumainfluência nas escolas normais brasileiras, já a partir do início do século XX, <strong>em</strong>bora somentea partir da década <strong>de</strong> 20 seus fundamentos se tenham realmente diss<strong>em</strong>inado pelo país.Após a Primeira Guerra Mundial, com a ascensão <strong>de</strong> uma nova burguesia urbanoindustrial,crescia no Brasil o interesse pela educação, consi<strong>de</strong>rada pelos estratos <strong>em</strong>ergentesda socieda<strong>de</strong> como um importante fator <strong>de</strong> acesso ao po<strong>de</strong>r. Além disso, a elite intelectualburguesa rejeitava os valores ultrapassados da velha oligarquia rural, incluindo o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>ensino criado por esta.Crescia, também, principalmente graças à divulgação da obra <strong>de</strong> John Dewey, ainfluência do escolanovismo na educação brasileira. Em sua obra The child and thecurriculum, Dewey critica o currículo clássico-humanista e prega um novo mo<strong>de</strong>lo, mais<strong>de</strong>mocrático, que faça da escola um espaço <strong>de</strong> experimentação e preparo para a vida <strong>em</strong> umasocieda<strong>de</strong> liberal. Nos anos 20, seu pensamento, ao lado das obras <strong>de</strong> Claparè<strong>de</strong>, Montessori eoutros escolanovistas europeus, teve gran<strong>de</strong> penetração no movimento <strong>de</strong> renovaçãopedagógica li<strong>de</strong>rado pelos pioneiros da educação no Brasil, levando ao nascimento <strong>de</strong> umnovo paradigma <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores: o Paradigma do Pedagogo.Segundo Alleoni (2003), essa concepção está relacionada com os métodos ativos <strong>de</strong>ensino, nos quais o aluno torna-se o sujeito do processo educativo, cabendo ao professor opapel <strong>de</strong> orientador e mediador <strong>de</strong>sse processo. Ao contrário do paradigma anterior, <strong>em</strong> que oprofessor era o <strong>de</strong>tentor do saber sist<strong>em</strong>atizado e figura central do ensino, nessa novaperspectiva, a instrução está subordinada à educação, e o domínio do saber não é uma


80exigência predominante. A competência profissional v<strong>em</strong> agora da capacida<strong>de</strong> do professor<strong>de</strong> enxergar as necessida<strong>de</strong>s do aluno e <strong>de</strong> ajudá-lo a buscar o conhecimento, o que exige domestre uma maior formação psicológica, sociológica e pedagógica.Os estudos <strong>de</strong> John Dewey acerca da formação docente consi<strong>de</strong>ram fundamentais aexperiência e a reflexão na experiência 27 . Segundo Dewey, a reflexão sobre a prática <strong>de</strong>ve sercapaz <strong>de</strong> gerar uma solução para um <strong>de</strong>terminado probl<strong>em</strong>a. “Então a solução sugerida – aidéia ou teoria – t<strong>em</strong> que ser posta <strong>em</strong> prova, proce<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong> acordo com ela. Se acarretarcertas conseqüências, <strong>de</strong>terminadas mudanças no mundo, admite-se como valiosa. Se tal nãose <strong>de</strong>r, modificamo-la e faz<strong>em</strong>os novas experiências” (1952, p. 208 apud PIMENTA, 2002,p.19).Nas reformas do ensino postas <strong>em</strong> prática no Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1928), Pernambuco(1928) e Minas Gerais (1927), a escola normal passou a ter um curso <strong>de</strong> cinco anos, divididonum ciclo geral ou propedêutico <strong>de</strong> três anos e num ciclo profissional <strong>de</strong> dois anos. No cicloprofissional, as idéias escolanovistas nortearam um conjunto <strong>de</strong> normas didático-pedagógicase levaram à introdução <strong>de</strong> novas disciplinas <strong>de</strong> formação docente, como História daEducação, Sociologia, Biologia e Higiene, Desenho e Trabalhos Manuais, as quais somaramseà Pedagogia, à Psicologia e à Didática (TANURI, 2000).Paralelamente à influência escolanovista, a formação <strong>de</strong> professores nas escolasnormais brasileiras passou a receber, na década <strong>de</strong> 20, as primeiras influências da psicologiacomportamentalista e dos estudos norte-americanos <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um currículo tecnicamenteplanejado. Em sua obra The Curriculum (1918), Bobbitt procurou introduzir os princípios dotaylorismo na organização do processo educacional, criando um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> currículo cujacaracterística básica era a adoção <strong>de</strong> esqu<strong>em</strong>as estruturados e altamente controladores <strong>de</strong>ntroda escola – as ativida<strong>de</strong>s pedagógicas eram pensadas <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e controlecomportamental –, tornando-se um instrumento planejado cientificamente para prever econtrolar a escola <strong>em</strong> todas as suas dimensões. Esses estudos científicos, associados aosprincípios <strong>de</strong>mocráticos da Escola Nova, formaram a base sobre a qual se apoiou o currículodas escolas normais brasileiras.Por volta do final dos anos 20, as escolas normais já haviam ampliadobastante a duração e o nível <strong>de</strong> seus estudos, possibilitando, via <strong>de</strong> regra,articulação com o curso secundário e alargando a formação profissionalpropriamente dita, graças à introdução <strong>de</strong> disciplinas, princípios e práticasinspiradas no escolanovismo, e a atenção dada às escolas-mo<strong>de</strong>lo ou escolas27 Na década <strong>de</strong> 1980, aproveitando-se dos estudos <strong>de</strong> Dewey, Donald Schön propôs uma formação docentebaseada na valorização da prática profissional e da pesquisa na ação, e criou o conceito do professor reflexivo.


81<strong>de</strong> aplicação anexas. A pedagogia que as <strong>em</strong>basava fundamentava-sefundamentalmente numa psicologia experimental – esta já então libertadados estritos limites da psicofísica e das medições cefalométricas –preocupada com a aferição da inteligência e das aptidões, ou seja, com os‘instrumentos <strong>de</strong> medida’ e com seu valor <strong>de</strong> prognóstico para aaprendizag<strong>em</strong>. [...] Escola nova, método ativo, método analítico, testes <strong>em</strong>edidas são palavras-chave da época (TANURI, 2000, p. 72).Com o t<strong>em</strong>po, a pedagogia escolanovista das escolas normais passou a receber, cadavez mais, a influência das novas tecnologias educacionais, <strong>de</strong>sviando paulatinamente, doaluno para o método, o centro do processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong>.A literatura pedagógica, até então voltada quase que exclusivamente parauma abordag<strong>em</strong> ampla dos probl<strong>em</strong>as educacionais, <strong>de</strong> uma perspectivasocial e política, passa a tratar os probl<strong>em</strong>as educacionais, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong>vista técnico, ‘científico’, e a cont<strong>em</strong>plar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> questões teóricas e práticasdo âmbito intra-escolar, até abordagens pedagógicas mais amplas, daperspectiva da escola renovada. Essa <strong>de</strong>limitação dos probl<strong>em</strong>aseducacionais a uma abordag<strong>em</strong> estritamente técnica t<strong>em</strong> sido apontadacomo responsável por uma visão ingênua e tecnicista da educação, isolada<strong>de</strong> seu contexto histórico-social, que faria carreira na educação brasileira apartir <strong>de</strong> então e da qual resultaria uma ampliação da ênfase nos conteúdospedagógicos, no caráter ‘científico’ da educação e na suposta ‘neutralida<strong>de</strong>’dos procedimentos didáticos (TANURI, 2000, p.72).Surgiam, assim, as bases <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores: apóspermanecer, por um curto período, com sua concepção formativa baseada no Paradigma doPedagogo, as escolas normais brasileiras adotavam agora um novo mo<strong>de</strong>lo, consi<strong>de</strong>rado maisa<strong>de</strong>quado à mo<strong>de</strong>rna socieda<strong>de</strong> capitalista. Depois <strong>de</strong> ter tido uma experiência precursora noBrasil – à época do positivismo educacional da virada <strong>de</strong> século – <strong>em</strong>ergia novamente, agorafortalecido e cientificamente <strong>em</strong>basado pela Psicologia Experimental e pelos estudos <strong>de</strong>Bobbit, o Paradigma do Técnico. Com a contribuição <strong>de</strong> outros teóricos – principalmenteSkinner, na área da psicologia, e <strong>de</strong> Tyler, no campo do currículo –, uma nova concepção <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> professores, a da Racionalida<strong>de</strong> Técnica 28 , iria reinar absoluta no Brasil, a partirdo final da década <strong>de</strong> 1950, direcionando, por quase meio século, os cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores.28 Falando da formação técnica dos professores, Contreras (2002) l<strong>em</strong>bra que, nessa nova concepção <strong>de</strong> ensino, acompetência profissional relaciona-se com o domínio técnico <strong>de</strong>monstrado na solução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as, ou seja, noconhecimento dos procedimentos a<strong>de</strong>quados <strong>de</strong> ensino e <strong>em</strong> sua aplicação racional. Sendo assim, o sucesso<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo educacional <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da formação inicial e permanente dos professores, o que, supostamente, lhespermite o acesso a métodos <strong>de</strong> ensino, materiais curriculares, técnicas <strong>de</strong> organização da classe e outrosinstrumentos essenciais à prática docente.


822 A ESCOLA NA PRINCESA DO SERTÃO: PRIMEIROS TEMPOSEste capítulo t<strong>em</strong> por objetivo apresentar um panorama geral da primeira fase dahistória <strong>de</strong> Uberaba – por muitos anos conhecida como a Princesa do Sertão –, com <strong>de</strong>staquepara o setor educacional, enfocando o período compreendido entre a criação do centro urbano,situada no período colonial, e o ano <strong>de</strong> 1880, ainda no Império. Tal visão é <strong>de</strong> vitalimportância para que possamos situar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto sócio-histórico mais amplo, aprobl<strong>em</strong>ática referente à formação <strong>de</strong> professores – que se iniciaria com a criação da EscolaNormal, <strong>em</strong> 1881 – e para o entendimento dos condicionantes históricos que propiciaram asprimeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior no município.2.1 A conquista das terras e a formação sócio-econômica <strong>de</strong> UberabaO atual Triângulo Mineiro fez, por vários anos, parte do território dos índios caiapósmeridionais 29 – região conhecida como Caiapônia –, até que, no ano <strong>de</strong> 1682, uma ban<strong>de</strong>ira<strong>de</strong> apresamento, li<strong>de</strong>rada por Bartolomeu Bueno da Silva, conhecido como velhoAnhangüera 30 , acompanhado por seu filho <strong>de</strong> 12 anos, atravessou a região e atingiu oterritório habitado pelos índios da tribo Goiá 31 , on<strong>de</strong> acabou recolhendo algumas amostras <strong>de</strong>ouro. Como o objetivo principal da ban<strong>de</strong>ira era capturar índios para ser<strong>em</strong> vendidos <strong>em</strong> SãoPaulo, o ban<strong>de</strong>irante não se preocupou com localizar as minas. Retornando a São Paulo, oAnhangüera apresentou as amostras <strong>de</strong> ouro para o governador, que passou a articular umanova ban<strong>de</strong>ira a Goiás, agora voltada para a localização das jazidas. Entretanto, como,naquela época, o ouro das Minas Gerais, com enormes minas altamente rentáveis, atraía aatenção dos aventureiros, a exploração do ouro <strong>de</strong> Goiás, ainda apenas uma promessa, teveque esperar por algumas décadas (GIRALDIN, 1997).Por volta <strong>de</strong> 1720, a Coroa Portuguesa, endividada e se<strong>de</strong>nta <strong>de</strong> tesouros, tinha comometa principal a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novas jazidas <strong>de</strong> minerais preciosos na colônia. Coube então ao29 Também conhecidos como Panarás.30 Anhangüera, na língua dos índios Goiá, quer dizer diabo velho. Tal alcunha se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> o ban<strong>de</strong>irante,para intimidar os índios, ter ateado fogo <strong>em</strong> um vasilhame contendo aguar<strong>de</strong>nte e, <strong>em</strong> seguida, ameaçado fazer omesmo com os rios da região.31 Advém daí o nome como ficou conhecido aquele território: Goiás.


83governador da Capitania <strong>de</strong> São Paulo e Minas Gerais provi<strong>de</strong>nciar o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> novasregiões produtoras <strong>de</strong> ouro e diamantes. A fronteira inexplorada mais promissora era a região<strong>de</strong> Goiás, on<strong>de</strong>, já se sabia, havia ouro.Como a exploração das novas minas exigia um fluxo constante <strong>de</strong> pessoas – mineiros,tropeiros, soldados, autorida<strong>de</strong>s, etc. – era necessário que o isolamento daquela região fossevencido. Era vital a abertura <strong>de</strong> uma nova estrada real, que ligasse a região das minas à vila<strong>de</strong> São Paulo. Essa tarefa coube a Bartolomeu Bueno da Silva Filho (filho do velhoAnhangüera) que, <strong>em</strong> 1725, à frente <strong>de</strong> uma ban<strong>de</strong>ira, abriu um caminho para Goiás(PONTES, 1970).Figura 2.1 – Trajeto aproximado da Estrada do Anhangüera <strong>em</strong> um mapa atualA nova rota aberta por Bueno Filho (mostrada na Figura 2.1) ficou conhecida comoEstrada Real 32 – ou Estrada <strong>de</strong> Goiás, ou ainda, Estrada do Anhangüera – e teveimportantíssimo papel na colonização do Brasil central e no escoamento dos mineraispreciosos provenientes das minas <strong>de</strong> Goiás. Por essa estrada, a caminho das minas <strong>de</strong> Goiás,passaram muitos outros ban<strong>de</strong>irantes e aventureiros, que, obrigatoriamente, atravessavam o32 Essa estrada passava <strong>de</strong>ntro da atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, a poucos metros do atual C<strong>em</strong>itério São João Batista.


84atual Triângulo Mineiro, região que, a partir <strong>de</strong> algum ponto do século XVIII, passou a serconhecida como Sertão da Farinha Podre 33 .Após a abertura da Estrada <strong>de</strong> Goiás, tornou-se inevitável o contato entre os caiapós eos luso-brasileiros. Ao longo da estrada, o governo colonial passou a conce<strong>de</strong>r sesmarias,iniciando a ocupação da região. Inicialmente, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiados, os índios aceitarampacificamente a invasão <strong>de</strong> suas terras, mantendo contato com os colonos e os viajantes.Porém, conforme l<strong>em</strong>bra Pontes (1970), junto com a estrada, chegaram, também, as doenças,a cachaça e os caçadores <strong>de</strong> escravos.As terríveis agressões a que vinham sendo submetidos levaram os caiapós a <strong>de</strong>clararguerra aos luso-brasileiros. Decididos a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seu território, os índios passaram a atacar ascaravanas que transitavam pela estrada e as fazendas que se vinham se formando na região –matavam os moradores e queimavam as benfeitorias e plantações (GIRALDIN, 1997).Tornaram-se, assim, terríveis inimigos dos brancos, e a mais t<strong>em</strong>ida tribo do Brasil central.Apesar do perigo representado pela presença dos caiapós, ainda na primeira meta<strong>de</strong> doséculo XVIII, iniciou-se a colonização do Sertão da Farinha Podre. Segundo relata Teixeira(2001), o primeiro hom<strong>em</strong> branco a fixar-se na região do Sertão da Farinha Podre foi Antônioda Silva Lanhoso que, <strong>em</strong> 1728, obteve do governador <strong>de</strong> São Paulo uma sesmaria, localizadaa aproximadamente 13 quilômetros ao norte do rio Uberaba Falso 34 , às margens da recémabertaEstrada <strong>de</strong> Goiás. Naquele local r<strong>em</strong>oto, cercado pelos índios caiapós e bororos,Lanhoso instalou a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua fazenda, que era abastecida pela água <strong>de</strong> um pequeno córrego,hoje conhecido como córrego do Lanhoso.Já o primeiro centro urbano fundado por brancos na região surgiu a partir <strong>de</strong> 1736, naregião da Serra da Canastra, na marg<strong>em</strong> esquerda do rio das Abelhas 35 , e recebeu a<strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> arraial do Tabuleiro (PONTES, 1970). Fundado <strong>em</strong> 1740 pelo guarda-morFeliciano Cardoso <strong>de</strong> Camargo, proveniente do arraial <strong>de</strong> Tamanduá 36 , o arraial doTabuleiro foi completamente arrasado pelos índios caiapós, que mataram quase toda a suapopulação. Poucos anos <strong>de</strong>pois, no mesmo local on<strong>de</strong> existira o arraial do Tabuleiro, tendoencontrado boa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro, um grupo <strong>de</strong> mineiros, li<strong>de</strong>rados pelo próprio guarda-mor33 Segundo reza a tradição histórica, o nome Farinha Podre proveio <strong>de</strong> que, quando os viajantes atravessavam aregião, penetrando no interior do sertão, <strong>de</strong>ixavam mantimentos <strong>de</strong>pendurados <strong>em</strong> árvores, para que, quandovoltass<strong>em</strong>, encontrass<strong>em</strong> os mesmos para seu abastecimento. Acontece que, na maioria das vezes, aoregressar<strong>em</strong>, encontravam a farinha já <strong>de</strong>teriorada, vindo daí a <strong>de</strong>nominação da região.34 Atual rio Uberaba.35 Posteriormente chamado <strong>de</strong> rio das Velhas e, atualmente, <strong>de</strong> rio Araguari36 Atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itapecerica, Minas Gerais.


85Feliciano – que escapara do massacre <strong>de</strong> 1740 –, construiu um novo povoado, ao qual <strong>de</strong>ramo nome <strong>de</strong> Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras do Rio das Abelhas – ou Arraial doRio das Abelhas –, posteriormente <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Arraial do Des<strong>em</strong>boque.Segundo relata Giraldin (1997), <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1744, D. João V, rei <strong>de</strong> Portugal,aten<strong>de</strong>ndo ao apelo dos moradores <strong>de</strong> Vila Boa <strong>de</strong> Goiás, enviou uma Provisão ao governador<strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>terminando que fosse <strong>de</strong>finitivamente resolvido o probl<strong>em</strong>a indígena nocaminho <strong>de</strong> Goiás, e aprovou a guerra ofensiva contra os caiapós.Recomenda, no entanto, mais uma vez ambiguamente, que esta se fizessesomente após todos os esforços para pacificá-los <strong>de</strong> forma branda. Caso istonão fosse possível, <strong>de</strong>veriam, então, ser atacados até ser<strong>em</strong> expulsos, ouextintos. Reafirmava a escravização dos prisioneiros, dos quais mandavaque se tirasse o quinto real (GIRALDIN, 1997, p.73).Com a autorização real, o governador D. Luís <strong>de</strong> Mascarenhas resolveu contratar osertanista Antônio Pires <strong>de</strong> Campos, originário <strong>de</strong> Cuiabá e com experiência comprovada nocombate aos índios 37 . Pires <strong>de</strong> Campos, assim como seu pai, <strong>de</strong>dicava-se ao ataque eapresamento <strong>de</strong> índios, principalmente bororos, já que esta era uma ativida<strong>de</strong> econômicaaltamente lucrativa. Após aprisionar e escravizar os índios, Pires <strong>de</strong> Campos procuravaamansá-los, criando uma relação <strong>de</strong> falsa paternida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação aos mesmos. Depois, partedos índios era incorporada ao seu exército particular, utilizado nas guerras que movia contraoutras nações indígenas (PONTES, 1970).Pelo contrato, Pires <strong>de</strong> Campos <strong>de</strong>veria dar combate aos caiapós no entorno da Estrada<strong>de</strong> Goiás. Além disso, comprometeu-se a al<strong>de</strong>ar índios bororos – antigos inimigos dos caiapós– nas margens da Estrada <strong>de</strong> Goiás, aproveitando-se, assim, das divergências entre as tribospara tentar manter o caminho livre dos ataques caiapós (GIRALDIN, 1997).No período <strong>de</strong> 1746 a 1751, um exército comandado por Pires <strong>de</strong> Campos, compostopor cerca <strong>de</strong> 500 índios bororos e parecis (LOURENÇO, 2002), além <strong>de</strong> negros e algunsbrancos, combateu implacavelmente os caiapós, na região sul <strong>de</strong> Goiás. Falando sobre a ação<strong>de</strong> Pires <strong>de</strong> Campos, Pohl (1976, p. 132) afirma que “Ele praticou contra os pobres índiosinauditas cruelda<strong>de</strong>s, com horrenda carnificina [...]”.A ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinfestação do Caminho <strong>de</strong> Goiás, promovida por Pires <strong>de</strong> Campos, foiimpiedosa. Não exist<strong>em</strong> registros que fal<strong>em</strong>, com precisão, da dimensão do massacre, massabe-se que inúmeros caiapós foram mortos ou feitos escravos. Os índios que conseguiram37 Já <strong>em</strong> 1742, Pires <strong>de</strong> Campos havia sido contratado pelo governo <strong>de</strong> São Paulo para combater os Caiapós daregião dos rios Claro e Anicuns (no atual estado <strong>de</strong> Goiás), o que resultou na morte <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 200 índios.


86escapar à fúria do ban<strong>de</strong>irante refugiaram-se na região oeste do atual Triângulo Mineiro, oufugiram para o leste, nas terras localizadas entre o rio Paranaíba e o rio Paracatu.Em 1746, quando estava atacando as al<strong>de</strong>ias caiapós, localizadas na região do rio dasVelhas, Pires <strong>de</strong> Campos criou a primeira al<strong>de</strong>ia artificial às margens da Estrada doAnhangüera: junto ao rio das Velhas, foram al<strong>de</strong>ados cerca <strong>de</strong> 120 índios bororos, levadospelo ban<strong>de</strong>irante, que assim <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> à al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Sant’Ana do Rio das Velhas 38 . Emseguida, fundou a al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Rio das Pedras 39 e, após essas duas, no ano <strong>de</strong> 1748, Pires <strong>de</strong>Campos criou a al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lanhoso 40 , também junto à estrada (GIRALDIN, 1997).Segundo Saint-Hilaire (1975), como recompensa pelos serviços prestados, os índiosal<strong>de</strong>ados por Pires <strong>de</strong> Campos receberam do governador <strong>de</strong> Goiás uma faixa <strong>de</strong> terra qu<strong>em</strong>edia uma légua e meia (9 km) <strong>de</strong> cada lado da Estrada <strong>de</strong> Goiás, no trecho situado entre orio Gran<strong>de</strong> e o Rio Paranaíba. Nasciam, assim, as chamadas terras al<strong>de</strong>anas, que serviamcomo uma faixa <strong>de</strong> segurança que dava proteção, contra os ataques dos caiapós, aos viajantesque iam para Goiás ou vinham <strong>de</strong> lá.A largura das terras al<strong>de</strong>anas, como ver<strong>em</strong>os mais adiante, foi motivo <strong>de</strong> muitascontrovérsias durante o século XIX. Havia dúvidas entre os colonos quanto à real largura dasterras indígenas: uns afirmavam que era uma légua e meia <strong>de</strong> cada lado da estrada; outroscontestavam dizendo que era apenas meia légua <strong>de</strong> cada lado. O próprio Saint-Hilaire (1975)confun<strong>de</strong>-se a respeito: <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado trecho <strong>de</strong> seu livro, o viajante francês afirma que“[...] foi doada a Antonio Pires e seu bando uma faixa <strong>de</strong> terra dos dois lados da estrada, <strong>de</strong> 1légua e meia <strong>de</strong> largura [...]” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 129); <strong>em</strong> outro ponto do livro<strong>de</strong>clara que “Farinha Podre fica situado, segundo diz<strong>em</strong> seus habitantes, a mais <strong>de</strong> meia léguada verda<strong>de</strong>ira estrada <strong>de</strong> Goiás a S. Paulo, e conseqüent<strong>em</strong>ente fora dos limites do territóriodos índios.” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 151).Segundo Lourenço (2002), com o t<strong>em</strong>po, os índios bororos, instalados nas al<strong>de</strong>iasoriginais, espalharam-se ao longo da Estrada do Anhangüera, formando <strong>de</strong>zoito al<strong>de</strong>ias –mostradas na Figura 2.2 –, algumas maiores e outras com população bastante reduzida. Porocasião <strong>de</strong> sua passag<strong>em</strong> pela região, <strong>em</strong> 1816, o al<strong>em</strong>ão Eschwege - contratado pela Coroapara fazer um estudo geográfico do país –, levantou a população das <strong>de</strong>zoito al<strong>de</strong>ias, situadasentre os rios Gran<strong>de</strong> e Paranaíba, e chegou a um total <strong>de</strong> 871 habitantes. No Quadro 2.1, estão38 Atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Indianópolis39 Atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cascalho Rico40 A cerca <strong>de</strong> 15 km da atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, nas terras que pertenceram a Antônio da Silva Lanhoso.


87relacionadas essas al<strong>de</strong>ias e suas respectivas populações.Figura 2.2 – Mapa mostrando a localização aproximada das al<strong>de</strong>ias indígenas ao longo daEstrada <strong>de</strong> GoiásFonte: Montag<strong>em</strong> do autorQuadro 2.1 – Distribuição da população indígena ao longo da Estrada <strong>de</strong> GoiásALDEIA POPULAÇÃO ALDEIA POPULAÇÃOParanaíba 13 Rocinha 11São Domingos 54 Uberaba Legítimo 8Rio das Pedras 102 Tijuco 23Estiva 74 Lanhoso 30Pissarrão 42 Uberaba Falso 66Boa Vista 55 Toldas 23Furnas 35 Posse 8Sant’Ana 262 Espinhas 35Rio das Velhas 20 Rio Gran<strong>de</strong> (ou Baixa) 10Fonte: Saint-Hilaire (1975)


88As terras dos índios, localizadas às margens da Estrada <strong>de</strong> Goiás, eram inalienáveis,isto é, não podiam ser transferidas para outros. Entretanto, com o consentimento dosproprietários das terras (os índios), colonos luso-brasileiros podiam estabelecer-se nelas naqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregados. Estes, por sua vez, não podiam ven<strong>de</strong>r as terras on<strong>de</strong> estivess<strong>em</strong>estabelecidos e, ao se retirar<strong>em</strong>, eram obrigados a <strong>de</strong>ixar para trás todas as benfeitorias quetivess<strong>em</strong> sido criadas no local, como forma <strong>de</strong> compensar o uso predatório da terra (SAINTHILAIRE, 1975).Ainda segundo Saint-Hilaire (1975), até o início do século XIX, o número <strong>de</strong>agregados vivendo nas terras al<strong>de</strong>anas era pequeno, já que havia, nas vizinhanças, terras<strong>de</strong>volutas tão boas quanto as que existiam no território dos índios, com uma vantag<strong>em</strong>: nãotinham dono. Porém, a partir da segunda década daquele século, com o crescimento dacolonização geralista 41 , as terras al<strong>de</strong>anas passaram a <strong>de</strong>spertar a cobiça dos fazen<strong>de</strong>iros, jáque se situavam estrategicamente às margens da Estrada <strong>de</strong> Goiás e eram, conseqüent<strong>em</strong>ente,altamente propícias às ativida<strong>de</strong>s comerciais e ao escoamento da produção agro-pecuária.Assim, como ver<strong>em</strong>os adiante, fazen<strong>de</strong>iros brancos foram, pouco a pouco, ocupando áreas<strong>de</strong>ntro do território pertencente aos índios e, s<strong>em</strong> a oposição do governo colonial, com ot<strong>em</strong>po, acabaram apossando-se daquelas terras (LOURENÇO, 2002).Em 1748, havia sido criada a Capitania <strong>de</strong> Goiás, <strong>de</strong>sanexada da Capitania <strong>de</strong> SãoPaulo. No ano seguinte, tomava posse o seu primeiro governador, Dom Marcos <strong>de</strong> Noronha(TEIXEIRA, 2001). Des<strong>de</strong> então, a região situada ao norte do rio Gran<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>ndo oSertão da Farinha Podre, passou a pertencer à nova Capitania. Seu único centro urbanobranco era o povoado do Des<strong>em</strong>boque, localizado nas cabeceiras do Rio das Velhas, o qualviveu, durante anos, da extração do ouro e <strong>de</strong> outros minerais preciosos. O Julgado doDes<strong>em</strong>boque, criado pelo governo <strong>de</strong> Goiás, no ano <strong>de</strong> 1766, compreendia todo o atualTriângulo Mineiro (TEIXEIRA, 2001).No início do século XIX, o Des<strong>em</strong>boque enfrentava um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadênciairreversível, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado por um período <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1760 a 1780, quandoocorreu o apogeu da mineração do ouro nas redon<strong>de</strong>zas do arraial. Naquela época, o povoadochegou a contar com uma população estimada <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> mil pessoas que se <strong>de</strong>dicavambasicamente ao garimpo. Rapidamente, porém, as jazidas <strong>de</strong> ouro localizadas na região doDes<strong>em</strong>boque se exauriram e, tal como vinha ocorrendo <strong>em</strong> outras zonas mineradoras, apopulação passou a <strong>em</strong>igrar para outras regiões, agora <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> terras propícias à41 De habitantes das Minas Gerais.


89agropecuária. Segundo Giraldin (1997, p.56):Com o <strong>de</strong>clínio da mineração, após o esgotamento das minas, tanto <strong>em</strong>Goiás quanto <strong>em</strong> Minas Gerais, cresceram as ativida<strong>de</strong>s ligadas ao campo,principalmente a agricultura e a pecuária. Adveio, então, um processo <strong>de</strong>ruralização das ativida<strong>de</strong>s econômicas, com os antigos mineradorespassando a <strong>de</strong>dicar-se às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agropecuária. Esta onda migratóriano Triângulo Mineiro e no sudoeste <strong>de</strong> Goiás teve lugar principalmente apartir do terceiro quartel do século XVIII, crescendo muito <strong>em</strong> princípio doséculo XIX.A gran<strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terras a oeste do Des<strong>em</strong>boque levou à organização <strong>de</strong>algumas expedições. Através <strong>de</strong>las, os colonos exploravam as áreas <strong>de</strong>volutas e requeriamsesmarias junto ao governo goiano. E foi assim que o Des<strong>em</strong>boque se tornou o centroirradiador da colonização no atual Triângulo Mineiro.Em 1807, uma pequena entrada 42 , formada por seis homens adultos e alguns<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes provenientes do Des<strong>em</strong>boque, avançou para oeste e explorou a região, indo até oponto on<strong>de</strong> a Estrada do Anhangüera cruza o Rio Gran<strong>de</strong>. Quando a entrada <strong>de</strong> 1807 retornouao Des<strong>em</strong>boque, correram boas notícias sobre a existência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s extensões <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>cultura e muitas aguadas nas proximida<strong>de</strong>s da Estrada do Anhangüera, on<strong>de</strong> alguns colonos jáse vinham estabelecendo. Deu-se, então, início à corrida pela posse das terras (PONTES,1970).Segundo Teixeira (2001), <strong>em</strong> 1806, o rábula 43 José Francisco <strong>de</strong> Azevedo, natural <strong>de</strong>Bambuí, mas resi<strong>de</strong>nte no Des<strong>em</strong>boque, adquiriu <strong>de</strong> Manoel Pereira Machado a sua primeirasesmaria, entre os rios Quebra-Anzol e das Velhas, no atual município <strong>de</strong> Santa Juliana. Em1807, comprou a segunda, agora nas cabeceiras do ribeirão Lajeado, afluente da marg<strong>em</strong>direita do rio Uberaba Falso. Essa segunda sesmaria foi adquirida <strong>de</strong> José Gonçalves Pimenta,antigo proprietário das terras. Na verda<strong>de</strong>, tanto Machado quanto Pimenta passavam, naépoca, por uma situação típica <strong>de</strong> muitos proprietários <strong>de</strong> terras doadas pelo governo: s<strong>em</strong>dinheiro para cumprir as exigências legais <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar a sesmaria <strong>em</strong> quatro anos e pagar osimpostos <strong>de</strong>vidos, viam-se obrigados a <strong>de</strong>sfazer-se das terras.Para promover as benfeitorias necessárias e assegurar a posse das sesmarias, Azevedoprocurou atrair algumas famílias do Des<strong>em</strong>boque para as terras do Lajeado. SeguindoAzevedo, essas famílias mudaram-se para a sesmaria, on<strong>de</strong> passaram a trabalhar, na condição<strong>de</strong> agregados, cultivando a terra, criando gado e garimpando o leito dos cursos d’água.42 Convencionou-se chamar <strong>de</strong> entradas as expedições luso-brasileiras organizadas fora <strong>de</strong> São Paulo. Já asban<strong>de</strong>iras eram obrigatoriamente paulistas.43 Advogado prático, s<strong>em</strong> formação jurídica <strong>de</strong> nível superior.


90Naquele local, <strong>em</strong> 1809, para receber essas pessoas, foi criado um pequeno arraial, que passoua ser conhecido como Arraial do Lajeado e, a partir <strong>de</strong> 1812, como Arraial da Capelinha 44 .O arraial localizava-se nas cabeceiras do ribeirão Lajeado, próximo à serra da Ponte Alta, a 15km do centro da atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.O sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira era, naquele momento, a maiorautorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o Julgado do Des<strong>em</strong>boque. Nascido no ano <strong>de</strong> 1770, <strong>em</strong> Santo Antônio daCasa Branca, povoado localizado próximo <strong>de</strong> Ouro Preto, Antônio Eustáquio era filho <strong>de</strong> umrefugiado português e tinha outros sete irmãos. Um <strong>de</strong> seus irmãos, Joaquim da Silva eOliveira, recebeu, <strong>em</strong> 1799, a patente <strong>de</strong> Capitão e, <strong>de</strong> quebra, uma sesmaria junto ao ribeirãoda Ponte Alta. Foi ele o primeiro morador do Des<strong>em</strong>boque a afazendar-se no Sertão daFarinha Podre. A seguir, <strong>em</strong> 1803, o segundo irmão <strong>de</strong> Antônio Eustáquio, Francisco da Silvae Oliveira – também agraciado com a patente <strong>de</strong> Capitão –, recebeu uma sesmaria eestabeleceu-se próximo ao seu irmão Joaquim (TEIXEIRA, 2001).Em 1807, o sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira mudou-se para oDes<strong>em</strong>boque e, através <strong>de</strong> seus irmãos resi<strong>de</strong>ntes na região, tomou conhecimento da enormequantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, totalmente <strong>de</strong>volutas, existentes no Sertão da FarinhaPodre. Interessado <strong>em</strong> ocupar um cargo público, Antônio Eustáquio foi levado a Vila Boa <strong>de</strong>Goiás por seu irmão, José Manoel da Silva e Oliveira, então Coronel Comandante doregimento da cavalaria do Julgado do Des<strong>em</strong>boque.Em Goiás, Antônio Eustáquio foi recebido pelo governador Dom Francisco <strong>de</strong> AssisMascarenhas e relatou a este como pretendia <strong>em</strong>brenhar-se nas terras, criando estradas quefacilitariam o acesso a Cuiabá e às regiões <strong>de</strong> Goiás. Tais caminhos seriam mantidos livres dapresença in<strong>de</strong>sejável dos Caiapós, o que tornaria possível a colonização <strong>de</strong> todo o Sertão daFarinha Podre. Impressionado com a <strong>de</strong>terminação e o entusiasmo <strong>de</strong> Antônio Eustáquio, ogovernador conce<strong>de</strong>u-lhe, <strong>em</strong> 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1809, a patente <strong>de</strong> Comandante Regente doSertão da Farinha Podre, o que acabou fazendo <strong>de</strong>le o hom<strong>em</strong> mais po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> toda aregião. Recebeu, também, o título <strong>de</strong> Curador dos Índios do Distrito, o que atribuía aosargento-mor a proteção das populações indígenas já <strong>em</strong> processo <strong>de</strong> aculturação, além docontato e al<strong>de</strong>amento das tribos ainda <strong>em</strong> estado selvag<strong>em</strong> (TEIXEIRA, 2001).Após duas viagens exploratórias iniciais através da região, na estiag<strong>em</strong> <strong>de</strong> 1812, osargento-mor organizou uma nova Entrada, que visava a dar o passo inicial para a fundação44 No local, os colonos ergueram uma capela <strong>de</strong>dicada a Santo Antônio e a São Sebastião, o que acaboubatizando o povoado.


91do arraial-base, para on<strong>de</strong>, no futuro, seria transferida a cúpula administradora do Sertão daFarinha Podre. Antônio Eustáquio, no comando <strong>de</strong> uma expedição <strong>de</strong> reconhecimento – daqual fazia parte, também, o Pe. Hermógenes Cassimiro <strong>de</strong> Araújo Brunswick, primo dosargento-mor –, visitou o pequeno Arraial da Capelinha, constituído por cerca <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena<strong>de</strong> pequenas cabanas e uma capela, e notou que o local não era propício para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma povoação, <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> água e <strong>de</strong> terras <strong>de</strong> cultura. Alémdisso, era distante da Estrada <strong>de</strong> Goiás, o que <strong>de</strong>sagradou ao Pe. Hermógenes. SegundoTeixeira (2001, p.105), “Em longas palestras pelas noites a<strong>de</strong>ntro, sugere o padre ao primocapitão a urgente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua mudança da se<strong>de</strong> do Des<strong>em</strong>boque para a marg<strong>em</strong> daestrada geral, on<strong>de</strong> faria o policiamento do tráfego com os índios e também acomodaria osnovos entrantes”.Após a visita ao Arraial da Capelinha, Antônio Eustáquio e sua comitiva partiram parasudoeste e encontraram um local mais a<strong>de</strong>quado para a instalação <strong>de</strong> um núcleo urbano, juntoao córrego das Lajes e próximo ao rio Uberaba Falso. Esse local ficava no interior das terrasal<strong>de</strong>anas e era b<strong>em</strong> próximo à al<strong>de</strong>ia bororo <strong>de</strong> Uberaba Falso, o que era conveniente, já que apresença <strong>de</strong> índios amigos nas redon<strong>de</strong>zas evitaria o ataque dos caiapós.O sargento-mor tomou posse das terras e <strong>de</strong>u-lhes o nome <strong>de</strong> Chácara da Boa Vista,tendo mandado edificar uma casa <strong>de</strong> morada no ponto on<strong>de</strong> hoje, <strong>em</strong> Uberaba, existe a se<strong>de</strong>da Fazenda Energética da EPAMIG – Empresa <strong>de</strong> Pesquisas Agropecuárias <strong>de</strong> Minas Gerais.Em seguida, a cerca <strong>de</strong> dois quilômetros da primeira residência, córrego acima, AntônioEustáquio mandou construir uma segunda casa, com instalações para a criação <strong>de</strong> suínos, àqual ele chamou <strong>de</strong> Retiro (PONTES, 1970). Essa casa localizava-se on<strong>de</strong> é hoje o prédio doChaves Palace Hotel, na esquina da Rua Arthur Machado com a Praça Rui Barbosa. E foi aoredor <strong>de</strong>ssa segunda casa que, atraídos pelo sargento-mor, começaram a assentar-se osprimeiros moradores do Arraial <strong>de</strong> Santo Antônio e São Sebastião da Farinha Podre, o<strong>em</strong>brião da futura cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.Alguns relatos da época, como os <strong>de</strong> Saint-Hilaire (1975) e <strong>de</strong> Casal (1976),confirmam que a formação do arraial <strong>de</strong>ve ter-se iniciado já por volta <strong>de</strong> 1812. O padreManuel Aires <strong>de</strong> Casal assim escreveu <strong>em</strong> seu livro editado pela primeira vez <strong>em</strong> 1817:Em 1812, teve início o Arraial <strong>de</strong> Santo Antônio e São Sebastião, com umaermida <strong>de</strong>dicada a estes Santos, junto ao córrego da Lage, fonte <strong>de</strong> seushabitadores, meia légua arredado da estrada <strong>de</strong> São Paulo para leste, e 1milha da marg<strong>em</strong> esquerda do Uberaba falso. O povo, que o habita, recolhefeijão, milho, arroz, e algodão, com as frutas e hortaliças do país, e criagado (CASAL, 1976. p.161).


92Logo após a sua fundação, o Sertão da Farinha Podre mudava novamente <strong>de</strong> mãos,fato que acelerou o seu povoamento. Segundo Iglésias (1985), através do alvará <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> abril<strong>de</strong> 1816, a região do Sertão da Farinha Podre foi <strong>de</strong>sm<strong>em</strong>brada <strong>de</strong> Goiás e anexada àComarca <strong>de</strong> Paracatu do Príncipe, criada <strong>em</strong> 1815, e, conseqüent<strong>em</strong>ente, à Capitania <strong>de</strong> MinasGerais. A partir daí, o mapa <strong>de</strong> Minas ganhou o seu nariz e assumiu o seu contornocaracterístico.Naquela época, a Capitania <strong>de</strong> Minas Gerais atravessava um duro período <strong>de</strong><strong>de</strong>cadência econômica, causada pela diminuição na produção <strong>de</strong> ouro. Como ex<strong>em</strong>plo,Iglésias (1985) mostra que a arrecadação do quinto – o qual po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> base para aestimativa da produção aurífera – que, na sexta década do século XVIII, superou as 100arrobas anuais, caiu para 39 arrobas <strong>em</strong> 1800, ficou <strong>em</strong> 30 <strong>em</strong> 1808, e <strong>de</strong>sceu para apenas 2arrobas <strong>em</strong> 1820. Tais dados b<strong>em</strong> <strong>de</strong>monstram a curva <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte da riqueza básica daCapitania e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar-se uma nova alternativa econômica.Quando começa o século XIX, Minas é região que vive <strong>em</strong> <strong>de</strong>cadência;terminado o brilho da mineração, insiste-se ainda na busca da antigariqueza, já s<strong>em</strong> perspectiva. Na ativida<strong>de</strong> agrícola, que então se sobreleva,distinguiu-se a pecuária. A criação e a lavoura <strong>de</strong>v<strong>em</strong> conquistar novasáreas, principalmente as que ficam entre o centro mineiro e São Paulo e Rio[...] (IGLÉSIAS, 1985, p.364).Dessa forma, <strong>de</strong>ntro do novo perfil agrícola que se formava na Capitania, o arraialfundado pelo Sargento-mor Antônio Eustáquio apresentava muitas vantagens <strong>em</strong> relação aoDes<strong>em</strong>boque – <strong>em</strong> franca <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong>vido à exaustão das minas – e ao Arraial da Capelinha– erguido <strong>em</strong> um local pobre <strong>em</strong> água e <strong>em</strong> terras <strong>de</strong> cultura. Conforme Teixeira (2001), entreos anos <strong>de</strong> 1815 e 1817, atraídos por Major Eustáquio e pela melhor qualida<strong>de</strong> das terras, oshabitantes do antigo povoado do ribeirão Lageado, estimados <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 150 pessoas,rapidamente mudaram-se para a nova povoação, <strong>de</strong>ixando o antigo arraial totalmenteabandonado. Segundo relata Saint-Hilaire (1975), com a notícia das novas terras, começarama chegar ao novo arraial várias famílias <strong>de</strong> outras regiões <strong>de</strong> Minas Gerais, principalmenteprovenientes <strong>de</strong> Araxá, Formiga e Oliveira, as quais se juntaram aos antigos habitantes doarraial da Capelinha. Vejamos o que diz o viajante francês:Farinha Podre foi fundado pelos mineiros por volta <strong>de</strong> 1812. Caminhandos<strong>em</strong>pre na direção do oeste, alguns caçadores <strong>de</strong> Minas Gerais chegaram aessa região, on<strong>de</strong> encontraram pastagens excelentes, fontes <strong>de</strong> águasminerais que po<strong>de</strong>riam dispensar os criadores <strong>de</strong> dar sal para os animais efinalmente extensos e numerosos capões que indicavam terras muito férteis.A fama do lugar <strong>em</strong> breve espalhou-se pelas comarcas <strong>de</strong> S. João <strong>de</strong>l Rei e


93Vila Rica, e homens que já não dispunham <strong>de</strong> terra suficiente <strong>em</strong> sua regiãoou cujas terras se achavam esgotadas pelo errôneo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> agriculturageralmente adotado, trataram <strong>de</strong> obter sesmarias no novo lugar (SAINT-HILAIRE, 1975, p.152).Em 1818, segundo Teixeira (2001), no Arraial da Farinha Podre, o sargento-morprovi<strong>de</strong>nciou a construção <strong>de</strong> uma capela – já visando à instalação <strong>de</strong> uma futura freguesia – eo lugar passou a ser conhecido como Arraial <strong>de</strong> Santo Antônio e São Sebastião da FarinhaPodre. O capelão nomeado foi o Pe. Fortunato José <strong>de</strong> Miranda, que celebrou as missas atéset<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1820, quando entregou o cargo ao vigário da nova freguesia.Naquela mesma época, o sargento-mor Antônio Eustáquio abriu um <strong>de</strong>svio na Estrada<strong>de</strong> Goiás, para que ela passasse por <strong>de</strong>ntro do povoado, seguindo o trajeto das atuais ruasVigário Silva, Manoel Borges e Afonso Ratto. Fazendo com que a estrada passasse agora <strong>em</strong>frente à casa do Retiro e <strong>de</strong>ntro da Chácara Boa Vista – on<strong>de</strong> os tropeiros podiam comprarprovisões e a produção podia ser mais facilmente escoada –, o sargento-mor criou ascondições necessárias para o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s comerciais no arraial. E assim,nos anos seguintes, Farinha Podre passou por um rápido processo <strong>de</strong> urbanização, assim<strong>de</strong>scrito por Saint-Hilaire, <strong>em</strong> 1819:Farinha Podre fica situado <strong>em</strong> região <strong>de</strong>scampada, num vale amplo cortadopor um riachinho. O arraial é composto <strong>de</strong> umas trinta casas espalhadas nasduas margens do riacho e todas, s<strong>em</strong> exceção, haviam sido recémconstruídas(1819), sendo que algumas <strong>de</strong>las estavam ainda inacabadasquando por ali passei. Muitas <strong>de</strong>las eram espaçosas, pelos padrões daregião, e feitas com esmero. [...] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação, a antiga estrada foiinteiramente abandonada pelas tropas <strong>de</strong> burros, que atualmente passampelo próprio arraial, on<strong>de</strong> os tropeiros encontram mais facilida<strong>de</strong> para acompra <strong>de</strong> provisões (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 150-151).A <strong>de</strong>manda por terras nas proximida<strong>de</strong>s da Estrada <strong>de</strong> Goiás fez aumentar a cobiçaenvolvendo o território indígena. Utilizando-se do <strong>de</strong>sconhecimento geral da lei que<strong>de</strong>limitava as terras al<strong>de</strong>anas e buscando apossar-se das mesmas, os lí<strong>de</strong>res políticos locais,<strong>de</strong>ntre eles, possivelmente, o sargento-mor, passaram a divulgar a versão <strong>de</strong> que elas sómediam meia légua para cada lado da Estrada <strong>de</strong> Goiás, e não uma légua e meia. Dessa forma,o Arraial da Farinha Podre, erguido a pouco mais <strong>de</strong> meia légua da estrada, pô<strong>de</strong> expandir-se<strong>de</strong>ntro das terras al<strong>de</strong>anas, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que os fazen<strong>de</strong>iros foram, pouco a pouco,apossando-se das áreas indígenas. A idéia da meia légua, tomada como verda<strong>de</strong>ira pelo sensocomum, já havia sido test<strong>em</strong>unhada, como já tratamos anteriormente, até por Saint-Hilaire.No dia 2 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1820, através <strong>de</strong> uma provisão régia assinada por Dom João VI,


94o arraial foi elevado à Freguesia <strong>de</strong> Santo Antônio e São Sebastião <strong>de</strong> Uberaba 45 ,<strong>de</strong>sm<strong>em</strong>brada da Freguesia do Des<strong>em</strong>boque, e a capela existente passou a ser matriz(TEIXEIRA, 2001). Naquele mesmo ano, no dia 17 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro, assumiu a paróquia o PadreAntônio José da Silva, proveniente <strong>de</strong> Ouro Preto, que permaneceu no cargo até 1855.O Vigário Silva, como ficou conhecido o primeiro pároco <strong>de</strong> Uberaba, é o autor domais antigo documento 46 – escrito, segundo Teixeira (2001), <strong>em</strong> 1828 – que procura<strong>de</strong>screver, <strong>de</strong> uma forma mais <strong>de</strong>talhada, a Freguesia <strong>de</strong> Uberaba. Explica Mendonça (1974)que o Vigário Silva exerceu gran<strong>de</strong> influência nos meios políticos do arraial, tendo sido eleito<strong>de</strong>putado <strong>em</strong> Ouro Preto e segundo presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, por ocasiãoda elevação a vila, assunto <strong>de</strong> que tratar<strong>em</strong>os mais adiante. Posteriormente, ao <strong>de</strong>ixar Uberaba<strong>em</strong> 1855, transferiu-se para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> foi eleito <strong>de</strong>putado geral.Foi a pedido do Vigário Silva que se realizou o primeiro censo <strong>de</strong>mográfico <strong>de</strong>Uberaba, que resultou nos números expressos no Quadro 2.2.Quadro 2.2 – População da Freguesia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1820Categoria Nº <strong>de</strong> habitantes % <strong>em</strong> relação ao totalBrancos livres 660 40,72Mulatos livres 544 33,56Mulatos escravos 9 0,55Negros escravos 408 25,17Total 1621 100Fonte: Sampaio (1971, p. 347)O recenseamento <strong>de</strong> 1820, <strong>em</strong>bora mostre a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> escravista naFreguesia <strong>de</strong> Uberaba, composta por 25,72% <strong>de</strong> negros e mulatos trabalhando como escravos,revela-nos, também, uma realida<strong>de</strong> diversa da que se verificava <strong>em</strong> algumas regiõesmineradoras da Capitania, on<strong>de</strong> a população escrava chegava a ser superior a 80% do total <strong>de</strong>habitantes. Tal constatação explica-se pelo perfil do colono pioneiro do Sertão da FarinhaPodre, que se <strong>de</strong>dicava normalmente ao pastoreio e à agricultura <strong>de</strong> subsistência, ativida<strong>de</strong>sque tinham à frente os próprios colonos brancos e seus familiares, auxiliados por umamo<strong>de</strong>sta mão-<strong>de</strong>-obra escrava.45 A partir da criação da freguesia, a <strong>de</strong>nominação Uberaba foi, pouco a pouco, substituindo o antigo nomeFarinha Podre, antiga <strong>de</strong>nominação do arraial.46 O documento t<strong>em</strong> o título <strong>de</strong> A História Topográfica da Freguesia do Uberaba vulgo Farinha Podre.


95Na verda<strong>de</strong>, os custos para manutenção <strong>de</strong> escravos eram excessivamente altos para asativida<strong>de</strong>s rurais ainda pouco rentáveis, que, naqueles t<strong>em</strong>pos, eram <strong>de</strong>senvolvidas na região.Tal fato é muito b<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plificado pela seguinte <strong>de</strong>scrição que Saint-Hilaire faz <strong>de</strong> umafazenda na região <strong>de</strong> Araxá (cujas proprieda<strong>de</strong>s rurais tinham características similares às <strong>de</strong>Uberaba), durante sua viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> 1819:As fazendas são geralmente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão, e não é raro encontraralgumas com 8 ou 10 léguas <strong>de</strong> comprimento. Todavia, os criadores, que nasua maioria nunca chegam a ultrapassar a fase inicial <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> suaproprieda<strong>de</strong>, viv<strong>em</strong> geralmente com dificulda<strong>de</strong>. Raros são os que contamcom um rebanho <strong>de</strong> mil cabeças, e os que possu<strong>em</strong> oito ou <strong>de</strong>z escravos jásão consi<strong>de</strong>rados ricos (SAINT-HILAIRE, 2004, p. 131).Além do menor contingente <strong>de</strong> escravos, nessa região selvag<strong>em</strong>, quase <strong>de</strong>sabitada, asrelações <strong>de</strong> trabalho tinham algumas particularida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> relação ao que se verificava <strong>em</strong>outras partes da Capitania <strong>de</strong> Minas Gerais. Embora também no sertão as ativida<strong>de</strong>seconômicas utilizass<strong>em</strong> o trabalho escravo, a ausência <strong>de</strong> um produto <strong>de</strong> exportação quepu<strong>de</strong>sse produzir gran<strong>de</strong>s fortunas levava a uma situação particularmente interessante, <strong>em</strong> quebrancos e escravos negros compartilhavam uma vida bastante ru<strong>de</strong>, mesmo nas gran<strong>de</strong>sproprieda<strong>de</strong>s rurais. Saint-Hilaire, <strong>de</strong>screvendo uma fazenda da região <strong>de</strong> Pium-i – que muito<strong>de</strong>via ass<strong>em</strong>elhar-se às primeiras sesmarias do Sertão da Farinha Podre, já que daquelacomarca afluíra boa parte dos primeiros colonizadores <strong>de</strong> Uberaba –, mostra a seguintesituação:A Fazenda <strong>de</strong> Dona Tomásia, on<strong>de</strong> parei, tinha o nome <strong>de</strong> sua proprietária.Como já tive a ocasião <strong>de</strong> dizer, trata-se <strong>de</strong> uma fazenda <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rávelextensão. Havia ali muitos escravos, gado e um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> porcos.Não obstante, a casa da proprietária não passava <strong>de</strong> uma choupanamiserável cujo único mobiliário era constituído por uma mesa e uns poucostamboretes. No sertão, raros são os fazen<strong>de</strong>iros que têm alojamentos<strong>de</strong>centes. (SAINT-HILAIRE, 2004, p. 98)Era esse o perfil característico das fazendas <strong>de</strong> gado que se multiplicavam no sertãooci<strong>de</strong>ntal mineiro. Como já foi dito anteriormente, após o fim do ciclo do ouro, a pecuáriacresceu <strong>em</strong> importância <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Minas Gerais, já que “Quando a agricultura se impôs, apecuária teve êxito mais rápido do que a lavoura, por ser exploração rural mais simples”(IGLESIAS, 1985, p.381). E, nesse novo contexto, o arraial <strong>de</strong> Uberaba atendia b<strong>em</strong> aosrequisitos buscados pelos pioneiros: gran<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> terras planas e férteis; muitasaguadas; e a proximida<strong>de</strong> com Estrada <strong>de</strong> Goiás, que facilitava o comércio da produção. Aregião começava a <strong>de</strong>monstrar a sua vocação pela pecuária, e a população do pequeno arraiale das zonas rurais próximas crescia rapidamente, graças à chegada dos novos moradores,


96provenientes, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria, <strong>de</strong> regiões <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Minas Gerais.Com a in<strong>de</strong>pendência brasileira <strong>em</strong> relação a Portugal, <strong>em</strong> 1822, a antiga Capitaniatornou-se a Província <strong>de</strong> Minas Gerais e continuou tomando, a cada dia, um aspecto cada vezmais agrícola. A ocupação das terras mais propensas à produção agropecuária, iniciada nofinal do século XVIII, fez multiplicar o número <strong>de</strong> sesmarias doadas a colonos pioneiros.“Em Minas, <strong>de</strong> acordo com Luís Maria da Silva Pinto, <strong>de</strong> 1710 a 1832, foram concedidas6.642 sesmarias, compreen<strong>de</strong>ndo 4.257 léguas, com o tamanho variável <strong>de</strong> 50 braças nomínimo e 48 léguas quadradas” (IGLÉSIAS, 1985, p.392).Dentro <strong>de</strong>sse novo contexto sócio-econômico, <strong>em</strong> que se ambicionava sobretudo aposse das terras, não havia lugar para os povos indígenas, mesmo que foss<strong>em</strong> amigos e s<strong>em</strong>iaculturados.Referindo-se à diferença existente entre os dois tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica –mineração e agropecuária –, Giraldin (1997, p.56) assim pon<strong>de</strong>ra: “Esta nova forma <strong>de</strong>ocupação <strong>de</strong> terra levou a um novo tipo <strong>de</strong> conflito. Não bastava mais expulsar os índios paraalgum lugar longe dos locais <strong>de</strong> mineração. Com a nova ativida<strong>de</strong> econômica, fazia-senecessário retirá-los, <strong>de</strong>finitivamente, da terra que passaria a ser ocupada por rebanhos <strong>de</strong>gado”. E foi esse o retrato da ocupação das terras na região <strong>de</strong> Uberaba.Segundo Lourenço (2002), <strong>em</strong> 1818, um documento assinado por trinta e cincofazen<strong>de</strong>iros da Farinha Podre outorgava ao sargento-mor Antônio Eustáquio o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>comandar a colonização da região e pedia ao ouvidor da comarca <strong>de</strong> Paracatu que o nomeassejuiz das sesmarias – fato ocorrido <strong>em</strong> 1819 –, com amplos po<strong>de</strong>res para estabelecer os limitesdas sesmarias e posses, o que foi usado <strong>em</strong> favor dos colonos brancos e <strong>em</strong> prejuízo dosíndios. Agindo <strong>em</strong> benefício dos fazen<strong>de</strong>iros, entre os quais incluíam-se os Silva e Oliveira, osargento-mor colocou <strong>em</strong> prática a sua política indigenista, que chamou a atenção do Barão <strong>de</strong>Eschwege, por ocasião <strong>de</strong> sua visita à região, a serviço do governo da capitania:Nas regiões <strong>de</strong>spovoadas, on<strong>de</strong> o policiamento se torna impraticável e asleis quase não funcionam, certos homens, pos sua audácia, sua inteligênciaou sua fortuna, adquir<strong>em</strong> sobre seus vizinhos uma gran<strong>de</strong> ascendência,tornando-se verda<strong>de</strong>iros tiranos. Quando Eschwege chegou às al<strong>de</strong>ias, <strong>em</strong>1816, um <strong>de</strong>sses pequenos soberanos 47 , cujas or<strong>de</strong>ns têm mais peso, àsvezes, que as do próprio governador, submeteu à apreciação do coronelal<strong>em</strong>ão um plano cujo objetivo era nada menos que expulsar pouco a poucoos índios do seu distrito, a fim <strong>de</strong> que suas terras pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> ser repartidasentre os portugueses. Eschwege repeliu com indignação o projeto,<strong>de</strong>clarando ao seu autor que faria <strong>de</strong> tudo o que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>le paraimpedir que fosse levado adiante. Mas o afastamento dos militares <strong>de</strong> Minas<strong>de</strong>ixou o campo livre a esse hom<strong>em</strong>, e <strong>em</strong> 1821 os índios pertencentes ao47 Saint-Hilaire refere-se ao sargento-mor Antônio Eustáquio.


97distrito privilegiado que fica situado entre o Rio das Velhas e o Rio Gran<strong>de</strong>,encaminharam uma petição ao governo, na qual se queixavam <strong>de</strong> que osportugueses, encabeçados pelo hom<strong>em</strong> a que acabo <strong>de</strong> me referir,começavam a expulsá-los <strong>de</strong> suas terras (SAINT-HILAIRE, 1975, p.142).E assim, confirmando a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Saint-Hilaire, ainda no ano <strong>de</strong> 1821, obe<strong>de</strong>cendoa um b<strong>em</strong> arquitetado projeto <strong>de</strong> ocupação das terras do oeste mineiro, e que pretendia liberar<strong>de</strong>finitivamente as terras al<strong>de</strong>anas para os colonos brancos, Antônio Eustáquio mudou a quasetotalida<strong>de</strong> dos índios estabelecidos entre o Rio Gran<strong>de</strong> e o Rio das Velhas 48 , para as terrassituadas entre o Rio Paranaíba e o Rio das Velhas, já no interior do termo <strong>de</strong> Araxá.O raciocínio usado pelo chefe político uberabense era típico das concepçõesque informavam a política indigenista do Império, na primeira meta<strong>de</strong> doséculo XIX: os governos provinciais curvavam-se às pressões exercidaspelos po<strong>de</strong>res locais, e iniciava-se um processo que Carneiro da Cunha(1998) chamou <strong>de</strong> política <strong>de</strong> concentração dos grupos indígenas. Estaconsistia na <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> índios das reservas para núcleos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento,<strong>de</strong> forma a liberar as terras indígenas para a colonização (LOURENÇO,2002, p.109).A tomada das terras pertencentes aos índios bororos foi feita com relativa facilida<strong>de</strong>,como explica o intelectual marxista Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, <strong>em</strong> um texto extr<strong>em</strong>amentecrítico escrito no ano <strong>de</strong> 1936. Segundo ele, os índios tinham ciência <strong>de</strong> que as terras lhespertenciam por direito, o que lhes dava o direito <strong>de</strong> resistir à <strong>de</strong>socupação.Os bororos, porém, já tinham perdido as virtu<strong>de</strong>s guerreiras e até oscostumes dos seus antepassados; amolecera-os o diuturno contato com osviajantes da estrada por eles policiada; <strong>de</strong>mais, fiavam-se certamente nosolene compromisso governamental constituído pela creação do territorioreservado. [...] O major, dotado <strong>de</strong> <strong>em</strong>inentissimas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>inteligência e tino político, era, na sua epoca, eximio condutor <strong>de</strong> homens.Dispondo <strong>de</strong> vasto circulo <strong>de</strong> relações, apoiado <strong>em</strong> parentes e amigosnumerosos e po<strong>de</strong>rosos, aqui e no Des<strong>em</strong>boque e prestigiado pelosgovernantes <strong>de</strong> Goiaz e <strong>de</strong> Minas, não tinha <strong>em</strong> Farinha Podre qu<strong>em</strong> lhecontrariasse as pretensões. Caso os bororos se opuzess<strong>em</strong> á expulsãoseriam, s<strong>em</strong> duvida, esmagados. A’s or<strong>de</strong>ns do major estavam a forçapublica, que já não era mais composta dos milicianos mineiros, mas dosguardas <strong>de</strong> Paracatú; alerta e a postos estavam os preten<strong>de</strong>ntes à posse dasTerras Al<strong>de</strong>anas, entre os quais havia homens ‘prontos para tudo’ [...](BARBOSA, 1936, p. 17).Prosseguindo a sua análise, o prof. Alexandre Barbosa <strong>de</strong>monstra como a usurpaçãodas terras al<strong>de</strong>anas po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada o momento crítico que levou ao nascimento daestrutura <strong>de</strong> classes característica da primitiva socieda<strong>de</strong> uberabense:Em 1821, os infelizes (eram mais <strong>de</strong> 200), expulsos do territorio, on<strong>de</strong>48 De acordo com o recenseamento feito por Eschwege, <strong>em</strong> 1816 habitavam as terras al<strong>de</strong>anas situadas entre oRio Gran<strong>de</strong> e o Rio das Velhas um total <strong>de</strong> 234 índios.


98durante quase tres quartos <strong>de</strong> seculo cooperaram na manutenção datranquilida<strong>de</strong> do Brasil Central, territorio que lhes fôra reservado <strong>em</strong>recompensa dos relevantes serviços anteriormente prestados ao país,abandonando, obrigados pela força, seus campos <strong>de</strong> caça, seus cursos <strong>de</strong>agua piscosa, suas roças e moradas, seguiram rumo norte, carregando osfilhos e os poucos moveis, para as terras <strong>de</strong> além-rio das Velhas. Em suaboa fé ingênua tinham cometido o erro fatal <strong>de</strong> se fiar na palavra dogoverno, para o qual <strong>em</strong> vão apelaram. Em vão; pois do proprio governotinha conseguido o major a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> expulsão. [...] Assim, ao primitivoregime <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> territorial coletiva suce<strong>de</strong>u o individual no territoriodo municipio. Essa transição não se operou, aqui como <strong>em</strong> todo o mundo,s<strong>em</strong> cenas <strong>de</strong> injustiças, espoliações e expulsões (BARBOSA, 1936, p. 18).À tomada das terras indígenas, seguiu-se o processo jurídico <strong>de</strong> legalização das posses,feito <strong>de</strong> forma sumária pelo juiz das sesmarias (Antônio Eustáquio), que, <strong>em</strong> tribunais on<strong>de</strong>só se assentavam os m<strong>em</strong>bros das parentelas beneficiadas, proferia, <strong>em</strong> voz alta, por trêsvezes, a seguinte frase: “Posse judicial. Posse real e posse atual tomada por mandato dajustiça nesta parag<strong>em</strong> do mato ao pé do rio..., dada a..., a requerimento do dito procurador. Háaqui qu<strong>em</strong> contra essa posse se oponha?” (BARBOSA, 1936, p. 18). S<strong>em</strong> nenhuma oposição,a terra era legalmente registrada <strong>em</strong> nome do posseiro branco; assim surgiram os primeiroslatifundiários que <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> à primitiva elite uberabense.No município <strong>de</strong> Uberaba, há longuíssimo t<strong>em</strong>po, estão sanados pelaprescrição todos os vícios que tenha havido na primitiva apropriaçãoindividual das terras. [...] Desta maneira ficavam legalizadas as pretensõesdo posseiro e a terra, o primeiro dos instrumentos <strong>de</strong> produção, base da vidae b<strong>em</strong> comum, se convertia <strong>em</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um pequeno numero <strong>de</strong>indivíduos. Os outros, eram a gran<strong>de</strong> maioria, só tinham direito á poeira dasestradas (BARBOSA, 1935, p. 18).A população indígena que restou na área <strong>de</strong>socupada foi recenseada <strong>em</strong> 1823 pelotenente Inocêncio <strong>de</strong> Miranda, que contou apenas 67 índios (LOURENÇO, 2002). RaimundoJosé da Cunha Matos, <strong>em</strong> seu levantamento <strong>de</strong> 1837, também atesta a drástica diminuição dapopulação indígena às margens da Estrada <strong>de</strong> Goiás. Falando a respeito da al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> UberabaFalso – que, por ocasião da visita <strong>de</strong> Eschwege, contava com 66 habitantes –, Matos (1981, p.213) afirma: “Está situada <strong>em</strong> terreno plano na marg<strong>em</strong> do Rio Uberaba. Teve início no ano<strong>de</strong> 1741 para habitação dos índios bororós, e acha-se quase extinta, constando apenas <strong>de</strong> 4casas. Fica meia légua ao oci<strong>de</strong>nte do arraial <strong>de</strong> Santo Antônio e São Sebastião <strong>de</strong> Uberaba”.Também as <strong>de</strong>mais al<strong>de</strong>ias Bororo da região, segundo Matos (1981), encontravam-se quase<strong>de</strong>sabitadas <strong>em</strong> 1837.Dentro do contexto sócio-histórico da época, a expulsão das populações indígenas,assim como a escravidão negra, eram encarados como fenômenos naturais pelas autorida<strong>de</strong>s


99religiosas, e a ocupação das terras pelos colonos brancos era vista como um sinal <strong>de</strong>progresso. O Vigário Silva assim <strong>de</strong>screve, orgulhoso, as ativida<strong>de</strong>s econômicas do arraial <strong>em</strong>1828: “Os moradores do Uberaba são tão industriosos como os das Comarcas do Rio dasMortes e Sabará, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram a maior parte das famílias que hoje o povoam. Exportamtodos os anos muitos porcos e muitas boiadas para a Corte do Rio <strong>de</strong> Janeiro e importamescravos” (SILVA, 1970, p. 12).Na verda<strong>de</strong>, a Igreja Católica não apenas apoiava o sist<strong>em</strong>a, como <strong>de</strong>le fazia parte,ocupando posição privilegiada na estrutura <strong>de</strong> classes. As políticas públicas, na época, eramprofundamente influenciadas pela vonta<strong>de</strong> da Igreja, já que a falta <strong>de</strong> homens letrados faziacom que os cargos políticos foss<strong>em</strong>, muitas vezes, ocupados por padres católicos, quepertenciam à elite intelectual da época. Assim, por ex<strong>em</strong>plo, aconteceu com o cônegoHermógenes Cassimiro <strong>de</strong> Araújo Brunswick, que, segundo Sampaio (1970), foi eleito<strong>de</strong>putado das Ass<strong>em</strong>bléias Provinciais Mineiras por várias legislaturas. Falando a respeito doreferido cônego, Sampaio (1970, p. 236) assim <strong>de</strong>screve as suas qualida<strong>de</strong>s políticas e o seucompromisso para com o Partido Conservador: “A<strong>de</strong>pto intransigente das idéiasconservadoras que dirigiam este partido, do qual era chefe prestigioso e consi<strong>de</strong>rado, todavia,jamais foi perseguidor <strong>de</strong> adversários”.No processo <strong>de</strong> colonização branca na região do Sertão da Farinha Podre teve gran<strong>de</strong>importância o papel exercido pela Igreja, principalmente através da ação política dos cônegosHermógenes e Antônio José da Silva. Graças à junção dos interesses do Estado, dos colonosbrancos e da Igreja, as terras da região foram rapidamente usurpadas <strong>de</strong> seus habitantesprimeiros e passaram ao controle <strong>de</strong> uma nova elite <strong>de</strong> proprietários rurais, firm<strong>em</strong>enteapoiada pelas autorida<strong>de</strong>s religiosas, conforme po<strong>de</strong>mos observar nos dizeres do VigárioSilva, <strong>em</strong> seu relato <strong>de</strong> 1928:Seja-me permitido <strong>em</strong> obséquio ao merecimento dizer <strong>em</strong> conclusão, queestando a Freguesia do Uberaba <strong>em</strong> circunstâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pela naturezado seu fértil solo interessar muito ao Império e aos particulares nelaresi<strong>de</strong>ntes e que vier<strong>em</strong> <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ve-se tudo <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte ao SargentomorAntônio Eustáquio da Silva, que não se t<strong>em</strong> poupado, n<strong>em</strong> a <strong>de</strong>spesas,n<strong>em</strong> a fadigas, n<strong>em</strong> a persuasões para aumentar a sua povoação, pôr <strong>em</strong>ativida<strong>de</strong> o seu comércio e animar a agricultura (SILVA, 1970, p. 13).Mas se hoje nos causa espanto o fato <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros da Igreja Católica, criada sobre asbases da rígida moral cristã, ter<strong>em</strong> convivido <strong>de</strong> forma omissa e muitas vezes promíscua comfatos moralmente <strong>de</strong>ploráveis como a escravidão e a exploração <strong>de</strong> povos in<strong>de</strong>fesos,l<strong>em</strong>br<strong>em</strong>o-nos <strong>de</strong> que a moral, via <strong>de</strong> regra, está a serviço <strong>de</strong> interesses imediatos. Nessa


100perspectiva, o pacto firmado entre as elites econômicas brancas brasileiras e a Igreja é que<strong>de</strong>terminava os limites da moral cristã.Segundo Silva (1970), no ano <strong>de</strong> 1923, com o intuito <strong>de</strong> diminuir a distância entreUberaba e a Vila <strong>de</strong> Franca, na província <strong>de</strong> São Paulo, o sargento-mor Antônio Eustáquio,<strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> com o Vigário Silva (PONTES, 1970) 49 , mandou construir um novo porto noRio Gran<strong>de</strong>, junto à foz do córrego da Ponte Alta 50 – o qual, por este motivo, ficou conhecidocomo porto da Ponte Alta –, além <strong>de</strong> uma estrada ligando Uberaba ao novo porto. Com essanova e melhor opção, os viajantes foram, aos poucos, abandonando o antigo porto da Espinha,situado rio abaixo, e o trecho da Estrada do Anhangüera situado entre Espinha e Uberaba(LOURENÇO, 2002).Em 1824, também por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Antônio Eustáquio, foi aberta uma nova estrada paraGoiás e para Cuiabá, que encurtava bastante o caminho para esses locais. A nova estradapassou a ser chamada <strong>de</strong> Estrada <strong>de</strong> Cuiabá e partia do local on<strong>de</strong> é hoje a Praça DomEduardo, que, naquela época, passou a ser conhecido como Largo do Cuiabá (LOURENÇO,2002). A princípio, os tropeiros continuaram optando pela antiga Estrada do Anhangüera, porestar esta mais povoada; com o t<strong>em</strong>po, porém, a nova estrada acabou ganhando a preferênciados viajantes (SAMPAIO, 1971).As mercadorias vindas <strong>de</strong> São Paulo com <strong>de</strong>stino a Goiás e Mato Grosso convergiampara o porto da Ponte Alta <strong>de</strong> duas formas básicas: por terra ou por via fluvial. O transporteterrestre era feito pelos tropeiros vindos através <strong>de</strong> Franca. Por sua vez, o transporte fluvialdava-se pela hidrovia natural que começava <strong>em</strong> Mogi-Guaçu, on<strong>de</strong> as mercadorias trazidaspelas tropas <strong>de</strong> Santos – principalmente o sal – eram <strong>em</strong>barcadas <strong>em</strong> canoas, que <strong>de</strong>sciam orio Mogi-Guaçu até o rio Pardo, e <strong>de</strong>ste até sua foz no rio Gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> subiam a montanteaté o porto da Ponte Alta (LOURENÇO, 2002). Do porto, as tropas seguiam para Uberaba,on<strong>de</strong> tomavam o caminho <strong>de</strong> Goiás ou Cuiabá.Uberaba tornou-se então um importante entrocamento viário, uma verda<strong>de</strong>ira porta <strong>de</strong>entrada do sertão, o que possibilitou o rápido crescimento das ativida<strong>de</strong>s comerciais noarraial. Em 1823, o viajante Luís D’Alincourt, que já havia visitado o arraial <strong>em</strong> 1818, assimrelatou o seu crescimento:É um prazer verificar como essa povoação cresceu <strong>de</strong> 1818 a 1823. Apopulação <strong>de</strong> toda a paróquia se eleva a 2.000 indivíduos, <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se49 A alegada socieda<strong>de</strong> entre os dois lí<strong>de</strong>res máximos da primitiva Uberaba nos leva a enten<strong>de</strong>r que ambosexploravam o negócio <strong>de</strong> balsas para travessia do Rio Gran<strong>de</strong>.50 Nos arredores da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Delta-MG.


101confessar; faz-se <strong>em</strong> Farinha Podre um comércio consi<strong>de</strong>rável; abr<strong>em</strong>-seruas; as casas são <strong>em</strong> número bastante maior, e quase todas cobertas <strong>de</strong>telhas; os sítios e fazendas multiplicam-se na vizinhança; muitas famíliasvieram <strong>de</strong> Minas para estabelecer-se neste distrito (1823 apudMENDONÇA, 1974, p.29).Centro irradiador da colonização do Sertão da Farinha Podre, e passando por umrápido processo <strong>de</strong> ocupação fundiária, o arraial é assim <strong>de</strong>scrito pelo cônego Antônio José daSilva, agora no ano <strong>de</strong> 1828:Contém a freguesia <strong>de</strong>ntro do arraial 91 fogos habitados e fora 300. A suapovoação, que <strong>em</strong> 1820 constava <strong>de</strong> 1.300 almas monta hoje a 3.000, aforaos índios al<strong>de</strong>ados à marg<strong>em</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> na distância <strong>de</strong> 40 léguas doarraial, cujo número exce<strong>de</strong> a 1.000 <strong>de</strong> ambos os sexos. Estes índios(Caiapós) passeiam <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos por toda a freguesia, mas nãocomet<strong>em</strong> a menor hostilida<strong>de</strong>, o que se <strong>de</strong>ve s<strong>em</strong> dúvida ao jeito e ao amorcom que têm sido tratados pelo Sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva,que os visita todos os anos, prodigalizando-lhes roupas e ferramenta, ora asua custa, ora a custa da Fazenda Pública (SILVA, 1970, p.10).Ressalta-se que os índios (cujo número exce<strong>de</strong> a 1.000 <strong>de</strong> ambos os sexos) aos quais sereferia Silva (1970), pertenciam ao que restava da etnia Caiapó, reduzida a umas poucasal<strong>de</strong>ias localizadas próximas à cachoeira <strong>de</strong> Água Vermelha 51 , no Rio Gran<strong>de</strong>, e no pontal doatual Triângulo Mineiro. Tais povos, outrora t<strong>em</strong>íveis guerreiros, após o processo <strong>de</strong>amansamento promovido pelos governos goiano e mineiro, haviam sido reduzidos a umanação <strong>de</strong> mendigos, como po<strong>de</strong> ser notado pelo relato do cônego. Aos poucos, esses caiapósforam perecendo, vítimas principalmente <strong>de</strong> doenças infecto-contagiosas, chegando ao ponto<strong>de</strong>, no início do século XX, estar<strong>em</strong> praticamente extintos.Com a expulsão dos bororos e a submissão dos caiapós, o sargento-mor AntônioEustáquio da Silva e Oliveira completava a sua nobre missão <strong>de</strong> “alargar seus dominios econstituir os <strong>de</strong> parentes, amigos ou protegidos, <strong>de</strong>salojando os bugres” (BARBOSA, 1936, p.17). Além disso, criara uma inteligente re<strong>de</strong> <strong>de</strong> estradas, colocando Uberaba na bifurcação<strong>de</strong>sses caminhos, o que criou condições para a expansão das ativida<strong>de</strong>s comerciais, tambémexploradas pelas parentelas privilegiadas. Todavia, no dia 06/02/1932, s<strong>em</strong> que pu<strong>de</strong>sse<strong>de</strong>sfrutar por muito t<strong>em</strong>po dos louros da vitória, falecia, na se<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua Chácara Boa Vista, ocriador <strong>de</strong> Uberaba.Graças às excelentes condições criadas por Antônio Eustáquio, o próspero lugarejoprogredia rapidamente e, no dia 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1836, a Lei Provincial n.º 28 elevou oarraial a Vila <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Uberaba. Foi então construído um sobrado, <strong>em</strong> cujo piso51 No atual município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Salles.


102passaram a funcionar as sessões da Câmara Municipal e, no térreo, uma ca<strong>de</strong>ia b<strong>em</strong>fortificada 52 . Na eleição dos novos vereadores, o candidato mais votado foi o CapitãoDomingos da Silva Oliveira (irmão <strong>de</strong> Antônio Eustáquio da Silva Oliveira), o que lhe <strong>de</strong>u odireito <strong>de</strong> assumir a Presidência da Câmara no dia 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1837, cargo que ocupoupor pouco t<strong>em</strong>po, já que, <strong>em</strong> outubro do mesmo ano, foi substituído pelo Vigário Silva(TEIXEIRA, 2001).Figura 2.3 – Prédio da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba (segunda meta<strong>de</strong> do séc. XIX)Fonte: APUUberaba, passando a vila <strong>em</strong> 1836, <strong>de</strong>senvolveu-se rapidamente. Em 1837, já tinhacorreio; <strong>em</strong> 1839, instalaram-se cartórios e, <strong>em</strong> 1840, passou a ser se<strong>de</strong> da Comarca. Oprogresso do lugar ancorava-se <strong>em</strong> duas ativida<strong>de</strong>s econômicas principais: o comércio e apecuária. Na verda<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento da pecuária na região, transformada <strong>em</strong> um centro<strong>de</strong> invernada, impulsionava o comércio, principalmente o <strong>de</strong> sal. Mercadores, <strong>em</strong> geral52 Essa construção ainda existe, <strong>em</strong>bora tenha sofrido várias reformas, e é o atual prédio da Câmara Municipal <strong>de</strong>Uberaba.


103provenientes <strong>de</strong> Formiga ou <strong>de</strong> Oliveira, compravam dos fazen<strong>de</strong>iros uberabenses gado esuínos, que revendiam para comerciantes <strong>de</strong> São João Del Rei. Dali, as boiadas tomavam orumo do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> eram vendidas para o consumo. Por outro lado, tropeiros vindos<strong>de</strong> Santos e São Paulo traziam para Uberaba diversos artigos <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong> e,principalmente, o sal mineral a ser consumido pelo gado (LOURENÇO, 2002).Localizada no entrocamento das estradas para Goiás e Cuiabá, e transformada noprincipal centro irradiador <strong>de</strong> colonização do antigo Sertão da Farinha Podre, Uberaba acaboutransformando-se naquilo que se costuma chamar <strong>de</strong> boca <strong>de</strong> sertão, isto é, um núcleo urbanointermediário entre o sertão, ocupado por arraiais e fazendas, e as cida<strong>de</strong>s primazes, maispróximas do litoral. Dessa forma, a boca <strong>de</strong> sertão tornava-se o entreposto obrigatório dosfluxos mercantis vindos dos dois lados da re<strong>de</strong> e acabava por formar uma classe <strong>de</strong>mercadores fixos (LOURENÇO, 2002).A partir dos anos 1840, portanto, Uberaba já havia se tornado algo diferente<strong>de</strong> um arraial. Muitos fazen<strong>de</strong>iros começavam a ver vantagens numapermanência mais <strong>de</strong>morada na vila, tornando-se, com o t<strong>em</strong>po,proprietários rurais absenteístas. As casas <strong>de</strong> fazenda iam sendo <strong>de</strong>ixadas aadministradores, e os negócios no povoado iam se tornando os maisimportantes. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, surgia uma classe <strong>de</strong> comerciantes urbanos<strong>de</strong> médio e gran<strong>de</strong> porte. (LOURENÇO, 2002, p.237)Segundo Teixeira (2001), tendo-se transformado <strong>em</strong> um importante entrepostocomercial do Império, Uberaba começou a formar uma elite <strong>de</strong> comerciantes ligada,principalmente, ao comércio do sal grosso 53trazido <strong>de</strong> Santos e distribuído pelas casascomerciais uberabenses para reven<strong>de</strong>dores e consumidores do Triângulo, Goiás e MatoGrosso. O maior <strong>de</strong>sses comerciantes foi o coronel Antônio Elói Casimiro <strong>de</strong> Araújo, futuroBarão da Ponte Alta, parente do sargento-mor Antônio Eustáquio e filho natural do padreHermógenes. Em 1848, Antônio Elói, <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> com seu cunhado, o português AntônioBorges Sampaio, abriu uma casa <strong>de</strong> comércio no porto da Ponte Alta e tornou-se o hom<strong>em</strong>mais rico e influente da socieda<strong>de</strong> uberabense na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX.Naquele período, formaram-se as bases <strong>de</strong> uma elite econômica que iria influir nocenário político uberabense por mais <strong>de</strong> um século. Distribuídos entre os partidos Liberal eConservador, os coronéis uberabenses alternavam-se no po<strong>de</strong>r local e, apoiados por parentelascoesas, ditavam os rumos da cida<strong>de</strong> que vinham construindo. Na verda<strong>de</strong>, a figura do coronel– assim como a do capitão e a do barão – transformou-se no símbolo <strong>de</strong> um extenso período53 Além do sal, segundo l<strong>em</strong>bra Teixeira (2001), vários outros produtos eram distribuídos pelos comerciantesuberabenses, como o ferro, tecidos e, mais tar<strong>de</strong>, o querosene para a iluminação.


104da história, não apenas <strong>de</strong> Uberaba, mas <strong>de</strong> quase todo o interior brasileiro. Mas qu<strong>em</strong> eramos coronéis?De on<strong>de</strong> vinha este título marcial? Haviam-se originado dos títulos daGuarda Nacional, criada pouco <strong>de</strong>pois da In<strong>de</strong>pendência para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r aConstituição, auxiliar na manutenção da or<strong>de</strong>m prevenindo as revoltas,promover o policiamento regional e local. Todos os habitantes livres do paísse integravam nos diversos escalões da Guarda Nacional; os chefes locaismais prestigiosos automaticamente ocupavam nela os postos mais elevados,eram ‘coronéis’; seguindo-se nos postos majores, capitães e outros chefesnão tão importantes, tendo sob suas or<strong>de</strong>ns todos aqueles que não tinhammeios <strong>de</strong> ocupar melhores posições. A Guarda Nacional refletia, pois, noescalonamento <strong>de</strong> seus postos, a estrutura sócio-econômica das diversasregiões. Extinta pouco <strong>de</strong>pois da Proclamação da República a GuardaNacional, persistiu no entanto a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> ‘coronel’, outorgadaespontaneamente pela população àqueles que pareciam <strong>de</strong>ter entre suasmãos gran<strong>de</strong>s parcelas do po<strong>de</strong>r econômico e político (QUEIROZ, 1985,p.156).Detentores do po<strong>de</strong>r econômico, os coronéis locais almejavam aumentar o seu po<strong>de</strong>rpolítico, o que passava, invariavelmente, pela criação <strong>de</strong> um município. Em <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>1855, possivelmente já visando a esta criação, foi realizado um novo censo <strong>de</strong>mográfico <strong>em</strong>Uberaba. Tendo sido contada a população urbana da Vila <strong>de</strong> Uberaba, chegou-se aos númerosmostrados no quadro a seguir.Quadro 2.3 – População urbana da Vila <strong>de</strong> Uberaba segundo o Censo <strong>de</strong> 1855Categoria Nº <strong>de</strong> habitantes % <strong>em</strong> relação ao totalPessoas livres, <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s e1.391 72,33ambos os sexosPessoas escravas, <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s e532 27,67ambos os sexosTotal 1.923 100Fonte: SAMPAIO (1971, p. 349)No quadro, v<strong>em</strong>os que a população urbana <strong>de</strong> Uberaba já se aproximava dos 2.000habitantes, sendo que, <strong>de</strong>ste total, 27,67% eram escravos – percentual que se aproxima doverificado <strong>em</strong> 1820. Segundo estudo <strong>de</strong> Lourenço (2002), o quadro típico das proprieda<strong>de</strong>srurais uberabenses <strong>em</strong> meados do século XIX caracterizava-se por alguns gran<strong>de</strong>s senhoresescravistas, <strong>em</strong> torno dos quais gravitava um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pequenos e médiosproprietários <strong>de</strong> escravos. O mesmo autor chama a atenção para o seguinte fato:[...] é provável que essas pequenas posses escravistas foss<strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s


105camponesas com escravos. A diferença <strong>em</strong> relação à unida<strong>de</strong> escravista éque nesta o trabalho escravo era explorado s<strong>em</strong> o consórcio do trabalhofamiliar, havendo uma clara divisão social do trabalho entre proprietários eescravos (LOURENÇO, 2002, p.189).Por outro lado, nas pequenas unida<strong>de</strong>s escravistas, conforme já vimos nos relatos <strong>de</strong>Saint-Hilaire, proprietários e escravos trabalhavam lado a lado, ficando difícil a visualizaçãoda divisão social entre exploradores e explorados.Os números do Censo <strong>de</strong> 1855 <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter tido influência na <strong>de</strong>cisão do governoprovincial, que, <strong>em</strong> 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1856, elevou Uberaba a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu município, com acategoria <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Nos anos subseqüentes, foram construídos a Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia(1859) e o Teatro São Luiz (1862), aspirações da elite dominante. E assim, apesar <strong>de</strong>encravada num sertão inóspito e pouco habitado, a pequena cida<strong>de</strong> prosperava, tendopercorrido boa parte dos anos oitocentistas com uma economia que se baseava no comércio <strong>de</strong>sal e gado, que se consorciava, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, com a expansão da pecuária bovina.Segundo Pontes (1970), o período situado entre 1827 a 1859 foi um dos maisprósperos da história <strong>de</strong> Uberaba. No final da década <strong>de</strong> 1850, o comércio quadruplicou avenda <strong>de</strong> sal, tendo atingido o nível <strong>de</strong> 135 mil sacas por ano. Entretanto, a economiasalineira, sobre a qual se assentava a prosperida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, sofreu um duro golpe por volta<strong>de</strong> 1860, com a criação <strong>de</strong> novas rotas comerciais para Goiás e Mato Grosso: um porto foiaberto no rio Gran<strong>de</strong>, próximo à foz do Rio Pardo, <strong>de</strong>sviando parte do tráfego <strong>de</strong> tropeirospara Frutal; abriu-se ao trânsito a ponte do Jaguara, a montante do porto da Ponte Alta; ecriou-se a nova rota do Coxim, ligando São Paulo ao Mato Grosso. Com esses fatos, umgran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> casas comerciais fechou as portas e o comércio <strong>de</strong> sal baixou ao nível <strong>de</strong> 95mil sacas (PONTES, 1970).Entretanto, já a partir <strong>de</strong> 1864, o comércio local começou a recuperar-se, graças a umaseqüência <strong>de</strong> acontecimentos favoráveis. Com a guerra civil que assolava os Estados Unidos,as indústrias européias aumentaram espetacularmente a importação <strong>de</strong> algodão do Brasil, e,por algum t<strong>em</strong>po, os produtores uberabenses da fibra aproveitaram-se do bom preço praticadono mercado para acumular lucros. Veio, <strong>em</strong> seguida, a Guerra do Paraguai (1864-1870) e, <strong>de</strong>julho a set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1865, reuniram-se <strong>em</strong> Uberaba 54 as tropas brasileiras vindas <strong>de</strong> OuroPreto com as que vieram <strong>de</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro, formando um corpo expedicionárioque, <strong>em</strong> seguida, marchou para os campos <strong>de</strong> batalha no Mato Grosso; esse constante transitar54 As tropas brasileiras ficaram acampadas no local conhecido, na época, como Campo do Cachimbo, no atualbairro Boa Vista.


106<strong>de</strong> tropas pela cida<strong>de</strong> também levou ao aquecimento do comércio uberabense (PONTES,1970). Outro importante fator citado por Pontes (1970) foi a mudança, para a cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>muitas famílias <strong>de</strong> posses vindas <strong>de</strong> Bagag<strong>em</strong> – saídas <strong>de</strong> lá <strong>em</strong> conseqüência da queda naextração e comércio <strong>de</strong> diamantes – e que investiram <strong>em</strong> Uberaba seus capitais acumulados. Ea pequena cida<strong>de</strong> voltava a prosperar.E é justamente nesse momento que se percebe o surgimento <strong>de</strong> uma outraelite, agora com ares <strong>de</strong> urbanida<strong>de</strong>, formada pelos professores,amanuenses, juízes, padres, que começariam a publicar jornais e a fazersaraus. Po<strong>de</strong>-se dizer que nessa fase já existia o urbano (LOURENÇO,2002, p. 237).Entretanto, apesar do processo <strong>de</strong> urbanização pelo qual passava a cida<strong>de</strong>, a Uberabadas décadas <strong>de</strong> 1860 e 1870 era ainda uma distante boca <strong>de</strong> sertão, marcada pela simplicida<strong>de</strong>da vida sertaneja. O Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Taunay, integrante do corpo expedicionário que esteveacampado na cida<strong>de</strong> por ocasião Guerra do Paraguai, <strong>de</strong>screve alguns aspectos urbanos <strong>de</strong>Uberaba. Falando das ruas, ele as <strong>de</strong>screve como pessimamente niveladas e totalmente s<strong>em</strong>calçamento (MENDONÇA, 1974). E continua <strong>de</strong>screvendo a paisag<strong>em</strong> urbana:T<strong>em</strong> as casas mesquinha aparência e são quase s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> pau-a-pique,<strong>em</strong>pregando com profusão a aroeira que abunda pelas vizinhanças e éma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m. [...] Em todo caso, <strong>de</strong>staca-se a Matrizno seu largo, on<strong>de</strong> só exist<strong>em</strong> casinhas mo<strong>de</strong>stas, mais que mo<strong>de</strong>stas.Ganhará enorm<strong>em</strong>ente se o arborizar<strong>em</strong>. Atualmente, está muito feio. [...]Uma coisa que incomoda muito aqui é a terrível poeira que o vento levantae então a tudo cobre, sobretudo quando passa uma tropa <strong>de</strong> cargueiros. Opó é constante, vermelho, muito fino (1865 apud MENDONÇA, 1974,p.30).Apesar da má impressão causada a Taunay, Uberaba ocupava uma posiçãoeconomicamente privilegiada, <strong>de</strong>ntro do contexto brasileiro da época. Na verda<strong>de</strong>, a<strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> centros urbanos economicamente dinâmicos, como o interessante processo queocorria <strong>em</strong> Uberaba, restringia-se ainda a poucas exceções no interior do Brasil imperial. Nasegunda meta<strong>de</strong> do século XIX, numa época <strong>em</strong> que a Revolução Industrial, nascida naEuropa, já havia atingido outros continentes, e cresciam no mundo os <strong>de</strong>bates acerca dosdireitos humanos e das relações <strong>de</strong> trabalho, os sertões brasileiros viviam imersos num précapitalismoescravagista e dominados pela política coronelista. O isolamento cultural eeconômico era visível para os viajantes estrangeiros que percorriam nosso país. Segundo PaulSinger, a articulação brasileira com o exterior se dava, basicamente,por meio <strong>de</strong> uma incipiente economia urbana, centrada <strong>em</strong> algumas cida<strong>de</strong>sportuárias como Rio, Santos-São Paulo, Recife e Belém, que se achavamprecariamente interligadas. Entre estas manchas <strong>de</strong> produção primária


107<strong>de</strong>stinada ao exterior e as cida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong> alguma forma as polarizavam,havia um mundo s<strong>em</strong>ifechado <strong>de</strong> fazendas e estâncias, pequenasproprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ‘homens livres’, <strong>de</strong> vendas, mascates e tropeiros, <strong>de</strong> al<strong>de</strong>iase pequenas cida<strong>de</strong>s, cujo equilíbrio dificilmente po<strong>de</strong>ria ser perturbado poracontecimentos originados do ‘exterior’ (SINGER, 1985, p. 350).Embora esse panorama sócio-econômico <strong>de</strong>scrito por Singer (1985) retrate muito b<strong>em</strong>a Uberaba oitocentista, é certo que, por volta <strong>de</strong> 1868, o município já possuía um consi<strong>de</strong>rávelnúmero <strong>de</strong> habitantes. Naquele ano, o governo provincial <strong>de</strong>terminou às câmaras municipais olevantamento da população <strong>de</strong> todas as localida<strong>de</strong>s. O então presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal,Antônio Borges Sampaio, auxiliado pelo professor público Manuel Garcia da Rosa Terra, foio responsável pela execução da tarefa (SAMPAIO, 1971), chegando aos resultados expressosno quadro seguinte.Quadro 2.4 – População da Paróquia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1868Categoria Nº <strong>de</strong> habitantes % <strong>em</strong> relação ao totalHomens livres 2.982 38,82Mulheres livres 3.063 39,88Homens escravos 858 11,17Mulheres escravas 778 10,13Total 7.681 100Obs.: Do total <strong>de</strong> habitantes, 7.421 eram brasileiros e 260 estrangeirosFonte: SAMPAIO (1971)De acordo com o recenseamento <strong>de</strong> 1868, v<strong>em</strong>os que a população escravacorrespondia, naquela ocasião, a 21,3% do total, enquanto os estrangeiros eram 3,5% dapopulação uberabense, o que expressa a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência da economia local <strong>em</strong> relação àmão-<strong>de</strong>-obra negra, <strong>em</strong> contraposição ao ainda pequeno contingente <strong>de</strong> imigrantes. Naquel<strong>em</strong>omento, os cidadãos estrangeiros radicados <strong>em</strong> Uberaba eram majoritamente portugueses, e<strong>de</strong>dicavam-se às ativida<strong>de</strong>s urbanas (comércio, serviços e cargos eclesiásticos).Um recenseamento oficial da população foi realizado <strong>em</strong> 1873 (Quadro 2.5), <strong>de</strong>ssafeita sob os cuidados <strong>de</strong> agentes censitários contratados pelo governo. Por ele, foramenumerados homens e mulheres das zonas rural e urbana, chegando à contag<strong>em</strong> <strong>de</strong> umapopulação total da Paróquia <strong>de</strong> 10.190 habitantes – um crescimento <strong>de</strong> 2.509 pessoas


108(32,67%) <strong>em</strong> relação ao censo não oficial realizado cinco anos antes 55 . Em relação aorecenseamento <strong>de</strong> 1855, verificamos, também, o expressivo aumento da população urbana <strong>de</strong>Uberaba, que passou <strong>de</strong> 1.923 pessoas para 2.387, um acréscimo <strong>de</strong> 24,1 % <strong>em</strong> 18 anos.Quadro 2.5 – População da Paróquia <strong>de</strong> Uberaba segundo o Recenseamento <strong>de</strong> 1873Categoria Nº <strong>de</strong> habitantes % <strong>em</strong> relação ao totalHomens da zona urbana 1134 11,13Mulheres da zona urbana 1253 12,30Homens da zona rural 4129 40,52Mulheres da zona rural 3674 36,05Total 10190 100Fonte: SAMPAIO (1971)O censo <strong>de</strong> 1873 mostra um outro lado da população uberabense, já no final doterceiro quarto do século XIX: a ruralida<strong>de</strong>. Naquela data, apenas 2.387 pessoas (23,43% dototal) habitavam o perímetro urbano da cida<strong>de</strong>, enquanto 76,57% da população da paróquiavivia no campo, índice que, apesar do crescimento verificado nas ativida<strong>de</strong>s urbanas domunicípio, reflete b<strong>em</strong> o perfil agropecuário da economia local, fato comum à imensa maioriados municípios do Brasil imperial.Com o crescimento da população urbana, surgiam na cida<strong>de</strong> alguns sinais <strong>de</strong>civilização, como é o caso dos primeiros jornais. Na verda<strong>de</strong>, a imprensa uberabense surgiudas mãos <strong>de</strong> um imigrante estrangeiro: segundo Pontes (1970), o primeiro jornal impresso <strong>de</strong>Uberaba e <strong>de</strong> todo o Triângulo Mineiro 56 foi O Paranayba, fundado <strong>em</strong> 1/10/1874 pelomédico e professor francês radicado na cida<strong>de</strong>, Dr. Henrique Raimundo <strong>de</strong>s Genettes. Após atirag<strong>em</strong> <strong>de</strong> três edições s<strong>em</strong>anais, o nome do jornal <strong>de</strong> Henrique <strong>de</strong>s Genettes foi mudado, <strong>em</strong>18/10/1874, para O Echo do Sertão 57 . Vários outros jornais seguiram-se a este.55 Esta diferença <strong>de</strong> números entre a contag<strong>em</strong> oficial e a feita por Borges Sampaio não nos parece indicar quepossa ter havido um crescimento tão elevado da população <strong>em</strong> apenas cinco anos, mas sim falhas <strong>em</strong> um dosrecenseamentos. Dados os maiores recursos <strong>em</strong>pregados no recenseamento <strong>de</strong> 1873, preferimos acreditar que acontag<strong>em</strong> oficial estivesse mais próxima da realida<strong>de</strong>.56 Antes <strong>de</strong>ste jornal, segundo l<strong>em</strong>bra Toti (1956), circulou por algum t<strong>em</strong>po, a partir <strong>de</strong> 1856, um pequenojornal manuscrito <strong>de</strong>nominado O Suspiro.57 Foi através <strong>de</strong> seu jornal que, <strong>em</strong> 1875, o Dr. Des Genettes iniciou uma campanha <strong>em</strong> prol da separação daregião oeste <strong>de</strong> Minas Gerais e <strong>de</strong> sua anexação ao Estado <strong>de</strong> São Paulo, tendo sido ele qu<strong>em</strong>, pela primeira vez,<strong>de</strong>nominou a região do antigo Sertão da Farinha Podre <strong>de</strong> Triângulo Mineiro.


109Figura 2.4 – Henrique Raimundo <strong>de</strong>s GenettesFonte: Almanach Uberabense (1908)A sofisticação dos costumes refletia-se também <strong>em</strong> outros setores urbanos. Em 1876,foi fundado o maior hotel que a cida<strong>de</strong> já havia visto: o Hotel do Comércio, instalado na ruaVigário Silva, que possuía instalações mo<strong>de</strong>rnas e luxuosas para a época, oferecendoinclusive cozinha nacional e estrangeira para os muitos hóspe<strong>de</strong>s que passavam pela Princesado Sertão (REZENDE, 1991).Em 1880, Uberaba passou a receber os primeiros investimentos industriais <strong>de</strong> algumaimportância: naquele ano, Quirino Rodrigues <strong>de</strong> Miranda abriu uma fábrica <strong>de</strong> chapéus na ruado Comércio (GAZETA DE UBERABA, 03/10/1880); <strong>em</strong> junho/1880, o comerciante <strong>de</strong>gêneros diversos – também estabelecido rua do Comércio – , João Borges <strong>de</strong> Araújo, comoutros sócios, iniciou a construção <strong>de</strong> uma fábrica <strong>de</strong> tecidos nas imediações da Fazenda doCassu, junto ao ribeirão <strong>de</strong> mesmo nome (GAZETA DE UBERABA, 06/06/1880).Entretanto, <strong>em</strong> contraste com o progresso urbano e com a consolidação das relações <strong>de</strong>trabalho, oriundas do estabelecimento, na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> diferentes <strong>em</strong>preendimentos comerciais,industriais e <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, sobrevivia ainda, <strong>de</strong> forma contraditória, a escravidão.O comércio <strong>de</strong> escravos negros era consi<strong>de</strong>rável e ocupava bastante espaço nas páginas dosjornais uberabenses, com anúncios como o seguinte: “ESCRAVOS – Nesta cida<strong>de</strong> compra-seescravos <strong>de</strong> ambos os sexos. Para informações dirija-se ao sr. José Alves <strong>de</strong> Mendonça, á ruada Misericórdia” (GAZETA DE UBERABA, 16/12/1880, p. 4).


1102.2 Padres e professores leigos: os primeiros mestres uberabenses (1815-1880)Conforme já foi anteriormente tratado neste trabalho, os primeiros colonos a sefixar<strong>em</strong> no Sertão da Farinha Podre <strong>de</strong>dicavam-se basicamente às ativida<strong>de</strong>s agropecuárias,num mo<strong>de</strong>lo produtivo simples, praticamente <strong>de</strong> subsistência, haja vista as gran<strong>de</strong>sdificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> se negociar a produção. A simplicida<strong>de</strong> que caracterizava a vida <strong>de</strong>ssesprimeiros habitantes da região <strong>de</strong>terminava o caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente prático da educaçãoescolar que se verificava nos sertões <strong>de</strong> Minas Gerais e <strong>de</strong> Goiás.Normalmente dirigidas por professores leigos 58 – estes mesmos, <strong>em</strong> geral, <strong>de</strong>tentores<strong>de</strong> uma educação el<strong>em</strong>entar –, as humil<strong>de</strong>s casas <strong>de</strong> instrução que surgiam nos pequenosarraiais ofereciam o ensino <strong>de</strong> primeiras letras a alunos homens e, nas raras escolas parameninas, acrescia-se, por vezes, o ensino <strong>de</strong> prendas domésticas. Era essa a educaçãonecessária à esparsa população que habitava o sertão oitocentista, num contexto dominadopela rusticida<strong>de</strong> da vida cotidiana e assim <strong>de</strong>scrito por Saint-Hilaire (1975, p. 44):Quando um hom<strong>em</strong> instruído se vê atirado a um dos arraiais da Província <strong>de</strong>Goiás, não encontra ninguém com qu<strong>em</strong> possa compartilhar seus gostos esuas ocupações favoritas. Se encontra alguma dificulda<strong>de</strong>, não acharáninguém que o aju<strong>de</strong> a sobrepujá-la, e não terá nunca a <strong>em</strong>ulação parasustentar-lhe o ânimo. Pouco a pouco irá per<strong>de</strong>ndo o gosto pelos estudosque tanto apreciava, e acabará por abandoná-los inteiramente, passando alevar uma vida tão vegetativa quanto a das pessoas que o cercam.Segundo Pontes (1992), a primeira iniciativa educacional ocorrida <strong>de</strong>ntro do atualmunicípio <strong>de</strong> Uberaba <strong>de</strong>u-se ainda no Arraial da Capelinha, por iniciativa <strong>de</strong> Dona EufrásiaGonçalves Pimenta. “Esta senhora, <strong>em</strong> 1815, nas cabeceiras do Lageado, fundou <strong>em</strong> território<strong>de</strong>ste município a primeira escola <strong>de</strong> instrução primária particular, ensinando a ler, bordar,fazer crivo, rendas e ‘teçumes’ a muitas moças <strong>de</strong> Uberaba” (PONTES, 1992, p. 90). Comtoda certeza, a pequena escola f<strong>em</strong>inina <strong>de</strong>via funcionar <strong>em</strong> um humil<strong>de</strong> casebre marcado pelarusticida<strong>de</strong> que caracterizava o lugar 59 .Ainda segundo Pontes (1992), a primeira professora uberabense era natural do sul <strong>de</strong>Minas e viera para a região acompanhando seus três irmãos: Rosa Gonçalves Pimenta,Joaquim Gonçalves Pimenta e José Gonçalves Pimenta, este último antigo proprietário dasesmaria do Lajeado, que acabou cedida a José Francisco <strong>de</strong> Azevedo, no ano <strong>de</strong> 1807.58 Neste caso, utilizamos o termo leigo para indicar um indivíduo s<strong>em</strong> formação específica para o magistério.59 Segundo Pontes (1970), o Arraial da Capelinha era constituído por pequenas cabanas construídas <strong>de</strong> pausroliços fixados sobre esteios forquilhados presos por cipós e revestidos por folhas <strong>de</strong> palmeira baguaçu tanto naslaterais como no teto.


111Com o colapso do Arraial da Capelinha, ocorrido a partir <strong>de</strong> 1815, parte da famíliaPimenta transferiu-se para o novo arraial fundado pelo sargento-mor Antônio Eustáquio juntoao córrego das Lages. Pontes (1992) cita que Joaquim Gonçalves Pimenta se estabeleceu comuma casa comercial – talvez a primeira <strong>de</strong> Uberaba – no local on<strong>de</strong> é hoje a Praça RuiBarbosa e acabou tornando-se um próspero negociante. Seu irmão, José Gonçalves Pimenta,transferiu-se para o Des<strong>em</strong>boque, on<strong>de</strong> faleceu no dia 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1818. Quanto a DonaEufrásia, fundadora da pequena escola, não nos foi possível obter outros dados sobre sua vidaapós ter <strong>de</strong>ixado o primitivo Arraial da Capelinha.A partir da criação da nova freguesia, <strong>em</strong> 1820, a educação improvisada das criançaspertencentes às famílias mais abastadas ficou a cargo, principalmente, dos padres católicos,que começavam a chegar ao arraial. Conforme já discutimos neste trabalho, a ação dos padrescatólicos no sertão oitocentista ia muito além da prestação <strong>de</strong> serviços religiosos. Por suainstrução muito acima da do restante da população, os padres ocupavam-se, <strong>em</strong> geral, daeducação das crianças – principalmente dos filhos das famílias <strong>de</strong> maior prestígio – e também<strong>de</strong> toda sorte <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s comerciais e agrárias. Em 1819, Saint-Hilaire (2004, p. 176) assim<strong>de</strong>screvia a ação dos religiosos católicos na Província <strong>de</strong> Goiás:Os padres são, na verda<strong>de</strong>, os únicos homens da província que possu<strong>em</strong>alguma instrução. Afora isso, po<strong>de</strong>mos afirmar que eles viv<strong>em</strong> afastados <strong>de</strong>todas as regras, negligenciando a instrução dos fiéis, abandonando-se àociosida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>dicando-se ao comércio, praticando a simonia e vivendo<strong>em</strong> concubinato. Enfim, parec<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar como seu único <strong>de</strong>ver acelebração da missa ao domingos e a confissão dos fiéis à época da Páscoa,mediante a contribuição <strong>de</strong> 300 réis, que lhes é dada tanto ali como <strong>em</strong>Minas.No caso da Uberaba primitiva, a ação dos religiosos católicos na instrução el<strong>em</strong>entarera também uma realida<strong>de</strong> comum. Já <strong>em</strong> 1825, numa correspondência enviada ao auxiliar daComarca, o Vigário Silva relata a existência <strong>de</strong> duas escolas primárias masculinas no arraial<strong>de</strong> Santo Antônio, afirmando que tais estabelecimentos estavam a cargo do Cônego CarlosJosé da Silva e <strong>de</strong> Júlio Luís Mame<strong>de</strong>, “que lecionavam as primeiras letras às crianças filhas<strong>de</strong> pais a qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>viam finezas” (SILVA, 1970, p. 4). L<strong>em</strong>bramos que, naquele momento,Júlio Luís Mame<strong>de</strong> ainda não havia ainda sido or<strong>de</strong>nado padre, o que só ocorreu <strong>em</strong>15/09/1834. Na verda<strong>de</strong>, antes <strong>de</strong> abraçar a vida religiosa, Mame<strong>de</strong> havia sido casado e tiveradois filhos, família que sustentava dando aulas el<strong>em</strong>entares às crianças do arraial – <strong>em</strong> 1825,instruía 16 meninos (JORNAL DO COMÉRCIO, 30/08/1931, p. 1).A educação uberabense permaneceu totalmente entregue à iniciativa privada até


112meados da década <strong>de</strong> 1830, quando, com a promulgação da Lei nº 13, o governo provincialassumiu parte <strong>de</strong>ssa responsabilida<strong>de</strong>: com a Lei Geral do Ensino <strong>de</strong> 1827, que <strong>de</strong>terminava acriação <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> primeiras letras <strong>em</strong> todas as cida<strong>de</strong>s e vilas, compl<strong>em</strong>entada pelo AtoAdicional <strong>de</strong> 1834, que transferiu às Províncias a responsabilida<strong>de</strong> pelos níveis inferiores <strong>de</strong>educação, o governo <strong>de</strong> Minas Gerais promulgou, <strong>em</strong> 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1835, a Lei nº 13, queprocurava organizar a instrução pública na província (TORRES, 1962-a). Segundo PauloKruger Corrêa Mourão (1962 apud TORRES, 1962-a, p. 1027): “Determinou a lei diferenças<strong>de</strong> grau do ensino, localizando as escolas <strong>de</strong> 2º grau nas cida<strong>de</strong>s ou vilas, e as <strong>de</strong> 1º grau nosarraiais ou povoações <strong>em</strong> que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> ser freqüentadas, pelo menos, por 24 alunos”. Maisadiante, Mourão (ibid, p. 1028) prossegue: “[...] restringia as escolas para meninas às cida<strong>de</strong>se vilas, acrescentando, entretanto, ao currículo, mais disciplinas além das ensinadas aosmeninos”. Além disso, a lei previa a colaboração das câmaras municipais na impl<strong>em</strong>entaçãoda instrução pública, o que, para a gran<strong>de</strong> maioria das vilas e cida<strong>de</strong>s da província, constituíasenuma tarefa quase impossível, dada a falta <strong>de</strong> recursos.A Lei nº 13 continha, também, algumas medidas <strong>de</strong> cunho conservador, como o artigo11, que restringia às pessoas livres a freqüência às escolas públicas. Outro artigo ameaçavacom multa e até prisão os professores particulares não habilitados para o magistério. Talartigo po<strong>de</strong>ria ser visto como um avanço, não fosse o fato <strong>de</strong> que a lei só consi<strong>de</strong>rava<strong>de</strong>sabilitados para o exercício do magistério os criminosos, acusados <strong>de</strong> roubo ou <strong>de</strong> outros<strong>de</strong>litos (ibid). Consi<strong>de</strong>rava-se então, como potencial professor, qualquer pessoa que julgassedominar algum conteúdo escolar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não se enquadrasse nas citadas restrições.Todos os professores que se interessass<strong>em</strong> <strong>em</strong> atuar na Província <strong>de</strong> Minas Gerais<strong>de</strong>viam ser aprovados <strong>em</strong> concursos, exames ou provas <strong>de</strong> habilitação, regra que valia não sópara os professores do ensino oficial, como também para as aulas particulares. Essa medidapretendia dar ao governo o controle <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> instrução realizadas naprovíncia. As ca<strong>de</strong>iras 60 para professores públicos eram postas <strong>em</strong> concurso e a nomeaçãodos aprovados era feita através dos órgãos da imprensa oficial. Muitas vezes, por falta <strong>de</strong>professores legalmente habilitados – <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência tanto da falta <strong>de</strong> cidadãos interessados<strong>em</strong> exercer o magistério, quanto da pouca qualificação dos candidatos avaliados –, as ca<strong>de</strong>iraspermaneciam vagas por longo t<strong>em</strong>po (ibid).60 As chamadas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> instrução pública correspondiam a pequenas escolas mantidas pelo governo e quetinham à sua frente um único professor. Em geral, o professor titular da ca<strong>de</strong>ira ministrava aulas para alunos comida<strong>de</strong>s diversas, <strong>de</strong> forma não-seriada, num mesmo espaço físico. Em alguns casos, o imóvel on<strong>de</strong> se instalavaesse tipo <strong>de</strong> escola era <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do próprio professor e, <strong>em</strong> outros, era alugado pelo governo provincial.


113A Lei nº 13 dividiu a província <strong>em</strong> 15 Círculos Literários, com se<strong>de</strong>s nas principaiscida<strong>de</strong>s ou vilas, cada qual chefiado por um <strong>de</strong>legado nomeado pelo governo. Nosmunicípios-se<strong>de</strong>, <strong>de</strong>veriam ser criadas escolas secundárias, enquanto nas <strong>de</strong>mais cida<strong>de</strong>s evilas seriam instaladas escolas primárias. Os <strong>de</strong>legados <strong>de</strong>sses Círculos tinham a função <strong>de</strong>organizar e fiscalizar a instrução <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong> abrangência, <strong>de</strong>vendo enviar aogoverno provincial os mapas referentes às ativida<strong>de</strong>s educacionais. Foi <strong>de</strong>terminado, também,que os professores das escolas provinciais a ser<strong>em</strong> instaladas e que tivess<strong>em</strong> um mínimo <strong>de</strong> 60alunos, teriam o direito <strong>de</strong> receber uma certa quantia mensal para o pagamento do aluguel dasala <strong>de</strong> aula, além <strong>de</strong> seu salário.Segundo Teixeira (2001), com a elevação <strong>de</strong> Uberaba a vila, no ano <strong>de</strong> 1836,conforme <strong>de</strong>terminava a nova legislação educacional, o governo provincial enviou aquele quefoi o primeiro mestre-escola oficialmente nomeado para trabalhar <strong>em</strong> terras uberabenses: eraAntônio Fernan<strong>de</strong>s da Silva, professor que veio transferido da vila <strong>de</strong> Araxá. Entretanto, opioneirismo <strong>de</strong> Antônio F. Silva é contestado por outro historiador: Pontes (1992) afirma queo professor nomeado para ocupar a 1ª ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> instrução pública <strong>de</strong> Uberaba teria sido o Sr.Joaquim Marques Rodrigues, do qual pouco se sabe, mas que carrega a celebrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter sido“o primeiro professor público primário provincial da Vila <strong>de</strong> Uberaba” (PONTES, 1992, p.91).In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mente <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> teria sido o seu primeiro professor titular, o certo é que aprimeira escola pública provincial <strong>de</strong> Uberaba foi instalada <strong>em</strong> 1838. Essa escola, <strong>de</strong> nívelprimário, para crianças do sexo masculino, localizava-se na antiga rua da Presiganga, noponto on<strong>de</strong> é hoje a esquina das atuais ruas Carlos Rodrigues da Cunha e Madre Maria José 61 .Em cumprimento ao artigo 11 da Lei Provincial nº 13, a freqüência nessa e <strong>em</strong> outras escolasprovinciais era restrita aos meninos brancos e proibida às mulheres e aos escravos.Segundo TORRES (1962-a), a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino provincial conseguia atingir, no ano <strong>de</strong>1852, apenas 7.542 alunos, sendo que, <strong>de</strong>ste total, apenas 673 eram mulheres. Dessa forma,<strong>em</strong> face da total incapacida<strong>de</strong> do governo provincial <strong>em</strong> fornecer a educação pública gratuitapara todas as crianças <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> escolar, multiplicavam-se nos arraiais, vilas e cida<strong>de</strong>s, aspequenas escolas particulares. O Diretor da Instrução Pública da província, Sr. Antônio JoséRibeiro Bhering (1852 apud TORRES, 1962-a, p. 1036), afirmava, naquela ocasião, que: “Emtodas as povoações há aulas particulares e, <strong>em</strong> algumas, a freqüência dos alunos sobrepujou à61 A casa havia sido construída <strong>em</strong> 1928 por Francisco José da Silva (JORNAL DO COMÉRCIO, 27/09/1931,p.4). Nesse local, existe hoje o prédio do Sindicato Rural.


114das aulas públicas. Em cada uma fazenda, banca <strong>de</strong> sapateiro ou alfaiate encontra-se ummestre pra 4, 6 e 8 discípulos. Escravos há que também têm seus mestres.”.A partir do relato <strong>de</strong> Bhering, perceb<strong>em</strong>os que, <strong>em</strong>bora a imensa maioria dosprofessores particulares atuasse <strong>de</strong> forma clan<strong>de</strong>stina, s<strong>em</strong> a <strong>de</strong>vida habilitação provincial,esses mestres acabavam por <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar uma importante função social, incluindo, naeducação escolar, estratos sociais esquecidos pelas políticas educacionais. Se, por um lado, ogoverno tentava coibir a atuação <strong>de</strong>sses professores improvisados, por outro, a <strong>de</strong>manda porinstrução básica, vinda <strong>de</strong> todos as classes e gêneros da socieda<strong>de</strong>, atraía para o magistériomuitos cidadãos <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> qualquer fortuna, mas <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> certo nível <strong>de</strong> instruçãoque os qualificava para a docência, que acabava se tornando uma forma <strong>de</strong> subsistência.Relata Pontes (1992) que, no ano <strong>de</strong> 1838, a Vila <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> Uberabacontava com os seguintes professores <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>: Joaquim Marques Rodrigues (nomeadopelo governo provincial), Luiz Beltrão, Mestre Euzébio e Antônio Vieira Alves da Cunha. Aesses, nos anos seguintes, acresceram-se, <strong>de</strong>ntre outros, Dona Josefa (esposa <strong>de</strong> Antônio JoséTeixeira) e Francisco José Camargos, este último conhecido como Mestre Camargos (um dosmais conhecidos professores uberabenses do século XIX) e que promovia um ritual chamado<strong>de</strong> O enterro da palmatória.Mestre Camargos foi no seu t<strong>em</strong>po, o único professor que durante o anotodo, prodigalizava a seus alunos uma festinha interessante. Era o enterroda palmatória. Efetivamente, no dia 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, consagrado a SantaLuzia, presentes todos os alunos, ele dava começo à cerimônia. Estaconsistia <strong>em</strong> colocar a palmatória enfeitada com flores naturais, numcaixãozinho fúnebre, <strong>em</strong> cujas alças seguravam outros tantos alunos,enquanto os <strong>de</strong>mais, cantando um hino a<strong>de</strong>quado, iam até o fundo doquintal, on<strong>de</strong>, num buraco que então se abria, <strong>de</strong>ixavam enterrado opequeno ataú<strong>de</strong>. Após, voltavam todos. Corriam as férias, que começavamnaquele dia. No ano seguinte, o aluno que praticasse uma falta digna <strong>de</strong>algumas palmatórias, ia acompanhado dos <strong>de</strong>mais colegas e do Mestre,exumar a férula para com ela receber a paga da falta cometida (PONTES,1992, p. 68).Esta curiosa narrativa, mostrando a forma criativa e particular com que MestreCamargos se utilizava daquele conhecido instrumento pedagógico (a palmatória), retrata b<strong>em</strong>o papel ocupado pelo professor <strong>de</strong>ntro das escolas oitocentistas. Detentor do sabersist<strong>em</strong>atizado e da autorida<strong>de</strong> supr<strong>em</strong>a, cabia ao professor, além da função <strong>de</strong> transmitir oconhecimento aos alunos, a manutenção da disciplina e da or<strong>de</strong>m. Nessa visão, os castigosfísicos eram um recurso que não podia ser <strong>de</strong>sprezado pelo professor. Aos alunos cabia aobediência cega e incondicional ao conjunto <strong>de</strong> regras específicas criadas por cada mestre.


115Embora admirado pela população <strong>em</strong> geral, o professor não era consi<strong>de</strong>rado, pelosm<strong>em</strong>bros da elite econômica, um el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>. Nost<strong>em</strong>pos imperiais, nas cida<strong>de</strong>s sertanejas, a educação escolar tinha pequena capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>promover mudanças nas estruturas sociais. Ao contrário das socieda<strong>de</strong>s burguesas, numasocieda<strong>de</strong> escravagista como a uberabense e que tinha, ao mesmo t<strong>em</strong>po, características précapitalistas,galgar <strong>de</strong>graus mais elevados nos níveis <strong>de</strong> educação não era encarado pelosm<strong>em</strong>bros da classe dominante, <strong>de</strong> forma alguma, como uma necessida<strong>de</strong> pr<strong>em</strong>ente. Paraex<strong>em</strong>plificar essa situação, tom<strong>em</strong>os o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Sampaio (1971), que assim retratacomo o Barão da Ponte Alta 62 , o hom<strong>em</strong> mais po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong> Uberaba durante a segunda meta<strong>de</strong>do século XIX, cuidava da educação <strong>de</strong> seus filhos:Foi esposo ex<strong>em</strong>plar e <strong>de</strong> excessivo amor paternal, o que concorreu paranão ter proporcionado a algum dos filhos uma instrução superior, tendo-osaliás com bastante inteligência e possuindo recursos suficientes; mas, nãoconseguindo separar-se <strong>de</strong>les, <strong>de</strong>ixou que continuass<strong>em</strong> no lar s<strong>em</strong>instrução superior, contratando mestres para, no domicílio, lhes ensinar<strong>em</strong>as primeiras letras (SAMPAIO, 1971, p. 274).O fato é que, naquele tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> orientada pela tradição (HELLER, 1985) asestruturas <strong>de</strong> classes eram pouco mutáveis e a heg<strong>em</strong>onia sócio-econômica estava diretamenterelacionada à posse dos latifúndios, o que garantia aos filhos dos fazen<strong>de</strong>iros mais abastados,como era o caso do Barão da Ponte Alta, um futuro promissor, a <strong>de</strong>speito da pouca instruçãoque viess<strong>em</strong> a receber. Enten<strong>de</strong>mos que venha daí a <strong>de</strong>spreocupação dos m<strong>em</strong>bros da eliterural <strong>em</strong> oferecer aos filhos um nível <strong>de</strong> instrução mais elevado, atitu<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada pouconecessária à manutenção hereditária do po<strong>de</strong>r.Entretanto, a partir <strong>de</strong> meados do século XIX, com o crescimento das ativida<strong>de</strong>seconômicas urbanas, que passaram a exigir uma mão-<strong>de</strong>-obra cada vez mais qualificada, aeducação escolar cresceu <strong>em</strong> importância. Como conseqüência, a nascente burguesiauberabense forçou a abertura <strong>de</strong> novas escolas e a ampliação dos níveis <strong>de</strong> ensino disponíveisà população. Além disso, essa elite <strong>em</strong>ergente, formada principalmente por comerciantes,fazen<strong>de</strong>iros absenteístas, juízes e padres, clamava por uma vida cultural mais intensa, o quefez surgir na cida<strong>de</strong>, nas décadas seguintes, um teatro, associações literárias, jornais e algumasbibliotecas <strong>de</strong> uso público.Em 1852, o governo provincial criou o cargo <strong>de</strong> Visitador das aulas públicas da62 Seu nome <strong>de</strong> batismo era Antônio Elói Cassimiro <strong>de</strong> Araújo e era filho natural do cônego HermógenesCassimiro <strong>de</strong> Araújo Brunswick. Embora dono da maior fortuna da região e <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> li<strong>de</strong>rançapolítica, o Barão da Ponte Alta viveu e morreu <strong>em</strong> sua fazenda, <strong>de</strong>slocando-se para a cida<strong>de</strong> apenas <strong>em</strong> ocasiõesespeciais.


116paróquia <strong>de</strong> Uberaba, cargo que equivalia ao <strong>de</strong> um inspetor <strong>de</strong> ensino e que foi ocupado, até1856, pelo português Antônio Borges Sampaio, um dos maiores expoentes da culturauberabense durante o século XIX. Além <strong>de</strong>ssa função, nos anos que se seguiram até o final doséculo, Borges Sampaio exerceu diversas ativida<strong>de</strong>s econômicas e culturais <strong>em</strong> Uberaba e foio titular <strong>de</strong> diversos cargos públicos 63 .Figura 2.5 – Antônio Borges SampaioFonte: APUOutro fato relevante para a educação local aconteceu <strong>em</strong> 1853: naquele ano, segundorelata Teixeira (2001), foi criada, através da portaria <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> maio, a primeira escola públicapara o sexo f<strong>em</strong>inino. A professora nomeada para ocupar essa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> instrução foiGuilhermina Cândida <strong>de</strong> Avelar, proveniente da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Curvelo. A transferência <strong>de</strong>ssa63 Antônio Borges Sampaio foi uma das mais importantes figuras da história <strong>de</strong> Uberaba. Nasceu na Província <strong>de</strong>Beira Alta, <strong>em</strong> Portugal, no dia 02/01/1827, tendo estudado apenas o curso primário. Chegou a Uberaba <strong>em</strong>1847, casando-se com a irmã do sr. Antônio Elói Cassimiro <strong>de</strong> Araújo (Barão da Ponte Alta). Desenvolveuextraordinária ativida<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong>, exercendo inúmeras ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ntre as quais: farmacêutico, curador geral<strong>de</strong> órfãos, advogado, literato, jornalista, escritor, historiógrafo, promotor <strong>de</strong> justiça, vereador, presi<strong>de</strong>nte daCâmara Municipal, <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, cirurgião do 32º Batalhão, visitador das aulas públicas <strong>de</strong> Uberaba,diretor suplente e <strong>de</strong>legado do 13º Círculo Literário. Escreveu, por vários anos, sobre a climatologia <strong>de</strong> Uberaba;fez parte <strong>de</strong> numerosas associações <strong>de</strong> letras, sociais e <strong>de</strong> classes; prestou serviços relevantes ao Brasil durante aGuerra do Paraguai; militou na política <strong>de</strong>ntro do Partido Liberal; foi correspon<strong>de</strong>nte, durante 60 anos, do Jornaldo Comércio, do Rio <strong>de</strong> Janeiro; colaborou na execução <strong>de</strong> várias obras (igreja matriz, Santa Casa, etc.) dacida<strong>de</strong>. Por todos esses serviços prestados à comunida<strong>de</strong>, no dia 02/04/1868, foi nomeado, pelo Imperador D.Pedro II, Cavaleiro da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo. Os inúmeros trabalhos e biografias que escreveu possibilitaram oresgate do antigo passado da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba e, reunidos pela Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras do Triângulo Mineiro,produziram o livro Uberaba: história, fatos e homens, publicado <strong>em</strong> 1971 (MENDONÇA, 1974).


117professora <strong>de</strong> Curvelo para Uberaba, <strong>em</strong> meados do século XIX, retrata b<strong>em</strong> o início doprocesso <strong>de</strong> inserção social da mulher <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> patriarcal e profundamentepreconceituosa. E esse processo <strong>de</strong>veu-se, primordialmente, à entrada da mulher nomagistério, o que lhe <strong>de</strong>u a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer uma profissão que, <strong>em</strong>bora muito malr<strong>em</strong>unerada, assegurava-lhe honra<strong>de</strong>z e fornecia o salvo-conduto para o seu livre transitarpelo interior da província. Esse movimento é assim <strong>de</strong>scrito por Muniz (2003, p. 322):S<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s ruídos, percebe-se a presença e os <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong>ssasprofessoras mineiras pelo interior do espaço público: diante <strong>de</strong> bancas <strong>de</strong>professores/examinadores, submetendo-se aos exames públicos para oexercício do cargo; como m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> uma banca examinadora,majoritariamente masculina, avaliando a aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> alunos/alunas docurso normal; transferindo-se <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong> para exercer o cargo <strong>de</strong>professora <strong>em</strong> um afastado arraial; <strong>de</strong>slocando-se para a capital parafreqüentar cursos <strong>de</strong> treinamento na Escola Normal <strong>de</strong> Ouro Preto;recebendo e encaminhando ofícios às autorida<strong>de</strong>s educacionais; fundandojornais; escrevendo artigos, po<strong>em</strong>as e poesias; registrando, <strong>em</strong> seus diários,suas m<strong>em</strong>órias...Dona Guilhermina Cândida <strong>de</strong> Avelar permaneceu vivendo e lecionando <strong>em</strong> Uberaba.Em 1886, portanto 33 anos após sua chegada à cida<strong>de</strong>, seu nome aparece relacionado nocorpo docente da 1ª Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, como titular da sala <strong>de</strong> aula prática f<strong>em</strong>inina,anexa àquela escola (GAZETA DE UBERABA, 05/11/1886). Esse fato mostra que, aoabraçar o magistério, muitas mulheres acabavam traçando novos rumos à sua vida, adotandooutras cida<strong>de</strong>s para constituir seus lares e, sutilmente, negando-se a seguir o <strong>de</strong>stino traçadopor suas famílias.Em meados do século XIX, a presença do Estado na educação uberabense restringia-seàs ca<strong>de</strong>iras públicas – escolas primárias <strong>de</strong> um único professor – masculinas e f<strong>em</strong>ininas. S<strong>em</strong>a presença do governo mineiro nos outros níveis <strong>de</strong> ensino, a primeira escola <strong>de</strong> instruçãosecundária <strong>de</strong> Uberaba foi criada <strong>em</strong> 1854, através da iniciativa particular do engenheiro civilFernando Vaz <strong>de</strong> Melo 64 , o mesmo que, <strong>em</strong> 1835, havia sido nomeado pelo governoprovincial para compor a equipe que elaborou um relatório sobre o método <strong>de</strong> ensinosimultâneo. Hom<strong>em</strong> culto e dono da maior biblioteca da vila, Vaz <strong>de</strong> Melo foi também oresponsável pelo projeto e construção do C<strong>em</strong>itério <strong>de</strong> São Miguel, erguido <strong>em</strong> Uberaba por64 Em 1858, Fernando Vaz <strong>de</strong> Mello protagonizou uma arriscada viag<strong>em</strong> fluvial exploratória, partindo do Portoda Espinha, no rio Gran<strong>de</strong> até alcançar a foz do Rio Pardo; subindo este, Vaz <strong>de</strong> Melo atingiu o rio Mogi-Guaçu,elaborando uma minuciosa M<strong>em</strong>ória, contendo um relatório geográfico da região percorrida, além <strong>de</strong> episódiosda viag<strong>em</strong> (SAMPAIO, 1971). A viag<strong>em</strong> é citada, também, no Livro <strong>de</strong> Atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba,durante a Sessão <strong>de</strong> 17/11/1858: nela, Fernando Vaz <strong>de</strong> Melo solicita à Câmara um atestado que confirme que,durante os meses <strong>de</strong> julho a outubro daquele ano, ele esteve explorando os rios Pardo e Mogi-Guaçu.


118iniciativa do capuchinho Frei Eugênio 65 (MENDONÇA, 1974).Na fundação da escola, Fernando Vaz <strong>de</strong> Melo foi auxiliado pelo médico francês Dr.Henrique Raimundo Des Genettes. O colégio foi instalado no Largo do Cuiabá, no sobradoque havia sido construído, <strong>em</strong> 1842, pelo Coronel Alexandre José da Silveira (Barão <strong>de</strong>Itaberava), no local on<strong>de</strong> é hoje o Colégio Marista. Era popularmente conhecido comoColégio Cuiabá ou Colégio Vaz <strong>de</strong> Melo 66 . O colégio teve como professores Fernando Vaz <strong>de</strong>Melo, Tenente Venceslau Pereira <strong>de</strong> Oliveira, Manuel Garcia da Rosa Terra e M. Larangnois.Entretanto, apesar <strong>de</strong> contar com boas instalações para a época e com um corpo <strong>de</strong>professores renomados, a escola funcionou apenas cerca <strong>de</strong> três anos (MENDONÇA, 1974).Para Pontes (1970), o fechamento daquela escola foi <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma represáliapolítico-partidária. É que, naquela época, dada a falta <strong>de</strong> bacharéis <strong>de</strong> direito regularmenteformados, os homens <strong>de</strong> maior instrução atuavam com rábulas, tendo sido este o caso, porex<strong>em</strong>plo, <strong>de</strong> Fernando Vaz <strong>de</strong> Melo e <strong>de</strong> Antônio Borges Sampaio. Por ter <strong>de</strong>fendido <strong>em</strong> juízoum m<strong>em</strong>bro do Partido Liberal, o Prof. Vaz <strong>de</strong> Melo sofreu dura represália: os m<strong>em</strong>bros doPartido Conservador retiraram, <strong>em</strong> massa, seus filhos do colégio, que acabou sendo fechadopor falta <strong>de</strong> alunos no ano <strong>de</strong> 1857. Em conseqüência <strong>de</strong>sse fato, Vaz <strong>de</strong> Melo resolveutransferir-se para Franca, on<strong>de</strong> permaneceu, por algum t<strong>em</strong>po, à frente <strong>de</strong> um novo colégio,retornando <strong>de</strong>pois para Uberaba.Enquanto a iniciativa privada buscava, <strong>em</strong> meio a muitas dificulda<strong>de</strong>s, fornecer aeducação escolar a uma pequena parcela da população, a atuação do Estado continuavatímida, limitando-se à criação <strong>de</strong> uma ou outra ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> instrução no enorme município <strong>de</strong>Uberaba. Em 28/01/1858, por ex<strong>em</strong>plo, uma Portaria do governo provincial criou na cida<strong>de</strong>uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Latim e Francês. Em 17 <strong>de</strong> janeiro do mesmo ano, outra Portaria criou umasegunda ca<strong>de</strong>ira, esta <strong>de</strong> instrução primária, no distrito <strong>de</strong> Dores do Campo Formoso 67(LIVRO DE ATAS DA CÂMARA, 05/07/1858). Como cada professor responsável pelasca<strong>de</strong>iras só conseguia aten<strong>de</strong>r a um número limitado <strong>de</strong> turmas (no máximo uma por turno),as iniciativas governamentais mostravam-se extr<strong>em</strong>amente insuficientes, principalmente noatendimento das crianças que viviam na zona rural e nos distritos.Por outro lado, a iniciativa privada mostrava-se mais arrojada: com o fechamento do65 Frei Eugênio foi uma personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na socieda<strong>de</strong> uberabense do século XIX, sendoresponsável, também, pela construção do prédio da Santa Casa.66 Teixeira (2001) afirma que o nome oficial do colégio era O Progresso Uberabense. Já na relação <strong>de</strong> escolasmineiras <strong>de</strong> Torres (1962-a), aparece, no ano <strong>de</strong> 1854, <strong>em</strong> Uberaba, o Colégio Uberabense, que concluímostratar-se da escola criada por Vaz <strong>de</strong> Melo.67 Atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campo Florido.


119Colégio Cuiabá, o médico Dr. Henrique Raimundo Des Genettes 68 <strong>de</strong>cidiu fundar o ColégioDes Genettes, <strong>de</strong>vidamente licenciado pelo governo provincial <strong>em</strong> 1859 (TORRES, 1962-a), eque funcionou <strong>em</strong> um prédio construído pelo próprio fundador na Rua Direita (atual Rua Cel.Manoel Borges). O colégio mantinha o curso secundário, que incluía aulas <strong>de</strong> português,latim, francês, geografia, aritmética, geografia, retórica (ALMANAK UBERABENSE, 1908).Entretanto, por motivos para nós <strong>de</strong>sconhecidos, a escola só funcionou até 1861(MENDONÇA, 1974). O corpo docente incluía alguns ex-professores do Colégio Cuiabá;além <strong>de</strong>stes, Teixeira (2001. p. 139) afirma que: “Nele passou a lecionar Leonel TeixeiraLomba, autor <strong>de</strong> uma gramática latina muito divulgada. Esse professor foi muito b<strong>em</strong>recebido <strong>em</strong> Uberaba, fazendo parte da roda literária da época.”.Em 21/04/1859, através do Regulamento nº 44, foi realizada uma reestruturação nosist<strong>em</strong>a provincial <strong>de</strong> ensino, que dividiu a província <strong>de</strong> Minas Gerais <strong>em</strong> 20 CírculosLiterários (contra os 15 fixados pela Lei nº 13, <strong>de</strong> 1935), 44 agências e 3 <strong>de</strong>legacias (sediadas<strong>em</strong> Ouro Preto, São João Del Rei e Diamantina). Pela nova divisão, Uberaba tornou-se se<strong>de</strong><strong>de</strong> um dos Círculos Literários, mas n<strong>em</strong> por isso recebeu algum tratamento especial por partedo governo mineiro. Como acontecia na maior parte das pequenas cida<strong>de</strong>s, as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>instrução pública permaneciam vagas a maior parte do t<strong>em</strong>po e as poucas famílias quedispunham <strong>de</strong> recursos eram obrigadas a recorrer às escolas particulares.A omissão governamental chegou a tal ponto que, segundo um relatório provincial doano <strong>de</strong> 1861, naquela ocasião, a instrução pública <strong>em</strong> Uberaba estava reduzida às ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>Latim e Francês criadas <strong>em</strong> 1858. No mesmo relatório, é citado que havia na cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 4 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1860, apenas um colégio particular legalmente licenciado pelo governo 69 , oUberabense 70 , que, segundo P. K. Corrêa Mourão (apud TORRES, 1962-a), ainda não haviasido instalado. Parece-nos que a abertura <strong>de</strong> escolas particulares não era tarefa simples, o quese <strong>de</strong>via, muito provavelmente, ao rigor da lei e à necessida<strong>de</strong> do licenciamentogovernamental, autorizando o funcionamento da escola.Entretanto, a criação <strong>de</strong>ssas escolas foi bastante facilitada a partir da Lei mineira nº68 Como já <strong>de</strong>stacamos, Henrique Raimundo Des Genettes, francês <strong>de</strong> nascimento, era médico. Foi um dos maisconhecidos nomes da socieda<strong>de</strong> uberabense da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Uberaba <strong>de</strong>s<strong>de</strong>1853, Des Genettes foi médico do 32º Batalhão <strong>de</strong> Guardas Nacionais <strong>de</strong> Uberaba, prestando <strong>de</strong>stacados serviçosdurante a Guerra do Paraguai. É consi<strong>de</strong>rado o pai da imprensa uberabense, além <strong>de</strong> ter tido atuação <strong>em</strong>diversos outros setores, como no teatro, na literatura e na política, tendo sido presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal <strong>de</strong>Uberaba (ALMANAK UBERABENSE, 1908).69 Funcionavam, entretanto, s<strong>em</strong> a <strong>de</strong>vida autorização provincial, outras escolas particulares.70 Como ver<strong>em</strong>os no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho, o nome Uberabense foi utilizado, por várias vezes, para batizarescolas – principalmente no século XIX –, o que acaba levando a equívocos. O colégio citado no relatórioprovincial <strong>de</strong> 1861 po<strong>de</strong> tratar-se da escola <strong>de</strong> Henrique Des Genettes, criada <strong>em</strong> 1859 e fechada <strong>em</strong> 1861.


1201.618, <strong>de</strong> 22/11/1869, estabelecendo que po<strong>de</strong>riam ser abertas instituições particulares <strong>de</strong>ensino primário ou secundário <strong>em</strong> qualquer lugar da Província, s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licençan<strong>em</strong> <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> intelectual ou moral dos professores, cabendo apenas às mesmaso cumprimento das <strong>de</strong>terminações constantes nas leis vigentes sobre a instrução (ibid).Apesar <strong>de</strong> ter a sua criação facilitada, as escolas particulares oitocentistas, como t<strong>em</strong>osobservado, eram obrigadas a enfrentar gran<strong>de</strong>s entraves ao seu funcionamento, o que acabavacomprometendo a sua continuida<strong>de</strong>. Esse fenômeno era comum às pequenas escolas <strong>de</strong> todo ointerior mineiro, conforme pon<strong>de</strong>ra Muniz (2003, p. 180):Embora <strong>em</strong>penhadas <strong>em</strong> alfabetizar meninos e meninas, foram instituiçõesque tiveram, <strong>em</strong> sua maioria, vida curta, sobrevivendo, no máximo a umadécada. Pela frágil estrutura financeira, falta <strong>de</strong> pessoal qualificado,dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caixa para manutenção e reparo dos prédios, elas nãoconseguiram oferecer, ou continuar oferecendo, o tipo <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>mandadopelas famílias que podiam pagar pela educação <strong>de</strong> seus filhos e filhas.Esses fatores apontados por Muniz (2003) foram, com certeza, as causas para ofechamento pr<strong>em</strong>aturo da gran<strong>de</strong> maioria das instituições <strong>de</strong> ensino particulares fundadas <strong>em</strong>território uberabense. Outro fator que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sprezado – e que contribuiu<strong>de</strong>cisivamente para o fechamento do Colégio Cuiabá – foi a interferência da políticapartidária, que não poupava n<strong>em</strong> mesmo as instituições escolares.Apesar das dificulda<strong>de</strong>s inerentes à manutenção das escolas, o número <strong>de</strong> professoresatuantes na cida<strong>de</strong> crescia progressivamente. Além dos mestres anteriormente citados,atuaram <strong>em</strong> Uberaba, nas décadas <strong>de</strong> 1850 e 1860, outros professores <strong>de</strong> nível primário, comoLuís Guimarães Guaritá, vindo <strong>de</strong> Pitangui – MG <strong>em</strong> 1862, o qual abriu uma pequena escolaparticular (TEIXEIRA, 2001). E<strong>de</strong>lweiss Teixeira prossegue relacionando os professores:Eis o panorama do ensino primário <strong>em</strong> nossa terra, 1862: Profº <strong>de</strong> PrimeirasLetras (Ensino Público): Antônio José Ribeiro Bhering, sobrinho <strong>de</strong> CônegoBhering, <strong>de</strong> Ouro Preto, figura importante na administração mineira e D.Guilhermina Cândida <strong>de</strong> Avelar, vinda <strong>de</strong> Curvelo, escola do sexof<strong>em</strong>inino. No ensino particular estavam: Joaquim José <strong>de</strong> Oliveira Lima,Lourenço Gomes Franco e Manoel Garcia da Rosa Terra, vindo <strong>de</strong> Prata <strong>em</strong>1850 [...] (TEIXEIRA, 2001, p. 138).Segundo Sampaio (1970), começou a operar, <strong>em</strong> 1876, uma escola <strong>de</strong> primeiras letras<strong>de</strong>stinada a alunos do sexo masculino. Funcionava <strong>em</strong> um prédio construído no ano anteriorpelo professor Manuel Garcia da Rosa Terra, português <strong>de</strong> nascimento. Localizava-se na ruaVigário Silva, entre as atuais ruas Carlos Rodrigues da Cunha e Dr. Paulo Pontes, que, naépoca, se chamavam rua da La<strong>de</strong>ira e rua São Miguel, respectivamente. A escola ficouconhecida como Escola do Professor Terra. Em 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1878, a Câmara Municipal


121<strong>de</strong> Uberaba solicitou ao governo mineiro fosse criada, na cida<strong>de</strong>, uma segunda ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>instrução pública. Aten<strong>de</strong>ndo ao pedido do legislativo local, no dia 4 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1878,após ser aprovado nos exames <strong>de</strong> habilitação, o governo provincial nomeou o Prof. ManoelTerra para ocupar a recém-criada 2ª ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> instrução pública do município (LIVRO DEATAS DA CÂMARA, 18/11/1878). Assim, uma escola que havia nascido por intermédio dainiciativa privada tornava-se uma instituição mantida pelo po<strong>de</strong>r público. Além do Prof.Terra, outro docente daquela escola foi o Sr. Antônio Borges Sampaio, que lecionava Históriado Brasil (SAMPAIO, 1971).Segundo Mendonça (1974), no ano <strong>de</strong> 1877, foi fundado pelo Professor César Ribeiro,proveniente <strong>de</strong> Franca, o primeiro Liceu Uberabense, que passou a funcionar no prédioconstruído pelo Sr. José <strong>de</strong> Oliveira Ferreira, na Rua do Imperador (atual Rua GovernadorValadares) 71 . Além do Prof. César, o colégio mantinha como professores Gaspar da Silva(poeta português), Misael <strong>de</strong> Abreu Lima Pereira Coutinho, Antônio Silvério Pereira e ocapuchinho frei Germano d’Annecy. Como no caso do Colégio Vaz <strong>de</strong> Melo, o Prof. CésarRibeiro também se viu envolvido <strong>em</strong> intrigas políticas e o liceu acabou fechado no final <strong>de</strong>1879, tendo o proprietário retornado para Franca, on<strong>de</strong> reabriu a escola.Em 1878, o Alferes Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior, auxiliado pelo MajorJoaquim José <strong>de</strong> Oliveira Pena, fundou o Colégio Pieda<strong>de</strong> e, <strong>em</strong> 1880, aproveitando-se dofechamento do primeiro Liceu Uberabense e do Colégio Nossa Senhora da Conceição (doqual tratar<strong>em</strong>os logo adiante), mudou a sua escola para o prédio da Rua do Imperador, on<strong>de</strong> ocolégio passou a receber alunos <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato e externato. Tentando não incorrernos mesmos erros administrativos que vinham vitimando outras iniciativas educacionaisprivadas, a direção da escola tinha uma constante preocupação com a manutenção financeirada escola, conforme po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicados publicados nos jornais locais, comoo seguinte:O § 4º do art. 3º do cap. 2º dos estatutos do Collegio Pieda<strong>de</strong>, tratandodas obrigações dos alumnos internos, dispõe o seguinte:‘Ter correspon<strong>de</strong>nte nesta cida<strong>de</strong> para fornecer-lhes o preciso e fazeros pagamentos ao collegio’.Em vista <strong>de</strong>sta disposição, necessária para a boa regularida<strong>de</strong> doestabelecimento, o director previne aos srs.pais ou educadores que, quando<strong>de</strong>r<strong>em</strong> correspon<strong>de</strong>ntes a seus filhos, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> também encarregar-lhes <strong>de</strong>fazer o pagamento ao collegio por trimestres adiantados como preceitúa o §71 O prédio on<strong>de</strong> funcionou o liceu ainda existe, <strong>em</strong>bora r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lado, e nele funciona, atualmente, o ColégioRub<strong>em</strong> Alves. Como ver<strong>em</strong>os mais adiante neste trabalho, outras instituições <strong>de</strong> ensino funcionaram no mesmoimóvel que, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos mais recentes, foi ocupado também pela FAFI (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências eLetras Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino) e pelo Colégio São Judas Ta<strong>de</strong>u.


1222º. do art. 3º do mesmo cap.Uberaba, 6 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1880.Joaquim Antonio G. da Silva Junior (GAZETA DE UBERABA,11/01/1880, p. 4).Apesar dos esforços <strong>de</strong> seu diretor, o Colégio Pieda<strong>de</strong> só funcionou até 1882.Manteve, entretanto, a consi<strong>de</strong>rável freqüência média <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 80 alunos, nos níveisprimário e secundário. Teve como professores: Joaquim Antônio Gomes da Silva, JoaquimDias Soares, Frei Paulino <strong>de</strong> Fugano, Antônio Silvério Pereira, Major Joaquim José <strong>de</strong>Oliveira Pena, Alexandre José dos Santos e Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo (MENDONÇA 1974).No dia 16/06/1880, o governo provincial fez uma nova modificação na organização dosist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino provincial: Extinguiu os 20 Círculos Literários anteriores e, <strong>em</strong> seu lugar,criou 25 novos Círculos, sendo o 21º composto pelas comarcas <strong>de</strong> Paranahyba, Prata eUberaba, com se<strong>de</strong> nesta última cida<strong>de</strong>. O primeiro inspetor nomeado para o 21º CírculoLiterário <strong>de</strong> Uberaba foi o Dr. Thomaz Pimentel <strong>de</strong> Ulhôa, futuro diretor da 1ª Escola Normal.Outra escola secundária que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar naquele período iniciou suas ativida<strong>de</strong>s<strong>em</strong> meados <strong>de</strong> 1879, quando o conhecido frei Germano D’Annecy 72 , auxiliado pelosprofessores Manoel Nicácio da Silva Sobrinho e João José Fre<strong>de</strong>rico Ludovice, fundou oColégio Uberabense 73 , também conhecido como Externato Uberabense. Na escola, que tinhapor objetivo preparar alunos para os cursos superiores do império, lecionavam-se as seguintesmatérias: Português, Francês, Latim, Aritmética, Álgebra, Geometria, Retórica, Filosofia,História e Física (GAZETA DE UBERABA, 06/01/1881, 28/08/1881). Pelo que pu<strong>de</strong>moslevantar, acreditamos que essa escola tenha sido fechada <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> 1881, quando seus alunoscomeçaram a migrar para o segundo Liceu Uberabense, escola criada <strong>em</strong> 05/09/1881.Uma das poucas iniciativas particulares <strong>de</strong> ensino voltadas para a educação <strong>de</strong>meninas – e anterior ao Colégio Nossa Senhora das Dores (do qual tratar<strong>em</strong>os no próximocapítulo) – foi o Colégio Nossa Senhora da Conceição, fundado <strong>em</strong> 01/03/1880. A escolapassou a funcionar no casarão da Rua do Imperador (que, pouco t<strong>em</strong>po antes, abrigara oprimeiro Liceu Uberabense) e era dirigida por Gaspar da Silva e por sua esposa, Clotil<strong>de</strong>Augusta Marquois da Silva. Dentre os professores da escola, <strong>de</strong>stacamos o frei Germano72 Frei Germano <strong>de</strong> Annecy foi figura <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na Uberaba oitocentista. Além das ativida<strong>de</strong>s religiosas, FreiGermano teve gran<strong>de</strong> atuação na educação escolar e nas ciências. Na cida<strong>de</strong>, montou um pequeno observatórioastronômico e meteorológico, e suas medições eram publicadas pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa. Em março <strong>de</strong> 1885,mudou-se para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Franca – SP. Faleceu <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1890, a bordo do navio francês Bearn, ancorado naBahia, vítima <strong>de</strong> beribéri, quando viajava do Rio <strong>de</strong> Janeiro para Marselha (GAZETA DE UBERABA,17/05/1890).73 Não confundir com o Colégio Uberabense fundado <strong>em</strong> 1889 por Paulo Barthes, do qual tratar<strong>em</strong>os maisadiante neste trabalho.


123D’Annecy, que, como po<strong>de</strong>mos perceber, tinha participação ativa <strong>em</strong> quase todas asiniciativas <strong>de</strong> ensino ocorridas naquele período (GAZETA DE UBERABA, 22/02/1880). Umanúncio publicitário do citado colégio, ao relacionar suas matérias <strong>de</strong> ensino, nos dá uma idéia<strong>de</strong> sua proposta pedagógica:Leitura (pelo excellente methodo do Dr. João <strong>de</strong> Deos), calligraphia,grammatica portugueza, arithmetica, historia universal, geographia, francez(grammatica, traducção e conversação) e prendas manuaes <strong>de</strong> toda a espécie(costura, bordados, etc.), doutrina christan e historia sagrada. Logo que ascondições do Collegio o permittam, os directores farão acquisição <strong>de</strong> umpiano e contractarão uma professora habilitada. [...] As alumnas irão á missaaos domingos e dias sanctos, acompanhadas pela Directora (GAZETA DEUBERABA, 15/02/1880, p. 4).Pelo anúncio, perceb<strong>em</strong>os que, ao lado das disciplinas comuns às das escolasmasculinas, o Colégio Nossa Senhora da Conceição preocupava-se com a formação moral,religiosa e doméstica das meninas, acrescendo ao currículo comum o ensino <strong>de</strong> prendasmanuais, religião e música (piano), conhecimentos consi<strong>de</strong>rados valiosos a uma dona-<strong>de</strong>-casai<strong>de</strong>al. Pelo que pu<strong>de</strong>mos levantar, acreditamos que aquela escola também tenha tido vidabastante curta e fechou-se, muito provavelmente, ainda <strong>em</strong> 1880, ce<strong>de</strong>ndo o seu prédio para oColégio Pieda<strong>de</strong>.Além das escolas já mencionadas, é certo que, no final da década <strong>de</strong> 1870,funcionavam precariamente várias pequenas casas <strong>de</strong> instrução primária particulares, regidaspor professores leigos. Falando sobre a re<strong>de</strong> escolar uberabense, <strong>em</strong> 1880, Antônio BorgesSampaio afirma que somente a segunda escola pública, dirigida pelo Prof. Terra, e o ColégioPieda<strong>de</strong> estavam instalados <strong>em</strong> prédios apropriados. Comparando à escola do Prof. Terra, oautor afirma: “As outras escolas funcionam <strong>em</strong> casas que não foram, como esta, construídaspara esse fim.” (SAMPAIO, 1971, p. 80).De modo geral, esse é o panorama da educação uberabense no período anterior àfundação da primeira Escola Normal, período que, do ponto <strong>de</strong> vista sócio-econômico, foimarcado pela conquista e posse das terras e pela consolidação do po<strong>de</strong>r nas mãos <strong>de</strong> umaabastada elite rural – formada por gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> terras – e <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>ergente eliteurbana – constituída por comerciantes <strong>de</strong> produtos distribuídos no Brasil central.Abandonada à própria sorte pelo governo mineiro, nos sertões oci<strong>de</strong>ntais, essasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbravadora moldou um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino baseado na iniciativa privada, <strong>em</strong> que apresença do Estado foi s<strong>em</strong>pre bastante tímida. Naquele período, a educação escolar foifornecida então, majoritariamente, por um conjunto <strong>de</strong> pequenas escolas particulares, nas


124quais o acesso era restrito aos filhos das famílias <strong>de</strong> algumas posses. Em geral, essas escolasenfrentavam muitas dificulda<strong>de</strong>s operacionais: falta <strong>de</strong> alunos cujos estudos pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> sercusteados pelas famílias; carência <strong>de</strong> professores profissionais que se sujeitass<strong>em</strong> aos baixossalários praticados; infra-estrutura <strong>de</strong>ficiente; etc. Com isso, dificilmente conseguiamsobreviver por mais <strong>de</strong> meia década.À frente <strong>de</strong>ssas escolas e no interior das salas <strong>de</strong> aula, estavam, <strong>em</strong> geral, professorespráticos, s<strong>em</strong> formação específica para o magistério (padres, engenheiros, médicos,advogados, etc.), pois, conforme já tratamos anteriormente, reinava, na época, o pensamento<strong>de</strong> que, para tornar-se um professor, bastava o conhecimento <strong>de</strong> conteúdos específicos,ficando a formação pedagógica <strong>em</strong> segundo plano. Aliava-se a isso o fato <strong>de</strong> que não havia,no Brasil (e <strong>em</strong> Minas Gerais), escolas normais suficientes para formar o corpo <strong>de</strong> professoresnecessário à instrução pública e privada.Numa socieda<strong>de</strong> pré-capitalista, como a Uberaba <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos imperiais, era essa aescola possível e era essa a formação necessária (e suficiente) ao professorado. Como aeducação escolar era consi<strong>de</strong>rada pela elite rural um compl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong>sejável, mas supérfluo,na criação <strong>de</strong> seus filhos – requisito pouco necessário ao modo <strong>de</strong> vida sertanejo –, por queexigir dos professores uma formação pedagógica mais aprimorada? Uma instrução escolarel<strong>em</strong>entar, fornecida por mestres com uma qualificação mínima, bastava para aten<strong>de</strong>r à<strong>de</strong>manda da época. Somente no último quarto do século XIX, quando se intensificou oprocesso <strong>de</strong> urbanização <strong>de</strong> Uberaba, é que a socieda<strong>de</strong> local passou a exigir uma escola maismo<strong>de</strong>rna, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rramar a instrução sobre a população ignorante, e que tivesse <strong>em</strong> suassalas <strong>de</strong> aula professores dotados <strong>de</strong> <strong>em</strong>inentes conhecimentos pedagógicos.


1253 AS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES UBERABENSES DE FORMAÇÃO DOCENTE EDE ENSINO SUPERIOR (1881 – 1905)Neste capítulo, analisamos o período histórico situado entre 1881 e 1905, para nós umdos mais interessantes da história <strong>de</strong> Uberaba, marcado por profundas mudanças <strong>de</strong> or<strong>de</strong>meconômica (aceleração do processo <strong>de</strong> urbanização e formação <strong>de</strong> uma atuante burguesiaurbana) e cultural (criação <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino secundárias e superiores). Foi nesseperíodo fervilhante que ocorreu a primeira iniciativa <strong>de</strong> formação docente <strong>em</strong> Uberaba,representada pela Escola Normal oficial, além do nascimento das pioneiras instituições <strong>de</strong>ensino superior da cida<strong>de</strong>: o Instituto Zootécnico e o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz.3.1 A encruzilhada histórica: escravos, coronéis e imigrantes num cenário <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>smudançasNo <strong>de</strong>correr da década <strong>de</strong> 1880, crescia o <strong>de</strong>sagrado das elites brasileiras <strong>em</strong> relaçãoao governo imperial, que, através da Lei do Ventre Livre (1871), havia dado o passo inicial nosentido do fim da escravidão. O Partido Republicano, fundado <strong>em</strong> 1870, ganhava cada vezmais apoio, inclusive dos cafeicultores paulistas, antigos aliados do imperador, <strong>de</strong>scontentescom a política econômica do governo e ansiosos por ampliar os seus negócios. Segundo Brasil(1998, p. 917), “O fe<strong>de</strong>ralismo trazido pela instauração da República permitiria o fim dacentralização imperial e a autonomia dos Estados, liberando o grupo agrário-exportador daslimitações que cerceavam a sua expansão econômica”. Com a <strong>de</strong>scentralização política, oscoronéis interioranos e os barões do café po<strong>de</strong>riam exercer mais diretamente sua influênciasobre os governos estaduais, o que, s<strong>em</strong> dúvida, aumentaria muito o seu po<strong>de</strong>r político eeconômico.As elites intelectuais, por sua vez, influenciadas pelos i<strong>de</strong>ais positivistas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m eprogresso, ansiavam por um Brasil gran<strong>de</strong>, próspero e estruturado nos mol<strong>de</strong>s dos EstadosUnidos da América do Norte. Entretanto, a entrada do país na rota do mo<strong>de</strong>rno capitalismomundial <strong>de</strong>pendia, primariamente, <strong>de</strong> uma radical mudança na divisão social do trabalho, oque só seria possível com o fim do escravismo e da monarquia que nele se apoiava. E, para


126completar o cenário i<strong>de</strong>alizado pelos intelectuais republicanos, fazia-se vital a vinda <strong>de</strong> umanova mão-<strong>de</strong>-obra, livre, mais especializada, formada por imigrantes europeus, o quepossibilitaria ao capital circular livr<strong>em</strong>ente, conforme explica Oliveira (1985):O escravismo, como forma <strong>de</strong> trabalho compulsório, alimentava aacumulação primitiva nas metrópoles capitalistas <strong>em</strong> expansão, mas seuefeito interno nas economias coloniais era diferente, obstaculizando adiferenciação da divisão social do trabalho. A acumulação, <strong>em</strong> economias<strong>de</strong>sse tipo, <strong>de</strong> que a brasileira é ex<strong>em</strong>plo eloqüente, resulta na ampliação dofundo <strong>de</strong> terras, s<strong>em</strong> entretanto produzir renda da terra, e ampliação dofundo <strong>de</strong> escravos, que correspon<strong>de</strong> ao capital constante; é uma acumulação<strong>de</strong> riquezas, mas não <strong>de</strong> capital. O limite <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumento daprodutivida<strong>de</strong> numa economia <strong>de</strong>sse tipo é, no máximo, dada pela fase dacooperação; mais além, o aumento da produtivida<strong>de</strong> mesmo <strong>em</strong> termosfísicos esbarra naquilo que Marx chamou <strong>de</strong> ‘transferência da virtualida<strong>de</strong>técnica do operário para a máquina’, pois essa metamorfose, que culmina asubsunção formal do trabalho ao capital <strong>em</strong> subordinação real, não épossível na ausência do trabalho livre, na ausência da compra da força <strong>de</strong>trabalho, na ausência da mais-valia. Não há ‘<strong>de</strong>slocamento’ entre o real e ofinanceiro; no fundo não há capital-dinheiro. Nessas condições, o avanço dadivisão social do trabalho <strong>em</strong> economias como a brasileira <strong>de</strong> fins do séculoXIX será insignificante e incapaz <strong>de</strong> transformar qualitativamente o padrãoeconômico <strong>de</strong> acumulação e crescimento (OLIVEIRA, 1985, p. 403).Na verda<strong>de</strong>, o processo <strong>de</strong> substituição da mão-<strong>de</strong>-obra negra por imigrantes europeusiniciou-se ainda no Império, durante a década <strong>de</strong> 1870, logo <strong>de</strong>pois da Guerra do Paraguai,coincidindo com o crescimento das lavouras <strong>de</strong> café, com as primeiras leis contra aescravatura e com o processo <strong>de</strong> unificação da Al<strong>em</strong>anha e Itália 74 . Enquanto, até 1871, osimigrantes al<strong>em</strong>ães eram a maioria a chegar ao Brasil, após essa data os italianos começarama predominar, aumentando consi<strong>de</strong>ravelmente a partir <strong>de</strong> 1874, quando o Império brasileiro,ante o fim iminente da escravatura – o que exigiria a importação <strong>de</strong> novos braços paratrabalhar o campo –, <strong>de</strong>cidiu patrocinar a transferência dos imigrantes, intermediando<strong>em</strong>pregos e oferecendo passagens, hospedag<strong>em</strong> e alimentação (BIASUTTI, 2003).Entretanto, mesmo antes da subvenção do Estado, numerosos grupos <strong>de</strong> imigrantes jáchegavam ao Brasil, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho. Os primeiros imigrantes achegar<strong>em</strong> a Minas Gerais fizeram-no <strong>de</strong> maneira espontânea, atraídos <strong>de</strong> São Paulo porfazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> café estabelecidos nas regiões fronteiriças com aquela província. Outros, comofícios urbanos, <strong>de</strong>sprezados pelos <strong>programa</strong>s governamentais <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra,74 Com a unificação política, ocorreu um processo <strong>de</strong> industrialização do norte da Itália e o governo, com oobjetivo <strong>de</strong> liberar mão-<strong>de</strong>-obra para as novas indústrias e também para criar um mercado consumidorassalariado, <strong>de</strong>cretou leis que aumentaram os impostos sobre as pequenas proprieda<strong>de</strong>s agrícolas, inviabilizandoa existência <strong>de</strong>stas. Porém, como a nascente indústria italiana era sazonal, criou-se um probl<strong>em</strong>a social <strong>de</strong> talmonta que a <strong>em</strong>igração foi a principal saída encontrada pelo governo <strong>de</strong> então.


127preferiram estabelecer-se nas cida<strong>de</strong>s mais prósperas, on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> ascen<strong>de</strong>r socialmente efazer a América.Em Uberaba, com o crescimento das ativida<strong>de</strong>s urbanas, esses imigrantes eram muitoprocurados pela elite local, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da ausência <strong>de</strong> profissionais tecnicamente qualificados,<strong>em</strong> áreas como a construção civil, a pequena indústria e a educação. Num anúncio <strong>de</strong> jornal, oal<strong>em</strong>ão Fernando Ankerkrone, marceneiro e construtor, assim oferece os seus serviços:“Fernando Ankerkrone, vantajosamente conhecido como hábil official <strong>de</strong> marceneiro, aceitanesta cida<strong>de</strong> qualquer encommenda concernente á sua profissão. Soli<strong>de</strong>z, aperfeiçoamento epromptidão na factura <strong>de</strong> qualquer móvel” (GAZETA DE UBERABA, 13/08/1881, p. 4).Entretanto, apesar <strong>de</strong> possuir como base econômica a agro-pecuária e o comércio,ativida<strong>de</strong>s atraentes para os imigrantes europeus, <strong>em</strong> contraste com a economia extrativista daregião das minas – esta última gran<strong>de</strong>mente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da mão-<strong>de</strong>-obra escrava –, Uberabanão era o que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homens livres, já que a escravidão erauma prática comum, mesmo às vésperas da era republicana. O comércio <strong>de</strong> escravos era aindamuito cumum, se levarmos <strong>em</strong> conta os vários anúncios presentes <strong>em</strong> jornais da época, comoo seguinte, intitulado Escrava á venda:O abaixo assignado ven<strong>de</strong> uma sua escrava <strong>de</strong> nome Claudina, <strong>de</strong> 21 annos<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, bonita peça e s<strong>em</strong> <strong>de</strong>feito algum. Faz todo e qualquer serviço <strong>de</strong>casa, como seja: cosinhar, lavar roupa e é boa costureira. Qu<strong>em</strong> preten<strong>de</strong>rcompral-a, dirija-se ao seu proprietário. O preço não <strong>de</strong>sagradará aocomprador. JOSÉ ANTONIO DE LIMA E SOUZA, Garimpo das Alagoas,31 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1881 (GAZETA DE UBERABA, 13/08/1881, p. 4).Em 1887, a consi<strong>de</strong>rável mão-<strong>de</strong>-obra escrava do município <strong>de</strong> Uberaba foi assimrelacionada no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (17/11/1887, p. 2):ELEMENTO SERVIL - Depois da ultima matricula <strong>de</strong> escravos procedida<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da lei 3270 <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1885 na collectoria <strong>de</strong>st<strong>em</strong>unicípio, t<strong>em</strong> havido até esta data o seguinte movimento na estatísticaescrava.Matriculados ................................................... 1940Entrados <strong>de</strong> outros para este município .......... 11Total ................................................................ 1951Libertados (sexo masc.) ..................................... 17Libertados (sexo f<strong>em</strong>.) ....................................... 23Fallecidos (sexo masc.) ...................................... 11Fallecidos (sexo f<strong>em</strong>.) ....................................... 5Mudados <strong>de</strong>ste para outros municípios (s.m.) ... 3I<strong>de</strong>m, (sexo f<strong>em</strong>.) ............................................... 6Total ....................................................................65Exist<strong>em</strong> ............................................................1886


128Nos jornais, eram também comuns anúncios <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> negros foragidos, como osmostrados abaixo, na Figura 3.1:Figura 3.1 – Anúncios <strong>de</strong> escravo fugidoFonte: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (17/03/1887, 18/07/1880)Além <strong>de</strong> brancos, negros e mestiços, viviam também <strong>em</strong> Uberaba alguns poucosr<strong>em</strong>anescentes das antigas nações indígenas que habitaram a região, os primeiros povosdominados pela cobiça dos homens brancos. Embora foss<strong>em</strong> livres, por força da lei, os índiosdividiam com os escravos negros a condição <strong>de</strong> explorados e ocupavam a base da pirâmi<strong>de</strong>social. Na década <strong>de</strong> 1880, os obituários dos jornais locais ainda noticiavam o falecimento <strong>de</strong>alguns <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>safortunados, o que atesta a sua presença no município: “Dia 5. – Barnabé,indígena, 15 annos. Hypertrophia <strong>de</strong> coração.” (GAZETA DE UBERABA, 05/11/1884, p. 3).No final da década <strong>de</strong> 1880, era gran<strong>de</strong> o t<strong>em</strong>or dos coronéis uberabenses <strong>em</strong> relação àiminente abolição da escravidão no país. Em longos artigos publicados pelo jornal


129conservador Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, os que <strong>de</strong>fendiam os direitos dos fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>monstravama sua preocupação e l<strong>em</strong>bravam o prejuízo que essa medida traria ao país:Si os anti-escravagistas da Inglaterra <strong>de</strong>sejam realmente pôr termo áescravidão, o que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> fazer é auxiliar os brazileiros n’esta ultima gran<strong>de</strong><strong>em</strong>ancipação <strong>de</strong> escravos. S<strong>em</strong> dinheiro, e muito dinheiro, os brazileirosnão po<strong>de</strong>m realisal-a convenient<strong>em</strong>ente. E’, pois, necessario um<strong>em</strong>préstimo para esse fim [...] As nações do mundo não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> olhar comindifferentismo para a luta do Brazil, com o fim <strong>de</strong> livrar-se da escravidão,porque os prejuízos que teria este <strong>de</strong> soffrer com a <strong>em</strong>ancipaçãoincondicional, antes <strong>de</strong> preparado para o trabalho livre, affectariam a todo omundo com a diminuição da producção do café [...] (GAZETA DEUBERABA, 30/09/1883, p. 1)Quando, <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888, o governo promulgou a Lei Áurea e acabou com aescravidão no Brasil, ruiu, na prática, a base <strong>de</strong> sustentação do Império. Abolida a escravidão,não restava ao país outra saída, a não ser a intensificação do processo imigratório. Com osimigrantes, a nova burguesia urbana po<strong>de</strong>ria, enfim, expandir os seus domínios.A passag<strong>em</strong> para o trabalho livre funda, também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ummodo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> mercadorias; a separação entre produtores e meios <strong>de</strong>produção vai fazer crescer enorm<strong>em</strong>ente uma população para o capital,com o que a potencialida<strong>de</strong> da acumulação é reforçada. Entretanto, aconversão <strong>de</strong>ssa potencialida<strong>de</strong> <strong>em</strong> real é barrada por uma série <strong>de</strong> fatores.Em primeiro lugar, a ausência <strong>de</strong> capitalização anterior na forma <strong>de</strong>máquinas e equipamentos força agora uma capitalização <strong>de</strong> nível muitobaixo: a força <strong>de</strong> trabalho liberada não t<strong>em</strong>, praticamente, nenhuma virtu<strong>de</strong>técnica a transferir para o capital. Sua anterior condição <strong>de</strong> escravo lhe<strong>em</strong>botara a capacida<strong>de</strong> técnica, o domínio do instrumento <strong>de</strong> trabalho, eportanto ela não t<strong>em</strong> nada a transferir para o capital senão sua forçamuscular; a subordinação real do trabalho ao capital está ainda porcompletar-se. Não é estranho, por isso, que <strong>em</strong> meio a uma abundância <strong>de</strong>força <strong>de</strong> trabalho, a indústria brasileira nos fins do século XIX e nasprimeiras décadas do século XX tenha que socorrer-se do imigranteestrangeiro, cuja predominância no total da classe operária ainda eraabsoluto <strong>em</strong> 1920. (OLIVEIRA, 1985, p. 405)No Triângulo Mineiro, on<strong>de</strong> a civilização nascera graças à expansão das ativida<strong>de</strong>scomerciais e agropecuárias, as condições para o crescimento do capitalismo eram sui generis<strong>em</strong> relação ao restante <strong>de</strong> Minas. Apesar do po<strong>de</strong>r dos coronéis locais, a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong>sbravadorada população triangulina e sua vocação comercial eram muito mais propícias à instauração <strong>de</strong>uma economia <strong>de</strong> mercado do que a realida<strong>de</strong> conservadora vigente nas regiões mineradoras.Entretanto, ao final da década <strong>de</strong> 1880, restava ainda um importante entrave paragarantir o fluxo <strong>de</strong> mercadorias e <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra livre para abastecer o promissor mercadouberabense. Apesar <strong>de</strong> ocupar uma posição geograficamente privilegiada, os meios <strong>de</strong>comunicação da cida<strong>de</strong> com os principais centros urbanos do país, principalmente São Paulo,


130eram precários, reduzidos a uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> caminhos pessimamente conservados, e quetransformavam as viagens <strong>em</strong> longas e penosas aventuras.Joaquim <strong>de</strong> Almeida Leite Moraes (1834-1895), que, no ano <strong>de</strong> 1881, foi nomeadoPresi<strong>de</strong>nte da Província <strong>de</strong> Goiás, <strong>de</strong>screve, <strong>em</strong> seu diário, a viag<strong>em</strong> que fez <strong>de</strong> São Paulo àcapital goiana, para tomar posse do cargo. Tendo percorrido <strong>de</strong> tr<strong>em</strong> o primeiro trecho dopercurso, até Casa Branca - SP, o viajante <strong>de</strong>screve fielmente os sofrimentos da segunda etapada viag<strong>em</strong>, a partir do final dos trilhos da ferrovia. Segundo MORAES (1999, p.47), por todoo trecho paulista, o que se encontrava eram estradas “[...] quase intransitáveis; navegamos porum mar <strong>de</strong> lama; pantanais s<strong>em</strong> termo”, os quais, entretanto, tinham gran<strong>de</strong> movimento:“Des<strong>de</strong> Casa Branca que encontramos diariamente com <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> carros dos sertões <strong>de</strong>Minas e Goiás, cada um <strong>de</strong>les puxado por <strong>de</strong>z juntas <strong>de</strong> bois, pelo menos” (ibid, p.49).Depois, ao chegar ao vale do rio Gran<strong>de</strong>, as dificulda<strong>de</strong>s aumentavam ainda mais, conformerelata o viajante:Desc<strong>em</strong>os a serra e caímos <strong>em</strong> um lago <strong>de</strong> lama <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duzentas braças<strong>de</strong> largura; não há como evitá-lo; entramos no lago. [...] Muitas vezes o lodotocava a barriga do animal; aqui e ali o guia caía <strong>em</strong> um poço e nós o<strong>de</strong>sviávamos, tomando outra direção; a água lodosa estava pobre. [...]Finalmente pisamos terra firme; mas, animais, arreios e cavaleiros estavamcobertos <strong>de</strong> lodo! (ibid, p. 59)A travessia do rio Gran<strong>de</strong>, no porto da Ponte Alta, pertencente ao famoso Barão daPonte Alta, era outra gran<strong>de</strong> e perigosa aventura. De um lado e outro do rio, aglomeravam-seviajantes, tropeiros, carreiros amontoados, esperando sua vez <strong>de</strong> atravessá-lo, na balsa, ou <strong>de</strong>canoa. E, nos armazéns do barão, test<strong>em</strong>unhando o gran<strong>de</strong> comércio que ali se verificava,podiam ser vistos mais <strong>de</strong> 10 mil alqueires <strong>de</strong> sal (ibid). Ao penetrar na balsa, o novoPresi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Goiás, acompanhado por sua comitiva, assim <strong>de</strong>screveu a travessia do rio:E a balsa <strong>de</strong>spegou-se da barranca e saiu ao largo; tínhamos <strong>de</strong> subirbarranqueando, ao menos, meia légua, para que <strong>de</strong>pois, atravessando o rio erodando, fôss<strong>em</strong>os sair no porto fronteiro, tal a correnteza do rio e suaprofundida<strong>de</strong>. Saindo ao largo, compreendi que estávamos sobre umasepultura flutuante. A balsa <strong>de</strong>sconjuntava-se; as suas tábuasestragadíssimas; as canoas podres fazendo água... (MORAES, 1999, p. 60)Para as autorida<strong>de</strong>s uberabenses, a solução <strong>de</strong>sse grave probl<strong>em</strong>a era, s<strong>em</strong> dúvida, achegada da estrada <strong>de</strong> ferro. A Companhia Mogiana <strong>de</strong> Estradas <strong>de</strong> Ferro, seguindo o rastrodos cafezais, vinha esten<strong>de</strong>ndo sua re<strong>de</strong> pelo território paulista: <strong>em</strong> 1878, chegara <strong>em</strong> CasaBranca; <strong>em</strong> 1883, <strong>em</strong> Ribeirão Preto; e, <strong>em</strong> 1887, já estava <strong>em</strong> Franca. Finalmente, no dia 23<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1889, com a presença do Con<strong>de</strong> D’Eu, marido da Princesa Izabel, era festivamente


131inaugurado o novo trecho da estrada <strong>de</strong> ferro que chegava a Uberaba (SAMPAIO, 1971).Apesar do isolamento geográfico, mesmo antes da vinda da ferrovia, Uberaba já erauma cida<strong>de</strong> respeitada e conhecida, num país tão carente <strong>de</strong> centros urbanos dotados <strong>de</strong>alguma infra-estrutra. Moraes (1999) assim <strong>de</strong>screve a cida<strong>de</strong> que conheceu <strong>em</strong> 1881:Uberaba é uma cida<strong>de</strong> comercial; levantada no centro da indústria pastoril eda agricultura, ela constituiu-se a mola real <strong>de</strong> todo o movimento mercantildaqueles sertões, e ao mesmo t<strong>em</strong>po o promotor principal <strong>de</strong> seusmelhoramentos morais, agitando-os à luz da imprensa, pela discussão dasteses sociais que se pren<strong>de</strong>m ao progresso humanitário. [...] A cida<strong>de</strong> éextensa, suas casas sofríveis, suas ruas mal alinhadas e algumas malcalçadas, e se b<strong>em</strong> que seja a mais importante do sertão e esteja <strong>de</strong>stinada aconstituir-se capital <strong>de</strong> uma província, não correspon<strong>de</strong> todavia à brilhantenomeada que tanto a recomenda ao viajante como uma corte <strong>em</strong> miniatura(MORAES, 1999, p. 66).Na verda<strong>de</strong>, longe <strong>de</strong> possuir o charme <strong>de</strong> uma corte <strong>em</strong> miniatura, Uberaba era umapequena cida<strong>de</strong> com gran<strong>de</strong>s contrastes sociais, dominada política e economicamente por umaabastada elite rural, enquanto a maior parte da população vivia <strong>em</strong> condições precárias. Aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida era baixa, à s<strong>em</strong>elhança do que ocorria no restante do país, e a longevida<strong>de</strong>da população era muito pequena, se comparada aos níveis atuais. Uma análise nos obituários,publicados no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, mostra os seguintes números:Quadro 3.1 – Obituário da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba (alguns meses <strong>de</strong> 1884 e 1885)Mês Nº <strong>de</strong> óbitos Ida<strong>de</strong> média dos falecidos (anos)Outubro / 1884 28 26,93Nov<strong>em</strong>bro / 1884 17 23,12Julho / 1885 24 30,92Agosto / 1885 13 28,62Total 82 27,40Fonte: GAZETA DE UBERABA (05/11/1884, 10/12/1884, 03/09/1885)Pelo resumo dos obituários analisados, conforme po<strong>de</strong>mos observar na Quadro 3.1,verificamos que o t<strong>em</strong>po médio <strong>de</strong> vida dos cidadãos uberabenses era, <strong>em</strong> meados da década<strong>de</strong> 1880, <strong>de</strong> 27,4 anos (!!). As causas mortis apontadas nos obituários eram diversas (febres,crupe, coqueluche, pneumonia, tétano, picadas <strong>de</strong> cobras, etc.) e chama a atenção o número <strong>de</strong>recém-nascidos que faleciam <strong>de</strong> tétano adquirido pelo corte umbilical – <strong>em</strong> julho/1885, porex<strong>em</strong>plo, dos 24 óbitos registrados, 4 <strong>de</strong>viam-se a essa doença. O certo é que, naquele t<strong>em</strong>po,somente as pessoas com sorte ou fisicamente mais fortes chegavam à velhice, conseqüência


132das <strong>de</strong>ficiências do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da época e da falta <strong>de</strong> higiene da aglomeração urbana,que propiciava a proliferação <strong>de</strong> muitas doenças infecto-contagiosas.Entretanto, apesar da falta <strong>de</strong> saneamento básico, das ruas poeirentas e da pobreza <strong>em</strong>que estava mergulhada boa parte da população urbana e rural, Uberaba apresentava, ao finalda era imperial, um panorama favorável ao <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s econômicas. Era,portanto, um local atrativo para o estabelecimento <strong>de</strong> muitas famílias vindas <strong>de</strong> outras partesdo país e mesmo do exterior.Figura 3.2 – Vista parcial <strong>de</strong> Uberaba <strong>em</strong> 1885Fonte: APUEnquanto Uberaba vivia t<strong>em</strong>pos promissores, <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1889, portantopouco mais <strong>de</strong> um ano após a abolição da escravatura, um movimento militar <strong>de</strong>rruboufacilmente o regime monárquico brasileiro. D. Pedro II foi obrigado a <strong>de</strong>ixar o país. Em seulugar, assumiu provisoriamente a chefia do governo o marechal Deodoro da Fonseca, que, <strong>em</strong>15/12/1889, <strong>de</strong>cretou a gran<strong>de</strong> naturalização <strong>de</strong> todos os estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no país e quenão manifestass<strong>em</strong>, no prazo <strong>de</strong> 6 meses, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conservar a sua nacionalida<strong>de</strong> anterior.Essa medida tinha o claro objetivo <strong>de</strong> eliminar os últimos resquícios colonialistas –representados, principalmente, pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> cidadãos portugueses vivendo noBrasil –, estimular o sentimento patriótico e forçar, por <strong>de</strong>creto, um movimento que levasse à


133formação <strong>de</strong> uma nação genuinamente brasileira. A imprensa uberabense da época publicou oseguinte edital, intitulado Nacionalização <strong>de</strong> estrangeiros, dirigido aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntesna região:Alexandre José dos Santos, Secretario da Intendência Municipal <strong>de</strong>Uberaba, na fórma da lei, etc. Faz saber a todos os cidadãos estrangeirosresi<strong>de</strong>ntes neste município, que o prazo do Decreto <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro doanno <strong>de</strong> 1889, finda-se a 15 <strong>de</strong> Junho vindouro. Convida, pois, áquelles quenão quizer<strong>em</strong> naturalizar-se Brasileiros, a vir<strong>em</strong> fazer suas <strong>de</strong>clarações até oreferido prazo, para cujo fim é encontrado na casa n. 1, da rua do dr. JoséJoaquim, das 9 horas da manhã ás 5 da tar<strong>de</strong>. E para que chegue aoconhecimento <strong>de</strong> todos passa o presente que será publicado pela imprensa.Uberaba, 21 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1890 – O secretario da Intendência. – AlexandreJosé dos Santos (GAZETA DE UBERABA, 25/04/1890, p. 3).Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o governo republicano iniciou a reforma do Código Penal eestabeleceu a separação entre Igreja e Estado (07/11/1890). Na seqüência, <strong>em</strong> 1891, foipromulgada a primeira Constituição republicana, estabelecendo o presi<strong>de</strong>ncialismo e ofe<strong>de</strong>ralismo (BRASIL, p. 917). Entretanto, nesses primeiros t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> República, apesar dosesforços <strong>de</strong> Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, <strong>em</strong> <strong>de</strong>slocar o eixo da economiabrasileira da agricultura para a indústria, prevaleceram os interesses da classe cafeicultorapaulista, agrário-exportadora, e dos fazen<strong>de</strong>iros mineiros – cafeicultores e pecuaristas. Com aaliança entre o Estado e as oligarquias rurais, <strong>de</strong>tentoras do po<strong>de</strong>r econômico do país, o que sepercebia é que, na prática, pouca coisa havia sido alterada <strong>em</strong> relação ao panorama político doperíodo imperial, principalmente no vasto interior do país.Voltando ao contexto local, observamos que, muito mais do que o novo regime, foi achegada da ferrovia o fator <strong>de</strong>terminante para o início <strong>de</strong> uma nova era <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> para acida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, que, por quase sete anos, foi o ponto final da estrada <strong>de</strong> ferro 75 . Ointercâmbio comercial com São Paulo foi gran<strong>de</strong>mente facilitado e muitos imigrantesestrangeiros, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> um local promissor on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> estabelecer-se, acabaramaportando <strong>em</strong> Uberaba. Hil<strong>de</strong>brando Pontes assim <strong>de</strong>screve a influência da ferrovia nocrescimento urbano da cida<strong>de</strong>:Para se julgar do movimento e aumento da população, basta dizer-se que,<strong>em</strong> 1886, havia na cida<strong>de</strong> 986 prédios urbanos, e quatro anos <strong>de</strong>pois (1890)mais <strong>de</strong> 1.500. A imigração estrangeira tornou-se notabilíssima; abriram-sediversas casas <strong>de</strong> negócios, algumas das quais com renda anual superior a1.700 contos <strong>de</strong> réis. O trânsito <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> bois colossal. Havia muitascasas <strong>de</strong> comissões para mercadorias <strong>de</strong>stinadas ao Triângulo, Goiás e MatoGrosso. Assim permaneceu até 1897, quando a linha férrea Mogiana tocou a75 Somente <strong>em</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1895 foi inaugurado o trecho compreendido entre Uberaba e São Pedro doUberabinha (atual Uberlândia).


134ponta dos seus trilhos <strong>em</strong> Araguari. (PONTES, 1970, p. 92)Boa parte dos imigrantes que chegaram à região, principalmente os italianos, tevecomo <strong>de</strong>stino a zona rural, levados para as lavouras <strong>de</strong> café da região <strong>de</strong> Conquista oucontratados por alguns pecuaristas da região. No caso específico <strong>de</strong> Uberaba, os imigrantestiveram como <strong>de</strong>stino preferido a zona urbana, on<strong>de</strong> passaram a exercer ocupações diversasnas áreas <strong>de</strong> serviços, construção civil, educação e na incipiente indústria local.Os imigrantes, freqüent<strong>em</strong>ente mais alfabetizados do que a classe brasileirainferior, trouxeram habilida<strong>de</strong>s manuais e técnicas que raro se encontravamno Brasil. Visto que uma das principais falhas da socieda<strong>de</strong> agrária consistia<strong>em</strong> não incentivar a aquisição das primeiras letras n<strong>em</strong> das habilida<strong>de</strong>sartesanais, a importação <strong>de</strong>sse acúmulo <strong>de</strong> capital humano constituiu umgolpe tr<strong>em</strong>endo, mais valioso do que as reservas <strong>de</strong> ouro ou mesmo do quea maquinaria. (DEAN, 1985, p. 253)Em Uberaba, essa tese <strong>de</strong> Dean (1985), apontando para as vantagens da importação <strong>de</strong>mão-<strong>de</strong>-obra européia (principalmente italiana), foi confirmada logo no início do processoimigratório, ainda antes da abolição da escravatura e da chegada da estrada <strong>de</strong> ferro, conformepo<strong>de</strong>mos perceber no seguinte artigo publicado num jornal local:De há muito t<strong>em</strong>-se originado uma pequena corrente <strong>de</strong> immigração italianapara esta cida<strong>de</strong>. Exist<strong>em</strong> actualmente immigrados d’aquella nacionalida<strong>de</strong>cerca <strong>de</strong> 100. Embora seja esse numero redusido, comparado com oalgarismo da população <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, comtudo muito t<strong>em</strong> contribuído para oseu estado actual <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong>. Cabe-lhes a gloria da priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>iniciativa <strong>de</strong> muitas das industrias que se acham estabelecidas entre nós econtribu<strong>em</strong> para o nosso movimento commercial. Cidadãos laboriosos, osm<strong>em</strong>bros da nossa colonia italiana têm fundado nesta cida<strong>de</strong> duas fabricas<strong>de</strong> cerveja que hoje possuímos, officinas <strong>de</strong> alfaiate, cal<strong>de</strong>ireiro, ferreiro,armeiro e outras, e inquestionavelmente esta cida<strong>de</strong> lhes <strong>de</strong>ve uma parte doseu actual movimento. Se <strong>de</strong>sta primeira experiência po<strong>de</strong>mos, s<strong>em</strong> receio<strong>de</strong> errar, guiarmos <strong>em</strong> nossos cálculos, certamente a vinda <strong>de</strong> immigrantesitalianos para esta cida<strong>de</strong> ser-lhe-ha <strong>de</strong> incontestavel vantag<strong>em</strong> (GAZETADE UBERABA, 05/05/1888, p. 1).E foi num contexto <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> transformações s<strong>em</strong> paralelo <strong>em</strong> sua históriaque Uberaba <strong>de</strong>ixou o Império e penetrou na República. Entretanto, essa euforia foi logosubstituída por t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> crise: <strong>em</strong> 1895, a estrada <strong>de</strong> ferro chegava a São Pedro doUberabinha (atual Uberlândia) e, <strong>em</strong> 1897, a ponta dos trilhos tocava Araguari, transferindopara essas localida<strong>de</strong>s a condição <strong>de</strong> boca <strong>de</strong> sertão. As mercadorias vindas <strong>de</strong> São Paulo eSantos passaram a ser levadas até essas cida<strong>de</strong>s, posicionadas mais próximas dos mercadosconsumidores (sertões <strong>de</strong> Goiás e Mato Grosso), e o comércio atacadista uberabense entrounum processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência irreversível (PONTES, 1970). Os gran<strong>de</strong>s comerciantes dacida<strong>de</strong>, principalmente aqueles ligados às famílias mais tradidicionais, passaram então a


135buscar novas alternativas econômicas e, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria, <strong>de</strong>cidiram aplicar o capitalacumulado nas ativida<strong>de</strong>s pecuárias, vocação natural do município.O Triângulo, com seu vasto, plano e fértil território, era a região <strong>de</strong> Minas maispropícia à implantação <strong>de</strong> uma pecuária mais <strong>de</strong>senvolvida e produtiva, esperança que seconfirmara <strong>de</strong>finitivamente a partir da introdução do gado zebu nas fazendas da região <strong>de</strong>Uberaba. Segundo Mendonça (1974), foi o Barão do Paraná, fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Porto Novo doCunha, estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, qu<strong>em</strong> introduziu o gado zebu no Brasil. Participando <strong>de</strong> umaexposição agropecuária <strong>em</strong> Londres, o Barão viu, pela primeira vez, um casal <strong>de</strong> bois indianose imaginou acertadamente que esse gado po<strong>de</strong>ria dar um novo vigor à pecuária brasileira,dadas as s<strong>em</strong>elhanças <strong>de</strong> clima entre os dois países.O gado zebu puro sangue chegou a Uberaba <strong>em</strong> 1888, quando os fazen<strong>de</strong>iros DelfinoGomes da Silva e Hipólito Rodrigues da Cunha adquiriram alguns garrotes da raça Nelore(NABUT, 1985). Entretanto, os primeiros reprodutores chegaram no dia 20 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>1889, trazidos do estado do Rio por Joaquim Veloso <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>: o Cel. Antônio Borges <strong>de</strong>Araújo comprou, pela importância <strong>de</strong> 4 contos <strong>de</strong> réis, o famoso touro Lontra, enquanto o Cel.Manuel Borges <strong>de</strong> Araújo adquiriu um segundo touro puro sangue do mesmo mercador(MENDONÇA, 1974).Nos anos seguintes, outros lotes <strong>de</strong> reprodutores indianos foram adquiridos no estadodo Rio por fazen<strong>de</strong>iros locais e confirmou-se sua perfeita adaptação às condições naturais dasfazendas uberabenses, além <strong>de</strong> sua notória superiorida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>relação ao gado crioulo e caracu, que, até então, era criado nas proprieda<strong>de</strong>s rurais da região.O zebu espalhou-se rapidamente pelo entorno <strong>de</strong> Uberaba e seu comércio tornou-serapidamente um lucrativo negócio, que acabou suprindo a queda <strong>de</strong> receita advinda docomércio.Já a pequena indústria, com raras exceções, chegou a Uberaba juntamente com osprimeiros imigrantes europeus, no final do século XIX. As fábricas <strong>de</strong> cerveja, montadas poritalianos, foram as mais numerosas: no início <strong>de</strong> 1888, o imigrante Pascoal Toti inaugurou aCervejaria da Liberda<strong>de</strong> (NABUT, 1985), sendo seguido por Raphael Vannucchi, que abriu asua cervejaria <strong>em</strong> 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1888 (GAZETA DE UBERABA, 16/03/1888, p. 1), e poroutro italiano, Victor <strong>de</strong> Lorenzo. É certo que o negócio <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> cerveja prosperavae movimentava um consi<strong>de</strong>rável volume <strong>de</strong> dinheiro, o que po<strong>de</strong> ser comprovado pelo gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> anúncios publicitários e notícias <strong>em</strong> jornais da época envolvendo essa ativida<strong>de</strong>econômica. Em 1894, por ex<strong>em</strong>plo, o jornal Tribuna do Povo estampava o seguinte


136comunicado (TRIBUNA DO POVO, 05/02/1894, p.3):Communicamos a qu<strong>em</strong> interessar que nesta data fiz<strong>em</strong>os a acquisição dafabrica <strong>de</strong> cerveja do Sr. Victor <strong>de</strong> Lorenzo por compra <strong>de</strong>finitiva, ficandonós livres <strong>de</strong> qualquer onus com referencia áquella fabrica. Uberaba, 8 <strong>de</strong>janeiro <strong>de</strong> 1894. AMORIM & COMP.Próximo à mudança <strong>de</strong> século, eram várias as indústrias familiares mantidas poritalianos <strong>em</strong> Uberaba. Na década <strong>de</strong> 1890, as famílias Rossini e Buchianeri instalaram umamáquina <strong>de</strong> beneficiar arroz e uma olaria a vapor (NABUT, 1985). Em 1900, Pascoal Totiinstalou a primeira fábrica <strong>de</strong> macarrão da cida<strong>de</strong> e a primeira cerâmica; <strong>em</strong> 1902, outroitaliano, Jacob Faina, montou a Fábrica <strong>de</strong> Cerveja Tripolitana; nas décadas seguintes,funcionaram outras cervejarias, pertencentes às famílias <strong>de</strong> Martino e Cecconi (ibid). Haviatambém, na cida<strong>de</strong>, muitas alfaiatarias, marcenarias, serralherias, funilarias, cal<strong>de</strong>irarias eoutros <strong>em</strong>preendimentos pertencentes aos imigrantes italianos.Nos jornais uberabenses daquele período, eram comuns os anúncios <strong>de</strong> pequenas<strong>em</strong>presas pertencentes a italianos, como o seguinte (TRIBUNA DO POVO, 05/02/1894, p.4):OFFICINA ITALIANA - Serralheiro e Mechanico - Concertam-se even<strong>de</strong>m-e bombas nesta officina e apromptam-se bicas e canos <strong>de</strong> cobrepara platibandas <strong>de</strong> casas. Constroe-se portão <strong>de</strong> ferro, concertam-se troly,carroças, machinas; ferram-se animaes, com ferragens inglezas eportuguezas. Trabalha-se <strong>em</strong> armas <strong>de</strong> fogo. Tudo por preços baratissimose garante-se o feitio ou concerto das mesmas. Chama-se attenção do publicopara esta b<strong>em</strong> montada officina, á rua da La<strong>de</strong>ira – esquina da rua que sobepara o c<strong>em</strong>itério. PROPRIETARIO: CORZETTO CARLOS - UBERABAAlém dos italianos, estabeleciam-se tambémna cida<strong>de</strong>, à frente <strong>de</strong> pequenosestabelecimentos industriais, algumas famílias <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> al<strong>em</strong>ã. Os jornais da épocanoticiavam esses <strong>em</strong>preedimentos: “Os srs. Gothart Finholdt & Filhos, laboriosos industriaesresi<strong>de</strong>ntes nesta cida<strong>de</strong>, tratam da construcção <strong>de</strong> um predio na rua do Commercio, on<strong>de</strong>po<strong>de</strong>rão funccionar com mais amplitu<strong>de</strong> suas officinas mechanicas” (GAZETA DEUBERABA, 21/07/1894, p. 2). Em outro anúncio da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (05/07/1890), outroal<strong>em</strong>ão, José Benjamin, e seu sócio brasileiro, Antônio Pedro Fernan<strong>de</strong>s, informavam aopúblico a abertura da Marcenaria Brazilico-All<strong>em</strong>ã, instalada na rua das Mercês.Entretanto, apesar do domínio dos imigrantes no setor industrial, a primeira indústria<strong>de</strong> maior porte a instalar-se na cida<strong>de</strong>, a Fábrica <strong>de</strong> Tecidos do Cassu, já havia sido fundada<strong>em</strong> 1880 por uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> triangulinos genuínos: os irmãos Borges <strong>de</strong> Araújo (João,Zacarias, Antônio e Francisco), Antônio Fontoura Ribeiro e Pedro Floro. O maquinário,adquirido na Europa, foi transportado por via ferroviária até Casa Branca – SP, ponta dos


137trilhos da Mojiana, e dali sobre carros <strong>de</strong> boi até Uberaba. No início da República, a fábricafoi comprada pelo Cel. Carlos Gabriel <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (Barão <strong>de</strong> Saramenha), nobre proveniente<strong>de</strong> Ouro Preto, que a dirigiu por <strong>de</strong>zessete anos (MENDONÇA, 1974). No século XX, a<strong>em</strong>presa teve o nome mudado para Companhia Têxtil do Triângulo Mineiro e, tendo passadopor outros proprietários, funcionou até 1994, portanto por longos 114 anos.Figura 3.3 – Fábrica <strong>de</strong> Tecidos do Cassu (gravura <strong>de</strong> 1886)Fonte: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (11/07/1886)A instalação da fábrica do Cassu, com seu consi<strong>de</strong>rável corpo <strong>de</strong> trabalhadoresassalariados, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte formado por imigrantes italianos, foi também um marco namudança das relações <strong>de</strong> trabalho vigentes <strong>em</strong> Uberaba. Po<strong>de</strong>ríamos afirmar que foi a partirdo funcionamento <strong>de</strong>ssa tecelag<strong>em</strong> – e das várias pequenas indústrias familiares montadas porimigrantes europeus – que o mo<strong>de</strong>rno modo <strong>de</strong> produção capitalista começou a articular-se nacida<strong>de</strong>, fazendo nascer o operariado uberabense – e com ele as lutas <strong>de</strong> classes 76 . Um indício<strong>de</strong>sse fenômeno po<strong>de</strong> ser observado no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (22/06/1894, p. 3), quepublicou um comunicado, assinado por diversos operários da fábrica <strong>de</strong> tecidos uberabense, amaioria <strong>de</strong>les <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> italiana, negando uma <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> alguns ex-funcionários sobre más76 Em 1908, seria fundada, <strong>em</strong> Uberaba, a Liga Operária, li<strong>de</strong>rada, <strong>em</strong> seus primórdios, pelos senhores JoãoMo<strong>de</strong>sto dos Santos, Joaquim Gasparino, Henrique Ribeiro da Silva e Antônio Delfino Pereira, além dosimigrantes italianos Miguel Laterza, Santos Guido e Felippe Napoli (BILHARINHO, 2006m; LAVOURA ECOMÉRCIO, 29/05/1913)


138condições <strong>de</strong> trabalho na <strong>em</strong>presa:Constando aos abaixo assignados que alguns ex-<strong>em</strong>pregados d’esta fabrica<strong>de</strong> tecidos, com a maior injustiça propalam que somos mal tratados pelo seuproprietário o Sr. Barão <strong>de</strong> Saramenha, e sendo s<strong>em</strong>elhante inventivacompletamente falsa, resolv<strong>em</strong>os vir pela imprensa por nós e nossasfamílias faser publico que s<strong>em</strong>pre fomos muito b<strong>em</strong> tratados, e que estamossatisfeitos com o mesmo sr., que sabe perfeitamente consiliar a energia coma urbanida<strong>de</strong>. Aproveitamos esta ocasião pra agra<strong>de</strong>cer ao referido Sr.Barão <strong>de</strong> Saramenha a bonda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za com que s<strong>em</strong>pre trata aos quese acham a seu serviço. Declaramos também que t<strong>em</strong>os sido pagos dosnossos or<strong>de</strong>nados pontualmente, e que t<strong>em</strong>os no armaz<strong>em</strong> doestabelecimento, todos os gêneros alimentícios que nos são fornecidos,muitos <strong>de</strong>lles por menos preços do que se ven<strong>de</strong>m na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.Fabrica <strong>de</strong> Tecidos do Cassú, 10 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1894.José Maria <strong>de</strong> Siqueira Cezar, Clovis Cardozo, Manoel Ferreira da Silva,Luiz Trapmam, João Carvalho, Luiz Rigo, Baptista Rigo, AlexandreDess<strong>em</strong>, Menotte Dess<strong>em</strong>, Oliveiro Dess<strong>em</strong>, João Ferrari, Pedro Claves,Constantino Claves, César Claves, Fre<strong>de</strong>rico Momolo, Pedro Momolo, LuizMomolo, Francisco Domenico, Quechinelli Momolo. [...]Com um nível <strong>de</strong> instrução geralmente b<strong>em</strong> acima da maioria dos brasileiros natos,rapidamente os imigrantes foram ocupando seu espaço <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> uberabense. Emcontrapartida, a população negra, recém-saída <strong>de</strong> um longo processo <strong>de</strong> escravidão, acabousendo <strong>de</strong>ixada à marg<strong>em</strong> do processo <strong>de</strong> ascensão social. Libertos, mas não <strong>em</strong>ancipados, s<strong>em</strong>uma instrução mínima que os colocasse <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> competir com os imigranteseuropeus, restavam aos negros as ativida<strong>de</strong>s profissionais menos qualificadas. Muitosacabaram <strong>em</strong>pregados nas fazendas <strong>de</strong> gado – que pouco recorreram à mão-<strong>de</strong>-obra dosimigrantes –, enquanto outros se instalaram <strong>em</strong> casebres localizados na periferia <strong>de</strong> Uberaba,formando redutos miseráveis, que <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> aos bairros mais pobres da cida<strong>de</strong>.No início da República, Minas Gerais era o estado mais populoso do Brasil, comcerca <strong>de</strong> três milhões e c<strong>em</strong> mil habitantes. Entretanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século XIX, com aqueda da receita oriunda da mineração, sua participação relativa na economia nacional<strong>de</strong>crescia. Por outro lado, graças à riqueza trazida pelo café, São Paulo <strong>de</strong>spontava como oestado mais próspero. Já o estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, incluindo o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, passava porum período <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência econômica e política.Apesar dos graves probl<strong>em</strong>as econômicos enfrentados pelo governo <strong>de</strong> Minas, oPartido Republicano Mineiro – PRM, que governava o estado, era heg<strong>em</strong>ônico na gran<strong>de</strong>maioria dos municípios e conseguia esmagadora maioria no Congresso Estadual, mesmo comos sucessivos cortes <strong>de</strong> recursos, <strong>de</strong>missões e extinção <strong>de</strong> órgãos públicos promovidos pelaadministração estadual, que lutava contra a falta <strong>de</strong> recursos.


139Alguns fatores institucionais também explicam a coesão da máquinapolítica. Em seu estudo clássico do coronelismo, Nunes Leal mostrou que aConstituição <strong>de</strong> 1891 esvaziou os governos municipais, tornando os chefeslocais economicamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do governo do Estado para obraspúblicas e nomeações políticas. Em troca <strong>de</strong> favores econômicos, oscoronéis davam votos. Graças à prosperida<strong>de</strong>, as rendas municipais daszonas mais produtivas <strong>de</strong> Minas aumentaram na década <strong>de</strong> 1890. Issofortaleceu os coronéis, como promoveu a expansão do eleitorado, quedobrou <strong>de</strong>pois do Império, e aumentou o número <strong>de</strong> cargos eletivos <strong>em</strong>todos os níveis. Mas o começo da crise lhes enfraqueceu a base da renda, eisso ajudou o <strong>em</strong>ergente PRM a consolidar o seu domínio sobre a maioriados governos locais por volta <strong>de</strong> 1898. Alguns municípios mais ricos, comoLeopoldina, <strong>de</strong> Ribeiro Junqueira, tiveram maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manobras naflexível estrutura do PRM do que a maioria das localida<strong>de</strong>s. O Triângulo,próspero, mas geograficamente isolado <strong>de</strong> Belo Horizonte, gozava <strong>de</strong> umafrouxa afiliação que s<strong>em</strong>pre preocupou o PRM. Para a maioria dos coronéis,entretanto, havia apenas uma or<strong>de</strong>m: nunca se opor ao governador.(WIRTH, 1985, p. 88)Para as elites político-econômicas dos municípios mineiros, o apoio irrestrito aogovernador era compensado pela promessa <strong>de</strong> que receberiam, <strong>em</strong> contrapartida, apoio napolítica local e resultava também, invariavelmente, <strong>em</strong> uma patente mais elevada da guardanacional. Ser um coronel ou um capitão, responsável por um <strong>de</strong>terminado curral eleitoral, eraum símbolo <strong>de</strong> prestígio social almejado por muitos cidadãos. Em meados da década <strong>de</strong> 1890,era consi<strong>de</strong>rável o número <strong>de</strong> uberabenses que faziam parte daquela corporação, conformepo<strong>de</strong>mos observar no seguinte comunicado <strong>de</strong> um jornal local:A’ <strong>de</strong>legacia do thesouro fe<strong>de</strong>ral, neste Estado, foram r<strong>em</strong>ettidas as patentesdos seguintes officiaes da guarda nacional: Comarca <strong>de</strong> Uberaba:Theophilo Rodrigues da Cunha, Melanio Feliciano Soares, ZachariasBorges <strong>de</strong> Araújo, Manuel Fabião Cor<strong>de</strong>iro, Francisco Sobral, João da SilvaPrata, Affonso Narciso da Silva Vieira, João Honório Ribeiro Rosa,Eduardo José <strong>de</strong> Alvarenga Formiga, Eloy Cas<strong>em</strong>iro <strong>de</strong> Araújo, FranciscoAstolpho Diniz Junqueira, João Francisco <strong>de</strong> Campos, João Januário <strong>de</strong>Oliveria, José Rodrigues <strong>de</strong> Souza, Antônio Telles da Costa, José AlvesRibeiro, Antonio José Tosta, Silvério Caetano Pereira, José MaximianoMelgaço, Manuel Pereira dos Santos, José Pereira dos Santos, AntônioVicente da Silva, Aurélio Luiz da Costa, Elias Luiz Cruvinel, ManuelCetano Pereira, João Marinho <strong>de</strong> Oliveira Ramos, Manuel Garcia Rosa,João Baptista Pinheiro, Cecílio Antonio da Silva, Bellarmino Gomes daSilva Sobrinho, Desidério Ferreira <strong>de</strong> Mello, José Laurindo <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros,Mo<strong>de</strong>sto do Egypto, Osório da Silva e Oliveira, Francisco <strong>de</strong> Paula Soares(GAZETA DE UBERABA, 04/11/1894, p.1).Entretanto, o pacto existente entre os coronéis e o governo mineiro sofreu um gran<strong>de</strong>golpe nos últimos anos do século XIX. Em 7 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1898, <strong>em</strong> meio a gravíssimosprobl<strong>em</strong>as nas contas públicas, assumia o governo mineiro o médico Francisco Silviano <strong>de</strong>Almeida Brandão. Dizendo-se s<strong>em</strong> outra alternativa para enfrentar a crise financeira, o


140presi<strong>de</strong>nte do estado partiu para uma contenção generalizada <strong>de</strong> gastos, fechando diversasescolas e instituições estaduais, e <strong>de</strong>mitindo funcionários. Em seguida, tentou apoio para acriação do Imposto Territorial Rural, com uma alíquota <strong>de</strong> 3% sobre o valor das terras, o queprovocou a oposição dos fazen<strong>de</strong>iros – principalmente do Triângulo Mineiro –, a maispo<strong>de</strong>rosa elite econômica <strong>de</strong> Minas.Para combater a criação do novo imposto, foi fundado, no dia 14/02/1899, o Clube daLavoura e Comércio <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> uma reunião <strong>em</strong> que estiveram presentes 139fazen<strong>de</strong>iros e comerciantes. Dos presentes à reunião, apenas os cidadãos Gustavo Ribeiro,Militão <strong>de</strong> Sousa Ameno, Alberto Cerqueira Lima, Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho e José Mariados Reis – estes dois últimos, como ver<strong>em</strong>os mais adiante, ex-alunos do Instituto Zootécnico<strong>de</strong> Uberaba – posicionaram-se favoráveis ao ato governamental. Em 06/07/1899, o Clube daLavoura e Comércio criava o jornal Lavoura e Comércio, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e propagar as suasidéias, fazendo dura oposição ao governo <strong>de</strong> Silviano Brandão. Do outro lado, o jornal Gazeta<strong>de</strong> Uberaba, pelas penas <strong>de</strong> Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho, tomava a <strong>de</strong>fesa do governo(BILHARINHO, 2006d).Buscando atrair o apoio dos cafeicultores da Zona da Mata e do sul <strong>de</strong> Minas para onovo tributo que pretendia criar, o presi<strong>de</strong>nte do estado, Silviano Brandão, acenou com aredução do imposto sobre exportação do café para 2% a partir <strong>de</strong> 1900, o que, no entanto, nãoteve o efeito <strong>de</strong>sejado, já que os produtores <strong>de</strong> café acabaram aliando-se aos <strong>de</strong>maisproprietários rurais do estado contra o novo imposto. Seguindo o ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong>diversos municípios do estado foram criados clubes e partidos políticos para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r osinteresses das elites rurais. Utilizando-se <strong>de</strong> sua força política, os fazen<strong>de</strong>iros conseguiramadiar in<strong>de</strong>finidamente o início da cobrança do Imposto Territorial e, <strong>de</strong> quebra, aindaconseguiram a redução da alíquota sobre a exportação do café, o que representou uma gran<strong>de</strong><strong>de</strong>rrota para o governo estadual (VISCARDI, 1995).Apesar da <strong>de</strong>rrota imposta a Silviano Brandão, uma nova possibilida<strong>de</strong> para arecuperação das finanças do estado foi aberta, com a aliança política que se costurou <strong>em</strong> 1899,quando o presi<strong>de</strong>nte brasileiro, o paulista Campos Sales, procurou aliar-se ao presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>Minas Gerais, que, por ser <strong>de</strong>tentora da maior população <strong>de</strong>ntre os estados do país, possuíauma bancada <strong>de</strong> 37 <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais. Silviano Brandão aceitou o pacto com São Paulo, quese configurou como uma oportunida<strong>de</strong> para que Minas Gerais passasse a ocupar uma posiçãopolítica privilegiada <strong>de</strong>ntro do contexto nacional. Era o início da chamada política do cafécom-leite,que levou paulistas e mineiros a ocupar<strong>em</strong>, por décadas, os cargos mais


141importantes da nação, como a presidência da República e os ministérios <strong>de</strong> maior pesopolítico.O pacto permitiu à elite cafeeira paulista controlar a política monetária e cambial, e anegociação no exterior <strong>de</strong> <strong>em</strong>préstimos para a compra do café exce<strong>de</strong>nte, o que garantia aoscafeicultores lucros seguros. Já os mineiros tinham garantida a nomeação <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> suaelite para ocupar cargos fe<strong>de</strong>rais, o que possibilitava a liberação <strong>de</strong> verbas para obraspúblicas, como as ferrovias. Dessa forma, a chamada República Velha, marcada pelo controledas oligarquias rurais e pela alternância do po<strong>de</strong>r entre os estados <strong>de</strong> Minas e São Paulo,implantou um mo<strong>de</strong>lo político baseado <strong>em</strong> total heg<strong>em</strong>onia do Partido Republicano e rígidocontrole das seções eleitorais pelos coronéis regionais.Entretanto, novo contexto econômico-social havia nascido com a implantação dotrabalho livre e a chegada dos imigrantes europeus. Essa nova divisão social do trabalhopermitiu o crescimento das ativida<strong>de</strong>s econômicas nas regiões do centro-sul brasileiro, o quealavancou o processo <strong>de</strong> urbanização e propiciou um incipiente processo <strong>de</strong> industrialização,principalmente <strong>em</strong> São Paulo. Desta forma, se, por um lado, o po<strong>de</strong>r político na primeira faseda República continuava nas mãos das oligarquias rurais, por outro, com o crescimento dasativida<strong>de</strong>s urbanas, <strong>em</strong>ergia, já nas primeiras décadas do século XX, uma nova classe social,representada por vigorosa burguesia industrial e comercial.Nesse período, como b<strong>em</strong> l<strong>em</strong>bra Ribeiro (1984), a socieda<strong>de</strong> brasileira passou por umperíodo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização, mas a um custo alto, pesadamente pago pela maioria da população,excluída <strong>de</strong> tais benefícios, por viver no campo. Paradoxalmente, essa mesma população ruralera a responsável pela produção da riqueza, já que formava a mão-<strong>de</strong>-obra utilizada nalavoura cafeeira.As condições <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> isolamento <strong>em</strong> que vivia esta população ruralimpossibilitavam manifestações <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento. Este fato e arepresentação eleitoral manobrada pelo coronelismo, pelos ‘curraiseleitorais’, garantiram o sucesso do regime s<strong>em</strong> maiores probl<strong>em</strong>as até ofinal da 1ª Guerra Mundial, quando as manifestações urbanas <strong>de</strong><strong>de</strong>scontentamento vão se intensificando (RIBEIRO, 1984, p.77).Ao contrário <strong>de</strong> São Paulo, on<strong>de</strong> a nova burguesia urbano-industrial rapidamenteganhou espaço político e econômico, Minas Gerais, por suas características marcadamenteconservadoras, permaneceu, na maioria <strong>de</strong> suas regiões, sujeita às influências das oligarquiasrurais, representadas principalmente pelos cafeicultores e pelos gran<strong>de</strong>s pecuaristas. Mas se osprimeiros tinham garantidos seus interesses junto ao governo fe<strong>de</strong>ral, os pecuaristas sofriamcom uma situação peculiar que os impedia <strong>de</strong> aumentar a comercialização <strong>de</strong> carne com os


142outros estados da Fe<strong>de</strong>ração. Segundo Wirth (1985), o gran<strong>de</strong> entrave para que esse objetivofosse alcançado era a concorrência com o charque 77 vindo da região dos pampas (Rio Gran<strong>de</strong>do Sul, Argentina e Uruguai).Com um rebanho geneticamente inferior e s<strong>em</strong> possuir as excepcionais condiçõesnaturais oferecidas no sul, os bovinocultores mineiros não podiam competir com osestancieiros dos pampas s<strong>em</strong> uma proteção fiscal por parte do governo fe<strong>de</strong>ral. Entretanto, <strong>em</strong>1903, foi feito um acordo entre as bancadas parlamentares <strong>de</strong> Minas e Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,conseguindo que o Congresso Nacional elevasse drasticamente a tarifação sobre a carne vindado Prata, o que, <strong>em</strong> última instância, representou uma reserva do mercado nacional aosprodutos agropecuários produzidos <strong>em</strong> território brasileiro. O sucesso <strong>de</strong>ssa manobra políticafortaleceu o po<strong>de</strong>r dos coronéis rurais do Brasil central e aumentou substancialmente os lucrosadvindos da venda dos produtos protegidos pela tarifação.Na verda<strong>de</strong>, as duas <strong>de</strong>legações estaduais cooperaram para aprovar certonúmero <strong>de</strong> medidas protecionistas, que estimularam os produtores nacionais<strong>de</strong> arroz, banha, batata, charque, manteiga e carne bovina. As tarifas sobretodos esses artigos elevaram-se drasticamente entre 1903 e 1906, durante oauge do protecionismo. (WIRTH, 1985, p. 93)Os pecuaristas do Triângulo Mineiro, <strong>em</strong> particular os da região <strong>de</strong> Uberaba,beneficiados pelas novas medidas – que aumentaram o consumo, nos gran<strong>de</strong>s centros, dacarne produzida na região central do Brasil – e possuindo a melhor produtivida<strong>de</strong> pecuária doestado, conseguiram capitalizar-se gradativamente 78 . Porém, é bastante provável que osfazen<strong>de</strong>iros estivess<strong>em</strong> cientes <strong>de</strong> que as medidas protecionistas po<strong>de</strong>riam cair a qualquermomento e, junto com elas, voltaria também a vantag<strong>em</strong> dos produtores argentinos – <strong>em</strong>esmo dos estancieiros gaúchos –, cuja indústria pastoril apresentava uma produtivida<strong>de</strong>muito superior à dos rebanhos mineiros. Para os pecuaristas uberabenses, a solução <strong>de</strong>finitivado probl<strong>em</strong>a passava pela melhoria genética do rebanho e pela formação <strong>de</strong> pastagens maisresistentes ao clima e solo ácido do cerrado, o que exigiria, também, certo investimento <strong>em</strong>pesquisas e <strong>em</strong> novas técnicas agropecuárias.Anos antes, <strong>em</strong> 1896, conforme ver<strong>em</strong>os mais adiante neste estudo, havia sidoinstalado o Instituto Zootécnico, a primeira instituição <strong>de</strong> ensino superior <strong>de</strong> Uberaba,<strong>de</strong>stinado a formar os técnicos necessários à revolução agropecuária que <strong>de</strong>veria ocorrer nomunicípio. O Instituto extinguiu-se <strong>em</strong> 1898, mas, com o auxílio dos técnicos lá formados, os77 Carne <strong>de</strong> vaca, salgada e cortada <strong>em</strong> mantas.78 Como ver<strong>em</strong>os no Capítulo 4, o aumento na procura da carne produzida no Brasil central foi um fator <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> relevância no fortalecimento econômico da burguesia rural uberabense.


143coronéis locais passaram a cuidar ainda mais da melhoria do rebanho bovino, através daintrodução <strong>de</strong> matrizes zebuínas. Além disso, intensificaram-se os estudos para omelhoramento das pastagens da região, buscando novas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gramíneas maisadaptadas ao solo ácido do cerrado. No final do século XIX e início do século XX, a imprensauberabense publicou vários estudos <strong>de</strong> especialistas, na maioria oriundos do InstitutoZootécnico, como um artigo do Almanach Uberabense <strong>de</strong> 1903, <strong>de</strong> autoria do jov<strong>em</strong>engenheiro agrônomo José Maria dos Reis, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o cultivo <strong>de</strong> uma gramínea, o capimfavorite. Diz um trecho do artigo:Este excellente capim fora cultivado no extincto Instituto Zootechnico dacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba com alguns resultados. Dá-se b<strong>em</strong> <strong>em</strong> qualquer terreno,mesmo no arenoso humifero; além disso, é <strong>de</strong> facílima propagação. O seucultivo é el<strong>em</strong>entar. [...] Em vista, pois, <strong>de</strong> s<strong>em</strong>elhante estudo seriavantajoso aos nossos invernistas fazer<strong>em</strong> a acquisição da s<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> tãopreciosa forrag<strong>em</strong> e procurar<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolver o seu cultivo, o mais que fôrpossível, <strong>de</strong> maneira a substituir<strong>em</strong>, por ella, muitas das actuaes, tão pouconutrientes e merecedoras <strong>de</strong> todos os seus cuidados. (ALMANACHUBERABENSE, 1903, p. 146)Este e muitos outros estudos <strong>de</strong> cunho científico foram publicados nos anos próximosà mudança <strong>de</strong> século. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque fica, s<strong>em</strong> dúvida, por conta do monumental trabalho<strong>de</strong> pesquisa realizado pelo cientista al<strong>em</strong>ão Fre<strong>de</strong>rico Maurício Draenert, diretor e professordo Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba. Introdutor dos mo<strong>de</strong>rnos métodos científicos <strong>em</strong>Uberaba, Draenert realizou diversas pesquisas envolvendo questões <strong>de</strong> interesse daagropecuária regional e publicou inúmeros artigos científicos nos jornais e revistas locais.E assim, no início do século, com a gran<strong>de</strong> colaboração dos novos engenheirosagrônomos oriundos do Instituto Zootécnico, que se alinharam ao firme propósito doscoronéis locais <strong>de</strong> melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus rebanhos, a agropecuária regional ganhoucontornos mais científicos. Por outro lado, as ativida<strong>de</strong>s econômicas urbanas tambémevoluíam rapidamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada dos imigrantes europeus, que formaram umadiversificada categoria <strong>de</strong> profissionais especializados, responsáveis pela introdução <strong>de</strong> novastécnicas industriais, comerciais e <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços.Por conseguinte, <strong>em</strong> meados da primeira década do século XX, Uberaba apresentavaum panorama histórico singular: <strong>de</strong> um lado, os imigrantes procuravam ocupar seu espaço, àfrente <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s comerciais e industriais, formando a pequena burguesia urbana, enquanto,<strong>de</strong> outro, os coronéis, pertencentes à antiga oligarquia rural, buscavam manter e ampliar a suaheg<strong>em</strong>onia político-econômica, apostando todas as suas fichas num novo mo<strong>de</strong>lo produtivo,baseado no <strong>de</strong>senvolvimento cientificamente planejado das ativida<strong>de</strong>s pecuárias.


144Em contraposição, na base da pirâmi<strong>de</strong> social estava uma massa <strong>de</strong> trabalhadores s<strong>em</strong>terra,normalmente negros ou mestiços, que contituíam parte do proletariado urbano e o corpo<strong>de</strong> lavradores a serviço dos coronéis. Geralmente analfabetos, esses trabalhadores formavam aforça <strong>de</strong> trabalho necessária à acumulação do capital pelas elites rurais e pela <strong>em</strong>ergenteburguesia urbana. E, com esse acúmulo <strong>de</strong> capital, veio o progresso econômico 79 , que serefletiu na crescente mo<strong>de</strong>rnização das ativida<strong>de</strong>s urbanas e na sofisticação dos costumes.Com esse fervilhante panorama sócio-econômico, iniciava-se uma nova era na históriada cida<strong>de</strong>. E nada melhor para simbolizar o otimismo <strong>em</strong> relação a essa nova era do que achegada da luz elétrica, cuja inauguração ocorreu no dia 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1905. Apopulação, <strong>em</strong> polvorosa, aglomerou-se na Praça da Matriz para os festejos. O jornal Lavourae Comércio, do dia seguinte, <strong>de</strong>dicou duas <strong>de</strong> suas quatro páginas à divulgação do evento.Transcrev<strong>em</strong>os, a seguir, um pequeno trecho do noticiário, que traz o título Nova Era:É hoje dia <strong>de</strong> S. Silvestre; o ultimo dia do anno <strong>de</strong> 1905, que não foi dosmelhores para Uberaba, <strong>em</strong>bora não tenha sido também dos peiores. Aindanos seus últimos dias <strong>de</strong> agonia nos <strong>de</strong>u um beneficio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta – ainauguração da luz electrica, que se realisou hont<strong>em</strong>, <strong>de</strong>stacando-se comoum commettimento gran<strong>de</strong>mente valioso, <strong>de</strong> que muito <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os esperar, aoentrarmos no Anno Bom. [...] A inauguração da luz, t<strong>em</strong>os fundadosmotivos para assim nos manifestar – vae marcar para Uberaba o iniciopromettedor <strong>de</strong> uma nova era que se nos annuncia fecunda <strong>em</strong> benefícios,dando-nos novo e forte alento para entrarmos <strong>de</strong>sassombrados no caminhoque o Anno Novo nos abrirá amanhã e que há <strong>de</strong> nos levar ao progresso <strong>de</strong>que é digna a Princesa do Sertão. (LAVOURA E COMÉRCIO, 31/12/1905,p. 1)E, na mesma edição daquele jornal, um escritor, cujo nome traz as iniciais M. F.,através <strong>de</strong> um po<strong>em</strong>a intitulado Et lux facta est, expressa seu fascínio <strong>em</strong> relação àmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e sua esperança no futuro luminoso que se iniciava:Grato anceio, gostosa espectativa,No s<strong>em</strong>blante da onda <strong>em</strong> movimentoAccusavam já prestes o momento...O povo r<strong>em</strong>oinhava <strong>em</strong> roda viva.Que linda mutação! Como si fosseA rápida creação <strong>de</strong> novo é<strong>de</strong>n,Ao commando <strong>de</strong>... <strong>de</strong>... (não sei <strong>de</strong> qu<strong>em</strong>)De repente a cida<strong>de</strong> illuminou-se.Corujas e morcegos espantados,Voando <strong>em</strong> <strong>de</strong>satino, <strong>de</strong>svairados,Fog<strong>em</strong> das cavatinas e do riso.79 Segundo Chauí (1994), a burguesia vê a si mesma como uma força progressista, porque usa as técnicas e asciências para obter um controle total sobre a natureza e a socieda<strong>de</strong>. E o progresso é a justificativa utilizada pelaselites econômicas para legitimar a manutenção das relações <strong>de</strong> trabalho, a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> culturas primitivas e a<strong>de</strong>vastação ambiental.


145Do povo que <strong>em</strong> folguedos se inebriaEntre ondas <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> harmoniaNeste limbo tornado <strong>em</strong> paraíso.(LAVOURA E COMÉRCIO, 31/12/1905, p.1)3.2 A educação uberabense na virada <strong>de</strong> século (1881-1905)Na virada <strong>de</strong> século, <strong>de</strong>ntro do contexto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s mudanças trazidas pelo advento daRepública, pelo fim da escravidão e pela ascensão dos i<strong>de</strong>ais positivistas <strong>de</strong> progresso e <strong>de</strong> féna ciência, a educação escolar adquiria um caráter re<strong>de</strong>ntor, capaz <strong>de</strong> elevar o país ao níveldas nações civilizadas. Assim como acontecia <strong>em</strong> outras partes do Brasil, as últimas duasdécadas do século XIX foram marcadas por fatos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância para a educaçãouberabense. Dentre elas, <strong>de</strong>stacamos a criação <strong>de</strong> uma escola normal pública na cida<strong>de</strong> – fatodo qual ir<strong>em</strong>os tratar separadamente neste trabalho –, a fundação <strong>de</strong> várias escolas primárias esecundárias, além das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior ocorridas no município, já nadécada <strong>de</strong> 1890. Dar<strong>em</strong>os, a seguir, um breve panorama <strong>de</strong>sse período.Em 05/09/1881, o ex-professor <strong>de</strong> Latim e Português do Colégio Pieda<strong>de</strong>, AntônioSilvério Pereira, <strong>de</strong>cidiu fundar o segundo Liceu Uberabense, escola masculina que mantinhaos cursos primário e secundário. O colégio, que iniciou suas ativida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1882,funcionou no Largo da Matriz, nº 15 (GAZETA DE UBERABA, 08/04/1882), <strong>em</strong> um prédiolocalizado atrás da igreja, até ser fechado <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1891. Em um anúncio publicado 2meses após a abertura do estabelecimento, o diretor assim apresenta a sua escola.O fim único <strong>de</strong>ste estabelecimento é difundir nos alumnos a educaçãomoral, intellectual e religiosa, habilitando-os para qualquer s<strong>em</strong>inário ouaca<strong>de</strong>mia do Império. No primeiro anno leccionar-se-há: Primeiras lettras,Portuguez, Francez, Arithmetica, Historia Sagrada, Historia Universal,Geographia e Latim. [...] Receber-se-hão alumnos internos e exernos. Osinternos pagarão a mensalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 20$, exclusive a lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> roupa, que oestabelecimento encarrega-se <strong>de</strong> mandar fazer mediante a quantia <strong>de</strong> 4$mensaes. Os externos pagarão 8$ mensaes, excepto os que freqüentar<strong>em</strong>somente a classe <strong>de</strong> primeiras lettras, que pagarão 2$. [...] Os exames terãolugar no fim <strong>de</strong> cada anno, <strong>de</strong>pois do que será r<strong>em</strong>ettido aos pais o resultadoprogressivo, moral e intellectual, <strong>de</strong> seus filhos (GAZETA DE UBERABA,08/12/1881, p. 3).Entre os professores do segundo Liceu Uberabense, estavam Antônio Silvério Pereira,Alexandre José dos Santos, Frei Germano D’Annecy, Illídio Salathiel dos Santos, Dr. JoãoJosé Fre<strong>de</strong>rico Ludovice, Joaquim Dias Soares, Luís Ribeiro Borges, Joaquim AntônioGomes da Silva, Thomaz Pimentel <strong>de</strong> Ulhôa, Joaquim Rodrigues Cor<strong>de</strong>iro, Illidio Salathiel


146Guaritá, Rufino <strong>de</strong> Oliveira Penna, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo, Frei Raymundo Madré eAntônio Augusto Pereira <strong>de</strong> Magalhães. Dentre os vários alunos que freqüentaram a escola,<strong>de</strong>stacamos alguns: Arthur da Silva Lobo (futuro professor da Escola Normal), César BorgesPereira (padre e político uberabense), além <strong>de</strong> João Quintino Teixeira, José Caetano Borges eHypólito Rodrigues da Cunha – estes três, conhecidos pecuaristas locais e m<strong>em</strong>bros da eliteeconômica (MENDONÇA, 1974; GAZETA DE UBERABA, 20/12/1882).Também <strong>em</strong> 1881, foi criada pelo governo provincial a primeira Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba 80 , que iniciou suas ativida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1882. A partir <strong>de</strong>la foi dado início àformação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Uberaba e, nos anos posteriores, com a formatura das primeirasturmas, crescia espetacularmente a oferta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra docente regularmente habilitada nacida<strong>de</strong>. Assim, <strong>em</strong> substituição aos antigos mestres, na gran<strong>de</strong> maioria leigos, surgia umanova categoria <strong>de</strong> professores profissionais, formados pela Escola Normal.Em 03/10/1881, começou a funcionar o Colégio Fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, fundado e dirigido pelanormalista Maria Luiza do Valle Rezen<strong>de</strong>, professora que viria a integrar o corpo docente daEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba. A escola, <strong>de</strong>stinada à instrução primária e secundária <strong>de</strong> meninas,assim como acontecera às escolas f<strong>em</strong>ininas anteriores, não conseguiu sobreviver por mais doque alguns meses (GAZETA DE UBERABA, 03/10/1881).Outra iniciativa particular voltada para a educação escolar <strong>de</strong> meninas foi feita pelaprofessora Maria Amélia <strong>de</strong> Mello Franco, que, também <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1881, fundou oCollegio Santa Clara. Essa instituição foi, posteriormente, transformada na 2ª ca<strong>de</strong>iraf<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> instrução pública, passando a funcionar a expensas do governo estadual(GAZETA DE UBERABA, 03/11/1881).A primeira escola particular uberabense <strong>de</strong> vida duradoura foi fundada <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> junho<strong>de</strong> 1885 pelas Irmãs Dominicanas e passou a se chamar Colégio Nossa Senhora das Dores,uma escola confessional <strong>de</strong>stinada a alunas do sexo f<strong>em</strong>inino. Em interessante anúnciopublicitário, divulgado no início do primeiro ano letivo, as Irmãs Dominicanas procuravamexpor a proposta educativa da nova escola. Trascrev<strong>em</strong>os, abaixo, parte do anúncio:T<strong>em</strong> por fim este Collegio a formação <strong>de</strong> boas mães <strong>de</strong> familia, e <strong>de</strong> criadasou servas que possão vantajosamente substituir as escravas. Receberá pois oCollegio meninas das famílias ricas, orphãs e ingênuas no internato e noexternato, <strong>em</strong> divisões b<strong>em</strong> distinctas. Objecto <strong>de</strong> uma solicita e s<strong>em</strong>pr<strong>em</strong>aternal vigilância, as educandas estarão constant<strong>em</strong>ente sob as vistas <strong>de</strong>suas mestras, presidindo estas a seus trabalhos escolásticos e manuaes,como ás suas refeições, recreios, etc. As professoras querendo dar á suas80 Dada a importância <strong>de</strong>sse acontecimento, tratar<strong>em</strong>os especificamente sobre ele mais adiante neste trabalho.


147alumnas uma educação esmerada e completa, terão particular cuidado <strong>de</strong>infundir-lhes o espírito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>de</strong> economia tão necessário a umasenhora, seja qual fôr sua condição na socieda<strong>de</strong>. (GAZETA DEUBERABA, 22/01/1886, p. 3)A afirmativa contida no anúncio (<strong>de</strong> que o colégio tinha por objetivo a formação <strong>de</strong>boas mães <strong>de</strong> família, e <strong>de</strong> criadas ou servas que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> vantajosamente substituir asescravas) <strong>de</strong>ixa clara a função subalterna que a socieda<strong>de</strong> da época relegava à mulher.Embora essa frase possa chocar um observador do século XXI, principalmente seconsi<strong>de</strong>rarmos que ela foi proveniente <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino ligada à Igreja Católica,<strong>de</strong>ve-se levar <strong>em</strong> conta que, naquela época, a socieda<strong>de</strong> uberabense era profundamenteexclu<strong>de</strong>nte, construída e dominada por homens.Num outro ponto do anúncio, a direção do Colégio N. S. Dores apresenta como eramcobrados os seus serviços e mostra também como se dava a sua ação assistencialista:A pensão é <strong>de</strong> 25$000 mensaes, pagos por trimestres adiantados; havendoreducção <strong>de</strong> meia pensão para o caso <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> admittidas três irmãs, masunicamente para a terceira; e uma quarta irmã só pagará a terça parte dapensão. Pelas orphãs e ingênuas, receberá o Collegio 2$000 mensais,quando algum parente ou protector quizer favorecer alguma menina. Nestecaso o Collegio fornecerá as roupas necessárias, como á meninas pobres. Asexternas pagarão 5$000 mensaes. Far-se-há algum abatimento <strong>em</strong> favordaquellas meninas menos favorecidas da fortuna. Não se faz <strong>de</strong>scontoalgum por férias, n<strong>em</strong> por qualquer outro t<strong>em</strong>po que as meninas passar<strong>em</strong>fóra do Collegio. (GAZETA DE UBERABA, 22/01/1886, p. 3)Pelo anúncio, percebe-se que, por ocasião <strong>de</strong> sua criação, o colégio cobravamensalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todas as suas alunas, <strong>em</strong>bora conce<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>scontos àquelas menosfavorecidas da fortuna. Entretanto, como costumava acontecer com a maior parte das escolasmantidas pela Igreja Católica, pouco t<strong>em</strong>po após a sua fundação, o governo passou asubvencionar os estudos <strong>de</strong> um certo número <strong>de</strong> alunas pobres, principalmente órfãs, atravésda concessão <strong>de</strong> uma ajuda financeira, regularmente paga à escola dominicana (MUNIZ,2003).Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o Colégio N. S. Dores recebia também algumas meninas órfãs queeram criadas <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> orfanato, a expensas da própria congregação dominicana. Eracostume que essas alunas amparadas recebess<strong>em</strong> uma educação limitada às primeiras letras eao aprendizado <strong>de</strong> serviços domésticos, dando <strong>em</strong> troca “uma exaustiva jornada <strong>de</strong> trabalho,que incluía a execução <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s compl<strong>em</strong>entares – limpeza, produção <strong>de</strong>alimentos, preparação da comida, reforma dos livros, <strong>de</strong>coração das <strong>de</strong>pendências da escola –essenciais ao funcionamento da instituição” (MUNIZ, 2003, p. 194). A prática <strong>de</strong> utilização


148da mão-<strong>de</strong>-obra das alunas carentes na execução <strong>de</strong> serviços diversos continuou por gran<strong>de</strong>parte do século XX, conforme relata Mendonça (2007), falando a respeito <strong>de</strong> sua mãe, Améliada Cruz, por algum t<strong>em</strong>po bolsista daquele colégio.Figura 3.4 – Colégio Nossa Senhora das DoresFonte: APUApesar <strong>de</strong> o novo colégio ter sido, logo <strong>de</strong> início, muito b<strong>em</strong> recebido pela eliteuberabense, que <strong>de</strong>sejava educar suas filhas <strong>de</strong>ntro da moral católica, a incursão das irmãsdominicanas francesas no setor educacional não agradava a muitos professores regulamentehabilitados, que se sentiam prejudicados pela concorrência das religiosas francesas. A queixa<strong>de</strong>sses professores concentrava-se no fato <strong>de</strong> que as freiras dominicanas mal conheciam alíngua portuguesa e as particularida<strong>de</strong>s brasileiras, e ainda assim recebiam subvençãogovernamental, ao contrário das <strong>de</strong>mais pequenas escolas particulares. Esse <strong>de</strong>scontentamentopo<strong>de</strong> ser percebido na seguinte ocorrência: no dia 26/11/1886, durante uma reunião daCongregação da Escola Normal oficial,[...] o professor Miranda Chaves propoz que se representasse ao ConselhoDirector da Instrucção Publica no sentido <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> obrigados a exames <strong>de</strong>habilitação perante as Escholas Normaes os professores e professoras das


149escolas particulares subvencionadas. Essa proposta, que contém idéia justa eainda não l<strong>em</strong>brada t<strong>em</strong> por fim evitar que pessôas que nunca abriramgrammatica portuguesa, n<strong>em</strong> sab<strong>em</strong> ‘pitada’ <strong>de</strong> nossa língua, venhamensinar portuguez aos nossos filhos e filhas, gozando da subvenção dogoverno, como acontece entre nós, com o ensino subvencionado doCollegio das freiras dominicanas. Si a representação feita vingar, ter<strong>em</strong>osoccazião <strong>de</strong> assistir ao hilariante espetaculo do fiasco que perante oillustrado magisterio da nossa Eschola e do publico vão dar as freirasdominicanas com toda a sua ‘sapiencia infusa’ (GAZETA DE UBERABA,30/11/1888, p. 2).Entretanto, apesar dos protestos da concorrência, o colégio cresceu rapidamente. Porquase 11 anos, a escola funcionou no prédio da Santa Casa, no Largo da Misericórdia. Em1893, iniciaram-se os trabalhos <strong>de</strong> construção da nova se<strong>de</strong>, também no Largo daMisericórida, os quais foram concluídos no fim do ano <strong>de</strong> 1895. Em 22/02/1896, as IrmãsDominicanas passaram a ocupar o novo prédio (Figura 3.4), oferecendo os ensinos primário esecundário, <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato e externato. Na década <strong>de</strong> 1890 e início do século XX, afreqüência anual <strong>de</strong> alunas variou <strong>de</strong> 250 a 300 alunas, a maior parte <strong>de</strong>las não-pagantes 81(ALMANACH UBERABENSE, 1903).In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da forma como os estudos das alunas carentes eram custeados, sãoinegáveis os benefícios <strong>de</strong>ssa iniciativa. Numa época <strong>em</strong> que as meninas oriundas dascamadas mais pobres da população encontravam dificulda<strong>de</strong>s até para conseguir uma vaganas mal aparelhadas ca<strong>de</strong>iras f<strong>em</strong>ininas <strong>de</strong> instrução pública, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> freqüentaruma escola <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, com estrutura física e humana invejáveis para a época, como era ocaso do Colégio Nossa Senhora das Dores, representou um enorme ganho para as alunasbeneficiadas e, por que não dizer, para toda a comunida<strong>de</strong> local.Uma das principais escolas fundadas <strong>em</strong> Uberaba, no final do século XX, foi oColégio Uberabense, aberto <strong>em</strong> 15/07/1889 pelo professor Paulo Fre<strong>de</strong>rico Barthes 82 , lentetitular da Escola Normal local. O novo estabelecimento, que criou fama na região, oferecia oscursos primário e secundário 83 para jovens do sexo masculino. O colégio aceitava alunos <strong>em</strong>regime <strong>de</strong> internato ou externato e oferecia, <strong>em</strong> seu curso secundário, todas as matérias81 Em 1902, por ex<strong>em</strong>plo, das 295 alunas, 210 recebiam instrução gratuita, seja graças à subvenção do governoou ao amparo das próprias irmãs dominicanas.82 Paulo Fre<strong>de</strong>rico Barthes era <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> francesa e residia <strong>em</strong> Uberaba <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1892, quando passou aocupar o cargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> policia. Naquele mesmo ano foi nomeado professor <strong>de</strong> Química da EscolaNormal <strong>de</strong> Uberaba; posteriormente, passou a ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Francês da mesma escola. Contribuiu com amontag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma pequena biblioteca <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua sogra, a conhecida viúva Leschaud; essa bibliotecafoi posteriormente transformada na Livraria Universal, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua sogra e <strong>de</strong> sua esposa. Faleceu <strong>em</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1896, vítima <strong>de</strong> uma lesão cardíaca (SÃO PAULO E MINAS, 20/02/1896).83 Já há algum t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> Uberaba, o ensino secundário para alunos do sexo masculino restringia-se ao oferecidono segundo Liceu Uberabense.


150exigidas para a matrícula nas faculda<strong>de</strong>s do Império, além <strong>de</strong> Escrituração Mercantil teórica eprática (GAZETA DE UBERABA, 16/04/1890). A proposta pedagógica do ColégioUberabense, on<strong>de</strong> transparece a influência dos i<strong>de</strong>ais positivistas e conservadores, foi assimexposta <strong>em</strong> um periódico local:Tendo por objectivo preparar <strong>de</strong>vidamente o alumno para a gran<strong>de</strong> luctapela vida, e d’ella sahir com honra e dignida<strong>de</strong>, infundindo-lhe o amor que<strong>de</strong>ve á Patria, á Família e a Deus, isto quanto a parte moral, e preparal-opara submetter-se aos exames <strong>de</strong> preparatorios necessarios paramatricular<strong>em</strong>-se nos cursos superiores (GAZETA DE UBERABA,10/10/1889, p. 3)Inicialmente, o colégio funcionou no prédio localizado na Rua do Imperador (atual ruaGovernador Valadares), que havia abrigado o Primeiro Liceu Uberabense (MENDONÇA,1974). Em 13/03/1890, a escola transferiu-se para a casa da rua Municipal (atual rua ManoelBorges), que pertencera ao barão da Ponte Alta e se localizava <strong>em</strong> frente ao Largo da Matriz –nesse local, atualmente, existe o prédio da loja Têxtil Abril. Na visão da imprensa da época,“O prédio é b<strong>em</strong> situado, está reformado e possue vastas acommodações b<strong>em</strong> arejadas, gran<strong>de</strong>quintal, etc.” (GAZETA DE UBERABA, 17/03/1890, p. 1).Paulo Barthes permaneceu na direção da escola por cerca <strong>de</strong> dois anos e teve comocompanheiros os professores Joaquim Dias Soares 84 , Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, ManoelFilipe <strong>de</strong> Souza, Ilídio Salatiel dos Santos, Frei Vicente <strong>de</strong> la Coste, João Fre<strong>de</strong>rico Gae<strong>de</strong>,Henrique Blackeyse, José <strong>de</strong> Albuquerque, Antônio Eusébio, José Soares Junior e GustavoLutz 85 (MENDONÇA, 1974). Além <strong>de</strong>sses, atuou na escola, <strong>em</strong> sua fase inicial, o professorAtanásio Ferreira Saltão (GAZETA DE UBERABA, 20/07/1889).Em meados <strong>de</strong> 1891, Paulo Barthes já <strong>de</strong>monstrava dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> manter o ColégioUberabense <strong>em</strong> funcionamento. Apesar <strong>de</strong> b<strong>em</strong> conceituada, a escola encontrava-se <strong>em</strong>dificulda<strong>de</strong>s financeiras e necessitava <strong>de</strong> investimentos <strong>em</strong> sua estrutura física, a fim <strong>de</strong>comportar com qualida<strong>de</strong> a clientela que a procurava. Para solucionar o probl<strong>em</strong>a e manter aescola <strong>em</strong> funcionamento, no dia 28/06/1891, um grupo <strong>de</strong> cidadãos reuniu-se nas<strong>de</strong>pendências do colégio com o proprietário da escola. Naquela ocasião, foi constituída umaassociação – composta por Francisco Sebastião da Costa, José Francisco da Silva e Oliveira,José Augusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira, Joaquim Rodrigues <strong>de</strong> Barcellos, Thomaz Pimentel <strong>de</strong> Ulhôa,José Joaquim <strong>de</strong> Oliveira Teixeira, Illidio Salathiel Guaritá, Francisco Gomes <strong>de</strong> Meirelles,84 Joaquim Dias Soares lecionava Latim, Português e História.85 Gustavo Lutz é <strong>de</strong>scrito por Toti (1956) como um al<strong>em</strong>ão elegante e boêmio, que andava s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> fraque ecartolinha dura ou chapéu côco. Lecionava as seguintes disciplinas: Al<strong>em</strong>ão, Francês, Inglês, Geografia eMat<strong>em</strong>ática.


151Carlos Baptista Machado, Antero Ferreira da Rocha e Tobias Antônio Rosa –, que adquiriu aescola com todos os seus pertences <strong>de</strong> Paulo Fre<strong>de</strong>rico Barthes (GAZETA DE UBERABA,30/06/1891).A socieda<strong>de</strong> passou a direção do colégio para o Dr. Manoel Joaquim Bernar<strong>de</strong>s,médico do 2º Batalhão da Brigada Policial <strong>de</strong> Minas sediado <strong>em</strong> Uberaba (MENDONÇA,1974) e professor com larga experiência <strong>em</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino do sul <strong>de</strong> Minas(GAZETA DE UBERABA, 06/07/1891). Gabriel Toti, que foi aluno da escola nesse período,cita dois professores: o diretor Manoel Bernar<strong>de</strong>s e o professor Boaventura (TOTI, 1956). Sobessa nova direção, o colégio passou por outros en<strong>de</strong>reços, no Largo da Misericórdia (atualPraça Thomaz Ulhôa) e na Rua do Comércio (atual rua Arthur Machado) até que, no dia31/05/1892, os acionistas proprietários do Colégio Uberabense se reuniram e <strong>de</strong>cidiramaceitar a doação <strong>de</strong> um terreno <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Sr. João José Ferreira, localizado no Alto doCuiabá, no lugar on<strong>de</strong>, anos atrás, havia funcionado o Colégio Cuiabá, dirigido por FernandoVaz <strong>de</strong> Mello. A comissão encarregou o cidadão Francisco Sebastião da Costa, farmacêutico efundador da Farmácia São Sebastião, <strong>de</strong> angariar os recursos financeiros necessários àconstrução do novo prédio do Colégio Uberabense (GAZETA DE UBERABA, 05/06/1892).Diversos cidadãos <strong>de</strong>cidiram juntar-se à associação, adquirindo cotas da mesma econtribuindo financeiramente para a construção do novo prédio, cujo projeto ficou a cargo dosengenheiros Gregório Silva e Adams Boari (SÃO PAULO E MINAS, 05/05/1895). Emnov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1892, já tendo arrecadado uma razoável quantia <strong>em</strong> dinheiro, FranciscoSebastião da Costa iniciou as obras do novo colégio. Além da colaboração <strong>de</strong> diversoscidadãos, a obra da nova se<strong>de</strong> do Colégio Uberabense parece ter recebido ajuda <strong>de</strong> outrasfontes: pesquisando as Atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, verificamos que, na reunião <strong>de</strong>24/05/1893, os vereadores <strong>de</strong>liberaram sobre um pedido a ser encaminhado ao Presi<strong>de</strong>nte doEstado e ao Congresso mineiro, <strong>de</strong> um auxílio <strong>de</strong> trinta contos <strong>de</strong> réis para a obra <strong>de</strong>construção do novo prédio do Colégio Uberabense, pedido este que não sab<strong>em</strong>os se foi, ounão, atendido.Enquanto as obras caminhavam lentamente, o colégio continuou a funcionarprecariamente no prédio da Rua do Comércio – que, naquela ocasião havia mudado sua<strong>de</strong>nominação para rua Barão <strong>de</strong> Ataliba 86 (GAZETA DE UBERABA, 07/07/1894). Em86 Conhecida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios <strong>de</strong> Uberaba, como rua do Comércio, esta via teve o nome mudado para ruaBarão <strong>de</strong> Ataliba, no ano <strong>de</strong> 1889. Em 1894, voltou a chamar-se rua do Comércio e, <strong>em</strong> 1916, teve o nom<strong>em</strong>udado para rua Arthur Machado, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao Cel. Arthur Batista Machado, comerciante e chefe políticolocal.


15218/08/1895, <strong>de</strong>u-se a inauguração da nova se<strong>de</strong> do Colégio Uberabense, já sob a direção doProf. Dr. Augusto Ferreira Reis. Aos festejos <strong>de</strong> inauguração, animados pelas bandas <strong>de</strong>música Philarmônica e União Uberabense, compareceram mais <strong>de</strong> mil pessoas, incluindodiversas autorida<strong>de</strong>s municipais.O novo prédio do colégio, obra do construtor português Manuel Marinho (PONTES,1970) é assim <strong>de</strong>scrito no Almanach Uberabense (1903, p. 116):Este edifício se acha situado sobre um dos altos da cida<strong>de</strong> – o das Mercêz.Ainda que <strong>de</strong> construcção pouco elevada, possue accommodaçõesperfeitamente adaptadas ao seu fim: vastos salões para estudo, refeitório edormitórios, salas para aulas, posição magnífica, ar puro e sadio, vastospateos para recreio e água abundante e encanada.Outro órgão <strong>de</strong> imprensa também <strong>de</strong>screve alguns <strong>de</strong>talhes da bela construção:Toda a edificação foi cuidadosamente attendida na diffusão da luz; é servidapor cinco portas exteriores, trinta interiores e sessenta e duas janellasenvidraçadas e postigadas á romana. Os compartimentos são assoalhados eforrados; excepto nos mictorios, banheiros e wcs, que serão cimentados. Acosinha e dispensa serão atijolladas. Os cannos dos exgottos pluviaes são <strong>de</strong>cobre. A telha <strong>em</strong>pregada é franceza, vinda <strong>de</strong> Marselha (SÃO PAULO EMINAS, 05/05/1895, p. 2).Figura 3.5 – Colégio UberabenseFonte: Mendonça (1974)O Colégio Uberabense, com seu prédio imponente, representava o novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>


153escola que se pretendia implantar nos t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> República. Ao contrário da velha e<strong>de</strong>svalorizada escola da era imperial, a escola republicana era um local <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>cidadãos valorosos, prontos para servir à pátria. Para tanto, era necessário um local apropriadopara acolher as crianças e prepará-las para assumir o seu papel <strong>de</strong>ntro da nova socieda<strong>de</strong> quevinha nascendo. Em tom ufanista, <strong>em</strong> um artigo da época, um jornalista <strong>de</strong> Ribeirão Pretocelebrava a inauguração do novo colégio <strong>de</strong> Uberaba e previa que[...] alli, no palacete que inaugurou-se, as creanças, geração que nasceohont<strong>em</strong>, constant<strong>em</strong>ente attentas aos bons conselhos e alentos <strong>de</strong> seusmestres, como <strong>em</strong> doce asylo, on<strong>de</strong> a austerida<strong>de</strong> manifesta-sepaternalmente com as recauções meigas, vão preparar-se trabalhando, noestudo das lettras, artes e sciencias, que, afinal, habilitando-as á escolha <strong>de</strong>usos, costumes e ex<strong>em</strong>plos optimos que lhes serão ensinados tamb<strong>em</strong> pelareligião, hão <strong>de</strong> entregal-as, homens dilectos e dignos da pátria, a esta Pátriagran<strong>de</strong>, amável e amada, que tanto t<strong>em</strong> feito para dar-lh’os nas paginasgloriosas <strong>de</strong> sua historia (SÃO PAULO E MINAS, 25/08/1895, p. 2).Entretanto, apesar da inauguração da nova se<strong>de</strong>, grandiosa para os padrões da época, aescola não teve a procura que se esperava. Um jornal <strong>de</strong> Ribeirão Preto comentou:Continua a funccionar com toda regularida<strong>de</strong>, o Collegio Uberabense, nosumptuoso prédio para esse fim construído, sob a profícua direcção doabalisado e provecto educacionista Dr. Reis. É para lastimar-se que esteestabelecimento, sob tão auspiciosa direcção, não tenha tido, segundo nosconsta, gran<strong>de</strong> affluencia <strong>de</strong> alumnos (SÃO PAULO E MINAS,03/11/1895, p. 2).A manutenção <strong>de</strong> uma escola daquele nível, funcionando s<strong>em</strong> nenhuma subvenção doEstado, tornou-se bastante difícil, já que poucas famílias podiam arcar com as mensalida<strong>de</strong>scobradas pela instituição. Em 01/09/1896, enfrentado dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> captar alunos e,conseqüent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> manter os altos custos <strong>de</strong> funcionamento da escola, o diretor AugustoFerreira dos Reis e alguns m<strong>em</strong>bros da associação proprietária da escola resolveram ce<strong>de</strong>r oprédio do Largo do Cuiabá ao bispo Dom Eduardo, que ali instalou o S<strong>em</strong>inário Episcopal 87 .Com a cessão do prédio, o Colégio Uberabense encerrou as suas ativida<strong>de</strong>s.O fechamento do Colégio Uberabense mostrou que, <strong>em</strong>bora a República sonhasse comuma escola imponente, mo<strong>de</strong>rna e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, a realida<strong>de</strong> vivida pelas instituições <strong>de</strong> ensinorepublicanas pouco diferia da que ocorrera <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos imperiais: abandonadas à própria sorte,s<strong>em</strong> condições financeiras para se manter<strong>em</strong> <strong>em</strong> funcionamento por muito t<strong>em</strong>po, as escolasparticulares uberabenses, <strong>em</strong>bora s<strong>em</strong>pre tivess<strong>em</strong> existido <strong>em</strong> número razoável, nãoconseguiam aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda educacional da população, <strong>em</strong> conseqüência <strong>de</strong> sua vida87 Este t<strong>em</strong>a será tratado mais <strong>de</strong>talhadamente no tópico 3.5 (O efêmero S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz) <strong>de</strong>ste capítulo.


154efêmera e <strong>de</strong> sua pequena capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> alunos.Por outro lado, paralelamente à iniciativa privada, o estado mantinha <strong>em</strong> Uberaba umaprecária re<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrução pública. Segundo dados do governo mineiro, <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1892, essare<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrução restringia-se a quatro ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> instrução primária, sendo duas parameninos e duas para meninas. As duas ca<strong>de</strong>iras do sexo masculino tinham 160 alunosmatriculados, sendo que a freqüência média era <strong>de</strong> 75 alunos, enquanto as ca<strong>de</strong>iras f<strong>em</strong>ininas,regidas pela professoras Areolina Cândida Fernan<strong>de</strong>s e Maria Magdalena França, tinham 84alunas, com uma freqüência média <strong>de</strong> 45 meninas (MINAS GERAES, 19/05/1892).Em meados <strong>de</strong> 1892, estudavam nas escolas uberabenses apenas 590 jovens,consi<strong>de</strong>rando todos os níveis <strong>de</strong> ensino – número reduzido para um município com população<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 20.000 habitantes. Desses, 363 estudavam na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino público 88 e 227 nasescolas particulares (GAZETA DE UBERABA, 21/05/1892). Para piorar essa situação, <strong>em</strong>30/06/1892, alegando uma recomendação da inspetoria geral da instrução pública do estado, ogoverno suprimiu todas as ca<strong>de</strong>iras noturnas das escolas estaduais uberabenses, o que reduziuainda mais a oferta <strong>de</strong> ensino para a população (MINAS GERAES, 02/07/1892).Sab<strong>em</strong>os, porém, que algumas pequenas escolas informais e muitos alunos querecebiam a instrução <strong>de</strong> professores particulares não foram computados no censo escolargovernamental <strong>de</strong> 1892. Essa suspeita é confirmada no próprio artigo jornalístico quedivulgou os números da população escolar uberabense (que, como já vimos, computou 590alunos): uma nota, ao final do texto, l<strong>em</strong>brava que “Al<strong>em</strong> <strong>de</strong>sse algarismo ha aquelles quereceb<strong>em</strong> instrucção no seio da familia e que montam a bom numero.” (GAZETA DEUBERABA, 21/05/1892, p. 2). Embora as mães tivess<strong>em</strong> um importante papel no ensino dasprimeiras letras aos filhos, essa educação recebida <strong>em</strong> casa era, muitas vezes, conduzida pormestres particulares, o que amplia bastante o universo visível <strong>de</strong> professores profissionais queatuavam naquele momento histórico.A partir <strong>de</strong> 1891, com a nova Constituição Republicana, as Câmaras Municipaispassaram a ter autonomia para criar e promulgar leis <strong>de</strong> âmbito municipal, inclusive no que serefere à criação <strong>de</strong> escolas, o que, no período imperial, era reservado aos governos central edas províncias. Com isso, <strong>em</strong> 1892, a Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba iniciou a criação <strong>de</strong>escolas municipais primárias, principalmente na zona rural. Segundo Pontes (1970), <strong>de</strong> 1892 a1925, foram criadas escolas municipais <strong>em</strong> 24 localida<strong>de</strong>s rurais.88 Neste total, estão incluídos os alunos da Escola Normal, <strong>em</strong> número <strong>de</strong> 119, tanto do curso primário, quantodo secundário.


155No final do século XIX, persistindo a velha tendência, muitas escolas particulares <strong>de</strong>curta duração foram criadas <strong>em</strong> Uberaba, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacamos o Colégio ProgressoBrasileiro, inicialmente fundado <strong>em</strong> Bagag<strong>em</strong> pelos professores Theophilo Barbosa eAtanásio Saltão, e posteriormente transferido para Uberaba, quando ficou sob a direção doprimeiro professor. Um anúncio publicitário feito no jornal Tribuna do Povo (05/02/1894)informava que o currículo da escola incluía o Curso Inicial (Leitura, Caligrafia, CálculoMental, El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> Desenho e Declamação), Curso El<strong>em</strong>entar Primário (Português,Francês, Inglês, Espanhol, Geografia, História do Brasil, Aritmética, Desenho e Declamação)e Curso Primário Superior (Português, Francês, Inglês, Latim, Italiano, Geografia, Históriado Brasil, El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> Geometria, Aritmética, Desenho, Declamação, Al<strong>em</strong>ão, HistóriaUniversal e Álgebra).Se a extensão da gra<strong>de</strong> curricular proposta pela escola por si só já chama a atenção, odiretor e professor daquela escola, <strong>em</strong> outro trecho do mesmo anúncio publicitário, <strong>de</strong>monstraconhecimentos <strong>de</strong> teorias educacionais mo<strong>de</strong>rnas para a época, citando o filósofo Montaigne eo pedagogo positivista inglês Herbert Spencer, <strong>de</strong>fensor da educação integral (física,intelectual e moral) e da educação ativa. A visão <strong>de</strong> educação do professor Barbosa mostraalgumas posições claramente oriundas do positivismo evolucionista:A acquisição dos conhecimentos, segundo Spencer, <strong>de</strong>ve ser o resultado daactivida<strong>de</strong> da creança: procuro, por isso, fomentar o <strong>de</strong>senvolvimentoexpontaneo, <strong>de</strong>testo o ensino diss<strong>em</strong>inado por meio <strong>de</strong> doutrinas, adopto osexercicios – syst<strong>em</strong>a fecundo e fertilisador que não entorpece as débeisfaculda<strong>de</strong>s da creança. Abraçando plenamente os preceitos dos mais<strong>em</strong>inentes pedagogistas da actualida<strong>de</strong>, não admitto o habito quasegeralmente adoptado <strong>de</strong> <strong>de</strong>corar. SABER DE COR NÃO É SABER, dizMontaigne. Não tenho por fim expor aqui o meu methodo, as minhas idéasa respeito <strong>de</strong> instrucção: <strong>de</strong>testando os pomposos e falsos reclames, cheio<strong>de</strong> confiança, com os olhos fitos na imag<strong>em</strong> da Pátria, ponho-me ádisposição dos que quizer<strong>em</strong> confiar-me a educação <strong>de</strong> seus filhos(TRIBUNA DO POVO, 05/02/1894, p. 3).Nas duas últimas décadas do século XIX, já como um reflexo da formação <strong>de</strong>professores que ocorria na Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, percebe-se um linguajar pedagógicomuito mais técnico nas <strong>de</strong>clarações escritas feitas pelos diretores e mestres uberabenses. Oconhecimento das novas teorias educacionais transparece <strong>em</strong> alguns anúncios jornalísticos,como o do Colégio Progresso Brasileiro. Essa constatação <strong>de</strong>rruba o estereótipo <strong>de</strong>turpadoque po<strong>de</strong>ríamos ter <strong>em</strong> relação à formação daqueles professores, normalmente imaginadoscomo pessoas <strong>de</strong> pouca instrução, mal informadas e perdidas nos sertões brasileiros.No ano seguinte, segundo o Almanak Uberabense (1895), o panorama educacional <strong>de</strong>


156Uberaba era, <strong>de</strong> forma geral, o seguinte:- Superinten<strong>de</strong>nte da Instrução Pública: Tobias Antonio Rosa- Inspetor: Dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira- Delegado: Elviro <strong>de</strong> NovaesAs escolas públicas eram as seguintes:- Escola Normal, para ambos os sexos, dirigida pelo Prof. Illidio Guaritá- 1ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo masculino: Antonio Pereira <strong>de</strong> Magalhães. Segundo Teixeira (2001), esseprofessor era originário <strong>de</strong> Ouro Preto e sua escola localizava-se na rua Vigário Silva, esquinacom a atual rua Segismundo Men<strong>de</strong>s, no local on<strong>de</strong> existe atualmente um prédio com váriosestabelecimentos, <strong>de</strong>ntre os quais o Salão Dom Fernan<strong>de</strong>s.- 2ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo masculino: Cecílio Antonio da Silva- 1ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo f<strong>em</strong>inino: D. Evarista Mo<strong>de</strong>sta dos Santos. Sua escola estava instalada naesquina das atuais ruas Manoel Borges e Major Eustáquio, no ponto on<strong>de</strong> funcionou areven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> veículos Derenusson S/A (TEIXEIRA, 2001).- 2ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo f<strong>em</strong>inino: D. Maria M. França- Escola Municipal Noturna: Prof. Joaquim Abbadia Fontoura. Esse professor era um exalunoda Escola Normal uberabense e é <strong>de</strong>scrito por Teixeira (2002, p. 139) como “o mestreque usava cavanhaque, vindo <strong>de</strong> Monte Alegre <strong>de</strong> Minas, residia no prédio da MaçonariaVelha, entre seus alunos os filhos do agrônomo al<strong>em</strong>ão, Dr. Maurício Fritz Draenert, Diretordo Instituto Zootécnico, e Zico Soares”.Segundo a mesma fonte, a instrução particular era, <strong>em</strong> 1895, composta pelos seguintesestabelecimentos: Colégio Uberabense (ensino primário e secundário), dirigido pelo Dr.Joaquim Manuel Bernar<strong>de</strong>s; Colégio Nossa Senhora das Dores, dirigido pelas IrmãsDominicanas; e uma escola para meninas, dirigida pela Profª Anna Soares (ALMANAKUBERABENSE, 1895).Funcionava, também, no município, uma única escola estadual, para alunos do sexomasculino, na localida<strong>de</strong> conhecida como Cassu, e cuja ca<strong>de</strong>ira era ocupada pelo Prof.Martinho B. <strong>de</strong> Moura (ALMANAK UBERABENSE, 1895). Com essa atuação inexpressivano sist<strong>em</strong>a escolar uberabense, o governo mineiro fazia também algumas tímidascontribuições para o município, como é o caso da doação <strong>de</strong> livros escolares. Em 1894, porex<strong>em</strong>plo, um jornal local anunciou: “O nosso presado amigo e distincto companheiro <strong>de</strong>trabalhos Desi<strong>de</strong>rio Ferreira <strong>de</strong> Mello acaba <strong>de</strong> ser distinguido pelo illustre secretario doInterior dr. Silviano Brandão, com a honrosa incumbência da distribuição dos livros escolares


157<strong>de</strong>stinados aos alumnos pobres que freqüentam as aulas primarias neste município.”(TRIBUNA DO POVO, 05/09/1894, p. 1). Naquela ocasião, o governo estadual enviou 240livros didáticos para ser<strong>em</strong> distribuídos entre os alunos das escolas do município.No final do século XIX, iniciou-se, também, a trajetória do ensino superior <strong>em</strong>Uberaba: <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 1895, começava a funcionar o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba,instituição <strong>de</strong> ensino voltada para a formação <strong>de</strong> engenheiros agrônomos. No ano seguinte, oS<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz iniciava as suas ativida<strong>de</strong>s. Embora ambas as instituições <strong>de</strong> ensinotenham tido vida efêmera, trouxeram gran<strong>de</strong> contribuição para a socieda<strong>de</strong> local, comover<strong>em</strong>os <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada mais adiante neste trabalho.Figura 3.6 – Vista da Praça da Matriz (1894)Fonte: Câmara Municipal <strong>de</strong> UberabaCom relação à educação básica, além das escolas públicas e particulares já citadas,também as entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe e as socieda<strong>de</strong>s representativas das colônias estrangeiras dacida<strong>de</strong> costumavam manter escolas junto às suas se<strong>de</strong>s. Em 16/05/1897, uma socieda<strong>de</strong>espanhola <strong>de</strong> socorro mútuo abriu uma pequena escola para os filhos <strong>de</strong> seus sócios, conformenoticiou a imprensa local:


158A socieda<strong>de</strong> hespanhola <strong>de</strong> Socorros Mútuos, <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, inaugurou nodia 16 do corrente no predio <strong>de</strong> suas sessões, uma eschola <strong>de</strong> primeiraslettras para o ensino gratuito dos filhos dos seus associados. Assistimosáquelle acto, que foi presidido pelo digno vice-presi<strong>de</strong>nte sr. Marçal Ponce,o qual, ao abrir a sessão proferiu um belíssimo discurso sobre oacontecimento do dia. Falou <strong>em</strong> seguida o sr. Eduardo Hernan<strong>de</strong>z, que é oprofessor da eschola. [...] O sr. F. <strong>de</strong> Lannes, <strong>em</strong> nome do TriânguloMineiro, saudou a directoria daquella socieda<strong>de</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po quefelicitava a digna colônia hespanhola pela abertura <strong>de</strong> tão necessáriaeschola, que vai prestar relevantes serviços á juventu<strong>de</strong> (TRIÂNGULOMINEIRO, 21/05/1897, p. 2).Também a socieda<strong>de</strong> italiana Fratelanza Italiana manteve, no início do século XX,uma escola noturna regida pelo professor Honório Guimarães (ALMANACHUBERABENSE, 1907).Em 07/01/1899, a ex-aluna da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, Salvina Umbellina Barra,futura esposa <strong>de</strong> Hil<strong>de</strong>brando Pontes, fundou uma escola primária mista <strong>de</strong>nominadaExternato Salvina, que se conservou, com pequenos lapsos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, até 15/01/1921,quando se transformou no Externato Santa Filomena (PONTES, 1992). A escola funcionavana atual Praça Santa Terezinha, bairro Fabrício, no local on<strong>de</strong> é hoje a Casa Paroquial dosPadres Capuchinhos (TEIXEIRA, 2001).Segundo Mendonça (1974), no ano <strong>de</strong> 1899, foi criada uma nova escola para meninas,o Colégio Maria Isabel, fundado pelo Sr. Antônio Joaquim Pinto da Fonseca e dirigido porsua filha, D. Maria Isabel Coutinho da Fonseca. A imprensa local assim noticiou a chegadados fundadores da escola a Uberaba:Acabam <strong>de</strong> chegar a esta cida<strong>de</strong> o sr. Antonio Joaquim Pinto da Fonseca esua dilecta filha a exma. Sra. D. Maria Isabel Coutinho da Fonseca, cunhadae sogro do sr. Alberto <strong>de</strong> Moraes Castro, tabellião substituto do 2º officio<strong>de</strong>ste foro. A exma sra. d. Maria Isabel, que dirigiu <strong>em</strong> Tres Pontas umexcelente collegio, preten<strong>de</strong> fundar aqui um outro para meninas e, segundosomos informados, t<strong>em</strong> os mais sobejos requisitos para o espinhosoministério a que se <strong>de</strong>dica. O seu velho pai foi professor da Escola Normaldaquella cida<strong>de</strong> e dirigiu alguns collegios <strong>em</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora e Rio <strong>de</strong> Janeiro,com muita aptidão (GAZETA DE UBERABA, 14/05/1899, p. 1)A escola, que possuía os ensinos primário e secundário, tinha como professoresAntonio Joaquim P. Fonseca, Joaquim Dias Soares, Atanásio Saltão, D. Maria Isabel C.Fonseca, Maria Ameno Ribeiro e Joaquina Gomes, e funcionou por apenas seis anos. Ficavano Largo da Matriz, esquina da rua São Sebastião, no local on<strong>de</strong> posteriormente foi erguidaresidência do Cel. João Caetano Borges 89 (TOTI, 1956). O colégio foi fechado no início <strong>de</strong>89 Nesse local funciona atualmente o bar-restaurante München Pub, além <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> lojas.


1591906, com a mudança dos proprietários para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Águas <strong>de</strong> São Lourenço (LAVOURAE COMÉRCIO, 11/01/1906, p. 3).Também <strong>em</strong> 1899, conforme cita Bilharinho (1983), o professor João D<strong>em</strong>ervil <strong>de</strong>Miranda fundou um colégio que recebeu o nome <strong>de</strong> Ateneu Uberabense. Sua inauguraçãoteria ocorrido no dia 1º <strong>de</strong> maio e nele estudou, no período <strong>de</strong> 1899 a <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1901, ofuturo médico Dr. Norberto <strong>de</strong> Oliveira Ferreira.Outra pequena casa <strong>de</strong> instrução que funcionou <strong>em</strong> Uberaba, no período próximo àmudança <strong>de</strong> século, foi a escola <strong>de</strong> Dona Ermelinda Des Genettes, professora que era filha doDr. Henrique Raimundo Des Genettes, ilustre figura da história da cida<strong>de</strong>. A escolafuncionava na Rua do Rosário 90 , nº 26. Estudou na escola, apren<strong>de</strong>ndo as primeiras letras, ohistoriador ítalo-uberabense Gabriel Toti (TOTI, 1956). D. Ermelinda Des Genettes eraprofessora <strong>de</strong> piano e leitura, viúva <strong>de</strong> Manoel Lino da Trinda<strong>de</strong>, e faleceu <strong>em</strong> 1899, nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jundiaí – SP (ALMANACH UBERABENSE, 1908).Conforme já ressaltamos anteriormente, além das escolas regularmente estabelecidas,e continuando a tradição vinda do Império, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> professores particularesprocurava ocupar o vácuo <strong>de</strong>ixado pela insuficiente re<strong>de</strong> escolar existente na cida<strong>de</strong>.Anúncios <strong>de</strong> mestres oferecendo seus serviços <strong>em</strong> domicílio, como o mostrado a seguir, eramfreqüentes nos jornais da época.PROFESSOR - Offerece-se um para ensinar primeiras lettras, cursoprimário el<strong>em</strong>entar e compl<strong>em</strong>entar, quer particularmente nesta cida<strong>de</strong>, ouna roça. Qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>sejar mais informações, dirija-se á rua <strong>de</strong> S. Miguelprocurando por Botelho Torrezão (TRIÂNGULO MINEIRO, 14/01/1899,p. 4).Em alguns anúncios, percebe-se a situação precária e a <strong>de</strong>svalorização que, tambémnaquela época, caracterizavam a profissão docente. No anúncio a seguir, um professoroferece-se para mudar-se para a região <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> melhores condiçõesprofissionais:Mario Chaves – que t<strong>em</strong> sido professor <strong>em</strong> alguns estabelecimentos <strong>de</strong>ensino e <strong>em</strong> casa particulares, no Ceará, <strong>em</strong> Pernambuco (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> é natural)e no Rio <strong>de</strong> Janeiro; director <strong>de</strong> collegio <strong>em</strong> S. João Nepomuceno, <strong>em</strong> TrêsPontas e nesta cida<strong>de</strong>; com todo o curso <strong>de</strong> preparatório e longa prática domagistério; <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> retirar-se para uma cida<strong>de</strong> adiantada e <strong>de</strong> melhorclima, offerece se aos srs. paes, mediante contracto razoavel, paraencarregar-se da instrucção <strong>de</strong> seus filhos, ensinando mesmo <strong>em</strong> algumafazenda on<strong>de</strong> tenha commodida<strong>de</strong>s separadas para a sua família e melhoresvantagens profissionaes. Prepara alumnos para exames <strong>em</strong> collegios,90 Atual avenida Presi<strong>de</strong>nte Vargas.


160Escolas Normaes, Liceus, Gymnasios; etc. e dá <strong>de</strong> si as melhoresreferencias ou attestados do seu modo <strong>de</strong> ensino, aptidões e comportamento(LAVOURA E COMÉRCIO, 14/05/1905, p. 3).No caso do anúncio anterior, o professor parece sujeitar-se a qualquer <strong>em</strong>prego quepossa prover o sustento básico <strong>de</strong> sua família. Mesmo com uma larga experiência nomagistério e na direção <strong>de</strong> escolas, o prof. Mário Chaves via-se na condição <strong>de</strong> umprofissional <strong>de</strong>svalorizado, o que, s<strong>em</strong> dúvida, reduzia a sua auto-estima. Essa situação eracomum à imensa maioria dos professores daquela época e, lamentavelmente, é uma imag<strong>em</strong>atual ainda hoje, no século XXI.Outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mestres particulares que atuavam na cida<strong>de</strong> eram os professores<strong>de</strong> música, normalmente <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> italiana ou francesa. No anúncio a seguir, transcrito<strong>de</strong> um jornal local, o maestro Renato Frateschi, fundador do primeiro conservatório musical<strong>de</strong> Uberaba, oferece-se para ministrar aulas particulares:Mestre <strong>de</strong> piano e banda <strong>em</strong> varios institutos <strong>de</strong> educação, dá licções <strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos musicaes e <strong>de</strong> harmonia, como também <strong>de</strong> piano e instrumentos<strong>de</strong> banda, <strong>em</strong> sua residência ou no domicilio dos discípulos. Uberaba – Ruado Commercio, 26. (LAVOURA E COMÉRCIO, 05/03/1905, p. 3)Como foi o caso <strong>de</strong> Renato Frateschi, alguns poucos professores particulares – <strong>em</strong>esmo <strong>de</strong> professores pertencentes às re<strong>de</strong>s particular e oficial <strong>de</strong> ensino – conseguiramevoluir profissionalmente, passando à condição <strong>de</strong> <strong>em</strong>presários do setor educacional. Mas,mesmo nesses casos, poucos foram os que conseguiram êxito nos novos <strong>em</strong>preendimentos,uma vez que, conforme já tratamos, eram muitas as dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> se manter<strong>em</strong> abertos ospequenos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino privados.A principal instituição <strong>de</strong> ensino masculina <strong>de</strong> Uberaba também nasceu no final doséculo XIX: <strong>em</strong> 06/11/1899, com o final das ativida<strong>de</strong>s do S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz, o PadreCelidonio Mateo resolveu abrir um externato no prédio on<strong>de</strong> funcionara o s<strong>em</strong>inário. EsseExternato, sob a direção dos padres agostinianos, funcionou até 1902 e tinha o nome <strong>de</strong>Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus. No final do ano <strong>de</strong> 1902, a convite dobispo Dom Eduardo, uma caravana <strong>de</strong> Irmãos Maristas, li<strong>de</strong>rados pelos Irmãos Adorátor eGondulfo, <strong>em</strong>barcou <strong>de</strong> São Paulo com <strong>de</strong>stino a Uberaba. Após breve negociação, osmaristas acabaram assumindo a direção do Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesuse, sob essa nova administração, as aulas iniciaram-se no dia 03 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1903, com 86alunos. Aos poucos, foram chegando mais estudantes, <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s, que somaram, aofinal daquele ano, quase 150 alunos. Nos anos seguintes, o colégio passou por um rápido


161crescimento, tornando-se uma referência regional <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> ensino, e recebendo criançasvindas <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s diversas e até distantes.Depois <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> um ano sob a direção dos maristas, no dia 16/04/1904, oColégio Diocesano foi equiparado ao Ginásio Nacional. Essa notícia foi assim publicada <strong>em</strong>um jornal local:Como já era esperado, foi assignado pelo presi<strong>de</strong>nte da Republica, no dia 16do corrente, o <strong>de</strong>creto equiparando ao Gymnasio Nacional o Collegio doSagrado Coração <strong>de</strong> Jeus, <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> alguns mezes o nosso Bispo,o exmo. e revmo. sr. d. Eduardo Duarte Silva, se esforçava por obter dogoverno fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong> prol do alludido collegio essa vantag<strong>em</strong> queredundando <strong>em</strong> b<strong>em</strong> <strong>de</strong> toda a região do interior, favorece especialmente aesta cida<strong>de</strong>. [...] As vantagens <strong>de</strong>correntes da equiparação são muitas eprofícuas, não carecendo <strong>de</strong> elucidações patentes. O nosso Gymnasiotornar-se-á uma bella e abundante colméia on<strong>de</strong> a mocida<strong>de</strong> da nossa zonavirá haurir os necessarios conhecimentos que habilit<strong>em</strong> a cursar comproveito as diversas aca<strong>de</strong>mias e escolas superiores do paiz (LAVOURA ECOMERCIO, 21/04/1904, p. 1).Figura 3.7 – Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus (foto <strong>de</strong> 1909)Fonte: Arquivo do Colégio MaristaO Almanach Uberabense (1905) nos dá uma visão da educação uberabense no ano <strong>de</strong>1903. Segundo essa fonte, naquela ocasião, a re<strong>de</strong> escolar da cida<strong>de</strong> era a seguinte:- Escola Normal, para ambos os sexos, dirigida interinamente pelo vice-diretor, Prof. Antônio


162Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oliveira Coutinho.As escolas estaduais eram as seguintes:- 1ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo masculino: Prof. Antonio Pereira <strong>de</strong> Magalhães, rua Vigário Silva, nº 8- 2ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo masculino: Prof. Fernando <strong>de</strong> Araújo Vaz <strong>de</strong> Mello, rua Santa RitaDurão, nº 2. Esse professor era formado pela Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba e, segundo Teixeira(2001), era filho <strong>de</strong> Quincas Vaz e tinha a fama <strong>de</strong> ser um mestre muito severo.- 1ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo f<strong>em</strong>inino: D. Evarista Mo<strong>de</strong>sta dos Santos- 2ª Ca<strong>de</strong>ira do sexo f<strong>em</strong>inino: D. Carolina Augusta da Silva, rua do Carmo, nº 8A relação <strong>de</strong> professores municipais havia crescido bastante, <strong>em</strong> relação ao ano <strong>de</strong> 1895:Joaquim Flavio <strong>de</strong> Lima, praça Commendador Quintino, 16D. Laurinda Augusta <strong>de</strong> Moura, rua Pires <strong>de</strong> Campos, 2Moysés <strong>de</strong> Paula Leão, CassúSimplicio Pinto da Silva, rua das MercêzBanedicto Alves Moreira, Fazenda da BaixaFelício <strong>de</strong> Paiva, Fazenda dos Três CórregosManoel <strong>de</strong> Almeida, Fazenda dos Pintos(ALMANACH UBERABENSE, 1905, p. 59)As escolas particulares eram as seguintes (ALMANACH UBERABENSE, 1903):- D. Anna Francisca <strong>de</strong> Jesus, rua do Comércio, nº 44- D. Bertolina dos Santos, rua do Commercio, nº 42- Joaquim Abbadia Fontoura, rua 24 <strong>de</strong> Fevereiro, nº 8Em 1904, foi aberto um novo externato, dirigido pela Profª Celina Soares <strong>de</strong> Paiva,normalista. A escola, <strong>de</strong>nominada Externato Celina, funcionava na Rua Guttenberg 91 , esquinacom Rua São Sebastião. Conforme dizia um anúncio publicitário da época, “No ExternatoCelina ensinam-se materias primarias, portuguez, francez, arithmetica, Historia do Brazil,geografia e trabalhos domesticos” (LAVOURA E COMÉRCIO, 09/10/1904, p. 2). Nada maisconseguimos apurar a respeito <strong>de</strong>sse estabelecimento.Outro importante acontecimento cultural, ocorrido nos primeiros anos do século XX,foi a fundação do Grêmio Literário Bernardo Guimarães, <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1904. O grêmio foio <strong>em</strong>brião da futura biblioteca pública <strong>de</strong> Uberaba, também batizada com o nome do ilustreescritor mineiro. A imprensa local assim noticiou o fato:Realizou-se domingo ultimo a esperada reunião tendo comparecido no salãonobre do edifício da Escola Normal numero legal para se fundar um gr<strong>em</strong>iolitterario. A nova agr<strong>em</strong>iação recebeu o nome <strong>de</strong> Grêmio LitterarioBernardo Guimarães. O resultado da eleição foi satisfatorio, tendo sido91 Em 1916, essa via pública teve o nome mudado para rua Senador Pena, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao ilustre políticouberabense do século XIX (PONTES, 1970).


163eleitos por maioria <strong>de</strong> votos os seguintes senhores: dr. J. Felício Buarque,presi<strong>de</strong>nte; vice-presi<strong>de</strong>nte, dr. João Morethzon; 1º secretario, HonórioGuimarães; 2º, Arlindo Costa; orador official, dr. Fi<strong>de</strong>lis dos Reis;substituto do orador, Francisco Jardim; 1º thesoureiro, Q. Jardim Junior; 2º,João Honório Ribeiro Rosa Junior; procurador, José Rodrigues <strong>de</strong> Paula;bibliothecario João da Costa Guimarães (LAVOURA E COMÉRCIO,18/02/1904, p. 2)Também <strong>em</strong> 1904, as Irmãs Dominicanas, proprietárias do Colégio Nossa Senhoradas Dores, inauguraram, no bairro do Fabrício, um novo externato, <strong>de</strong>stinado, principalmente,a crianças carentes, o qual foi <strong>de</strong>nominado Externato da Immaculada Conceição 92 .Justificando a abertura do externato, as irmãs apontaram o fato <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong> distânciaexistente entre o Colégio Nossa Senhora das Dores e o bairro Fabrício dificultava às criançasa freqüência às aulas no colégio, principalmente na estação chuvosa (LAVOURA ECOMÉRCIO, 08/12/1904). O externato foi instalado na praça Santa Bárbara 93 e, logo <strong>de</strong>inicio, recebeu um contingente <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 90 alunas. Conseguimos registros <strong>de</strong> seufuncionamento até o ano <strong>de</strong> 1935 (LAVOURA E COMÉRCIO, 12/10/1935).Perceb<strong>em</strong>os que, no período <strong>de</strong> 1881 a 1905, a educação primária e secundária <strong>de</strong>Uberaba foi marcada por um consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> iniciativas, na maior parte das vezesefêmeras e geralmente encabeçadas por m<strong>em</strong>bros da socieda<strong>de</strong> civil. Por outro lado,assistimos, no período, à sólida implantação das instituições <strong>de</strong> ensino mantidas pela IgrejaCatólica, as quais iriam dominar o cenário educacional uberabense nas décadas seguintes.Com relação aos professores que atuaram <strong>em</strong> Uberaba naquele período, é notório que,com a instalação da Escola Normal na cida<strong>de</strong>, houve uma elevação substancial no nível <strong>de</strong>instrução <strong>de</strong>sses profissionais. Em contraposição aos mestres leigos, s<strong>em</strong> formação específicapara o magistério, que prepon<strong>de</strong>raram durante quase toda a era imperial, <strong>em</strong>ergia uma novacategoria <strong>de</strong> professores normalistas, muitos <strong>de</strong>les <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> uma boa cultura pedagógica.Num momento <strong>em</strong> que a cida<strong>de</strong> passava por um período <strong>de</strong> crescimento nas ativida<strong>de</strong>seconômicas e a burguesia urbana expandia os seus domínios, foi necessária a formação <strong>de</strong>ssenovo professor, figura essencial ao mo<strong>de</strong>rno mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola republicana.Entretanto, apesar da aparente valorização do professor, o que se viu, na prática, foium quadro que pouco diferia do que acontecera no Império. Nos primeiros t<strong>em</strong>pos daRepública, mesmo com a elevação do nível dos professores atuantes <strong>em</strong> Uberaba, prosseguiaa precarização do magistério: normalmente submetidos a péssimas condições <strong>de</strong> trabalho,92 Em seguida, o externato teve o nome mudado para Externato Santa Bárbara.93 Em 1918, essa praça teve o nome mudado para praça Aristi<strong>de</strong>s Borges e, posteriormente, para praça SantaTerezinha (PONTES, 1970).


164obrigados a exercer a profissão docente <strong>em</strong> troca <strong>de</strong> um salário aviltante, os novos professoresuberabenses, à s<strong>em</strong>elhança do que faziam seus antecessores, continuavam a abraçar omagistério mais por amor ou sacerdócio (ou por falta <strong>de</strong> uma melhor opção), do que pelacompensação financeira que pu<strong>de</strong>sse advir daquela ativida<strong>de</strong> profissional.3.3 A primeira Escola Normal: o início da formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> UberabaAté o início da década <strong>de</strong> 1870, a formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Minas Gerais estavarestrita à Escola Normal <strong>de</strong> Ouro Preto. Entretanto, conforme l<strong>em</strong>bra Muniz (2003), mesmoessa escola era objeto <strong>de</strong> constantes reformulações curriculares, vincadas pelos traços da<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e da improvisação, <strong>de</strong>correntes das muitas reformas realizadas na instruçãopública. Com um mo<strong>de</strong>lo curricular que privilegiava o ensino <strong>de</strong> conteúdos a ser<strong>em</strong>repassados aos alunos, <strong>em</strong> contraposição à quase ausência <strong>de</strong> disciplinas pedagógicas, a únicaescola normal oficial mineira era alvo <strong>de</strong> muitas críticas, como a do próprio Presi<strong>de</strong>nte daProvíncia, J. C. Teixeira da Mota (1862), que fez a seguinte avaliação:Uma escola normal não <strong>de</strong>ve ser, como aqui se ensaiou, e como muitos aenten<strong>de</strong>m, um exercício material e meramente prático, on<strong>de</strong> o professor váapren<strong>de</strong>r <strong>em</strong>piricamente para <strong>de</strong> igual modo ensinar; mas sim um cursoregular <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>s, capaz <strong>de</strong> fornecer ao candidato o complexo <strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos precisos para a obra do ensino e educação da mocida<strong>de</strong> [...] (apudMUNIZ, 2003, p. 304-305)A partir <strong>de</strong> 1872, após uma reforma na instrução pública, iniciou-se um processo <strong>de</strong>instalação <strong>de</strong> novas escolas normais <strong>em</strong> Minas, as quais <strong>de</strong>veriam fornecer a mão-<strong>de</strong>-obradocente necessária à expansão da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino provincial. Como já vimos anteriormente,naquele período foram criadas as seguintes escolas normais: Campanha (1872), Diamantina(1879), Paracatu (1880), Montes Claros (1880), Uberaba (1881) e Sabará (1882).Pela nova estruturação das escolas normais, o currículo foi distribuído <strong>em</strong> dois anos <strong>de</strong>curso, compreen<strong>de</strong>ndo disciplinas <strong>de</strong> cunho humanístico, associadas às <strong>de</strong> caráter prático:instrução moral e religiosa; gramática da língua nacional (exercícios <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> clássicos<strong>em</strong> prosa e verso, redação, exercícios caligráficos); aritmética (sist<strong>em</strong>a métrico, el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>geometria plana); noções gerais <strong>de</strong> geografia e história (geografia e história do Brasil,principalmente <strong>de</strong> Minas, leitura refletida da constiuição política do Império); pedagogia elegislação do ensino; <strong>de</strong>senho linear; e música. Essa estrutura permaneceu inalterada até a


165reforma <strong>de</strong> 1879, que introduziu pequenas modificações 94 (MUNIZ, 2003).Segundo Mendonça (1974), a criação da primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba<strong>de</strong>veu-se ao <strong>em</strong>penho do representante local na Ass<strong>em</strong>bléia Provincial <strong>de</strong> Minas Gerais, o<strong>de</strong>putado Joaquim José <strong>de</strong> Oliveira Pena 95 , filiado ao Partido Liberal. Aproveitando-se <strong>de</strong> seubom relacionamento com o governo provincial, que, na época, tinha à frente o Presi<strong>de</strong>nteJoaquim José <strong>de</strong> Sant’Anna, também m<strong>em</strong>bro do Partido Liberal, o <strong>de</strong>putado <strong>de</strong> Uberaba teriaconseguido a aprovação da Lei Provincial nº 2.783 (Anexo 1), <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1881,criando a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, já com um curso <strong>de</strong> três anos. Diz um trecho da lei:Artigo 1º – É creada uma escola normal na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba,<strong>de</strong>stinada à preparação <strong>de</strong> pessoas que se <strong>de</strong>stinar<strong>em</strong> ao magistério.§ 1º – O curso da escola será <strong>de</strong> três anos, compreen<strong>de</strong>ndo as matériasque formam o curso normal da capital, e distribuídas pela mesma forma.§ 2º – Po<strong>de</strong>rão ser admitidas à matrícula e freqüentar o curso pessoas <strong>de</strong>ambos os sexos, sendo as respectivas lições dadas promìscuamente.§ 3º – Esta escola formará uma sexta se<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunscrição literária daprovíncia, e nela haverá um curso anexo, com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> escolaprática, subordinado às mesmas regras da escola prática <strong>de</strong>sta capital.(SAMPAIO, 1971, p. 383)Conforme po<strong>de</strong> ser notado, a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, assim como as <strong>de</strong>maismantidas pela província, era mista, com rapazes e moças freqüentando promiscuamente umamesma sala <strong>de</strong> aula, o que era algo revolucionário para a época. Entretanto, essa reunião <strong>de</strong>alunos <strong>de</strong> ambos sexos era apenas parcial, haja vista que, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com oRegulamento nº 84 das Escolas Normais mineiras, <strong>de</strong> 21/03/1879, o curso normal seria “[...]freqüentado simultaneamente pelos alumnos mestres <strong>de</strong> ambos os sexos, havendo para issonas respectivas salas as necessárias divisões [...]” (MUNIZ, 2003, p. 298). Em outras palavras,as escolas normais dividiam o espaço físico da sala <strong>de</strong> aula, colocando moças <strong>de</strong> um lado erapazes <strong>de</strong> outro, sob a regência <strong>de</strong> um mesmo professor. Por outro lado, mantendo umatradição secular, a escola primária anexa dividia-se <strong>em</strong> salas <strong>de</strong> aula do sexo masculino,regidas por um professor, e as f<strong>em</strong>ininas, tendo à frente uma professora.A inauguração da Escola Normal ocorreu no dia 15/07/1882, já durante o governoprovincial <strong>de</strong> Teófilo Otoni, sendo que o major Joaquim José e Oliveira Pena foi nomeado seu94 Dentre outras modificações, a reforma <strong>de</strong> 1879 <strong>de</strong>terminou que os alunos das escolas normais, nas aulaspráticas <strong>de</strong> ambos os sexos anexas às escolas, praticass<strong>em</strong> exercícios <strong>de</strong> caligrafia, ortografia e prática <strong>de</strong> ensino.Para as alunas, além das ativida<strong>de</strong>s anteriores, incluía-se ainda a aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> agulha eeconomia doméstica (MUNIZ, 2003).95 O major Pena, como era conhecido, foi o principal expoente político <strong>de</strong> Uberaba na década <strong>de</strong> 1880. Moraes(1999), que o conheceu <strong>em</strong> 1881, afirma que Joaquim Pena era incontestavelmente o oráculo do Partido Liberaluberabense, graças à sua inteligência e aos seus serviços relevantes. Foi <strong>de</strong>putado provincial no biênio 1880-1881 e senador do Congresso Constituinte Mineiro <strong>de</strong> 1891 a 1898 (LAVOURA E COMÉRCIO, 23/02/1902).


166primeiro diretor. A solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inauguração da Escola Normal, animada pela Banda <strong>de</strong>Música Uberabense, regida pelo maestro José Maria do Nascimento, recebeu váriasautorida<strong>de</strong>s e m<strong>em</strong>bros da socieda<strong>de</strong> local. O major Joaquim José <strong>de</strong> Oliveira Pena <strong>de</strong>clarouinstalada a escola e tomou posse do cargo, assim como os <strong>de</strong>mais professores e funcionários(SAMPAIO, 1971). O jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, ligado ao Partido Conservador, assimnoticiou a instalação da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba:De conformida<strong>de</strong> com a lei n. 2.815, mandou-se installar nesta escola,sendo para esse fim marcado o dia 15 <strong>de</strong> Julho p. futuro.Para occupar<strong>em</strong> os lugares <strong>de</strong> professores e <strong>de</strong>mais <strong>em</strong>pregos, foramnomeados:Director, o Major Joaquim José <strong>de</strong> Oliveira Penna, igualmente nomeadoinspector do 21º circulo litterario, <strong>em</strong> substituição do Dr. Illidio SalathielGuarita.Professor <strong>de</strong> instrucção moral e religiosa, pedagogia e historia sagrada,o Dr. Thomaz Pimentel <strong>de</strong> Ulhôa.Dito <strong>de</strong> portuguez, Joaquim Antonio Gomes da Silva.!!!!!!!!!!!!Dito <strong>de</strong> arithmetica, Illidio Salathiel dos Santos.Dito <strong>de</strong> geometria e <strong>de</strong>senho linear, Rufino José <strong>de</strong> OliveiraPena.!!!!!!!!!!!!!!!Dito <strong>de</strong> historia e geographia do Brasil o Dr. Illidio Salathiel Guarita.Dito <strong>de</strong> aula pratica respectiva, Joaquim Rodrigues Cor<strong>de</strong>iro.Porteiro-continuo, Antonio Vicente da Silveira.(GAZETA DE UBERABA, 16/07/1882, p. 2)No artigo acima transcrito, percebe-se a crítica mordaz (representada pelos pontos <strong>de</strong>exclamação) à nomeação <strong>de</strong> alguns cidadãos ligados ao Partido Liberal e que, supostamente,não teriam competência suficiente para ocupar os cargos.Para abrigar a nova Escola Normal, foi alugado um sobrado localizado na Rua <strong>de</strong>Padre Antônio (atual rua Major Eustáquio), na la<strong>de</strong>ira situada entre as ruas São Sebastião eGran<strong>de</strong> (atual rua Manoel Borges). O acanhado imóvel on<strong>de</strong> se instalou a escola foi, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício, criticado pela imprensa conservadora. Num artigo <strong>de</strong> 1883, que retrata satiricamente aposse do novo diretor da escola, a Gazeta <strong>de</strong> Uberaba assim caracteriza fisicamente o prédioe seus arredores:A rua <strong>de</strong> ***, ordinariamente pouco freqüentada, vê-se nesse dia quase quecheia <strong>de</strong> pessoas, umas sentadas, outras <strong>de</strong> cocoras, outras mais <strong>de</strong>itadassobre a relva <strong>de</strong> gramíneas e vassouras que a exornam <strong>em</strong> toda sualongitu<strong>de</strong> e latitu<strong>de</strong>. É que vae a pacifica via publica ser test<strong>em</strong>unha <strong>de</strong>esplendida sol<strong>em</strong>nida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>nte e s<strong>em</strong> rival nas legendas <strong>de</strong>stacida<strong>de</strong>. É que nella está situado um mo<strong>de</strong>sto sobradinho, acanhado,rachitico, mas que a instituição que nelle funcciona, apparent<strong>em</strong>entenobilita e exalça. É que alli, <strong>em</strong> uma palavra, está situada a Eschola Normal.(GAZETA DE UBERABA, 10/05/1883, p. 1)O major Pena permaneceu por pouco t<strong>em</strong>po à frente da escola, já que, <strong>em</strong> 12/04/1883,


167por um ato do governo do estado, Antônio Borges Sampaio foi nomeado para ocupar oscargos <strong>de</strong> inspetor municipal da instrução pública e <strong>de</strong> diretor da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba(SAMPAIO, 1971). Parte da imprensa local, ligada ao Partido Conservador, criticouduramente essa nomeação, tachando-a <strong>de</strong> política e apontando a falta <strong>de</strong> preparo <strong>de</strong> Sampaiopara assumir aquela função, além <strong>de</strong> ressaltar o fato <strong>de</strong> o novo diretor ter acumulado os cargos<strong>de</strong> inspetor da instrução, <strong>de</strong> promotor público, <strong>de</strong> curador geral <strong>de</strong> órfãos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado doconsulado português, <strong>de</strong> advogado e, ainda, <strong>de</strong> atuar como farmacêutico.E po<strong>de</strong>rá o Sr. Sampaio <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar tantos cargos s<strong>em</strong> prejuízo do serviçopublico? Depois quer<strong>em</strong> clamar contra o atrazo da intrucção publica naprovíncia! Collocar á sua frente homens quase analphabetos, e <strong>de</strong>sejar o seuprogresso, é o mesmo que preten<strong>de</strong>r lançar o mar <strong>em</strong> uma cisterna!(GAZETA DE UBERABA, 10/05/1883, p. 1)Em outra edição, o mesmo jornal assim <strong>de</strong>screve o novo diretor:[...] o Sr. Antonio Borges Sampaio, ignorante que só conhece o Portuguezel<strong>em</strong>entar, a rabulice e as quatro operações da arithmetica; partidárioenragé, que tudo sacrifica á satisfação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança ouprotecção, era o menos apto para ser collocado á frente <strong>de</strong>ssa instituição querequer para m<strong>em</strong>bros homens <strong>de</strong> instrucção sólida e <strong>de</strong> animo <strong>de</strong>sprevenidoe calmo! (GAZETA DE UBERABA, 25/06/1883, p. 1)Por vários dias, o jornal não <strong>de</strong>u tréguas ao novo diretor da escola, procurando mostrara falta <strong>de</strong> formação escolar do mesmo e publicando diariamente po<strong>em</strong>as <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> BorgesSampaio. Mostrando a simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses po<strong>em</strong>as, o jornal tentava expor o novo diretor daEscola Normal ao ridículo, conforme po<strong>de</strong>mos notar <strong>em</strong> um <strong>de</strong>sses artigos:“Olhe, senhor Vigilante:O Basílio da Gazeta,T<strong>em</strong> tido seu Ajudante,Jogrador <strong>de</strong> muita peta:Zé da Vestia Salomão;Arlequino e paspalhão;Marombeiro e jogralhão;Da M<strong>em</strong>óriaDo Basílio capadocio;Mas que meche na panella,Para ser cozido Nella,Por ócio.Diga’ao sôr Palmatória,Que tal Onça,T<strong>em</strong> por lá cousa esconsa,Que pô<strong>de</strong> ir do companheiro,Pau <strong>de</strong> dous bicos,Ao Basílio jogralheiro,Côa a toada dos picos;Assim ter continuança,N’esta jogrança.” [...]


168Um hom<strong>em</strong> serio e instruído escreve neste theor? Um cérebro mais oumenos organisado po<strong>de</strong> produzir tanta asnida<strong>de</strong>? Servirá para dirigir umestabelecimento <strong>de</strong> instrucção qualquer individuo, que t<strong>em</strong> a corag<strong>em</strong> <strong>de</strong>fazer publicar pela imprensa as asnida<strong>de</strong>s e sandices, <strong>de</strong> que se compõe essamonstruosida<strong>de</strong> acima transcripta? (GAZETA DE UBERABA, 16/05/1883,p.1)Na verda<strong>de</strong>, as críticas envolvendo funcionários das escolas normais eram antigas,principalmente no que se refere à sua formação. O preenchimento das ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>ssas escolascom professores qualificados, com formação para o magistério, era uma tarefa difícil <strong>em</strong> faceda escassez <strong>de</strong>sses profissionais, o que, por sua vez, era fruto dos baixos rendimentos que adocência propiciava. Borges (2005, p. 250) l<strong>em</strong>bra que a idéia <strong>de</strong> que o “o professor trabalhapor amor e <strong>de</strong>voção, não por dinheiro” era antiga e se fazia presente no final do século XIX.Talvez esse prazer pelo magistério explique o fato l<strong>em</strong>brado por um parlamentar, <strong>em</strong> umasessão realizada no dia 22/06/1892, na Ass<strong>em</strong>bléia mineira, na qual ele ressalta que:Des<strong>de</strong> muitos annos os logares <strong>de</strong> professores das escolas normaes estãopreenchidas pelos professores cujas habilitações nunca foram contestadas;[...] havia nas escolas normaes medicos, legistas, engenheiros, enfimdiplomados nas escolas superiores, os quais têm occupado esses cargos, nãoobstante a exigüida<strong>de</strong> dos vencimentos. (apud BORGES, 2005, p. 249)No caso da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, esse fenômeno era bastante visível. Dosprimeiros professores da escola, conseguimos apurar que o Dr. Illidio Salathiel Guaritá eramédico atuante, formado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong>bora, como ex-s<strong>em</strong>inarista, tenha concluído ocurso <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>s no Mosteiro <strong>de</strong> São Bento, também na Corte; a mesma formação tinhado Dr. Thomaz Pimentel <strong>de</strong> Ulhôa, também ex-s<strong>em</strong>inarista <strong>em</strong> Mariana e médico formado nacapital imperial <strong>em</strong> 1873 (BILHARINHO, 1983). O Dr. Thomaz é <strong>de</strong>scrito por Bilharinho(1983) como um amante das letras, assim como o Dr. Illidio, o que explica o fato <strong>de</strong> queambos, <strong>em</strong>bora foss<strong>em</strong> médicos renomados na cida<strong>de</strong>, tenham também abraçado o magistério.Quanto aos <strong>de</strong>mais professores nomeados, não dispomos <strong>de</strong> maiores informações a respeito<strong>de</strong> sua formação inicial, mas sab<strong>em</strong>os que tanto Joaquim Antonio Gomes da Silva, quantoRufino José <strong>de</strong> Oliveira Pena, eram ligados ao Partido Liberal, sendo o primeiro jornalista doMonitor Uberabense 96 ; e o segundo, irmão do major Pena.Se a docência era, <strong>em</strong> alguns casos, encarada como um prazer – principalmente paraaqueles professores que possuíam outra fonte <strong>de</strong> renda que garantisse o sustento <strong>de</strong> suasfamílias –, era também, na maioria dos outros casos, a maneira que muitos cidadãos dotados96 Jornal ligado ao Partido Liberal, fundado pelo major Joaquim José <strong>de</strong> Oliveira Pena e transferido para ocomendador Joaquim Antônio Gomes da Silva, <strong>em</strong> 1883 (MENDONÇA, 1971).


169<strong>de</strong> algum estudo encontravam para garantir o pão <strong>de</strong> cada dia. Mesmo os professores egressosdas escolas normais, <strong>em</strong> geral, abraçavam a docência mais por necessida<strong>de</strong> do que porvocação, vindo a ocupar ca<strong>de</strong>iras da instrução pública (preferencialmente) ou do sist<strong>em</strong>aprivado <strong>de</strong> ensino. Esse fato é assim comentado por um jornal uberabense <strong>de</strong> 1884:Muitas pessoas, enten<strong>de</strong>ndo praticar um acto <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, a que chamareicarida<strong>de</strong> mal entendida, proteg<strong>em</strong> um individuo ignorante para este, comoprofessor, sustentar uma família, e assim proce<strong>de</strong>ndo, tanto estas como ospolíticos, não faz<strong>em</strong> mais do que onerar os cofres públicos <strong>em</strong> beneficio <strong>de</strong>um individuo e <strong>em</strong> <strong>de</strong>sproveito e damno <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> creançasque, tendo por mestre um professor inhabil, apenas ficam sabendo assignaro nome e a ler incorrectamente (O VOLITIVO, 21/09/1884, p. 2).Como po<strong>de</strong>mos confirmar pela <strong>de</strong>núncia anterior, a formação dada pelas escolasnormais mineiras, à s<strong>em</strong>elhança do que acontecia no restante do país, era extr<strong>em</strong>amenterudimentar. Priorizando a transmissão <strong>de</strong> conteúdos escolares que pouco superavam os queeram ministrados no ensino primário – como já foi tratado no primeiro capítulo <strong>de</strong>ste trabalho– e relegando a segundo plano os estudos pedagógicos, o ensino normal acabava formandoprofessores mal preparados para atuar <strong>em</strong> uma sala <strong>de</strong> aula. Tentando contornar essesprobl<strong>em</strong>as estruturais, freqüent<strong>em</strong>ente o governo provincial publicava novos regulamentospara as escolas normais, os quais traziam, quase s<strong>em</strong>pre, modificações curriculares.Conforme Sampaio (1971, p. 382-383), a distribuição curricular da Escola Normaluberabense tinha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a promulgação do Regulamento nº 100 97 , <strong>de</strong> 19/06/1883, a seguinteconfiguração (que vigorou até a reforma <strong>de</strong> ensino impl<strong>em</strong>entada pela Lei nº 41, <strong>de</strong> 1892):Artigo 166 – O ensino <strong>de</strong>stas escolas (normais) constará das seguintesmatérias, distribuídas por três anos.1º AnoExercícios diários <strong>de</strong> caligrafia e ortografia na escola prática.Língua nacional, compreen<strong>de</strong>ndo leitura expressiva e comentada <strong>de</strong>textos clássicos <strong>em</strong> prosa e verso, análise gramatical, e lógica e exercícios<strong>de</strong> construção.Aritmética e metrologia.2º AnoLíngua nacional, compreen<strong>de</strong>ndo exercícios <strong>de</strong> redação e noções <strong>de</strong>literatura nacional (3 lições por s<strong>em</strong>ana).Aritmética, aplicações e exercícios práticos.Escrituração mercantil, compreen<strong>de</strong>ndo as noções teóricas essenciais ea prática das partidas simples e dobradas, inclusive contas correntes (3lições por s<strong>em</strong>ana).Pedagogia teórica, compreen<strong>de</strong>ndo a história da pedagogia eorganização escolar (2 lições por s<strong>em</strong>ana).Instrução moral, religiosa e cívica. El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> direito constitucional e97 Este novo Regulamento das Escolas Normais <strong>de</strong> Minas Gerais foi <strong>de</strong>corrente da Lei Mineira nº 2.892, <strong>de</strong>06/11/1882, que reformou o ensino da província.


170economia política (1 lição por s<strong>em</strong>ana).3º AnoNoções práticas <strong>de</strong> geometria, <strong>de</strong>senho linear e <strong>de</strong> imitação.Noções <strong>de</strong> geografia e cosmografia, geografia do Brasil (3 lições pors<strong>em</strong>ana).História do Brasil (2 lições por s<strong>em</strong>ana).Pedagogia, compreen<strong>de</strong>ndo a metodologia, educação moral, física eintelectual e legislação do ensino.Noções <strong>de</strong> ciências naturais, física e química agrícola.§ 1º - Além das matérias supra, ensinar-se-á mais na escola:Música vocal. Prática <strong>de</strong> violino para homens e <strong>de</strong> piano ou harmoniumpara as mulheres, <strong>em</strong> todos os três anos do curso.Trabalho d’agulha e bordados às alunas-mestra.No segundo ano do curso, ensinar-se-á também francês (5 lições pors<strong>em</strong>ana).Percebe-se que o currículo das escolas normais mineiras, distribuído <strong>em</strong> três anos <strong>de</strong>curso, tinha características enciclopédicas e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, procurava incluir disciplinastécnicas (e totalmente prescindíveis aos professores primários), como Escrituração mercantile Noções <strong>de</strong> química agrícola, o que parece <strong>de</strong>notar o início da influência positivista nocurrículo do ensino normal brasileiro, influência que alcançaria o ápice na primeira décadarepublicana. Por outro lado, tentando dar algum caráter formativo ao curso, a disciplina <strong>de</strong>Pedagogia (incluindo as metodologias <strong>de</strong> ensino) já se fazia presente <strong>em</strong> maior extensão docurrículo, se comparado aos regulamentos anteriores.Entretanto, apesar <strong>de</strong> ser ministrada no 2º e no 3º anos do curso normal, a Pedagogianão recebia a atenção que seria <strong>de</strong> se esperar <strong>em</strong> um curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores. Em1882 e 1883, essa disciplina foi ministrada por um médico, Dr.Thomaz Ulhôa, cujo contatoanterior com a aquela matéria <strong>de</strong>via limitar-se, possivelmente, aos t<strong>em</strong>pos que passou noS<strong>em</strong>inário. A situação agravou-se ainda mais quando o professor titular pediu sua exoneraçãodaquela ca<strong>de</strong>ira, conforme relata o jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba:Acham-se vagas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ha muito t<strong>em</strong>po, as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> geographia e históriado Brasil, pedagogia, história sagrada e instrução moral, religiosa e cívica,as quaes eram proficient<strong>em</strong>ente regidas pelos Drs. Thomaz <strong>de</strong> Ulhôa eIllidio Guarita. Até então a Escola Normal tinha merecimento real, eofferecia largos e promettedores futuros. Depois, porém, que aquelles dousillustres professores obtiveram a sua exoneração <strong>de</strong> lentes, aquellas ca<strong>de</strong>iraste<strong>em</strong> sido internamente regidas, as duas primeiras pelo professor <strong>de</strong> línguanacional o Sr. Gomes da Silva, e as outras pelo professor <strong>de</strong> aula pratica oSr.Joaquim Cor<strong>de</strong>iro. Esses professores que não são especialistas nessasmatérias, qua não conhec<strong>em</strong> sufficient<strong>em</strong>ente, as ensinam pela rama, s<strong>em</strong> amínima soli<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>ixando apenas no espírito dos alumnos superfluida<strong>de</strong>s,rudimentos, sombras eligeiras r<strong>em</strong>iniscencias, incapazes <strong>de</strong> aproveitar-lhesseriamente nos estudos e trabalhos da importante carreira a que se propõ<strong>em</strong>– professor publico primario (GAZETA DE UBERABA, 15/03/1884, p. 1)


171Na falta <strong>de</strong> um professor habilitado, com conhecimento daquela matéria, a disciplinaPedagogia passou a ser ministrada interinamente pelo Sr. Joaquim Cor<strong>de</strong>iro, professorprimário da sala <strong>de</strong> aula masculina anexa. O mesmo jornal, <strong>em</strong> outra edição, critica duramenteo fato <strong>de</strong> o Sr. Joaquim Cor<strong>de</strong>iro estar lecionando uma disciplina que muito mal conhecia:Em que t<strong>em</strong>po o professor Joaquim Cor<strong>de</strong>iro ensinou pedagogia, historiasagrada e instrucção religiosa, moral e cívica? [...] Ensinar Pedagogia, ouqualquer outra materia scientifica, é limitar-se o professor, como faz o Sr.Cor<strong>de</strong>iro, a marca licção á <strong>de</strong>do, s<strong>em</strong> fazer prece<strong>de</strong>r-lhe a mais simples eligeira explicação? A Pedagogia que joga com a importante questão domethodo, e outras questões philosophicas, é materia superior á illustraçãodo Sr. Cor<strong>de</strong>iro, professor primário da aula pratica. Desculpamos o Sr.Cor<strong>de</strong>iro, que por suas habilitações, nada mais po<strong>de</strong> fazer no ensino daPedagogia, senão marcar licções á <strong>de</strong>do (GAZETA DE UBERABA,15/05/1884, p. 1).O probl<strong>em</strong>a referente à falta <strong>de</strong> um professor titular habilitado para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>Pedagogia permaneceu por vários anos 98 e certamente prejudicou a formação dos alunos.Tentando compensar essa <strong>de</strong>ficiência, a Escola Normal mantinha uma escola primária anexa,on<strong>de</strong> os futuros professores <strong>de</strong>viam apren<strong>de</strong>r com a prática. Nessa escola primária, comturmas masculinas e f<strong>em</strong>ininas, os alunos da Escola Normal podiam auxiliar os professoresregentes,num mo<strong>de</strong>lo próximo ao que se verifica nos atuais estágios supervisionados, sendoque, naquele caso, havia a vantag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que o campo <strong>de</strong> estágio situava-se junto à escola.Por outro lado, dada a falta <strong>de</strong> uma formação teórica que colocasse os alunos <strong>em</strong>contato com as novas teorias pedagógicas ou com algum tipo <strong>de</strong> método <strong>de</strong> ensino, as aulaspráticas, que <strong>de</strong>veriam constituir-se <strong>em</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ligação entre a teoria e a prática,acabavam por transformar-se <strong>em</strong> momentos formativos nos quais os futuros professoresaprendiam como dar as aulas a partir da simples imitação do professor regente, num sist<strong>em</strong>asimilar ao dos professores adjuntos, anteriormente <strong>de</strong>scrito neste trabalho.Além da pequena formação pedagógica, a ênfase dada, nas escolas normais, aos98 Joaquim Cor<strong>de</strong>iro continuou como professor interino daquelas disciplinas até ser substituído por outroprofessor interino, Theodoro Dias <strong>de</strong> Carvalho Júnior, nomeado no dia 06/08/1885 (GAZETA DE UBERABA,25/08/1885). Em 01/05/1886, as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> Pedagogia, História sagrada, Instrução Moral, Religiosa e Cívicaforam colocadas <strong>em</strong> concurso (GAZETA DE UBERABA, 05/06/1886), mas, por falta <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>ntes quepreenchess<strong>em</strong> as condições necessárias para participar da seleção, no dia 18/06/1886, o governo provincialnomeou o padre Lafayette José <strong>de</strong> Godoy para reger interinamente essas ca<strong>de</strong>iras (GAZETA DE UBERABA,10/07/1886). Novamente, <strong>em</strong> 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1887, as ca<strong>de</strong>iras foram colocadas <strong>em</strong> concurso; <strong>de</strong>sta feita, foiaprovado e nomeado Antônio Silvério Pereira, há longos anos professor particular <strong>de</strong> preparatórios (GAZETADE UBERABA, 22/08/1887), que, entretanto, permaneceu por pouco t<strong>em</strong>po no cargo, já que, pouco mais <strong>de</strong> umano <strong>de</strong>pois, um artigo <strong>de</strong> jornal, ao falar da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, afirmava que todas as ca<strong>de</strong>iras, exceto a<strong>de</strong> Pedagogia, estavam preenchidas (GAZETA DE UBERABA, 20/10/1888). Continuando a improvisação,apuramos que, <strong>em</strong> 13/07/1889, foi nomeado interinamente para a ca<strong>de</strong>ira o professor Theophilo RodriguesPereira (GAZETA DE UBERABA, 25/08/1889) e, <strong>em</strong> 06/11/1889, a ca<strong>de</strong>ira foi novamente posta <strong>em</strong> concurso(GAZETA DE UBERABA, 31/10/1889).


172estudos clássicos, pouco ou nada significativos para a realida<strong>de</strong> das escolas primárias dointerior brasileiro, é outra <strong>de</strong>ficiência curricular b<strong>em</strong> retratada pela fala <strong>de</strong> Helena Morley, quenarra, <strong>em</strong> seu diário, uma ativida<strong>de</strong> que fora obrigada a <strong>de</strong>senvolver, <strong>em</strong> 1895, na EscolaNormal <strong>de</strong> Diamantina – que muito <strong>de</strong>via ass<strong>em</strong>elhar-se à <strong>de</strong> Uberaba:Acabei <strong>de</strong> traduzir a fábula <strong>de</strong> La Fontaine da rã que queria ficar dotamanho do boi e não tive t<strong>em</strong>po para as outras lições. Fiquei pensando porque exig<strong>em</strong> estas coisas <strong>de</strong> nós na Escola, se todas ali só estudamos comtenção <strong>de</strong> ser professora. Que precisão eu teria da fábula <strong>de</strong> La Fontaine sefor professora no Bom Sucesso, Curralinho ou mesmo <strong>em</strong> Diamantina?Passei quatro anos da escola da Mestra Joaquininha, que é uma dasmelhores e não me l<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> ter visto lá nada que nos esforçamos paraapren<strong>de</strong>r na Escola Normal (MORLEY, 1998, p. 228).Na falta <strong>de</strong> um currículo que priorizasse a formação pedagógica dos futurosprofessores, restava investir na formação enciclopédica <strong>de</strong>stes, o que exigia, por parte dosalunos, muitas leituras. A bibliografia adotada na escola incluía obras <strong>de</strong> autores nacionais eestrangeiros, estes principalmente franceses. Um comunicado da Escola Normal, feito naGazeta <strong>de</strong> Uberaba (20/10/1888, p. 2), nos dá uma idéia <strong>de</strong>ssa bibliografia, ao informar que“Os compêndios adoptados na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geographia, Historia e Cosmographia foram osmesmos que o anno passado, a saber: Curso <strong>de</strong> Geographia <strong>de</strong> Lacerda, Petit Astronomie <strong>de</strong>Flammarion, Geographia das Provincias do Brazil <strong>de</strong> Moreira Pinto e Historia do Brazil <strong>de</strong>Mattoso Maia”. Em face das carências inerentes a uma cida<strong>de</strong> sertaneja, acreditamos que osalunos interessados <strong>em</strong> adquirir esse material tivess<strong>em</strong> muitas dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> fazê-lo.Naquela época, os materiais impressos utilizados pelas escolas (livros <strong>de</strong> matricula,folhas <strong>de</strong> presença, etc.), assim como alguns parcos ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> livros didáticos, eramnormalmente comercializados pelas tipografias responsáveis pela impressão dos jornaislocais. Além disso, ressaltamos que a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, assim como as <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>Minas Gerais, dispunha <strong>de</strong> uma biblioteca própria, a que alunos e professores podiamrecorrer. Entretanto, o crescimento da <strong>de</strong>manda por obras bibliográficas na cida<strong>de</strong> – <strong>em</strong>especial para aten<strong>de</strong>r aos alunos da Escola Normal –, fez com que surgiss<strong>em</strong> as primeiraslivrarias com algum sortimento <strong>de</strong> material. A principal <strong>de</strong>las, a Livraria Universal 99 , foifundada <strong>em</strong> 1894 pelo então professor <strong>de</strong> francês da Escola Normal, professor Paulo Barthes,fato assim noticiado pela imprensa uberabense:[...] fundou-se há poucos dias, nesta cida<strong>de</strong>, uma nova casa commercial <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> da firma Viúva Leschaud & Filha, a frente da qual acha-se99 A Livraria Universal funcionava no pavimento inferior do prédio da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, naesquina da Praça da Matriz e Rua Municipal.


173nosso amigo Paulo Barthes, que não t<strong>em</strong> poupado exforços <strong>em</strong> fazeracquisição <strong>de</strong> excelente sortimento concernente a esse genero <strong>de</strong> negocio,b<strong>em</strong> como objectos <strong>de</strong> escriptorio e muitas outras cousas <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>. Já hámuito t<strong>em</strong>po fazia-se sentir a necessida<strong>de</strong> da fundação <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong>staor<strong>de</strong>m, o que agora v<strong>em</strong>os sanado com a inauguração da Livraria Universal(GAZETA DE UBERABA, 21/07/1894, p. 2).Já <strong>de</strong> posse das bibliografias recomendadas, cabia aos alunos m<strong>em</strong>orizar os muitosconteúdos presentes nos compêndios, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>volvê-los nos exames escritos e orais queeram feitos <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> primeira ou <strong>de</strong> segunda época. Esses exames aconteciam napresença <strong>de</strong> uma banca formada por professores da escola e seus resultados eram divulgadospelos órgãos <strong>de</strong> imprensa – como também ocorria com os exames feitos nas escolas primáriase secundárias. Nos jornais, <strong>de</strong> acordo com os resultados obtidos, os alunos examinados tinhamos seus nomes acompanhados por expressões como aprovado com distinção, aprovadoplenamente, aprovado simplesmente ou inabilitado, o que colocava o rendimento escolar<strong>de</strong>sses jovens sob as vistas <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> local.Entretanto, já naquela época, o velho mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> exames – baseado na medição <strong>de</strong>conteúdos m<strong>em</strong>orizados – era alvo <strong>de</strong> críticas e <strong>de</strong> constantes tentativas <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s por partedos alunos. Para ex<strong>em</strong>plificar esse fato, recorr<strong>em</strong>os novamente às narrativas <strong>de</strong> HelenaMorley, que assim <strong>de</strong>screve um dos exames que fez <strong>em</strong> 1893 na Escola Normal <strong>de</strong>Diamantina:No exame <strong>de</strong> Geografia quase ninguém <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> colar. Todas nóspreferimos fazer sanfona; é tão mais fácil. Fiz todas com o maior cuidado efui para o exame com o bolso cheio <strong>de</strong>las. Saiu para a prova escrita o ponto‘Rios do Brasil’. Ótimo! Tirei minha sanfoninha, ia copiando e dizendo altopara as outras também escrever<strong>em</strong>. Penso que foi isto que <strong>de</strong>u na vista. SeuArtur Queiroga <strong>de</strong>sce do estrado, fica perto <strong>de</strong> minha mesa e eu s<strong>em</strong> po<strong>de</strong>rcontinuar a escrever. Meti a sanfona na carteira e pus as mãos na mesa. [...]Tive <strong>de</strong> entregar a sanfona e Seu Artur só querendo que eu explicasse porque fazia aquilo <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> estudar. Respondi que eu mesma não sabia; qu<strong>em</strong>e ensinaram assim e que eu achei o sist<strong>em</strong>a bom (MORLEY, 1998, p.112).Helena Morley narra também outro exame que fez no dia 22 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1895.Nessa ocasião, fica ainda mais clara a diss<strong>em</strong>inação da chamada cola entre as alunas daEscola Normal <strong>de</strong> Diamantina, além do pouco rigor com que os m<strong>em</strong>bros da bancaexaminadora encaravam aquele expediente <strong>de</strong> avaliação, possivelmente por estar<strong>em</strong> cientes <strong>de</strong>sua ineficácia:Hoje foi o meu primeiro exame <strong>de</strong>ste ano. Fiz exame <strong>de</strong> História. Ascolegas já me tinham dito que para passar <strong>em</strong> História não era preciso abrirum livro; que se colava na escrita e o quarto <strong>de</strong> hora que se t<strong>em</strong> para rever o


174ponto chega para a oral. Acreditei e fiz como me tinham ensinado. Asoutras colegas fizeram sanfona para a prova escrita, mas eu fui maiscorajosa. Fiquei no banco <strong>de</strong> trás, abri o livro e estava copiando o pontosossegada; quando olho para a mesa, vejo Dr. Teodomiro olhando para mime rindo. Levei um gran<strong>de</strong> susto, peguei o livro e escondi na gaveta. Elepercebeu meu sobressalto, tomou um jornal e tapou a cara para não ver. Enão disse nada. Como se po<strong>de</strong> ser tão bom como o nosso professor Dr.Teodomiro! Depois o meu pai ainda diz que gente escura não presta. Naescola, pelo menos, os melhores são ele e Seu Artur Queiroga. Os brancossão crus <strong>de</strong> ruinda<strong>de</strong>. Na oral só respondi umas datas, <strong>em</strong>brulhei umascoisas e <strong>de</strong>ste exame já estou livre (MORLEY, 1998, p. 316).T<strong>em</strong>os a convicção <strong>de</strong> que tais práticas eram comuns <strong>em</strong> todas as escolas normaismineiras e, possivelmente, brasileiras. Com base nesse raciocínio, o estereótipo <strong>de</strong> rigor eausterida<strong>de</strong> que envolve essas antigas escolas cai por terra e nos conduz a um novo olharsobre as muitas relações sociais que ocorriam nessas instituições. Também nos leva a refletirsobre o processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong> como um todo, que, parece-nos, não diferia muitodaquele que se observava nas escolas brasileiras até um passado recente.Com relação ao acesso à Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com alegislação provincial, constatamos que ela era totalmente gratuita, tanto no que se refere aoensino normal quanto ao primário. A matrícula podia ser requerida mediante a apresentaçãodos seguintes documentos (GAZETA DE UBERABA, 18/08/1887):1º - Certidão <strong>de</strong> Ida<strong>de</strong>, ou outro documento que comprovasse ser o preten<strong>de</strong>nte maior <strong>de</strong> 12anos (mulheres) ou <strong>de</strong> 14 anos (homens);2º - Atestado do pároco, juiz <strong>de</strong> paz ou sub<strong>de</strong>legado do lugar on<strong>de</strong> residisse o candidato,afirmando que o mesmo era <strong>de</strong> bons costumes;3º - Atestado médico <strong>de</strong> que ele não sofria <strong>de</strong> moléstia que o inabilitasse para o magistério;4º - Certificado <strong>de</strong> aprovação nas matérias ensinadas nas escolas públicas ou, na falta <strong>de</strong>ste,aprovação <strong>em</strong> exames <strong>de</strong>ssas mesmas matérias, aos quais o aspirante à vaga <strong>de</strong>veriasubmeter-se na Escola Normal, perante uma comissão composta <strong>de</strong> dois professores.Conforme po<strong>de</strong>mos notar no 4° it<strong>em</strong>, para o acesso à Escola Normal não se exigia aconclusão formal dos estudos primários, sendo suficiente o conhecimento <strong>de</strong> algumasmatérias específicas. Isto permitia aos alunos que, por ex<strong>em</strong>plo, tivess<strong>em</strong> feito os estudos <strong>em</strong>casa, com professores particulares, requerer uma vaga naquela escola.Quanto à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à Escola Normal, percebe-se uma sutil preferência pelasalunas mulheres, que <strong>de</strong>viam ingressar nos cursos normais o mais rapidamente possível,[...] para tornar<strong>em</strong>-se normalistas e ser<strong>em</strong> mestras, correspon<strong>de</strong>ndo aoprojeto político <strong>de</strong> expandir a escolarização na província, mediante


175progressiva utilização da mão-<strong>de</strong>-obra f<strong>em</strong>inina, já que mais ‘paciente,submissa e <strong>de</strong>dicada’ e, sobretudo mais barata. E mestras <strong>em</strong> consonânciacom o mo<strong>de</strong>lo normativo vigente: <strong>de</strong>dicadas integralmente às suas alunas ealunos, pouco preocupadas com o salário, exercendo sua ‘missão’ porvocação, graças à sua ‘natureza’ maternal que as faz esquecer<strong>em</strong> <strong>de</strong> si, paraviver<strong>em</strong> para os outros (MUNIZ, 2003, p. 299).Ainda segundo Muniz (2003), o exercício do magistério conferia às mulhereshonra<strong>de</strong>z e distinção, exteriorizado no tratamento <strong>de</strong> Dona às mestras, ao contrário do Siá,<strong>de</strong>stinado às senhoras casadas oriundas das camadas sociais mais humil<strong>de</strong>s. Havia ainda oorgulho <strong>de</strong> ostentar um diploma <strong>de</strong> normalista. No Artigo 180 do Regulamento nº 100, constaque: “Aos alunos e alunas-mestras que concluír<strong>em</strong> o curso normal com aprovação, seráconferido um diploma pelo presi<strong>de</strong>nte da província, segundo o mo<strong>de</strong>lo que for estabelecido[...]” (SAMPAIO, 1971, p. 383). O diploma, <strong>em</strong>oldurado e pendurado na pare<strong>de</strong> da sala, alémdo uso <strong>de</strong> um anel (a partir <strong>de</strong> 1891) “encimado por um livro com uma turqueza engastada”(MUNIZ, 2003, p. 299) eram sinais exteriores <strong>de</strong> uma formação e <strong>de</strong> uma profissão queatribuíam certo status social a essas mulheres.A tendência <strong>de</strong> f<strong>em</strong>inização do magistério <strong>em</strong> Minas Gerais é bastante nítida no últimoquartel do século XIX. Muniz (2003) aponta que, dos diplomas <strong>de</strong> normalistas registrados noperíodo <strong>de</strong> 1876 a 1880, as mulheres tinham a participação <strong>de</strong> 64% do total. Curiosamente,com base <strong>em</strong> nossas investigações, verificamos que a presença f<strong>em</strong>inina na Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba não acompanhava esse índice. A partir das listas dos alunos aprovados nos examesda Escola Normal uberabense, nos anos <strong>de</strong> 1886, 1888, 1890, 1892, 1895, 1898, 1900, 1903 e1904, publicadas nos jornais Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e Lavoura e Comércio, chegamos a um total<strong>de</strong> 140 estudantes 100 , dos quais 79 eram do sexo masculino e 61 do sexo f<strong>em</strong>inino. Porconseguinte, naquele período, a participação f<strong>em</strong>inina no total <strong>de</strong> alunos aprovados nosexames da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba foi <strong>de</strong> apenas 43,6%, contra 56,4% <strong>de</strong> homens, fatopara o qual não encontramos uma explicação plausível.Durante quase todo o seu t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> funcionamento, a Escola Normal uberabense foipalco <strong>de</strong> intensas disputas políticas, iniciadas ainda no período imperial e prolongadas,República a<strong>de</strong>ntro. Na verda<strong>de</strong>, a disputa pelo po<strong>de</strong>r nas instituições <strong>de</strong> ensino é comum nasocieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, já que tanto a educação quanto a política se configuram comoinstrumentos <strong>de</strong> dominação e <strong>de</strong> divulgação i<strong>de</strong>ológica, a ponto <strong>de</strong>, na visão freireana, todo100 L<strong>em</strong>bramos que este número não reflete o total <strong>de</strong> matrículas da Escola Normal. Os alunos reprovados nosexames e aqueles que não compareciam aos mesmos não eram relacionados nas listagens publicadas pelosjornais.


176ato educativo configurar-se como um ato político. Por outro lado, para Max Weber, aativida<strong>de</strong> política é, principalmente, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> dominação, que se concretizapela aceitação do conjunto <strong>de</strong> normas que reg<strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong> (leis, <strong>de</strong>cretos,regulamentos). Segundo Weber, a dominação é legitimada pelas regras <strong>de</strong> caráter geral e,através do acesso aos cargos públicos, essa dominação é outorgada a alguns indivíduos (1979apud VEIGA, 2003). Nessa perspectiva, o controle do processo educacional é um ato políticoe, por conseqüência, uma forma <strong>de</strong> dominação e <strong>de</strong> exercício do po<strong>de</strong>r, vindo daí as intensasdisputas <strong>em</strong> torno dos cargos, mesmo que mal r<strong>em</strong>unerados, da Escola Normal uberabense.Em 1884, uma das muitas <strong>de</strong>núncias publicadas no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba apontavao uso político da Escola Normal:D<strong>em</strong>onstramos nessa occasião, com factos, que a conservação do actualdirector da Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> era sobr<strong>em</strong>aneira prejudicial aosinteresses da instrucção publica <strong>de</strong>stas zonas, pois que o Sr. Sampaio t<strong>em</strong>feito e continua a fazer <strong>de</strong>lla um verda<strong>de</strong>iro ninho dos afilhados eprotegidos politicos <strong>de</strong>sta localida<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>ndo por esse facto ser esseestabelecimento um el<strong>em</strong>ento educador do povo n<strong>em</strong> concorrer para o seuadiantamento intlellectual e moral (GAZETA DE UBERABA, 10/12/1884,p. 1).Borges Sampaio acabou sendo mantido no cargo por mais <strong>de</strong> dois anos após suanomeação e, por vonta<strong>de</strong> própria, acabou pedindo dispensa do cargo (SAMPAIO, 1971).Durante o período <strong>em</strong> que Sampaio exerceu a direção da Escola Normal, esta se tornou ocentro da briga política entre liberais e conservadores, e os atos do diretor do estabelecimento,principalmente aqueles que se referiam à nomeação <strong>de</strong> funcionários, eram constant<strong>em</strong>entecriticados pela Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, conforme po<strong>de</strong>mos observar no caso a seguir:Obtendo o professor <strong>de</strong> musica, Alferes João Baptista Speridião Rodrigues,uma licença <strong>de</strong> quinze ou mais dias para tratar <strong>de</strong> negócios <strong>de</strong> seu particularinteresse, fóra da se<strong>de</strong> da escola, o actual director <strong>de</strong>sse estabelecimento <strong>de</strong>instrucção teve <strong>de</strong>, exercendo <strong>de</strong> suas attribuições, nomear um substitutopara reger aquella ca<strong>de</strong>ira. Mas o actual director, o Sr. Sampaio, <strong>em</strong> lugar<strong>de</strong> nomear o Sr. Illidio Salathiel dos Santos, professor <strong>de</strong> arithmetica eescripturação mercantil daquella escola, para substitutivamente reger aca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> musica, nomeou uma alumna do 1º anno, muito creança ainda, D.Maria, filha do porteiro da escola [...] O Sr. Illidio dos Santos é <strong>de</strong> todos osprofessores da Escola Normal o único que ainda não foi l<strong>em</strong>brado parainterinamente reger alguma das ca<strong>de</strong>ira vagas da dita escola; é al<strong>em</strong> dissoum distincto professor <strong>de</strong> musica, exímio violinista, e ensina a tocar piano;está, portanto, nas condições do Regulamento para com proficiência leccionara ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> musica (GAZETA DE UBERABA, 05/05/1884, p. 1).Em outra ocasião, as críticas da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba reca<strong>em</strong> sobre o comportamento doporteiro do estabelecimento <strong>de</strong> ensino, acusado <strong>de</strong> maltratar os alunos da escola <strong>de</strong> aula


177prática anexa à Escola Normal:[...] os alumnos da Escola Normal estão sendo tratados selvag<strong>em</strong> egrosseiramente, quer com palavras offensivas, quer com castigos pesados,pelo Sr. Francisco <strong>de</strong> Paula Ferreira, Porteiro daquelle estabelecimento!Ainda não há muitos dias esse porterio ex auctoritate propria, fez ajoelharna aula pratica um moço <strong>de</strong> treze para quatorze annos, filho do honradoCapitão Joaquim Elisiario, e obrigou-o nesta posição humilhante a arrastarsepela sala. [...] O próprio professor <strong>de</strong> musica da Escola Normal, o Sr.Alferes João Speridião Rodrigues vio-se obrigado a tirar um seu filhinho daaula pratica, para que essa criança não continuasse a soffrer os rancores e otratamento estúpido e grosseiro do dito porteiro, e matriculou-a na aula <strong>de</strong>instrucção primaria do Lyceu Uberabense. De maneira que <strong>em</strong> breve a aulapratica da Escola Normal não terá a <strong>de</strong>vida freqüência, ficará mesmo <strong>de</strong>todo s<strong>em</strong> alumnos, graças ao bom, regular e <strong>de</strong>licado procedimento do Sr.Francisco <strong>de</strong> Paula Ferreira, Porteiro daquelle malfadado estabelecimento<strong>de</strong> instrucção! (GAZETA DE UBERABA, 15/06/1884, p. 1)Apesar das controvérsias existentes <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> seu diretor e <strong>de</strong> outras irregularida<strong>de</strong>s,a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, nos seus dois primeiros anos <strong>de</strong> funcionamento, teve umaconsi<strong>de</strong>rável procura por parte da população local, conforme mostra o quadro 3.2.Quadro 3.2 – Movimento da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba (1882-1883)Ano Matrículas Freqüência Aprovações1882 96 85 501883 173 154 92Fonte: SAMPAIO (1971, p. 387)No dia 12/05/1887, a Escola Normal transferiu-se para um novo prédio, localizado naRua Municipal (atual Rua Manoel Borges), no sobrado pertencente ao Capitão ManoelRodrigues da Cunha. A imprensa <strong>de</strong> Uberaba comentou a mudança, afirmando que: “Oedifício é vasto, b<strong>em</strong> arejado, com excellentes condições hygienicas, e assaz appropriado paraservir ao fim a que se <strong>de</strong>stina” (GAZETA DE UBERABA, 22/05/1887, p. 2).Algum t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, a Escola Normal foi novamente transferida, agora para umsobrado localizado na Praça da Matriz (atual praça Rui Barbosa), nº 8, início da atual ruaTristão <strong>de</strong> Castro, no lugar on<strong>de</strong>, anos <strong>de</strong>pois, foi erguido o palacete do Coronel José CaetanoBorges. A escola permaneceu nesse local até o seu fechamento. Na Figura 3.8, que mostra aPraça da Matriz no ano <strong>de</strong> 1894, o prédio da Escola Normal aparece ao fundo, no ladoesquerdo da foto (sobrado imediatamente após os dois mastros verticais).


178Figura 3.8 – Vista da Praça da Matriz e do prédio da Escola Normal (1894)Fonte: APUDurante sua existência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duas décadas, a primeira Escola Normal uberabensecontou com um extenso corpo docente (alguns <strong>de</strong>sses professores são mostrados na figura3.9). Nesse período, a escola foi palco <strong>de</strong> várias nomeações e exonerações, <strong>de</strong>ntre as quais<strong>de</strong>stacamos as seguintes: <strong>em</strong> 1885, tomou posse da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> geografia da Escola Normal oprofessor Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa (GAZETA DE UBERABA, 10/10/1891); <strong>em</strong> meados<strong>de</strong> 1889, a normalista D. Maria Christina da Costa, ex-aluna da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, eque, por diversas vezes havia substituído professores afastados, foi nomeada titular da ca<strong>de</strong>ira<strong>de</strong> aula prática da escola primária anexa à Escola Normal (JORNAL DO COMÉRCIO,13/07/1889); <strong>em</strong> 26/06/1889, Antônio Borges Sampaio foi novamente nomeado diretor daEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba, cargo que ocupou até 31/10/1889 (SAMPAIO, 1971); <strong>em</strong> abril <strong>de</strong>1891, tomou posse da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> geometria e <strong>de</strong>senho linear o professor Juventino <strong>de</strong> Lima(GAZETA DE UBERABA, 15/04/1891); <strong>em</strong> 16/07/1892, foi nomeado um novo professorpara a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> geometria e <strong>de</strong>senho linear, o Sr. Antonio Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oliveira Coutinho(MINAS GERAES, 30/07/1892); já <strong>em</strong> 08 <strong>de</strong> agosto do mesmo ano, Antonio Pereira <strong>de</strong>Artiaga foi nomeado para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História da mesma escola (MINAS GERAES,22/08/1892).


179Figura 3.9 – Professores da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba (1889)Fonte: APUEm 03/08/1892, através da Lei nº 41 (Reforma Afonso Pena), o ensino normal mineiropassou por uma gran<strong>de</strong> reforma, a primeira feita <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos republicanos. Conforme l<strong>em</strong>braMourão (1962), não há dúvida <strong>de</strong> que, na elaboração da lei, dominava o espírito doenciclopedismo <strong>de</strong> influência positivista, implantado <strong>em</strong> âmbito fe<strong>de</strong>ral pelo ministroBenjamin Constant. Nota-se também nessa lei a preocupação das autorida<strong>de</strong>s do governo <strong>em</strong>elevar o nível das escolas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores primários:Art. 158. A escola normal, sob a fórma <strong>de</strong> externato mixto, é umestabelecimento <strong>de</strong> ensino profissional, <strong>de</strong>stinado a dar aos candidatos ácarreira do magistério primário a educação intelectual, moral e praticanecessária e sufficiente para o bom <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho dos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> professor,regenerando progressivamente a escola publica <strong>de</strong> instrucção primaria(MINAS GERAES, 29/08/1892, p. 782).A Lei nº 41, <strong>em</strong> seu artigo 159, mantinha a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, assim como as<strong>de</strong>mais existentes, e criava as <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora e Arassuaí. Confirmava também a gratuida<strong>de</strong> docurso normal e a necessida<strong>de</strong> das escolas anexas <strong>de</strong> ensino primário para o sexo masculino epara o sexo f<strong>em</strong>inino, a fim <strong>de</strong> possibilitar a prática profissional.


180O currículo das escolas normais foi ampliado e distribuído <strong>em</strong> 4 anos <strong>de</strong> curso, ante os3 anos da reforma anterior. As matérias obrigatórias do novo currículo eram as seguintes:Português e noções <strong>de</strong> Literatura Nacional; Francês; Geografia Geral e do Brasil(especialmente <strong>de</strong> Minas Gerais); História Geral (especialmente mo<strong>de</strong>rna e cont<strong>em</strong>porânea);História do Brasil; noções <strong>de</strong> Cosmografia; Mat<strong>em</strong>ática El<strong>em</strong>entar; noções <strong>de</strong> CiênciasFísicas e Naturais; noções <strong>de</strong> Fisiologia; Higiene e Higiene Escolar; noções <strong>de</strong> Agricultura;noções <strong>de</strong> Agrimensura; noções <strong>de</strong> Agricultura; noções <strong>de</strong> Economia Política; Pedagogia;Instrução Moral e Cívica; Desenho Geométrico, Topográfico, <strong>de</strong> Ornatos, <strong>de</strong> Paisagens e <strong>de</strong>Figuras; Caligrafia; Música; Ginástica; Trabalhos <strong>de</strong> Agulha e Economia Doméstica (para asalunas); Lições <strong>de</strong> Cousas e Legislação do Ensino Primário (MINAS GERAES, 29/08/1892,p. 782).Concordamos com Mourão (1962, p. 33), quando este afirma que: “Sob certosaspectos, o currículo era excessivo, pelo menos <strong>em</strong> extensão. Ilusória era a exigência <strong>de</strong>noções <strong>de</strong> Economia Política, Agricultura (salvo para os que se <strong>de</strong>stinavam a escolas rurais),Fisiologia, Agrimensura, Desenho Topográfico e <strong>de</strong> Paisagens, b<strong>em</strong> como Legislação doEnsino, para futuros professores primários.”. Imaginar que os alunos pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> apreen<strong>de</strong>r talquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos era, s<strong>em</strong> dúvida, uma pretensão <strong>de</strong>scabida 101 .Com umcurrículo tão extenso, era esperado que os <strong>programa</strong>s per<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong> o quetinham <strong>em</strong> extensão. Dessa forma, o governo estadual incorria no mesmo erro <strong>de</strong> BenjaminConstant, ao misturar os pressupostos positivistas – carregando o currículo com disciplinasconsi<strong>de</strong>radas científicas – com os pressupostos enciclopedistas – procurando transmitir,durante o período <strong>de</strong> curso, o maior número possível <strong>de</strong> conteúdos consi<strong>de</strong>rados importantes.Apesar das marcantes características enciclopedistas do novo currículo das escolasnormais, o artigo 168 da lei tentava resguardar os aspectos formativos do curso, ao <strong>de</strong>terminarque:Não será permittido processo algum que anime o trabalho machinal esubstitua a reflexão por um esforço <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória. Assim, o ensino <strong>de</strong>verá serfeito intuitivamente, por meio <strong>de</strong> cousas, <strong>em</strong> todas as matérias que se pu<strong>de</strong>rapplicar esse processo, e principalmente nas escolas praticas, quando setiver <strong>de</strong> ensinar a meninos s<strong>em</strong> cultivo algum intellectual (MINASGERAES, 29/08/1892, p. 783).101 Com base neste raciocínio, <strong>em</strong> 14/09/1897, durante o governo <strong>de</strong> Bias Fortes, foi promulgada a Lei nº 221que, <strong>de</strong>ntre outras medidas relativas ao ensino, suprimiu do currículo das escolas normais as noções <strong>de</strong>Agricultura e <strong>de</strong> Agrimensura, julgando-as prescindíveis ao ensino normal.


181Ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o método intuitivo 102<strong>de</strong> Pestalozzi, feito por lições <strong>de</strong> coisas, a lei<strong>de</strong>ixava transparecer os primeiros ensaios <strong>de</strong> renovação pedagógica no ensino públicomineiro, com a conseqüente valorização da observação, da experiência sensorial, da educaçãodos sentidos e da reflexão, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento do ensino baseado unicamente na exposição e nam<strong>em</strong>orização (TANURI, 2000). Por outro lado, <strong>de</strong> forma contraditória, ao sobrecarregar ocurso com matérias técnicas e conteúdos enciclopédicos, transparecia a influência daspedagogias positivistas e tradicionais. De qualquer forma, a nosso ver, a Lei nº 41 teve omérito <strong>de</strong> ousar – chegando a pecar pelo excesso – e <strong>de</strong> tentar dar aos cursos normais aqualida<strong>de</strong> que s<strong>em</strong>pre lhes faltara.Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que valorizava o currículo, esten<strong>de</strong>ndo-o até por <strong>de</strong>mais,aparece, na Lei nº 41, o surpreen<strong>de</strong>nte artigo 218, que dava aos alunos, no ato da matrícula, odireito <strong>de</strong> inscrever<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> exames <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> qualquer dos três primeiros anos; seaprovados, po<strong>de</strong>riam matricular-se no ano imediatamene superior, avançando <strong>de</strong> nível. Esseexpediente possibilitava aos alunos mais avançados fazer o curso da escola normal <strong>em</strong> umprazo inferior aos quatro anos legais. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> curso era aindamais radical no caso previsto no Capítulo XIII (Disposições Gerais) da lei, ao prever que:Art. 239. E’ permittido a qualquer pessoa requerer exames vagos dasmatérias constitutivas do curso normal afim <strong>de</strong> obter o diploma <strong>de</strong>normalista.Paragrapho único. Estes exames <strong>de</strong>verao se effectuar após os dosalumnos-mestres. [...]Art. 241. Estes exames serão prestados por matérias, tendo-se <strong>em</strong> vistaa <strong>de</strong>pendência lógica das mesmas, conforme a instituição do curso normal(MINAS GERAES, 29/08/1892, p. 784).Na prática, essa abertura permitia que qualquer pessoa pu<strong>de</strong>sse requerer exames vagosdas matérias curriculares do curso normal, a fim <strong>de</strong> obter o diploma <strong>de</strong> normalista. Ou, <strong>em</strong>outras palavras, a lei reconhecia ser possível ao futuro professor vir a formar-se através dainstrução particular ou do esforço autodidata, tornando opcional a freqüência no curso normalregular, necessitando recorrer à escola normal apenas para submeter-se aos exames.102 O ensino intuitivo consi<strong>de</strong>ra que exist<strong>em</strong> três tipos <strong>de</strong> intuição: a intuição sensível, a intuição intelectual e aintuição moral. A intuição sensível é consi<strong>de</strong>rada como a primeira etapa do método: conhecida no ensinoprimário e nos jardins <strong>de</strong> infância sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> lições <strong>de</strong> coisas, consiste <strong>em</strong> levar o aluno a adquiriruma idéia abstrata, colocando um objeto concreto diante <strong>de</strong>le, o qual ele possa observar, ver, sentir, tocar,distinguir, medir, comparar, nomear, para <strong>de</strong>pois conhecer, ou seja, educar os sentidos para <strong>de</strong>pois exercê-los. Asegunda forma <strong>de</strong> intuição é a intelectual, que consiste no <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência por meio doraciocínio, da abstração e da reflexão, ultrapassando a intuição sensível. A intuição moral ocupa o terceiro grauno <strong>de</strong>senvolvimento do ensino intuitivo e consiste <strong>em</strong> educar a criança nos aspectos morais e sociais. O métodointuitivo utiliza os objetos como suporte didático, e os sentidos possibilitam a produção <strong>de</strong> idéias, iniciando doconcreto e ascen<strong>de</strong>ndo à abstração. Os sentidos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser educados para obter o conhecimento, passando daintuição dos sentidos para a intuição intelectual e, por fim, para a intuição moral (VALDEMARIN, 2004).


182Por outro lado, procurando compensar os professores formados pelas escolas normais,a Lei nº 41 previa que:Art. 221. Aos normalistas assistirão as seguintes vantagens:I. Preferência para o provimento <strong>de</strong> qualquer ca<strong>de</strong>ira;II. Nomeação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> concurso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a requeiram, si nãohouver outro concurrente normalista;III. Preferência para a nomeação <strong>de</strong> inspectores escolares, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ter<strong>em</strong> exercido o magistério com reconhecida competência; [...] (MINASGERAES, 29/08/1892, p. 784).Entretanto, percebe-se que, ao dar aos normalistas a preferência para o provimento <strong>de</strong>qualquer ca<strong>de</strong>ira, a lei <strong>de</strong>ixava clara, também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomeação <strong>de</strong> pessoas nãodiplomadas pelo curso normal (MOURÃO, 1962). Essa falta <strong>de</strong> proteção aos professoresprofissionais formados pelas escolas normais era parcialmente compensada pela preferênciadada a eles no preenchimento dos cargos <strong>de</strong> inspetores escolares e pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<strong>em</strong>nomeados s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar por concursos públicos.Comparado ao currículo <strong>de</strong> 1883, o novo regulamento <strong>de</strong> 1892, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> coma Constituição <strong>de</strong> 1891, não previa o ensino religioso no curso normal. A disciplina Instruçãomoral, religiosa e cívica foi substituída por Instrução moral e cívica, mas com os mesmosefeitos disciplinadores, só que numa visão positivista laica. Borges (2005) l<strong>em</strong>bra que,naquele período, a prática pedagógica das escolas normais mineiras, que, por sua vez, tinhacomo base o Positivismo Educacional, relacionava-se com dois aspectos fundamentais doprojeto republicano <strong>de</strong> escola: 1º) com a moral e o civismo; 2º) com a preparação para otrabalho.A formação moral e cívica hasteava-se <strong>em</strong> preceitos oriundos do evolucionismo,principalmente nos estudos <strong>de</strong> Herbert Spencer, que consi<strong>de</strong>rava não ser<strong>em</strong> as criançasnaturalmente boas e que era necessário domar seus maus instintos. “Com base noevolucionismo, construiu-se a idéia <strong>de</strong> que a finalida<strong>de</strong> básica da educação, especialmente aescolar, seria adaptar o indivíduo ao meio <strong>em</strong> que ele se inserisse. Dessa finalida<strong>de</strong> adveioacentuada ênfase na educação moral e cívica” (BORGES, 2005, p. 237).Já a formação para o trabalho transparece no currículo do ensino normal através daexistência <strong>de</strong> disciplinas profissionalizantes. Nesse caso, percebe-se uma diferenciação: <strong>de</strong> umlado, para as mulheres, as disciplinas visando à preparação para o trabalho doméstico(Trabalhos <strong>de</strong> Agulha e Economia Doméstica); <strong>de</strong> outro, Oficinas Úteis <strong>de</strong> Agricultura eAgrimensura, para os meninos (BORGES, 2005). Nesse aspecto, ao persistir no tratamento<strong>de</strong>sigual dado a cada sexo, a escola normal republicana, apesar <strong>de</strong> rejeitar as antigas tradições,


183consi<strong>de</strong>radas metafísicas e não-científicas, manteve o conservadorismo dos t<strong>em</strong>pos imperiais,buscando preservar a dominação masculina.O universo machista procura, s<strong>em</strong>pre, perpetuar-se no po<strong>de</strong>r e, para tal,realiza construções práticas que legitimam e justificam as diferenças. Nesseprocesso, alguns preceitos científicos lhe foram acrescidos, na construçãodo mundo mo<strong>de</strong>rno, como o caso da biologia, da psicologia e da sociologia,as quais <strong>de</strong>tectam as diferenças, sejam elas biológicas, sejam elaspsicológicas ou mesmo sociológicas. A mo<strong>de</strong>rnização, sob as bases <strong>de</strong> umuniverso simbólico distinto, nada mais fez que perpetuar uma discriminaçãotradicional, ressignificando-a [...] (BORGES, 2005, p. 241).Sendo, pois, um locus on<strong>de</strong> se contrapõ<strong>em</strong> diferentes forças e on<strong>de</strong> se travamconstantes lutas pelo po<strong>de</strong>r, a escola é uma instituição social que reflete os conflitos e ascarências da socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se insere. Nessa perspectiva, pensamos ser importante um breveresgate histórico acerca <strong>de</strong> um dos acontecimentos relacionados à primeira Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba mais l<strong>em</strong>brados pela história tradicional: o assassinato do professor Antônio PereiraArtiaga, na ocasião <strong>em</strong> que este ocupava o cargo <strong>de</strong> diretor da escola. Bilharinho (2006f)afirma que, <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1897, uma violenta discussão, movida por motivos políticos,terminou com o assassinato do diretor da Escola Normal pelo professor <strong>de</strong> Português daescola e poeta <strong>de</strong> renome regional, Arthur Lobo 103 . Mendonça (1974) também afirma que oassassinato teve motivações políticas.Naquela ocasião, pelo fato <strong>de</strong> ambos os envolvidos no episódio ser<strong>em</strong> pessoasconhecidas e benquistas <strong>em</strong> Uberaba, a ocorrência teve gran<strong>de</strong> repercussão na região e foiamplamente coberta pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa locais: “T<strong>em</strong> sido recebida com profundamagua <strong>em</strong> todo o Triangulo Mineiro a noticia dos acontecimentos que teve por theatro aEscola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>.” (JORNAL DE UBERABA, 25/07/1897, p. 3).Poeta, boêmio e jornalista, Arthur Lobo era muito querido nos círculos culturais <strong>de</strong>Uberaba, ao contrário <strong>de</strong> José Pereira Artiaga, que, apesar dos incontestes dons oratórios, eradotado <strong>de</strong> t<strong>em</strong>peramento forte, o que o tornava pouco popular. Esse fato é facilmentepercebido nos vários artigos <strong>de</strong> jornais da época, que <strong>de</strong>fendiam a absolvição do poeta. Num<strong>de</strong>les, publicado dias antes do primeiro julgamento, Arthur Lobo aparece como vítima docrime que cometera, tomando o lugar <strong>de</strong> Artiaga:A Lei vai apenas attingir um corpo, encarcerando-o; o espirito esse já103 Arthur Lobo (1869-1901) era natural <strong>de</strong> Montes Claros – MG. Poeta conhecido na região, é autor das obrasQuermesses, Envangelhos, Ritmos e Rimas, Lazeres, Rosais, O Outro, Livro do Zezé, <strong>de</strong>ntre outras. Em Uberaba,foi professor da Escola Normal e <strong>de</strong>dicou-se também ao comércio <strong>de</strong> jóias. Após o julgamento a que foisubmetido <strong>em</strong> Uberaba, mudou-se para a nova capital mineira, on<strong>de</strong> fundou, <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> com Men<strong>de</strong>sPimentel e Azevedo Jr., o jornal Diário <strong>de</strong> Minas. (MENDONÇA, 1974; TORRES, 1962)


184começou a sua expiação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento fatal do crime. Pobre poeta! Tu éque és digno <strong>de</strong> lastima! Antigamente vivias tão feliz com a tua musa,ouvindo-a e traduzindo <strong>em</strong> estrophes ab<strong>em</strong>oladas o que ella te dizia, e hoje?Vives torturado pela tua própria Alma; caminha como César, ouvindo <strong>de</strong>instante a instante uma voz r<strong>em</strong><strong>em</strong>oradora, que l<strong>em</strong>bra o funesto caso... esoffres. Os juizes hão <strong>de</strong> ter misericórdia <strong>de</strong> ti, elles serão maiscomplacentes do que a criança intima não permittindo que se perca paras<strong>em</strong>pre, entre os muros humidos <strong>de</strong> uma prisão, um hom<strong>em</strong> honesto e umartista requintado. Como teu irmão venho acompanhar-te para que te nãopese tanto o cruzeiro que vais arrastando penosamente. Pobre alma! Pobrealma! (GAZETA DE UBERABA, 12/09/1897, p. 2)Segundo Bilharinho (2006f), como conseqüência do crime, mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong>maçons da loja maçônica União Fraternal abandonaram essa instituição e fundaram outraloja, <strong>de</strong>nominada Pátria Universal. O julgamento <strong>de</strong> Artur Lobo perdurou por vários meses,com a presença <strong>de</strong> advogados <strong>de</strong> renome <strong>em</strong> todo o país, <strong>de</strong>ntre eles o Dr. Alfredo Pujol, eterminou com a absolvição do poeta (MENDONÇA, 1974).Nossas investigações acerca do crime ocorrido na Escola Normal trouxeram asseguintes revelações: no primeiro julgamento, ocorrido no dia 01/10/1897, o poeta foiabsolvido, já que o assassinato foi consi<strong>de</strong>rado como legítima <strong>de</strong>fesa. Os argumentosutilizados pela <strong>de</strong>fesa e aceitos pelo júri não falam <strong>em</strong> crime político – <strong>em</strong>bora esse tenhasido, para a promotoria, o motivo do crime – e sim <strong>em</strong> um confronto armado causado pelaperseguição que o diretor Artiaga movia contra o professor Arthur Lobo. Essa versão foi<strong>de</strong>fendida também no segundo julgamento, ocorrido no dia 26/06/1898, no qual o poeta foinovamente absolvido.Segundo a versão da <strong>de</strong>fesa, narrada abaixo pelo articulista do jornal Gazeta <strong>de</strong>Uberaba, o diretor invejava o prestígio que o professor tinha perante a socieda<strong>de</strong> local – e quepo<strong>de</strong>ria, qu<strong>em</strong> sabe, levá-lo ao cargo <strong>de</strong> diretor da Escola Normal – e passou a persegui-lo:Artiaga, forte na sua robustez physica, altamente excitado pelo rancor que otorturava, assediava o poeta por todos os meios e modos, comprimindo-onum círculo infernal <strong>de</strong> pequeninos ardis, <strong>de</strong> baixos tramas ao seu inflexívelcaracter. Entretanto isso era esforço baldado que não lograva o fim –aniquilar moralmente o poeta por uma accintosa <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> professor daEscola, cuja Artiaga era o director (GAZETA DE UBERABA, 13/05/1898,p. 2).Ainda segundo o mesmo jornalista, Artiaga se teria aproveitado <strong>de</strong> algumas faltas àsaulas, cometidas por Arthur Lobo, para repreendê-lo através <strong>de</strong> um ofício público, primeiropasso para consumar a sua <strong>de</strong>missão do cargo <strong>de</strong> professor da escola. Como o Regulamentoda Escola Normal previa que as faltas podiam ser justificadas e que o professor teria direito,<strong>em</strong> primeira instância, a uma simples advertência <strong>em</strong> particular, seguida <strong>de</strong> uma advertência


185perante aos <strong>de</strong>mais professores da escola, Arthur Lobo reclamou que a medida tomada pelodiretor era ilegal, iniciando-se uma dura discussão.Arthur insistiu e exigiu a retirada da nota por ser illegal. Artiaga respon<strong>de</strong>uque effectivamente era, mas não a retiraria. Arthur replicou que tinha a leipor si e havia <strong>de</strong> fazer valer os seus direitos. A isso o moço Artiagarespon<strong>de</strong>u com uma obscenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arrieiro e ao t<strong>em</strong>po que fallava saccou<strong>de</strong> um revolver e fez fogo sobre o poeta. Arthur, allucinado pelaimpetuosida<strong>de</strong> e vilesa <strong>de</strong>sse ataque, respon<strong>de</strong>u no mesmo tom, bala a bala,e o tenente rolou para morrer dahi a horas com o coração varado. (GAZETADE UBERABA, 19/05/1898, p. 2)Percebe-se que há uma clara tendência do órgão <strong>de</strong> imprensa <strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o poetaArthur Lobo, por ser este um articulista colaborador dos jornais locais. O fato é que, apósouvir algumas test<strong>em</strong>unhas, na maioria funcionários e professores da Escola Normal(Alexandre Barbosa, Antônio Mame<strong>de</strong> Coutinho, etc.), o tribunal acatou a versão acima e,oficialmente, elegeu-a como verda<strong>de</strong>ira.O episódio envolvendo o assassinato do diretor Antônio Artiaga r<strong>em</strong>ete-nos a umareflexão acerca <strong>de</strong> alguns usos e costumes típicos daquela época, como é o caso doscorriqueiros assassinatos que ocorriam <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa da honra ou <strong>em</strong> legítima <strong>de</strong>fesa. O porte <strong>de</strong>armas <strong>de</strong> fogo era comum, mesmo entre cidadãos pacatos ou intelectuais, como po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do confronto armado travado entre os dois lentes da Escola Normal – naqueleepisódio, ambos encontravam-se munidos <strong>de</strong> revólveres <strong>de</strong>ntro do estabelecimento <strong>de</strong> ensino.Em outra ocasião, no dia 01/09/1895, o professor Alexandre Barbosa, um dos maisadmirados intelectuais <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> todos os t<strong>em</strong>pos, assassinou a tiros um supostoagressor. Segundo notícia publicada no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, ao regressar para a chácaraon<strong>de</strong> residia, a 4 km <strong>de</strong> Uberaba, Barbosa foi atacado por um hom<strong>em</strong> armado com uma faca e,para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se, acabou matando-o.[...] nunca digas, porém, que o nosso concidadão é um assassino; distingueo simples homicida, a qu<strong>em</strong> aggressor injusto, imperdoável ou o que maisseja, collocou na circumstancia especialissima <strong>de</strong> escolher uma das pontasdo terrível dil<strong>em</strong>ma – matar ou morrer. Sancho <strong>de</strong> tal foi ferido por umabala <strong>de</strong> rewolver, quando, <strong>em</strong>punhando uma faca, perseguia o nosso amigo,querendo matal-o; para reduzir o terreno, <strong>em</strong> que o aggredido pu<strong>de</strong>sse<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se ou por on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse escapar-lhe, o aggressor açulava algunscães bravos contra o cidadão pacifico, a qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>via favores e até respeito.Era <strong>de</strong>mais. (GAZETA DE UBERABA, 08/09/1895, p. 2)Outros jornais também apoiaram incondicionalmente o professor da Escola Normal,como foi o caso do Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba – a versão da legítima <strong>de</strong>fesa era dada como certa,mesmo antes do julgamento <strong>de</strong> Barbosa. No artigo abaixo transcrito, percebe-se também o


186respeito que a população <strong>em</strong> geral tinha <strong>em</strong> relação àquele professor, admiração que seestendia aos mestres <strong>em</strong> geral, apesar dos baixos salários da profissão e do <strong>de</strong>sprestígio daclasse junto ao Estado. Diz um trecho do artigo:[...] o illustre professor da Escola Normal, ex-<strong>de</strong>putado do 1º CongressoConstituinte e Legislativo do Estado, o muito honrado e digno sr. AlexandreBarbosa, fôra obrigado a exercer o seu direito <strong>de</strong> legitima <strong>de</strong>fesa,relativamente a um acelerado, que tentou contra sua preciosa existência. [...]Uma perfeita romaria t<strong>em</strong>-se estabelecido esses dias <strong>em</strong> movimentocontinuo para a ca<strong>de</strong>ia da cida<strong>de</strong>. Todos vão <strong>em</strong> visita ao precioso <strong>de</strong>tento,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as creanças, os moços, que receb<strong>em</strong> <strong>de</strong> seus lábios a luz dainstrucção, até os velhos, os responsáveis e representantes das nossasclasses conservadoras que se acostumaram a ver nelle, enfeixadas, as maisbrilhantes virtu<strong>de</strong>s cívicas e particulares (CIDADE DE UBERABA,08/09/1895, p. 1)Como no caso <strong>de</strong> Arthur Lobo, também Alexandre Barbosa acabou absolvido daacusação <strong>de</strong> assassinato:No dia 4 terminaram-se os trabalhos da 4ª e ultima sessão do jury <strong>de</strong>steanno: foram julgados tres processos, proferindo-se tres absolvições, entre asquaes é a <strong>de</strong> Alexandre Barbosa, cuja acção foi a <strong>de</strong>fesa legitima a maisb<strong>em</strong> caracterisada que conheço, verda<strong>de</strong>ira victoria do direito, como disse oseu illustrado advogado (GAZETA DE UBERABA, 10/10/1895, p. 2).Banhada <strong>em</strong> escândalos políticos, agressões e até <strong>em</strong> um assassinato, à medida que osanos passavam, a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba afastava-se cada vez mais <strong>de</strong> seu objetivofundamental: a formação <strong>de</strong> professores. Transformada num palco <strong>de</strong> disputas políticas – que,<strong>em</strong> última instância, correspondiam aos interesses dos grupos que lutavam pelo po<strong>de</strong>r –, aEscola Normal continuava sendo alvo <strong>de</strong> críticas:E’ lastimavel a direcção que vae tomando a Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>,muito <strong>em</strong>bora alguns reparos no prédio e acquisição <strong>de</strong> material <strong>de</strong> ensinopareçam a alguns um progresso, que aliás b<strong>em</strong> pouco influe na orientaçãopedagógica e no elevantamento moral e intellectual daquella casa <strong>de</strong>instrucção publica, para a qual tão manifesta t<strong>em</strong> sido ultimamente a boavonta<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res públicos, não só facilitando os meios <strong>de</strong>melhoramentos, como votando largas verbas para o mesmo fim (SÃOPAULO E MINAS, 02/07/1896, p. 1).Ao que parece, conforme po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do artigo anterior, a <strong>de</strong>cadência daEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba – que podia ser observada, principalmente, na progressiva reduçãono número <strong>de</strong> seus alunos – não po<strong>de</strong> ser atribuída, primordialmente, à falta <strong>de</strong> recursos parasua manutenção, como <strong>de</strong>duzimos <strong>de</strong> outra reportag<strong>em</strong> jornalística, que noticia a chegada <strong>de</strong>novos equipamentos para a escola:Para a Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> chegado gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong>apparelhos <strong>de</strong>stinado á ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sciencias physicas e naturaes. E’


187manifesta a boa vonta<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res publicos do Estado para com aquelleestabelecimento <strong>de</strong> ensino, e Oxalá se estenda ella a todos osestabelecimentos congeneres do Estado <strong>de</strong> Minas, on<strong>de</strong> o ensino se achadiffundido por todo o território, numa discentralização que benefecia adiversos pontos do Estado (SÃO PAULO E MINAS, 04/10/1896, p. 1).O fato é que a baixa procura pelo curso normal era <strong>de</strong>corrência da precarização domagistério. Mesmo com as promessas <strong>de</strong> reformulação do ensino e <strong>de</strong> valorização daprofissão docente, muito divulgadas nos primeiros t<strong>em</strong>pos republicanos, as condições <strong>de</strong> vidae <strong>de</strong> trabalho da imensa maioria do professorado mineiro era <strong>de</strong>sanimadora. Em 1892, umjornal uberabense alertava para esse probl<strong>em</strong>a:Escasseia extraordinariamente o pessoal para as funcções do magisterio euma das causas principaes é por s<strong>em</strong> duvida o minguado or<strong>de</strong>nado queperceb<strong>em</strong> os professores. Constant<strong>em</strong>ente são postas <strong>em</strong> concurso asdiversas ca<strong>de</strong>iras vagas nesta circumscripção litteraria e ningu<strong>em</strong> habilita-separa occupal-as, apesar da prévia publicação <strong>de</strong> editaes pela imprensa. [...]v<strong>em</strong>os com pezar que o professorado escasseia, t<strong>em</strong>endo-se talvez dasprivações por que passa <strong>em</strong> povoações affastadas e baldas <strong>de</strong> todos osrecursos necessarios para se manter. Assumpto <strong>de</strong> alta magnitu<strong>de</strong> como esse<strong>em</strong> que está envolvido o futuro da mocida<strong>de</strong>, hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> propugnar s<strong>em</strong>prepor elle, até que seja <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> modo e na altura <strong>de</strong> sua importância.Os habitantes da freguezia <strong>de</strong> S. Francisco <strong>de</strong> Salles, termo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Fructal, lamentam há muito a falta <strong>de</strong> um professor e diz<strong>em</strong>-nos, entreoutras, o seguinte: ‘Estamos aqui <strong>em</strong> uma verda<strong>de</strong>ira al<strong>de</strong>ia; os meninoscriam-se como selvagens, s<strong>em</strong> moral, s<strong>em</strong> lei, s<strong>em</strong> preceito algum. O queserá <strong>de</strong> nós <strong>em</strong> futuro próximo, si a mocida<strong>de</strong> que v<strong>em</strong> substituir-nos careceabsolutamente <strong>de</strong> luz e cultivo <strong>de</strong> intelligencia?!’ (GAZETA DEUBERABA, 20/02/1892, p. 1)No artigo anterior, perceb<strong>em</strong>os a importância que se dava ao professor, tido comosujeito imprescindível ao <strong>de</strong>senvolvimento humano e econômico do país. Entretanto, poroutro lado, dada a <strong>de</strong>svalorização da profissão, escasseavam cada vez mais os interessados <strong>em</strong>seguir tão nobre profissão. O efeito óbvio <strong>de</strong>ssa situação era o esvaziamento das escolasnormais, como foi o caso da instituição uberabense. Nos anos posteriores, mesmo com areforma da instrução pública estadual, a precarização do trabalho docente continuou a afastaros jovens das escolas normais, o que acabou por comprometer o futuro <strong>de</strong>ssas instituições.Como já tratamos no primeiro capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, a partir <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1897, nogoverno estadual <strong>de</strong> Silviano Brandão, foi posto <strong>em</strong> prática um extravagante <strong>programa</strong> <strong>de</strong>contenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas públicas, que incluía o fechamento <strong>de</strong> diversas escolas, <strong>de</strong> todos osníveis. O já apertado orçamento das escolas mineiras foi revisto para baixo e a economia <strong>de</strong>recursos foi o principal parâmetro que guiou o governo <strong>de</strong> Brandão. Além disso, através daLei nº 281 (Reforma Silviano Brandão), <strong>de</strong> 16/09/1899, o governo mineiro realizou uma


188reforma no ensino normal, simplificando o currículo das escolas normais e <strong>de</strong>terminando asupressão das instituições cuja freqüência anual fosse inferior a 50 alunos. Essa <strong>de</strong>terminaçãolegal colocava <strong>em</strong> risco o funcionamento da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba que, como já vimos,atraía cada vez menos alunos.No governo <strong>de</strong> Silviano Brandão, a <strong>de</strong>svalorização da profissão docente, conjugada àsituação <strong>de</strong> penúria a que foram relegadas as escolas normais mineiras, acelerou o processo <strong>de</strong>esvaziamento <strong>de</strong> alunos nessas instituições, principalmente nas séries mais avançadas,voltadas para a preparação do futuro professor. No segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1900, por ex<strong>em</strong>plo,enquanto as vagas disponíveis para o curso primário da escola anexa eram disputadas pordiversos alunos interessados, no ensino normal matricularam-se apenas 12 alunos regulares eoutros 11 ouvintes, distribuídos nos quatro anos do curso (GAZETA DE UBERABA,02/09/1900).Em junho <strong>de</strong> 1900, o Congresso Mineiro discutiu a proposta <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> algumasescolas normais do estado. Embora essa proposta não tenha vingado naquela ocasião, osparlamentares aprovaram outras medidas <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong> gastos, como a fusão <strong>de</strong> algumasca<strong>de</strong>iras e a supressão, nas escolas primárias anexas às escolas normais, da aula prática dosexo masculino, tornando a do sexo f<strong>em</strong>inino mista. Com isso, as professoras das escolasprimárias anexas tornaram-se responsáveis por salas <strong>de</strong> aula que, <strong>em</strong> geral, tinham mais <strong>de</strong> 50alunos <strong>de</strong> ambos os sexos (GAZETA DE UBERABA, 08/07/1900).Em agosto <strong>de</strong> 1900, o <strong>de</strong>putado Raposo <strong>de</strong> Almeida apresentou um novo projeto <strong>de</strong>lei, sugerindo o fechamento das escolas normais <strong>de</strong> Uberaba, Sabará, Arassuaí e São João DelRei, o que geraria economia suficiente para a abertura <strong>de</strong> uma escola normal <strong>em</strong> BeloHorizonte. Essa proposta foi energicamente criticada pela imprensa uberabense:O gran<strong>de</strong> raciocínio, o argumento Acchiles, <strong>de</strong> que lançam mão ospartidários da eliminação <strong>de</strong> nossa Escola Normal é a falta <strong>de</strong> freqüencia e onumero limitado <strong>de</strong> alumnos formados pela Escola. Em primeiro lugarcumpre notar que não é verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> todo a allegação quanto á primeiraparte. Si, na verda<strong>de</strong>, não se formam muitos estudantes na Escola Normal éisso <strong>de</strong>vido principalmente ao futuro nullo que nossas famílias enxergam nacarreira do magistério. Professor publico, entre nós, só se é por necessida<strong>de</strong>:ninguém <strong>de</strong> bom senso entregar-se-á a essa ingrata e <strong>de</strong>sprezada carreira.[...] Uberaba já per<strong>de</strong>u o Instituto Zootechnico. [...] Agora o sr. Raposo quereliminar nossa Escola Normal. O que nos fica? [...] Reforme-se a EscolaNormal, si ella precisa <strong>de</strong> reforma; estu<strong>de</strong>-se as causas do pretendidoabandono e trate-se <strong>de</strong> corrigil-as. Mas, por Deus, não <strong>de</strong>rroqu<strong>em</strong>ossyst<strong>em</strong>aticamente todos nossos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino! (GAZETA DEUBERABA, 19/08/1900, p.1)Conforme l<strong>em</strong>bra o autor do texto anterior, a baixa freqüência da Escola Normal não


189parecia estar relacionada à falta <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do ensino ou à falta <strong>de</strong> estrutura física dainstituição. Para ele, esse fato <strong>de</strong>via-se à falta <strong>de</strong> perspectivas <strong>em</strong> torno da profissão docente,opinião que também compartilhamos.Com o aprofundamento da crise financeira <strong>de</strong> Minas Gerais, o presi<strong>de</strong>nte do estado,Silviano Brandão, assinou, no dia 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1901, a Lei nº 318, que mandoususpen<strong>de</strong>r o funcionamento <strong>de</strong> todas as Escolas Normais. Diz a lei:CAPÍTULO IIISECRETARIA DO INTERIORArt. 6º – Ficam suspensas todas as Escolas Normais do Estado,continuando os professores a perceber meta<strong>de</strong> dos vencimentos atuais atéum ano da data <strong>de</strong>sta lei, salvo se os professores, por proposta da respectivacongregação, se obrigar<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 dias, a continuar no exercício <strong>de</strong>suas funções, apesar da redução <strong>de</strong> vencimentos, que serão <strong>de</strong> 1:800$000anuais.§ 1º – Se as Câmaras Municipais dos lugares on<strong>de</strong> existir<strong>em</strong> EscolasNormais quiser<strong>em</strong> manter esses estabelecimentos, entrarão <strong>em</strong> acordo,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ano, com o Governo do Estado, que neste caso prorrogará oprazo da disposição antece<strong>de</strong>nte. (TORRES, 1962-a, p. 1251)De acordo com Borges (2005), com a Lei nº 318, os professores das Escolas Normaisficaram totalmente <strong>de</strong>sestimulados, já que passaram a ganhar menos do que certos professoresprimários. Além disso, como resultado da mesma lei, as escolas que foram mantidas poralgumas Câmaras Municipais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser totalmente gratuitas, cabendo ao aluno pagaruma taxa <strong>de</strong> matrícula <strong>em</strong> duas prestações.Apesar do duro golpe <strong>de</strong>sferido pelo governo, a Escola Normal uberabense manteve oseu funcionamento regular até o ano <strong>de</strong> 1904, conforme pu<strong>de</strong>mos constatar nas pesquisasrealizada no arquivo do jornal Lavoura e Comércio. Um ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong>sse jornal mostra oresultado dos últimos exames realizados naquela instituição ao final <strong>de</strong> 1904:Resultado dos exames procedidos nos dias 26, 28, 29, 30 e 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro.2º ANNO - PHYSICAApprovados simplesmente. – Alexandre Medina Coeli, José <strong>de</strong> Oliveira,José Maccioti e Arlindo Costa.Deixaram <strong>de</strong> comparecer cinco alumnos.3º ANNO - HISTORIAApprovados plenamente. – Arlindo Costa e Álvaro dos Reis Ferreira. [...]TRABALHOS DE AGULHA - 1ª CLASSEAprovada com distincção. – Odilla Ferreira, bordadosAprovada plenamente. – Benedicta Rosa <strong>de</strong> Souza, bordadosAprovada simplesmente. – Thais Barthes e Nerolina Vaz <strong>de</strong> Mello,bordados e crochet.2ª CLASSEAprovadas com distincção – Julieta Nince, Angelina Nince e FranciscaFerreira Rios, crochet, tapeçaria e bordados. [...](LAVOURA E COMÉRCIO, 04/12/1904, p.2)


190Este artigo jornalístico mostra as últimas turmas do curso normal (e da escola primáriaanexa) a freqüentar<strong>em</strong> a escola, já que, no ano seguinte, suas ativida<strong>de</strong>s foram <strong>de</strong>finitivamentesuspensas e seu mobiliário cedido ao recém-criado Ginásio Diocesano do Sagrado Coração<strong>de</strong> Jesus, conforme po<strong>de</strong>mos observar <strong>em</strong> outra reportag<strong>em</strong> do mesmo jornal:Por or<strong>de</strong>m do sr. secretario do interior foi transferido ante-hont<strong>em</strong> para oGymnasio Diocesano todo o mobiliario, laboratorio e gabinete da EscolaNormal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. Apesar do governo haver or<strong>de</strong>nado a entrega dabibliotheca isto não se realisou ainda, <strong>em</strong> vista <strong>de</strong> novo pedido dirigido aosr. secretario do interior para que a mesma seja entregue ao ‘Gr<strong>em</strong>ioLitterario Bernardo Guimarães’ (LAVOURA E COMÉRCIO, 05/02/1905,p.1).V<strong>em</strong>os que a doação do material a uma escola particular religiosa foi contestada naocasião. M<strong>em</strong>bros do Grêmio Literário Bernardo Guimarães candidataram-se à posse dabiblioteca da Escola Normal, o que acabou concretizando-se, sendo o restante do materialdidático entregue aos Irmãos Maristas, como po<strong>de</strong>mos constatar na notícia seguinte:Conforme t<strong>em</strong>os noticiando, reabr<strong>em</strong>-se quarta-feira próxima,officialmente, as aulas do Gymnasio Diocesano do S. C. <strong>de</strong> Jesus,importantissimo estabelecimento <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> [...] O predio on<strong>de</strong>funcciona o b<strong>em</strong> conceituado collegio acaba <strong>de</strong> passar por gran<strong>de</strong>s eimportantes melhoramentos materiaes, como tiv<strong>em</strong>os ensejo <strong>de</strong> noticiar <strong>em</strong>uma <strong>de</strong> nossas passadas edições. A esses melhoramentos resta-nosacrescentar, o que faz<strong>em</strong>os com justo e sincero jubilo, que oimportantissimo instituto acaba <strong>de</strong> fazer utilissima acquisição, qual seja ados gabinetes e laboratórios <strong>de</strong> physica e chimica e mais material escolarpertencente á Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, ultimamente suspensa pelogoverno do Estado. (LAVOURA E COMÉRCIO, 09/02/1905, p.2)Em março <strong>de</strong> 1905, a Escola Normal foi <strong>de</strong>finitivamente fechada. Esse fato foilamentado pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa, que reconheceram a gran<strong>de</strong> perda que aquela medidatrouxera para a cida<strong>de</strong>, principalmente para a população mais pobre, que procurava, tanto naescola primária anexa, quanto no curso secundário, uma forma <strong>de</strong> ascensão social:Por or<strong>de</strong>m do ben<strong>em</strong>érito governo <strong>de</strong> Minas (não me afasto do estyloengrossativo <strong>de</strong>stes t<strong>em</strong>pos) que suspen<strong>de</strong>u ou supprimiu, não sei b<strong>em</strong>,todas as Escolas Normaes do Estado, on<strong>de</strong> os pobres iam receber instrucçãosó para fazer economias (!), foram entregues a terceiros, até segunda or<strong>de</strong>m,todo o material e a bibliotheca da Escola <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, visto não pertencer oprédio ao governo. No dia <strong>em</strong> que este se <strong>de</strong>soccupava, causava dó, comob<strong>em</strong> disse o sr. tenente-coronel Sampaio, <strong>em</strong> uma das suas cartas ao ‘Jornaldo Commercio’, qu<strong>em</strong> passasse <strong>em</strong> frente do estabelecimento que não haviamuito se enchia com a alegria das creanças, vel-o então silencioso e triste enu. Maldita economia! (REVISTA DE UBERABA, 1905, p. 338)A primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba terminava, então, a sua existência,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase 23 anos <strong>de</strong> funcionamento contínuo, sendo seus arquivos enviados para o


191governo estadual, estando parte <strong>de</strong>les, ainda hoje, preservados no Arquivo Público Mineiro.Durante esses anos, a instituição teve diversos diretores (Apêndice 3) e um gran<strong>de</strong>corpo docente (Apêndice 4). Pelas listas <strong>de</strong> docentes e <strong>de</strong> diretores da 1ª Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba, percebe-se que ela atraiu para a cida<strong>de</strong>, provenientes <strong>de</strong> outros pontos do Brasil <strong>em</strong>esmo do exterior, professores <strong>de</strong> alto nível como Alexandre Barbosa, Arthur Lobo, AtanásioSaltão, José Artiaga, Georges <strong>de</strong> Chirée, Alberto Parton e Paulo Barthes, intelectuais quetiveram <strong>de</strong>stacada atuação cultural e política na cida<strong>de</strong>, numa época <strong>em</strong> que Uberaba carecia<strong>de</strong>sse material humano. Desses personagens, <strong>de</strong>stacamos Alexandre Barbosa, professor <strong>em</strong>diversas instituições <strong>de</strong> ensino, político, pesquisador, militante sindical, etc.Criticada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação, às vezes <strong>de</strong>vido às interferências políticas quecomprometiam o seu funcionamento, outras vezes pela má qualida<strong>de</strong> do ensino praticado, aEscola Normal <strong>de</strong>ixou, porém, um importante legado, conforme l<strong>em</strong>bra um articulista dojornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba:Nota-se entretanto, má vonta<strong>de</strong> para com esta instituição, que, apesar dos<strong>de</strong>feitos que os mestres <strong>de</strong> obra feita apontam contra ella, muitos serviçost<strong>em</strong> prestado á mocida<strong>de</strong>, pois nas mais elevadas classes <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>há indivíduos que jamais outra instrucção receberam sinão alli, além <strong>de</strong>muitas distinctas senhoras que formam a elite <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. (GAZETA DEUBERABA, 17/05/1900, p.1)Além <strong>de</strong>ssas muitas senhoras que receberam educação naquela instituição <strong>de</strong> ensino,não visando ao magistério e sim à preparação para a vida na socieda<strong>de</strong>, foi na Escola Normalque se formaram muitos professores com gran<strong>de</strong> atuação na vida educacional da região,<strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacamos Alceu <strong>de</strong> Souza Novais 104 , Fernando <strong>de</strong> Araújo Vaz <strong>de</strong> Mello 105 ,João Augusto Chaves 106 , Bertholina Santos 107 , Salvina Umbellina Barra 108 , José Macciotti 109 ,Celina Severino Soares 110 , Corina <strong>de</strong> Oliveira 110 , Evarista Mo<strong>de</strong>sta dos Santos 110 , JoaquimAbbadia Fontoura 110 e Carolina Augusta da Silva 110 .Além <strong>de</strong> ter formado uma legião <strong>de</strong> professores, a Escola Normal, através <strong>de</strong> suaescola primária anexa ou <strong>de</strong> seu curso normal, forneceu instrução gratuita a jovens como104 Professor, jornalista, inspetor estadual <strong>de</strong> ensino, fundador e proprietário do Colégio Souza Novais.105 Por vários anos titular <strong>de</strong> uma das ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> instrução pública <strong>de</strong> Uberaba, professor e diretor do GrupoEscolar <strong>de</strong> Uberaba.106 Gran<strong>de</strong> nome do magistério uberabense. Professor do Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba, proprietário do efêmeroColégio Uberabense (que não <strong>de</strong>ve ser confundido com o colégio homônimo criado por Paulo Barthes),jornalista e lí<strong>de</strong>r espírita.107 Professora do Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba e proprietária <strong>de</strong> uma escola particular.108 Fundadora e professora do Externato Salvina, posteriormente transformado no Colégio Santa Filomena.109 Fundador, proprietário e professor da Escola <strong>de</strong> Comércio José Bonifácio.110 Professores públicos e <strong>de</strong> escolas particulares que atuaram <strong>em</strong> Uberaba.


192Fidélis Gonçalves dos Reis, José Maria dos Reis, Delci<strong>de</strong>s Lucas <strong>de</strong> Carvalho, Hil<strong>de</strong>brandoPontes, Quirino Pucci e outros, que viriam a se tornar gran<strong>de</strong>s expoentes da intelectualida<strong>de</strong>uberabense, fazendo parte da elite cultural da cida<strong>de</strong> nas décadas seguintes.A nosso ver, a partir <strong>de</strong> uma perspectiva histórico-crítica, <strong>em</strong> que o êxito do processo<strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong> só se concretiza, <strong>de</strong> fato, na ação intencional do educando sobre suaprática social (com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificá-la), enten<strong>de</strong>mos que essa geração <strong>de</strong> educadorese intelectuais, formados pela primeira Escola Normal uberabense, é o test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> que oprocesso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores que ali se <strong>de</strong>senvolveu não po<strong>de</strong> ser pr<strong>em</strong>aturamenteclassificado como arcaico ou pouco relevante. É inconteste a gran<strong>de</strong> contribuição dada àcomunida<strong>de</strong> local por aquela instituição <strong>de</strong> ensino – apesar <strong>de</strong> sua existência tumultuada –,constituindo-se num verda<strong>de</strong>iro ponto <strong>de</strong> inflexão no que se refere ao perfil do professoradouberabense: a partir da 1ª Escola Normal, o antigo mestre leigo, improvisado, começou ace<strong>de</strong>r o seu lugar para o mestre profissional, com formação específica para o magistério.Embora ainda <strong>de</strong>svalorizado profissionalmente, esse novo mestre vinha ao encontro dosanseios da nova burguesia da cida<strong>de</strong>, interessada <strong>em</strong> melhorar a qualificação da mão-<strong>de</strong>-obranecessária às ativida<strong>de</strong>s urbanas.3.4 O Instituto Zootécnico: a primeira instituição <strong>de</strong> ensino superior uberabenseConforme já tratamos no segundo capítulo, Uberaba nasceu <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência doprocesso <strong>de</strong> ocupação das terras oci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> Minas Gerais pelas ativida<strong>de</strong>s agropecuárias,que ocorreu após o colapso das ativida<strong>de</strong>s extrativistas nas regiões mineradoras. Mas, apesar<strong>de</strong> sua vocação natural para a pecuária, proporcionada pelas extraordinárias condiçõesnaturais da região, a produtivida<strong>de</strong> alcançada nessa ativida<strong>de</strong> era, no alvorecer da República,medíocre.Segundo Iglesias (1985), no Império, o sist<strong>em</strong>a produtivo tradicional, baseado na mão<strong>de</strong>-obraescrava, era pouco afeito a qualquer inovação, o que marcava, <strong>de</strong> modo profundo, asocieda<strong>de</strong> da época. Além disso, a tecnologia utilizada no campo era arcaica, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrênciada quase total ausência <strong>de</strong> profissionais com a formação necessária à implantação <strong>de</strong> novastécnicas agropecuárias. Nesse aspecto, Iglesias l<strong>em</strong>bra o pensamento da elite intelectual dofinal do século XIX, segundo o qual, o necessário[...] para melhorar a agricultura, não é a introdução <strong>de</strong> novas espécies <strong>de</strong>


193animais ou vegetais, como pensaram muitos na época, preocupados com ochá, o anil, a cochonilha, o camelo, mas a elevação do nível técnico dotrabalho, com o uso <strong>de</strong> instrumentos a<strong>de</strong>quados e o abandono <strong>de</strong> práticasantigas, <strong>de</strong> baixa produtivida<strong>de</strong>. A idéia comum para combate ao mal é oensino, com ca<strong>de</strong>iras ou escolas <strong>de</strong> agricultura, fazendas que serviss<strong>em</strong> <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>lo, ou a distribuição <strong>de</strong> obras sobre agricultura e indústria, <strong>de</strong> modo adivulgar novos métodos. (IGLESIAS, 1985, p.392)Esse r<strong>em</strong>édio aplicava-se também à pecuária praticada no interior brasileiro. Amelhoria genética do rebanho bovino, principalmente daquele criado nas regiões tropicais, erauma necessida<strong>de</strong> pr<strong>em</strong>ente, haja vista a baixa produtivida<strong>de</strong> do gado sertanejo. Obrigados aconcorrer, no mercado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong> outras capitais, com a carne proveniente do RioGran<strong>de</strong> do Sul e, principalmente, dos países platinos – Uruguai e Argentina –, on<strong>de</strong> sepraticava uma pecuária <strong>de</strong>senvolvida e muito mais produtiva, os produtores <strong>de</strong> Minas e Goiásviam-se, claramente, <strong>em</strong> <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong>. Essa melhor qualida<strong>de</strong> do gado criado nos pampas foiassim explicada por um jornal uberabense <strong>de</strong> 1899:Nas estâncias argentinas a t<strong>em</strong>peratura média é <strong>de</strong> 15º, não se encontrandologar algum <strong>de</strong> Minas Geraes on<strong>de</strong> a média seja a mesma. E’ esta a razãomais po<strong>de</strong>rosa da prosperida<strong>de</strong> do gado inglez ou normando naquelle paiz,s<strong>em</strong> fallar no syst<strong>em</strong>a mais ou menos intensivo, melhor alimentação eoutros cuidados dispensados ás raças para alli transportadas e ásconseqüentes <strong>de</strong> cruzamentos e mestiçagens cuidadosas (GAZETA DEUBERABA, 22/01/1899, p. 1).Na verda<strong>de</strong>, apesar da rusticida<strong>de</strong> da pecuária uberabense, os fazen<strong>de</strong>iros locais jávinham, há algum t<strong>em</strong>po, como já tratamos anteriormente, investindo seus capitais no<strong>de</strong>senvolvimento da pecuária bovina, conforme po<strong>de</strong>mos confirmar no seguinte artigo,publicado <strong>em</strong> 1888, ainda na era imperial:A principal industria <strong>de</strong>sta região, a pastoril, t<strong>em</strong> prosperado sensivelmentepelo crusamento das raças existentes entre si e com indivíduos <strong>de</strong> outrasraças importadas por creadores intelligentes. Embora os preços a que t<strong>em</strong>athingido o gado não hajam sido tanto quanto seria <strong>de</strong>sejável,compensadores dos esforços dos creadores, (isto <strong>de</strong>vido ás <strong>de</strong>spesas quefaz<strong>em</strong> com o transporte <strong>de</strong>lle para os pontos <strong>de</strong> venda) contudo essaindustria prospera e se aperfeiçoará cada vez mais pela aptidão dos nossoscampos para creação do gado (GAZETA DE UBERABA, 31/12/1888, p.1).A gran<strong>de</strong> revolução da pecuária regional <strong>de</strong>pendia, entretanto, da melhoria daspastagens e da seleção <strong>de</strong> raças bovinas mais produtivas. Conscientes <strong>de</strong>sse fato, as elitesrurais uberabenses ansiavam pela instalação, no município, <strong>de</strong> uma escola agrícola queformasse os técnicos necessários ao <strong>de</strong>senvolvimento do campo e ao melhoramento genéticodo rebanho, o que traria maior competitivida<strong>de</strong> aos produtores locais e levaria, <strong>em</strong> últimainstância, ao aumento dos lucros e ao acúmulo <strong>de</strong> capitais. Para isso, fazia-se necessária a


194implantação, pelo governo estadual, <strong>de</strong> uma escola superior <strong>de</strong> agricultura, o que pareciapouco provável, <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pequeno porte, localizada no sertãooci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> Minas Gerais e com pequena influência política. Com isso, era vital a a<strong>de</strong>são dasli<strong>de</strong>ranças políticas estaduais ao i<strong>de</strong>ário da burguesia rural, o que não era uma tarefa difícil, jáque a instalação <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> agricultura estava intimamente associada ao i<strong>de</strong>alrepublicano <strong>de</strong> progresso.Conforme l<strong>em</strong>bra Chauí (1994), via <strong>de</strong> regra, a arregimentação <strong>de</strong> aliados pelaburguesia, visando à concretização <strong>de</strong> seus planos expansionistas, é feita através da seduçãoi<strong>de</strong>ológica: “A i<strong>de</strong>ologia consiste precisamente na transformação das idéias da classedominante <strong>em</strong> idéias dominantes para a socieda<strong>de</strong> como um todo, <strong>de</strong> modo que a classe quedomina no plano material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual(das idéias)” (CHAUÍ, 1994, p. 93). Dessa forma, o sonho da oligarquia rural local <strong>de</strong>implantar, <strong>em</strong> Uberaba, uma escola superior <strong>de</strong> agricultura, tornou-se o sonho <strong>de</strong> toda asocieda<strong>de</strong> uberabense.No plano prático, dois fatos foram fundamentais para a concretização <strong>de</strong>sse sonho: oprimeiro fato foi a oportunida<strong>de</strong> surgida com a reforma da instrução pública, que estava sendoplanejada pelo governo do estado, e o segundo foi a eleição do professor Alexandre <strong>de</strong> SouzaBarbosa (1865–1940) para o cargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado estadual, representando Uberaba. Dada aimportância <strong>de</strong>sse cidadão para o processo <strong>de</strong> criação da primeira instituição <strong>de</strong> EnsinoSuperior <strong>de</strong> Uberaba, trar<strong>em</strong>os, a seguir, um pequeno trecho <strong>de</strong> sua biografia.Alexandre Barbosa era mineiro <strong>de</strong> Taboleiro Gran<strong>de</strong>, município <strong>de</strong> Sete Lagoas, e exs<strong>em</strong>inarista(GAZETA DE UBERABA, 10/10/1891). Em Ouro Preto, foi aprovado <strong>em</strong> umconcurso para professor <strong>de</strong> Geografia da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, mudando-se para acida<strong>de</strong> <strong>em</strong> 1885. Em 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1889, <strong>em</strong> resposta à visita do con<strong>de</strong> D’Eu (marido daprincesa Isabel) à Uberaba – para inaugurar a nova ferrovia –, ao lado <strong>de</strong> outros jovensintelectuais e políticos uberabenses, fundou o Clube Republicano 20 <strong>de</strong> Março e ingressou navida política. Com a chegada da República, Alexandre Barbosa foi um dos integrantes daJunta do Governo Provisório, criada para manter a or<strong>de</strong>m pública. Essa junta governativaserviu ao município até 14/02/1890, quando foi <strong>em</strong>possado o primeiro Conselho <strong>de</strong>Intendência, nomeado pelo governo estadual e tendo como inten<strong>de</strong>nte Wenceslau Pereira <strong>de</strong>Oliveira. Dentre os m<strong>em</strong>bros do conselho, estava Alexandre Barbosa (BILHARINHO,2006e). Em maio do mesmo ano, Barbosa pediu a sua exoneração do cargo, o que ficouregistrado no Livro <strong>de</strong> Atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba:


195Officio do cidadão inten<strong>de</strong>nte Alexandre <strong>de</strong> Souza Barboza, datado <strong>de</strong> 31do corrente mez, communicando que <strong>em</strong> consequência <strong>de</strong> trabalhos que seacha encarregado, rezolveu pedir sua exoneração do cargo <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>ssaIntendência e juntamente agra<strong>de</strong>cendo as attenções durante o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> queexerceu nesta a função na gerência dos negócios <strong>de</strong>ste município. Inteirado,manifestando os actuais m<strong>em</strong>bros da Intendência, muito pezar pela retirada<strong>de</strong> tão importante collega. (LIVRO DE ATAS DA CÂMARA, 31/05/1890,p. 61-verso)A seguir, no dia 13/06/1890, Barbosa participou da fundação do partido UniãoPolítica, ocupando sua vice-presidência; no início do ano seguinte, candidatou-se a uma vaga<strong>de</strong> Deputado Estadual. A apuração local da eleição para <strong>de</strong>putados e servidores do CongressoMineiro contabilizou os votos <strong>de</strong> Uberaba, Uberabinha (atual Uberlândia) e Dores do CampoFormoso (atual Campo Florido) 111 , e trouxe os seguintes candidatos mais votados, <strong>de</strong>ntre<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> candidatos participantes do pleito (LIVRO DE ATAS DA CÂMARAMUNICIPAL DE UBERBA, 04/02/1891, p. 67-verso): José Tavares <strong>de</strong> Mello (625 votos),Alexandre <strong>de</strong> Souza Barboza (624 votos), Comendador Francisco Ribeiro <strong>de</strong> Oliveira (620votos), Doutor Arthur Itabirano <strong>de</strong> Menezes (620 votos) e Doutor Augusto Cl<strong>em</strong>entino daSilva (614 votos). Mesmo com a segunda colocação, Barbosa elegeu-se <strong>de</strong>putado estadual,assumindo uma vaga no Congresso Mineiro e, por conseguinte, na Ass<strong>em</strong>bléia ConstituinteMineira.Alexandre Barbosa, <strong>em</strong>bora forasteiro e <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> simples, era um cidadão <strong>em</strong>ergente<strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> uberabense e o exercício <strong>de</strong> um cargo político era a porta <strong>de</strong> entrada parao convívio com a restrita elite cultural e econômica da cida<strong>de</strong>. Mesmo sendo um intelectual daclasse média, culto e i<strong>de</strong>alista, e que <strong>de</strong>dicou boa parte da vida às lutas sociais, Barbosaincorporou rapidamente os i<strong>de</strong>ais da burguesia rural e abraçou a causa da escola superior <strong>de</strong>agricultura 112 . Com relação às alianças <strong>de</strong>sse tipo – entre a burguesia e intelectuais da class<strong>em</strong>édia –, Chauí (1994) l<strong>em</strong>bra que a classe média é uma natural aliada da burguesia, já que aprimeira, intimamente, s<strong>em</strong>pre almeja galgar posições <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> burguesa.Por ser um professor ligado ao sist<strong>em</strong>a oficial <strong>de</strong> ensino, Barbosa foi escolhido paraintegrar a comissão encarregada <strong>de</strong> elaborar o projeto <strong>de</strong> lei que iria reger a instrução públicamineira. Pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois do início dos trabalhos da comissão, o culto parlamentaruberabense já chamava a atenção da imprensa mineira e foi assim retratado pelo jornal ARenascença, <strong>de</strong> São João Del Rei, na seção intitulada Galeria Parlamentar Mineira:111 No distrito <strong>de</strong> Conceição das Alagoas não houve eleição.112 È b<strong>em</strong> provável que essa a<strong>de</strong>são se tenha dado pela convicção interior do parlamentar <strong>de</strong> que a escola trariabenefícios à socieda<strong>de</strong> como um todo.


196Nas poucas vezes que t<strong>em</strong> occupado a tribuna revelou-se orador fluente,erudito, correcto e lógico. Do gran<strong>de</strong> projecto da reforma do ensino, ora <strong>em</strong>discussão, foi collaborador assíduo, e alli <strong>de</strong>ixou luminosos rastros <strong>de</strong> seusbrilhantes dotes intellectuaes. [...] Contando hoje apenas 26 annos, <strong>de</strong>estatura baixa e franzina, fronte espaçosa, olhar inquieto, usando <strong>de</strong> óculos,<strong>de</strong>spreoccupado do trajo, Alexandre Barboza t<strong>em</strong> já a fronte sulcada <strong>de</strong>rugas, que revelam o pensador philosopho, o estudioso, mas não occultam,n<strong>em</strong> impe<strong>de</strong>m a jovialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma alma sã e os característicos da maisacendrada lealda<strong>de</strong> e sincerida<strong>de</strong> (1891 apud GAZETA DE UBERABA,10/10/1891, p. 1)No dia 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1891, na 81ª Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados doEstado <strong>de</strong> Minas Gerais, Alexandre Barbosa, <strong>em</strong> parceria comoutros dois <strong>de</strong>putados,encaminhou uma <strong>em</strong>enda ao projeto <strong>de</strong> lei, a qual previa a instalação <strong>de</strong> um InstitutoZootécnico <strong>em</strong> Uberaba, além <strong>de</strong> um Instituto Agronômico, <strong>em</strong> Leopoldina.Surpreen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, a <strong>em</strong>enda – localizada por nós nos Anais dos Trabalhos da Câmara dosDeputados do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1892) – foi aprovada na reunião dodia seguinte e ganhou o número 217 (Anexo 9).Enquanto aguardava a tramitação do Projeto <strong>de</strong> Lei pela Câmara e pelo Senado, aimprensa uberabense procurava expor à população local os benefícios que uma instituição <strong>de</strong>ensino como o Instituto Zootécnico po<strong>de</strong>ria trazer para a região:[...] o Estado <strong>de</strong> Minas po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve intervir no melhoramento da industriapastoril, que al<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser já present<strong>em</strong>ente bastante prospera, é também afornecedora da força necessária a muitas outras industrias e que serve <strong>de</strong>meio <strong>de</strong> transporte para mercadorias por toda a parte, on<strong>de</strong> ainda nãochegou a Estrada <strong>de</strong> ferro. É preciso, porém, para que o auxilio do Estado setorne efficaz, que elle seja methodicamente ministrado. Deve-se começarpela creação <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino mo<strong>de</strong>sta, mas dotada <strong>de</strong> terreno,animaes, e material industrial e therapeutico. O plano <strong>de</strong> um instituto <strong>de</strong>ssaespécie, approvado no anno passado na Camara dos Deputados e que ora sediscute no Senado, contém precisamente as bazes <strong>de</strong> uma organisação quenão po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> produzir os mais benéficos resultados (GAZETA DEUBERABA, 21/05/1892, p. 1).O projeto <strong>de</strong> lei, já contendo a <strong>em</strong>enda 217, acabou transformado na Lei nº 41 (Anexo10), promulgada pelo governo do estado, <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892, a qual criou o InstitutoZootechnico <strong>de</strong> Uberaba, além <strong>de</strong> outros três institutos superiores:SECÇÃO IICAPITULO ÚNICOArt. 253. Com os recursos que na lei do orçamento do Estado for<strong>em</strong>opportunamente <strong>de</strong>terminados serão fundados e mantidos dois institutosagronômicos: um no município da Itabira, pela transformação proveitosa daEscola Agrícola que ora ahi custêa o Estado, e outro no município <strong>de</strong>Leopoldina; e dous institutos zootécnicos: um na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, eoutro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campanha (MINAS GERAES, 1893, p. 80).


197A notícia da aprovação da lei, criando o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba 113 , foirecebida com euforia pela população da cida<strong>de</strong>. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a nova escola viesse acontribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento da pecuária regional foi assim tratada num artigo publicadopelo jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba no ano <strong>de</strong> 1892, transcrito pelo jornal Correio Católico:O Instituto Zootechnico viria a ser um abundante foco <strong>de</strong> luz que regeneraráa industria pastoril nesta região. Nesse Instituto serão creados animais <strong>de</strong>raça, que irão melhorar a creação já existente: ahi se estudarão asenfermida<strong>de</strong>s do gado, o meio <strong>de</strong> curá-las. Ahi se applicarão os processosnecessários para a utilização mais econômica e rendoza dos productos daindustria pastoril. Certos estamos <strong>de</strong> que o illustre Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ste Estadonão <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar no sentido <strong>de</strong> ser dado começo a essainstituição [...] (apud CORREIO CATÓLICO, 04/12/1960, p.5)A primeira fase <strong>de</strong> implantação do Instituto Zootécnico ocorreu, parcialmente, nogoverno <strong>de</strong> Afonso Pena e, a partir <strong>de</strong> 07/09/1894, no governo do Sr. Crispim Jacques BiasFortes. Para iniciar os trabalhos, o então engenheiro da 4ª Circunscrição Literária 114 , Dr. JoãoPandiá Calógeras 115 foi encarregado <strong>de</strong> realizar um estudo das fazendas que oferecess<strong>em</strong> boascondições para a implantação do Instituto.No dia 11/08/1894, para dirigir o Instituto Zootécnico, foi nomeado pelo governoestadual o engenheiro agrônomo Ricardo Ernesto Ferreira <strong>de</strong> Carvalho. Já <strong>em</strong> Uberaba, onovo diretor percorreu as áreas escolhidas por João Calógeras. Dentre as fazendas113 Assim como os dois Institutos Agronômicos criados pela Lei nº 41, o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberabatambém visava à formação <strong>de</strong> engenheiros agrônomos, já que, naquela época, a profissão <strong>de</strong> zootecnista aindanão era regularizada, o que só aconteceu, no Brasil, <strong>em</strong> 1968, através da Lei N° 5.550 (ZOOTECNISTA, 2007).Acreditamos que a diferença <strong>de</strong> nome entre aquelas instituições <strong>de</strong>via-se à ênfase a ser dada no curso da escolauberabense, que, <strong>de</strong>vido às características da região (cujas ativida<strong>de</strong>s rurais eram majoritariamente voltadas paraa pecuária bovina), pretendia ser majoritariamente voltada para a formação zootécnica dos alunos.114 Com se<strong>de</strong> <strong>em</strong> Uberaba.115 João Pandiá Calógeras nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> 19/06/1870, <strong>em</strong> uma família <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> greco-francesa.Em 1890, formou-se engenheiro pela Escola <strong>de</strong> Minas <strong>de</strong> Ouro Preto e, <strong>em</strong> 1891, foi nomeado engenheiro doestado <strong>de</strong> Minas Gerais. Em 1894, assumiu o cargo <strong>de</strong> consultor técnico do secretário <strong>de</strong> Agricultura, Comércioe Obras Públicas <strong>de</strong> Minas Gerais, Francisco Sá, sendo <strong>de</strong>slocado para a 4ª Circunscrição Literária, sediada <strong>em</strong>Uberaba. Residiu na cida<strong>de</strong> por algum t<strong>em</strong>po, tendo sido, inclusive, lançado candidato a <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral poreste município, no pleito <strong>de</strong> 1895. No período <strong>de</strong> 1897 a 1914, foi eleito cinco vezes <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral por MinasGerais, alcançando gran<strong>de</strong> reputação como político. Foi ministro da Agricultura, Indústria e Comércio nogoverno <strong>de</strong> Wenceslau Brás; no mesmo governo, foi também ministro da Fazenda. No governo <strong>de</strong> EpitácioPessoa, foi ministro da Guerra, tendo promovido uma gran<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização no exército brasileiro. Em 1922,afastou-se da política e, entre 1923 e 1929, presidiu a Companhia Nacional <strong>de</strong> Artefatos <strong>de</strong> Cobre. Em 1928, foieleito presi<strong>de</strong>nte da Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Engenharia. Desenvolveu, por toda a vida, gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>intelectual como jornalista, conferencista e escritor. Em 1903, publicou seu primeiro livro, As minas do Brasil esua legislação; posteriormente, escreveu vários outros livros, <strong>de</strong>ntre os quais, A política monetária do Brasil(1910), Os jesuítas e o ensino (1911), Novos rumos econômicos (1912), Rio Branco e a política exterior (1916),A política exterior do Império (1927), Formação histórica do Brasil (1930) e Conceito cristão do trabalho(1933). Em 1933, com o objetivo <strong>de</strong> participar da Ass<strong>em</strong>bléia Nacional Constituinte, reelegeu-se <strong>de</strong>putadofe<strong>de</strong>ral (o mais votado <strong>de</strong> Minas Gerais), mas acabou falecendo <strong>em</strong> 1934, na vigência <strong>de</strong> seu mandato(PECHMAN, 2005).


198selecionadas pelo engenheiro, o novo diretor fez a escolha final, optando pela área pertencenteao Sr. José Bruno <strong>de</strong> Oliveira, a antiga chácara Boa Vista, que pertencera ao sargento-morAntônio Eustáquio da Silva e Oliveira, fundador da cida<strong>de</strong>. No dia 05/11/1894, jáconcretizada a aquisição da chácara pelo governo, o diretor passou a residir no prédioexistente naquele local (TRIBUNA DO POVO, 07/11/1894).A importância do estabelecimento <strong>de</strong> ensino para a cida<strong>de</strong> era, s<strong>em</strong> dúvida,reconhecida pela municipalida<strong>de</strong> local, como po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do trecho abaixo, retiradodo Livro <strong>de</strong> Atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, no qual o governo local <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> isentar oestado do pagamento do imposto relativo à compra da chácara <strong>de</strong>stinada a abrigar o InstitutoZootécnico:Tendo o Estado <strong>de</strong> realisar a compra da chácara do Capitão José Bruno <strong>de</strong>Oliveira para o Instituto Zootechnico, cuja compra já se realisou sendo aescriptura lavrada pelo tabelião João Baptista Pinheiro que expedio guiapara pagamento do imposto, o qual não foi pago, porque intendi ser <strong>de</strong>eqüida<strong>de</strong> não se cobrar, visto tratar-se <strong>de</strong> um melhoramento para omunicipio como é o que se trata, tanto assim que a Camara Municipal t<strong>em</strong><strong>em</strong> vista fazer a equisição <strong>de</strong> terrenos e offerecer ao Estado para esse fim.Está sábio o direito da municipalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver do Estado o imposto <strong>de</strong>1.800$000 réis se assim enten<strong>de</strong>r a maioria <strong>de</strong> seus m<strong>em</strong>bros. Sala dasSessões, 5 <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894. O Agente Executivo <strong>em</strong> exercício,Antero Rocha. Posto <strong>em</strong> discussão e votação foi approvado porunanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos (LIVRO DE ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DEUBERABA, 05/11/1894, p. 171).Em 11/08/1894, através do Decreto nº 760 (Anexo 11), o governo mineiro promulgouo regulamento dos institutos zootécnicos <strong>de</strong> Campanha e <strong>de</strong> Uberaba, sendo que o primeiron<strong>em</strong> chegaria a ser criado na prática. O Regulamento do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba sófoi aprovado no dia 27/10/1896, por meio do Decreto nº 975 (Anexo 13), mais <strong>de</strong> um anoapós o início das aulas naquela instituição. Em seu artigo primeiro, o regulamento afirma:Art. 1º. O Instituto Zootechnico <strong>de</strong> Uberaba t<strong>em</strong> por fim especial: 1º.preparar profissionaes para a industria criadora e para as mais importantesque se utilizam dos productos animaes; 2º. ministrar uma instrucçãoagrícola geral, theorica e pratica aos alumnos que o freqüentar<strong>em</strong> <strong>de</strong> modo aespalhar o mais possível no paiz os conhecimentos <strong>de</strong> agricultura racional;3º. estudar praticamente os meios <strong>de</strong> melhorar as raças <strong>de</strong> animaes do paiz,nos diversos pontos <strong>de</strong> vista da carne, do leite e do trabalho; 4º. fornecer aoscriadores reproductores <strong>de</strong> bôa raça, que para a cobrição no estabelecimentoou <strong>em</strong> postos estabelecidos nos municípios, quer por venda <strong>de</strong> animaesimportados do extrangeiro ou educados no Instituto; 5º. <strong>de</strong>senvolver acultura das plantas forraginosas apropriadas á alimentação dos animaes(MINAS GERAIS, 1896, p. 350).Comparando o Artigo 1º do Regulamento às reportagens jornalísticas publicadas nos


199jornais uberabenses po<strong>de</strong>mos perceber a clara proximida<strong>de</strong> entre os objetivos do InstitutoZootécnico <strong>de</strong> Uberaba e os interesses dos pecuaristas locais. Dessa forma, supor que a escolatenha sido criada para aten<strong>de</strong>r aos interesses utilitaristas da burguesia rural uberabense,interessada na formação <strong>de</strong> técnicos necessários ao avanço das ativida<strong>de</strong>s econômicas ligadasà bovinocultura, é uma hipótese bastante provável e que encontra amparo no texto doregulamento, quando ele afirma ter o instituto os seguintes fins: preparar os técnicosnecessários à indústria criadora; estudar os meios <strong>de</strong> melhoramento das raças criadas no país;fornecer reprodutores puro sangue; e <strong>de</strong>senvolver novas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> plantas forraginosas.Para concorrer a uma vaga no Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, o candidato <strong>de</strong>via: ter,no mínimo, 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>; apresentar atestado médico provando estar vacinado nosúltimos 5 anos; e apresentar certidões <strong>de</strong> aprovação <strong>em</strong> Português, Francês, História,Geografia Geral e do Brasil, Mat<strong>em</strong>ática El<strong>em</strong>entar e Noções <strong>de</strong> Cosmografia. Nos casos <strong>em</strong>que faltasse ao candidato uma ou mais certidões <strong>de</strong> aprovação, era permitido que o mesmo sesubmetesse a exames nessas matérias, perante uma comissão <strong>de</strong> professores nomeados pelodiretor do Instituto (MINAS GERAIS, 1896). Após esses exames <strong>de</strong> habilitação, um jornaloficial <strong>de</strong>veria divulgar a relação <strong>de</strong> aprovados.Os exames <strong>de</strong> habilitação dos candidatos interessados <strong>em</strong> compor a primeira turma doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba foram realizados no período <strong>de</strong> 5 a 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894,na Escola Normal da cida<strong>de</strong>. O jornal Minas Geraes, órgão <strong>de</strong> imprensa oficial do estado,assim noticiou o resultado dos exames:[...] Arthur Costa, Celso Antonio Rosa, Fi<strong>de</strong>lis Gonçalves dos Reis, FaustoAugusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira, Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo Pontes, José dos Santose Luiz Ignácio <strong>de</strong> Sousa Lima, approvados plenamente.Leônidas Antonio Rosa, José Maria dos Reis, Octavio Teixeira <strong>de</strong> Paivae Eduardo Affonso <strong>de</strong> Castro, approvados simplesmente.Foi dispensado <strong>de</strong> prestar exame <strong>de</strong> habilitação o alumno Alexandre <strong>de</strong>Sousa Barbosa 116 , por ser normalista e professor da escola normal daalludida cida<strong>de</strong>. (MINAS GERAES, 03/01/1895, p. 5)Apesar <strong>de</strong> já ter<strong>em</strong> sido selecionados os alunos <strong>de</strong> sua 1ª turma – além <strong>de</strong> já estar<strong>em</strong><strong>de</strong>vidamente nomeados parte <strong>de</strong> seus funcionários –, o Instituto Zootécnico não possuía,ainda, as instalações físicas e o aparelhamento necessários ao seu funcionamento, o que levouo Dr. Francisco Sá, Secretário <strong>de</strong> Estado dos Negócios da Agricultura do estado <strong>de</strong> MinasGerais, a adiar o início <strong>de</strong> seu funcionamento, conforme relata o próprio Francisco Sá:116 Percebe-se que o então <strong>de</strong>putado estadual, Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, pretendia ocupar uma das vagasoferecidas pelo Instituto Zootécnico, mas acabou <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong>ssa intenção, possivelmente <strong>em</strong> função <strong>de</strong> seuscompromissos profissionais.


200Como se vê do relatório anterior da Secretaria e consta do archivo, ainstallação do estabelecimento <strong>de</strong>veria ter tido logar a 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1895,por<strong>em</strong> permanecendo as difficulda<strong>de</strong>s para o prompto provimento dosmoveis, apparelhos e mais utensílios imprescindíveis á tal installação,man<strong>de</strong>i <strong>de</strong>clarar ao director do Instituto adiada aquella installação paraquando estivess<strong>em</strong> taes difficulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sapparecidas. (MINAS GERAES,26/10/1898, p.3)Em seu relatório publicado no Diário Oficial (MINAS GERAES, 26/10/1898), o Dr.Francisco Sá <strong>de</strong>screve ainda, minuciosamente, como foram realizadas as obras <strong>de</strong> implantaçãodo Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, no período <strong>de</strong> 1895 a 1998. Segundo ele, as obras paraadaptação do edifício <strong>de</strong>stinado ao Instituto haviam sido orçadas <strong>em</strong> 13:798$875 e foramautorizadas por um <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 19/11/1894, sendo contratadas por esse preço com oconstrutor Manoel Marinho 117 , <strong>em</strong> 23/01/1895, para executá-las <strong>em</strong> 3 meses, o que não foipossível, haja vista a precipitação anormal <strong>de</strong> chuvas que ocorreu naquele período <strong>em</strong>Uberaba, impedindo o tráfego regular na estrada <strong>de</strong> ferro e tornando impossível o transportedo material necessário às obras. Um novo <strong>de</strong>spacho, datado <strong>em</strong> 18/05/1895, prorrogou oprazo para conclusão das obras <strong>em</strong> mais 30 dias. As obras terminaram antes do prazo e, após avistoria do engenheiro João Pandiá Calógeras, o <strong>em</strong>preiteiro recebeu o pagamento final no dia05/06/1895.Em 01/03/1895, foi aprovado o orçamento para a construção dos estábulos doInstituto, tendo sido contratado para executar os serviços, pelo valor <strong>de</strong> 8:917$425, o EngºEmílio Campos. Iniciadas as obras, o diretor do Instituto, Dr. Ricardo Carvalho, percebeu anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar alguns <strong>de</strong>talhes do projeto inicial, o que resultou num aditivo <strong>de</strong>2:353$113 ao orçamento inicial. Em 27/05/1895, o <strong>em</strong>preiteiro recebeu o pagamento <strong>de</strong>meta<strong>de</strong> do valor inicial (4:458$712) e, <strong>em</strong> 30/08/1895, tendo concluído todos os serviçoscontratados, o Engº Emílio recebeu o pagamento <strong>de</strong> 6:811$826, relativo ao restante docontrato e das obras acrescidas (MINAS GERAES, 26/10/1898).Ainda segundo Francisco Sá (MINAS GERAES, 26/10/1898), as obras <strong>de</strong> implantaçãodo Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba incluíram o estabelecimento <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> experiências,<strong>de</strong>stinados ao ensaio <strong>de</strong> culturas das melhores plantas forraginosas indígenas e exóticas. Nodia 16/12/1897, o diretor do Instituto foi autorizado a <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r a importância <strong>de</strong> 3:499$400para esse fim. O fechamento do terreno com cercas consumiu 2:482$000 do valor total orçado117 O construtor Manoel Marinho era português <strong>de</strong> nascimento. Resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Uberaba, foi ele o responsável pelaconstrução <strong>de</strong> diversas edificações na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre as quais citamos o sobrado do coronel Edmundo BatistaMachado, o sobrado do coronel Tobias Antônio Rosa, o chalé do dr. Chrispiniano Tavares e o prédio do ColégioUberabense (PONTES, 1970).


201e foi pago ao <strong>em</strong>preiteiro <strong>em</strong> 03/03/1898, faltando ainda o estabelecimento do campoexperimental, que não foi concluído <strong>em</strong> razão <strong>de</strong> as chuvas torrenciais do início do ano ter<strong>em</strong>feito <strong>de</strong>smoronar as cercas antigas que haviam sido aproveitadas, exigindo do governo umorçamento compl<strong>em</strong>entar <strong>de</strong> 1:054$850 para o fechamento do terreno.Na instalação do Instituto Zootécnico, houve, segundo Francisco Sá, a preocupação,por parte do estado, <strong>de</strong> que não faltass<strong>em</strong> os móveis e os aparelhos necessários às aulaspráticas, indispensáveis à boa qualida<strong>de</strong> do curso. Diz o secretário:No intuito <strong>de</strong> ser o estabelecimento installado <strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>funccionar livr<strong>em</strong>ente todos os cursos confortavelmente para os alumnos epara os docentes, com todos os apparelhos que lhes exigir as<strong>de</strong>monstrações, or<strong>de</strong>nei ao director <strong>de</strong>ste estabelecimento queprovi<strong>de</strong>nciasse sobre a acquisição do material para o expediente, para oensino e para a commodida<strong>de</strong> publica, <strong>de</strong>clarando-lhe que o ensino theoriconão podia realizar-se s<strong>em</strong> ser também ministrado o ensino prático, pois assciencias iniciaes do curso não prescin<strong>de</strong>m da instrucção experimental, sobpena <strong>de</strong> annullar<strong>em</strong>-se os resultados das lições, e que o fim do Instituto éformar homens aptos para dirigir<strong>em</strong> e auxiliar<strong>em</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento daindustria pastoril e não theorica. (MINAS GERAES, 26/10/1898, p. 3)Os móveis da escola foram comprados dos seguintes fornecedores: MarcenariaBrasileira (2:049$), Vicente Ro<strong>de</strong>r & Comp. (1:820$) e Getúlio Machado & Irmão (240$000).Já os equipamentos e aparelhos do Instituto foram, <strong>em</strong> sua maior parte, comprados na Europa,enquanto o restante foi adquirido <strong>em</strong> território nacional: a <strong>em</strong>presa Fernan<strong>de</strong>s Maleno &Comp., da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, importou os aparelhos zoométricos que lhe forampedidos e, nos dias 18 e 27/12/1897, recebeu a importância <strong>de</strong> 5:577$390; os comerciantes <strong>de</strong>Uberaba, Lannes & Comp. forneceram as miu<strong>de</strong>zas necessárias ao laboratório <strong>de</strong> química ereceberam, <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 1898, um pagamento <strong>de</strong> 59$600 (MINAS GERAES, 26/10/1898).Os animais necessários ao Instituto foram apenas parcialmente adquiridos, conformeconsta no relatório do Dr. Francisco Sá. Segundo ele, foram comprados para o Instituto 39carneiros do Sr. Miguel Ribeiro da Silva Lisboa, <strong>de</strong> Barbacena. Entretanto, n<strong>em</strong> todos essesanimais foram consi<strong>de</strong>rados a<strong>de</strong>quados para os estudos <strong>de</strong> melhoramento da raça, sendo que odiretor do Instituto fez a venda dos ex<strong>em</strong>plares in<strong>de</strong>sejáveis. No dia 01/02/1898, o secretárioautorizou a compra <strong>de</strong> animais aptos a servir<strong>em</strong> aos estudos zootécnicos: uma parte dosanimais seria escolhida entre as raças indígenas e os <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>veriam ser reprodutoresconvenient<strong>em</strong>ente escolhidos entre as raças estrangeiras mais adaptáveis ao nosso clima,possibilitando assim, ao Instituto Zootécnico, realizar cruzamentos que levass<strong>em</strong> aomelhoramento das raças indígenas (MINAS GERAES, 26/10/1898).


202Para a compra dos reprodutores estrangeiros, o governo or<strong>de</strong>nou ao Dr. DavidCampista que fizesse as aquisições necessárias, no que seria auxiliado pelo Dr. HenriqueGorceix, processo que acabou interrompido pelo fechamento do Instituto. Em outubro/1898,com a escola já paralisada, a aquisição dos animais ainda estava <strong>em</strong> andamento, conformepo<strong>de</strong>mos verificar <strong>em</strong> um trecho do relatório <strong>de</strong> Francisco Sá:Pela correspondência trocada entre mim e o dr. Henrique Gorceix, possoannunciar estar<strong>em</strong> sendo feitas as compras e tomadas as providências para o<strong>em</strong>barque e recepção dos animaes. Aguarda a Secretaria o resultado <strong>de</strong>todas essas provi<strong>de</strong>ncias para po<strong>de</strong>r consi<strong>de</strong>rar convenient<strong>em</strong>ente installadoo Instituto, que <strong>de</strong>ntro <strong>em</strong> pouco virá trazer ao Estado benéficacompensação, muito principalmente á zona <strong>em</strong> que foi elle situado.(MINAS GERAES, 26/10/1898, p. 3)O relatório <strong>de</strong> Francisco Sá apresenta, também, a justificativa para a não instalação <strong>de</strong>um internato no Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba. Sobre essa questão, o secretário pon<strong>de</strong>ra <strong>em</strong>seu relatório:Não foi installado o internato, e n<strong>em</strong> parece conveniente tal installação, quevirá onerar o Estado com <strong>de</strong>spesas extraordinárias que reclamamestabelecimentos taes, principalmente <strong>em</strong> uma cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> não faltamrecursos para a installação confortável dos alunos do externato, rapazes quereclamam certa liberda<strong>de</strong>, que não lhes po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r o regimen dointernato. (MINAS GERAES, 26/10/1898, p. 3)Em 20/06/1895, pouco antes da inauguração do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, ogoverno promoveu uma nova reforma no ensino agrícola e zootécnico do estado e, através daLei nº 140 (Anexo 12), cancelou a instalação do Instituto Agronômico <strong>de</strong> Leopoldina e doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Campanha, que haviam sido criados pela Lei nº 41, transformando-os<strong>em</strong> campos práticos ou campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração. Diz um trecho da Lei nº 140:Art. 1.º Ficam mantidos o Instituto Agronômico <strong>de</strong> Itabira e o InstitutoZootechnico <strong>de</strong> Uberaba.Paragrapho único. O governo do Estado modificará o plano <strong>de</strong> ensinonesses estabelecimentos <strong>de</strong> modo que preencham os fins para que foramcreados.Art. 2 o . Todos os <strong>de</strong>mais estabelecimentos agrícolas e zootecnhicoscreados por lei serão convertidos <strong>em</strong> campos práticos ou campos <strong>de</strong><strong>de</strong>monstração com se<strong>de</strong>s nas mesmas localida<strong>de</strong>s.§ 1.º Além <strong>de</strong>sses, o governo creará outros campos práticos nos logaresque julgar convenientes.§ 2.º Esses campos práticos po<strong>de</strong>rão ser somente agrícolas ou pastoris,conforme a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada zona, ou simultaneamente agrícolas oupastoris (MINAS GERAES, 1895, p. 28).Mantido por lei, a inauguração formal do Instituto Zootécnico aconteceu no dia 14 <strong>de</strong>agosto <strong>de</strong> 1895, num ambiente festivo, conforme <strong>de</strong>screve um jornal <strong>de</strong> Ribeirão Preto:


203Esplendida a festa <strong>de</strong> inauguração do Instituto Zootechnico: apesar dot<strong>em</strong>po, tão quente, do mau estado das ruas, poeirentas, o acto foiconcorrido, o edifício encheu-se <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> todas as classes, nãofaltando gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> senhoras. Funccionaram duas bandas <strong>de</strong> musica,a União Uberabense e a do 2º Batalhão da Brigada Policial. O dr. JoãoPandiá Callogeras abriu a sessão com um bom discurso, <strong>de</strong>pois do qualouviu-se muito attenciosa<strong>em</strong>ente o dr. Ernesto <strong>de</strong> Carvalho s<strong>em</strong>pre na alturado assumpto, falando ex-cathedra, como era mesmo para esperar-se dodirector do utilissimo estabelecimento; falaram também o dr. MarioTourinho, o capitão Artiaga e o major Gustavo Ribeiro; o digno director daEscola Normal, eloqüente, respeitador da forma, muito justo, s<strong>em</strong>preprompto a dar o seu a seu dono. Pelo facto do dia 14, <strong>de</strong> importânciaespecialissima para o progresso do nosso bello sertão, dou parabens a todosque, como Alexandre Barbosa, viram coroados os seus ingentes esforços.(SÃO PAULO E MINAS, 22/08/1895, p. 2)Concretizava-se, assim, o sonho da elite uberabense <strong>de</strong> possuir, na cida<strong>de</strong>, uma escolasuperior <strong>de</strong> agricultura. Como b<strong>em</strong> l<strong>em</strong>bra BILHARINHO (2006e), com a inauguração doInstituto Zootécnico, Uberaba passou a ter uma escola superior quando tinha cerca <strong>de</strong> sete milhabitantes na sua zona urbana e antes mesmo <strong>de</strong> ter luz elétrica, ruas calçadas, serviços <strong>de</strong>esgotos ou água encanada. O Instituto Zootécnico tornou-se o gran<strong>de</strong> orgulho da populaçãouberabense e passou a ser aclamado pela imprensa como o[...] estabelecimento que nos vai dar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos annos, lavradores ecreadores scientificamente preparados, po<strong>de</strong>roso incentivo para que, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um <strong>de</strong>cennio talvez, nos envergonh<strong>em</strong>os disto, que ahi está, que será opassado da Lavoura, da Agricultura, a gran<strong>de</strong> arte, fonte <strong>de</strong> todas ascivilisações, por isso mesmo é que a primeira e a mais necessária dasindustrias, muito justamente honrada pela humanida<strong>de</strong> (SÃO PAULO EMINAS, 25/08/1895, p. 2)Uberaba, com seu Instituto Zootécnico, e Itabira, com seu Instituto Agronômico,tornaram-se as primeiras cida<strong>de</strong>s do interior <strong>de</strong> Minas Gerais a possuir<strong>em</strong> escolas superiores.Até então, esse nível <strong>de</strong> ensino reduzia-se, no estado, às seguintes instituições: Escola <strong>de</strong>Farmácia (fundada <strong>em</strong> 1839), Escola <strong>de</strong> Minas (1875) e Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito (1892), todassediadas <strong>em</strong> Ouro Preto. Afora essas instituições <strong>de</strong> ensino, somente os s<strong>em</strong>inários (católicose protestantes), localizados <strong>em</strong> algumas cida<strong>de</strong>s mineiras, possuíam o status <strong>de</strong> curso superior,<strong>em</strong>bora não foss<strong>em</strong> fiscalizados pelo Estado. Centro <strong>de</strong> uma zona <strong>de</strong> influência que abrangiaos estados <strong>de</strong> Goiás e Mato Grosso, Uberaba foi a primeira cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa vasta região do Brasilcentral a possuir uma instituição <strong>de</strong> ensino superior.As aulas do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba iniciaram-se <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 1895, com 19alunos, já que, dos alunos aprovados nos exames seletivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894,matricularam-se, no primeiro ano do curso, 7 alunos; outros 12 passaram a assistir às aulas


204como ouvintes. Ao final do primeiro período letivo, nos exames finais, apenas 8 alunosconseguiram ser aprovados e passaram para o segundo ano (GAZETA DE UBERABA,30/07/1899).O Instituto Zootécnico era uma instituição <strong>de</strong> ensino pública, totalmente gratuita e quenão cobrava n<strong>em</strong> mesmo taxas <strong>de</strong> matrícula ou <strong>de</strong> inscrição para os exames, conforme<strong>de</strong>terminava o Artigo 137 <strong>de</strong> seu Regulamento (MINAS GERAIS, 1896). Entretanto, dada a<strong>de</strong>dicação que o curso exigia, não era recomendável que os alunos mantivess<strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>sprofissionais paralelas, o que acabava afastando da instituição os jovens pobres, que nãopodiam prescindir do trabalho. Além disso, com a exigência da apresentação <strong>de</strong> certificados<strong>de</strong> aprovação <strong>em</strong> matérias do curso secundário (nível <strong>de</strong> ensino restrito a uma parcela ínfimada população), fechava-se o cerco que garantia aos filhos das elites (e a alguns jovensoriundos da classe média) o acesso ao Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba.Tentando facilitar o acesso dos jovens uberabenses ao Instituto Zootécnico, a CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Uberaba aprovou uma proposta <strong>de</strong> financiamento (Lei nº 52, <strong>de</strong> 17/03/1898)para alunos pobres, incapazes <strong>de</strong> se manter<strong>em</strong> durante o período <strong>de</strong> três anos do curso. Sobreessa medida, o jornalista Militino Pinto (ex-aluno do Instituto) lançou a seguinte crítica:Em uma das primeiras reuniões da câmara discutiu-se e aprovou-se umapensão <strong>de</strong> 1:200$000 annuaes para ser applicada ao moço que quizessefreqüentar o Instituto Zootechnico e ao qual faltass<strong>em</strong> meios <strong>de</strong>subsistência. Esta medida, aliás digna dos maiores encomios, não produziuo effeito <strong>de</strong>sejado, pelo facto <strong>de</strong> ser pequena a quantia e, ainda mais, porqueos moços que po<strong>de</strong>riam acceital-a, não se acham <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> supportaras provas das matérias exigidas para a matricula. [...] pois b<strong>em</strong>: vote acâmara quatro pensões, 4:800$000 annuaes e applique-as, não a alumnos,mas ao pagamento a professores do Instituto que ensin<strong>em</strong> as matérias docurso <strong>de</strong> preparatórios, estabelecendo-se um externato que funcionará <strong>em</strong>um prédio qualquer, si não pu<strong>de</strong>r ser naquelle estabelecimento. Para auxiliaresta verba ficará estabelecida uma matricula <strong>de</strong> 50$ annuaes, que servirãopara o aluguel do predio e utensílios para o ensino. Acaso não reconhecerá acâmara que a medida traz proveito directo a esta cida<strong>de</strong> e ao município?(GAZETA DE UBERABA, 14/08/1898, p. 1)Ao propor que a Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba financiasse uma escola <strong>de</strong>preparatórios, o raciocínio <strong>de</strong> Militino Pinto era o <strong>de</strong> romper a barreira do ensino secundário,dando a um número maior <strong>de</strong> jovens pobres a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrer às vagas oferecidaspelo Instituto Zootécnico. Entretanto, como, pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, o Instituto foi fechado –conforme tratar<strong>em</strong>os mais adiante –, essa sugestão acabou esquecida.A gra<strong>de</strong> curricular do curso do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba era dividida <strong>em</strong> trêsanos e constava das matérias e trabalhos práticos <strong>de</strong>scritos no Quadro 3.3.


205Quadro 3.3 – Organização curricular do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> UberabaANO MATÉRIAS TRABALHOS PRÁTICOS1º Zoologia e Zootecnia Geral;Botânica;Física El<strong>em</strong>entar e Meteorologia;El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> Mineralogia eGeologia;Química Mineral El<strong>em</strong>entar;Determinação prática dos minerais e rochas maiscomuns;Determinação das plantas mais usuais naagricultura;Preparações e experiências simples <strong>de</strong> química;Montag<strong>em</strong>, uso e <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> máquinasagrícolas;Penso <strong>de</strong> animais;Trabalhos <strong>de</strong> cultura.2º Zootecnia Especial, particularmenteestudo <strong>de</strong> bovinos, ovinos, eqüí<strong>de</strong>os,suínos e caprinos;Agrologia e Agricultura Geral;Cultura das plantas forraginosas;Drenag<strong>em</strong> e Irrigação;Química Biológica e Agrícola.3º Higiene Agrícola e Arte Veterinária;Tratamento das moléstias maisvulgares;Sericicultura, Aviculatura eApicultura;Viticultura;Indústria dos laticínios;Criação <strong>de</strong> vacas <strong>de</strong> leite;Preparação e conservação da carne;Contabilida<strong>de</strong> agrícola;Agrimensura.(2 horas ou mais por dia, conforme o t<strong>em</strong>po e aestação)Preparações e análises químicas;Penso <strong>de</strong> animais;Trabalhos <strong>de</strong> cultura.(3 horas ou mais por dia, conforme o t<strong>em</strong>po e aestação)Prática <strong>de</strong> veterinária;Preparação <strong>de</strong> laticínios;Penso <strong>de</strong> animais;Trabalhos <strong>de</strong> Cultura;Prática <strong>de</strong> Viticultura;Prática <strong>de</strong> Agrimensura.(4 horas por dia, conforme o t<strong>em</strong>po e a estação)Fonte: MINAS GERAIS (1896)Apesar da duração fixada para o curso ser inferior à dos atuais cursos <strong>de</strong> Agronomia e<strong>de</strong> Zootecnia, que costumam ter uma duração <strong>de</strong> quatro anos, sua carga horária total diária,incluindo as aulas teóricas e práticas, era bastante elevada: as aulas começavam às nove horasda manhã e avançavam por boa parte da tar<strong>de</strong>, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s práticas que eram<strong>de</strong>senvolvidas nesse período. Os trabalhos práticos, que, no primeiro ano do curso, tinhamuma duração diária <strong>de</strong>, no mínimo, duas horas, aumentavam para três horas no segundo ano epara, pelo menos, quatro horas no último ano do curso, o que fazia com que as aulasacabass<strong>em</strong> terminando, muitas vezes, por volta das quatro horas da tar<strong>de</strong> (GAZETA DE


206UBERABA, 13/08/1899), sendo interrompidas, apenas, pelo intervalo do almoço e pela troca<strong>de</strong> professores.É também relevante a l<strong>em</strong>brança <strong>de</strong> que o ano escolar adotado no Instituto compunhase<strong>de</strong> <strong>de</strong>z meses letivos (MINAS GERAIS, 1896), superior à média atual, que costuma girar<strong>em</strong> torno <strong>de</strong> nove meses letivos. Além disso, conforme estabelecia o Artigo 100 do seuRegulamento, os trabalhos escolares “po<strong>de</strong>rão se prolongar durante as férias e se realisar,quando for necessario, nos domingos e dias feriados” (MINAS GERAIS, 1896, p. 370), o queampliava, ainda mais, o número <strong>de</strong> dias letivos.A avaliação dos alunos, <strong>em</strong> cada disciplina, era feita através dos seguintes exames,cujas notas variavam <strong>de</strong> 0 a 20: prova escrita, prova oral e prova prática. Os alunos queconseguiss<strong>em</strong> atingir, nas provas, uma nota média <strong>de</strong>, pelo menos, 10 pontos, podiamsubmeter-se a um exame final, que também valia 20 pontos. Era reprovado o aluno que nãoatingisse a média mínima <strong>de</strong> 10 pontos nas provas ou <strong>de</strong> 5 pontos no exame final. Havia,também, conforme <strong>de</strong>terminava o Artigo 110 do Regulamento, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o alunofazer uma nova prova, <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> segunda época, para substituir uma primeira prova naqual tivesse obtido uma nota inferior a 5 pontos (MINAS GERAIS, 1896).A gra<strong>de</strong> curricular abrangente e o Regulamento <strong>de</strong>talhado pretendiam dar aos alunosuma ampla formação agronômica e zootécnica. Entretanto, essa intenção acabou prejudicadapela precarieda<strong>de</strong> das instalações físicas e pela falta <strong>de</strong> recursos financeiros para manutençãodas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas pela escola. Como foi possível perceber no relatório dosecretário Francisco Sá, a maior parte dos materiais necessários ao funcionamento do Institutosó foi parcialmente comprada no final <strong>de</strong> 1897, portanto mais <strong>de</strong> um ano e meio após o iníciodo funcionamento do curso. Tal fato trouxe graves prejuízos ao ensino, como pon<strong>de</strong>ra o exalunoMilitino Pinto, <strong>em</strong> um artigo <strong>de</strong> jornal no qual <strong>de</strong>screve a infra-estrutura da escola noprimeiro ano <strong>de</strong> curso:No correr <strong>de</strong>sse ano houve a maior reluctancia da parte do governo <strong>em</strong>fornecer o indispensavel á pratica do ensino, apesar <strong>de</strong> reiterados pedidosfeios com a maior previdência pela Directoria, como foss<strong>em</strong>: animaes para apratica zootechnica, laboratorios e gabinetes, instrumentos aratorios ebibliotheca. Foi tão gran<strong>de</strong> a indifferença que mal se conseguiu uma caixacom alguns reactivos, algumas retortas <strong>de</strong> vidros e <strong>de</strong> grès, ordinarias,muito vidro inservível, muita rolha <strong>de</strong> cortiça, alguns saes e poucas outrassubstancias para as experiencias mais corriqueiras nestes assumptos. Dephysica apenas um polarymetro e dois espelhos, n<strong>em</strong> sequer umthermometro, um barometro e apenas um tubo <strong>de</strong> Newton, notando-se aausencia <strong>de</strong> tudo o mais que se torna imprescindível <strong>em</strong> um gabinete <strong>de</strong>ensino o mais el<strong>em</strong>entar. Relativamente ao serviço <strong>de</strong> campo n<strong>em</strong> ao menosum arado, quanto mais outro instrumento <strong>de</strong> engrenag<strong>em</strong> mais complicada!


207(GAZETA DE UBERABA, 30/07/1899, p. 1).A falta <strong>de</strong> equipamentos agrícolas necessários à prática agrícola, <strong>em</strong>bora tenhacausado óbvios prejuízos às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> campo dos alunos, parece ter sido compensada pelaimprovisação dos mestres do Instituto Zootécnico – que, para contornar o probl<strong>em</strong>a, seutilizavam <strong>de</strong> aulas práticas e dos poucos recursos didáticos <strong>de</strong> que dispunham –, conformepo<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mais um trecho do relato <strong>de</strong> Militino Pinto:Durante as férias do 1º anno e quase já no meio da epocha <strong>de</strong>stinada aopreparo do terreno, é que a Directoria pou<strong>de</strong> dar começo á <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong>pequeno matto, queima e plantio <strong>de</strong> milho á enxada, porque não dispunha<strong>de</strong> instrumentos aratorios para inaugurar um processo <strong>de</strong> cultura racional,revolvendo o campo, para <strong>de</strong>monstrar que ahí pó<strong>de</strong> se obter tão boascolheitas como nas queimadas <strong>de</strong> mattas virgens (GAZETA DEUBERABA, 30/07/1899, p.1).Os probl<strong>em</strong>as continuaram a afligir o Instituto Zootécnico no seu 2º ano <strong>de</strong>funcionamento, sendo o principal <strong>de</strong>les a falta <strong>de</strong> professores. Com a chegada da segundaturma <strong>de</strong> alunos 118 , novos professores seriam necessários, o que não foi suprido pelo governoestadual. Segundo relata Militino Pinto (GAZETA DE UBERABA, 03/08/1899), as aulas<strong>de</strong>veriam iniciar-se no dia 15/08/1896, o que só ocorreu para os alunos do segundo ano; pelofato <strong>de</strong> o corpo docente estar ainda incompleto, as aulas do primeiro ano só se iniciaram <strong>em</strong>fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, com a troca do diretor da instituição. Além disso, o crônico probl<strong>em</strong>a dafalta <strong>de</strong> animais e <strong>de</strong> equipamentos ainda pairava sobre o Instituto:Tal qual como o 1º correu o 2º anno: o laboratorio e gabinetes na mesma<strong>de</strong>ploravel nu<strong>de</strong>z; o estabulo <strong>de</strong>spovoado, tendo apenas vindo da França, <strong>de</strong>Rambouillet, tres indivíduos da raça merino, sendo um carneiro e duasovelhas; o <strong>de</strong>posito <strong>de</strong> machinas estava preenchido por meia dúzia <strong>de</strong>enxadas e algumas pás! O corpo docente estava <strong>de</strong>sfalcado <strong>de</strong> um substitutoe <strong>de</strong> um chefe dos trabalhos práticos; ainda assim, no t<strong>em</strong>po do ex-director,foram feitos alguns canteiros <strong>de</strong> experiência on<strong>de</strong> s<strong>em</strong>earam-se algumasforragens que por distracção o governo forneceu. No estabelecimento nãoexistia, sequer, uma estampa <strong>de</strong> zoologia, n<strong>em</strong> um mo<strong>de</strong>lo, n<strong>em</strong> umherbário, n<strong>em</strong> uma collecção para o estudo <strong>de</strong> geologia e mineralogia e oslentes tinham <strong>de</strong> luctar com mil difficulda<strong>de</strong>s para dar<strong>em</strong> aos alumnos idéado que eram essas cousas [...] (GAZETA DE UBERABA, 03/08/1899, p. 1)Em fins <strong>de</strong> 1896, o Instituto passou por uma reforma e seu diretor, Ricardo Ernesto <strong>de</strong>Carvalho, foi <strong>de</strong>stituído do cargo. Segundo Militino Pinto (GAZETA DE UBERABA,03/08/1899), a <strong>de</strong>missão do diretor <strong>de</strong>veu-se ao fato <strong>de</strong> este ter <strong>de</strong>clarado, na imprensa, que afalta <strong>de</strong> professores não era culpa da direção da escola e, sim, do governo estadual. Em118 No segundo ano letivo, estavam matriculados na escola oito alunos no 2º ano e quatro no 1º, além <strong>de</strong> algunsouvintes (GAZETA DE UBERABA, 03/08/1899).


208represália à <strong>de</strong>claração, <strong>em</strong> 15/11/1896, foi nomeado pelo estado um novo diretor para oInstituto Zootécnico: o renomado cientista al<strong>em</strong>ão Fre<strong>de</strong>rico Maurício Draenert 119 que, naépoca, residia no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Apesar da posse <strong>de</strong> Draenert, Ricardo Ernesto permaneceuno Instituto, agora restrito à condição <strong>de</strong> professor.Figura 3.10 – Prédio do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> UberabaFonte: Lavoura e Comércio (06/07/1926)No seu 3º ano <strong>de</strong> funcionamento, a situação do Instituto Zootécnico permaneceuinalterada no que se refere à falta <strong>de</strong> materiais didáticos e humanos, apesar <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> chegadoda Europa algumas coleções minerológicas e geológicas “[...] porém que não faziam inveja aqualquer collegio Tico-tico”, segundo relata Militino Pinto (GAZETA DE UBERABA,06/08/1899, p.1). As aulas da primeira turma iniciaram-se s<strong>em</strong> que houvesse um lente titularpara a disciplina Laticínios, que compreendia o estudo <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> fabricação da manteiga,do queijo, do leite con<strong>de</strong>nsado e <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>rivados do leite. Entretanto, pouco antes do119 Draenert tomou posse <strong>de</strong>sse cargo <strong>em</strong> 23/12/1896, permanecendo nele até a suspensão da escola.


209início das aulas, <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1897, chegou da França o Dr. Amedée Cellier 120 , contratado paraministrar aulas <strong>de</strong> Veterinária, mas que assumiu, <strong>de</strong> forma interina, também a disciplinaLaticínios. Cellier acabou lecionando esta disciplina durante todo o curso “s<strong>em</strong> nunca terconseguido fallar uma palavra <strong>em</strong> portuguez, obrigando aos alumnos ao maior sacrificio afim<strong>de</strong> ajudal-o a dar cumprimento ao contracto que havia firmado com o governo para ensinar talmatéria, que aliás conhecia-a com muita proficiencia.” (GAZETA DE UBERABA,06/08/1899, p. 1).A verba <strong>de</strong>stinada pelo governo para o custeio do estabelecimento <strong>de</strong> ensino <strong>em</strong> seuterceiro ano <strong>de</strong> vida foi <strong>de</strong> apenas 63:120$000, dinheiro que <strong>de</strong>veria cobrir o pagamento <strong>de</strong>todos os funcionários, a conservação do imóvel e a aquisição <strong>de</strong> ferramentas ou qualqueroutro material necessário ao funcionamento da escola. Como a verba disponível mostrou-setotalmente insuficiente para as necessida<strong>de</strong>s da escola, somente com muita dificulda<strong>de</strong> foipossível a preparação <strong>de</strong> uns poucos canteiros para a realização <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> s<strong>em</strong>eadura<strong>de</strong> algumas forrageiras, cujas s<strong>em</strong>entes, assim como os adubos químicos testados, eramfornecidos pelo governo (GAZETA DE UBERABA, 06/08/1899).Apesar das precarieda<strong>de</strong>s que atormentavam o cotidiano do Instituto Zootécnico,perceb<strong>em</strong>os que os pontos fortes da instituição eram o seu <strong>de</strong>talhado e rigoroso Regulamento,além do forte comprometimento da direção, dos professores e dos alunos. O sentimento <strong>de</strong>que estavam construindo uma instituição importante para toda uma região parecia aumentar aresponsabilida<strong>de</strong> que pairava sobre todos. Segundo relata Militino Pinto,[...] distante o Instituto da cida<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> tres kilometros, era <strong>de</strong> admirar aassiduida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, ainda mesmo nos dias mais t<strong>em</strong>erosos da estaçãochuvosa, que não poucos mezes domina nesta região e <strong>de</strong> modo bastanteaccentuado. As aulas começavam ás 9 horas da manhã e muitas vezes, só<strong>de</strong>pois das 4 da tar<strong>de</strong>, é que terminavam os trabalhos práticos, ora sob origor <strong>de</strong> um sol abrasador, ora sob os t<strong>em</strong>poraes, que fariam <strong>de</strong>sanimar aosmenos apaixonados pelos estudos agronômicos. O regimen das aulas,fiscalisadas com o maior escrúpulo; o syst<strong>em</strong>a do ensino, mo<strong>de</strong>lado pelodos mais rigorosos institutos, foram todos acceitos pelos meus illustrescondiscipulos, que correspondiam a todas estas exigências com a nítidacomprehensão <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> estava perfeitamente cônscio do papel que iarepresentar na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pouco t<strong>em</strong>po. Muitos <strong>de</strong>lles, <strong>em</strong>borajovens, nunca se afastaram das normas que recommendam o hom<strong>em</strong> b<strong>em</strong>educado (GAZETA DE UBERABA, 13/08/1899, p. 1).Consi<strong>de</strong>ramos verda<strong>de</strong>iramente admirável o esforço dos professores do Instituto, natentativa <strong>de</strong> compensar a falta <strong>de</strong> infra-estrutura daquela instituição <strong>de</strong> ensino, principalmente120 Ame<strong>de</strong>é Cellier veio diretamento <strong>de</strong> Paris para lecionar no Instituto Zootécnico, contratado pelo secretário daagricultura <strong>de</strong> Minas Gerais, o também francês Henri Gorceix (GAZETA DE UBERABA, 22/09/1898).


210na condução das aulas práticas. A criativida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação do corpo docentedo Instituto Zootécnico foram capazes <strong>de</strong> produzir um ensino <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> 121 – para o qualconcorreram, <strong>de</strong>cisivamente, as ativida<strong>de</strong>s práticas contextualizadas à teoria –, mesmo <strong>em</strong>condições adversas, como po<strong>de</strong>mos extrair do elucidativo <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Militino Pinto:Si é certo que faltaram todos os recursos para o cabal <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho dapratica, o director e os lentes procuraram por todos os meios dar as precisasinstrucções e preencher, mais ou menos, os enormes claros abertos nestaparte do ensino. Para o ensino <strong>de</strong> zootechnia, o principal <strong>de</strong> todo o curso, sinão tinha animaes próprios, mandava-se vir <strong>de</strong> fora para o necessario estudopratico e prova <strong>de</strong> exame; na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> agronomia, <strong>em</strong> falta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sprados, tiv<strong>em</strong>os algumas experiências <strong>de</strong> estrumação, fenação, ensilag<strong>em</strong> euma ou outra planta forrageira; na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> chimica agrícola e biológica, apratica do illustre professor pou<strong>de</strong> <strong>em</strong> parte supprir as necessida<strong>de</strong>s dolaboratório, etc.; na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> veterinária, como já foi dito, não havendohospital n<strong>em</strong> pharmacia, tratava-se dos animaes alheios, cujos donos davamr<strong>em</strong>édios, quer na cida<strong>de</strong>, quer no Instituto; na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lacticínios, a maisprejudicada, houve alguma pratica, fabricando-se algum queijo e manteiga,assim como a dosag<strong>em</strong> da força do coalho; <strong>em</strong> viticultura visitamos váriosparreirais, on<strong>de</strong> o professor esforçava-se por explicar os phenomenos daevolução <strong>de</strong>sse vegetal, moléstias, fabricação <strong>de</strong> vinho, etc. Porconseqüencia, não foram s<strong>em</strong> resultado os esforços do corpo docente e docorpo acadêmico salvando do anniquilamento completo o Instituto para oque porfiou <strong>em</strong> concorrer o governo passado (GAZETA DE UBERABA,13/08/1899, p. 1)Ao que nos parece, a situação financeira do Instituto piorou <strong>de</strong>finitivamente <strong>em</strong>meados <strong>de</strong> 1897. Observando o Livro <strong>de</strong> Receita do Instituto, preservado no Arquivo PúblicoMineiro, percebe-se que, a partir <strong>de</strong> junho/1897, já sob a administração <strong>de</strong> Draenert, oInstituto Zootécnico, para reforçar o seu caixa, procurou arrecadar algum numerário,comercializando parte <strong>de</strong> sua pequena produção agropecuária. O Apêndice 5 mostra aarrecadação <strong>de</strong> receita <strong>em</strong> dois meses selecionados por nós (junho/1897 e nov<strong>em</strong>bro/1897).No livro citado, exist<strong>em</strong> registros <strong>de</strong> receitas até junho/1898, mês <strong>em</strong> que o InstitutoZootécnico arrecadou 79$265 com a venda <strong>de</strong> produtos diversos.Apesar da grave crise financeira e da falta <strong>de</strong> recursos humanos e materiais, o InstitutoZootécnico s<strong>em</strong>pre atraiu o interesse dos jovens da região, ansiosos por conseguir uma vaganaquela instituição. O fato é que a ênfase estritamente técnica dada ao curso, voltado para asolução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as práticos e significativos para a população local, tornava-o bastante121 A partir <strong>de</strong> uma perspectiva histórico-crítica, a qualida<strong>de</strong> do processo educativo revela-se na formação <strong>de</strong>sujeitos capazes <strong>de</strong> utilizar os conhecimentos construídos na modificação <strong>de</strong> sua prática social. Dessa forma, seainda hoje nos causa admiração a extraordinária produção profissional e intelectual <strong>de</strong> boa parte dos poucosalunos formados pelo Instituto Zootécnico (com <strong>de</strong>staque para Fidélis Reis, Hil<strong>de</strong>brando Pontes, José Maria dosReis e Militino Pinto), com gran<strong>de</strong> impacto para a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua época e <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos posteriores, enten<strong>de</strong>mosque o processo educativo que ali ocorreu <strong>de</strong>ve ter sido <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na formação <strong>de</strong>sses sujeitos.


211cobiçado. No final <strong>de</strong> 1897, chamando a atenção para o crescimento da instituição durante oseu primeiro ano na direção da escola, Draenert <strong>de</strong>clarava orgulhoso: “Peço não julgar-me <strong>de</strong>immo<strong>de</strong>sto, si chamar a sua attenção para o crescido numero <strong>de</strong> alumnos do Instituto nestenovo anno escolar, mais do que o duplo dos dois annos anteriores. Freqüentam-o vinte trezalumnos inclusive dois extrangeiros.” (GAZETA DE UBERABA, 18/11/1897, p. 1). Emboraesse número, a primeira vista, possa parecer reduzido, é bastante coerente com a época:naqueles t<strong>em</strong>pos, como já tratamos, dada a baixíssima escolarida<strong>de</strong> da população, erampoucos os jovens que conseguiam aprovação nos exames <strong>de</strong> admissão.Durante a administração do Dr. Draenert, foi criado, também, o livro Registro Diáriodos Serviços <strong>de</strong> Culturas e Criação do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, no qual eramanotados todos os serviços agropecuários realizados por funcionários e alunos na área doInstituto. O livro contém o registro <strong>de</strong> trabalhos executados até o dia 03/10/1898. O Apêndice6 mostra alguns serviços transcritos do livro. Pela varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços executados, po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>duzir que as aulas práticas ministradas no Instituto Zootécnico <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter sidopedagogicamente diversificadas e abrangiam muitas ativida<strong>de</strong>s agropecuárias, tais como acultura do café, da batata e da mandioca, a horticultura, a pecuária bovina, a ovinocultura, etc.Ao adotar os trabalhos práticos <strong>de</strong> cultura e criação como parte integrante do processoformativo, o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba teve características que se aproximam doconceito gramsciano <strong>de</strong> escola do trabalho, “que <strong>de</strong>ve ser entendida como processo socialcomplexo, agir humano, movimento <strong>de</strong> idéias e ações que acompanham a introdução dotrabalho na escola como um princípio educativo” (CIAVATTA, 2007, p. 126). Para Gramsci,a escola do trabalho seria a escola <strong>de</strong>sinteressada do fazer mediado, a escola voltada para aciência, a técnica, o mundo da história e das artes, na qual seriam formados homensomnilaterais, isto é, produtores e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, dirigentes. Para tanto, nessa escola, otrabalho <strong>de</strong>ve alcançar uma dimensão intelectual, propiciando a libertação do produtor dauniteralida<strong>de</strong> e da restrição <strong>de</strong> seu ofício particular, convertendo-o <strong>em</strong> um ser político, capaz<strong>de</strong> governar (GRAMSCI, 1982).A ênfase <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente pragmática dada ao curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> agrônomos doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, priorizando as relações teoria/prática e trabalho/educação –que, <strong>em</strong> última instância, propiciaria a formação <strong>de</strong> homens omnilaterais –, foi um avanço <strong>em</strong>relação ao que se verificava na maior parte do país, on<strong>de</strong> as escolas superiores eram, <strong>em</strong> suagran<strong>de</strong> maioria, voltadas para a formação <strong>de</strong> bacharéis e doutores, cujo objetivo não erapreparar os indivíduos para a solução dos probl<strong>em</strong>as existentes no meio social e, sim,


212conforme ressalta Fernando <strong>de</strong> Azevedo, “elevar a dignida<strong>de</strong> social, dar-lhe um título e abrirlhe,com a inclusão <strong>em</strong> uma das profissões intelectuais, o acesso ao jornalismo e às letras, aoscargos administrativos e às ativida<strong>de</strong>s políticas.” (AZEVEDO, 1963, p. 577).Essa oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confrontar a teoria das salas <strong>de</strong> aula com a prática profissional,ressignificando os conteúdos curriculares, é um diferencial que, a nosso ver, muito colaboroupara a formação dos alunos, dando-lhes uma gran<strong>de</strong> vantag<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação à imensa maioriados doutores formados nas aca<strong>de</strong>mias brasileiras. O raciocínio lógico-mat<strong>em</strong>ático, o rigorcientífico e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação foram habilida<strong>de</strong>s adquiridas pelos educandos, mesmoestando inseridos <strong>em</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino quase abandonada pelo governo estadual.Nesse processo formativo, convém ressaltar o mérito dos professores e <strong>de</strong>mais funcionáriosdo Instituto Zootécnico 122 , na maioria comprometidos com suas funções.Já <strong>de</strong>monstrando o espírito <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dor e a politização que os fariam conhecidos nasdécadas seguintes, <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1896, os alunos da primeira turma do curso fundaram oGrêmio Agro Scientifico dos Estudantes do Instituto Zootechnico, cujo objetivo maior eralutar pelos interesses do estabelecimento como um todo, além <strong>de</strong>[...] proporcionar aos seus associados leituras sobre os assumptos que diz<strong>em</strong>respeito às matérias do curso agricola e exercital-os na tribuna por meio <strong>de</strong>conferencias e na imprensa por meio <strong>de</strong> uma revista sobre aquelles mesmosassumptos. O Grêmio se propõe também a fundar um núcleo <strong>de</strong> umabibliotheca para a qual pe<strong>de</strong> donativos; a bibliotheca será <strong>de</strong> publicaconsulta (SÃO PAULO E MINAS, 25/10/1896, p. 2).O primeiro presi<strong>de</strong>nte da agr<strong>em</strong>iação foi o aluno Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho. Após acriação do Grêmio, como já estava previsto, os mesmos alunos fundaram, no ano <strong>de</strong> 1897, oprimeiro jornal agrícola publicado <strong>em</strong> Uberaba, a Revista Agrícola, também administradopelos estudantes. Algum t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, um jornal local assim retratou aquela interessanteiniciativa jornalística:Uma pleia<strong>de</strong> <strong>de</strong> moços estudiosos, auxiliados por mestres <strong>de</strong>dicados dasciencia agricola, quaes são os ex-lentes do Instituto Zootechnico,mantiveram durante um anno, á custa <strong>de</strong> inauditos sacrifícios eperseverança, a Revista Agricola, cuja distribuição se fez <strong>em</strong> escalaconveniente e ininterruptamente durante aquelle período, apontando s<strong>em</strong>preas causas do nosso atraso <strong>em</strong> materia agricola e pastoril e aconselhando osr<strong>em</strong>édios que no caso urgiam (GAZETA DE UBERABA, 09/07/1899, p.1).A experiência dos jovens estudantes à frente <strong>de</strong> um jornal, sob a mediação <strong>de</strong> seus122 Durante o período <strong>em</strong> que funcionou o Instituto Zootécnico, passaram pela instituição 25 funcionários, entrediretores, professores e <strong>de</strong>mais serventuários. O Apêndice 7 mostra a relação <strong>de</strong>sses funcionários, incluindoaqueles formalmente nomeados e os contratados.


213professores, foi, s<strong>em</strong> dúvida, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância formativa. Graças ao trabalho jornalístico<strong>de</strong>senvolvido – que englobava, <strong>de</strong>ntre outras, ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e produção <strong>de</strong> textos,além <strong>de</strong> um intenso envolvimento político –, os novos agrônomos adquiriram parte <strong>de</strong> suaomnilateralida<strong>de</strong>. Como ainda ver<strong>em</strong>os nesta dissertação, alguns <strong>de</strong>sses alunos viriam a setornar jornalistas e políticos, ativida<strong>de</strong>s que exerceram ao lado <strong>de</strong> outras.A nosso ver, a interação com a comunida<strong>de</strong> foi outro gran<strong>de</strong> mérito do InstitutoZootécnico, principalmente por sua importância na formação omnilateral dos alunos. Em seucurto período <strong>de</strong> funcionamento, professores e alunos <strong>em</strong>penharam-se <strong>em</strong> resolver questõesrelativas à agropecuária regional. Segundo o ex-diretor da escola, Dr. Fre<strong>de</strong>rico MaurícioDraenert, “Não foram tão poucos os visitantes do Instituto Zootechnico, principalmentelavradores. No respectivo livro <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1897 até 10 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1898se acham inscriptos 132 nomes.” (GAZETA DE UBERABA, 03/09/1899, p. 1). Desse total,muitos eram produtores rurais da região, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> amparo técnico ou <strong>de</strong> assistênciaveterinária, conforme po<strong>de</strong>mos notar <strong>em</strong> um artigo <strong>de</strong> jornal <strong>de</strong> 1898:Ultimamente t<strong>em</strong> sido avultado o numero <strong>de</strong> animaes doentes levados aoInstituto Zootechnico afim <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> medicados pelo habil veterinario elente daquelle estabelecimento, o sr. Amedée Cellier. Os resultados <strong>de</strong> seustratamentos e operações cirúrgicas têm tido o melhor exito o que t<strong>em</strong>contribuído para tal concurrencia, vindo mesmo <strong>de</strong> distancia <strong>de</strong> tres e quatroleguas, pessoas trazer seus animaes para aquelle fim. [...] Para estesanimaes fora do estabelecimento é <strong>de</strong>signado para cada um – um alumno atéa sua cura completa e julgada como tal pelo professor. Além <strong>de</strong>ssesmedicamentos e operações que se t<strong>em</strong> praticado <strong>em</strong> presença dos alumnosdo 3º anno do Instituto, muitas são as consultas que aquelle illustreprofissional t<strong>em</strong> recebido, e tudo isso elle faz com a melhor boa vonta<strong>de</strong>dispensando toda e qualquer importância que lhe queiram dar (GAZETADE UBERABA, 03/04/1898, p. 2).Apesar das dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pela instituição, no que se refere à falta <strong>de</strong>recursos para a manutenção <strong>de</strong> seu bom funcionamento, o Instituto Zootécnico tornou-se, <strong>em</strong>pouco t<strong>em</strong>po, respeitado e reconhecido pela população local 123 , principalmente <strong>em</strong> função dosbons serviços prestados à comunida<strong>de</strong>.Entretanto, apesar dos serviços <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública e da boa procura <strong>de</strong> alunosinteressados <strong>em</strong> ingressar na escola, já <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> 1897 começaram a circular rumores sobre apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fechamento do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba. Esses comentários123 Simbolizando essa importância, <strong>em</strong> 11/05/1897, a pedido dos alunos daquela escola, uma sessão da CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Uberaba aprovou a mudança do nome da rua que ligava a cida<strong>de</strong> à escola, que passou <strong>de</strong> Rua dasMercês (atual rua Afonso Ratto) para Rua do Instituto Zootechnico (LIVRO DE ATAS DA CÂMARAMUNICIPAL DE UBERABA, 11/05/1897).


214ganharam os jornais e foram <strong>de</strong>batidos na Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e no Triângulo Mineiro.Enquanto o segundo negava essa informação, citando as leis e regulamentos da InstruçãoPública do estado para <strong>de</strong>monstrar que o fechamento da instituição seria ilegal (GAZETA DEUBERABA, 30/12/1897), o primeiro publicou:Um amigo nosso resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Bello Horizonte ouviu dizer <strong>de</strong> pessoaconceituada que é provável ficar<strong>em</strong> supprimidas por algum t<strong>em</strong>po asfuncções <strong>de</strong>ste notável estabelecimento <strong>de</strong> ensino e eu o governo cogitaseriamente a este respeito. Pedindo-nos as necessarias reservas sobre o queoccorre nesse sentido, accrescentou o nosso informante que além dasdifficulda<strong>de</strong>s financeiras que assoberbam o erario publico, um outra surgiuhá pouco t<strong>em</strong>po e consiste na falta <strong>de</strong> disciplina e or<strong>de</strong>m indispensáveis <strong>em</strong>estabelecimentos <strong>de</strong> instrucção como o nosso Instituto. E’ profundamentelamentavel si traduzir-se <strong>em</strong> realida<strong>de</strong> a suppressão <strong>de</strong>sse estabelecimento(GAZETA DE UBERABA, 23/12/1897, p. 1).A questão da falta <strong>de</strong> indisciplina citada no artigo era resultado <strong>de</strong> diversos inci<strong>de</strong>ntesocorridos no Instituto, <strong>de</strong>ntre os quais po<strong>de</strong>mos citar os seguintes: reclamações <strong>de</strong> alunoscontra supostas perseguições promovidas por alguns professores – como no caso da queixafeita por Militino Pinto contra o mestre José Amandio Sobral; graves discussões entreprofessores, funcionários e o diretor 124 ; sabotagens <strong>de</strong> alguns alunos contra plantações <strong>de</strong>milho da escola; e <strong>em</strong>bates políticos que terminaram <strong>em</strong> agressões físicas (PONTES, 1970).Apesar dos probl<strong>em</strong>as que se avolumavam, ocorria, no dia 05/06/1898, a colação <strong>de</strong>grau e a entrega dos diplomas <strong>de</strong> engenheiro agrônomo à primeira e única turma 125 formadano Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba. A sessão foi aberta às 12 horas daquele dia pelo diretor,Dr. Draenert, que discursou e fez a entrega dos diplomas. Em seguida,[...] feita a chamada dos graduandos pela classificação que obtiveram nosexames finaes, proce<strong>de</strong>u o digno director a collação do grau com asformalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estylo, exhortando e abraçando a cada um <strong>de</strong> per si e átodos os graduados, que foram egualmente felicitados ao receber<strong>em</strong> <strong>de</strong> seusmestres, m<strong>em</strong>bros presentes da congregação, o amplexo symbolico <strong>de</strong>confraternisação e colleguismo. Nos intervallos ouviam-se bellas eenthusiasticas harmonias <strong>de</strong> duas bandas <strong>de</strong> musica postadas <strong>em</strong> um dossalões do estabelecimento. Nesse momento <strong>em</strong> que a alegria irradiava doss<strong>em</strong>blantes das pessoas presentes a tão tocante sol<strong>em</strong>nida<strong>de</strong>, foi dada apalavra a um dos recém-graduados, o jov<strong>em</strong> engenheiro agrônomo Fi<strong>de</strong>lisGonçalves dos Reis que <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhou cabalmente a honrosa incumbência<strong>de</strong> fallar <strong>em</strong> nome <strong>de</strong> seus colegas, pren<strong>de</strong>ndo a attenção do auditorio pela124 Numa ocasião, Chrispiniano Tavares, lente <strong>de</strong> Física e Química, e o diretor Fre<strong>de</strong>rico Draenert tiveram umaríspida discussão, quando o segundo repreen<strong>de</strong>u o primeiro alegando o não cumprimento <strong>de</strong> suas funções comoprofessor. Em outra, o secretário-caixa-amanuense José Augusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira (Casusa) e o diretor Draenertquase entraram <strong>em</strong> luta corporal.125 Essa turma era composta dos seguintes alunos: José Maria dos Reis, Fidélis Gonçalves dos Reis, MilitinoPinto <strong>de</strong> Carvalho, Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo Pontes, Delci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Carvalho, Otávio Augusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira,Luíz Ignácio <strong>de</strong> Sousa Lima e Gabriel Laurindo <strong>de</strong> Paiva.


215correcção da phrase e elevação dos conceitos quando dissertava sobre asresponsabilida<strong>de</strong>s inherentes aos títulos que lhes eram conferidos, e sobre amissão que lhes incumbia <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar na lavoura nacional (GAZETA DEUBERABA, 09/06/1898, p. 1).Em agosto <strong>de</strong> 1898, após a formatura da primeira turma <strong>de</strong> engenheiros agrônomos,encontravam-se matriculados no Instituto os seguintes alunos: 1º ano: João Honório RibeiroRosa Júnior, Ama<strong>de</strong>u Gomes <strong>de</strong> Souza e Alaor Prata Soares; 2º ano: Francisco Ignácio daGama Júnior, Avelino José <strong>de</strong> Paiva, Domingos Mirolla e Affonso Celso <strong>de</strong> Toledo Franco;3º ano: Armante Carneiro, Fausto <strong>de</strong> Paiva Teixeira e José Rosa Júnior. Além <strong>de</strong>stes, diversosoutros alunos freqüentavam as aulas como ouvintes, a fim <strong>de</strong> que, no final do ano, pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>sujeitar-se aos exames dos preparatórios que lhes faltavam (GAZETA DE UBERABA,14/08/1898).Em seus últimos t<strong>em</strong>pos, o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba mostrava-se praticamenteabandonado pelo governo estadual. À crônica carência <strong>de</strong> materiais didáticos e equipamentos,acrescia-se, agora, a quase total falta <strong>de</strong> recursos financeiros para a manutenção dos serviçosessenciais à instituição. Na visão <strong>de</strong> Militino Pinto: “Triste e <strong>de</strong>solador era o aspecto doInstituto Zootechnico <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> aos fechar-se o cyclo <strong>de</strong> sua existencia e por todas assubdivisões do edifício, pelos campos, etc., tudo indicava uma pobreza lastimável, verda<strong>de</strong>iraindigência oriunda <strong>de</strong> uma administração que sacrificava os legítimos interesses vitaes doEstado [...]” (GAZETA DE UBERABA, 10/08/1899, p. 1).Ao apagar das luzes <strong>de</strong> seu mandato, <strong>em</strong> 05/09/1898, o presi<strong>de</strong>nte mineiro, CrispimJacques Bias Fortes, <strong>de</strong>mitiu o diretor do Instituto Zootécnico, Dr. Fre<strong>de</strong>rico MaurícioDraenert, suspen<strong>de</strong>u as aulas na instituição e nomeou um diretor interino, o engenheiroFrancisco Soares (GAZETA DE UBERABA, 08/09/1898). Nota-se que a suspensão das aulasnão ocorreu no governo <strong>de</strong> Silviano Brandão, que só tomou posse do cargo <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte doestado <strong>de</strong> Minas Gerais <strong>em</strong> 07/09/1898 e, sim, no <strong>de</strong> seu antecessor. Comentando o fato, umarticulista da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba assim expressou sua esperança na solução da questão pelonovo governo:O dr. Silviano Brandão, tomando conta do governo ha poucos dias,sab<strong>em</strong>os, não teve ainda t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> inquerir do que vae <strong>de</strong> anômalo noInstituto Zootechnico <strong>de</strong> Uberaba, cujas aulas foram suspensas, com graveprejuizo dos alumnos que o cursam, pelo inepto governo do dr. Bias Fortes,não tendo havido para tanto uma causa que o <strong>de</strong>terminasse. [...] Comooutr’ora na Escola Normal a politicag<strong>em</strong> trefega invadio o InstitutoZootechnico, concorrendo para rebaixar os créditos <strong>de</strong> tão útil instituiçãoque nos custa não pequena cifra pecuniária annualmente. O que o governoBias fez para <strong>de</strong>smoralisar o Instituto e o seu director ressalta do expediente


216publicado no orgam official do Estado quando se referia a um e a outro,admirando que <strong>de</strong>ixasse para resolver a questão nos últimos momentos <strong>de</strong>sua infecunda administração pelo modo infeliz por que o fez. [...]Certamente o exmo sr. dr. Silviano Brandão procurará investigar <strong>de</strong> tudoque t<strong>em</strong> occorrido no Instituto e sabiamente, proficuamente, resolverá aquestão [...] (GAZETA DE UBERABA, 18/09/1898, p. 1)Já agonizante, o Instituto Zootécnico ainda sofreu outro revés: no dia 18/09/1898, apósrepetidos ataques <strong>de</strong> epilepsia, falecia o professor Amedée Cellier, que contava apenas 32anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (GAZETA DE UBERABA, 22/09/1898). O jov<strong>em</strong> mestre <strong>de</strong> Laticínios,Higiene Agrícola e Veterinária, mesmo não falando português, era muito querido e admiradopelos alunos e pelos criadores da região, que compareceram <strong>em</strong> massa ao seu sepultamento.Na data <strong>de</strong> 04/10/1898, tendo assumido um estado quase falido, o Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> MinasGerais, Dr. Silviano Brandão, assinou o Decreto nº 1.191 (Anexo 14), dispensando todo opessoal docente e administrativo dos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino agrícola do estado 126 , medidaque, obviamente, levou à paralisação das ativida<strong>de</strong>s educacionais <strong>de</strong>senvolvidas nessasescolas. O jornal Minas Geraes, órgão oficial do governo estadual, publicou, no dia09/10/1898, uma série <strong>de</strong> atos do Presi<strong>de</strong>nte Silviano Brandão, quase todos promovendo umradical enxugamento da máquina estatal. Dentre os atos governamentais, <strong>de</strong>stacamos o do dia05/10/1898, que confirmava a extinção do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba (assim como doInstituto Agronômico <strong>de</strong> Itabira) e tomava as medidas administrativas necessárias ao seufechamento <strong>de</strong>finitivo. Dizia o ato:Communiciou-se ao sr. Emilio Masson que foi, por <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> hont<strong>em</strong>,dispensado todo o pessoal dos estabellecimentos <strong>de</strong> ensino agrícola doEstado, e pediu-se-lhe que se conserve no seu posto até segundo aviso,restringindo ao mínimo possível as <strong>de</strong>spesas com aquelle campo pratico, efazendo cessar immediatamente quaesquer trabalhos recent<strong>em</strong>ente iniciadose <strong>em</strong> andamento. Comunicou-se ao sr. engenheiro Francisco Soares que, por<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> hont<strong>em</strong>, foi dispensado todo o pessoal docente e administrativodo Instituto Zootechnico <strong>de</strong> Uberaba e dos outros estabelecimentos <strong>de</strong>ensino agrícola do Estado, e pediu-se-lhe que, mediante os mesmosvencimentos, se conserve no posto que occupa, ficando elle auctorizado afazer a <strong>de</strong>spesa que for strictamente indispensável para a guarda econservação dos laboratórios, bibliothecas, instrumentos agrícolas, e b<strong>em</strong>assim para o tratamento dos animaes, fazendo cessar quaesquer trabalhosagrícolas que porventura estejam sendo feitos. [...] Enviou-se á Secretariado Interior o autographo do <strong>de</strong>creto n. 1.191, <strong>de</strong> 4 do corrente mez.(MINAS GERAES, 09/10/1898, p. 1)Uma análise fria e imparcial da questão envolvendo o fechamento do Instituto126Incluídos o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, o Instituto Agronômico <strong>de</strong> Itabira e os Campos <strong>de</strong>D<strong>em</strong>onstração <strong>de</strong> Oliveira, Entre Rios e Belo Horizonte.


217Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba leva-nos a algumas conclusões que contradiz<strong>em</strong> o senso comum e secontrapõ<strong>em</strong> à opinião <strong>de</strong> alguns autores. Mendonça (1974, p. 109), por ex<strong>em</strong>plo, afirma que oInstituto “[...] foi suprimido, <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> 1898, por uma simples or<strong>de</strong>m telegráfica doPresi<strong>de</strong>nte do Estado, Dr. Silviano Brandão (reação contra o ‘Partido da Lavoura’ que aqui secriou, para combater o imposto territorial)”. Da mesma opinião compartilham Bilharinho(2006f), Rezen<strong>de</strong> (1991) e Oliveira (2002). Já Pontes (1970), que foi a principal referênciabibliográfica da obra <strong>de</strong> Mendonça (1974), não chega a afirmar que o fechamento da escolafoi uma represália política contra a criação do Partido da Lavoura; para ele, que foi um dosoito engenheiros formados pelo Instituto Zootécnico, o fim da escola foi precipitado pelaindisciplina que tomou conta da instituição a partir da campanha política <strong>de</strong> 1897 (que elegeuo legislativo municipal). Essa campanha eleitoral teria levado à formação <strong>de</strong> dois gruposantagônicos <strong>de</strong>ntro do Instituto Zootécnico e, mesmo com o final do processo eleitoral, <strong>em</strong>nov<strong>em</strong>bro daquele ano, “[...] a discórdia ali ficou implantada até que o estabelecimento, poruma simples or<strong>de</strong>m telegráfica <strong>de</strong> Silviano Brandão, presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas, se fechou dois anos<strong>de</strong>pois, para nunca mais se abrir” (PONTES, 1970, p. 135).Silviano Brandão é, há t<strong>em</strong>pos, um nome amaldiçoado <strong>em</strong> Uberaba, inclusive nosmeios acadêmicos. Pesa sobre ele a culpa pelo fechamento da primeira Escola Normal local edo Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, sendo esta última instituição o gran<strong>de</strong> orgulho da cida<strong>de</strong>.Entretanto, <strong>em</strong>bora o fechamento do Instituto tenha sido uma enorme perda para a região, nãoacreditamos que sua extinção se tenha dado <strong>em</strong> função <strong>de</strong> uma represália política.Discordamos <strong>de</strong>ssa versão e contra ela apresentamos os seguintes argumentos:1º) Como já vimos, a suspensão das aulas do Instituto Zootécnico aconteceu no dia05/09/1898, ainda no governo <strong>de</strong> Bias Fortes, que já enfrentava uma situação <strong>de</strong> penúriafinanceira. Silviano Brandão teria, então, simplesmente ratificado uma <strong>de</strong>cisão anterior.2º) Naquele momento, o estado <strong>de</strong> Minas Gerais passava por enormes dificulda<strong>de</strong>sfinanceiras. O governador Silviano Brandão, sendo obrigado a priorizar os serviços quejulgava essenciais à manutenção do estado, promoveu o fechamento <strong>de</strong> várias instituiçõeseducacionais e <strong>de</strong> muitos órgãos públicos. Além do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, fechado<strong>em</strong> 04/10/1898, foram extintos todos os outros estabelecimentos <strong>de</strong> ensino agrícola criadospela Lei nº 41 e mantidos pelo estado, ou seja, o Instituto Agronômico <strong>de</strong> Itabira e os campospráticos <strong>de</strong> Oliveira, Entre Rios e Belo Horizonte. Se o fechamento do Instituto fosse<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma represália contra as li<strong>de</strong>ranças políticas do município, <strong>de</strong>veria constituirse<strong>em</strong> um fato isolado e não teria atingido os outros estabelecimentos já citados.


2183º) O processo <strong>de</strong> enxugamento administrativo, iniciado com a posse <strong>de</strong> Silviano Brandão,incluiu o fechamento <strong>de</strong> outras instituições e órgãos públicos – e não somente os relacionadosà educação pública –, <strong>de</strong>ntre as quais citamos as repartições <strong>de</strong> higiene do estado (Decreto nº1.193, <strong>de</strong> 07/10/1898) e a dispensa do pessoal da comissão geográfica e geológica do estado(Decreto nº 1.194, <strong>de</strong> 07/10/1898). Prosseguindo a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio das contaspúblicas, <strong>em</strong> 16/09/1901, através da Lei nº 318, Brandão tomou, <strong>de</strong>ntre outras, as seguintesmedidas (TORRES, 1962): suspensão <strong>de</strong> todas as escolas normais do estado; supressão daSecretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (incluindo a repartição anexa <strong>de</strong> Terras,Colonização e Imigração); extinção do externato do Ginásio <strong>de</strong> Barbacena; supressão <strong>de</strong> partedas ca<strong>de</strong>iras da Escola <strong>de</strong> Farmácia <strong>de</strong> Ouro Preto; supressão dos cargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>legado auxiliardo chefe <strong>de</strong> polícia e dos inspetores extraordinários <strong>de</strong> instrução pública; redução <strong>de</strong> cinco dasseções da Secretaria do Interior; extinção <strong>de</strong> uma das varas <strong>de</strong> direito da comarca <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong>Fora e supressão do lugar <strong>de</strong> 2º promotor <strong>de</strong> justiça da mesma comarca; extinção da colôniacorrecional <strong>de</strong> Bom Despacho. Essas medidas, extr<strong>em</strong>amente impopulares, tomadas pelogovernador, atraíram a ira <strong>de</strong> vários grupos políticos do estado e não parec<strong>em</strong> ter obe<strong>de</strong>cido ameros interesses políticos e, sim, a necessida<strong>de</strong>s administrativas. Mourão (1962) afirma queSilviano Brandão era, s<strong>em</strong> dúvida, um administrador responsável que preferia ver a suacarreira política prejudicada a comprometer as finanças do estado com <strong>de</strong>cisões politiqueiras.4º) Na reunião realizada na Estação da Palestina, quando se <strong>de</strong>bateu a criação do ImpostoTerritorial, os senhores Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho e José Maria dos Reis, ex-alunos recémformadosno Instituto Zootécnico, fizeram parte do pequeno grupo <strong>de</strong> cinco participantes quese posicionou a favor do novo imposto. Se, do seio do Instituto, surgiam aliados dogovernador, se aquela instituição estadual po<strong>de</strong>ria constituir-se num pólo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dosinteresses do governo, por que fechá-la?5º) Por fim, nosso argumento final para <strong>de</strong>rrubar a versão do complô político é o seguinte: seo fechamento do Instituto Zootécnico <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto publicado <strong>em</strong> 04/10/1898, e areunião política que criou o Clube da Lavoura e Comércio <strong>de</strong> Uberaba (responsável pelaoposição ao Imposto Territorial) <strong>de</strong>u-se no dia 14/02/1899, portanto mais <strong>de</strong> quatro mesesapós a paralisação do Instituto, como o primeiro fato po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>correr do segundo?Quanto à afirmativa que consta nas diversas bibliografias citadas, <strong>de</strong> que o fechamentodo Instituto Zootécnico teria sido feito por uma simples or<strong>de</strong>m telegráfica, dando a enten<strong>de</strong>rque não teria havido nenhuma lei ou <strong>de</strong>creto extinguindo a instituição, constatamos que éparcialmente correta: apesar <strong>de</strong> o Decreto nº 1.191 ter dispensado todo o pessoal daquela


219instituição <strong>de</strong> ensino – o que, na prática, impossibilitava o seu funcionamento – não houvenenhum outro <strong>de</strong>creto posterior ratificando legalmente o fim da escola, <strong>em</strong>bora outrasmedidas tomadas pelo governo tenham <strong>de</strong>ixado claro que isso já havia ocorrido. No dia11/10/1898, por ex<strong>em</strong>plo, confirmando a irreversibilida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> extinção doInstituto, o Dr. Américo Werneck, secretário da Agricultura do estado, enviou, por um atoexecutivo, o engenheiro Antonio Gonçalves Nóbrega às fazendas on<strong>de</strong> funcionaram osinstitutos <strong>de</strong> Uberaba e <strong>de</strong> Itabira e os campos práticos <strong>de</strong> Oliveira e Entre Rios, a fim <strong>de</strong>provi<strong>de</strong>nciar a medição daquelas áreas, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dividi-las <strong>em</strong> lotes a ser<strong>em</strong><strong>de</strong>stinados à colonização (GAZETA DE UBERABA, 30/10/1898, p. 1).Em sua carta <strong>de</strong> exposições, na qual apresenta as justificativas para o fechamento doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, o secretário da agricultura, Américo Werneck, afirma queuma das principais causas que levaram a essa <strong>de</strong>cisão foi o alto custo que a escolarepresentava para o estado. Segundo ele, o estado teria gastado a quantia <strong>de</strong> 50:000$ para cadaum dos oito agrônomos formados na instituição (GAZETA DE UBERABA, 13/08/1899).Contra essa afirmação do secretário da agricultura, Militino Pinto retruca, mostrando que aeducação não po<strong>de</strong> ser vista como um custo, mas como um investimento:Muito perto <strong>de</strong> nós, <strong>em</strong> S. Paulo, a Escola Polytechnica, fundada <strong>em</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1895, acaba <strong>de</strong> distribuir diplomas a 10 engenheiros, apesar <strong>de</strong>funccionar <strong>em</strong> uma capital populosa, on<strong>de</strong> há todos os recursos e toda asorte <strong>de</strong> confortos! As condições financeiras daquelle vizinho Estado nãosão prosperas; porém, ainda assim, a montag<strong>em</strong> da Escola com os novosaccessorios ao prédio e outros melhoramentos, custaram para mais <strong>de</strong> milcontos <strong>de</strong> réis e a dotação orçamentária para o futuro exercício estárepresentada por uma somma superior a quinhentos contos <strong>de</strong> réis.Compare-se estes algarismos com o numero <strong>de</strong> engenheiros formados eveja-se por quanto saiu ao governo cada moço daquelles, que levaram cincoannos para completar o curso. Entretanto, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>sanimo, o Estadomais encorajado se acha para prosseguir dotando a Escola <strong>de</strong> novosmelhoramentos (GAZETA DE UBERABA, 24/08/1899, p. 1).Com o fechamento do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, os alunos matriculados nainstituição acabaram abandonados à própria sorte, um tipo <strong>de</strong> situação comum nas escolassuperiores dos primeiros t<strong>em</strong>pos republicanos. S<strong>em</strong> que existiss<strong>em</strong> outras instituiçõescongêneres <strong>em</strong> Minas Gerais que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> recebê-los <strong>em</strong> transferência, os alunos tentaram amatrícula <strong>em</strong> outras faculda<strong>de</strong>s do estado, mesmo que <strong>em</strong> áreas totalmente diversas daagronomia. Em um <strong>de</strong>sses casos, o aluno do 3º ano, Armante da Silva Carneiro, tentou, noinício <strong>de</strong> 1899, matricular-se na 1ª série da Escola <strong>de</strong> Farmácia <strong>de</strong> Ouro Preto, mas o governoestadual não consi<strong>de</strong>rou válidos, como preparatórios, os exames feitos nas matérias do 1º e 2º


220anos do Instituto Zootécnico (GAZETA DE UBERABA, 23/04/1899).A situação dos professores foi ainda pior: dispensados sumariamente pelo governoestadual, s<strong>em</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reencaminhamento para outra instituição <strong>de</strong> ensino superiormantida pelo estado, cada um se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u como pô<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitidos pelo estado, osex-diretores do Instituto Zootécnico, Ricardo Ernesto Ferreira <strong>de</strong> Carvalho e Fre<strong>de</strong>ricoMaurício Draenert, permaneceram residindo <strong>em</strong> Uberaba.Em 1899, o Prof. Ricardo Ernesto propôs ao governo estadual que alugasse a ele asinstalações do extinto Instituto Zootécnico. No local, o professor pretendia fundar umInstituto <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s, “litterario, scientifico, agricola, com internato e externato,comprehen<strong>de</strong>ndo a instrucção primaria, secundaria normal e cursos annexos <strong>de</strong> ensino praticoprofissional <strong>de</strong> Agricultura, Zootechnia e Agrimensura, sob a direcção <strong>de</strong> pessoal idôneo [...]”(GAZETA DE UBERABA, 19/03/1899, p. 1). Ricardo Ernesto propunha-se a pagar umaluguel anual <strong>de</strong> 2:400$000 pelo prédio e <strong>de</strong>mais materiais pertencentes ao estado (coleções,móveis, laboratórios). O dinheiro para a manutenção da escola viria das pensões pagas pelospais dos alunos. Entretanto, <strong>em</strong> face da in<strong>de</strong>finição do estado acerca do pedido, o ex-diretoracabou <strong>de</strong>sistindo da idéia <strong>de</strong> fundar a nova escola (GAZETA DE UBERABA, 07/05/1899).Não vingando o plano inicial, o ex-diretor <strong>de</strong>cidiu abrir um jornal na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nominado OTrabalho (GAZETA DE UBERABA, 19/07/1900), colocado <strong>em</strong> circulação a partir15/08/1900. Algum t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, com o fechamento do jornal e o falecimento <strong>de</strong> sua esposa,Ricardo Ernesto mudou-se da cida<strong>de</strong>.Também Draenert, apesar <strong>de</strong> ser um cientista <strong>de</strong> renome internacional, <strong>de</strong>cidiupermanecer <strong>em</strong> Uberaba, o que talvez tenha ocorrido <strong>de</strong>vido à total falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>trabalho <strong>em</strong> outros locais do país. A princípio, como já fazia anteriormente, continuouescrevendo artigos para jornais e revistas locais, numa impressionante produção científica 127que, parece-nos, não era r<strong>em</strong>unerada. Como forma <strong>de</strong> subsistência, dava aulas particulares,conforme atesta o Almanach Uberabense (1903) e o seguinte anúncio <strong>de</strong> jornal:Professor Particular – Um velho professor com longo tirocínio e praticado paiz e já há muitos annos no Rio <strong>de</strong> Janeiro, auctor <strong>de</strong> livros didactivos,querendo mudar-se por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, se offerece a dar lições nas127 Draenert (03/12/1838 – 09/09/1903) nasceu <strong>em</strong> Weimar, Al<strong>em</strong>anha, e mudou-se para o Brasil <strong>em</strong> 1855,contratado pelo Barão <strong>de</strong> Paraguassu, Consul Geral do Brasil <strong>em</strong> Hamburgo, para educar os filhos <strong>de</strong> umabastado dono <strong>de</strong> engenho da Bahia. Nessa época, iniciou suas pesquisas científicas, estudando as moléstias dacana-<strong>de</strong>-açúcar. Participou da organização <strong>de</strong> uma Escola Agrícola na Bahia e, após sua inauguração (1877), foiprofessor da mesma. Em 1889, foi nomeado consultor técnico do Ministério da Agricultura e, <strong>em</strong> 1896, foichamado para dirigir o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba. Em sua longa vida <strong>de</strong> pesquisador, produziu mais <strong>de</strong>1.000 artigos científicos, muitos expondo novas <strong>de</strong>scobertas científicas, que lhe ren<strong>de</strong>ram reconhecimentointernacional.


221escolas e casas particulares <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. Especialida<strong>de</strong>: linguas, historiauniversal e nacional, geographia e pedagogia. – Informações com o Dr. F.M. Draenert, Uberaba, rua dos Olhos d’Agua, n. 35 (LAVOURA ECOMÉRCIO, 10/07/1902, p. 4).Apesar <strong>de</strong> velho e doente, Draenert procurava prover as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua famíliacom os parcos ganhos oriundos <strong>de</strong>sse trabalho improvisado, o que nos r<strong>em</strong>ete, novamente, aoantigo probl<strong>em</strong>a da <strong>de</strong>svalorização da profissão docente, que atingia até professores célebrescomo o sábio al<strong>em</strong>ão.Figura 3.11 – Fre<strong>de</strong>rico Maurício DraenertFonte: APUParalelamente às ativida<strong>de</strong>s docentes, conforme informa o jornal Lavoura e Comércio(11/09/1903), Draenert escreveu os livros A pratica <strong>de</strong> estrumar (publicado <strong>em</strong> São Paulo, <strong>em</strong>1898) e Indústria agrícola - Os meios da iniciativa particular (também publicado <strong>em</strong> SãoPaulo, <strong>em</strong> 1899). Além <strong>de</strong>sses, a pedido do governo da União, traduziu as obras Feeds andfeeding (<strong>de</strong> W. A. Henry) e Die tropische agrikultur (4 grossos volumes <strong>de</strong> 3.200 páginas).Graças à sua larga experiência científica e apesar <strong>de</strong> ter tido uma curta permanência nacida<strong>de</strong> (1896-1903), Draenert teve participação ativa <strong>em</strong> várias iniciativas <strong>de</strong> caráter técnico<strong>de</strong>senvolvidas <strong>em</strong> Uberaba. Em outubro <strong>de</strong> 1902, Draenert, <strong>em</strong> parceria com os senhoresChristiano D. Griese e Josué da Costa Lage, participou da licitação pública que contratou os


222serviços <strong>de</strong> iluminação pública da cida<strong>de</strong> (LAVOURA E COMÉRCIO, 09/11/1902); mesmotendo sido os vencedores da concorrência, Draenert e seus sócios não conseguiram levantar ocapital <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po hábil e acabaram per<strong>de</strong>ndo o direito ao serviço, que foi transferido para ogrupo li<strong>de</strong>rado pelo médico Dr. José Ferreira (BILHARINHO, 1980h). Afora isso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suachegada a Uberaba, Draenert assumiu a incumbência <strong>de</strong> fazer observações 128 regulares sobreo clima da cida<strong>de</strong> e cercanias, além <strong>de</strong> vários estudos particulares sobre os solos, vegetação eagricultura da região; esses trabalhos, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, eram publicados nos órgãos <strong>de</strong>imprensa locais.Maurício Fre<strong>de</strong>rico Draenert faleceu no dia 09/09/1903, <strong>em</strong> Uberaba, vítima <strong>de</strong> ataquecardíaco, <strong>de</strong>ixando a viúva, Augusta Fre<strong>de</strong>rica Ida Kreysig, também al<strong>em</strong>ã, além <strong>de</strong> oitofilhos. Com a morte do pai, a família viu-se <strong>de</strong>samparada e <strong>em</strong> situação <strong>de</strong> miséria. Diante<strong>de</strong>ssa situação, o jornal Lavoura e Comércio abriu uma subscrição, recolhendo assinaturas <strong>de</strong>cidadãos uberabenses dispostos a fazer donativos àquela família. Também outras entida<strong>de</strong>spartiram <strong>em</strong> auxílio da família Draenert, conforme relata um jornal:A Socieda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Agricultura, procurando <strong>de</strong>monstrar o muito quesabe avaliar a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação com que o saudoso scientista all<strong>em</strong>ãoconsagrou-se ao serviço do Brazil, resolveu conce<strong>de</strong>r á digna família do<strong>em</strong>inente extincto o pr<strong>em</strong>io <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> réis, <strong>em</strong> cumprimento <strong>de</strong><strong>de</strong>liberação unânime da Directoria, o que fez por intermédio da conceituadacasa dos nossos amigos Ratto, Guaritá & Machado, <strong>de</strong>sta praça. Actoscomo este são dignos <strong>de</strong> louvores (LAVOURA E COMÉRCIO, 01/10/1903,p. 1).Mais <strong>de</strong> dois anos após o falecimento <strong>de</strong> Draenert, sua família ainda passava por sériasdificulda<strong>de</strong>s e, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1905, o <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral uberabense, Rodolpho Gustavo daPaixão, apresentou uma <strong>em</strong>enda ao orçamento geral da República, autorizando o governo aconce<strong>de</strong>r à viúva do cientista al<strong>em</strong>ão a importância <strong>de</strong> 15:000$ para a impressão do livroFeeds and Feedings, traduzido pelo referido professor (LAVOURA E COMÉRCIO,24/12/1905). Não sab<strong>em</strong>os se a <strong>em</strong>enda foi aprovada, mas, <strong>de</strong> qualquer forma, a situação <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo enfrentada pela família <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong> tão ilustre mostra uma realida<strong>de</strong>comum a muitas outras famílias brasileiras chefiadas por professores: a pobreza.Os novos engenheiros agrônomos egressos do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberabaparec<strong>em</strong> ter tido mais sorte que seus antigos diretores. Dada a carência <strong>de</strong> técnicos habilitadosno sertão brasileiro, quase todos eles rapidamente iniciaram a vida profissional, como foi ocaso <strong>de</strong> José Maria dos Reis (1877-1934), que, logo após a formatura, passou a exercer a nova128 Em outros momentos da história local, essas observações meteorológicas foram feitas por Frei GermanoD’Annency e Antônio Borges Sampaio.


223profissão, conforme mostra o seguinte anúncio publicitário publicado <strong>em</strong> um jornal local:José Maria dos Reis, tendo aberto seu escriptório á rua Barão <strong>de</strong> Ataliba(antiga do Commercio) esquina com a General Carneiro, nesta cida<strong>de</strong>,scceita todo e qualquer serviço que disser respeito á sua profissão. Incumbese<strong>de</strong> <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> terras por preços modicos; acceita administrações <strong>de</strong>fazendas mediante contracto; faz trabalhos <strong>de</strong> veterinaria com a maximapresteza, <strong>em</strong>pregando no tratamento dos animaes domesticos os maisefficazes medicamentos <strong>de</strong>scobertos e preconizados por aquella medicina(GAZETA DE UBERABA, 11/08/1898, p. 3).No início da vida profissional, José Maria dos Reis <strong>de</strong>dicou-se primordialmente àagrimensura, <strong>de</strong>marcando numerosas proprieda<strong>de</strong>s rurais da região. Depois, realizou inúmerostrabalhos <strong>de</strong> agronomia e <strong>de</strong> zootecnia, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que colaborava, como jornalista,<strong>em</strong> muitos jornais 129 e revistas publicadas no Triângulo Mineiro. Ocupou cargos políticos,como o <strong>de</strong> vereador e <strong>de</strong>putado estadual, tendo obtido do governo mineiro a fundação doAprendizado Agrícola Borges Sampaio (do qual tratar<strong>em</strong>os posteriormente) e da FazendaMo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Seleção, <strong>de</strong>stinada ao melhoramento genético do gado zebu. Preocupado com o<strong>de</strong>smatamento que, já naquela época, acontecia na região, fundou, auxiliado pelo governoestadual, um horto florestal, no chapadão da Palestina 130 . Além disso, organizou e dirigiu aChácara Nova Granja, que promoveu a seleção <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> lote <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares zebuínosproce<strong>de</strong>ntes da Índia (MONOGRAFIA DE UBERABA, 1956).Gabriel Laurindo <strong>de</strong> Paiva, <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> com o italiano Domingos <strong>de</strong> Angelis,montou um escritório <strong>de</strong> agrimensura <strong>em</strong> Uberaba. Em 1900, conforme noticiou o jornalLavoura e Comércio (31/05/1900), esse escritório levantou a planta da principal fazenda daregião, a Fazenda Cassu, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Cel. Antônio Borges <strong>de</strong> Araújo. Além <strong>de</strong>ste,inúmeros foram os trabalhos <strong>de</strong> agrimensura e <strong>de</strong> agronomia realizados por Gabriel Laurindo.Luiz Ignácio <strong>de</strong> Sousa Lima foi chamado para trabalhar no sul <strong>de</strong> Goiás, fazendoprincipalmente medições <strong>de</strong> terras. Naquelas bandas, on<strong>de</strong> novas fazendas estavam sendoformadas, o jov<strong>em</strong> engenheiro fez inúmeros trabalhos. Segundo uma neta <strong>de</strong> Luiz Ignácio, eracostume, naquela época, que muitos serviços foss<strong>em</strong> pagos com um percentual das terrasmedidas ou divididas. Dessa forma, Luiz Ignácio tornou-se proprietário <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong>extensão <strong>de</strong> terras que, durante o século XX, com a ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada das terras do sul129 José Maria dos Reis foi, também, fundador e proprietário dos jornais O Civilista e Jornal do Comércio e darevista A Rural.130 Dotado <strong>de</strong> uma consciência ambiental incomum para a época, José Maria dos Reis, nas primeiras décadas doséculo XX, publicou diversos artigos <strong>em</strong> jornais e revistas locais, advertindo a população para os riscos do<strong>de</strong>smatamento, da <strong>de</strong>gradação dos solos e das águas, constituindo-se, portanto, <strong>em</strong> um dos primeiros intelectuaisambientalistas <strong>de</strong> Uberaba.


224goiano, acabaram, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria, tomadas por posseiros (GARCIA, 2006).Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho (1865-1932), que já era o titular da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> CiênciasFísicas e Naturais da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, assumiu, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formado, o cargo<strong>de</strong> Diretor daquela instituição. Foi jornalista da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e do jornal O Município,<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo posições polêmicas como a do Imposto Territorial Rural. Esteve na Índia, on<strong>de</strong>adquiriu uma partida <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares zebuínos para o Cel. Manuel Borges <strong>de</strong> Araújo. Foidiretor da Fazenda Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Uberaba e, posteriormente, da Fazenda Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Urutaí – GO(MENDONÇA, 1974). Foi, também, inspetor regional <strong>de</strong> ensino na região <strong>de</strong> Uberaba(LAVOURA E COMÉRCIO, 05/06/1913).Após receber o diploma <strong>de</strong> engenheiro agrônomo, Fidélis Gonçalves dos Reis (1880-1962) mudou-se para a França, on<strong>de</strong> se pós-graduou na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sorbonne. Voltandoao Brasil, foi aprovado <strong>em</strong> um concurso do Estado <strong>de</strong> São Paulo, passando a exercer o cargo<strong>de</strong> ajudante da Inspetoria do Distrito Agrícola <strong>de</strong> Campinas (LAVOURA E COMÉRCIO,12/03/1903). Retornou a Uberaba no início <strong>de</strong> 1903, on<strong>de</strong> exerceu ativida<strong>de</strong>s ligadas àagronomia. Ocupou o cargo <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte da Socieda<strong>de</strong> Mineira <strong>de</strong> Agricultura e foi <strong>de</strong>putadoestadual e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral por vários mandatos. Foi o fundador da Socieda<strong>de</strong> Rural doTriângulo Mineiro e presi<strong>de</strong>nte do Banco do Triângulo Mineiro. Fundou, também, asocieda<strong>de</strong> que ergueu o Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba 131 (que será estudado no quintocapítulo <strong>de</strong>ste trabalho). Foi presi<strong>de</strong>nte da Associação Comercial e Industrial <strong>de</strong> Uberaba, umdos fundadores da Escola <strong>de</strong> Engenharia da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais e autor <strong>de</strong> várioslivros (MENDONÇA, 1974).Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo Pontes (1879-1940) exerceu, por mais <strong>de</strong> 20 anos, ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> agrimensura <strong>em</strong> todo o Triângulo Mineiro. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, foi professor e diretor doExternato Santa Filomena, jornalista e historiador. Abraçando a vida política, foi, por duasvezes, Presi<strong>de</strong>nte da Câmara e Agente Executivo <strong>de</strong> Uberaba. Fez, também, o levantamentocensitário <strong>de</strong> Uberaba, no ano <strong>de</strong> 1909. Foi, entretanto, sua atuação como historiador eescritor que fez <strong>de</strong>le um dos mais ilustres cidadãos uberabenses <strong>de</strong> todos os t<strong>em</strong>pos. É autordas seguintes obras historiográficas: Historia <strong>de</strong> Uberaba e a civilização no Brasil central,M<strong>em</strong>ória Eclesiástica da Diocese <strong>de</strong> Uberaba, De Ermida a Catedral, Dona Beija,Nobiliarquia do Triângulo Mineiro, Cida<strong>de</strong> do Prata, História do futebol <strong>em</strong> Uberaba, Os131 Como ver<strong>em</strong>os no quinto capítulo, ao i<strong>de</strong>alizar o seu Liceu, no qual adotou o trabalho como princípioeducativo, Fidélis Reis parece ter sido influenciado por sua própria experiência quando aluno do InstitutoZootécnico.


225meus cinqüenta anos, <strong>de</strong>ntre outros trabalhos (PONTES, 1970). Seus livros possibilitaram oresgate <strong>de</strong> importantes capítulos da história regional e serviram <strong>de</strong> base para quase todos ostrabalhos historiográficos posteriores.Delci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Carvalho exerceu, por algum t<strong>em</strong>po, a profissão <strong>de</strong> engenheiro agrônomo<strong>em</strong> Uberaba, mantendo um escritório na Rua do Comércio, nº 25 (ALMANACHUBERABENSE, 1903). Posteriormente, por volta <strong>de</strong> 1910, mudou-se para Barretos, on<strong>de</strong>assumiu a direção dos negócios comerciais e rurais da família. Tornou-se, <strong>de</strong>pois, prósperoindustrial naquela cida<strong>de</strong> (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/02/1912).Otávio Augusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira (1878-1903), o último dos oito agrônomosformados pelo Instituto Zootécnico, era filho do famoso jornalista José Augusto <strong>de</strong> PaivaTeixeira (conhecido como Casusa). Concluído o curso, <strong>em</strong> 1898, Otávio Augusto fez algunstrabalhos para produtores rurais da região, mas acabou falecendo <strong>em</strong> 1903, com apenas 25anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (BILHARINHO, 2006i).Chega a ser espantoso o currículo dos agrônomos egressos do Instituto Zootécnico <strong>de</strong>Uberaba. Como explicar que quase todos esses alunos se tenham tornado <strong>de</strong>stacados cidadãosda socieda<strong>de</strong> uberabense e, <strong>em</strong> certos casos, nacional? Um raciocínio lógico, e ao mesmot<strong>em</strong>po coerente com a visão histórico-crítica, leva-nos a imaginar que a formação escolar<strong>de</strong>sses sujeitos – obtida no Instituto Zootécnico – tenha possibilitado a eles elevar<strong>em</strong>-se a umnível elevado <strong>de</strong> consciência (o da catarse) que lhes <strong>de</strong>u condições para interferir e modificarsua prática social.Por outro lado, sob uma visão gramsciana, ao adotar o trabalho como princípioeducativo, o Instituto Zootécnico possibilitou a formação <strong>de</strong> homens omnilaterais, produtorese políticos ao mesmo t<strong>em</strong>po. Esta tese encontra respaldo ao analisarmos a história <strong>de</strong> vida dosex-alunos: ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se utilizaram dos conhecimentos técnicos adquiridos naescola, que fez <strong>de</strong>les agrônomos requisitados, muitos se tornaram, também, gran<strong>de</strong>s<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores e lí<strong>de</strong>res políticos que, como ver<strong>em</strong>os nos capítulos posteriores, tiveram<strong>de</strong>stacada atuação na socieda<strong>de</strong>, principalmente nos assuntos referentes à educação.Outro aspecto que, também, não <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado é a estreita ligação entre ocapital e a educação; nessa perspectiva, a formação dos novos agrônomos vinha ao encontrodos interesses utilitaristas da elite rural, <strong>em</strong>penhada <strong>em</strong> melhorar a produtivida<strong>de</strong>agropecuária <strong>de</strong> suas fazendas. Essa <strong>de</strong>manda pelos serviços técnicos dos novos engenheirosagrônomos trouxe, s<strong>em</strong> dúvida, a valorização profissional dos mesmos e tornou-os <strong>de</strong>stacadoscidadãos. Nos anos seguintes, os ex-alunos do Instituto Zootécnico tiveram importante papel


226na renovação do rebanho bovino e no melhoramento das pastagens da região.Todas essas constatações nos possibilitam uma visão mais ampla sobre a primeirainstituição <strong>de</strong> ensino superior do Brasil central. Consi<strong>de</strong>rando os resultados práticos doprocesso educativo, que po<strong>de</strong>m ser mensurados pela prática social dos ex-alunos, enten<strong>de</strong>mosque, longe <strong>de</strong> ser uma experiência breve e fracassada, o Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba foium verda<strong>de</strong>iro celeiro <strong>de</strong> homens omnilaterais, que acabaram servindo, também, aosinteresses utilitaristas das classes dominantes locais. Sua extinção pr<strong>em</strong>atura <strong>de</strong>correu dasdificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelas elites uberabenses para manter <strong>em</strong> funcionamento umainstituição <strong>de</strong> ensino muito avançada para o contexto local e mesmo estadual. E assim, comojá tratamos, uma série <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> caráter político e econômico acabaram inviabilizandoaquela importante experiência educacional.3.5 O efêmero S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa CruzOs s<strong>em</strong>inários são estabelecimentos criados pela Igreja Católica no século XVII,<strong>de</strong>stinados a formar os m<strong>em</strong>bros do Estado eclesiástico. Essas instituições receb<strong>em</strong> duasclassificações: S<strong>em</strong>inário Maior e S<strong>em</strong>inário Menor. O S<strong>em</strong>inário Maior é uma escolasuperior <strong>de</strong> filosofia e <strong>de</strong> teologia, <strong>de</strong>stinada aos jovens que se preparam para exercer osacerdócio. Já o S<strong>em</strong>inário Menor é uma escola eclesiástica <strong>de</strong> nível secundário, que preparao aluno para o ingresso no S<strong>em</strong>inário Maior, pois a Igreja consi<strong>de</strong>ra que, antes <strong>de</strong> ingressar nonoviçado propriamente dito, o jov<strong>em</strong> precisaria alcançar a maturação necessária para umaformação sacerdotal.O período <strong>de</strong> estudos no S<strong>em</strong>inário Menor privilegia a vida <strong>em</strong> comunida<strong>de</strong>, aformação intelectual e pessoal, e dá especial atenção à oração e ao cultivo das virtu<strong>de</strong>s. NoS<strong>em</strong>inário Maior, é dado prosseguimento ao processo <strong>de</strong> formação religiosa, com ênfase nosestudos <strong>de</strong> filosofia e teologia. O acesso ao S<strong>em</strong>inário Maior po<strong>de</strong> ser feito por jovens queconcluíram o S<strong>em</strong>inário Menor ou, <strong>de</strong> forma propedêutica, por jovens egressos do ensinomédio regular ou do ensino superior.No Brasil, antes da Lei 9394/96 e do Parecer CNE/CES 241/99 132 , os cursos132 A partir da recente legislação educacional brasileira, os cursos superiores <strong>de</strong> Teologia passaram a sofrer afiscalização estatal sobre os processos <strong>de</strong> autorização e reconhecimento, passando a obe<strong>de</strong>cer às diretrizesmínimas estabelecidas pelo Ministério da Educação, no que se refere ao número <strong>de</strong> horas-aula ministradas, àqualificação do corpo docente e às condições da infra-estrutura oferecida (BRASIL, 1999).


227ministrados por S<strong>em</strong>inários Maiores, <strong>em</strong>bora tivess<strong>em</strong> o status <strong>de</strong> cursos superiores, eramconsi<strong>de</strong>rados cursos livres, não sujeitos à autorização ou ao reconhecimento por parte doMinistério da Educação. Esses cursos não ensejavam ao concluinte um diploma <strong>de</strong> nívelsuperior com valida<strong>de</strong> nacional, ficando a sua duração e composição curricular sob aresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada confissão religiosa (BRASIL, 2004a; BRASIL, 2004b).No final do século XIX e início do século XX, os estudos nos s<strong>em</strong>inários brasileiroseram s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato. Ao final do curso no S<strong>em</strong>inário Maior, alguns dos novospadres eram enviados a Roma, on<strong>de</strong> faziam doutorado <strong>em</strong> Filosofia e Teologia, <strong>em</strong> geral naUniversida<strong>de</strong> Gregoriana (MENDONÇA, 1974). Esse doutoramento <strong>em</strong> Roma era umimportante pré-requisito para que um padre pu<strong>de</strong>sse avançar na hierarquia eclesiástica.A instalação do primeiro s<strong>em</strong>inário católico <strong>de</strong> Uberaba está ligada ao estabelecimento<strong>de</strong> uma diocese nessa cida<strong>de</strong>, obra do então bispo <strong>de</strong> Goiás, Dom Eduardo. Segundo relataPrata (1987), Dom Eduardo Duarte e Silva sagrou-se bispo, <strong>em</strong> Roma, no dia 08/02/1891, etomou posse da diocese <strong>de</strong> Goiás <strong>em</strong> 29/09/1891, passando a residir na capital goiana a partir<strong>de</strong>ssa data. S<strong>em</strong> o apoio do governo local, construiu, a expensas próprias, uma nova se<strong>de</strong> parao S<strong>em</strong>inário Episcopal <strong>de</strong> Santa Cruz, <strong>em</strong> Ouro Fino, no qual gastou cerca <strong>de</strong> vinte e doiscontos <strong>de</strong> réis, continuando <strong>de</strong>pois a cobrir, <strong>de</strong> seu próprio bolso, as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> sustentodaquela instituição religiosa.No início <strong>de</strong> 1896, <strong>em</strong> meio a uma grave crise financeira para manutenção doS<strong>em</strong>inário, o governo goiano tomou posse do prédio on<strong>de</strong> funcionava a instituição,infringindo o Decreto <strong>de</strong> 07/01/1890, do Governo Provisório, que mandava reconhecer <strong>em</strong>favor da Igreja todas as proprieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> posse da mesma até aquela data. Obrigado a<strong>de</strong>socupar o prédio <strong>em</strong> companhia dos s<strong>em</strong>inaristas e contrariado com as interferênciaspolíticas que prejudicavam sua administração, Dom Eduardo foi aconselhado pelo clerosecular no sentido <strong>de</strong> transferir a se<strong>de</strong> da diocese para outra cida<strong>de</strong> (PRATA, 1987).A cida<strong>de</strong> mais viável para receber a diocese, pela comodida<strong>de</strong> que trazia, eraUberaba 133 . Dom Eduardo já conhecia Uberaba – cida<strong>de</strong> que, <strong>em</strong>bora localizada <strong>em</strong> MinasGerais, fazia parte da diocese <strong>de</strong> Goiás –, pois a visitara outras vezes. Numa <strong>de</strong>ssas ocasiões,<strong>em</strong> 1894, passando pela cida<strong>de</strong> após uma viag<strong>em</strong> a Roma, o bispo foi festivamente recebidona estação ferroviária por autorida<strong>de</strong>s civis, pela banda <strong>de</strong> música União Uberabense e porum grupo <strong>de</strong> alunos do Colégio Uberabense. Sendo a cida<strong>de</strong> o ponto final da ferrovia, D.133 Ao contrário das cida<strong>de</strong>s goianas, Uberaba era uma cida<strong>de</strong> servida por ferrovia – o que facilitava acomunicação com os principais centros urbanos do país – e possuía uma razoável infra-estrutura urbana.


228Eduardo <strong>de</strong>via, <strong>em</strong> seguida, <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r uma penosa viag<strong>em</strong> até Goiás utilizando-se <strong>de</strong>animais <strong>de</strong> carga, o que levou os jornais locais a sugerir<strong>em</strong>, já naquele momento, a mudançado bispado para Uberaba:No dia 7, como noticiamos, regressou a esta cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> sua longa e<strong>de</strong>morada viag<strong>em</strong> a Roma, on<strong>de</strong> conferenciou com sua santida<strong>de</strong> o papaLeão XIII, o sabio e digno bispo <strong>de</strong> Goyaz, d. Eduardo Silva, o mais bello evirtuoso ornamento dos t<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> Christo. [...] S. ex. revdma. teve arecepção <strong>de</strong> que é digno pelo seu trato lhano e <strong>de</strong> cavalheiro que é e dahi aestima, consi<strong>de</strong>ração e respeito que lhe tributam seus diocesanos <strong>de</strong>steTriângulo Mineiro, que t<strong>em</strong> incontestavel e merecidamente por sé<strong>de</strong> estacida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> s. ex. aquiescendo á vonta<strong>de</strong> popular, <strong>de</strong>via fixar suaresidência, mesmo porque a vida torna-se mais suave, <strong>de</strong>vido aos gran<strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> que ora dispõ<strong>em</strong> o gran<strong>de</strong> município <strong>de</strong> Uberaba e os <strong>de</strong>maisdo Triângulo. (GAZETA DE UBERABA, 10/11/1894, p. 1)Obrigado a ce<strong>de</strong>r o prédio do s<strong>em</strong>inário para o governo goiano, Dom Eduardo logo se<strong>de</strong>cidiu pela mudança para Uberaba. A notícia da transferência espalhou-se rapidamente. Umjornal <strong>de</strong> Ribeirão Preto assim justificou a mudança do bispado:Está <strong>de</strong>cidida a mudança do sr. bispo <strong>de</strong> Goyaz para esta cida<strong>de</strong> e com elle os<strong>em</strong>inário que há annos é mantido na capital goyana. Entre os váriosmotivos que, segundo consta, <strong>de</strong>terminaram essa mudança da diocese <strong>de</strong>Goyas para Uberaba, um se relaciona com a perseguição movida porpo<strong>de</strong>rosa família do visinho Estado ao bispo e clero, influindo também paraisso o actual governo que preten<strong>de</strong>u ou chamou a si o prédio <strong>em</strong> que allifunccionava o s<strong>em</strong>inário episcopal. (SÃO PAULO E MINAS, 17/05/1896,p. 2)Dom Eduardo e sua comitiva, formada por cerca <strong>de</strong> 80 pessoas (<strong>em</strong> sua maioriasacerdotes e alunos do S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Goiás) e 160 animais <strong>de</strong> carga (SÃO PAULO E MINAS,07/06/1896), partiram <strong>de</strong> mudança para Uberaba, chegando à cida<strong>de</strong> no dia 10 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1896. A recepção à comitiva episcopal foi feita por gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas que já oaguardavam na Praça das Mercês (atual Praça Dom Eduardo), ao som da banda <strong>de</strong> músicaUnião Uberabense. As autorida<strong>de</strong>s municipais e os representantes das diversas colôniasestrangeiras recepcionaram o bispo no interior do prédio do Colégio Uberabense, localizadonaquela praça pública (SÃO PAULO E MINAS, 16/08/1896).Para acolher o bispo e seu elevado número <strong>de</strong> acompanhantes, as autorida<strong>de</strong>s locaishaviam <strong>de</strong>stinado o palacete pertencente ao sr. Tobias Antonio Rosa, localizado na Praça daMatriz – a ser utilizado provisoriamente como palácio episcopal – e um outro prédio da rua doComércio – on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria funcionar, precariamente, o s<strong>em</strong>inário. O comércio local contribuiucom 4.000$000 para reforma, <strong>de</strong>coração e mobiliário do palácio episcopal. Contudo, sabendoque o imóvel da rua do Comércio não oferecia, absolutamente, condições para abrigar um


229s<strong>em</strong>inário, logo se apresentaram outras alternativas, sendo que uma <strong>de</strong>las recaía sobre umprédio da rua do Imperador, no local on<strong>de</strong> esteve alojado, por alguns anos, o segundo corpoda brigada <strong>de</strong> Minas Gerais (SÃO PAULO E MINAS, 13/08/1896).Figura 3.12 – Dom Eduardo Duarte e SilvaFonte: Prata (1987)Para instalar o s<strong>em</strong>inário, o bispo visitou outros imóveis da cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cidiu-se peloprédio on<strong>de</strong> estava instalado o Colégio Uberabense, por ser espaçoso, ventilado e b<strong>em</strong>localizado. Como, naquela ocasião, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da baixa freqüência <strong>de</strong> alunos, o colégiopassava por um momento <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s econômicas, a negociação visando à cessão doprédio foi facilitada. A escolha foi elogiada pela imprensa uberabense:Des<strong>de</strong> o dia 1 do corrente s. exa. Revma. o sr. Bispo <strong>de</strong>sta diocese acha-se<strong>de</strong> posse do predio do extincto Collegio Uberabense, <strong>de</strong>vendo ser alliinstalado brev<strong>em</strong>ente o s<strong>em</strong>inário episcopal. Foi uma excellente acquisição,porquanto esse prédio possue todas as condições exigidas paraestabelecimentos taes (GAZETINHA, 03/09/1896).Concluída a negociação, o prédio, proprieda<strong>de</strong> do Dr. Augusto Reis e <strong>de</strong> outrosacionistas, teria sido adquirido por doze contos <strong>de</strong> réis e nele foram instalados os corposdiscente e docente do s<strong>em</strong>inário (PRATA, 1987). Mendonça (1974) e Prata (1987) suger<strong>em</strong>que a compra do prédio teria sido feita pelo próprio bispo D. Eduardo, a suas expensas;entretanto, reportagens publicadas <strong>em</strong> jornais da época mostram que a população e ospróprios proprietários do imóvel teriam feito uma doação – ao menos parcial – ao bispo <strong>de</strong>


230Goiás, conforme po<strong>de</strong>mos observar no seguinte trecho, retirado <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> imprensa:Parece que a população local compenetrou-se da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dotar oexmo. sr. bispo diocesano <strong>de</strong> meios que o habilit<strong>em</strong> a manter a dignida<strong>de</strong> docargo que exerce e a se<strong>de</strong> do bispado nesta cida<strong>de</strong>. Sendo preciso para oS<strong>em</strong>inário Episcopal um prédio próprio, parece assentado que o prédio doCollegio Uberabense será doado para aquele estabelecimento <strong>de</strong> ensino,havendo a maior parte dos accionistas que concorreram para a construcçãodo prédio aberto mão <strong>de</strong> suas acções <strong>em</strong> beneficio do S<strong>em</strong>inário. (SÃOPAULO E MINAS, 15/10/1896, p. 2)Entretanto, mesmo após Dom Eduardo já ter instalado seu s<strong>em</strong>inário na elegante se<strong>de</strong>do Colégio Uberabense, alguns cidadãos que participaram da construção daquele prédio comocotistas diziam-se lesados. Através <strong>de</strong> um artigo da Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, um jornalista local<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> os direitos <strong>de</strong>sses cidadãos:Diversos cidadãos amantes do progresso e do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta nossaterra cotisaram-se <strong>em</strong> 1892 para a construcção <strong>de</strong> um prédio <strong>em</strong> condições<strong>de</strong> continuar a funccionar o ‘Collegio Uberabense’. [...] Eu quizera saber<strong>em</strong> que ficou a socieda<strong>de</strong> proprietária do ‘Collegio Uberabense’ <strong>em</strong> cujofrontespicio vejo inscriptas as palavras ‘S<strong>em</strong>inario Episcopal’ ha muitosmezes. Sei que diversos dos cidadãos que concorreram com capitaes para afundação <strong>de</strong> tal socieda<strong>de</strong>, doaram ao exm. Sr. bispo diocesano as quantiascom que haviam contribuído para a construcção da obra. Alguns, porém, serecusaram a doar, cada qual fundado <strong>em</strong> razões que não me competeesquadrinhar e seja como fôr, é intuitivo que estes que se recusaram áalludida doação ficaram proprietarios dos valores com que contribuíram.[...] A auctorida<strong>de</strong> ecclesiastica está usufruindo e administrando o prédiocomo si fosse única proprietaria <strong>de</strong>lle, s<strong>em</strong> a mínima attenção para com osdireitos dos <strong>de</strong>mais proprietarios. (GAZETA DE UBERABA, 16/01/1898,p. 1)Mesmo com a resistência <strong>de</strong> alguns sócios do colégio, Dom Eduardo acabou tomandoposse <strong>de</strong>finitiva do prédio e instalou-se no local, ao lado dos s<strong>em</strong>inaristas. Como o imóvel nãoera totalmente suficiente para as pretensões do bispo, muitos cidadãos uberabenses fizeramdoações para ajudar nas obras <strong>de</strong> implantação da se<strong>de</strong> da diocese. Além da população local,também as câmaras municipais das cida<strong>de</strong>s vizinhas (como Araguari e Carmo do Prata)fizeram consi<strong>de</strong>ráveis doações ao sr. bispo diocesano para a adaptação do prédio e para quefosse construído um palácio episcopal <strong>de</strong>finitivo (SÃO PAULO E MINAS, 21/11/1896).O s<strong>em</strong>inário iniciou suas ativida<strong>de</strong>s já <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1896, passando aoferecer à população da cida<strong>de</strong> o Curso <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato. Umanúncio publicitário da instituição, informando a abertura do s<strong>em</strong>inário, dava alguns <strong>de</strong>talhesdo curso e explicitava as regras para a matrícula <strong>de</strong> alunos:As matérias ensinadas no s<strong>em</strong>inário compreen<strong>de</strong>rão todas as necessárias aocurso superior. Quanto aos livros adoptados, po<strong>de</strong>rão os paes <strong>de</strong> família


231enten<strong>de</strong>r-se com o Reitor. Cada alumno <strong>de</strong>vera ter um correspon<strong>de</strong>nte nestacida<strong>de</strong> para lhe fornecer todo o mais que por acaso o alumno precisar. Apensão annual será <strong>de</strong> 500$000 réis [...] (GAZETINHA, 03/09/1896, p. 4)Pelo anúncio, percebe-se que o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz oferecia, a princípio, apenaso curso <strong>de</strong> nível secundário, o que o enquadrava na classificação <strong>de</strong> um s<strong>em</strong>inário menor, quedava a preparação regular para o ingresso no curso superior dos s<strong>em</strong>inários maiores. Nessescasos, o chamado Curso <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s procurava dar, <strong>em</strong> 7 anos <strong>de</strong> estudos (incluindo 1ano <strong>de</strong> curso propedêutico), uma ampla formação clássica e religiosa, que incluía o ensino <strong>de</strong>religião, português, latim, francês, grego, música, ciências naturais, história sagrada, históriado Brasil e universal, etc. (FREITAS, 2002).Pelos planos <strong>de</strong> D. Eduardo, ao término do Curso <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s, os alunos seriamenviados para os s<strong>em</strong>inários maiores brasileiros ou do exterior, a fim <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> or<strong>de</strong>nadossacerdotes. A expectativa era a <strong>de</strong> que, com o caminhar do t<strong>em</strong>po, o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruzpassasse a oferecer os cursos <strong>de</strong> filosofia e teologia, atingindo o status <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inário maior, oque eliminaria os altos gastos <strong>de</strong>correntes da formação dos sacerdotes no exterior e noss<strong>em</strong>inários maiores brasileiros.Figura 3.13 – S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz e o Palácio EpiscopalFonte: Capri (1916)


232Chegou a ser cogitado, também, que fazia parte dos planos <strong>de</strong> Dom Eduardo a abertura<strong>de</strong> um externato anexo ao s<strong>em</strong>inário, que seria batizado Instituto Episcopal, que ofereceria oscursos primário e secundário (SÃO PAULO E MINAS, 10/09/1896), o que acabou não seconcretizando.Após a instalação <strong>de</strong>finitiva do S<strong>em</strong>inário Episcopal <strong>de</strong> Santa Cruz, Dom Eduardopassou o comando da escola aos padres dominicanos e seguiu para a Europa a conselhomédico. Para ocupar o cargo <strong>de</strong> reitor da escola, foi nomeado frei Jacinto Lacomme e, paravice-reitores, frei Gabriel Devoisin e frei Raimundo Anfossi. Dentre os professores da escola,<strong>de</strong>stacamos o Cônego Inácio Xavier da Silva e os padres Gercino <strong>de</strong> Santana e Oliveira, PedroRodrigues da Silva, Francisco da Cunha Peixoto Leal, Teófilo José <strong>de</strong> Paiva, JoaquimConfúcio <strong>de</strong> Amorim, Bráulio Prego e Augusto da Rocha Maia (PRATA, 1987).É certo que, naquela época, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas no S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruzeram bastante divulgadas pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa e dividiam a atenção dos uberabenses comoutra escola superior cont<strong>em</strong>porânea a ela, o Instituto Zootécnico. Com uma populaçãoesmagadoramente católica, Uberaba orgulhava-se <strong>de</strong> seu novo s<strong>em</strong>inário, como b<strong>em</strong> expressaa notícia seguinte, intitulada Festas no S<strong>em</strong>inário, transcrita <strong>de</strong> um jornal <strong>de</strong> 1897:A 16 do corrente, consagrado a N. S. do Carmo, os estudantes do S<strong>em</strong>ináriooffereceram um lindo ramalhete á Virg<strong>em</strong> Santíssima. Havia naquelleestabelecimento <strong>de</strong> educação a primeira comunhão <strong>de</strong> vários meninos quefoi um acto tocante e solenne. A’ noite houve uma esplendida illuminação ágiorno, que chamou a attenção do povo pelo effeito <strong>de</strong>slumbrante qu<strong>em</strong>ostrava o S<strong>em</strong>inário. No jardim do S<strong>em</strong>inário inaugurou-se uma bellagruta que representa ao vivo a gruta <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s, e no centro foi collocadauma formosa e suavissima imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> N. S. da Conceição <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s.(JORNAL DE UBERABA, 25/07/1897, p. 1)Outro artigo do mesmo jornal anunciava os festejos <strong>de</strong> encerramento do primeiro anoletivo do s<strong>em</strong>inário:Receb<strong>em</strong>os uma circular, que nos foi dirigida pelo revmo. Reitor doS<strong>em</strong>inário Uberabense. S. revma. nos participa que a 30 do corrente findaráo anno escolar e a 1º <strong>de</strong> Agosto os estudantes do S<strong>em</strong>inário farão umarepresentação theatral, da qual tomarão parte vários alumnos. O espetáculocomeçara ás 6 horas da noite <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> Agosto (JORNAL DE UBERABA,25/07/1897, p. 1)No início <strong>de</strong> 1898, o médico João Teixeira Álvares, na época resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Araxá,assim <strong>de</strong>screve uma visita que fez ao s<strong>em</strong>inário e tece muitos elogios ao estabelecimento:De passag<strong>em</strong> por esta cida<strong>de</strong> visitei o S<strong>em</strong>inario Episcopal, on<strong>de</strong> estuda umfilho meu. Fiquei verda<strong>de</strong>iramente satisfeito com o que vi e observei. Oedifício está magnificamente situado numa imminencia, don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>scortinaum horizonte vasto e aprazivel, respirando-se ar puríssimo, liberto dos


233miasmas da parte baixa da cida<strong>de</strong>. A construcção é sólida e elegante;comquanto acanhado para o fim a que se <strong>de</strong>stina, o prédio se presta <strong>de</strong> ummodo completo ao numero <strong>de</strong> alumnos que actualmente possue.Dormitórios vastos, largos salões <strong>de</strong> estudo b<strong>em</strong> ventilados, accomodamcom facilida<strong>de</strong> os alumnos [...] Observa-se <strong>em</strong> toda a casa o mais rigorosoasseio, satisfazendo <strong>em</strong> tudo as exigências da Hygiene mo<strong>de</strong>rna <strong>em</strong> relaçãoaos apartamentos, pateos, water-closetes, refeitórios, etc. Muito meallegrou, ao penetrar na extensa explanada que circumda o s<strong>em</strong>inário pelosfundos e que serve <strong>de</strong> recreio, ver erguidos tres pavilhões dotados dosindispensáveis apparelhos <strong>de</strong> gymnastica, on<strong>de</strong> as creanças <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>methodicamente a musculatura. Existe também água canalisada no edifícioe exellentes banheiros. Dirig<strong>em</strong> o estabelecimento os Revdms.Dominicanos frei Jacyntho, frei Joaquim, e frei Rozario [...] (GAZETA DEUBERABA, 09/01/1898, p. 1)Em fevereiro <strong>de</strong> 1898, <strong>de</strong>ntre os alunos que freqüentavam o s<strong>em</strong>inário, po<strong>de</strong>mos citaros seguintes: Garibaldi <strong>de</strong> Mello, Francisco Lorena, José Franklin, Elias Porfírio, CésarBorges, Augusto Maia, Arthur Botelho, Belizário Cunha e Arthur <strong>de</strong> Souza. Dessa relação <strong>de</strong>alunos, <strong>de</strong>stacamos a figura <strong>de</strong> César Borges, que, por muitos anos, após ter-se or<strong>de</strong>nadopadre, exerceu ativida<strong>de</strong>s sacerdotais <strong>em</strong> Uberaba. Foi também político, tendo ocupado ocargo <strong>de</strong> vereador da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, on<strong>de</strong> foi ferrenho <strong>de</strong>fensor dosinteresses da Igreja Católica.No dia 08/02/1898, durante uma festa realizada na escola, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> aoaniversário <strong>de</strong> sagração do bispo D. Eduardo, Frei Jacynto proferiu um discurso <strong>em</strong> queexpunha aos cidadãos que participavam dos festejos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação dasinstalações do S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz. Pediu donativos aos presentes, que contribuíram como total <strong>de</strong> 402$250 (GAZETA DE UBERABA, 13/02/1898, p.1). Ao que nos parece, jánaquele momento, o s<strong>em</strong>inário passava por sérias dificulda<strong>de</strong>s financeiras.Nesse mesmo ano, os fra<strong>de</strong>s dominicanos retiraram-se do S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz.Assumiu então a reitoria provisória da escola o Padre João Marques <strong>de</strong> Oliveira, ajudadopelos padres Gercino, Teófilo <strong>de</strong> Paiva e Augusto da Rocha Maia. Entretanto, s<strong>em</strong> condiçõesfinanceiras para manter a instituição, o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz acabou fechado <strong>em</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1899, fato que foi assim noticiado pela imprensa local: “Por portaria do exm. Sr. vigáriogeral <strong>de</strong>ste bispado, Cônego Ignácio Xavier da Silva, foram suspensas as aulas do S<strong>em</strong>inárioEpiscopal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>.” (GAZETA DE UBERABA, 26/02/1899, p. 2).Ao retornar a Uberaba, após <strong>de</strong>zessete meses <strong>de</strong> viag<strong>em</strong>, Dom Eduardo encontrou os<strong>em</strong>inário fechado. Com a extinção da escola, Dom Eduardo passou a enviar seus s<strong>em</strong>inaristaspara estudar <strong>em</strong> Roma. Dentre estes, <strong>de</strong>stacamos os alunos que, após o término dos estudos,se tornaram o Monsenhor José <strong>de</strong> Melo Rezen<strong>de</strong>, o Monsenhor Manuel Fleury Curado e o


234Cônego Osório Ferreira dos Santos (PRATA, 1987).No lugar do s<strong>em</strong>inário, foi criado um externato dirigido pelo padre Celidonio Mateo<strong>de</strong> São José, da Or<strong>de</strong>m dos Agostinianos, auxiliado pelo Monsenhor Inácio Xavier da Silva,além dos padres: Pedro Ludovico <strong>de</strong> Santa Cruz, Augusto da Rocha Maia, Manuel <strong>de</strong> Macedoe Jesus Aranha (MENDONÇA, 1974). O jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba assim noticiou o fato:Sob a direcção do Revdm. Padre Celidonio Mateo, abrir-se-á no dia 6 docorrente mez <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro o externato do S<strong>em</strong>inario Episcopal <strong>de</strong> SantaCruz, nesta cida<strong>de</strong>. Serão matérias do curso as seguintes: - Portuguez,Francez, Geographia, História e Math<strong>em</strong>aticas. Haverá tamb<strong>em</strong> um cursoprimario e aulas extraordinárias <strong>de</strong> Latim, Philosophia, Physica, Noções <strong>de</strong>Historia Natural e outras. A instrucção religiosa faz parte do programma <strong>de</strong>ensino. As pensões são <strong>de</strong> 5$000 mensaes para o curso primario e <strong>de</strong>10$000 mensaes para o secundário, sendo gratuito o ensino aos pobres.(GAZETA DE UBERABA, 02/11/1899, p. 3)Esse externato funcionou até fins <strong>de</strong> 1902 e, no ano seguinte, foi entregue aos IrmãosMaristas, dando orig<strong>em</strong> ao Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus (PRATA, 1987).Então, <strong>de</strong> uma certa forma, o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz foi o <strong>em</strong>brião do colégio dos IrmãosMaristas. Só esse fato já <strong>de</strong>monstra a estreita relação entre o estabelecimento do bispado <strong>de</strong>Uberaba e expansão da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino na cida<strong>de</strong>.O S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz, <strong>em</strong>bora <strong>de</strong> curta duração, forneceu os alicerces sobre osquais pô<strong>de</strong> expandir-se o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> educação ligado à Igreja Católica. Com o apoio do bispo,o Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus e o Colégio Nossa Senhora das Dorestornaram-se as maiores instituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Uberaba, dominando o cenário educacionallocal por vários anos. Além disso, Dom Eduardo e os vários religiosos católicos ligados aoS<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz ou ao Colégio Diocesano tiveram ativa participação nos <strong>em</strong>batesreligiosos que sacudiram a socieda<strong>de</strong> uberabense nas décadas seguintes, agindo na condição<strong>de</strong> intelectuais orgânicos 134 ligados à Igreja Católica, na <strong>de</strong>fesa da educação católica e dosvalores tradicionais burgueses.134 Segundo Gramsci (1982), ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que sofre a ação dos intelectuais, a escola é a principalagência da socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> intelectuais, <strong>de</strong> modo especial a preparação <strong>de</strong> intelectuaisorganicamente ligados à classe burguesa, responsáveis pela manutenção do status quo e pela transformação dacultura dominante <strong>em</strong> senso comum. Em outras palavras, no sist<strong>em</strong>a educacional burguês tradicional, sãoformados os intelectuais orgânicos da classe burguesa que contribu<strong>em</strong> para a manutenção da heg<strong>em</strong>onia,fornecendo cimento i<strong>de</strong>ológico aos estratos dominantes. Outro tipo <strong>de</strong> intelectual classificado por Gramsci(1982) é o eclesiástico ou tradicional, que, <strong>em</strong>bora não esteja diretamente ligado à produção material, garante acontinuida<strong>de</strong> e a hierarquia <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> fundo estamental, como a Igreja. Embora se julgue autônomo, estetipo <strong>de</strong> intelectual acaba, normalmente, servindo ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> dominação.


2354 ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA CAPITAL DO ZEBU(1906-1924)Este capítulo mostra como se <strong>de</strong>senvolveram as ativida<strong>de</strong>s educacionais <strong>em</strong> Uberaba,com <strong>de</strong>staque para os ensinos superior e o normal, no período <strong>de</strong> 1905 a 1924, quando essesníveis <strong>de</strong> ensino ficaram relegados à iniciativa privada. Após um período florescente, tratadono capítulo anterior, quando a cida<strong>de</strong> sediou uma Escola Normal oficial, o S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> SantaCruz e o Instituto Zootécnico, o novo período estudado mostra a ascensão social <strong>de</strong> uma novaburguesia rural, sustentada pelos lucros da pecuária zebuína, e o total domínio das instituições<strong>de</strong> ensino ligadas à Igreja Católica.4.1 O contexto histórico: a riqueza que veio do OrienteNo início do século XX, com a queda das ativida<strong>de</strong>s comerciais atacadistas <strong>em</strong>Uberaba 135 , que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um centro distribuidor <strong>de</strong> produtos para os sertões do Brasilcentral, a pecuária <strong>em</strong>ergiu como a ativida<strong>de</strong> econômica mais promissora. Na verda<strong>de</strong>, não sóa pecuária, mas também o comércio <strong>de</strong> gado. Segundo Pontes (1970), <strong>em</strong> 1908, Uberabacontava com uma centena <strong>de</strong> boia<strong>de</strong>iros, que compravam, todos os anos, cerca <strong>de</strong> 60 mil bois,que eram revendidos nos gran<strong>de</strong>s mercados do litoral.Para financiar a compra das boiadas, eram feitos <strong>em</strong>préstimos <strong>de</strong> dinheiro, com prazo<strong>de</strong> 8 a 10 meses. Havia, para isso, a classe dos capitalistas 136 , uns <strong>de</strong>dicados exclusivamente aessa ativida<strong>de</strong> e outros que a exerciam paralelamente a outras profissões, principalmente a <strong>de</strong>comerciante. Em 1908, havia na cida<strong>de</strong> 22 capitalistas. Praticando juros que variavam <strong>de</strong>1,25% a 2% ao mês, muitos se enriqueceram e conquistaram gran<strong>de</strong>s fortunas (PONTES,1970). Em contraste a estes, havia uma população pobre, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria.Já no final do século XIX, os capitalistas passaram a aplicar seus lucros na pecuária,ativida<strong>de</strong> econômica que <strong>de</strong>mandava pequena mão-<strong>de</strong>-obra e envolvia poucos riscos. Nasmãos <strong>de</strong> uma abastada burguesia rural, a bovinocultura uberabense ganhou contornos <strong>de</strong> uma135 Causada, principalmente, pelo prolongamento da Estrada <strong>de</strong> Ferro Noroeste do Brasil (ligando o estado <strong>de</strong>São Paulo e o sul do Mato Grosso) e da Estrada <strong>de</strong> Ferro Goiás (que esten<strong>de</strong>u a ferrovia para o sul <strong>de</strong> Goiás).136 Pessoas que viviam dos rendimentos do capital, através <strong>de</strong> <strong>em</strong>préstimos a juros.


236verda<strong>de</strong>ira indústria pastoril. As discussões técnicas <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> cresciam dia-adiae a melhoria do rebanho era o t<strong>em</strong>a principal. Em um artigo <strong>de</strong> jornal, por ex<strong>em</strong>plo, ojornalista Angelo Costa pregava a substituição, na região <strong>de</strong> Uberaba, do gado Caracu, <strong>de</strong>orig<strong>em</strong> européia, pelo Zebu, o que já vinha acontecendo por alguns anos. Defendia suaposição mostrando a suposta superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa raça sobre as <strong>de</strong>mais e combatia os críticosdo gado indiano.O Caracú é fraco, não resiste s<strong>em</strong> <strong>de</strong>finhar-se ás seccas mais ou menoslongas dos nossos sertões, é <strong>de</strong> menor peso, e o seu <strong>de</strong>senvolvimentomoroso. O Zebú, rústico, possante, resistente naturalmente, affeito áspéssimas pastagens da Índia, cresce, <strong>de</strong>senvolve-se e engorda entre nósmais facilmente mesmo que <strong>em</strong> seu paiz natal. Será arr<strong>em</strong>atada falta <strong>de</strong>conhecimento do Zebú, negar-lhe a superiorida<strong>de</strong> <strong>em</strong> peso. Qual é a raçaque como essa possue especimens numerosos com um peso bruto <strong>de</strong> 40 e 45arrobas? Estigmatisam-no pela pouca producção <strong>de</strong> leite; tamb<strong>em</strong> é injustatal asserção: a vacca indiana dá na media nove litros diarios. (LAVOURA ECOMÉRCIO, 24/02/1907, p.1)As experiências e os <strong>de</strong>bates técnicos que cercaram os primeiros anos <strong>de</strong> implantaçãoda pecuária zebuína são uma característica marcante da época e envolveram intelectuaisprovenientes das aca<strong>de</strong>mias e m<strong>em</strong>bros da oligarquia rural. A nosso ver, a formação <strong>de</strong> umanova elite técnico-intelectual – principalmente ligada ao efêmero Instituto Zootécnico –, coma conseqüente implantação da pesquisa e do método científico, foi um dos mais importantesfatores que propiciaram, nas primeiras décadas republicanas, o <strong>de</strong>senvolvimento do novomo<strong>de</strong>lo pecuário uberabense, bastante avançado para a época.Já <strong>em</strong> 1894, outro articulista <strong>de</strong> um dos jornais uberabenses, Gustavo Ribeiro,proclamava os gran<strong>de</strong>s benefícios que o Instituto Zootécnico traria para a região e fazia aseguinte previsão a respeito daquela escola: “Será o gran<strong>de</strong> propulsor da transformação daindustria pastoril no Triangulo Mineiro, e com essa transformação, o gran<strong>de</strong> agente tambémda consolidação da fortuna particular e publica, porque virá economicamente resolverprobl<strong>em</strong>as até hoje mal estudados e pessimamente comprehendidos.” (GAZETA DEUBERABA, 20/08/1894, p. 1).Conforme esperavam os especialistas, o gado zebu adaptara-se perfeitamente à região.Os negócios envolvendo animais puro sangue vinham fazendo a fortuna <strong>de</strong> muitosfazen<strong>de</strong>iros locais. Restava, porém, o <strong>em</strong>pecilho causado pelos altos preços praticados peloscomerciantes do Rio <strong>de</strong> Janeiro, únicos importadores do gado no Brasil. Para reduzir o preçopago pelas matrizes bovinas, nasceu a idéia <strong>de</strong> importar o gado zebu diretamente da Índia,eliminando os atravessadores fluminenses.


237No início do século XX, organizaram-se as primeiras caravanas uberabenses paratrazer da Índia o gado zebu. Na verda<strong>de</strong>, segundo Mendonça (1974), o primeiro fazen<strong>de</strong>iro daregião a viajar para a Índia foi o Cel. Teófilo <strong>de</strong> Godói, <strong>de</strong> Araguari, no ano <strong>de</strong> 1906, trazendouma carga <strong>de</strong> bovinos que ven<strong>de</strong>u <strong>em</strong> Uberaba e Araguari. Naquele mesmo ano, o engenheirofrancês, Alberto Parton, resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Uberaba, seguiu para a Índia, enviado pelos coronéisTeófilo Rodrigues da Cunha e Geraldino Rodrigues da Cunha, e trouxe uma leva <strong>de</strong> zebus, naprimeira expedição genuinamente uberabense. A imprensa local acompanhou atentamente aviag<strong>em</strong>, através <strong>de</strong> correspondências e mensagens telegráficas enviadas pelo viajanteuberabense. Em um <strong>de</strong>sses artigos, um jornal local noticia a chegada <strong>de</strong> Parton:Chegou ao Rio no dia 20 o sr. dr. Alberto Parton, que v<strong>em</strong> regressando <strong>de</strong>sua viag<strong>em</strong> a Índia, trazendo 40 reproductores bovinos por conta dosabastados creadores <strong>de</strong>ste município srs. Coronel Geraldino Rodrigues daCunha, tenente-coronel Theophilo Rogrigues da Cunha e major HyppolitoRodrigues da Cunha (LAVOURA E COMÉRCIO, 02/12/1906, p.2).Enquanto ocorriam as primeiras viagens à Índia, inaugurava-se <strong>em</strong> Uberaba, no dia20/05/1906, a primeira exposição <strong>de</strong> gado zebu, organizada por particulares (José CaetanoBorges e Joaquim Machado Borges) e realizada na Fazenda Caçu, quando foram expostos1.146 ex<strong>em</strong>plares bovinos (MENDONÇA, 1974).Novas viagens à Índia ocorreram nos anos posteriores. Os uberabenses tornaram-se osmaiores importadores brasileiros <strong>de</strong> gado zebu e os principais selecionadores das raçaszebuínas no país. Com o sucesso da adaptação do gado indiano no Triângulo Mineiro, aativida<strong>de</strong> pecuária ganhou um impressionante impulso, fazendo crescer as receitas advindasda venda <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares daquele gado <strong>de</strong> raça para outras partes do país. Emergia, assim, umapo<strong>de</strong>rosa burguesia rural <strong>em</strong> Uberaba, a dos coronéis zebuzeiros 137 .Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que os marcos simbólicos do início <strong>de</strong>ssa nova realida<strong>de</strong>econômica foram as viagens <strong>de</strong> Godoy e Parton, <strong>em</strong> 1906, e a inauguração, no dia 3 <strong>de</strong> maio<strong>de</strong> 1911, da primeira exposição agro-pecuária oficial <strong>de</strong> Uberaba. O evento, dada a suaimportância, contou com a presença <strong>de</strong> Bueno Brandão, Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> MinasGerais; do Dr. José Gonçalves e Sousa, Secretário da Agricultura; e <strong>de</strong> outros representantesgovernamentais (MENDONÇA, 1974).Nos primeiros anos da importação direta do zebu, os coronéis zebuzeirosenriqueceram-se rapidamente e vários palacetes foram construídos por eles na região central137 Des<strong>de</strong> as primeiras décadas do século XX, os gran<strong>de</strong>s criadores <strong>de</strong> gado zebu <strong>de</strong> Uberaba, m<strong>em</strong>bros máximosda oligarquia rural, ficaram conhecidos pela população local como zebuzeiros. Como quase todos eles possuíampatentes da guarda nacional, cunhamos o termo coronel zebuzeiro.


238<strong>de</strong> Uberaba. Paralelamente ao fortalecimento da burguesia rural, crescia a influência da IgrejaCatólica na cida<strong>de</strong>: <strong>em</strong> 29/09/1906, uma bula papal criava a Diocese <strong>de</strong> Uberaba, separando-ada <strong>de</strong> Goiás. Em 8 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro daquele mesmo ano, Dom Eduardo Duarte Silva eranomeado o primeiro bispo da recém-criada diocese.Por outro lado, continuavam a chegar à cida<strong>de</strong> muitos imigrantes – principalmenteitalianos, espanhóis, portugueses e sírio-libaneses –, fazendo mudar o panorama urbano <strong>de</strong>Uberaba: inúmeros estabelecimentos comerciais e muitas indústrias familiares foram abertosnaquele período; <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1908, foi inaugurada a re<strong>de</strong> telefônica na cida<strong>de</strong> (pela<strong>em</strong>presa Silva & Alexandre) e iniciou-se o serviço <strong>de</strong> esgotos na cida<strong>de</strong>, com a construção <strong>de</strong>um coletor geral; <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1909, foi instalado na cida<strong>de</strong> o 4º Batalhão da PolíciaMilitar <strong>de</strong> Minas Gerais (BILHARINHO, 2006n).Figura 4.1 – Vista parcial <strong>de</strong> Uberaba (1910)Fonte: APUEm 13/09/1908, era fundada a Liga Operária e, no final <strong>de</strong> 1909, acontecia a famosagreve dos alfaiates, li<strong>de</strong>rada pelo alfaiate e guarda-livros Calixto Rosa, com o apoio


239intelectual <strong>de</strong> Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa. Lutando por melhores salários, a categoriaalcançou o seu objetivo <strong>em</strong> três dias <strong>de</strong> greve (BILHARINHO, 2006n). Esse acontecimentomarca o início da influência anarco-comunista sobre o operariado e parte da intelectualida<strong>de</strong>uberabense.De acordo com o recenseamento, realizado <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1909 por Hil<strong>de</strong>brando Pontes,a pedido do governo municipal, Uberaba contava, naquela ocasião, com 9.186 habitantes <strong>em</strong>sua zona urbana (ALMANACH UBERABENSE, 1909). Posteriormente, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>1909, Hil<strong>de</strong>brando Pontes apresentou os números totais do município, incluindo agora osdistritos <strong>de</strong> Veríssimo, Garimpo (atual Conceição das Alagoas), Dores do Campo Formoso(atual Campo Florido) e toda a zona rural; nesse caso, a população total recenseada foi <strong>de</strong>33.261 habitantes (LAVOURA E COMÉRCIO, 18/11/1909). Daí se percebe o crescimentopopulacional <strong>em</strong> relação ao censo <strong>de</strong> 1873, que contabilizou 10.190 habitantes nas zonasurbana e rural <strong>de</strong> Uberaba.Com relação à nacionalida<strong>de</strong> dos habitantes da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, o censo urbano <strong>de</strong>1909 apontou os seguintes dados:Brasileiros ............................................................................................... 8309Italianos ................................................................................................... 467Hespanhóes ............................................................................................. 132Portuguezes ............................................................................................. 111Syrios ....................................................................................................... 86Francezes ................................................................................................. 47All<strong>em</strong>ães .................................................................................................. 16Austríacos ................................................................................................ 3Argentinos ................................................................................................ 3Africanos .................................................................................................. 3Paraguayos ............................................................................................... 3Chinezes ................................................................................................... 2Suíssos ...................................................................................................... 2Polacos ...................................................................................................... 1Norte americanos ...................................................................................... 1(ALMANACH UBERABENSE, 1909, p. XCII)O total <strong>de</strong> imigrantes estrangeiros recenseados na zona urbana foi <strong>de</strong> 877 pessoas, oque correspondia a 10,55% da população total <strong>de</strong> Uberaba. Desses imigrantes, os italianosrespondiam pelo maior contingente (53,2%), tendência que prosseguiu nos anos posteriores.Deve-se ressaltar que, no número total <strong>de</strong> estrangeiros cadastrados, não constam os filhos e osnetos dos imigrantes anteriormente estabelecidos no município e que começaram a chegar,principalmente, a partir da década <strong>de</strong> 1880.Relativamente à composição racial, o recenseamento apresentou os seguintes números:


240Brancos ............................................................................................... 6199Pardos ................................................................................................. 1694Pretos .................................................................................................. 1293(ALMANACH UBERABENSE, 1909, p. XCIII)Pelos resultados do recenseamento, po<strong>de</strong>-se constatar o processo <strong>de</strong> branqueamento dapopulação urbana <strong>de</strong> Uberaba, ocorrido a partir das últimas décadas do século XIX eintensificado no início do século XX, uma <strong>de</strong>corrência da fixação, na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> imigrantes europeus. A porcentag<strong>em</strong> <strong>de</strong> brancos, contados <strong>em</strong> 1909, correspondiaa 67,5% da população total da cida<strong>de</strong> 138 , contra, por ex<strong>em</strong>plo, o percentual <strong>de</strong> 40,2%encontrado no censo <strong>de</strong> 1820. Entretanto, essa tendência reverteu-se nas décadas seguintes,<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da miscigenação racial; além disso, o êxodo rural e as migrações internas no Brasiltrouxeram para Uberaba um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> negros e mestiços, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos antigosescravos que haviam permanecido nas fazendas após a Lei Áurea, além <strong>de</strong> populações negrasprovenientes das <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes regiões mineradoras do estado.Figura 4.2 – Corrida <strong>de</strong> cavalos no Jockey Club <strong>de</strong> Uberaba (1918)Fonte: Lavoura e Comércio (14/07/1934)Nas primeiras duas décadas do século XX, os lucros provenientes dos negócios138 O resultado final do Censo, publicado <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1909, apontou para todo o município a seguintedistribuição racial: 70% <strong>de</strong> brancos, 18% <strong>de</strong> pardos e 11% <strong>de</strong> negros (LAVOURA E COMÉRCIO, 18/11/1909).


241envolvendo o gado zebu propiciavam o enriquecimento <strong>de</strong> algumas famílias uberabenses. Ariqueza trouxe a sofisticação dos hábitos, e o comércio local passou a reven<strong>de</strong>r produtosvindos diretamente da Europa. Lojas luxuosas para os padrões da época, como as joalherias<strong>de</strong> Manoel Terra e <strong>de</strong> Umberto Adamo, além da loja Notre Dame <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong> FrancescoRiccioppo, atendiam aos caprichos da elite local.Em 24/03/1918, o antigo Prado <strong>de</strong> São Benedito (Figura 4.2), fundado <strong>em</strong> 26/05/1901,foi transformado no Jockey Club <strong>de</strong> Uberaba, que se consolidou como o ponto <strong>de</strong> encontro daelite econômica uberabense. Segundo Mendonça (1974), a mais brilhante t<strong>em</strong>porada <strong>de</strong>corridas <strong>de</strong> cavalos a que a socieda<strong>de</strong> uberabense assistiu foi a <strong>de</strong> 1917 a 1919, sob apresidência <strong>de</strong> Alceu <strong>de</strong> Miranda, quando correram animais <strong>de</strong> elevado preço e das mais purasraças – e as apostas atingiam gran<strong>de</strong>s somas. Naqueles t<strong>em</strong>pos, para a burguesia local, apesardo isolamento característico <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> sertaneja, Paris não parecia estar tão longe...A prosperida<strong>de</strong>, porém, era para poucos. No início da década <strong>de</strong> 1920, Uberaba já erauma cida<strong>de</strong> cuja economia <strong>de</strong>pendia gran<strong>de</strong>mente da pecuária zebuína. O comércio, outrora abase econômica do município, sustentava-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a drástica perda dos mercados goiano <strong>em</strong>ato-grossense, com o pequeno mercado local. O setor industrial compunha-se <strong>de</strong> apenasduas indústrias <strong>de</strong> algum peso: a velha fábrica <strong>de</strong> tecidos do Cassu – fundada <strong>em</strong> 1881 e,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1910, comandada pelo Cel. Caetano Mascarenhas – e por uma nova <strong>em</strong>presa têxtil,criada e dirigida pelo italiano João Boff (NABUT, 1985); fora estas, havia um punhado <strong>de</strong>pequenas indústrias caseiras. A vulnerabilida<strong>de</strong> econômica da cida<strong>de</strong> era discutida nas rodas<strong>de</strong> intelectuais e era alvo <strong>de</strong> críticas por parte da imprensa local, como no seguinte trecho <strong>de</strong>artigo publicado <strong>em</strong> um jornal da época:Uberaba, que se diz a capital do Triangulo Mineiro, precisa se fortificar diaa dia para a lucta econômica. [...] O dia <strong>em</strong> que outro município nosarrebatar a primazia econômica, e, logo, civilizadora, logo ter<strong>em</strong>os perdidoesse gran<strong>de</strong> aspecto político e eleitoral que nos envai<strong>de</strong>ce. E, para dizer averda<strong>de</strong>, não está muito longe o dia <strong>em</strong> que Uberabinha nos passe á frente,como já está passando, <strong>em</strong> muitos pontos. Araguary também não dorme, <strong>em</strong>archa seguro do seu bello <strong>de</strong>stino. Precisamos ver essas cousas. [...]Depois do successo da nossa fabrica <strong>de</strong> tecidos, <strong>de</strong>vido ao esforço quasi queúnico do sr. João Boff, não haverá mais qu<strong>em</strong> se l<strong>em</strong>bre <strong>de</strong> fundar entre nósuma outra fábrica, ainda que seja <strong>de</strong> palitos, ou <strong>de</strong> lenços, etc.? Assim é queas novas fabricas terão <strong>de</strong> ir apparecendo, uma puxando outra. (LAVOURAE COMÉRCIO, 18/12/1924, p. 1)Essa advertência, <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> profecia, feita pelo articulista do Lavoura e Comércio,mostra b<strong>em</strong> o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência econômica que se vinha instaurando na cida<strong>de</strong>, aocontrário da prosperida<strong>de</strong> acelerada que começava a transformar a pequena São Pedro do


242Uberabinha e mesmo Araguari. Com o capital nas mãos da po<strong>de</strong>rosa elite zebuzeira,<strong>de</strong>sinteressada das ativida<strong>de</strong>s econômico-comerciais urbanas, Uberaba apresentava um quadroeconômico que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong> ruralização do capital, parecido com o que severificava nas regiões cafeeiras – on<strong>de</strong> o capital se acumulava nas mãos dos barões do café – ,na verda<strong>de</strong>, um fenômeno comum durante a Primeira República.Num período <strong>em</strong> que a influência dos setores conservadores da socieda<strong>de</strong> uberabense,interessados na manutenção <strong>de</strong> seu status quo, foi marcante e esmagadora, quaisqueriniciativas econômicas ou educacionais que não se alinhass<strong>em</strong> com o i<strong>de</strong>ário dominante eramsumariamente barradas. Com isso, a cida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrou <strong>em</strong> um marasmo econômico <strong>em</strong> queapenas as ativida<strong>de</strong>s diretamente relacionadas à pecuária zebuína tinham possibilida<strong>de</strong>s reais<strong>de</strong> prosperar; as <strong>de</strong>mais iniciativas sofriam com a falta <strong>de</strong> incentivo e <strong>de</strong> capital que asalavancasse. Compl<strong>em</strong>entando esse panorama cinzento, o país penetrava <strong>em</strong> t<strong>em</strong>posturbulentos, repletos <strong>de</strong> confitos i<strong>de</strong>ológicos, que acabariam por envolver a Princesa doSertão. Uberaba encerrava um período histórico <strong>em</strong> que a elite econômica esbanjara po<strong>de</strong>r eprosperida<strong>de</strong>. Penetrava, agora, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> crise.4.2 Uma visão panorâmica da educação uberabense (1906-1924)O esplêndido período vivido pelo setor educacional uberabense, iniciado <strong>em</strong> princípiosda década <strong>de</strong> 1880 – com a inauguração da Escola Normal oficial – e que terminou com ofechamento da mesma, <strong>em</strong> 1905, foi sucedido por uma nova fase, <strong>em</strong> que a cida<strong>de</strong> não maiscontava com nenhum estabelecimento <strong>de</strong> ensino superior e a formação <strong>de</strong> professoresrestringia-se ao curso normal mantido pelo Colégio Nossa Senhora das Dores 139 , escolaparticular <strong>de</strong> orientação católica.Entretanto, longe <strong>de</strong> ser um período culturalmente pobre, fervilhavam idéias efermentavam-se novas visões <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> educação. A nova geração <strong>de</strong> intelectuaisuberabenses, muitos dos quais originários do extinto Instituto Zootécnico ou da antiga EscolaNormal, misturando-se ao expressivo número <strong>de</strong> profissionais liberais (médicos, engenheiros,arquitetos, advogados, etc.) que havia aportado na promissora Princesa do Sertão, formouuma socieda<strong>de</strong> bastante heterogênea que, nos anos seguintes, assistiria a gran<strong>de</strong>s <strong>em</strong>batesi<strong>de</strong>ológicos (que serão tratados neste capítulo e no seguinte).139 Este assunto será tratado, <strong>em</strong> separado, neste capítulo.


243O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> uberabense, historicamente consolidado <strong>em</strong> quase um século<strong>de</strong> formação sócio-cultural, passou a ser alvo <strong>de</strong> discussão por parte <strong>de</strong>sses intelectuais,alguns <strong>de</strong>les ligados ao grupo conservador, e outros que po<strong>de</strong>m ser incluídos no chamadobloco progressista. Do primeiro grupo, faziam parte o bispo Dom Eduardo e outrosintegrantes do clero, além do médico João Teixeira Álvares. Do segundo grupo, po<strong>de</strong>ríamos<strong>de</strong>stacar Hil<strong>de</strong>brando Pontes, Fidélis dos Reis, José Maria dos Reis e Militino Pinto,engenheiros formados pelo Instituto Zootécnico, Alceu Novaes e Orlando Ferreira, jornalistas,além do atuante Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, ex-professor da Escola Normal, ex-<strong>de</strong>putado ecidadão comprometido com as causas sociais.Consi<strong>de</strong>ramos que os gran<strong>de</strong>s feitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática, conseguidos pelos m<strong>em</strong>bros dosdois grupos – dos quais t<strong>em</strong>os tratado no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho –, mostram a importância daformação teórica na superação da existência vazia e alienada, pois, na perspectiva <strong>de</strong> Heller(1985), o simples pensamento cotidiano não eleva o indivíduo ao nível da práxis. A formaçãoescolar teve, pois, gran<strong>de</strong> importância na formação <strong>de</strong>sses sujeitos, o que confirma aimportância <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> ensino como a 1ª Escola Normal, o Instituto Zootécnico, oS<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz e o Colégio Diocesano.Muitos <strong>de</strong>sses intelectuais tiveram viva atuação no setor educacional uberabense: DomEduardo fora o responsável pela vinda dos irmãos maristas, fundadores do ColégioDiocesano; Hil<strong>de</strong>brando Pontes, ao lado da esposa Salvina Barra Pontes, mantiveram, <strong>de</strong>1897 a 1917, o Externato Salvina, posteriormente transformado, <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1921, noColégio Santa Filomena; Fidélis Reis, conforme será abordado no próximo capítulo, foi ocriador do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba; José Maria dos Reis foi o responsável pelacriação do Aprendizado Agrícola Borges Sampaio e professor da segunda Escola Normal;Militino Pinto foi professor e diretor da primeira Escola Normal; Alceu Novaes, que foiinspetor <strong>de</strong> ensino e professor <strong>em</strong> várias instituições locais, fundou, <strong>em</strong> 1928, o Colégio SouzaNovaes; Alexandre Barbosa, <strong>de</strong>ntre outras ativida<strong>de</strong>s culturais, foi professor da primeiraEscola Normal e da Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, criada na década <strong>de</strong> 1930, da qualtratar<strong>em</strong>os mais adiante neste trabalho.Segundo o Almanach Uberabense (1908), Uberaba contava com os seguintesestabelecimentos <strong>de</strong> ensino no ano <strong>de</strong> 1908:- Escolas estaduais:Antônio A. Pereira <strong>de</strong> Magalhães (rua Vigário Silva, 8)Fernando <strong>de</strong> Araújo Vaz <strong>de</strong> Mello (rua Capitão Domingos, 10)


244D. Carolina Augusta Diniz (rua do Carmo, 8)D. Evarista Mo<strong>de</strong>sto dos Santos (rua Sete <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro)- Escolas municipais:Quintiliano Jardim Júnior (rua do Comércio)D. Laurinda Augusta <strong>de</strong> Moura (rua Pires <strong>de</strong> Campos, 2)- Escolas particulares:Felício <strong>de</strong> Paiva (praça da Abadia, 2)D. Anna Francisca <strong>de</strong> Jesus (rua do Comércio, 44)Joaquim Flávio <strong>de</strong> Lima (praça Comendador Quintino, 14)Padres Agostinianos (Igreja da Abadia)Maria Mirea <strong>de</strong> Faria (rua Municipal, 35)Bertholina dos Santos (rua das Flores)Externato Salvina (rua Gut<strong>em</strong>berg, 1)Honório Guimarães (aula noturna – prédio da Fratellanza Italiana)Colégio Nossa Senhora das Dores (praça da Misericórdia, 1)Externato Santa Bárbara (filial do Colégio N. S. Dores – praça Santa Bárbara)Ginásio Diocesano (praça do S<strong>em</strong>inário)Em 1909, durante a administração do agente executivo municipal Dr. Philippe Aché, eseguindo os planos <strong>de</strong>terminados na reforma do ensino mineiro impl<strong>em</strong>entada por JoãoPinheiro, foi inaugurado o 1º Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba 140 (Figura 4.3), que permanece <strong>em</strong>ativida<strong>de</strong> até os dias <strong>de</strong> hoje, na Praça Comendador Quintino. Trazendo uma série <strong>de</strong>inovações <strong>em</strong> relação às antigas escolas estaduais, foi gran<strong>de</strong> a afluência <strong>de</strong> alunos: logo noprimeiro ano <strong>de</strong> funcionamento, o Grupo já contava com mais <strong>de</strong> 600 crianças matriculadas.Apesar da ampliação da oferta <strong>de</strong> ensino verificada na cida<strong>de</strong>, com a criação <strong>de</strong> váriasescolas particulares, municipais e principalmente do grupo escolar, o índice <strong>de</strong> analfabetismo<strong>em</strong> Uberaba era ainda bastante elevado. A instrução da população urbana foi assim <strong>de</strong>scrita nocenso <strong>de</strong> 1909:Sab<strong>em</strong> ler ............................................................................................ 4446Não sab<strong>em</strong> .......................................................................................... 4740No número <strong>de</strong> analphabetos estão incluídas 1399 creanças <strong>de</strong> cinco annospara menos, ou sejam ainda analphabetos <strong>de</strong> seis annos para cima 3341.(ALMANACH UBERABENSE, 1909, p. XCIII)140 Por um <strong>de</strong>creto do dia 04/10/1927, no governo do Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos, essa escola teve o nom<strong>em</strong>odificado para Grupo Escolar Brasil (LAVOURA E COMÉRCIO, 06/10/1927).


245O índice <strong>de</strong> analfabetismo urbano (excetuando-se os menores <strong>de</strong> 6 anos) era <strong>de</strong> 42,9%.Entretanto, esse índice é muito mais elevado se levarmos <strong>em</strong> conta o resultado final do censo,com números <strong>de</strong> todo o município: dos 33.261 habitantes, apenas 8.591 sabiam ler e escrever.Mesmo excluindo as 6.929 crianças com menos <strong>de</strong> 6 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, t<strong>em</strong>os ainda um total <strong>de</strong>17.741 analfabetos, o que nos leva ao alarmante índice <strong>de</strong> analfabetismo <strong>de</strong> 67,37 % (!!!) parao município (LAVOURA E COMÉRCIO, 18/11/1909).Figura 4.3 – Inauguração do Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba (1909)Fonte: APUAlém do elevado número <strong>de</strong> crianças que, naquela ocasião, estavam excluídas daeducação básica, a juventu<strong>de</strong> uberabense, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fechamento do Instituto Zootécnico e daEscola Normal, via-se <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> cursos técnico-profissionalizantes, o que contribuía paraos altos índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego e <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong> verificados no município. Assim, <strong>em</strong> 1910,influenciado pelos irmãos José Maria dos Reis – então <strong>de</strong>putado estadual – e Fidélis dos Reis,


246a Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba <strong>de</strong>cidiu oferecer o abandonado prédio do antigo InstitutoZootécnico ao governo mineiro, a fim <strong>de</strong> que ali pu<strong>de</strong>sse ser instalada uma escola agrícolapara crianças e adolescentes. Eis como a imprensa local noticiou o fato:Em conferencia que teve o sr. dr. Fi<strong>de</strong>lis dos Reis, esforçado inspectoragrícola neste Estado com o sr. ministro da agricultura sobre oofferecimento da câmara municipal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> do prédio do extinctoInstituto Zootechnico para a fundação <strong>de</strong> uma escola pratica <strong>de</strong> agricultura,aquelle titular disse-lhe que acceitava o offerecimento, ficando a fundaçãodo estabelecimento para quando estiver regulamentado o serviço agrícola,cuja elaboração vai b<strong>em</strong> adiantada (LAVOURA E COMÉRCIO,11/08/1910, p. 1)Figura 4.4 – José Maria dos Reis (foto <strong>de</strong> 1915)Fonte: ACNSDA criação do Aprendizado Agrícola <strong>de</strong> Uberaba pelo governo estadual só foiconsolidada <strong>em</strong> 29/08/1914, através do Decreto nº 4.238 (Anexo 15). Em seguida, no dia03/09/1914, através do Decreto nº 4.247 (Anexo 16), a instituição foi formalmente batizadacom o nome <strong>de</strong> Aprendizado Agrícola Borges Sampaio (MINAS GERAIS, 1914). Essaentida<strong>de</strong> passou a funcionar <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> internato e sua proposta era oferecer às crianças –principalmente às carentes e infratoras – o ensino profissional rural, incluindo técnicasagropecuárias, manejo <strong>de</strong> equipamentos agrícolas, etc.


247Entretanto, com o passar do t<strong>em</strong>po, a escola afastou-se dos objetivos fixados <strong>em</strong> suaproposta inicial e passou a ser alvo <strong>de</strong> muitas críticas, como a seguinte, <strong>de</strong> um jornal local:Fiz<strong>em</strong>os uma visita ao Apprendizado, meticulosa e <strong>de</strong>morada. A área é <strong>de</strong>20 alqueires, a maioria <strong>de</strong> terra ruim, pedrenta, muito acci<strong>de</strong>ntada, comverda<strong>de</strong>iros abysmos, só sendo aproveitáveis 4 alqueires; o numero <strong>de</strong>alumnos é 39, sendo a capacida<strong>de</strong> para 40 [...] Alli só se appren<strong>de</strong>agricultura e lettras primarias, quando o que todos quer<strong>em</strong> é appren<strong>de</strong>r umofficio, é ter uma profissão <strong>de</strong> immediata vantag<strong>em</strong>, o que não acontececom o ensino agrícola. [...] O nosso Apprendizado, tal como está, é <strong>de</strong> certomodo uma inutilida<strong>de</strong>, porquanto ninguém quer apenas apren<strong>de</strong>ragricultura, ou quando queira, é aparent<strong>em</strong>ente, tendo <strong>em</strong> vista os paes oututores, etc., apenas adoptar o Aprendizado como casa <strong>de</strong> correcção, paradomar menores perdidos, sendo estes logo postos numa profissão qualquerassim que sahir<strong>em</strong> <strong>de</strong>lle, e mais <strong>de</strong>pressa possível, a qualquer hora...(LAVOURA E COMÉRCIO, 06/07/1926, p. 10)Desprovida <strong>de</strong> uma proposta pedagógica consistente, que visasse à educação dascrianças através do trabalho, e transformada, como po<strong>de</strong>mos perceber no relato acima, <strong>em</strong>uma instituição meramente correcional, a escola acabou fechada pelo governo estadual <strong>em</strong>1934. Entretanto, naquela ocasião, apesar das limitações do Aprendizado, o fechamento dainstituição foi muito lamentado pela população local (LAVOURA E COMÉRCIO,25/04/1934).Na segunda década do século XX, o <strong>de</strong>senvolvimento urbano e o crescimento dointercâmbio comercial com outros países – principalmente <strong>em</strong> função das caravanas <strong>de</strong>uberabenses que se <strong>de</strong>slocavam para a Índia <strong>em</strong> busca do valioso gado zebu –, aumentou aprocura por profissionais poliglotas. Consi<strong>de</strong>rando a utilida<strong>de</strong> pública da iniciativa, <strong>em</strong>09/01/1911, através da lei municipal nº 258, a Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba criou a primeiraescola local especializada no ensino <strong>de</strong> línguas vivas. Esse curso funcionou cerca <strong>de</strong> dois anosna cida<strong>de</strong> e sua criação foi assim noticiada pela imprensa:[...] acha-se aberta na secretaria municipal, a matricula dos alumnos quequizer<strong>em</strong> frequentar a escola pratica das línguas franceza, ingleza e all<strong>em</strong>ãpelo methodo Berlitz, a funccionar diariamente no Grupo Escolar <strong>de</strong>stacida<strong>de</strong>, das 7 ás 9 horas da noite. As mensalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> 5$000 serão pagasadiantadamente na thesouraria municipal (LAVOURA E COMÉRCIO,26/03/1911, p. 3).Embora essa primeira iniciativa <strong>de</strong> uma escola especializada no ensino <strong>de</strong> línguasestrangeiras tenha tido pequena duração, a influência econômico-cultural das gran<strong>de</strong>spotências mundiais fez crescer o interesse pelo aprendizado <strong>de</strong> idiomas. O Francês já fazia,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX, parte do currículo da gran<strong>de</strong> maioria das escolas secundárias brasileiras;agora, com o espetacular crescimento da economia norte-americana e do comércio Brasil-


248Estados Unidos, o Inglês também ganhava o interesse dos jovens uberabenses. Enquanto oFrancês era a língua preferida daqueles que buscavam status cultural, o Inglês interessavamais aos que visavam ao mercado <strong>de</strong> trabalho.Além do Aprendizado Agrícola Borges Sampaio, a década <strong>de</strong> 1910 assistiu a outraimportante iniciativa <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>stinada às classes populares. No início <strong>de</strong> 1914, foi criadopelos irmãos maristas, proprietários do Colégio Diocesano, o Externato Nossa Senhora <strong>de</strong>Lour<strong>de</strong>s, escola totalmente gratuita e que também funcionava no conjunto <strong>de</strong> prédioslocalizados no Alto do Cuiabá. Já no final <strong>de</strong> 1914, do total <strong>de</strong> 480 alunos das instituiçõesmaristas <strong>de</strong> Uberaba, 120 eram mantidos gratuitamente no externato (LAVOURA ECOMÉRCIO, 16/12/1914). Assim, com a carência <strong>de</strong> vagas nas escolas públicas, parte dascrianças carentes da cida<strong>de</strong> recebia a educação primária nas instituições <strong>de</strong> ensino católicassubvencionas pelo governo (Colégio Diocesano e Colégio Nossa Senhora das Dores), o qu<strong>em</strong>inimizava o probl<strong>em</strong>a, <strong>em</strong>bora ainda fosse muito gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> crianças fora dasescolas.Em 1919, o professor Francisco <strong>de</strong> Mello Franco fundou o Colégio São Sebastião,escola que, <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1923, foi adquirida por Hil<strong>de</strong>brando Pontes e sua esposa, SalvinaBarra Pontes, proprietários do Externato Santa Filomena. As duas escolas foram fundidas,dando orig<strong>em</strong> ao Colégio Santa Filomena. Faziam parte do corpo docente do novo colégio osdiretores (Hil<strong>de</strong>brando e Salvina), suas duas filhas normalistas (Rosita e O<strong>de</strong>tte), AthanásioSaltão (ex-professor da Escola Normal) e frei Reginaldo Tournier.Um jornal local <strong>de</strong>screve o Colégio Santa Filomena:O collegio está installado <strong>em</strong> logar aprasivel, na collina do Fabrício, <strong>em</strong>enorme prédio <strong>de</strong> estylo colonial, com capacida<strong>de</strong> para duzentos alumnos,50% dos quaes po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong> internos, isto é, 66 meninos e 34 meninas <strong>em</strong>ais as pessoas do director, sua família e creados. Para a recreação dosalumnos há amplos pateos, cujo <strong>de</strong>clive <strong>de</strong> 4 a 5% permite a promptaescoação das águas pluviaes, e, <strong>de</strong>st’arte, o <strong>de</strong>sapparecimento rápido dahumida<strong>de</strong>. Para as meninas há, inteiramente separada dos meninos, umaárea egualmente vasta, ensombrada por bello pomar. O serviço <strong>de</strong> hygiene érigoroso. [...] São cuidados rigorosamente a educação cívica, moral ereligiosa, o ensino <strong>de</strong> portuguez e <strong>de</strong> francez (a cargo do proficientissimoprof. Athanasio Saltão), a educação do caracter e da vonta<strong>de</strong> (pelo estimuloque sábia e carinhosamente o impõ<strong>em</strong> o dr. Hil<strong>de</strong>brando Pontes e suasenhora, dois vivos ex<strong>em</strong>plos nesse sentido), a cultura physica, não só pelagymnastica sueca como pelos sports, numa dosag<strong>em</strong> sábia e methodica. Osdois sexos nesse excellente Collegio receb<strong>em</strong> instrucção primaria escundaria, a primeira <strong>de</strong> accôrdo com o programma official dos gruposescolares, e a ultima amoldada ás escolas normaes do Estado (LAVOURAE COMÉRCIO, 03/01/1924, p. 2).


249Figura 4.5 – Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo PontesFonte: APUEm fevereiro <strong>de</strong> 1924, o Colégio Santa Filomena contava com 80 alunos matriculados,sendo 58 meninos e 22 meninas (LAVOURA E COMÉRCIO, 07/02/1924). No início <strong>de</strong>1925, o colégio foi transferido para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Araxá, on<strong>de</strong> passaram a residir Hil<strong>de</strong>brandoPontes e sua família.Além das iniciativas citadas, diversas pequenas escolas foram fundadas na cida<strong>de</strong>,algumas das quais tiveram longa existência, enquanto outras acabaram fechadas após umcurto período <strong>de</strong> funcionamento. Dentre essas escolas, <strong>de</strong>stacamos as seguintes: o ColégioAnália Franco, escola primária criada por volta <strong>de</strong> 1918 pela Profª Clélia Rocha (LAVOURAE COMÉRCIO, 11/12/1919); a Escola Progressiva 141 , criada <strong>em</strong> 1904 e dirigida pela exprofessorada Escola Normal, Anna Francisca <strong>de</strong> Jesus (LAVOURA E COMÉRCIO,07/07/1929); o Externato Ban<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do prof. José Felix Ban<strong>de</strong>ira, inaugurado<strong>em</strong> 28/11/1914, e que oferecia a instrução primária e a secundária (LAVOURA ECOMÉRCIO, 09/12/1914); o Colégio Rio Branco, fundado <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1917 pelo Dr.Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, e que funcionou até o final da década seguinte <strong>em</strong> uma casa situadana rua do Carmo; o Externato São Geraldo, escola f<strong>em</strong>inina dirigida pela normalista CelinaSoares, instalada, por vários anos, na Rua Saldanha Marinho (LAVOURA E COMÉRCIO,141 T<strong>em</strong>os registro do funcionamento <strong>de</strong>ssa escola até o final da década <strong>de</strong> 1920.


25014/02/1924).Também as escolas voltadas para a capacitação da mão-<strong>de</strong>-obra urbana começaram ainstalar-se <strong>em</strong> Uberaba naquele período. Foi esse o caso das primeiras escolas <strong>de</strong> datilografiada cida<strong>de</strong>, que surgiram <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da sofisticação das ativida<strong>de</strong>s burocráticas: no ano <strong>de</strong>1921, foi fundada, pela professora Dolores Ponce 142 , a Escola R<strong>em</strong>ington <strong>de</strong> Datilografia <strong>de</strong>Uberaba, que funcionou por vários anos; <strong>em</strong> seguida, <strong>em</strong> 1923, foi criado o Curso Superior<strong>de</strong> Datilografia, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da Sra. Maria Lourencina Palmério 143 , o qual funcionou <strong>de</strong>forma ininterrupta até o início da década <strong>de</strong> 1980 <strong>em</strong> um prédio localizado na Rua VigárioSilva. Ser datilógrafo era um título valorizado que ajudava a abrir as portas dos melhores<strong>em</strong>pregos urbanos, principalmente nos escritórios e nas casas comerciais.Enquanto proliferavam pequenas escolas particulares, a re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensino domunicípio, apesar da instalação do grupo escolar <strong>em</strong> 1909, continuava precária. A falta <strong>de</strong>vagas nas escolas primárias <strong>de</strong>ixava inúmeras crianças s<strong>em</strong> acesso à educação básica. Em1924, nas quatro escolas municipais localizadas na cida<strong>de</strong>, matricularam-se 290 alunos, <strong>de</strong> umtotal <strong>de</strong> 750 crianças que tentavam conseguir uma vaga. Além disso, por falta <strong>de</strong> professoreshabilitados, existiam, na ocasião, 5 escolas municipais vagas (LAVOURA E COMÉRCIO,03/02/1924). A situação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino estadual também era precária, conforme po<strong>de</strong>mosnotar pela exposição feita por um jornal local:T<strong>em</strong>os aqui um grupo escolar, que vive transbordando <strong>de</strong> alumnos. Os quese po<strong>de</strong>m matricular, muito b<strong>em</strong>. Os que sobram, ou os que <strong>de</strong>sanimadosnão ve<strong>em</strong> procurar o grupo, esses que se foment<strong>em</strong>. [...] Vejamos o que sepassa este ano no grupo escolar local. Matricularam-se quinhentos e tantosalumnos. Quase trezentos não pu<strong>de</strong>ram se matricular. Logo, apezar davonta<strong>de</strong> manifestada <strong>de</strong> appren<strong>de</strong>r a ler, essas creanças têm que ficaranalphabetas. Quanto a esperar pelo próximo anno, não a<strong>de</strong>anta, porque nopróximo anno provavelmente terá o grupo uma procura muito maior, <strong>de</strong>accordo com o que se observa todos os annos. [...] Assim, para mais <strong>de</strong> milcreanças t<strong>em</strong>os na cida<strong>de</strong> impossibilitadas <strong>de</strong> appren<strong>de</strong>r a ler por falta <strong>de</strong>escola. O que acontecerá <strong>em</strong> todo o município? (LAVOURA ECOMÉRCIO, 03/02/1924, p. 1)Com certeza, conforme <strong>de</strong>sconfiava o articulista do Lavoura e Comércio, a situação nocampo e nos distritos <strong>de</strong>via ser ainda pior do que a observada na cida<strong>de</strong>. Isto nos mostra que,naqueles t<strong>em</strong>pos, boa parte das crianças uberabenses estava fora dos bancos escolares, o quereflete a pouca importância dada à educação durante a República Velha, apesar das promessasrepublicanas <strong>de</strong> construir um país próspero, investindo maciçamente na instrução pública.142 Esposa do agrimensor espanhol Marçal Ponce Ferret.143 Irmã do educador Mário Palmério.


251Com relação aos níveis mais altos <strong>de</strong> ensino, a situação não diferia muito daquelaobservada com a instrução primária. Ao atingirmos o ano <strong>de</strong> 1924, Uberaba contava com duasescolas secundárias: o Colégio Diocesano, para os meninos, e o Colégio Nossa Senhora dasDores (para as meninas). O ensino normal estava restrito à escola dominicana. Já o ensinosuperior, com o fechamento dos cursos oferecidos pelo Colégio Diocesano (dos quaistratar<strong>em</strong>os mais adiante), estava banido do município.4.3 As Irmãs Dominicanas e a primeira escola normal particular <strong>de</strong> Uberaba (1906-1938)Moura (2002) afirma que a vinda das Irmãs Dominicanas para o Brasil, ocorrido nasúltimas décadas do século XIX, foi <strong>de</strong>corrência da perseguição movida pelo Estado francês –assim como aconteceu com outras or<strong>de</strong>ns religiosas francesas, como a dos Irmãos Maristas.As lutas burguesas na França provocaram a perseguição anticlerical e o afastamento da Igreja<strong>de</strong> todos os centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, inclusive do sist<strong>em</strong>a público <strong>de</strong> ensino. Com as reformas <strong>de</strong>Jules Ferry, na Terceira República, foram consolidados o laicismo educacional e aneutralida<strong>de</strong> religiosa na França. Essa situação fez com que o Papa Pio X recomendasse àscongregações religiosas que fundass<strong>em</strong> núcleos fora daquele país.Em 1880, o Bispo <strong>de</strong> Goiás, Dom Cláudio Ponce <strong>de</strong> Leão, solicitou a ajuda dosdominicanos para seu projeto missionário no interior brasileiro. Rapidamente, os fra<strong>de</strong>sdominicanos da Província <strong>de</strong> Tolosa iniciaram seu trabalho na diocese goiana e, <strong>em</strong> 1881, jáestavam presentes <strong>em</strong> Uberaba. Na seqüência, <strong>em</strong> 1885, chegaram à cida<strong>de</strong> seis religiosas daor<strong>de</strong>m das Irmãs Dominicanas <strong>de</strong> Monteils, trazendo um ambicioso projeto educacional.Como já relatamos no terceiro capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, naquele mesmo ano, as irmãsdominicanas abriram o Colégio Nossa Senhora das Dores, voltado à educação das meninas,inicialmente oferecendo os níveis primário e secundário (MOURA, 2002).A fundação do colégio das dominicanas veio ao encontro <strong>de</strong> um antigo anseio dosm<strong>em</strong>bros da elite uberabense, que <strong>de</strong>sejavam uma escola confessional católica para educarsuas filhas. A princípio, esse <strong>de</strong>sejo foi atendido somente no que se refere aos níveis inferioresdo ensino. Já a profissionalização das moças uberabenses, normalmente levadas aomagistério, era feita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1882, pela Escola Normal oficial. Esta, entretanto, apresentavaalguns inconvenientes que <strong>de</strong>sagradavam aos estratos mais elevados da socieda<strong>de</strong>, dos quais


252tratar<strong>em</strong>os a seguir.Em primeiro lugar, a Escola Normal oficial era mantida pelo governo estadual e, porisso mesmo, sujeita às int<strong>em</strong>péries políticas e administrativas, que se refletiam nas ameaças <strong>de</strong>fechamento e nas constantes crises financeiras. Uma escola <strong>de</strong> elite não po<strong>de</strong>ria ter a suaqualida<strong>de</strong> ou continuida<strong>de</strong> ameaçada pela falta <strong>de</strong> recursos públicos, <strong>de</strong>vendo ser mantida porinstituições tradicionais e com larga experiência <strong>em</strong> educação escolar: nesse ponto, a IgrejaCatólica tinha um retrospecto incomparável, principalmente no Brasil.O segundo inconveniente da Escola Normal oficial referia-se ao fato <strong>de</strong> que era umainstituição <strong>de</strong> ensino mista, on<strong>de</strong> conviviam promiscuamente estudantes <strong>de</strong> ambos os sexos.Muniz (2003) l<strong>em</strong>bra que, para a socieda<strong>de</strong> da época, essa convivência era consi<strong>de</strong>radaextr<strong>em</strong>amente perigosa, pois po<strong>de</strong>ria colocar <strong>em</strong> risco a b<strong>em</strong> preservada virginda<strong>de</strong> dasmeninas, requisito tão fundamental para o casamento quanto o dote. Para as famílias maisricas, o casamento era, a um só t<strong>em</strong>po, uma aliança política e econômica, e a virginda<strong>de</strong> eraum dispositivo para manter o status da noiva como objeto <strong>de</strong> valor nessa aliança. Daí ointeresse <strong>em</strong> que as moças freqüentass<strong>em</strong> escolas on<strong>de</strong> professoras e alunas foss<strong>em</strong> todas dosexo f<strong>em</strong>inino.Em terceiro lugar, misturavam-se, na Escola Normal oficial, moças pobres, que viamno magistério uma tábua <strong>de</strong> salvação e <strong>de</strong> sobrevivência, com as filhas da elite econômica,que buscavam, no ensino normal, a cultura erudita necessária a um bom casamento; essaconvivência entre classes sociais não era muito palatável aos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r. Aocontrário do que ocorria na Escola Normal, um anúncio do Colégio Nossa Senhora das Dores(já mostrado no Capítulo 3), publicado no jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (22/01/1886, p. 3),garantia essa separação entre as classes sociais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da educação escolar, afirmandoque “Receberá pois o Collegio meninas das famílias ricas, orphãs e ingênuas no internato e noexternato, <strong>em</strong> divisões b<strong>em</strong> distinctas.”.Por último, a Escola Normal oficial era uma instituição que seguia os princípios dolaicismo estatal, o que <strong>de</strong>sagradava às autorida<strong>de</strong>s católicas aquarteladas <strong>em</strong> Uberaba,<strong>de</strong>sejosas <strong>de</strong> que colégios religiosos cuidass<strong>em</strong> da educação das moças da elite, garantindoassim a propagação do i<strong>de</strong>ário católico, já que, conforme ressalta Rossi (2006, p. 81): “Estescolégios eram visto pelo bispado como importante espaço para a formação moral e religiosa.Por isto, se a preocupação com a internalização do catolicismo era essencial, por que nãocomeçar com a educação das meninas que exercerão importante papel nas suas futurasfamílias?”. Nessa perspectiva, a criação <strong>de</strong> uma escola normal confessional viria ao encontro


253dos interesses do clero e das elites dominantes.A confessionalida<strong>de</strong> também traz <strong>em</strong> seu bojo relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que secaracterizam como ações <strong>de</strong> natureza política que po<strong>de</strong>m ainda serqualificadas, segundo Manheim (1972), como I<strong>de</strong>ologia na medida <strong>em</strong> quese apresenta como discurso e ação que se suporta nas regras do po<strong>de</strong>restabelecido ou como utopia na medida <strong>em</strong> que se coloca como discurso eação que se caracteriza como enfrentamento e questionamento do po<strong>de</strong>restabelecido. (VASSELAI, 2001, p. 17)Na verda<strong>de</strong>, há muitos séculos, religião e educação escolar trabalham juntos nadivulgação da i<strong>de</strong>ologia da classe dominante. A burguesia oci<strong>de</strong>ntal utilizou-se muito b<strong>em</strong><strong>de</strong>sse expediente, inicialmente com o trabalho <strong>de</strong> catequese realizado pela Companhia <strong>de</strong>Jesus e, também, com a ação evangelizadora dos pastores, nos países on<strong>de</strong> triunfou a reformaprotestante. Segundo explica Chauí (1994), numa perspectiva materialista histórica, aalienação religiosa nada mais é do que uma das faces da alienação do trabalho e, <strong>em</strong> últimainstância, colabora com o processo <strong>de</strong> acumulação do capital.Para Feuerbach, a religião é a forma supr<strong>em</strong>a da alienação humana, namedida <strong>em</strong> que ela é a projeção da essência humana num Ser superior,estranho e separado dos homens, um po<strong>de</strong>r que os domina e governa porquenão reconhec<strong>em</strong> que foi criado por eles próprios. Todavia, Marx imprimirágran<strong>de</strong>s modificações nesse conceito. [...] Contra Feuerbach dirá, <strong>em</strong>primeiro lugar, que não há uma ‘essência humana’, pois o hom<strong>em</strong> é um serhistórico que faz diferent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> condições históricas diferentes; e, <strong>em</strong>segundo lugar, que a alienação religiosa não é a forma fundamental daalienação, mas apenas um efeito <strong>de</strong> uma outra alienação real, que é aalienação do trabalho. (CHAUÍ, 1994, p. 55)Embora tenham adotado diferentes formas <strong>de</strong> atuação, tanto a religião católica, quantoas religiões protestantes, procuram atuar como el<strong>em</strong>entos disciplinadores e <strong>de</strong> divulgação dosvalores burgueses. Nessa visão, a alienação religiosa serve aos interesses do gran<strong>de</strong> capital: aoinculcar na população um conjunto <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> conduta e a idéia <strong>de</strong> que o verda<strong>de</strong>iroprêmio será recebido no Reino dos Céus, as religiões cristãs prepararam o terreno para aexpansão da burguesia.Ao mesmo t<strong>em</strong>po, sob essa mesma perspectiva crítica, a educação escolar, através <strong>de</strong>seu currículo i<strong>de</strong>ologicamente contaminado, nada mais é do que uma forma <strong>de</strong> transmissãodos valores burgueses. Silva (2004, p. 147-148) afirma que[...] o currículo é, <strong>de</strong>finitivamente, um espaço <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O conhecimentocorporificado no currículo carrega as marcas in<strong>de</strong>léveis das relações sociais<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O currículo é capitalista. O currículo reproduz – culturalmente –as estruturas sociais. O currículo t<strong>em</strong> um papel <strong>de</strong>cisivo na reprodução daestrutura <strong>de</strong> classes da socieda<strong>de</strong> capitalista. O currículo é um aparelhoi<strong>de</strong>ológico do Estado capitalista. O currículo transmite a i<strong>de</strong>ologiadominante.


254Confirmando esse pensamento, Chauí (1994, p. 93-94) l<strong>em</strong>bra que a i<strong>de</strong>ologia“consiste precisamente na transformação das idéias da classe dominante <strong>em</strong> idéias dominantespara a socieda<strong>de</strong> como um todo, <strong>de</strong> modo que a classe que domina no plano material(econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das idéias)”. Dessa forma,a combinação entre religião e escola é, por seu duplo efeito <strong>de</strong> inculcação i<strong>de</strong>ológica, umaestratégia eficaz <strong>de</strong> reprodução das estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. E esse efeito torna-se ainda maior <strong>em</strong>se tratando das escolas normais religiosas, já que essas escolas visam a formar professorescomprometidos com uma religião específica, os quais, por sua vez, terão o papel <strong>de</strong> propagar,<strong>em</strong> suas salas <strong>de</strong> ensino primário, a gran<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia da divulgação i<strong>de</strong>ológica.Em contrapartida, n<strong>em</strong> toda ação religiosa po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada i<strong>de</strong>ologicamentecontaminada pelas estruturas <strong>de</strong> classe. No caso do processo educativo promovido pelasinstituições confessionais, existe também a motivação <strong>de</strong> natureza utópica, visando àconstrução <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais justa. Nesse aspecto, muitos foram os professores queguiaram sua ação docente <strong>de</strong> forma totalmente generosa, como servidores <strong>de</strong> Deus, e com oobjetivo supr<strong>em</strong>o <strong>de</strong> elevação das almas mais ignorantes.No plano político, o processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> escolas normais religiosas <strong>em</strong> MinasGerais tornou-se possível a partir do ano <strong>de</strong> 1899, com a reforma do ensino promovida peloentão Presi<strong>de</strong>nte do estado, Silviano Brandão. Com a Lei nº 281, <strong>de</strong> 16/09/1899, foirestabelecida a prescrição da Lei nº 41, <strong>de</strong> 1892, que permitia foss<strong>em</strong> equiparados às escolasnormais do estado os estabelecimentos organizados conforme o plano daquelas (BORGES,2005). Em seguida, essa tendência foi corroborada pelo <strong>de</strong>creto nº 1.348, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1900, o qual assegurou “a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino primário por particulares e associações,reconhecendo a ação católica na educação infantil” (BORGES, 2005, p.251), o que favoreceua iniciativa privada, principalmente a católica.No início <strong>de</strong> 1905, a Escola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba fechou <strong>de</strong>finitivamente asportas e, naquele mesmo ano, as irmãs dominicanas, proprietárias do Colégio Nossa Senhoradas Dores, com todo o apoio do bispo <strong>de</strong> Goiás, iniciaram o processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma novaescola normal na cida<strong>de</strong>, o que se ajustava perfeitamente aos interesses da Igreja Católica edas elites dominantes.Embora as aulas do curso normal do colégio dominicano se tenham iniciado <strong>em</strong>princípios <strong>de</strong> 1906, seu prosseguimento <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> uma autorização do governo do estado,equiparando aquela instituição às escolas normas oficiais. Para aprovar a equiparação – que


255daria legalida<strong>de</strong> ao curso –, a fiscalização estadual exigiu uma série <strong>de</strong> adaptações nasinstalações da escola, conforme foi noticiado pelo mesmo jornal:O exmo. sr. dr. Secretario do interior do Estado officiou neste sentido ádirectoria do collegio, dizendo que são necessárias as seguintesmodificações para que o abalisado estabelecimento possa gosar do favor <strong>de</strong>equiparação ao ensino normal: ‘O ensino <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer ao plano<strong>de</strong>terminado pelo <strong>de</strong>creto n. 1.175, <strong>de</strong> 1898, com as modificações do art. 11do <strong>de</strong>creto n. 1.479, <strong>de</strong> 1901, e circular <strong>de</strong>sta Secretaria <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> março <strong>de</strong>1902, que se encontra transcripta na pág. 97 do Relatório do Interiorapresentada á Presidência do Estado <strong>de</strong>sse anno; Substituição do mobiliárioescolar actual, visto o existente não estar <strong>de</strong> accordo com os preceitospedagógicos; O estabelecimento <strong>de</strong>ve possuir e manter gabinetes elaboratórios para o estudo <strong>de</strong> sciencias naturaes e mais material techniconecessário ao ensino normal’. Faz<strong>em</strong>os votos para que a directoria doCollegio <strong>de</strong> N. S. das Dores cui<strong>de</strong> com urgência das modificaçõesreclamadas, tornando-se o mais breve possível apparelhado para aequiparação ás escolas normaes do Estado. (LAVOURA E COMÉRCIO,22/02/1906, p. 1)Atendidas as exigências da fiscalização estadual, meses <strong>de</strong>pois o jornal Lavoura eComércio publicava a boa notícia: “O Minas Geraes <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong>ste traz o <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial nº1.932, que conce<strong>de</strong> ao Collegio <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores, regido nesta cida<strong>de</strong> pelasexmas. Irmãs dominicanas, as regalias <strong>de</strong> que gosam as escolas normaes municipaes.”(LAVOURA E COMÉRCIO, 12/08/1906, p. 1). Vê-se, pois, que a equiparação do ColégioNossa Senhora das Dores às escolas normais municipais ocorreu ainda no governo <strong>de</strong>Francisco Salles, através do Decreto nº 1.932 144 , <strong>de</strong> 06/08/1906.No início <strong>de</strong> seu funcionamento, <strong>em</strong> 1906, o curso normal seguia o currículo <strong>de</strong> 4anos, estabelecido pelos regulamentos das escolas normais estaduais impl<strong>em</strong>entados nosgovernos <strong>de</strong> Silviano Brandão e <strong>de</strong> Francisco Salles. Entretanto, logo <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1906,com a aprovação do Decreto nº 1960, que continha o novo Regulamento do Ensino Normaldo Estado <strong>de</strong> Minas Gerais (parte da Reforma João Pinheiro), foi aprovada uma nova gra<strong>de</strong>curricular <strong>de</strong> 3 anos para o curso normal das escolas oficiais e equiparadas (Quadro 4.1).No Quadro 4.1, percebe-se a simplificação do currículo do curso normal, que,conforme pon<strong>de</strong>ra Mourão (1962), era muito mais simples do que o da Reforma Afonso Pena.O currículo era, por um lado, conteudista (basicamente igual ao das escolas primárias) e, poroutro, continha matérias impróprias a um curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, como é o caso <strong>de</strong>Aritmética Comercial e <strong>de</strong> Escrituração Mercantil – que visavam, possivelmente, a suprir afalta dos cursos comerciais no estado. Além disso, era totalmente <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> disciplinas <strong>de</strong>144 O texto integral do <strong>de</strong>creto nº 1.932 po<strong>de</strong> ser visto no Anexo 6 <strong>de</strong>ste trabalho.


256formação docente, como Pedagogia ou Metodologia. Entretanto, foram mantidas asdisciplinas consi<strong>de</strong>radas essenciais à formação <strong>de</strong> mulheres virtuosas e boas mães <strong>de</strong> família,como Trabalhos <strong>de</strong> Agulha, Desenho e Música.Quadro 4.1 – Gra<strong>de</strong> curricular do curso normal do Colégio N. S. Dores (1907)Ano do Curso1º ano2º ano3º anoDisciplinasPortuguêsAritméticaGeografiaDesenhoMúsicaTrabalhos <strong>de</strong> agulhaPortuguêsFrancêsGeometriaHistória UniversalEducação Moral e CívicaGeografiaDesenhoMúsicaTrabalhos <strong>de</strong> agulhaPortuguêsFrancêsGeometriaHistória UniversalEducação Moral e CívicaGeografiaDesenhoMúsicaTrabalhos <strong>de</strong> agulhaFonte: Mourão (1962) e ACNSD (1906-1916)Se essa ênfase na formação <strong>de</strong> mulheres para ocupar o seu papel subalterno nasocieda<strong>de</strong> já era visível no currículo das escolas normais oficiais, era ainda mais claro <strong>de</strong>ntroda pedagogia dominicana. Em seu Artigo 1º, o Regulamento da escola afirma categoricamenteque: “O Colégio <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores, <strong>de</strong> Uberaba, foi fundado e é mantido pelasReligiosas Dominicanas, com o objetivo principal da educação moral e religiosa da juventu<strong>de</strong>f<strong>em</strong>inina” (ACNSD, 1934, p.1). Transportando esse artigo do regulamento para o cursonormal da escola, perceb<strong>em</strong>os que formação <strong>de</strong> professores não era o objetivo primeirodaquela instituição <strong>de</strong> ensino.


257Figura 4.6 – Colégio N. S. Dores (Normalistas <strong>de</strong> 1908)Fonte: Museu do Colégio Nossa Senhora das DoresEm <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1907, formou-se a primeira normalista (a única naquele ano) doColégio Nossa Senhora das Dores, já <strong>de</strong>vidamente equiparado às escolas normais oficiais <strong>de</strong>Minas Gerais. No ano subseqüente, no dia 07/12/1908, foram entregues os diplomas dasegunda turma <strong>de</strong> normalistas formadas pela escola. Essa segunda turma era composta pelassenhoritas Edith <strong>de</strong> Novaes França, Margarida <strong>de</strong> Oliveira Mame<strong>de</strong>, Florentina Prata Soares eAlice <strong>de</strong> Novaes Bittencourt – a Figura 4.6 mostra o grupo <strong>de</strong> formandas. À cerimôniacompareceu, como homenageado, o bispo diocesano, Dom Eduardo, e o paraninfo da turmafoi o coronel João Quintino Teixeira, <strong>de</strong>putado e um dos principais representantes da eliteeconômica local (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/11/1908).O curso normal do Colégio N. S. Dores manteve funcionamento ininterrupto porvárias décadas e tornou-se uma referência no Brasil central. Famílias <strong>de</strong> toda a regiãoenviavam suas filhas para formar<strong>em</strong>-se professoras na escola uberabense, que mantinhaalunas <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato e <strong>de</strong> externato. O Quadro 4.2, abaixo, mostra o número <strong>de</strong>


258normalistas formadas pela escola, no período <strong>de</strong> 1908 a 1938. O quadro não inclui <strong>em</strong> seustotais as normalistas <strong>de</strong> 2º grau, formadas a partir <strong>de</strong> 1935 e mostradas no Quadro 4.4.Quadro 4.2 – Número <strong>de</strong> normalistas do 1º grau formadas no Colégio Nossa Senhora dasDores <strong>de</strong> Uberaba (1908-1938)ANONº ALUNASFORMADASANONº ALUNASFORMADASANONº ALUNASFORMADAS1907 1 1918 6 1929 21908 4 1919 - 1930 71909 3 1920 3 1931 251910 3 1921 8 1932 221911 - 1922 8 1933 301912 5 1923 3 1934 201913 4 1924 10 1935 301914 2 1925 7 1936 441915 7 1926 8 1937 231916 6 1927 10 1938 331917 9 1928 15TOTAL GERAL DE NORMALISTAS FORMADAS (1908-1938) 358Obs.: Não conseguimos levantar o número <strong>de</strong> alunas formadas nos anos <strong>de</strong> 1911 e 1919.Fontes: Lavoura e Comércio (1907-1938); Museu do Colégio Nossa Senhora das DoresUma análise dos dados constantes no Quadro 4.2 mostra-nos que, até 1930, o númeromédio <strong>de</strong> normalistas formadas a cada ano pelo colégio foi relativamente baixo, o que nosparece ser um reflexo da <strong>de</strong>svalorização do curso normal, <strong>em</strong>pobrecido pelas reformaseducacionais posteriores à impl<strong>em</strong>entada, <strong>em</strong> 1892, por Afonso Pena. Além disso, <strong>em</strong><strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> seus baixos vencimentos, a docência não atraía as moças vindas <strong>de</strong> famíliascom algumas posses e que, <strong>em</strong> sua maioria, preferiam encerrar os estudos nos níveisinferiores <strong>de</strong> ensino e partir para um bom matrimônio.Curiosamente, o quadro t<strong>em</strong> súbita mudança a partir <strong>de</strong> 1931, quando 25 normalistasdo 1º grau se formaram no Colégio N. S. Dores. Nos anos subseqüentes, essa tendênciapermaneceu: <strong>de</strong> 1931 a 1938, a média <strong>de</strong> normalistas formadas por ano foi <strong>de</strong> 27,75. A nossover, esse aumento na procura pelo curso normal <strong>de</strong>ve-se, principalmente, à reforma do ensinoimpl<strong>em</strong>entada por Antônio Carlos – Francisco Campos que, como vimos no primeirocapítulo, trouxe certo ânimo à profissão docente.Em 1912, nova mudança no Regulamento das Escolas Normais mineiras levou a


259modificações na gra<strong>de</strong> curricular do curso normal do Colégio Nossa Senhora das Dores, quepassou a ser novamente <strong>de</strong> 4 anos: foram introduzidas as disciplinas Economia Doméstica (2ºe 3º anos) e Metodologia (3º ano). Essa última, <strong>em</strong>bora restrita ao terceiro ano, procurava darum enfoque mais formativo ao curso normal e continha <strong>em</strong> seu <strong>programa</strong>, <strong>de</strong>ntre outros, osseguintes conteúdos <strong>de</strong> ensino:1º Pedagogia. Educação. Methodologia. Instrucção. Methodologia geral, id.Especial. Ensino. Fim. Importância do mesmo.2º Methodos <strong>de</strong> ensino. Quaes os mais mo<strong>de</strong>rnos, geralmente adoptados.Como se po<strong>de</strong>m <strong>em</strong>pregar combinados.3º Princípios didacticos: relativos ao ensino – ao professor – ao alumno.4º Modos <strong>de</strong> ensino. Como se <strong>em</strong>pregam nas diversas escolas publicas.5º Formas <strong>de</strong> ensino. Como se combinam com os diversos methodos <strong>de</strong>ensino. Qual é a forma <strong>de</strong> ensino que conv<strong>em</strong> adoptar para a boa execuçãodo programma das escolas primarias no estado <strong>de</strong> Minas.6º Processos <strong>de</strong> ensino. Sua importância. Classificação dos mesmos.7º Principaes processos <strong>de</strong> exposição. Em que consiste o processo intuitivo.Suas vantagens. Quaes as disciplinas que melhor se prestam ao <strong>em</strong>prego<strong>de</strong>ste processo. [...]11º Preparação das lições. Sua importância. Preparação methodologica,preparação pedagógica.12º Methodo <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Arithmetica. Processos. [...]13º Methodo <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> língua pátria combinado com oensino <strong>de</strong> historia, moral e cívica, e sciencias naturaes nas escolassingulares (ACNSD, 1906-1916).O <strong>programa</strong> acima se mostra amplo <strong>de</strong>mais para ser suficient<strong>em</strong>ente estudado <strong>em</strong>apenas um ano <strong>de</strong> curso, principalmente se consi<strong>de</strong>rarmos que estava restrito à carga horária<strong>de</strong>stinada à disciplina Metodologia. E essa característicapermaneceu nos currículosposteriores: nos anos seguintes, seguindo as constantes reformas <strong>de</strong> ensino impl<strong>em</strong>entadas noestado, algumas modificações curriculares foram feitas no curso normal das irmãsdominicanas, o que, entretanto, não chegou a dar nova roupag<strong>em</strong> ao curso. Seu caráterenciclopédico, focado na educação moral e pouco voltado à formação da professora,permaneceu prepon<strong>de</strong>rante até a reforma impl<strong>em</strong>entada por Antônio Carlos – FranciscoCampos, na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1920, quando essa tendência foi atenuada.Com o novo Regulamento do Ensino nas Escolas Normais (Decreto nº 8.162, <strong>de</strong>20/01/1928), o curso normal do Colégio N. S. Dores foi equiparado ao das chamadas escolasnormais do primeiro grau, ficando o seu currículo dividido <strong>em</strong> um curso <strong>de</strong> adaptação (2anos) e um curso preparatório (3 anos) 145 . O curso foi reestruturado com base no novocurrículo das escolas normais oficiais (conforme mostrado no Quadro 4.3) e ganhou uma145 Sobre o currículo <strong>de</strong>sses cursos, tratar<strong>em</strong>os no Capítulo 5 <strong>de</strong>sta dissertação, na parte <strong>de</strong>dicada à 2ª EscolaNormal Oficial.


260ênfase mais voltada à formação pedagógica dos professores.Quadro 4.3 – Gra<strong>de</strong> curricular do curso normal das escolas normais oficiais e equiparadas(após o Decreto nº 8.162, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1928)Curso Normal do 1º GrauCurso Normal do 2º GrauAno Disciplinas Ano Disciplinas1º Adaptação2º Adaptação1ºPreparatório2ºPreparatório3ºPreparatório• Português• Francês• Aritmética• História do Brasil• Educação Cívica• Geografia• Ciências Naturais• Desenho• Educação Física• Canto• Português• Aritmética• Geografia• Desenho• Trabalhos manuais• Música• Educação Física• Português• Geometria• Corografia do Brasil• Ciências Naturais• Desenho• Trabalhos Manuais• Música• Educação Física• História do Brasil• Educação e Cívica• Metodologia• Psicologia Infantil• Higiene Escolar• Prática Profissional1º Adaptação2º Adaptação1º Preparatório2º Preparatório3º Preparatório1º Aplicação2º Aplicação• Português• Francês• Aritmética• História do Brasil• Educação Cívica• Geografia• Ciências Naturais• Desenho• Educação Física• Canto• Português• Francês• Aritmética• Geografia• Desenho• Trabalhos manuais• Música• Educação Física• Português• Francês• Geometria• Corografia do Brasil• Ciências Naturais• Desenho• Trabalhos Manuais• Música• Educação Física• Português• Francês• História do Brasil• Física• Química• História Natural• Desenho• Educação Física• Psicologia Educacional• Biologia e Higiene• Metodologia• História da Civilização(<strong>em</strong> especial dos metodose processos <strong>de</strong> educação)• Prática ProfissionalFonte: Mourão (1962)Às alunas formadas na escola normal dominicana – assim como <strong>em</strong> outras escolas


261normais do 1º grau equiparadas –, era dado o direito legal <strong>de</strong> requerer<strong>em</strong> uma vaga nasescolas normais oficiais do 2º grau, o que era o máximo, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> status cultural, a seralmejado por uma jov<strong>em</strong> interiorana. Talvez venha daí a maior procura pelo curso normal docolégio dominicano após o ano <strong>de</strong> 1928 146 , já que uma boa formação cultural era fatorbastante valorizado nas negociações familiares que precediam os casamentos.Paralelamente, também <strong>em</strong> 1928, foi aberta a segunda Escola Normal oficial <strong>de</strong>Uberaba, t<strong>em</strong>a do qual tratar<strong>em</strong>os mais <strong>de</strong>talhadamente no quinto capítulo <strong>de</strong>ste trabalho.Esse novo centro <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, que diplomava normalistas <strong>de</strong> 1º e <strong>de</strong> 2º graus,adotava uma postura escolanovista <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, alinhando-se à política dosecretário da educação, Francisco Campos. Por outro lado, o curso normal do Colégio NossaSenhora das Dores seguia o tradicional mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação católica, com uma função social<strong>de</strong>finida e comprometida com a <strong>de</strong>fesa dos valores tradicionais (rígida moral cristã,valorização da família e manutenção do papel subalterno da mulher <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>).Para ajudar na compreensão <strong>de</strong>sse quadro, entrevistamos a senhora Hilda Mendonça(13/07/1923), uma das normalistas <strong>de</strong> primeiro grau formadas, <strong>em</strong> 1938, pelo Colégio NossaSenhora das Dores. Essa ex-aluna era oriunda <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> poucas posses: o pai era umchauffeur particular, que trabalhava diuturnamente para manter suas duas filhas no colégiodominicano. A importância <strong>de</strong> uma boa educação era um <strong>de</strong>sejo também <strong>de</strong> sua mãe, Amélia,dona-<strong>de</strong>-casa e ex-professora primária, também com passag<strong>em</strong>, <strong>em</strong>bora incompleta, pelocurso normal do Colégio N. S. Dores. Esse perfil, diferenciado da maioria das <strong>de</strong>mais alunasdaquela escola <strong>de</strong> elite, trouxe um valor especial ao seu <strong>de</strong>poimento.Solicitada a <strong>de</strong>screver, com olhar atual, o processo <strong>de</strong> ensino da escola normaldominicana, ela <strong>de</strong>clarou: “Era um curso à moda antiga, tradicional, o ensino com mais ênfaseno Francês. A ênfase que se dá atualmente ao Inglês, naquela época se dava ao Francês. Haviaprofessoras boas, que tinham feito o noviciado na França. [...] Era muito b<strong>em</strong> orientado ocurso.” (MENDONÇA, 2007). Prosseguindo, ao falar da qualida<strong>de</strong> do ensino, a ex-alunaafirmou que o curso normal, “para o t<strong>em</strong>po, para a época, era ótimo. Era excelente, eu acho.Porque a gente saía <strong>de</strong> lá b<strong>em</strong> preparada, principalmente naquelas matérias que faziam parteda gra<strong>de</strong> curricular. Isso para a época, para a necessida<strong>de</strong> da época. Hoje, talvez, tivesse muitopouca aplicação.” (MENDONÇA, 2007).A concepção <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores que <strong>em</strong>basava o processo formativo dasirmãs dominicanas apoiava-se no paradigma do professor como magister, <strong>em</strong> que o mestre é o146 Ressaltamos que a turma <strong>de</strong> alunas que iniciou o curso preparatório <strong>em</strong> 1928 só se formou <strong>em</strong> 1931.


262<strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> um saber enciclopédico e responsável por sua transmissão ao grupo <strong>de</strong> alunos. Am<strong>em</strong>orização dos conteúdos e a disciplina eram fatores fundamentais para o sucesso <strong>de</strong>ssapedagogia. Sendo o professor o centro do processo formativo, cabia às futuras professorasestudar<strong>em</strong> metodicamente as lições dadas <strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula, a fim <strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> <strong>de</strong>volvê-lasao professor nos exames orais ou escritos. Nesse aspecto, essa concepção diferenciava-seradicalmente daquela <strong>em</strong> que se apoiava a pedagogia escolanovista das escolas normaisoficiais (que será alvo <strong>de</strong> nossa análise no quinto capítulo), <strong>em</strong> que o aluno era o centro doprocesso formativo e o professor um mediador <strong>de</strong>sse processo.Os choques entre as duas concepções levaram a acaloradas discussões entre liberais ecatólicos e moldaram as políticas educacionais brasileiras, principalmente nas décadas <strong>de</strong>1920 e 1930. Em um interessante artigo intitulado Escola leiga, escola s<strong>em</strong> auctorida<strong>de</strong>,publicado por um jornal <strong>de</strong> Araguari, a professora Maria Apparecida Silva, pertencente àAcção Catholica daquele município, critica a Escola Nova 147 e os novos métodos <strong>de</strong> ensino<strong>de</strong>fendidos por esta:Methodos novos têm vindo, nos últimos t<strong>em</strong>pos, revolucionar a sciencia earte pedagógicas. Traçam novos planos <strong>de</strong> educação. Traz<strong>em</strong> novos meiospara se disciplinar uma classe. E’ a Escola Nova. A introducção <strong>de</strong> novasdirectrizes no ensino fez com que os mestres se dividiss<strong>em</strong> <strong>em</strong> diversoscampos. Veio a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m nas escolas. Era a ‘<strong>de</strong>sagragação’ <strong>de</strong> cultura,arma <strong>de</strong> que actualmente se utilizam os agentes <strong>de</strong> Moscou. Mestrescatholicos adheriram a esses methodos e acceitaram a nova direcçãopedagógica. Esqueceram-se, porém, que a maioria dos novos pedagogoseram indivíduos cheios <strong>de</strong> materialismo, que i<strong>de</strong>alizaram methodosbaseados na razão e na consciência do hom<strong>em</strong>, excluindo a idéa <strong>de</strong> Deus. AEscola Nova trata amplamente da ‘disciplina dos alumnos’. Mas muitaspalavras e pouco effeito. Porque tratando da auctorida<strong>de</strong> do mestre, ella seesquece que ‘toda auctorida<strong>de</strong> v<strong>em</strong> <strong>de</strong> Deus’, e que s<strong>em</strong> Deus só po<strong>de</strong>existir anarchia, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Não po<strong>de</strong> haver disciplina verda<strong>de</strong>ira na EscolaNova, porque esta admitte o laicismo, que ‘é a peste da nossa época’,segundo Pio XI. Admittindo o laicismo, <strong>de</strong>stróe toda a base da educação,toda a base da auctorida<strong>de</strong>, que é Deus. S<strong>em</strong> Deus não se educa. Serianecessário citar ex<strong>em</strong>plos? Nós os t<strong>em</strong>os diante dos olhos. Observ<strong>em</strong> asescolas publicas e leigas. Alli existe disciplina? Não. Porque alli não se fala<strong>em</strong> Deus, principio <strong>de</strong> toda auctorida<strong>de</strong>. Que as mestras catholicasprocur<strong>em</strong> estudar melhor esses novos methodos comparando-os aos dapedagogia christã e que ellas vejam si esses methodos não estãoimpregnados <strong>de</strong> concepções materialistas, anti-christãs. Que estu<strong>de</strong>mprimeiramente a psychologia da creança brasileira antes <strong>de</strong> estragal-a com147 Segundo (ARAÚJO, 2006), o movimento da Escola Nova é uma expressão educacional <strong>de</strong> caráter liberal quesurgiu como um <strong>de</strong>sdobramento dos direitos civis proclamados ao final do século XVIII. Seus principaisinspiradores foram Rousseau e Pestalozzi. O arcabouço teórico do movimento escolanovista está centrado naliberda<strong>de</strong> da criança, <strong>em</strong> sua experiência, <strong>em</strong> sua ativida<strong>de</strong>, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua espontaneida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> suacriativida<strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ra, também, que a criança t<strong>em</strong> uma personalida<strong>de</strong>, é um indivíduo que t<strong>em</strong> sua legitimida<strong>de</strong>e que t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> arbitrar o seu <strong>de</strong>stino.


263tantos methodos importados do estrangeiro. Que fal<strong>em</strong> menos <strong>de</strong> Dewey,Kilpatrik e Rousseau e <strong>em</strong> compensação fal<strong>em</strong> muito <strong>de</strong> Deus, base daauctorida<strong>de</strong> e base da educação christã. Si assim fizer<strong>em</strong>, concorrerão para asalvação das almas e também para a salvação do Brasil (O TRIÂNGULO,19/07/1936, p. 3).A <strong>de</strong>fesa da pedagogia católica, feita pela professora araguarina, alinha-seperfeitamente ao pensamento tradicional das irmãs dominicanas. É interessante observar que aProfª Maria Aparecida <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o pensamento <strong>de</strong> que a educação escolar só é possível comuma rígida disciplina, o que é um dos pressupostos básicos da pedagogia jesuítica (assim comda pedagogia comeniana), base do mo<strong>de</strong>lo escolar católico. Além disso, ao ressaltar que todaautorida<strong>de</strong> v<strong>em</strong> <strong>de</strong> Deus, a professora acaba concluindo que uma escola laica está con<strong>de</strong>nadaà indisciplina e ao fracasso.Na verda<strong>de</strong>, no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula tradicional, a disciplina é um dos principaispré-requisitos para o sucesso na transmissão dos conteúdos culturais, e é nesse ponto queresi<strong>de</strong> o êxito das escolas confessionais católicas. Saviani (2005, p. 48) assim explica essecaráter revolucionário da escola tradicional:Os pais das crianças pobres têm uma consciência muita clara <strong>de</strong> que aaprendizag<strong>em</strong> implica a aquisição <strong>de</strong> conteúdos mais ricos, têm umaconsciência muito clara <strong>de</strong> que a aquisição <strong>de</strong>sses conteúdos não se dá s<strong>em</strong>esforço, não se dá <strong>de</strong> modo espontâneo; conseqüent<strong>em</strong>ente, têm umaconsciência muito clara <strong>de</strong> que para se apren<strong>de</strong>r é preciso disciplina e, <strong>em</strong>função disso, eles exig<strong>em</strong> mesmo dos professores a disciplina. É comum agente encontrar essa reação nos pais das crianças das classes trabalhadoras:se o meu filho não quer apren<strong>de</strong>r, vocês têm que fazer com que ele queira. Eo papel do professor é o <strong>de</strong> garantir que o conhecimento seja adquirido, àsvezes mesmo contra a vonta<strong>de</strong> imediata da criança, que espontaneamentenão t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> enveredar para a realização dos esforços necessários àaquisição dos conteúdos mais ricos e s<strong>em</strong> os quais ela não terá vez, não teráchance <strong>de</strong> participar da socieda<strong>de</strong>.A disciplina era essencial à pedagogia dominicana e às mestras cabia uma constantevigilância sobre o comportamento das alunas. Falando sobre disciplina e punições por maucomportamento, Mendonça (2007) afirmou que:Havia punição, mas não punição física. As professoras eram rigorosas.Além das notas que eram atribuídas à gra<strong>de</strong> curricular, por ex<strong>em</strong>ploPortuguês, Francês, Mat<strong>em</strong>ática, etc., havia uma disciplina que se chamavaComportamento. Acho que era Comportamento... Às vezes, você podia seruma boa aluna, mas, se fazia uma <strong>de</strong>sobediência, se você não secomportasse, a sua nota seria baixa. Aí, era a hora <strong>de</strong> a gente passar apertoquando os pais viam o boletim. E havia uma cruz que era dada... um prêmioque era dado à aluna <strong>de</strong> melhor comportamento, <strong>de</strong> melhor aplicação.Então, ela carregava no uniforme aquela cruz com uma fita... acho que eraver<strong>de</strong> e amarela a fita... Eu me esqueci do nome da cruz, agora.


264O Regulamento <strong>de</strong> 1934 do Colégio Nossa Senhora das Dores, <strong>em</strong> seu Artigo 12º,previa punições às alunas que viess<strong>em</strong> a cometer <strong>de</strong>terminadas faltas:As alunas nas suas transgressões ao Regulamento e ao Regime Interno serãojulgadas pela Diretoria que lhes aplicará as penas a<strong>de</strong>quadas.§ único: Ás alunas do Curso Secundário as penas serão aplicadas <strong>de</strong>conformida<strong>de</strong> com o it<strong>em</strong> D, da circular nº 625, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1933,que faz<strong>em</strong> parte integran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste capitulo.São consi<strong>de</strong>rados motivos <strong>de</strong> eliminação:a) Falta <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>.b) Ostentação <strong>de</strong> irreligiosida<strong>de</strong>.c) Máo procedimento e insubordinação incorrigível.d) Falta habitual <strong>de</strong> aplicação ao estudo.e) Injustificável atrazos nos pagamentos (ACNSD, 1934, p. 3).Nas escolas normais dominicanas, o princípio da autorida<strong>de</strong> da professora-formadoraera fundamental. A ela cabia o papel <strong>de</strong> formar as novas gerações <strong>de</strong> mulheres, obe<strong>de</strong>cendo auma rígida <strong>programa</strong>ção que permeava todo o currículo. Apesar <strong>de</strong> a escola normal doColégio Nossa Senhora das Dores ser equiparada às escolas normais oficiais, o que, naprática, significava que a sua estrutura curricular <strong>de</strong>veria seguir as <strong>de</strong>terminações dosregulamentos estaduais, a concepção <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores que sustentava o currículoera bastante distinto das escolas mantidas pelo estado. Nesse caso, o modo como cadaconteúdo curricular era estudado passava pelo filtro dominicano, que imprimia nele a suavisão <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> educação.A preocupação <strong>em</strong> afastar as alunas <strong>de</strong> tudo que era consi<strong>de</strong>rado perigoso para aformação religiosa que se pretendia alcançar na escola normal dava à pedagogia dominicanaum direcionamento rígido. Nessa perspectiva, a<strong>de</strong>ntrar campos <strong>de</strong>sconhecidos, através dapesquisa livre, era algo in<strong>de</strong>sejável. Perguntada se havia, na escola, ambientes preparadospara o livre exercício da pesquisa, Mendonça (2007) afirmou: “Não, nada disso. Havia só abiblioteca, com livros escolhidos, naturalmente. Eles passavam por um filtro, para não <strong>de</strong>ixarpassar algum livro que pu<strong>de</strong>sse causar impacto, sob o ponto <strong>de</strong> vista moral, da moral vigentena época, ou religioso. [...] Havia também o herbário, os animais <strong>em</strong>palhados... taxi<strong>de</strong>rmia,né?!... Tudo coisa muito el<strong>em</strong>entar.”Nessa concepção formativa, a professora da escola normal (quase s<strong>em</strong>pre umareligiosa dominicana) era a luz que <strong>de</strong>veria guiar as alunas no sentido correto da vida. Comtal responsabilida<strong>de</strong>, era fundamental que as mestras foss<strong>em</strong> munidas <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> bagag<strong>em</strong>cultural, que lhes <strong>de</strong>sse a firmeza e a convicção <strong>de</strong> que eram realmente <strong>de</strong>tentoras do saber.Boa parte das irmãs dominicanas, antes <strong>de</strong> assumir a enorme responsabilida<strong>de</strong> representada


265pela docência, passavam por um longo período formativo, normalmente na França, on<strong>de</strong>muitas chegavam a obter o doutorado <strong>em</strong> Sorbonne.Em seu <strong>de</strong>poimento, Mendonça (2007) assim <strong>de</strong>screveu a pedagogia que a formou:Não havia essa parte <strong>de</strong> pesquisa... Você vê: nós não tínhamos acesso anada. Naquele t<strong>em</strong>po nós não tínhamos n<strong>em</strong> rádio, não tínhamos televisão...Pensar <strong>em</strong> Internet era uma ficção científica... Então, o ensino era mesmobaseado nos livros, m<strong>em</strong>orização, mas não digo <strong>de</strong>coreba não. A genteentendia. As professoras eram competentes, pois elas vinham <strong>de</strong> Monteils,na França. Todas elas, ou quase todas, tinham feito o noviciado na França elá elas se prepararavam. Eram boas professoras. Mas era m<strong>em</strong>orização sim.Nós não tínhamos laboratório, n<strong>em</strong> pesquisa. [...] O estudo era maisseguindo <strong>em</strong> livros. Eram livros pesados, massudos, difíceis mesmo. Agora,uma ou outra coisa a gente pesquisava... mas pesquisar como? A gente nãotinha nenhuma biblioteca <strong>em</strong> casa. Biblioteca pública era difícil <strong>de</strong> se teracesso...Figura 4.7 – Livros <strong>de</strong> Literatura e <strong>de</strong> Caligrafia adotados no curso normal do Colégio N. S.DoresFonte: Arquivo particular <strong>de</strong> Hilda MendonçaA ênfase na assimilação dos conteúdos, por parte das alunas, era visível e refletia omo<strong>de</strong>lo tradicional <strong>de</strong> ensino. Questionada se, durante o curso, eram estudadas as novas


266teorias pedagógicas, Hilda Mendonça respon<strong>de</strong>u:Muita pouca coisa. Era mais assim aquele ensino tradicional, que vinhapassando da minha mãe, vinha do professor da minha mãe, e vinhapassando... aquele ensino clássico, pesado, massudo. E falava-se muitopouco <strong>de</strong>sses teóricos. Já se começava a falar <strong>de</strong> John Dewey. Eu mel<strong>em</strong>bro disso... O ensino conosco ainda era do beabá, ainda eram aqueleslivros b<strong>em</strong> pesados <strong>de</strong> ciências, aqueles compêndios ( MENDONÇA, 2007).Quanto aos estudos <strong>de</strong> metodologias e <strong>de</strong> didática durante o curso, Mendonça (2007)assim <strong>de</strong>clarou: “Falava-se muito pouquinho. Havia algumas dinâmicas. Davam-se algumasidéias <strong>de</strong> como a gente <strong>de</strong>veria agir quando fosse dar uma aula prática, mas, <strong>de</strong> modo geral, aprofessora expunha a matéria, a gente dava a aula prática, e <strong>de</strong>pois retornava com perguntasali nas aulas e ficava naquilo.”.Por outro lado, um histórico <strong>de</strong>scritivo daquela instituição <strong>de</strong> ensino, feito pela direçãodo colégio e enviado à secretaria estadual <strong>de</strong> educação <strong>em</strong> 1939, afirmava o seguinte:O trabalho das alunas-mestras do ultimo ano do Curso Normal é s<strong>em</strong>preeficiente junto das classes primarias, anexas. As normalistas terminam ocurso conhecendo concreta e praticamente as diretrizes da Escola Nova,regeitando os extr<strong>em</strong>ismos errôneos e hospitalisando inteligent<strong>em</strong>ente osprincípios eficientes e recomendáveis (ACNSD, 1939).Essa afirmativa <strong>de</strong>ixa transparecer que, mesmo entrando <strong>em</strong> contato com a teoria que<strong>em</strong>basava a Escola Nova, os métodos tradicionais não eram <strong>de</strong>sprezados e continuavamdirecionando a formação das normalistas.A prática da pesquisa, como já frisamos, era bastante restrita durante o curso, o que,entretanto, não dispensava as alunas <strong>de</strong> fazer<strong>em</strong> a monografia <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso.Mendonça (2007) afirmou que esse trabalho era um pré-requisito para a conclusão do curso:Eu fiz uma monografia sobre história. Aí então eu pesquisei. Eu não tinhabiblioteca <strong>em</strong> casa. A biblioteca pública era <strong>de</strong> difícil acesso. [...] Então, oslivros que se conseguia obter <strong>em</strong>prestados para pesquisar a gente usava. Amonografia fazia parte do curso. Era condição sine qua non: s<strong>em</strong> amonografia, você não tinha nota suficiente para formar-se.Apesar da limitação <strong>de</strong> bibliografias à disposição das alunas, Mendonça (2007), <strong>em</strong>seu <strong>de</strong>poimento, ressaltou o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> conteúdos estudados durante o curso normal.Segundo ela, isso só era possível pelo fato <strong>de</strong> que a gra<strong>de</strong> curricular era distribuída <strong>em</strong> umperíodo letivo diário bastante dilatado, que ia das 11h30min às 17h. Ela <strong>de</strong>stacou, também,algumas disciplinas estudadas:Português; Francês; Mat<strong>em</strong>ática; Ciências Naturais; História; Geografiamesmo, aquela Geografia tradicional. Eu tenho na minha cabeça os mapas,os rios, as montanhas: o rio Dnieper, lá na Rússia, o rio Volga, as capitais.


267A gente fazia mapas, <strong>de</strong>senhava, coloria e tudo; nós tínhamos Psicologia;Biblioteca e leitura, uma vez por s<strong>em</strong>ana; Música: aprendíamos solfejo,aprendíamos canto orfeônico, aprendíamos teoria musical; Tínhamos aula<strong>de</strong> ginástica, com umas roupas que pareciam <strong>de</strong> ir para uma igreja: comaqueles calções gran<strong>de</strong>s e uma saia por cima; Desenho; Trabalhos Manuais:a gente aprendia a costurar, bordar... a moça era preparada também para serdona <strong>de</strong> casa; Poli<strong>de</strong>z: para apren<strong>de</strong>r boas maneiras; e Religião. Nomomento, é o que me l<strong>em</strong>bro.Desta última fala <strong>de</strong> Mendonça (2007), ratificamos a afirmação do Regulamento dainstituição, segundo o qual a escola tinha “[...] o objetivo principal da educação moral ereligiosa da juventu<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina” (ACNSD, 1934, p.1), o que, <strong>em</strong> última instância, ajuda-nos aconcluir que a missão dominicana <strong>de</strong> formar fiéis católicas, virtuosas esposas e boas donas<strong>de</strong>-casatransparecia durante todo o curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professoras. Durante as festivida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> formatura da turma <strong>de</strong> normalistas do 1º grau, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1933, foi feita a exposiçãodos trabalhos manuais executados pelas alunas formandas. Um jornal local assim <strong>de</strong>screviaaquela exposição:Do salão das festas, dirigiram-se os convidados para o salão on<strong>de</strong> seexpuseram os trabalhos artísticos das alunas, feitos durante o corrente ano.Esses trabalhos ocuparam duas gran<strong>de</strong>s salas, e eram os mais variados.Coisas <strong>de</strong>licadíssimas <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> confecções <strong>de</strong> agulha, <strong>em</strong>combinações, pijamas, serviços para mesa, roupas para todos os fins;quadros revelando fortes vocações artísticas; jogos infantisinteressantíssimos; meticulosos trabalhos <strong>de</strong> caligrafia; finos e pacienteslavores <strong>em</strong> ma<strong>de</strong>ira, bordados, crivos, tudo afinal que se pó<strong>de</strong> imaginar <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>licado <strong>em</strong> concepções <strong>de</strong>ssa natureza. A exposição agradou muitob<strong>em</strong> a todos que a visitaram e vale pelo melhor atestado do aproveitamentodas alunas nesse ramo <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s domesticas e artísticas (LAVOURA ECOMÉRCIO, 04/12/1933, p. 4).Percebe-se que, dos trabalhos expostos durante a formatura das novas professoras,poucos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à profissão docente. Por outro lado, a maioria <strong>de</strong>les combina b<strong>em</strong> com opapel esperado pelas elites econômicas para suas futuras mães <strong>de</strong> família, englobandotrabalhos <strong>de</strong> corte e costura, <strong>de</strong> artes, <strong>de</strong> bordados, etc. A mo<strong>de</strong>lação da mulher i<strong>de</strong>al –obediente, católica praticante, boa mãe e responsável pela economia doméstica – era a pedraangular que sustentava a pedagogia dominicana e sua concepção <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores.Por vezes, no curso normal dominicano, a formação <strong>de</strong> boas donas-<strong>de</strong>-casasobrepunha-se à formação para o magistério. Nos exames, o valor dado às disciplinas quepouco contribuíam para a prática docente – como Trabalhos <strong>de</strong> Agulha ou EconomiaDoméstica – era tão alto quanto o valor dado às disciplinas que visavam a formar aprofessora; talvez até maior. Mendonça (2007) l<strong>em</strong>brou que sua mãe, Amélia da Cruz, era


268uma excelente professora alfabetizadora, mas abandonou o curso normal do Colégio NossaSenhora das Dores s<strong>em</strong> que o tivesse concluído. A causa: não conseguia sair-se b<strong>em</strong> nadisciplina Trabalhos <strong>de</strong> Agulha – que <strong>de</strong>testava –, o que lhe ren<strong>de</strong>u uma dura repreensão porparte das professoras-examinadoras. Sentindo-se humilhada, Amélia acabou abandonando ocurso. Essa versão foi por nós confirmada, quando examinamos o Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Promoçãodo Curso Normal daquela instituição <strong>de</strong> ensino, que traz a ata dos exames das disciplinasTrabalhos Manuais e Costura e Trabalhos <strong>de</strong> Agulha, realizados <strong>em</strong> 20/11/1917. Diz a ata:Aos vinte dias do mez <strong>de</strong> Nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> mil novecentos e <strong>de</strong>zessete nesteCollegio <strong>de</strong> Nossa Senhora das Dores, ás doze horas, estando presentes oSr. Inspector e a Commissão examinadora fizeram provas prácticas <strong>de</strong>Trabalhos manuaes, Costura e Trabalhos <strong>de</strong> agulha as alumnas inscriptas dosegundo anno: Aracy <strong>de</strong> Carvalho, Fernanda Portella, Lucilia L<strong>em</strong>es, JulietaRiccioppo, Maria Yolanda Pontes, Ranulpha Chaves, Amélia da Cruz,Gelcyra Soares, M. Carolina Pinheiro. M. José dos Santos não compareceu.Organisadas pela commissão examinadora as duas respectivas listas <strong>de</strong> <strong>de</strong>zpontos para o exame das duas matérias foi sorteado pela primeiraexaminanda da turma o ponto 6º: Corte e confecção <strong>de</strong> uma sainha paraCostura e o nº 6: flor <strong>de</strong> papel para a prova <strong>de</strong> Trabalho manual.Terminadas as provas a commissão examinadora proce<strong>de</strong>u ao julgamentoque <strong>de</strong>u o seguinte resultado: approvada com distinção M. CarolinaPinheiro; plenamente Aracy <strong>de</strong> Carvalho, Ranulpha Chaves, Lucilia L<strong>em</strong>es;simplesmente Julieta Riccioppo, Fernanda Portella, Gelcyra Soares, MariaYolanda Pontes; inhabilitada Amélia da Cruz (ACNSD, 1917-1934).Figura 4.8 – Hilda Mendonça e Amélia da CruzFonte: Arquivo particular <strong>de</strong> Hilda MendonçaNota-se que Amélia da Cruz foi consi<strong>de</strong>rada inabilitada nas tarefas <strong>de</strong> corte econfecção <strong>de</strong> uma sainha e <strong>de</strong> confecção <strong>de</strong> uma flor <strong>de</strong> papel, tarefas que nada têm a ver com


269a formação <strong>de</strong> uma professora primária e, sim, com a formação <strong>de</strong> uma boa dona-<strong>de</strong>-casa.Além disso, conforme mostra a ata posterior do mesmo livro, nos exames <strong>de</strong> Desenho eCaligrafia, realizados no dia 22/11/1917, Amélia da Cruz foi aprovada plenamente, assimcomo aconteceu nos <strong>de</strong>mais exames realizados. Entretanto, <strong>em</strong> face da humilhação que umareprovação representava, principalmente <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> uma aluna <strong>de</strong>dicada, abandonar aescola normal foi a melhor saída encontrada. Em casos como este, a formação da dona-<strong>de</strong>casasobrepôs-se à da professora e acabou prejudicando esta última.As aulas do curso normal dominicano restringiam-se, s<strong>em</strong>pre que possível, à sala <strong>de</strong>aula, espaço consi<strong>de</strong>rado i<strong>de</strong>al para a pedagogia tradicional. Mesmo a prática profissional erafeita no interior do próprio colégio: as alunas do curso davam suas aulas práticas nas salas docurso primário da mesma instituição. Pesquisas, mostras <strong>de</strong> trabalhos – como a <strong>de</strong>scrita nareportag<strong>em</strong> <strong>de</strong> jornal do dia 04/12/1933, mostrada há pouco – e excursões <strong>de</strong> estudo eramativida<strong>de</strong>s esporádicas; por outro lado, algumas ativida<strong>de</strong>s culturais faziam parte do cotidianoescolar, como l<strong>em</strong>brou a ex-aluna Hilda:Eram organizadas exposições dos trabalhos das alunas. Trabalho assim <strong>de</strong><strong>de</strong>senho, trabalho do herbáreo, trabalho <strong>de</strong> animais dissecados, <strong>em</strong>palhados.E dos trabalhos melhores que nós fazíamos nas aulas, um ou outro eraapresentado na escola. [...] Excursões, só na redon<strong>de</strong>za mesmo. Quase nãohavia meios <strong>de</strong> transporte... Para a gente ir daqui a Delta era como ir à luahoje. [...] Havia, também, o Grêmio Literário Rui Barbosa. Então a gentepromovia reuniões mensais e as alunas mesmas faziam trabalhos,apresentavam <strong>de</strong>clamações, cantos, apresentavam a biografia <strong>de</strong> algumgran<strong>de</strong> escritor... E me l<strong>em</strong>bro, também, <strong>de</strong> uma visita que Monteiro Lobatofez ao colégio, <strong>em</strong> 1937... (MENDONÇA, 2007)Em geral, os cargos docentes do curso normal eram reservados às religiosasdominicanas. Moura (2002) l<strong>em</strong>bra que eram poucas as professoras leigas convidadas paraministrar aulas no colégio. Quando isso acontecia, suas ações pedagógicas eramrigorosamente controladas, a ponto <strong>de</strong>, durante todo o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> aula, a professora leiga seracompanhada, <strong>de</strong>ntro da sala, por uma religiosa que observava todos os seus passos. Alémdisso, a própria escolha <strong>de</strong>ssas professoras já era alvo <strong>de</strong> estreita vigilância: somenteprofessoras com gran<strong>de</strong>s conhecimentos culturais, elevados dotes morais e que professass<strong>em</strong>a fé católica po<strong>de</strong>riam ministrar aulas naquela instituição.Mendonça (2007) afirmou que algumas ex-alunas da escola normal do colégiotambém eram convidadas para ministrar aulas naquele estabelecimento, nos seus diversosníveis <strong>de</strong> ensino. Dentre essas ex-alunas, po<strong>de</strong>m ser citadas algumas que lecionavam nopróprio curso normal: “A Heloísa Guaritá lecionava ginástica para nós (naquele t<strong>em</strong>po se


270falava ginástica). A Laura Pinheiro foi a fiscal do colégio; a Graziela Marques lecionou,parece-me, História ou Geografia. A Maria Augusta Costa encarregava-se das crianças...”(MENDONÇA, 2007). Ao incluir ex-alunas <strong>em</strong> seu quadro docente, o Colégio Nossa Senhoradas Dores fechava o ciclo formativo necessário ao seu funcionamento <strong>de</strong>ntro dos rígidospadrões estabelecidos pela congregação religiosa.Em 30/03/1935, através do Decreto nº 11.905 (Anexo 7), o governador <strong>de</strong> MinasGerais, Benedito Valadares, equiparou o curso normal do Colégio Nossa Senhora das Doresao das escolas normais oficiais do 2º grau. Diz o texto da lei: “O Interventor Fe<strong>de</strong>ral noEstado <strong>de</strong> Minas Gerais, usando da attribuição que lhe confere o <strong>de</strong>creto n. 19.398, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong>nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1930, do Governo Provisório da Republica, resolve elevar a Escola Normal <strong>de</strong>2 o . grau o Collegio ‘N. S. das Dores’, <strong>de</strong> Uberaba” (MINAS GERAIS, 1937, p. 134).Ao que nos parece, o processo <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> escolas normais particulares,promovido por Benedito Valadares, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino oferecido pelaescola normal do Colégio Nossa Senhora das Dores, foi acelerado pela intençãogovernamental <strong>de</strong> eliminar as escolas normais oficiais 148 . O Decreto-Lei nº 63 (Anexo 4), <strong>de</strong>15/01/1938, que extinguiu, <strong>de</strong>ntre outras, a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, afirmava <strong>em</strong> seu textoque o fechamento <strong>de</strong>ssas escolas não traria prejuízo para a população, “consi<strong>de</strong>rando queexiste no Estado gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> Escolas Normais reconhecidas e que preench<strong>em</strong> os fins aque são <strong>de</strong>stinadas <strong>de</strong>ntro da organização atual” (MINAS GERAIS, 1940, p. 41). Dessaforma, passando o Colégio Nossa Senhora das Dores a possuir o curso normal <strong>de</strong> 1º e <strong>de</strong> 2ºgraus, seria mais fácil justificar o fechamento da escola oficial.No início <strong>de</strong> 1938, com o fechamento da Escola Normal oficial, algumas ex-alunasdaquela instituição transferiram-se para o Colégio N. S. Dores, a fim <strong>de</strong> concluír<strong>em</strong> os seuscursos. Mendonça (2007) l<strong>em</strong>brou-se que, naquele ano, o último do curso normal, sua turmafoi engrossada pela chegada das novas colegas, o que provocou um certo choque cultural.Vindas <strong>de</strong> uma escola mista e com uma concepção formativa totalmente distinta da quereinava no colégio dominicano, as alunas oriundas da extinta Escola Normal oficial foramassim <strong>de</strong>scritas por Mendonça (2007): “Eram umas moças diferentes... com costumes muitoavançados para os padrões do nosso colégio...”. Talvez por influência <strong>de</strong>ssas novas alunas, aturma <strong>de</strong> normalistas do 1º grau formada naquele ano, ganhou, junto à direção da escola, umacerta fama <strong>de</strong> rebeldia e acabou estigmatizada nesse aspecto (MENDONÇA, 2007).148 Este assunto será melhor discutido no quinto capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, quando tratamos da 2ª Escola Normaloficial.


271Conforme já mostramos no Quadro 4.2, a partir <strong>de</strong> 1931, o colégio formou turmasnumerosas <strong>de</strong> normalistas do 1º grau; o mesmo não aconteceu com relação ao curso <strong>de</strong>aplicação. Após a equiparação do Colégio N. S. Dores às escolas normais oficiais do 2º grau,durante o período <strong>de</strong> 1935 a 1938, conforme po<strong>de</strong>mos notar no Quadro 4.4, formaram-se, nototal, 25 normalistas do 2º grau.Quadro 4.4 – Número <strong>de</strong> normalistas do 2º grau formadas no Colégio Nossa Senhora dasDores <strong>de</strong> Uberaba (1935-1938)ANONÚMERO DE ALUNAS FORMADAS1935 81936 41937 61938 7TOTAL 25Fonte: ACNSDCom base nos números mostrados nos quadro 4.2 e 4.4, perceb<strong>em</strong>os que, durante operíodo compreendido entre os anos <strong>de</strong> 1908 e 1938, o Colégio N. S. Dores formou 371 novasnormalistas. Se, <strong>em</strong> termos quantitativos, a escola normal dominicana forneceu à socieda<strong>de</strong><strong>de</strong> Uberaba e região um número expressivo <strong>de</strong> professoras, cabe uma análise mais <strong>de</strong>talhadaacerca dos resultados obtidos por aquela instituição <strong>de</strong> ensino. A nosso ver, a função social docurso normal do Colégio Nossa Senhora das Dores tentava respon<strong>de</strong>r a três objetivos básicos,correspon<strong>de</strong>ntes aos anseios <strong>de</strong> três diferentes instituições sociais: o primeiro é aquele que<strong>em</strong>anava da própria instituição <strong>de</strong> ensino e é assim entendido pela ex-aluna:Eu acho que o objetivo <strong>de</strong>clarado da escola, até pelo próprio nome <strong>de</strong> escolanormal, seria formar professoras atuantes, mas, na verda<strong>de</strong>, não pensoassim. Por ex<strong>em</strong>plo, na minha turma, uma turma <strong>em</strong> que se formaram umas35 moças, acho que eu posso nomear só 2 que se <strong>de</strong>dicaram ao magistérioaté o fim. Outras faziam uma incursão <strong>de</strong> 1 ou 2 anos e <strong>de</strong>ixavam,mudavam <strong>de</strong> trabalho. [...] Poucas se tornaram professoras. E mesmo <strong>em</strong>turmas anteriores e subseqüentes, poucas, poucas... por ex<strong>em</strong>plo, na turma<strong>de</strong> 1935, eu estou olhando aqui, <strong>de</strong> Uberaba só duas... posso até citar onome: a Olésia Clavis e a Zilda Fontes Junqueira, que trabalharam comoprofessoras até se aposentar. Outras, trabalharam uns poucos anos e secasaram. Outras, como eu, lecionaram por poucos anos e foram para outros<strong>em</strong>pregos, outras ativida<strong>de</strong>s. [...] A maioria se casou logo <strong>de</strong>pois daformatura, com uns 18 anos. Algumas poucas eram postulantes: terminavam


272o curso e já iam para o convento (MENDONÇA, 2007).Da fala da ex-aluna e <strong>de</strong> outras observações, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que o objetivo da escolanormal era, para a or<strong>de</strong>m religiosa, o <strong>de</strong> formar moças com uma sólida educação católica,muitas das quais, ao se tornar<strong>em</strong> freiras, iriam abastecer os próprios quadros da or<strong>de</strong>mdominicana. Outras, ao se casar<strong>em</strong>, iriam se tornar fiéis <strong>de</strong>fensoras da fé católica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>seus futuros lares. Algumas, por fim, <strong>de</strong>veriam tornar-se professoras; estas, numa visãogramsciana, seriam intelectuais orgânicas prontas para divulgar, no interior das escolas laicas(particulares ou mantidas pelo Estado), o i<strong>de</strong>ário católico 149 .Havia, também, a função social que a institução familiar esperava da escola normal.Segundo Mendonça (2007),A única profissão compatível com a moça dita, entre aspas, <strong>de</strong> boa família,era a <strong>de</strong> professora. Se você fosse trabalhar no comércio, ou trabalhar numescritório, não era uma boa recomendação. Mas acontece que a maioria<strong>de</strong>las saía da escola e logo se casava... Interessante, né... [...] Eu acho queos pais queriam que as filhas tivess<strong>em</strong> um bom nível, melhor do que elestiveram. O meu pai contava que, quando uma moça se formava no cursonormal, ao chegar <strong>em</strong> casa, numa cida<strong>de</strong>zinha menor, era recebida comfesta, com cavalgada, porque era o máximo que havia... Acho que oobjetivo era esse: ter um estudo, não importava que fosse para serprofessora... E elas logo se casavam, outras se tornavam freiras, umaspoucas permaneciam como professoras ou, como o salário <strong>de</strong> professora eramuito baixo, mudavam para outra ativida<strong>de</strong>.Dessa forma, para a família, a formação recebida na escola normal dominicana <strong>de</strong>veriapreparar as moças para ocupar o lugar reservado à mulher na tradicional socieda<strong>de</strong>interiorana. Ao adquirir uma sólida formação clássica, moral e religiosa, aliada aoaprendizado <strong>de</strong> boas práticas domésticas e <strong>de</strong> uma necessária instrução nas artes e na música,a moça estaria pronta para ascen<strong>de</strong>r socialmente, <strong>em</strong> geral através <strong>de</strong> um bom casamento.Para os pais, era esse o objetivo esperado da passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas filhas pela escola dominicana.Por fim, havia a função social que o Estado reservava às escolas normais equiparadas,principalmente daquelas ligadas à Igreja Católica: havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se formar<strong>em</strong>professores e o governo estadual não conseguia, através <strong>de</strong> suas poucas escolas normaisoficiais, aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra docente, conforme t<strong>em</strong>os visto no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>stetrabalho. A saída era buscar socorro na iniciativa privada. Além disso, recorrendo ao antigopacto mantido durante séculos entre o Estado e a Igreja Católica, caberia a esta última formar149 Voltamos a l<strong>em</strong>brar, porém, que a formação <strong>de</strong> professoras não era o objetivo principal do Colégio NossaSenhora das Dores.


273cidadãos obedientes, or<strong>de</strong>iros e disciplinados, visão que, paradoxalmente, coincidia com a<strong>de</strong>fendida pelo i<strong>de</strong>ário positivista republicano.A partir <strong>de</strong> uma perspectiva histórico-crítica, perceb<strong>em</strong>os que o processo formativoocorrido naquela instituição <strong>de</strong> ensino normal não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado revolucionário ou<strong>em</strong>ancipador, haja vista que não tinha como ponto <strong>de</strong> partida os interesses dos alunos – nãotomava por base a sua prática social dos educandos, n<strong>em</strong> permitia que os conteúdos foss<strong>em</strong>probl<strong>em</strong>atizados por eles. Além disso, a ação formativa não visava à transformação dasocieda<strong>de</strong> e, sim, à manutenção das estruturas vigentes, o que acentua o seu caráterconservador. Por outro lado, para que seja possível uma avaliação mais ampla do processoformativo que se <strong>de</strong>senrolou naquela instituição, cabe-nos um olhar sobre a vida das alunasegressas do curso normal oferecido pelo Colégio Nossa Senhora das Dores.Figura 4.9 – Colégio N. S. Dores (Normalistas <strong>de</strong> 1938)Fonte: Arquivo particular <strong>de</strong> Hilda Mendonça


274Pelo que pu<strong>de</strong>mos levantar, com base no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Hilda Mendonça, no caso docurso normal do 1º grau, apenas uma pequena parcela (inferior a 20%) das normalistasformadas pelo colégio, no ano <strong>de</strong> 1938, chegou a abraçar o magistério. A gran<strong>de</strong> maioria(cerca <strong>de</strong> 70%) acabou casando-se e formou um consi<strong>de</strong>rável contingente <strong>de</strong> donas-<strong>de</strong>-casa<strong>de</strong> alto nível, pertencente à elite uberabense e das cida<strong>de</strong>s vizinhas. Das <strong>de</strong>mais, algumas setornaram religiosas, não só dominicanas, mas também <strong>de</strong> outras or<strong>de</strong>ns, e umas poucasevoluíram para outras profissões. Se partirmos do pressuposto <strong>de</strong> que o resultado reflete afunção social que se esperava da escola normal (formar moças cultas e comprometidas com osinteresses da Igreja e das elites dominantes, capazes <strong>de</strong> atuar na socieda<strong>de</strong> buscando amanutenção <strong>de</strong> seu status quo), po<strong>de</strong>mos concluir que a estratégia formativa adotada foi b<strong>em</strong>sucedida.Hilda Mendonça faz parte do pequeno grupo <strong>de</strong> normalistas que, ao se formar<strong>em</strong>,optaram por tomar caminhos que extrapolavam, <strong>em</strong> alguns pontos, aqueles que eramreservados às moças egressas daquela escola. Embora tenha abraçado a fé católica – o que,alías, já era uma tradição familiar –, integrando associações ligadas à Igreja, como a AçãoCatólica, Hilda não se casou e começou a lecionar logo que se formou, ainda com 15 anos <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>. Seu primeiro <strong>em</strong>prego foi na escola do Círculo Operário, anexa à Igreja <strong>de</strong> SãoDomingos, inicialmente mantida pelos padres dominicanos e posteriormente encampada pelaPrefeitura Municipal <strong>de</strong> Uberaba. Trabalhando com alunos oriundos <strong>de</strong> classes carentes,muitos com ida<strong>de</strong>s próximas à sua, a professora afirma que teve muitas dificulda<strong>de</strong>s “[...] nãona matéria, que eu sabia bastante, mas pela organização da escola, que era muito precária. Euchorava na sala <strong>de</strong> aula, porque não conseguia manter a disciplina. [...] Sei que eu tive até umfracasso ali. Certa ocasião, quando eu lecionava no 4º ano, meus alunos não foram b<strong>em</strong> nosexames realizados pela Prefeitura.” (MENDONÇA, 2007).O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Mendonça (2007) reflete exatamente a visão histórico-crítica <strong>de</strong> quea transmissão pura e simples <strong>de</strong> conteúdos s<strong>em</strong> sentido prático, como costuma ocorrer nasescolas para crianças das classes populares, é ineficaz. O fato é que a cultura clássica recebidapor Hilda na escola normal dominicana e retransmitida na sala <strong>de</strong> aula não atraía os alunos daescola municipal, o que levava à <strong>de</strong>satenção e à indisciplina. Em casos como esse, para ativaro interesse dos educandos, Gasparin (2003) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o ponto <strong>de</strong> partida do processoeducativo <strong>de</strong>ve ser s<strong>em</strong>pre a prática social <strong>de</strong>sses alunos.Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que lecionava, Mendonça (2006) l<strong>em</strong>brou que fez outros cursos:Inglês, Francês e Taquigrafia. Depois <strong>de</strong> cinco anos <strong>de</strong> magistério, cansada da baixa


275r<strong>em</strong>uneração, Hilda abandonou a carreira docente.Eu trabalhava na escola do Círculo Operário, mantido pela prefeitura. [...]Mas como ganhava muito pouco, eu fui chamada para trabalhar noescritório da Drogasil, que mantinha várias filiais <strong>em</strong> Uberaba e cida<strong>de</strong>svizinhas. Fui trabalhar lá, e, naquele t<strong>em</strong>po, eu já sabia taquigrafia,datilografava muito b<strong>em</strong>, tinha uma caligrafia muito bonita; naquele t<strong>em</strong>pose escrevia muito a mão... mas quando fui sair, porque eu ganhava só60.000 réis como professora e na Drogasil eu ia ganhar 200.000, acho,então frei Alberto ficou muito alarmado, porque gostava muito <strong>de</strong> mim e daminha família, e achava que eu ia correr perigo na minha integrida<strong>de</strong> físicacomo mulher... naquele t<strong>em</strong>po, uma mulher que trabalhasse fora domagistério não era b<strong>em</strong> vista... Então, ele escreveu um artigo no jornalchamado ‘A secretária matou a professora’. E foi bom porque, nesse ponto,ele alertava, encarecia aos governantes que r<strong>em</strong>unerass<strong>em</strong> melhor osprofessores, pois tinham uma r<strong>em</strong>uneração tão vil... e as moças <strong>de</strong> boafamília estavam abandonando o magistério para se entregar<strong>em</strong> a profissõesperigosas... e fazia uma história, uma ficção do que aquela moça iaenfrentar, tão nova, trabalhando numa ativida<strong>de</strong> b<strong>em</strong> diferente daquela paraa qual foi preparada (MENDONÇA, 2007).Mesmo tendo <strong>de</strong>sistido do magistério e do matrimônio, além <strong>de</strong> não se ter tornadouma freira, como aconteceu à maioria <strong>de</strong> suas colegas, Hilda Mendonça consi<strong>de</strong>rou que aformação conseguida no curso normal das irmãs dominicanas foi muito importante <strong>em</strong> suavida. Além <strong>de</strong> ter conseguido uma sólida formação clássica e cristã, os saberes adquiridosforam importantes <strong>em</strong> sua vida profissional:Eu sabia escrever muito b<strong>em</strong> e tinha uma bela caligrafia. Então eu era muitorequisitada para trabalhar. E não só como professora, mas <strong>em</strong> <strong>em</strong>presas.Trabalhei no escritório da Drogasil; <strong>de</strong>pois fui trabalhar na coletoria e <strong>de</strong>vomuito ao que eu aprendi lá. Acho que eu aprendi muito mais do que osalunos apren<strong>de</strong>m atualmente, com todas as inovações tecnológicas(MENDONÇA, 2007).A<strong>de</strong>mais, segundo narrou a ex-professora, ela “tinha muita se<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber”(MENDONÇA, 2007), o que a levou a querer apren<strong>de</strong>r cada vez mais. As novas leituras esuas experiências <strong>de</strong> vida ajudaram-na a ressignificar os conteúdos enciclopédicos recebidosna escola normal e tornaram-na uma pessoa <strong>de</strong> elevada cultura erudita. Nesse ponto,l<strong>em</strong>bramos o pensamento <strong>de</strong> Saviani (2005), quando este afirma que o gran<strong>de</strong> mérito daescola tradicional, ao transmitir ao aluno, <strong>de</strong> forma sist<strong>em</strong>ática, o patrimônio cultural dahumanida<strong>de</strong>, é permitir que a incursão no <strong>de</strong>sconhecido seja feita s<strong>em</strong>pre por meio do que já éconhecido. Acreditamos que venha daí a facilida<strong>de</strong> encontrada pela ex-aluna Hilda Mendonça<strong>em</strong> promover a sua própria formação continuada, não só visando ao magistério, mas tambémcomo forma <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar outros campos do conhecimento.As ex-alunas do curso normal do Colégio Nossa Senhora das Dores são reconhecidas,


276<strong>em</strong> Uberaba, como <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> uma cultura erudita muito acima da média observada norestante da população. Algumas <strong>de</strong>las tornaram-se professoras bastante afamadas na cida<strong>de</strong> eregião, <strong>em</strong>bora a gran<strong>de</strong> maioria, como já tratamos, tenha preferido seguir outros rumos quenão o do magistério. Concluímos que, se por um lado, o processo formativo <strong>de</strong>senvolvido nointerior daquela escola normal, no período <strong>de</strong> 1906-1938, teve características marcadamenteconservadoras, voltadas para a manutenção das estruturas sócio-culturais existentes na época,por outro, ao propiciar a diversas moças – muitas das quais bolsistas provenientes dos estratosinferiores da socieda<strong>de</strong> – o acúmulo <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> cabedal <strong>de</strong> conhecimentos, acabouadquirindo características progressistas, já que esse patrimônio cultural trouxe às normalistasa base necessária para continuar promovendo a sua própria formação. Essa foi, a nosso ver,uma das maiores contribuições trazidas à comunida<strong>de</strong> uberabense pelo curso normaldominicano.4.4 A <strong>universida<strong>de</strong></strong> protestante, o espiritismo e a reação católicaJá ressaltamos o fato <strong>de</strong> as chamadas escolas confessionais ser<strong>em</strong> instituiçõesestratégicas a serviço dos setores conservadores e das elites dominantes da socieda<strong>de</strong>. Mas, seas religiões serv<strong>em</strong> aos interesses econômicos, qu<strong>em</strong> são seus senhores? No caso docatolicismo, a ação religiosa serviu, por séculos, à burguesia colonialista ibero-francesa –principalmente – e suas ramificações pelo mundo. Já as religiões protestantes, <strong>de</strong>ntre elas oMetodismo, correspon<strong>de</strong>ram aos interesses das po<strong>de</strong>rosas burguesias anglo-holan<strong>de</strong>sas e,posteriormente, da <strong>em</strong>ergente burguesia norte-americana. Tratar<strong>em</strong>os agora, <strong>em</strong> particular, daação metodista.O Metodismo é um movimento religioso criado na Inglaterra no século XVIII porJohn Wesley, após o rompimento <strong>de</strong>ste com a Igreja Anglicana oficial. Estabelecidainicialmente <strong>em</strong> Bristol, a Igreja Metodista caracterizava-se por seu caráter disciplinado eor<strong>de</strong>iro (daí o seu nome), priorizando a vida cristã e os trabalhos <strong>de</strong> evangelização.Inicialmente, o movimento expandiu-se pelas colônias inglesas, tomando corpo especialmentena América do Norte.A Igreja Metodista, assim como a maioria das religiões protestantes, t<strong>em</strong> uma especialatenção para com a educação escolar. Conforme ressalta Leite (2005, p.195), “[...] o i<strong>de</strong>ário<strong>de</strong> Lutero pretendia a mo<strong>de</strong>rnização da religiosida<strong>de</strong> cristã, mediante um aprofundado nível


277<strong>de</strong> consciência do fiel, perante Deus e sua fé, perante a socieda<strong>de</strong> e suas instituições, e <strong>de</strong> umamaneira especial, perante o Estado”. Assim, a salvação acontece pela leitura, conhecimento einterpretação das Escrituras, da fé pela palavra, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente das obras praticadas. Essainterpretação filosófico-dogmática levou os protestantes a supervalorizar<strong>em</strong> a alfabetização ea criar suas próprias escolas, obtendo, pelo processo <strong>de</strong> escolarização, formas concretas ecorretas do verda<strong>de</strong>iro comportamento cristão (LEITE, 2005).Dessa forma, conforme Antônio Gouvêa Mendonça (apud LEITE, 2005, p.196),[...] o processo <strong>de</strong> conversão religiosa, individual e lento, exigia, para quealguns objetivos foss<strong>em</strong> mais rapidamente atingidos, uma estratégia globalque influenciasse a socieda<strong>de</strong> como um todo. Que mudasse sua fisionomia.A educação, então, constituiu-se num dos importantes níveis da estratégiamissionária.A presença <strong>de</strong> escolas confessionais protestantes no Brasil r<strong>em</strong>onta ao ano <strong>de</strong> 1870,quando foi fundada a Escola Prebisteriana <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> ensino el<strong>em</strong>entar, posteriormentetransformada também <strong>em</strong> escola secundária. Essa escola <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> às atuais Universida<strong>de</strong>sMackenzie (MARCÍLIO, 2001).Já a obra metodista se iniciou no Brasil, segundo Toledo (2001), através da ação dopastor norte-americano Junius Estaham Newman. Após ter servido durante a Guerra daSecessão (1861-1865) como capelão das tropas do Sul, Newman resolveu acompanhar umaleva <strong>de</strong> refugiados confe<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> profissão metodista que <strong>em</strong>igrou para o Brasil. Essesrefugiados se fixaram na região <strong>de</strong> Piracicaba e formaram-se colônias 150 <strong>de</strong> americanos, on<strong>de</strong>o pastor metodista passou a pregar.Em 1879, já residindo na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Piracicaba com a família, suas filhas Annie e Maryfundaram uma escola <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato e externato, <strong>de</strong>nominado Colégio Newman. Emmarço <strong>de</strong>sse mesmo ano, Annie casou-se com outro pastor metodista, J. J. Ransom,recent<strong>em</strong>ente enviado ao Brasil, mas acabou falecendo <strong>em</strong> meados <strong>de</strong> 1880 e a pequenaescola teve suas ativida<strong>de</strong>s paralisadas.Em 1881, novos missionários metodistas – James L. Kennedy, Marta Watts e o casalKoger – chegaram à Piracicaba e assumiram a direção da escola, que passou a chamar-seColégio Piracicabano, o primeiro educandário metodista no Brasil, fundado <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong>set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1881. Esse educandário foi o <strong>em</strong>brião da Universida<strong>de</strong> Metodista <strong>de</strong> Piracicaba– UNIMEP, fundada <strong>em</strong> 1975.No final da década <strong>de</strong> 1880, a implantação da República já era tida como certa no150 Uma <strong>de</strong>ssas colônias <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Americana-SP.


278Brasil, e com ela viria a ocorrer a separação entre o Estado e a Igreja, com o conseqüente fimdo protecionismo católico. Diante <strong>de</strong>sse quadro, o movimento metodista arquitetou suaexpansão no Brasil, tendo <strong>de</strong>cidido criar um colégio e, no futuro, uma <strong>universida<strong>de</strong></strong> <strong>em</strong>território brasileiro. O local escolhido para abrigar a nova instituição <strong>de</strong> ensino foi a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Juiz <strong>de</strong> Fora – MG.Assim, <strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 1889, o jov<strong>em</strong> professor J. M. Lan<strong>de</strong>r foi nomeado, nos EstadosUnidos, o primeiro dirigente da Juiz <strong>de</strong> Fora High School and S<strong>em</strong>inary, a ser fundadanaquela cida<strong>de</strong>. No dia 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1890, com apenas um aluno – Alfred Ferguson –,iniciaram-se informalmente as ativida<strong>de</strong>s acadêmicas, num mo<strong>de</strong>sto sobrado <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora,até que, no dia 8 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro do mesmo ano, as portas do colégio foram abertas oficialmente,quando então recebeu o nome <strong>de</strong> Colégio Americano Granbery (HISTÓRIA, 2006).Conforme l<strong>em</strong>bra Azevedo (1963), a chegada dos metodistas representava o contatoinicial da socieda<strong>de</strong> brasileira, tradicionalmente católica, com o protestantismo, iniciando umprocesso <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto que foi facilitado pela primeira Constituição republicana.No terreno educacional não haviam estabelecido senão os primeiroscontatos n<strong>em</strong> travado senão os primeiros combates as concepções escolares,correspon<strong>de</strong>ntes às duas crenças religiosas e ligadas a duas culturas, jádiferenciadas, a européia e a norte-americana: a pedagogia protestante,progressista e libertadora, que ten<strong>de</strong> antes à <strong>em</strong>ancipação do espírito do quea uma domesticação intelectual, e do ponto <strong>de</strong> vista católico, maisconservador e autoritário [...] (AZEVEDO, 1963, p. 594)Concebido como uma instituição <strong>de</strong> ensino paga, <strong>de</strong>stinada aos filhos das elitesdominantes, o Granbery instituiu, também, a política <strong>de</strong> oferecer bolsas e <strong>de</strong>scontos para umcerto número <strong>de</strong> alunos carentes. Na verda<strong>de</strong>, o principal objetivo dos fundadores doGranbery era transformá-lo na Universida<strong>de</strong> Metodista do Brasil e o primeiro passo para issofoi a criação do curso <strong>de</strong> Teologia, fundado já no ano <strong>de</strong> 1890, com o propósito <strong>de</strong> prepararpastores metodistas para atuar<strong>em</strong> no país.Prosseguindo sua expansão, <strong>em</strong> 1904, o Granbery criou os cursos superiores <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia, orientados segundo as Dental School dos Estados Unidos.Posteriormente, foram criadas as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito (1911) e Pedagogia (1928).Entretanto, no ano <strong>de</strong> 1939, após passar por um período <strong>de</strong> crise, os cursos universitáriosforam extintos por muitos anos, até que, <strong>em</strong> 05/06/1999, foi instalada, <strong>em</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, aFaculda<strong>de</strong> Metodista Granbery, que oferece, atualmente, cinco cursos <strong>de</strong> graduação(HISTÓRIA, 2006).A expansão das chamadas escolas americanas pelo Brasil e por outros países da


279América Latina ocorria ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que os Estados Unidos buscavam novosmercados para absorver sua crescente produção industrial. Junto com as escolas, sutilmente,chegava a propaganda do novo e mo<strong>de</strong>rno capitalismo norte-americano, que prometiarevolucionar os meios <strong>de</strong> produção e elevar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da população.No início do século XX, <strong>em</strong> meio à total <strong>de</strong>sorganização da educação nacional e frenteà incapacida<strong>de</strong> do governo para assumir os custos da expansão do ensino superior e da criação<strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong>s, a experiência das escolas americanas, como o Granbery, chamava a atençãodas elites intelectuais brasileiras. Organizadas segundo o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> currículo das instituiçõesnorte-americanas, essas escolas adotavam métodos pedagógicos mo<strong>de</strong>rnos, montavam ricasbibliotecas e dispunham <strong>de</strong> professores formados <strong>em</strong> faculda<strong>de</strong>s dos Estados Unidos, muitomais do que as <strong>de</strong>mais escolas brasileiras podiam oferecer a seus alunos (MARCÍLIO, 2001).Os planos metodistas <strong>de</strong> expandir sua ação no Brasil esbarravam nos interesses daIgreja Católica e dos setores conservadores da socieda<strong>de</strong>. Nas entrelinhas da disputa pelocontrole da educação escolar, opunham-se mais do que duas orientações religiosas diferentes(católicos e protestantes). Em jogo estavam os interesses das burguesias européia e norteamericana:a primeira tentando manter o controle sobre os meios <strong>de</strong> divulgação i<strong>de</strong>ológica e asegunda procurando implantar as s<strong>em</strong>entes da po<strong>de</strong>rosa máquina publicitária, que, nasdécadas posteriores, iria divulgar, no país, o mo<strong>de</strong>rno american way of life.Já no século XIX, ocorreram os primeiros conflitos entre os dois grupos religiosos. EmUberaba, os missionários metodistas iniciaram suas pregações após a proclamação daRepública, numa época <strong>em</strong> que o catolicismo vivia seu apogeu na cida<strong>de</strong>, com a instalação dobispado e das primeiras instituições <strong>de</strong> ensino católicas. O primeiro culto formalmenteorganizado por pastores metodistas ocorreu no dia 23/08/1896 (APIMU, 1896-1900) e, algunsdias <strong>de</strong>pois, um jornal já noticiava o início dos atritos entre militantes católicos e os pastoresprotestantes.Os ministros protestantes E. Joiner e Becker, cavalheiros distinctos e <strong>de</strong> finaeducação, foram <strong>de</strong>sacatados por um grupo <strong>de</strong> moços <strong>de</strong> caracter hostil quese dirigiram ao logar da pregação evangélica, levantando assuadas contra osmissionários. É pena que tal cousa tenha sido feita por moços, distinctos, sib<strong>em</strong> que creanças quase na maior parte. Os illustres ministros methodistas,estão exercendo um direito proclamado na lettra do nosso pactoconstitucional que consagrou o principio da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, isto é,a mais cara das liberda<strong>de</strong>s (SÃO PAULO E MINAS, 29/10/1896, p. 2).Apesar da hostilida<strong>de</strong> com que eram tratados por parte do grupo religioso heg<strong>em</strong>ônico,os metodistas tinham planos para estabelecer-se <strong>de</strong>finitivamente na cida<strong>de</strong>. Em 1896, no alto


280do Fabrício, junto ao salão <strong>de</strong> pregações, a sra. Eugênia Smith Becker, esposa do pastor JorgeBecker, abriu a primeira escola <strong>de</strong> orientação metodista <strong>de</strong> Uberaba, a qual, pelo que pu<strong>de</strong>moslevantar, funcionou até o último ano do século XIX 151 . A Eschola Evangélica Uberabense eraum externato misto – característica inadmissível nas instituições católicas – e ofereciainstrução primária e secundária. Um jornal local publicou o seguinte anúncio, no qual a escolaoferecia os seus serviços (TRIANGULO MINEIRO, 14/01/1899, p. 4):[...] Ensino primário: Leitura, calligraphia, arithmetica el<strong>em</strong>entar, noções <strong>de</strong>grammatica portugueza, <strong>de</strong> geographia, <strong>de</strong> anatomia, <strong>de</strong> cores, historiasagrada, etc.Ensino secundário: Leitura, calligraphia, geographia, arithmeticaprogressiva, anatomia, historia universal e sagrada, grammatica, <strong>de</strong> canto,noções <strong>de</strong> vida pratica, inglez, all<strong>em</strong>ão, etc.Preços: Ensino primário ................ 5$000 por mezEnsino secundário ............ 6$000 por mezGratis aos pobresNOTA: Acceita-se meninos sò atè a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 18 annos e meninas <strong>de</strong>qualquer.Mrs. Eugenia S. Becker, DirectoraUBERABA – MINASPouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, os metodistas <strong>de</strong> Uberaba organizaram sua primeira igreja nacida<strong>de</strong>, construída <strong>em</strong> 1899, também no bairro do Fabrício, conforme noticiou um jornal:Quinta-feira passada foi lançada a primeira pedra da Egreja Methodista, árua Nova <strong>de</strong> Santa Barbara, no alto do Fabricio. A’s 5 horas da tar<strong>de</strong>, <strong>em</strong>presença <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> senhoras e cavalheiros, começou acer<strong>em</strong>onia tendo o revd. Sr. Jorge Becker, encarregado do culto nestacida<strong>de</strong>, presidido o acto [...] Após as cerimonias religiosas o sr. Fre<strong>de</strong>ricoSchmaltz, tamb<strong>em</strong> methodista, foi encarregado <strong>de</strong> collocar a caixa sob aprimeira pedra, a angular do mesmo t<strong>em</strong>plo. Depois disto o revd. sr. Becker,acompanhado <strong>de</strong> todos os crentes, cantou novo hymno que terminou toda acer<strong>em</strong>onia (GAZETA DE UBERABA, 28/05/1899, p. 1).A Escola Evangélica, antes <strong>de</strong> ser uma iniciativa com objetivos puramente voltadospara a instrução escolar, fazia parte da estratégia <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> novos seguidores. Por seuefeito <strong>de</strong> divulgação i<strong>de</strong>ológica, a escola era, para os metodistas, um compl<strong>em</strong>ento essencialàs pregações religiosas. Um relatório do pastor Jorge Becker, <strong>de</strong>ixa clara a importância daeducação metodista na arregimentação <strong>de</strong> novos crentes:Nós nos estamos esforçando, <strong>de</strong> por todos os meios, diffundir a instrucçãoentre as crianças para po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> por si discernir o b<strong>em</strong> do mal, mormente osfilhos dos crentes. Para esse fim t<strong>em</strong>os aberto uma escola diária, dirigidapor minha senhora, on<strong>de</strong> as crianças não só apren<strong>de</strong>m as cousas profanas,mas tamb<strong>em</strong> as divinas. A maior parte dos alumnos <strong>de</strong>ssa nossa escola são151 A partir <strong>de</strong> 1900, não conseguimos obter novos registros nos jornais locais e nas atas da Igreja Metodista,indicando que a Escola Evangélica Uberabense ainda permanecia <strong>em</strong> funcionamento.


281filhos <strong>de</strong> incrédulos, que por certo vão levar o Evangelho a seus paes.Espero que todos os irmãos e amigos da instrucção nos coadjuv<strong>em</strong> nesseramo <strong>de</strong> propaganda. Respeitosamente submettido. J. L. Becker, pastor(APIMU, 1896-1900).Nos anos seguintes, dispostos a enfrentar o po<strong>de</strong>roso grupo católico, os metodistasvislumbraram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir uma base mais sólida na próspera região <strong>de</strong>Uberaba, preferencialmente através da instalação <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> maior porte, organizadanos mol<strong>de</strong>s dos colégios <strong>de</strong> Piracicaba e <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora. Na verda<strong>de</strong>, houve duas tentativasbastante concretas para fundar, na cida<strong>de</strong>, uma instituição <strong>de</strong> ensino metodista ligada aoGranbery <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora: a primeira ocorreu ainda no ano <strong>de</strong> 1909 e a segunda na década <strong>de</strong>1920, como ver<strong>em</strong>os a seguir.Segundo uma pequena nota biográfica contida <strong>em</strong> Pontes (1970), a primeira iniciativa<strong>de</strong>veu-se ao <strong>em</strong>penho do cidadão Hil<strong>de</strong>brando Pontes. No ano <strong>de</strong> 1908, Pontes, engenheiroagrônomo formado pelo extinto Instituto Zootécnico, intelectual muito ativo e inconformadocom a ausência <strong>de</strong> cursos superiores <strong>em</strong> Uberaba <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1898, resolveu contatar a direção doInstituto Granbery. Seu <strong>de</strong>sejo era que fosse fundada, <strong>em</strong> Uberaba, uma <strong>universida<strong>de</strong></strong>protestante, ligada à instituição <strong>de</strong> ensino metodista <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora. Embora <strong>de</strong> formaçãocatólica, Pontes consi<strong>de</strong>rava que todas as religiões eram boas e <strong>de</strong>viam ser tratadas s<strong>em</strong>preconceitos ou radicalismos.Em resposta ao pedido <strong>de</strong> Pontes, no dia 11/01/1909, chegavam à estação ferroviária<strong>de</strong> Uberaba, no tr<strong>em</strong> proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Ribeirão Preto, os senhores J. W. Tarboux e Prof. Bruce,diretores do Granbery <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, e o Dr. Carlos Shal<strong>de</strong>rs, professor da EscolaPolytecnhica <strong>de</strong> São Paulo. Segundo noticiou, na época, o jornal Lavoura e Comércio, “Ossrs. Tarboux e Bruce vêm ver se po<strong>de</strong>m installar aqui uma casa <strong>de</strong> ensino primário,secundario e superior, mais ou menos nas condições do Granbery” (LAVOURA ECOMÉRCIO, 10/01/1909, p. 1).Confirmando o nome daqueles que teriam sido os responsáveis pela vinda dosdiretores do Granbery, o mesmo jornal cita que os visitantes “foram recebidos na estação pordiversas pessoas gradas, entre as quais os srs. Drs. J. R. <strong>de</strong> Sá Carvalho e Hil<strong>de</strong>brando Pontes,que tiveram a iniciativa do utilíssimo <strong>em</strong>prehendimento que trouxe a Uberaba tão illustreshospe<strong>de</strong>s [...]” (LAVOURA E COMÉRCIO, 14/01/1909, p. 2). A reportag<strong>em</strong> prossegueinformando que os diretores do Granbery, guiados por Pontes e Carvalho, percorreram osprincipais pontos da cida<strong>de</strong>, tendo boa impressão do movimento comercial e da simpatia comque eram acolhidos pela população. Em seguida, o jornal afirma: “O projecto do sr. dr.


282Tarboux é fundar logo no principio uma escola agrícola e um gymnasio, dotandoopportunamente a cida<strong>de</strong> com outros estabelecimentos, como escola <strong>de</strong> pharmacia, <strong>de</strong>commercio, <strong>de</strong> odontologia, etc.” (Ibid).Figura 4.10 – Mr. TarbouxFonte: Azevedo (1963)No dia 26 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1909, buscando meios para viabilizar a vinda do Granbery, aCâmara Municipal reuniu-se <strong>em</strong> sessão extraordinária e aprovou, por unanimida<strong>de</strong>, umaindicação que foi transformada no Projeto <strong>de</strong> Lei nº 30 (FERREIRA, 1928), o qualtranscrev<strong>em</strong>os integralmente a seguir.Fica o agente executivo autorisado a propor ao sr. dr. John WilliamTarboux, director do Gymnasio ‘O Granbery’, <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fóra, a fundação,nesta cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma Escola Pratica <strong>de</strong> Agricultura e um gymnasioequiparado ao Gymnasio Nacional, mediante as seguintes condições;Primeira – A municipalida<strong>de</strong> fornecerá <strong>de</strong>ntro do patrimonio municipalos terrenos necessarios para a Escola Pratica <strong>de</strong> Agricultura e <strong>de</strong>ntro da areaurbana os terrenos necessários para a edificação do Gymnasio e caso queirafundar uma Universida<strong>de</strong> os terrenos que também for<strong>em</strong> necessários;Segunda – A municipalida<strong>de</strong> garante a subvenção annual equivalente a7% do capital effectivamente <strong>em</strong>pregado na construcção dos edifícios para aEscola Agrícola e Gymnasio até a quantia <strong>de</strong> 300.000$000, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umprazo que começará a correr da data da inauguração do primeiroestabelecimento e terminará precisamente 10 annos <strong>de</strong>pois;


283Terceira – Dentro do prazo da subvenção, a municipalida<strong>de</strong> terá direitoá admissão gratuita <strong>de</strong> alumnos no internato e externato dosestabelecimentos referidos, calculada sobre a freqüência, sendo a razão <strong>de</strong>3% para o internato e 5% para o externato;Quarta – Para gosar da subvenção o concessionário justificará perante oagente executivo as <strong>de</strong>spesas effecutadas com a construcção dos edifícios daEscola <strong>de</strong> Agricultura e Gymnasio;Quinta – Os estabelecimentos gosarão da isenção dos impostosmunicipaes (LAVOURA E COMÉRCIO, 28/01/1909, p.1).A notícia <strong>de</strong> que a Câmara Municipal estava negociando com a instituição metodistaespalhou-se pela cida<strong>de</strong> e causou reações diversas. Se<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma diocese há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos,Uberaba passava por um período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência da Igreja católica. O bispo local, D.Eduardo, era uma autorida<strong>de</strong> respeitada na comunida<strong>de</strong>. Os Irmãos Maristas estavamestabelecidos na cida<strong>de</strong>, à frente do conceituado Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong>Jesus, e as Irmãs Dominicanas chefiavam a principal escola f<strong>em</strong>inina da cida<strong>de</strong>. Dessa forma,a possibilida<strong>de</strong> da vinda <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino protestante caiu como um raio sobre oscírculos católicos, que, <strong>de</strong> imediato, iniciaram forte reação.Religião heg<strong>em</strong>ônica <strong>em</strong> todo o Brasil, com exceção <strong>de</strong> algumas áreas <strong>de</strong> colonizaçãogermânica do sul do país, o catolicismo procurou, por muitos anos, manter o controlei<strong>de</strong>ológico e intelectual sobre a população, preservando os privilégios conquistados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> operíodo colonial – graças ao pacto com a burguesia <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> portuguesa. Para isso, garantiao acesso dos filhos das elites às escolas confessionais católicas, dando-lhes a formaçãonecessária para o exercício do po<strong>de</strong>r. Esses futuros governantes se tornariam, segundoGramsci (1982), intelectuais orgânicos ligados à Igreja Católica e às classes heg<strong>em</strong>ônicas,encarregados <strong>de</strong> perpetuar as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.Nessa perspectiva, a instalação <strong>de</strong> uma escola americana <strong>de</strong> nível secundário – com apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir a transformar-se numa escola superior e mesmo <strong>em</strong> uma <strong>universida<strong>de</strong></strong> –iniciaria a formação <strong>de</strong> intelectuais orgânicos não vinculados à Igreja Católica, isto é, <strong>de</strong>futuros opositores às elites conservadoras locais. Diante <strong>de</strong>sse quadro totalmente in<strong>de</strong>sejávelpara o clero, a reação era iminente.Os dois maiores jornais da cida<strong>de</strong>, o Lavoura e Comércio e a Gazeta <strong>de</strong> Uberaba,<strong>de</strong>cidiram apoiar os metodistas e o governo municipal. S<strong>em</strong> po<strong>de</strong>r contar com o auxílio <strong>de</strong>ssesperiódicos, a resposta católica foi dada imediatamente pelos jornais ligados à Igreja romana –O Paladino 152 , Correio Católico 153 e Mensageiro <strong>de</strong> São José 154 –, que publicaram ardorosos152 Fundado <strong>em</strong> 09/07/1883153 Fundado <strong>em</strong> 10/10/1897


284protestos contra a instalação da instituição metodista. Essa reação é assim <strong>de</strong>scrita pelo IrmãoAdorátor 155 , que, naquela época, era o lí<strong>de</strong>r máximo dos maristas <strong>em</strong> Uberaba e no Brasil:[...] um grupo <strong>de</strong> metodistas, que já têm escolas importantes <strong>em</strong> Juiz <strong>de</strong>Fora e Barbacena, chegou a Uberaba com a intenção <strong>de</strong> abrir um ginásio.Nas conversas com a municipalida<strong>de</strong>, eles expõ<strong>em</strong> os seus planos, faz<strong>em</strong>ressaltar as vantagens que a cida<strong>de</strong> terá com o seu ginásio e com a escola <strong>de</strong>farmácia. [...] Oferec<strong>em</strong>-se maravilhas aos fundadores do ginásioprotestante. A municipalida<strong>de</strong>, atolada <strong>em</strong> dívidas, quer disponibilizar-lhestrezentos contos, s<strong>em</strong> juros, com isenção <strong>de</strong> impostos, local, etc. Os padresdominicanos, sabedores do que estava acontecendo e se tramava na sombra,abriram campanha acirrada contra essa maquinação oculta dos protestantese da municipalida<strong>de</strong>. Dois jornais os acompanharam nessa obra <strong>de</strong>preservação (ADORÁTOR, 2005, p. 456).Figura 4.11 – Irmão Adorátor e Zacharias <strong>de</strong> Oliveira Borges (Borgico)Fonte: Arquivo do Colégio Marista DiocesanoA <strong>de</strong>fesa dos interesses católicos era feita principalmente através dos artigosjornalísticos, publicados nos jornais católicos, escritos pelo jov<strong>em</strong> Zacharias <strong>de</strong> Oliveira154 Fundado <strong>em</strong> 05/1898155 Diversas m<strong>em</strong>órias escritas pelo irmão Adorátor, narrando os principais episódios da trajetória dos irmãosmaristas no Brasil, foram coligidas na forma <strong>de</strong> um livro publicado no ano <strong>de</strong> 1917, <strong>em</strong> com<strong>em</strong>oração aos 20anos daquela or<strong>de</strong>m religiosa no país. Inicialmente editado <strong>em</strong> francês, o livro foi, recent<strong>em</strong>ente, traduzido parao português (ADORÁTOR, 2005) e publicado no Brasil.


285Borges 156(conhecido como Borgico e filho do Cel. Zacharias Borges <strong>de</strong> Araújo),recent<strong>em</strong>ente formado no Ginásio Diocesano. Mesmo com a saú<strong>de</strong> seriamente abalada pelatuberculose, Borgico escrevia enérgicos e <strong>em</strong>ocionados artigos, nos quais <strong>de</strong>fendia a fécatólica e con<strong>de</strong>nava a instalação <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> instituição protestante <strong>em</strong> Uberaba(ADORÁTOR, 2005).Para angariar aliados, a mobilização organizada pelo clero católico contra osmetodistas fez uso, principalmente, <strong>de</strong> um expediente bastante comum nos <strong>em</strong>batesi<strong>de</strong>ológicos, o qual Heller (1985) classifica como preconceito, que é o <strong>de</strong>sprezo pelo outro, aantipatia pelo diferente, fenômeno típico da era burguesa. Nesse tipo <strong>de</strong> movimento, mesmojovens i<strong>de</strong>alistas e b<strong>em</strong> intencionados como Borgico são facilmente arregimentados e ag<strong>em</strong> nadireção dos interesses das elites dominantes.A maioria dos preconceitos, <strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> todos, são produtos das classesdominantes [...] O fundamento <strong>de</strong>ssa situação é evi<strong>de</strong>nte: as classesdominantes <strong>de</strong>sejam manter a coesão <strong>de</strong> uma estrutura social que lhesbeneficia e mobilizar <strong>em</strong> seu favor inclusive os homens que representaminteresses diversos (e até mesmo, <strong>em</strong> alguns casos, as classes e camadasantagônicas). (HELLER, 1985, p.54)Procurando difundir entre a população o perigo representado pela chegada dosdiferentes, as li<strong>de</strong>ranças católicas acirraram suas críticas contra o Granbery. Em meio à guerrana imprensa, o principal jornal católico <strong>de</strong> Uberaba, o Correio Católico, divulgou uma<strong>de</strong>claração dada, segundo o periódico, por uma pessoa fi<strong>de</strong>digna, sobre a falta <strong>de</strong> disciplinanas escolas protestantes, da intolerância religiosa metodista, etc., procurando abalar areputação do estabelecimento <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora. O jornal católico alertava, também,para “graves perspectivas <strong>de</strong> discordias e lutas religiosas” (1909 apud LAVOURA ECOMÉRCIO, 21/02/1909, p. 1), no caso <strong>de</strong> confirmada a vinda da instituição metodista. Acampanha católica prolongou-se por vários dias, e foi duramente criticada por outros órgãos<strong>de</strong> imprensa, <strong>de</strong> Uberaba e <strong>de</strong> Franca, que se colocaram <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa do Granbery.O Lavoura e Comércio, através <strong>de</strong> duas matérias intituladas Campanha Inglória,publicadas nos dias 11/02/1909 e 14/02/1909, <strong>de</strong>nunciou a ação católica, classificando-acomo um combate extr<strong>em</strong>amente prejudicial ao progresso da cida<strong>de</strong> e aos interesses doscidadãos.E que combate! O fogo sagrado que o alimenta é o interesse pecuniário que156 Em 19/05/1909, por recomendação médica, Borgico viajou, <strong>em</strong> companhia da mãe e do irmão, Dr. LauroBorges, também doente, para submeter-se a longo tratamento médico na Suíça. Acabou falecendo num sanatóriodaquele país <strong>em</strong> 22/08/1914; o mesmo aconteceu a seu irmão.


286se receia ver ferido e os sentimentos que o inspiram são os sentimentos <strong>de</strong>odio e <strong>de</strong> intolerancia. As armas são tão pequeninas e infames que causamindignação. Um combate inglorio como se vê. Inglorio e indigno.(LAVOURA E COMÉRCIO, 11/02/1909, p.1)A reação católica chamou a atenção dos redatores do jornal Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Franca, quepublicou, <strong>em</strong> edição <strong>de</strong> 11/02/1909, um artigo sobre o t<strong>em</strong>a. O autor do artigo, A. V., relataque, tendo recebido e lido o jornal Correio Católico nº 657, <strong>de</strong> 7/02/1909, chamou-lhe aatenção a forma com que o velho s<strong>em</strong>anário da religião católica romana se utilizou da suposta<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> um anônimo para criticar uma instituição <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> reputação ilibada, nãoassumindo sua responsabilida<strong>de</strong> sobre a matéria publicada. “Deixou-a pesar inteiramentesobre os hombros <strong>de</strong> uma pessoa fi<strong>de</strong>digna, um ente idéal, abstracto, cujo nome não <strong>de</strong>staca.”(1909 apud LAVOURA E COMÉRCIO, 14/02/1909, p. 1). O articulista francano continuasua crítica, afirmando que as afirmações malévolas contidas no periódico católico tinham apretensão <strong>de</strong> “<strong>de</strong>rrocar aquillo cuja base, solida, está chumbada á rocha perpetua da reputaçãocomprovada.” (ibid). A seu ver, é até compreensível que o Correio Católico assumisse o seupapel <strong>de</strong> propagandista e <strong>de</strong>fensor do Catolicismo.Mas, atacar disfarçadamente, s<strong>em</strong> responsabilida<strong>de</strong>, um acreditadoestabelecimento <strong>de</strong> ensino que tanto honra o nosso paiz, com as suasEscolas <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia, é cousa que, na verda<strong>de</strong>,<strong>de</strong>monstrando espirito <strong>de</strong> inveja, não lhe fica muito b<strong>em</strong>. Será <strong>de</strong>snecessáriodizer que as informações enviadas ao Correio por uma pessoa fi<strong>de</strong>dignacarec<strong>em</strong> <strong>de</strong> fundamento e <strong>de</strong> criterio. (ibid)O confronto entre católicos e os <strong>de</strong>fensores do Granbery tomou proporções tais que,por pouco, não se transformou <strong>em</strong> uma verda<strong>de</strong>ira guerra religiosa. O lí<strong>de</strong>r marista, IrmãoAdorátor, <strong>em</strong> seu relato dos fatos ocorridos naquele episódio, narra como o conflito chegoupróximo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scambar para um confronto armado entre os alunos do Ginásio Diocesano –que, naquela época, recebiam instrução militar <strong>de</strong>ntro do próprio estabelecimento <strong>de</strong> ensino –e seus oponentes. Diz o religioso marista:Dois jornais, Gazeta e Lavoura e Comércio, voltavam-se para osmetodistas. Descendo cada vez mais, no <strong>de</strong>correr do ano, chegaram apublicar blasfêmias. Atacavam a religião e os religiosos com impudência<strong>de</strong>saçaimada. Foi nesse ponto que os alunos do nosso Ginásio, com oconsentimento tácito do Diretor, aproveitaram um dia <strong>de</strong> saída: <strong>em</strong> grupoimponente, foram vaiar a Gazeta, assobiar e provocar o redator. Essa atitu<strong>de</strong>dos alunos, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os professores, certamente tinha admiradores;mas o partido do mal é s<strong>em</strong>pre mais forte. Foi questão <strong>de</strong> organizar umacontramanifestação. Felizmente não se chegou a nada. Os alunos estavamarmados, muito entendidos nas manobras com armas e munições <strong>em</strong>quantida<strong>de</strong>, com um oficial <strong>de</strong> valor para comandá-los. Não era necessáriotudo isso para resfriar o zelo dos inimigos do Ginásio. No Ginásio


287funcionava o Tiro <strong>de</strong> Guerra (ADORÁTOR, 2005, p. 457).Percebe-se, na fala cheia <strong>de</strong> orgulho do Irmão Adorátor, que a ação dos alunos doGinásio Diocesano recebeu total apoio da direção da escola, que, inclusive, os enviouarmados e acompanhados por um oficial para provocar os partidários da escola metodista. Naverda<strong>de</strong>, sob o olhar daqueles religiosos católicos, ocorria, <strong>em</strong> Uberaba, uma disputa entrerepresentantes do b<strong>em</strong> e do mal, o que legitimaria os eventuais atos <strong>de</strong> violência que viess<strong>em</strong>a ser praticados contra os infiéis. Essa visão maniqueísta é b<strong>em</strong> visível <strong>em</strong> outro ponto danarrativa do Irmão Adorátor:A luta entre bons e maus jornais da localida<strong>de</strong> chega ao ponto agudo. A‘Gazeta’ publica blasfêmias contra a Santíssima Virg<strong>em</strong>. É necessário fazerreparação solene. O padre Lacomme impele o bispo nessa via. Determina-seque uma cerimônia especial <strong>de</strong> reparação se realize na igreja <strong>de</strong> SãoDomingos. Bispo, clero e ginásio se organizam <strong>em</strong> procissão para ir dacatedral à igreja do Rosário. A espaçosa e bela igreja dos dominicanos estárepleta. Dom Eduardo, com voz solene, mas dolorosa, faz sermão patético,arrebatador. [...] O bispo repassa as diversas verda<strong>de</strong>s da religião. Provocaadmiráveis atos <strong>de</strong> fé, <strong>em</strong> todas as verda<strong>de</strong>s do Credo, na ass<strong>em</strong>bléiacomovida. Era lindo espetáculo. Muitos olhos marejaram-se. O bispo, aseguir, lê o ato <strong>de</strong> reparação. A cerimônia termina com vibrante canto <strong>de</strong>circunstância. Dois escritores culpados assistiam por bravata a essacomovente cerimônia. É provável que os magníficos atos <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> amorque a sua impieda<strong>de</strong> provocara os <strong>de</strong>ixaram com r<strong>em</strong>orsos (ADORÁTOR,2005, p. 457).Apesar dos protestos da comunida<strong>de</strong> católica, a proposta da Câmara Municipal <strong>de</strong>Uberaba foi entregue ao Sr. Tarboux, que, <strong>em</strong> resposta, encaminhou uma carta ao Dr. PhilippeAché 157 , dizendo-se satisfeito com a proposta do governo local e noticiando a r<strong>em</strong>essa, paraos Estados Unidos, da tradução da proposta, a fim <strong>de</strong> que a diretoria da congregaçãoaprovasse o <strong>em</strong>preendimento (LAVOURA E COMÉRCIO, 21/02/1909).A posição favorável <strong>de</strong> J. W. Tarboux parecia indicar que o Granbery iria, realmente,instalar uma unida<strong>de</strong> <strong>em</strong> Uberaba, o que foi festejado pelo autor <strong>de</strong> um artigo publicado nojornal Lavoura e Comércio <strong>de</strong> 21/02/1909. Por outro lado, o mesmo articulista voltou acon<strong>de</strong>nar a campanha movida pelos católicos e l<strong>em</strong>brou que o governo brasileiro, por força <strong>de</strong>um pacto que já completava 24 anos, não reconhecia a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhuma crençareligiosa. Sugeria que, quando a instalação da escola protestante se tornasse uma realida<strong>de</strong>,bastaria que os católicos que se consi<strong>de</strong>rass<strong>em</strong> incomodados não matriculass<strong>em</strong> os filhos na157Francês <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, Philippe Aché foi, nos períodos janeiro/1908 a abril/1908 e fevereiro/1909 aset<strong>em</strong>bro/1911, agente executivo da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba. Depois, mudou-se para Ribeirão Preto efundou uma indústria farmacêutica que foi o <strong>em</strong>brião dos conhecidos Laboratórios Aché.


288instituição, já que havia, na cida<strong>de</strong>, escolas confessionais católicas. E, por fim, fazia umúltimo apelo aos radicais católicos:Mas, pelo amor <strong>de</strong> Deus que adoram, não venham <strong>de</strong>negrir umestabelecimento <strong>de</strong> que Uberaba só aguarda, confiante, resultados frutuosos.Não consentimos nesse acto <strong>de</strong> intolerância, nesse <strong>de</strong>sserviço a Uberaba,s<strong>em</strong> o nosso franco e veh<strong>em</strong>ente protesto. (LAVOURA E COMÉRCIO,21/02/1909, p. 1)Entretanto, apesar <strong>de</strong> ter sido formalmente apresentada à direção do Granbery, aproposta contida no Projeto <strong>de</strong> Lei nº 30 acabou não se transformando <strong>em</strong> lei. SegundoFERREIRA (1928), a influência do clero local, que não <strong>de</strong>sejava uma escola protestanteconcorrendo com as instituições católicas do município, foi fundamental na retirada doprojeto. Para conseguir esse intento, a Igreja recorreu à ajuda do coronel Raymundo Soares <strong>de</strong>Azevedo, católico fervoroso, pertencente à Or<strong>de</strong>m Terceira do Rosário e pessoa influente dopartido político dominante na Câmara, o P.R.M. D<strong>em</strong>ocrata. Azevedo exigiu doscompanheiros <strong>de</strong> partido que o projeto fosse vetado; caso contrário, retirar-se-ia do partido earrastaria gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> eleitores sob sua influência. A or<strong>de</strong>m dada pelo coronel foiacatada e os vereadores votaram, <strong>em</strong> sua maioria, contra a aprovação do projeto, que acabou<strong>de</strong>rrubado na Câmara Municipal, o que inviabilizou, pela primeira vez, a Universida<strong>de</strong>Protestante.Com a <strong>de</strong>rrota dos metodistas, a década <strong>de</strong> 1910 assistiu a forte consolidação daheg<strong>em</strong>onia católica <strong>em</strong> Uberaba, a qual podia ser sentida <strong>em</strong> vários setores da socieda<strong>de</strong>. Asinstituições <strong>de</strong> ensino confessionais católicas consolidaram-se como as mais importantes dacida<strong>de</strong>, alinhando seus currículos e propostas pedagógicas aos interesses das elites locais. Emcontrapartida, a Igreja Católica recebia o amparo da burguesia local para seus projetos sociaise para a reforma e construção <strong>de</strong> t<strong>em</strong>plos, do s<strong>em</strong>inário e da residência episcopal.Em 24 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1915, foi fundado, na cida<strong>de</strong>, o Circulo Catholico, que, aprincípio, po<strong>de</strong> ser visto como uma associação <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> recreativa e cultural, mas que,sob um olhar crítico, revela-se uma das mais radicais barricadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos interessesconservadores já existentes <strong>em</strong> Uberaba. Era presidido por um leigo, o médico João TeixeiraÁlvares, fervoroso a<strong>de</strong>pto da religião católica e <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> uma biografia singular: hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> cultura erudita, ex-m<strong>em</strong>bro do antigo Partido Monarquista local 158 , articulista dosjornais Lavoura e Comércio e Correio Católico, cirurgião marcado por sucessos e errosmédicos, m<strong>em</strong>bro da Aca<strong>de</strong>mia Nacional <strong>de</strong> Medicina, fundador da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina e158 Foi um dos m<strong>em</strong>bros do diretório que tentou reorganizar o partido <strong>em</strong> Uberaba, no ano <strong>de</strong> 1900.


289Cirurgia <strong>de</strong> Uberaba 159 e dono <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>peramento int<strong>em</strong>pestivo – que o envolvera <strong>em</strong>crimes violentos (RICCIOPPO, 2003).A intolerância católica <strong>em</strong> Uberaba não se restringia ao ataque às instituiçõesprotestantes que tentavam estabelecer-se na cida<strong>de</strong>. Na segunda década do século XX, foidirigida principalmente à comunida<strong>de</strong> espírita. Naquela época, crescia, na região, a influênciado Espiritismo, doutrina <strong>de</strong> caráter religioso criada pelo francês Allan Kar<strong>de</strong>c no século XIX epresente <strong>em</strong> Uberaba e região <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as últimas décadas do século XIX. Um dos introdutoresda doutrina na região foi o espanhol Fre<strong>de</strong>rico Peiró, proprietário <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>presa extratora <strong>de</strong>calcário, no local on<strong>de</strong> é hoje o povoado <strong>de</strong> Peirópolis, no município <strong>de</strong> Uberaba. Embora oscentros espíritas tenham funcionado clan<strong>de</strong>stinamente 160 na cida<strong>de</strong> até 1919 (RICCIOPPO,2003), já no início do século XX possuíam um expressivo número <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros, comopo<strong>de</strong>mos observar na seguinte matéria <strong>de</strong> jornal:No dia 28 do mez expirante crescido numero <strong>de</strong> pessoas, senhoras ehomens, representantes dos oito grupos spiritas <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, transportou-seá estação <strong>de</strong> Paineiras, a convite do sr. Fre<strong>de</strong>rico Peiró, afim <strong>de</strong>, reunidosaos poucos m<strong>em</strong>bros do grupo campezino que funciona no local da caieirado mesmo sr. Fre<strong>de</strong>rico Peiró, celebrar<strong>em</strong> sessão sol<strong>em</strong>ne <strong>em</strong>comm<strong>em</strong>oração do anniversario natalício <strong>de</strong> Santo Agostinho, directorespiritual daquelle grupo. Do nascente e prospero grupo spirita Fé eCarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Maria, entre Engenheiro Lisboa e Conquista, vieramtambém muitos médiuns <strong>de</strong> incorporação e um vi<strong>de</strong>nte (LAVOURA ECOMÉRCIO, 31/08/1902, p. 2).A princípio pouco representativa na região, a a<strong>de</strong>são ao Espiritismo aumentava,graças, principalmente, à influência <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo (1880-1918), médium resi<strong>de</strong>ntena vizinha cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sacramento e fundador do Collegio Allan Kar<strong>de</strong>c (01/04/1907), aprimeira instituição <strong>de</strong> ensino da região a adotar uma orientação abertamente espírita,inclusive com o estudo dos fundamentos da doutrina. A popularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barsanulfo crescia,<strong>em</strong>balada pela divulgação do grandioso trabalho educacional e assistencial organizado porele, e pelas notícias <strong>de</strong> curas consi<strong>de</strong>radas milagrosas, realizadas na Pharmacia EspiritaEsperança e Carida<strong>de</strong>, mantida s<strong>em</strong> fins lucrativos pelo médium, <strong>em</strong> Sacramento(NOVELINO, 1991).Beneficiado pelo prestígio do médium sacramentano, o Espiritismo começou aarrebanhar consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> seguidores, anteriormente <strong>de</strong> fé católica, o que provocou aira da Igreja Católica e <strong>de</strong> seu fiel escu<strong>de</strong>iro, João Teixeira Álvares. Nos anos <strong>de</strong> 1914 e 1917,159 Ocorrida no ano <strong>de</strong> 1927.160 O Espiritismo e seus a<strong>de</strong>ptos foram, por muitos anos, perseguidos e ameaçados pelo Código Penal brasileiro,que consi<strong>de</strong>rava as práticas realizadas nos centros espíritas simples charlatanismos.


290Álvares publicou, no jornal Lavoura e Comércio, um conjunto <strong>de</strong> artigos que, mais tar<strong>de</strong>,dariam orig<strong>em</strong> ao livro intitulado Seita Maldita, nos quais atacava o Espiritismo e seuslí<strong>de</strong>res, especialmente Eurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo, e exigia das autorida<strong>de</strong>s legais o fechamento doColégio Allan Kar<strong>de</strong>c. Em um dos trechos do livro, Álvares (1917) rel<strong>em</strong>bra a ilegalida<strong>de</strong> dadoutrina espírita e provoca:Como se compreen<strong>de</strong> então que nesta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, a policia permitaque os espiritistas levant<strong>em</strong> um t<strong>em</strong>plo? Como se compreen<strong>de</strong> que oGoverno do Estado, no mais incrível dos <strong>de</strong>scuidos, consista que na cida<strong>de</strong><strong>de</strong> Sacramento o Sr. Eurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo mantenha na vizinha cida<strong>de</strong> umaclinica e um colégio espírita, a famosa escola Allan Kar<strong>de</strong>c? (apudRICCIOPPO, 2003, p. 24)No mesmo ano, o Círculo Católico resolveu mover um Processo Criminal contraEurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo, baseando-se nos Arts. 156 e 157 do Código Penal, e acusando-o, <strong>de</strong>ntreoutras coisas, do exercício ilegal da medicina e da prática farmacêutica, além <strong>de</strong> manter umaescola irregular. Entretanto, os ataques do Círculo Católico uberabense tiveram o efeito <strong>de</strong>aglutinar forças <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa do médium <strong>de</strong> Sacramento. Em Uberaba, po<strong>de</strong>m ser citados osjornalistas Alceu <strong>de</strong> Souza Novais, Robespierre <strong>de</strong> Melo, Lafayete <strong>de</strong> Mello, João Mo<strong>de</strong>stodos Santos e Orlando Ferreira, que se voltaram para a proteção <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo e <strong>de</strong>sua escola (NOVELINO, 1991).No dia 21/10/1917, o Jornal do Triângulo, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Sr. João Mo<strong>de</strong>sto dosSantos, publicou um protesto que ocupava toda uma página, intitulado O Espiritismo e aJustiça. O manifesto, assinado por centenas <strong>de</strong> moradores das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Uberaba,Sacramento, Conquista, Rifaina, Monte Santo e Santa Rita <strong>de</strong> Cássia, era en<strong>de</strong>reçado aoPresi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais e ao Juiz <strong>de</strong> Direito da Comarca <strong>de</strong> Uberaba, e pedia ofim do processo movido pelo Círculo Católico. Ressaltava o caráter meramente filantrópicodas ações <strong>de</strong> Barsanulfo e as gran<strong>de</strong>s contribuições do Colégio Allan Kar<strong>de</strong>c à comunida<strong>de</strong>sacramentana. L<strong>em</strong>brava que o colégio era totalmente gratuito e que nele estudavam crianças<strong>de</strong> diferentes credos, inclusive católicos, o que reafirmava a sua tolerância religiosa.Argumentava, também, que a escola era regularmente visitada por inspetores <strong>de</strong> ensino, quenão encontravam nela quaisquer irregularida<strong>de</strong>s.Para confirmar esse fato, no dia 29/10/1917, o Centro Espírita <strong>de</strong> Uberaba divulgou,no mesmo jornal, uma cópia do Termo <strong>de</strong> Visita do inspetor regional <strong>de</strong> ensino, Ernesto <strong>de</strong>Mello Brandão, datado <strong>em</strong> 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1913, no qual ele afirma que, durante visitapromovida ao Colégio Allan Kar<strong>de</strong>c, encontrou estudando 94 alunos, dos 113 matriculados.O inspetor continua seu relato:


291Acompanhei os trabalhos escolares e pu<strong>de</strong> verificar que o methodo <strong>de</strong>ensino adoptado é racional e que os alumnos vão assimilando b<strong>em</strong> todas asmatérias leccionadas neste collegio, que se impõe no conceito publico <strong>de</strong>stacida<strong>de</strong>, não só pela sua bôa disciplina, mas também pela <strong>de</strong>dicação<strong>de</strong>sinteressada do seu director e seus dignos auxiliares, aos quaes <strong>de</strong>ixoconsignados nestas linhas os meus applausos pelos bons resultados que vãocolhendo, e meus agra<strong>de</strong>cimentos pelo modo gentil com que me receberamno seu estabelecimento <strong>de</strong> ensino. (JORNAL DO TRIANGULO,29/10/1917, p. 4)A luta entre católicos e espíritas ganhava proporções cada vez maiores e abarcavadiversos aliados para ambos os lados. Em nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1917, <strong>em</strong> resposta a uma provocaçãofeita pelo Jornal do Triângulo, que <strong>de</strong>fendia o médium Eurípe<strong>de</strong>s Barsanulfo, o bispo DomEduardo conclamou a população católica <strong>de</strong> Uberaba para participar <strong>de</strong> uma procissão <strong>de</strong><strong>de</strong>sagravo a Nosso Senhor Jesus Cristo Sacramentado. No dia 11/11/1917, aconteceu aprocissão, assim <strong>de</strong>scrita por João Teixeira Álvares:A cerimônia teve logar domingo passado, consistindo na trasladação doSantíssimo Sacramento, da cathedral para a Matriz, on<strong>de</strong> permaneceuexposto, toda a noite, á adoração dos fieis. [...] Todas as associaçõescatholicas <strong>de</strong> Uberaba, s<strong>em</strong> excepção <strong>de</strong> uma só, accudiram pressurosas aochamado do Pastor amado; no préstito se viam: as exmas. IrmãsDominicanas, com o seu conceituado collegio <strong>de</strong> meninas, vestidas <strong>de</strong>branco, parecendo um enxame <strong>de</strong> borboletas côr <strong>de</strong> neve; o lindo Grupo dasRosaritas, da Obras dos Tabernaculos, etc. [...] Os revdmos Irmãos Maristasse apresentaram com os seus numerosos alumnos, luzida pleia<strong>de</strong> <strong>de</strong> moços<strong>de</strong>stinados a ser<strong>em</strong> os super-homens do futuro. O Circulo Catholico <strong>de</strong>Uberaba ostentou, sob o pendão auri-ver<strong>de</strong>, mais <strong>de</strong> 60 cidadãos da nossaelite social: medicos, pharmaceuticos, capitalistas, commerciantes,fazen<strong>de</strong>iros, industriaes, etc. (1917 apud LAVOURA E COMÉRCIO,18/11/1917, p. 2).Na <strong>de</strong>scrição feita por Álvares (1917), fica nítida a aliança existente entre a IgrejaCatólica (e os colégios mantidos por ela) e as elites econômicas locais, representadas, segundoa mesma fonte, por médicos, farmacêuticos, capitalistas, comerciantes, fazen<strong>de</strong>iros,industriais, etc. Essa opção pelos ricos, <strong>em</strong>bora contraditória quando comparada ao discursoevangélico, insere-se perfeitamente no contexto histórico da época (agitado por lutas sociais epolíticas), <strong>em</strong> que a Igreja era um forte aliado das elites capitalistas frente ao avanço dasidéias anarco-comunistas que ameaçavam a or<strong>de</strong>m estabelecida. Na verda<strong>de</strong>, a visãoromântica <strong>de</strong> que as gran<strong>de</strong>s paixões (incluindo nessas a fé religiosa) têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazermover a história contrapõe-se à visão materialista histórica, que nos mostra ser<strong>em</strong> as lutas <strong>de</strong>classes que produz<strong>em</strong> os <strong>em</strong>bates i<strong>de</strong>ológicos.Toda concepção histórica, até o momento, ou t<strong>em</strong> omitido completamente abase real da história (forças <strong>de</strong> produção, capitais, divisão social do


292trabalho, proprieda<strong>de</strong>, formas sociais <strong>de</strong> intercâmbio que cada geraçãoencontra como produto da geração prece<strong>de</strong>nte e que a atual reproduz etransforma, alterando a forma da luta <strong>de</strong> classes), ou a t<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>radocomo algo secundário, s<strong>em</strong> qualquer conexão com o curso da história. [...]Conseqüent<strong>em</strong>ente, tal concepção apenas vê na História as ações políticasdos Príncipes e do Estado, as lutas religiosas e as lutas teóricas <strong>em</strong> geral, evê-se obrigada a compartilhar, <strong>em</strong> cada época, a ilusão <strong>de</strong>ssa época. Porex<strong>em</strong>plo, se uma época imagina ser <strong>de</strong>terminada por motivos puramente‘políticos’ ou ‘religiosos’, <strong>em</strong>bora a ‘política’ e a ‘religião’ sejam apenasformas aparentes <strong>de</strong> seus motivos reais, então o historiador <strong>de</strong>ssa épocaconsi<strong>de</strong>rada aceita essa opinião. A ‘imaginação’, a ‘representação’ quehomens historicamente <strong>de</strong>terminados fizeram <strong>de</strong> sua práxis real transformase,na cabeça do historiador, na única força <strong>de</strong>terminante e ativa que dominae <strong>de</strong>termina a práxis <strong>de</strong>sses homens. (CHAUÍ, 1994, p. 82-83)Com base no pensamento <strong>de</strong> Chauí (1994) e a partir <strong>de</strong> uma análise crítica da<strong>de</strong>claração feita por Álvares (1917), perceb<strong>em</strong>os claramente que as supostas lutas religiosas,que colocaram, <strong>de</strong> um lado, os católicos e, <strong>de</strong> outro, protestantes e espíritas, inser<strong>em</strong>-se, naverda<strong>de</strong>, no bojo das lutas <strong>de</strong> classes. Ao <strong>de</strong>screver os alunos do Colégio Diocesano comouma “luzida pleia<strong>de</strong> <strong>de</strong> moços <strong>de</strong>stinados a ser<strong>em</strong> os super-homens do futuro”, Álvares (1917apud LAVOURA E COMÉRCIO, 18/11/1917, p.2) reforça nossa tese <strong>de</strong> que as instituições<strong>de</strong> ensino católicas eram reservadas aos filhos das classes dominantes, os quais, graças aoacesso a uma educação esmerada, tornar-se-iam os futuros governantes. Nessa perspectivagramsciana, os <strong>em</strong>bates ocorridos entre os m<strong>em</strong>bros dos diferentes credos tinham, pelo menosna visão das elites católicas, o objetivo <strong>de</strong> preservar os privilégios há muito adquiridos.Apesar da proporção que alcançou, a batalha entre católicos e espíritas foi abrandadapouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois. Por falta <strong>de</strong> consistência, no dia 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1918, o processo contraEuripe<strong>de</strong>s Barsanulfo acabou prescrito e arquivado pelo Dr. Fernando <strong>de</strong> Mello Vianna, Juiz<strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba e futuro Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas Gerais. Poucos meses <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 1º <strong>de</strong>nov<strong>em</strong>bro daquele mesmo ano, o médium sacramentano falecia, vitimado pela epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>gripe espanhola que assolava a região. Apesar da morte do lí<strong>de</strong>r, a comunida<strong>de</strong> espíritasacramentana prosseguiu a obra educacional e assistencialista iniciada por Barsanulfo 161(NOVELINO, 1991).Nos anos seguintes, católicos e espíritas ainda iriam <strong>de</strong>frontar-se por várias vezes,tendo como cenário a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba. À frente do grupo católico, pairou soberano, porvários anos, o médico João Teixeira Alves e, do lado oposto, tomando a <strong>de</strong>fesa dos outrosgrupos religiosos (espíritas e protestantes), <strong>em</strong>ergia a controvertida e fascinante figura <strong>de</strong>161 O Colégio Allan Kar<strong>de</strong>c funciona ainda hoje na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sacramento.


293Orlando Ferreira 162 , o famoso Doca, que viria a transformar-se no gran<strong>de</strong> inimigo do clero edas elites econômicas uberabenses. Além <strong>de</strong> Orlando Ferreira, outros gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fensores dacausa espírita <strong>em</strong> Uberaba foram Alceu <strong>de</strong> Souza Novaes (educador e jornalista) e JoãoAugusto Chaves (escritor e professor do Grupo Escolar <strong>de</strong> Uberaba).Os <strong>em</strong>bates entre católicos e espíritas tiveram uma pequena pausa no ano <strong>de</strong> 1924,ofuscados por nova tentativa <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> uma sucursal do Instituto Granbery <strong>em</strong>Uberaba. Segundo Ferreira (1928), <strong>em</strong> março daquele ano, foi organizado um abaixo-assinadocom centenas <strong>de</strong> assinaturas <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> todas as classes sociais e <strong>de</strong> vários credos, pedindoao Dr. Willian B. Lee, lí<strong>de</strong>r metodista resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> São Paulo, que fosse fundada, <strong>em</strong>Uberaba, uma unida<strong>de</strong> do Granbery. Em <strong>de</strong>terminado ponto, o documento l<strong>em</strong>bra a razão pelaqual as tentativas anteriores haviam sido frustradas.É velha a aspiração dos uberabenses relativamente a essa nobilíssimainstituição que, se ainda não foi realisada entre nós, não é por culpa do povoe, sim, por causa <strong>de</strong> certo el<strong>em</strong>ento retrógrado (o clero) que infelizmentepredomina aqui, infelicitando este riquíssimo município. (FERREIRA,1928, p. 204)Aten<strong>de</strong>ndo ao pedido da população uberabense, o Dr. Lee enviou à cida<strong>de</strong> o Sr. JoséFerraz, que se encontrou, <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 1924, com o Agente Executivo do município, Dr.Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, a fim <strong>de</strong> discutir os incentivos que o Granbery po<strong>de</strong>ria receber daCâmara Municipal. As partes chegaram a um acordo que gerou um projeto <strong>de</strong> lei entregue àCâmara para ser votado, e que incluía a fundação, pelos metodistas, <strong>de</strong> um ginásio (<strong>em</strong> quepo<strong>de</strong>riam ser matriculados gratuitamente 12 alunos), <strong>de</strong> uma escola normal, <strong>de</strong> uma escolacomercial e <strong>de</strong> uma escola agrícola (on<strong>de</strong> seriam recolhidos gratuitamente até 300 alunos).Em contrapartida, o Granbery receberia da municipalida<strong>de</strong> terrenos <strong>de</strong>ntro e fora da cida<strong>de</strong>,uma subvenção mensal <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> réis e a isenção <strong>de</strong> impostos por 10 anos (LAVOURAE COMÉRCIO, 06/04/1924).Encaminhado à Câmara, o projeto passou por duas discussões iniciais, sofrendo aoposição do cônego César Borges Pereira 163 , um dos vereadores. A seguir, foi marcado o dia5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1924 para a votação, <strong>em</strong> plenário, do projeto. Diante da iminente aprovação daproposta, o clero, tendo à frente o Círculo Católico, convocou seus aliados para pressionar os162 Intelectual uberabense, nascido <strong>em</strong> 26/07/1886 e falecido nessa mesma cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 1957. Autor <strong>de</strong> seis livrosconsi<strong>de</strong>rados malditos pelo clero e pela elite uberabense, a saber: Pela verda<strong>de</strong>: Catolicismo versus Espiritismo(1919), Terra madrasta (um povo infeliz) (1928), Capitalismo e Comunismo (1932), Ilusões capitalistas (1932),Forja <strong>de</strong> anões (1940) e O pântano sagrado (1948). Como jornalista, escreveu inúmeros artigos, quase s<strong>em</strong>pre<strong>de</strong>nunciando os <strong>de</strong>smandos das elites locais (RICCIOPPO, 2003).163 Padre católico, ex-aluno do S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz.


294vereadores e impedir a vinda do Granbery. Nos dias anteriores à sessão, foi espalhado, nacida<strong>de</strong>, um folhetim com os seguintes dizeres:URGENTE - MANIFESTAÇÃO CATHOLICASão convidados todos os catholicos presentes nesta cida<strong>de</strong>, assim comotodas as Associações catholicas <strong>de</strong> homens e senhoras a se reunir<strong>em</strong>, hoje,sábado, 5 <strong>de</strong> abril, nas Egrejas Matriz e São Domingos para sahir <strong>em</strong>prestito á 1 hora da tar<strong>de</strong>, afim <strong>de</strong> mais uma vez, proclamar<strong>em</strong> os direitos <strong>de</strong>sua fé e protestar<strong>em</strong> contra a INTRUSÃO IMMINENTE DOS HEREJES.Pe<strong>de</strong>-se ao commercio o favor <strong>de</strong> fechar as suas portas do meio dia ás duashoras da tar<strong>de</strong>. (FERREIRA, 1928, p. 205)Segundo Ferreira (1928), os católicos só conseguiram levar à Câmara, no dia davotação, 58 fiéis e algumas crianças, além <strong>de</strong> 2 fra<strong>de</strong>s e um padre. Os católicos ocuparam oprédio da Câmara Municipal, on<strong>de</strong> proferiram palavras contra o protestantismo e críticas aosvereadores. O Agente Executivo local, Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, interveio energicamentecontra os manifestantes, tendo sido aplaudido por numeroso grupo <strong>de</strong> curiosos queacompanhavam o movimento e viam com simpatia a aprovação da lei.Restabelecida a or<strong>de</strong>m no plenário, foi permitido aos católicos, representados pelo Dr.João Teixeira Álvares e pela professora Edith França 164 , que discursass<strong>em</strong> para os vereadorese colocass<strong>em</strong> as razões para a não aprovação do projeto. Na opinião dos lí<strong>de</strong>res católicos, acida<strong>de</strong> não necessitaria dos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino ofertados pelos protestantes, uma vezque o Colégio Diocesano já oferecia os cursos ginasial e <strong>de</strong> comércio e o Colégio NossaSenhora das Dores possuía uma escola normal reconhecida pelo estado. Quanto ao patronatoagrícola, caberia ao governo fe<strong>de</strong>ral criá-lo, s<strong>em</strong> ônus para o município (LAVOURA ECOMÉRCIO, 06/04/1924). Já <strong>em</strong> relação à subvenção proposta pela Câmara Municipal, oscatólicos tinham a seguinte opinião:Pensam que Uberaba, como o Brasil todo, é catholico, e que, portanto,subvencionar uma instituição <strong>de</strong> caracter protestante é ferir <strong>de</strong> frente ossentimentos da população e forçal-a ainda a contribuir para a estabilida<strong>de</strong>do instituto <strong>de</strong> ensino, porque o dinheiro do erário municipal é dos impostoscobrados aos cathollicos. Isso passa assim a ter força <strong>de</strong> uma imposição <strong>de</strong>princípios que attritam com o tradicionalismo da religião catholica seguidapelo povo brasileiro (LAVOURA E COMÉRCIO, 06/04/1924, p. 2).Entretanto, apesar da pressão exercida pelos manifestantes católicos, o projeto <strong>de</strong> leifoi aprovado, tendo votado contra ele apenas três vereadores: o cônego César Borges Pereira eos coronéis Geraldino Rodrigues da Cunha e Helvécio Prata. A nova lei municipal, votada e164 Professora formada, <strong>em</strong> 1908, pela escola normal do Colégio Nossa Senhora das Dores e gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensorados valores católicos, sendo integrante <strong>de</strong> movimentos como o Círculo Católico e a Ação Católica. Sua atuaçãoa coloca na condição <strong>de</strong> uma intelectual orgânica ligada aos interesses da Igreja (GRAMSCI, 1982).


295aprovada <strong>em</strong> 07/04/1924, ganhou o número 492 (Anexo 17). Em com<strong>em</strong>oração à vitória naCâmara, o grupo favorável à instalação da escola metodista promoveu uma manifestação,conforme narra o Lavoura e Comércio:Houve, na noite <strong>de</strong> 7 do corrente, uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> agrado ao sr. dr.Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal, promovida poruma commissão <strong>de</strong> pessoas enthusiasticas do acto da municipalida<strong>de</strong>conce<strong>de</strong>ndo favores à fundação <strong>de</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino do Granbery,nesta cida<strong>de</strong>. Os manifestantes reuniram-se no jardim da Praça RuyBarbosa, ás 8 ½ horas da noite e dahi partiram <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> massa para a casado governador do município. Ali falou, apreciadamente, pelos presentes osr. João Bello, <strong>de</strong>senvolvendo uma calorosa oração. A resposta do sr. dr.Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira foi <strong>em</strong> longo e sensibilisado discurso, muitoapplaudido. Em seguida os manifestantes dissolveram-se (LAVOURA ECOMÉRCIO, 10/04/1924, p. 1).Não obstante a aprovação da lei, o grupo católico prosseguiu com os protestos,principalmente através <strong>de</strong> artigos publicados nos jornais locais. Em um <strong>de</strong>sses artigos,intitulado Uma lei antipatriótica, o médico João Teixeira Álvares escreve:Si t<strong>em</strong>os a ventura <strong>de</strong> professar essa religião divina e infallivel, a únicaverda<strong>de</strong>ira, segue-se que não po<strong>de</strong>mos nunca nos afastar dos seusensinamentos, sendo nosso <strong>de</strong>ver sagrado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>l-a, ensinal-a e legal-a anossos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes pura e inalteravel como a que receb<strong>em</strong>os <strong>de</strong> nossospaes. Assim sendo, como hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> admittir que uma seita contraria a ellavenha abrir entre nós estabelecimentos <strong>de</strong> ensino e perverter o espirito <strong>de</strong>nossos filhos com uma instrcução viciada? [...] Firmes nestas idéias,repillamos <strong>de</strong> nosso seio, com a maxima energia, o protestantismo e todasas outras seitas capazes <strong>de</strong> nos afastar<strong>em</strong> da verda<strong>de</strong>ira religião. Repillamose con<strong>de</strong>mn<strong>em</strong>os a lei apresentada à Câmara Municipal pelo Sr. Presi<strong>de</strong>nte eAgente Executivo Dr. Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, lei que implantará entre nóso nefando protestantismo inimigo <strong>de</strong> nossas creanças. (LAVOURA ECOMÉRCIO, 13/04/1924, p. 6)Segundo Ferreira (1928), apesar da aprovação da lei, o grupo metodista refletiu melhorsobre o <strong>em</strong>preendimento e resolveu não se beneficiar dos favores concedidos pelamunicipalida<strong>de</strong> para a implantação <strong>de</strong> uma escola normal e <strong>de</strong> um patronato agrícola. Aprincípio, os metodistas optaram apenas pela fundação <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> nível primário esecundário na cida<strong>de</strong>, o que representaria o primeiro passo no sentido <strong>de</strong> sua paulatinainserção na socieda<strong>de</strong> uberabense. Uma ata das conferências trimensais da Igreja Metodista <strong>de</strong>Uberaba, datada no dia 24/04/1924 e assinada pelo pastor Hermógenes Prado anuncia afundação do novo colégio:[...] a aurora <strong>de</strong> um novo dia se faz anunciar para esta cida<strong>de</strong> e para estaegreja. Refiro-me ao dia da creação <strong>de</strong> nosso collegio que já t<strong>em</strong> tomadocerta proporção, <strong>de</strong> modo que já po<strong>de</strong>mos assegurar ser a sua instalaçãouma quasi realida<strong>de</strong>. Apesar da má disposição <strong>de</strong> nossos inimigos e dacampanha que eles t<strong>em</strong> movido estamos no entanto prestigiados pelas


296authorida<strong>de</strong>s municipaes e por todo o el<strong>em</strong>ento liberal que constitue nestacida<strong>de</strong> a maioria (APIMU, 1920-1924).Em <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1924, passaram a circular, na imprensa local, notícias confirmando afundação da nova escola protestante, o Collegio Uberabense, cujas ativida<strong>de</strong>s teriam início noano seguinte, conforme mostra o seguinte anúncio publicitário:COLLEGIO UBERABENSECURSO Primário, Secundário, ou <strong>de</strong> Preparatórios para os GymnasiosEstaduaes ou para Bancas Officiaes.INTERNATO para meninasEXTERNATO para ambos os sexos.Nos mol<strong>de</strong>s dos Colégios AmericanosAbertura da matrícula: 15 <strong>de</strong> JaneiroAbertura das aulas: 2 <strong>de</strong> Fevereiro(LAVOURA E COMÉRCIO, 25/12/1924, p. 2)O novo colégio foi instalado na rua da Boa Vista (atual rua Aristi<strong>de</strong>s Borges), nº 30,no bairro do Fabrício, entre a praça Santa Terezinha e a rua Padre Zeferino. Para dirigir aescola, foram enviados pelas li<strong>de</strong>ranças metodistas a professora Jenny <strong>de</strong> Araújo Lopes,normalista diplomada pelo Colégio Piracicabano, e seu marido Josaphat <strong>de</strong> Araújo Lopes,diplomado pelo Granbery e ex-professor do Colégio Piracicabano (LAVOURA ECOMÉRCIO, 25/12/1924). Ao final <strong>de</strong> 1925, o colégio já contava com 95 alunos freqüentes(LAVOURA E COMÉRCIO, 03/12/1925).Em julho <strong>de</strong> 1927, o Colégio Uberabense foi transferido para um prédio localizado naRua dos Ban<strong>de</strong>irantes, nº 86, no local on<strong>de</strong> havia funcionado, por três anos, o Colégio SãoDomingos (LAVOURA E COMÉRCIO, 17/07/1927). Naquele novo en<strong>de</strong>reço, após servisitado por um jornalista, o colégio foi assim caracterizado:O Collegio Uberabense é já, s<strong>em</strong> nenhum favor, uma casa <strong>de</strong> instrucção qu<strong>em</strong>uito honra Uberaba. Localisado num prédio espaçoso e b<strong>em</strong> adaptável aofim, com toda as installações precisas, e por isso mesmo apparelhado <strong>de</strong>modo a offerecer as vantagens que o ensino exige, possue um corpo <strong>de</strong>professores competentes e capazes <strong>de</strong> incr<strong>em</strong>entar, pela sua <strong>de</strong>dicação egosto, a instrucção <strong>em</strong> nossa terra. E é por isso mesmo que os Paes <strong>de</strong>família, comprehen<strong>de</strong>ndo b<strong>em</strong> os benefícios que o Collegio po<strong>de</strong>proporcionar aos seus filhos, têm, acertadamente, se interessado por elle(LAVOURA E COMÉRCIO, 27/08/1927, p. 7)Em 1928, o colégio chegou a ter cerca <strong>de</strong> 200 alunos (FERREIRA, 1928). Entretanto,enfrentando forte oposição das li<strong>de</strong>ranças católicas locais, que pediam o boicote das famíliascatólicas ao colégio, a partir do início <strong>de</strong> 1929 o número <strong>de</strong> alunos caiu rapidamente. Além dainfluência do clero católico, é conveniente l<strong>em</strong>brar que a <strong>de</strong>crescente procura pela escola se<strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que os metodistas nunca chegaram a manter, <strong>em</strong> Uberaba, uma estrutura


297imponente, nos mol<strong>de</strong>s das escolas <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora e Piracicaba, o que causou certo<strong>de</strong>sapontamento na população local, que esperava muito mais da escola americana.Em meados daquele ano, surgiram rumores <strong>de</strong> que o Colégio Uberabense passava pordificulda<strong>de</strong>s e estaria sendo vendido, o que foi negado por seu diretor Josaphat Lopes(LAVOURA E COMÉRCIO, 27/06/1929). Entretanto, um anúncio daquela escola, publicadono Lavoura e Comércio, <strong>de</strong>ixava transparecer que o colégio realmente passava por momentosdifíceis: nele, o diretor da escola convidava os pais a matricular<strong>em</strong> seus filhos na escola para osegundo s<strong>em</strong>estre do ano letivo <strong>de</strong> 1929; oferecia, também, a alunos <strong>de</strong> seu colégio e <strong>de</strong>outras escolas, vagas <strong>em</strong> um pensionato anexo ao colégio. Além disso, o diretor oferecia-separa dar aulas particulares <strong>de</strong> Português, Inglês, Aritmética, etc. Naquele momento(julho/1929), o colégio possuía apenas 45 alunos (LAVOURA E COMÉRCIO, 07/07/1929).Vencida pela falta <strong>de</strong> alunos e por probl<strong>em</strong>as financeiros, a escola metodista acabou fechadano final <strong>de</strong> 1929.Com a instalação do Colégio Uberabense, seguida por seu fechamento, terminava adura batalha travada entre católicos e partidários do Granbery. A escola metodista, que, porcinco anos, funcionou <strong>em</strong> Uberaba, oferecendo os níveis primário e secundário, não chegou aimplantar um curso normal e um patronato agrícola, como eram os planos iniciais daquelaor<strong>de</strong>m religiosa, e ficou muito aquém da <strong>universida<strong>de</strong></strong> protestante i<strong>de</strong>alizada por Hil<strong>de</strong>brandoPontes na primeira década do século XX. Entretanto, aquela curta experiência educacional foifruto do primeiro gran<strong>de</strong> <strong>em</strong>bate ocorrido entre as elites locais e as forças progressistas quelutavam por mudanças no conservador sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensino uberabense.Sob uma perspectiva acrítica, a reação à instalação da escola metodista <strong>em</strong> Uberabapo<strong>de</strong>ria ser vista como fruto da intolerância religiosa e política, e o fechamento do ColégioUberabense como uma <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua própria incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> captar alunos. Por outrolado, como já frisamos anteriormente, a visão materialista histórica mostra-nos que a luta <strong>de</strong>classes permeia toda a história mo<strong>de</strong>rna. Nesse caso, a instituição <strong>de</strong> ensino ligada à IgrejaMetodista não conseguiu sobreviver à batalha i<strong>de</strong>ológica travada entre as elites dominantes eas classes que pretendiam ascen<strong>de</strong>r socialmente. Com a <strong>de</strong>rrota dos protestantes, a educaçãoescolar uberabense permaneceu, ainda por vários anos, controlada pelo clero católico eumbilicalmente ligada aos interesses das classes heg<strong>em</strong>ônicas locais.


2984.5 O ensino profissional dos Irmãos MaristasCriado no início <strong>de</strong> 1903, o Colégio Diocesano do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus,comandado pelos irmãos maristas, era o símbolo máximo da heg<strong>em</strong>onia católica na educaçãomasculina, assim como o Colégio Nossa Senhora das Dores, tendo à frente as irmãsdominicanas, era absoluto na educação das meninas uberabenses. A instituição <strong>de</strong> ensinomarista, <strong>de</strong>stinada à educação das elites uberabenses, ampliava-se e fortalecia-se rapidamente,atraindo também alunos <strong>de</strong> toda a região do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, sul <strong>de</strong> Goiás enorte <strong>de</strong> São Paulo, que eram enviados por suas famílias para receber uma educação queabrisse as portas do futuro.Entretanto, a partir <strong>de</strong> 1909, com o movimento iniciado por Hil<strong>de</strong>brando Pontes para aimplantação <strong>de</strong> uma escola protestante ligada ao Instituto Granbery – que pretendia tambéminstalar cursos superiores e profissionalizantes, à s<strong>em</strong>elhança do que vinha fazendo <strong>em</strong> Juiz <strong>de</strong>Fora –, os lí<strong>de</strong>res católicos uberabenses perceberam que a concorrência das instituiçõesprotestantes era real e iminente. Esse fato po<strong>de</strong> ter sido, a nosso ver, a principal causa queteria levado a igreja católica a ocupar, o mais rapidamente possível, os espaços existentes nacida<strong>de</strong>, ampliando a oferta <strong>de</strong> cursos do Colégio Diocesano. A idéia era oferecer cursostécnicos, se possível <strong>de</strong> nível superior, que viess<strong>em</strong> ao encontro dos interesses das eliteslocais, sendo que os mais viáveis, pela sua facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implantação 165 , seriam o <strong>de</strong>agrimensura, muito necessário à agropecuária, e o <strong>de</strong> comércio, importante para as ativida<strong>de</strong>seconômicas urbanas.A agrimensura foi, provavelmente, uma das mais antigas ativida<strong>de</strong>s técnicas queocorreram no município. Segundo relatos contidos na imprensa local, os primeiros trabalhos<strong>de</strong> topografia e agrimensura na região <strong>de</strong> Uberaba r<strong>em</strong>ontam ao início do povoamento doTriângulo Mineiro, no início do século XIX, quando os primeiros sesmeiros e posseiros seestabeleceram na região que outrora pertencera aos índios. Os primeiros processos<strong>de</strong>marcatórios foram feitos por Petife, Leandro e Januário, que se utilizavam <strong>de</strong> instrumentostopográficos rudimentares, como cordas <strong>de</strong> 10 braças e agulhões <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. O período <strong>de</strong>apropriação total do território triangulino pelos colonos geralistas <strong>de</strong>ve ter terminado por volta<strong>de</strong> 1830 e, a partir daí, começaram as divisões <strong>de</strong> terras entre os her<strong>de</strong>iros dos primeirosposseiros (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/04/1928).165 Já que os cursos mais valorizados, como o <strong>de</strong> Direito e o <strong>de</strong> Medicina, necessitavam <strong>de</strong> uma estrutura física ehumana muito além das possiblilida<strong>de</strong>s locais.


299No ultimo quartel do século XIX, trabalhou na região o engenheiro francês HenriLacombe, que foi o primeiro a <strong>em</strong>pregar os processos técnicos <strong>de</strong> levantamento e <strong>de</strong>marcação<strong>de</strong> áreas, resultando num bom conjunto <strong>de</strong> mapas <strong>de</strong> fazendas. Além <strong>de</strong>le, naquela época,apenas o agrimensor Wenceslau Pereira <strong>de</strong> Oliveira chegou a gozar <strong>de</strong> bom conceito junto aosproprietários rurais do município (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/04/1928).No início do período republicano, com a queda das ativida<strong>de</strong>s comerciais <strong>em</strong> Uberaba,ocorreu um crescimento do setor pecuário e, conseqüent<strong>em</strong>ente, a valorização das terras e aelevação do preço do gado <strong>de</strong> corte. Atrelado a isso, cresceu a procura por trabalhostopográficos para a divisão <strong>de</strong> terras e solução <strong>de</strong> litígios. A primeira Escola Normal e oInstituto Zootécnico trouxeram para a cida<strong>de</strong> vários profissionais que se <strong>de</strong>dicaram àagrimensura, <strong>de</strong>ntre os quais po<strong>de</strong>mos citar os seguintes nomes: Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa,Chrispiniano Tavares, Domingos <strong>de</strong> Angelis, Fidélis Reis, Hil<strong>de</strong>brando Pontes, João PandiáCalógeras, Jorge <strong>de</strong> Chirée, José Maria dos Reis, Luiz Ignácio <strong>de</strong> Souza Lima, Militino Pinto<strong>de</strong> Carvalho, Marçal Ponce Ferret e outros (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/04/1928).Alguns <strong>de</strong>sses profissionais, como foram os casos <strong>de</strong> Chrispiniano Tavares, LuizIgnácio <strong>de</strong> Souza Lima e Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho, recrutados a peso <strong>de</strong> ouro por gran<strong>de</strong>sproprietários rurais, acabaram transferindo-se para outras regiões <strong>de</strong> colonização tardia,principalmente o sul <strong>de</strong> Goiás, participando ativamente da <strong>de</strong>marcação das novas terras. Aabertura <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> agrimensura configurava-se, pois, como uma gran<strong>de</strong> aspiração dosfazen<strong>de</strong>iros locais e, numa região <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vocação agropecuária, prometia um gran<strong>de</strong>campo <strong>de</strong> trabalho. Era, portanto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma visão utilitarista <strong>de</strong> educação, uma opçãológica <strong>em</strong> se tratando da implantação <strong>de</strong> um curso técnico-superior.A história da incursão dos irmãos maristas no ensino superior iniciou-se com arealização da primeira gran<strong>de</strong> exposição agro-pecuária da cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> 1911. Naquela ocasião,os alunos do Ginásio Diocesano foram convidados a recepcionar o presi<strong>de</strong>nte do estado <strong>de</strong>Minas Gerais, Dr. Júlio Bueno Brandão, durante a festa <strong>de</strong> abertura do evento, no dia03/05/1911. A apresentação agradou tanto ao governador, que este <strong>de</strong>cidiu, no dia 4 <strong>de</strong> maio,visitar a escola, ficando muito b<strong>em</strong> impressionado com a organização e a qualida<strong>de</strong> dainstituição. A pedido da direção da escola, o presi<strong>de</strong>nte do estado prometeu aprovar umaca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> agricultura para o Ginásio (COUTINHO, 2000, p. 84).O curso <strong>de</strong> agrimensura iniciou-se no ano seguinte, com a promessa do governomineiro <strong>de</strong> que ele seria rapidamente reconhecido pelos órgãos <strong>de</strong> fiscalização estaduais.Falando sobre esse fato, o jornal Echos do Diocesano, publicado pela escola, noticiou:


300A Diretoria do Ginásio Diocesano <strong>de</strong> Uberaba, aten<strong>de</strong>ndo aos inúmerospedidos feitos por muitos ilustres cavalheiros tanto da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberabacom das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta zona, valendo-se das faculda<strong>de</strong>s outorgadas pela Lei<strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1911, regulamentando o Ensino Secundário e Superior dosEstados Unidos do Brasil, e conce<strong>de</strong>ndo aos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino aautonomia <strong>de</strong> seu regimento e <strong>de</strong> seu ensinamento; <strong>de</strong>sejando, pois, estaDiretoria promover o amor da Agricultura do solo pátrio, base primeira <strong>de</strong>toda riqueza, criou neste estabelecimento uma Escola <strong>de</strong> Agrimensura euma Escola <strong>de</strong> Comércio, assegurando aos jovens que fizer<strong>em</strong> os cursos dasditas Escolas todas as vantagens e regalias que se po<strong>de</strong>m obter <strong>em</strong>estabelecimentos superiores. (1912 apud COUTINHO, 2000, p. 85)Percebe-se que o jornal faz uma referência à Lei Orgânica do Ensino Superior eFundamental (Decreto nº 8.659, <strong>de</strong> 05/04/1911), <strong>de</strong>corrente da Reforma Rivadávia Correia,que implantou uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>soficialização do ensino no Brasil e faciltou a abertura <strong>de</strong>cursos superiores no país. Ainda segundo a mesma fonte, os três primeiros anos do cursoginasial seriam preparatórios para o ingresso nas novas escolas e o <strong>programa</strong> básico dos doiscursos incluía os seguintes conteúdos:1º - Programa da Escola <strong>de</strong> Agrimensura 166 : I. Mat<strong>em</strong>ática e Compl<strong>em</strong>entos– II. Física – III. Química Mineral e Orgânica – IV. Noções <strong>de</strong> Geologia eMineralogia – V. Desenho Geométrico – VI. Desenho Topográfico – VII.Topografia e Legislação <strong>de</strong> Terras.2º - Programa da Escola <strong>de</strong> Comércio: I. Português e CorrespondênciaComercial – II. Francês e Inglês – III. Mat<strong>em</strong>ática aplicada ao Comércio.IV. Escrituração mercantil e contabilida<strong>de</strong> – V. El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> DireitoComercial e Economia Política – VI. Taquigrafia e Datilografia – VII.Cursos facultativos <strong>de</strong> Al<strong>em</strong>ão, Espanhol e Italiano. (COUTINHO, 2000, p.85)O curso <strong>de</strong> agrimensura foi organizado pelo Irmão Vilberto, professor <strong>de</strong> física doColégio Diocesano e responsável pelo Posto Meteorológico <strong>de</strong> Uberaba. Em 1916, falandosobre esse religioso, o Irmão Adorátor, fundador do colégio, assim <strong>de</strong>clarou:O Ir. Mário Vilberto <strong>de</strong>u a Uberaba uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> sua vida. Tratase<strong>de</strong> um dos antigos. Ele não é <strong>de</strong> fazer barulho, ele aparenta docilida<strong>de</strong>tanto na linguag<strong>em</strong> como na conduta. Deus o dotou <strong>de</strong> aptidão para amat<strong>em</strong>ática. Seus coirmãos são unâmines <strong>em</strong> reconhecê-lo, mas ele t<strong>em</strong> asabedoria <strong>de</strong> não fazer alar<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes dons. É um precioso auxiliar do Ir.Diretor, que po<strong>de</strong> contar com ele para o trabalho que for. Os alunos oapreciam muito. O Ir. Vilberto criou um curso <strong>de</strong> Agrimensura que aten<strong>de</strong>às necessida<strong>de</strong>s da região. Os alunos que o segu<strong>em</strong> receb<strong>em</strong> um diplomareconhecido pelo Estado (1916 apud COUTINHO, 2000, p. 93).166 Ao <strong>programa</strong> citado por Coutinho (2000), <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser acrescidas as seguintes disciplinas que também faziamparte do curso: Português, Francês, Inglês, Stadimetria e Taqueometria (LAVOURA E COMÉRCIO,21/01/1917)


301Figura 4.12 – Frei Marie Wilbert (Irmão Vilberto)Fonte: Arquivo do Colégio Marista DiocesanoA nova Escola <strong>de</strong> Agrimensura passou a oferecer um curso <strong>de</strong> dois anos, dando aosconcluintes o diploma <strong>de</strong> Perito-Agrimensor. Já a Escola <strong>de</strong> Comércio, também com um curso<strong>de</strong> dois anos, conferia o diploma <strong>de</strong> Contador Mercantil. Ambas as escolas, buscando o status<strong>de</strong> cursos superior, exigiam, para o ingresso dos alunos, a conclusão do curso ginasial <strong>de</strong> trêsanos (LAVOURA E COMÉRCIO, 17/12/1913).A primeira turma da Escola <strong>de</strong> Agrimensura iniciou seu curso já <strong>em</strong> 1912, enquanto aprimeira turma da Escola <strong>de</strong> Comércio só foi constituída <strong>em</strong> 1914 (LAVOURA ECOMÉRCIO, 03/05/1914). O reconhecimento do curso <strong>de</strong> agrimensura não tardou e foi feitopelo governo estadual através do Decreto nº 628, <strong>de</strong> 22/09/1914 (GAZETA DE UBERABA,21/01/1917).No dia 16/11/1913, conforme relata a imprensa local, acontecia a cerimônia <strong>de</strong> colação<strong>de</strong> grau <strong>de</strong> mais uma turma <strong>de</strong> ginasianos e da primeira turma <strong>de</strong> agrimensores formados peloColégio Diocesano (LAVOURA E COMÉRCIO, 19/11/1913). No salão <strong>de</strong> recreação doginásio, ao som da banda <strong>de</strong> música Ítalo-Brasileira, discursaram: o orador escolhido pelaturma (o novo agrimensor Cícero Macedo <strong>de</strong> Oliveira) e o bispo diocesano, D. EduardoDuarte Silva, que, <strong>em</strong> seu discurso, não per<strong>de</strong>u a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a educaçãocatólica ante o avanço das instituições laicas e <strong>de</strong> outras religiões:A guerra hoje ás escolas catholicas é guerra <strong>de</strong> morte, e a nada mais seaspira do que ao laicismo universal; não faltam Julianos apostatas, mastambém, louvado seja Deus, ainda t<strong>em</strong>os qu<strong>em</strong> saiba comprehen<strong>de</strong>r as


302responsabilida<strong>de</strong>s do magistério. Com os olhos fitos no que é o únicoMestre, Jesus, continuae a educar e a instruir esta mocida<strong>de</strong> que vos confiei,porque assim vol-o or<strong>de</strong>na Deus, vol-o autorizam as leis do nosso paiz, oexig<strong>em</strong> as distinctas famílias <strong>de</strong>sta Diocese, e o reclama a socieda<strong>de</strong>.(LAVOURA E COMÉRCIO, 19/11/1913, p. 1)A fala do bispo impressiona pelo seu apelo sentimental <strong>em</strong> prol do monopólio católicona educação. Perceb<strong>em</strong>os que, na opinião <strong>de</strong> Dom Eduardo, o magistério era uma profissãoque requeria responsabilida<strong>de</strong>s e entrega incondicional, o que apenas seria possível quandoassumido por religiosos católicos. Além disso, na última frase da citação acima,<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos que o bispo apelava para que os religiosos maristas continuass<strong>em</strong> a sua missão<strong>de</strong> educar as crianças b<strong>em</strong>-nascidas, por força do antigo pacto existente entre a Igreja e aselites brasileiras.Figura 4.13 – Alunos do curso <strong>de</strong> Agrimensura (1916)Fonte: Coutinho (2000)Entretanto, apesar <strong>de</strong> ter sido criado para aten<strong>de</strong>r a uma <strong>de</strong>manda regional e, porconseqüência, correspon<strong>de</strong>r aos interesses dos fazen<strong>de</strong>iros da região, o curso <strong>de</strong> agrimensura,curiosamente, nunca atraiu muitos interessados. A primeira turma <strong>de</strong> agrimensores formadospelo Colégio Diocesano era composta por apenas cinco alunos: Blon<strong>de</strong>l Borges <strong>de</strong> Araújo,Cícero Macedo <strong>de</strong> Oliveira, Florestano Tibery, Gilberto Ribeiro e José Belém Barbosa(COUTINHO, 2000). Já a segunda turma <strong>de</strong> agrimensores, também reduzida, formou-se nodia 15/11/1914 e era formada por Gilberto <strong>de</strong> Oliveira, Aristi<strong>de</strong>s da Cunha Campos, Pelópidas


303Thomé da Fonseca e Vicente <strong>de</strong> Macedo Filho (LAVOURA E COMÉRCIO, 16/12/1914).Figura 4.14 – Formandos do curso <strong>de</strong> Agrimensura (1914)Fonte: Arquivo do Colégio MaristaNos anos seguintes, continuou baixa a procura pelo curso. Formar-se agrimensor, umaprofissão técnica e pouco valorizada nas altas rodas, não era o título que as elites econômicasalmejavam para seus filhos. Os cursos <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Medicina eram os mais cobiçados. Paraos coronéis, ver a foto do filho, formando-se médico ou bacharel <strong>em</strong> Direito, estampado naprimeira página dos jornais locais, como se costumava fazer, era motivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> orgulho.Assim, após a conclusão dos estudos ginasiais, era preferível enviá-lo a uma faculda<strong>de</strong> no Rio<strong>de</strong> Janeiro ou <strong>em</strong> São Paulo, do que mantê-lo no Colégio Diocesano para fazer um simplescurso <strong>de</strong> agrimensura. Lima Barreto, <strong>em</strong> artigo publicado num jornal carioca <strong>de</strong> 1921, assimexplica esse fenômeno:


304O nosso ensino superior, que é o mais <strong>de</strong>smoralizado dos nossos ramos <strong>de</strong>ensino; que se impregnou, com o t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong> um espírito <strong>de</strong> serviçal daburguesia rica ou dos potentados políticos e administrativos, fazendo sábiose, agora, privilegiados, seus filhos e parentes – o nosso ensino superior, comas suas escolas e faculda<strong>de</strong>s, não é mais <strong>de</strong>stinado a formar técnicos <strong>de</strong>certas e <strong>de</strong>terminadas profissões <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> t<strong>em</strong> ‘precisão’. Os seusestabelecimentos são verda<strong>de</strong>iras oficinas <strong>de</strong> enobrecimento, para dartítulos, pergaminhos, – como o povo chama os seus diplomas, o que lhes vaia calhar – aos b<strong>em</strong> nascidos ou pela fortuna ou pela posição dos pais.Armados com as tais cartas, os jovens doutôres po<strong>de</strong>m se encher <strong>de</strong> váriasprosápias e afastar concorrentes mais capazes. [...] os pais, tios, tutôres,vendo o futuro dos filhos, sobrinhos e pupilos, só garantido com o ‘canudo<strong>de</strong> lata’, hão <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregar todos os recursos, processos e manhas, para obtera aprovação dos seus candidatos e vê-los afinal munidos com o diploma –‘abre-te, Sésamo!’ Qu<strong>em</strong> viveu entre estudantes, sabe b<strong>em</strong> o que vale <strong>em</strong>geral o nosso ensino chamado superior (1921 apud LOPES, 2007, p. 6).O texto <strong>de</strong> Lima Barreto chama a atenção para a importância que as famílias davam aodiploma <strong>de</strong> bacharel, tido como uma forma segura e certa <strong>de</strong> ascensão social. No caso docurso <strong>de</strong> agrimensura oferecido pelo Colégio Diocesano, esse fenômeno é bastante visível.Embora consi<strong>de</strong>rado útil para a economia local, baseada na produção agropecuária, o curso <strong>de</strong>agrimensura recebeu pequena procura por parte dos filhos das elites. Nesse caso, opunham-seduas diferentes vertentes do ensino superior brasileiro: o utilitarismo e o bacharelismo.Enquanto para o utilitarismo as escolas superiores <strong>de</strong>viam aten<strong>de</strong>r a interesses práticos eimediatos, buscando a solução dos probl<strong>em</strong>as que prejudicavam os interesses das classesheg<strong>em</strong>ônicas, para o bacharelismo, a educação superior valia por ela mesma, já que o diplomaera a solução dos probl<strong>em</strong>as futuros, mesmo que os saberes obtidos na aca<strong>de</strong>mia tivess<strong>em</strong>pouca utilida<strong>de</strong> prática na vida do novo doutor.Em outras palavras, o curso <strong>de</strong> agrimensura oferecido pelos irmãos maristas era, sim,importante para a socieda<strong>de</strong> local, principalmente para os gran<strong>de</strong>s fazen<strong>de</strong>iros, quenecessitavam <strong>de</strong> agrimensores para coor<strong>de</strong>nar a divisão <strong>de</strong> suas terras, executar serviçostopográficos, planejar o abastecimento <strong>de</strong> água das proprieda<strong>de</strong>s, etc. Entretanto, esse trabalhotécnico, feito sob os incômodos do sol abrasador, <strong>em</strong> proprieda<strong>de</strong>s rurais perdidas sertãoa<strong>de</strong>ntro, não era o que a elite <strong>de</strong>sejava para seus filhos, futuros doutores. Então, que fossefeito por outros jovens, mais acostumados a uma vida <strong>de</strong> trabalho duro. Mas esses jovens,oriundos dos estratos inferiores da população, não podiam arcar com os custos <strong>de</strong> uma escola<strong>de</strong> elite, como era o caso do Colégio Diocesano.Continuando a tendência <strong>de</strong> baixa procura, apenas três alunos, no final <strong>de</strong> 1920,concluíram o curso <strong>de</strong> agrimensura: Romeu da Silveira Marques, Berthier Borges e José da


305Silva Neiva Netto (LAVOURA E COMÉRCIO, 08/01/1920). Pelo que pu<strong>de</strong>mos levantar,essa foi a última turma <strong>de</strong> agrimensores formada pelo Colégio Diocesano; s<strong>em</strong> uma procuramínima por parte dos alunos egressos do ginásio, a qual justificasse a abertura <strong>de</strong> novasturmas, o curso foi extinto pela direção da escola.Com relação à Escola <strong>de</strong> Comércio do Colégio Diocesano, a situação não foi muitodiferente. A primeira turma iniciou o seu curso no primeiro s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1914 e era compostapelos alunos Aristi<strong>de</strong>s Cunha Campos, Nabor Abbadia <strong>de</strong> Oliveira e Eucli<strong>de</strong>s Prata dosSantos. Nos anos seguintes, s<strong>em</strong> que a escola conseguisse captar um número mínimo <strong>de</strong>alunos para o curso, não foram abertas novas turmas. Além disso, o curso <strong>de</strong> comércio maristanão foi reconhecido como curso superior e, já reformulado como curso técnico, passou aexigir dos candidatos à matrícula apenas a conclusão do 2º ano ginasial (LAVOURA ECOMÉRCIO, 27/01/1921).Nesse novo formato, o curso passou a oferecer as disciplinas exigidas nas escolassuperiores <strong>de</strong> Comércio do país, como Contabilida<strong>de</strong> Mercantil, Datilografia, etc., ministradasseparadamente aos alunos do curso comercial, além <strong>de</strong> outras disciplinas gerais (línguasvivas, história, etc.), que os estudantes do curso <strong>de</strong> comércio assistiam <strong>em</strong> conjunto com os docurso ginasial (LAVOURA E COMÉRCIO, 01/01/1922). Mesmo com as mudanças, o cursocontinuou a ter baixíssima procura <strong>de</strong> alunos.Em 1921, aproveitando-se do fato <strong>de</strong> que as <strong>em</strong>presas sofisticavam sua burocracia eaumentavam a procura por contadores, o curso foi reaberto, mas não conseguiu captar alunossufientes para o preenchimento das vagas; o mesmo aconteceu nos anos posteriores. Em 1924,com a abertura da Escola Técnica <strong>de</strong> Comércio José Bonifácio, que oferecia mo<strong>de</strong>rno curso<strong>de</strong> comércio – e com preços mais módicos, já que era <strong>de</strong>stinado aos estratos intermediários dapopulação –, o Colégio Diocesano extinguiu o seu curso. Assim como a Escola <strong>de</strong>Agrimensura, também a Escola <strong>de</strong> Comércio do colégio marista não conseguiu atrair ointeresse dos jovens b<strong>em</strong>-nascidos.Apesar <strong>de</strong> curta, a experiência dos irmãos maristas no campo do ensino superior foiuma tentativa daquela or<strong>de</strong>m religiosa <strong>de</strong> ultrapassar os limites <strong>de</strong> seu currículo clássicohumanístico<strong>em</strong> direção a uma proposta <strong>de</strong> ensino consi<strong>de</strong>rado mais mo<strong>de</strong>rno eprofissionalizante. Entretanto, a não incorporação <strong>de</strong> um pensamento realmente científico, quepu<strong>de</strong>sse guiar o processo formativo, limitou a importância daquela iniciativa. Essacompreensão utilitarista <strong>de</strong> ciência, ligada, sobretudo, à resolução <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as práticosimediatos e não a uma atitu<strong>de</strong> científica que valorizasse a pesquisa, como aconteceu às


306escolas superiores maristas, foi uma característica comum a muitas instituições <strong>de</strong> ensinosuperior brasileiras durante os séculos XIX e XX (NORONHA, 1998).Assim, mesmo a visão estreita e reducionista <strong>de</strong> ciência incorporada nos cursos <strong>de</strong>agrimensura e comércio do Colégio Diocesano acabou ofuscada pela pedagogia marista,totalmente comprometida com as estruturas sociais da época e pouco interessada no avançodas ciências e na mudança da socieda<strong>de</strong>. Nesse aspecto, a incursão dos irmãos maristas noensino superior <strong>de</strong>stoa completamente <strong>de</strong> outra experiência efêmera <strong>de</strong> alguns anos antes, a doInstituto Zootécnico, que, por tratar-se <strong>de</strong> instituição pública e laica, teve a liberda<strong>de</strong>necessária para fazer ciência e é, ainda hoje, saudosamente l<strong>em</strong>brado pela história, aocontrário da esquecida iniciativa marista.


3075 UBERABA: ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EMTEMPOS DE CRISE (1925-1938)Este capítulo é <strong>de</strong>dicado ao nosso último período pesquisado, que vai <strong>de</strong> 1925 a 1938.Nele, como ver<strong>em</strong>os a seguir, ocorreram interessantes iniciativas <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> escolas<strong>de</strong> nível superior, além da instalação <strong>de</strong> uma nova Escola Normal oficial. Influenciada pelagran<strong>de</strong> agitação político-social que marcou o período <strong>de</strong> transição da República Velha para aEra Vargas e pelos conflitos i<strong>de</strong>ológicos que agitavam todo o mundo, a socieda<strong>de</strong> uberabensedividiu-se <strong>em</strong> diferentes tendências políticas (conservadores, integralistas, fascistas,anarquistas, comunistas, etc.). Por outro lado, foi um período <strong>em</strong> que os novos paradigmaseducacionais (escolanovista, socialista, etc.) ganhavam entusiasmados a<strong>de</strong>ptos einfluenciavam as mais recentes iniciativas educacionais <strong>de</strong> Uberaba, além <strong>de</strong> levar<strong>em</strong> àgeração <strong>de</strong> novas concepções <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores.5.1 T<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> crise (1925-1938)Após um período <strong>de</strong> euforia, que se iniciou <strong>em</strong> 1889 com a chegada da estrada <strong>de</strong>ferro, e englobou o primeiro quarto do século XX, quando o incr<strong>em</strong>ento das ativida<strong>de</strong>scomerciais e industriais, aliado à expansão da pecuária zebuína, multiplicou a riqueza dasburguesias urbana e rural do município, Uberaba penetrava num período <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadênciaeconômica. A riqueza gerada pelo principal ramo econômico do município, a criação do gadozebu puro sangue, fez surgir gran<strong>de</strong>s fortunas familiares e ampliou o po<strong>de</strong>r político doscoronéis zebuzeiros. Entretanto, como a pecuária bovina se baseava na gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>rural, a renda acabou por concentrar-se nas mãos das famílias ligadas às oligarquias rurais.Estas eram mais preocupadas <strong>em</strong> aumentar o seu capital imobilizado – principalmente naforma <strong>de</strong> fazendas e <strong>de</strong> palacetes localizados nas áreas nobres da cida<strong>de</strong> – do que <strong>em</strong> arriscarsenas ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas mais produtivas e que fizess<strong>em</strong> circular o capital acumulado.Como conseqüência do enriquecimento cada vez maior dos coronéis, a cida<strong>de</strong> per<strong>de</strong>uexpressão comercial e política e a maior parte <strong>de</strong> seu povo permaneceu à marg<strong>em</strong> daprosperida<strong>de</strong> gerada pelo zebu.


308Apesar da preferência dada à pecuária bovina, existia, na cida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rável número<strong>de</strong> estabelecimentos comerciais e industriais. Em 1926, o parque industrial uberabensecompunha-se dos seguintes estabelecimentos: 2 fábricas <strong>de</strong> tecidos 167 , 6 <strong>de</strong> cigarros, 2xarqueadas, 2 curtumes, 2 fábricas <strong>de</strong> veículos 168 , 1 <strong>de</strong> perfumarias, 1 <strong>de</strong> gelo, várias <strong>de</strong>manteiga, diversas <strong>de</strong> doces, <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong> milho e <strong>de</strong> mandioca. Possuía, também, 195engenhos <strong>de</strong> cana <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> várias máquinas <strong>de</strong> beneficiar arroz e café(LAVOURA E COMÉRCIO, 11/09/1926). Além <strong>de</strong>ssas indústrias, l<strong>em</strong>bramos outras nãocitadas, como as cervejarias e as fábricas <strong>de</strong> macarrão, que existiam <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> número nacida<strong>de</strong>. Quase a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>em</strong>presas era <strong>de</strong> pequeno porte.As décadas <strong>de</strong> 1920 e 1930 representam um período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> turbulência política <strong>em</strong>praticamente todo o globo, recent<strong>em</strong>ente saído da 1ª Guerra Mundial e sob a influência dosfatos que vinham ocorrendo na Rússia comunista, na Itália fascista e, a partir <strong>de</strong> 1933, naAl<strong>em</strong>anha nazista. No Brasil, com a criação do Partido Comunista, <strong>em</strong> 1922, ampliaram-se osmovimentos grevistas e fortaleceu-se o processo revolucionário, os quais refletiam a crise domundo mo<strong>de</strong>rno. Sob o governo do mineiro Artur da Silva Bernar<strong>de</strong>s (1922-1926), eclodiramdiversas revoltas 169 , que fizeram <strong>de</strong> seu mandato um constante estado <strong>de</strong> sítio.Acompanhando a agitação que tomava conta do país, surgiram, <strong>em</strong> Uberaba, diversosgrupos políticos. Conservadores, anarquistas, comunistas e fascistas compunham umaverda<strong>de</strong>ira babel i<strong>de</strong>olológica e proporcionavam acaloradas discussões na cida<strong>de</strong>, utilizandose,principalmente, dos órgãos <strong>de</strong> imprensa e <strong>de</strong> obras literárias. À frente do grupoconservador, estavam os m<strong>em</strong>bros da oligarquia rural e o alto clero, acusados pela oposiçãocomo os responsáveis pela <strong>de</strong>cadência política e econômica <strong>em</strong> que se encontrava a cida<strong>de</strong>,como po<strong>de</strong>mos observar no trecho seguinte, extraído do livro Terra Madrasta (1928), <strong>de</strong>Orlando Ferreira:Ao cont<strong>em</strong>plarmos Uberaba actual e <strong>de</strong> todas as épocas, t<strong>em</strong>os <strong>de</strong>ante dosolhos a visão clara e nítida da gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sproporção que aqui existe entre asforças concorrentes e as forças opponentes!... Uberaba é uma obra <strong>de</strong>liliputianos. Entre nós, têm sido e são terríveis forças opponentes aoprogresso do município:1º - A administração.2º - A ‘política’.3º - O clero.167 Em 1928, essas duas fábricas foram reunidas <strong>em</strong> uma só <strong>em</strong>presa, que recebeu o nome <strong>de</strong> Companhia FabrilTriângulo Mineiro, sob a direção do Cel. Antônio Martins Borges (NABUT, 1985).168 Essas fábricas <strong>de</strong> veículos eram, na verda<strong>de</strong>, oficinas on<strong>de</strong> se faziam adaptações <strong>em</strong> veículos existentes.169 Dentre elas, <strong>de</strong>stacamos o Movimento Tenentista (levante do forte <strong>de</strong> Copacabana e Coluna Prestes), arevolução no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e a sublevação <strong>em</strong> São Paulo, que terminou com o bombar<strong>de</strong>io da capitalpaulista <strong>em</strong> 1924.


3094º - A <strong>em</strong>presa Força e Luz.5º - A família Borges.6º - A família Prata.7º - A família Rodrigues da Cunha (FERREIRA, 1928, p. 26).A elite econômica <strong>de</strong> Uberaba, chefiada pelos coronéis zebuzeiros, era acusada porOrlando Ferreira <strong>de</strong> retrógrada e totalmente <strong>de</strong>scomprometida com o progresso econômico dacida<strong>de</strong>. Como representantes máximos, Ferreira (1928) elegeu as três famílias acima referidas,cuja atuação na cida<strong>de</strong> é assim <strong>de</strong>scrita pelo autor:Há muitos annos que os Borges, os Rodrigues da Cunha e os Pratas,infelizmente, dominam <strong>em</strong> nossa terra, s<strong>em</strong> ter proporcionado o menorbeneficio para socieda<strong>de</strong>, a não ser o exclusivismo da creação bovina.Ricos, abastados, podiam crear outras industrias novas, <strong>de</strong> optimosresultados, <strong>de</strong> melhores benefícios para a communhão social, mas não ofaz<strong>em</strong>, absorvidos no dolce far niente da pecuária, da facilida<strong>de</strong> da creação<strong>de</strong> enormes rebanhos que <strong>de</strong>mandam pequeno esforço, diminuto numero <strong>de</strong><strong>em</strong>pregados, insignificante <strong>de</strong>speza e <strong>em</strong> <strong>em</strong>préstimos a juros <strong>de</strong> 1 ½% aomez!... É a lei do menor esforço <strong>em</strong> plena execução. Al<strong>em</strong> disso, s<strong>em</strong>cultivo algum, s<strong>em</strong> ao menos saber<strong>em</strong> administrar <strong>em</strong> regra as suasfazendas, elles quer<strong>em</strong> também fazer ‘política’, quer<strong>em</strong> ser dirigentes,quer<strong>em</strong> ser lea<strong>de</strong>rs e... até administradores <strong>de</strong> um município <strong>de</strong> 9.664km²!... (FERREIRA, 1928, p. 169)Tentando contrapor-se ao po<strong>de</strong>r das elites econômicas, o proletariado local organizaraseprecariamente a partir da primeira década do século, com a fundação da Liga OperáriaUberabense, e orientava-se com base <strong>em</strong> i<strong>de</strong>ais anarquistas. Os anarquistas, a princípioimigrantes italianos e espanhóis, <strong>em</strong>bora ainda dominass<strong>em</strong> o movimento sindicaluberabense, vinham, nos últimos anos, per<strong>de</strong>ndo espaço para os comunistas, como legítimosrepresentantes do operariado.Os marxistas uberabenses organizaram-se a partir do sucesso da Revolução Russa e,ano a ano, conquistavam novos a<strong>de</strong>ptos entre a intelectualida<strong>de</strong> uberabense. O gran<strong>de</strong>divulgador do marxismo <strong>em</strong> Uberaba foi Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, ex-<strong>de</strong>putado estadual,professor e agrimensor. Segundo Riccioppo (2003), recebendo constant<strong>em</strong>ente ex<strong>em</strong>plares dojornal do Partido Comunista Francês, L’Humanité, Barbosa interessou-se pelas obras <strong>de</strong> KarlMarx e Friedrich Engels e tornou-se leitor assíduo das mesmas. Tinha, também, admiraçãopelas posições anarquistas, o que o levou a traduzir para o português a obra A Conquista doPão, escrita pelo anarquista-comunista russo Pyotr Alexeyevich Kropotkin (MENDONÇA,1974). Empolgado com o comunismo, tratou <strong>de</strong> divulgar a doutrina entre os amigos, <strong>em</strong> rodas<strong>de</strong> discussão que avançavam noite a<strong>de</strong>ntro. Nas décadas <strong>de</strong> 1920 e 1930, o grupo comunistauberabense tinha como lí<strong>de</strong>res principais, além <strong>de</strong> Alexandre Barbosa, Calixto Rosa (alfaiate,


310sindicalista e ex-anarquista), Orlando Ferreira (o Doca, jornalista e escritor) e o jov<strong>em</strong>português Manoel Antônio Men<strong>de</strong>s André (jornalista e contador).Na década <strong>de</strong> 1920, o fascismo também já se encontrava instalado <strong>em</strong> Uberaba.Compunham seus quadros diversos imigrantes italianos que haviam fundado na cida<strong>de</strong> umasucursal do Partido Nacional Fascista (PNF) e a FASCI ITALIANI ALL’ESTERO - Sezione diUberaba. Os fascistas locais tinham estreita ligação com o consulado italiano sediado <strong>em</strong>Uberaba e com a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> socorro mútuo Fratelanza Italiana. À s<strong>em</strong>elhança das <strong>de</strong>maisfascio espalhadas pelo mundo, cultuavam a imag<strong>em</strong> do Duce e organizavam milíciasuniformizadas que promoviam marchas <strong>em</strong> com<strong>em</strong>oração às datas cívicas italianas, comoretrata a seguinte reportag<strong>em</strong> do jornal Lavoura e Comércio, intitulada 4 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro:Revestiram-se <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> brilhantismo as cerimonias promovidas pelacolonia italiana <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> comm<strong>em</strong>oração á data do 11º anniversarioda Victoria da Italia no gran<strong>de</strong> conflicto mundial. Após a missa, celebradapor s. exa. revma. dom frei Luiz <strong>de</strong> Sant’Anna, preclaro bispo <strong>de</strong>sta diocese,precedidos da correcta corporação musical Italo-Brasileira, os fascistas <strong>de</strong>Uberaba percorreram as nossas principaes ruas, visitando autorida<strong>de</strong>s eredacções <strong>de</strong> jornaes. Em nossa redacção os fascistas foram representadospelo sr. Carlos Biella, dignisimo agente consular nesta cida<strong>de</strong>, e TheophiloRiccioppo, presi<strong>de</strong>nte da associação fascista local. O nosso director, sr.Quintiliano Jardim, <strong>em</strong> um magnífico improviso, agra<strong>de</strong>ceu a honrosa visitae discorreu com brilhantismo sobre a data e sobre a politica <strong>de</strong>reconstrucção que o Fascio v<strong>em</strong> impl<strong>em</strong>entando na Itália. As suas palavrasforam muito applaudidas (LAVOURA E COMÉRCIO, 04/12/1929, p. 2).Apesar <strong>de</strong>, a princípio, o Fascismo ter recrutado seus m<strong>em</strong>bros entre a colônia italianalocal, tomando o aspecto <strong>de</strong> um simples movimento <strong>de</strong> apoio ao governo da terra natal, eramclaros os objetivos <strong>de</strong> suas li<strong>de</strong>ranças mundiais, que pretendiam difundir aquela i<strong>de</strong>ologia portodo o mundo, criando re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sustentação aos governos centrais da Itália e da Al<strong>em</strong>anha.Percebe-se, na reportag<strong>em</strong> anterior, o gran<strong>de</strong> fascínio que o mo<strong>de</strong>lo totalitário criado porMussolini produzia nos m<strong>em</strong>bros das elites dominantes e no clero <strong>em</strong> geral 170 . Mesmo osjornalistas locais se dividiam entre os que execravam o Fascismo e aqueles que o enalteciam,estando neste último grupo, como sugere o artigo anterior, o saudoso Quintiliano Jardim.No contexto nacional, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1926, substituindo o mineiro Artur Bernar<strong>de</strong>s,assumia a presidência da República o paulista Washington Luis, dando continuida<strong>de</strong> à políticado café-com-leite. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, também <strong>em</strong> 1926, tomava posse na presidência doestado <strong>de</strong> Minas Gerais o político Antônio Carlos Ribeiro <strong>de</strong> Andrada, que, <strong>em</strong> 1929, iniciou170 Posteriormente, como ver<strong>em</strong>os mais adiante, foi criada, na cida<strong>de</strong>, uma nova organização <strong>de</strong> orientaçãofascista, a Ação Integralista <strong>de</strong> Uberaba, cujos m<strong>em</strong>bros eram, <strong>em</strong> sua maioria, ligados às classes dominantes.


311articulações para ser indicado como próximo presi<strong>de</strong>nte brasileiro. Entretanto, WashingtonLuis pretendia fazer do presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> São Paulo, Júlio Prestes, seu sucessor, rompendo o pactoMinas Gerais -São Paulo.À quebra da bolsa <strong>de</strong> New York, ocorrida <strong>em</strong> 1929, seguiu-se uma gran<strong>de</strong> crise nocapitalismo mundial que atingiu <strong>em</strong> cheio as exportações brasileiras <strong>de</strong> café, abalando aeconomia paulista e rachando o principal sustentáculo da República Velha. Sob o pretexto <strong>de</strong>que, naquele momento, seria necessário um forte apoio aos cafeicultores, Washington Luisindicou Júlio Prestes para seu sucessor, o que atraiu a ira do governador mineiro, que, num ato<strong>de</strong> rebeldia, <strong>de</strong>cidiu apoiar a candidatura oposicionista <strong>de</strong> Getúlio Vargas à presidência daRepública, formando, <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 1929, a chamada Aliança Liberal, que uniu os estados <strong>de</strong>Minas Gerais, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e Paraíba, além dos partidos <strong>de</strong> oposição <strong>de</strong> diversos estadose inúmeros intelectuais.A Aliança Liberal per<strong>de</strong>u as eleições <strong>de</strong> 01/03/1930, mas recusou-se a aceitar a vitória<strong>de</strong> Júlio Prestes, acusando o governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> promover uma gran<strong>de</strong> frau<strong>de</strong> eleitoral. Oinconformismo com as eleições, aliado ao <strong>de</strong>scontentamento popular causado pela gran<strong>de</strong><strong>de</strong>pressão <strong>de</strong> 1929, fizeram eclodir a revolução, inicialmente no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (3 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1930), que, <strong>em</strong> seguida, se espalhou por todo o país – <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po, 8 governosestaduais foram <strong>de</strong>postos pelos tenentes. Em 24 <strong>de</strong> outubro do mesmo ano, Washington Luisera <strong>de</strong>posto da presidência e, <strong>em</strong> 3 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro, Getúlio Vargas assumia a chefia do governoprovisório, data que marca o fim da República Velha.Segundo Silveira (2005), no curto espaço <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po (21 dias) que durou a revolução, ogoverno fe<strong>de</strong>ral posicionou as tropas paulistas (chamadas <strong>de</strong> legalistas) à marg<strong>em</strong> esquerdado rio Gran<strong>de</strong>, na fronteira <strong>de</strong> Minas Gerais, objetivando tomar três pontos estratégicos: aponte e a estação ferroviária <strong>de</strong> Delta 171 (no município <strong>de</strong> Uberaba); a ponte <strong>de</strong> Jaguara (entreRifaina e Sacramento); e o porto do C<strong>em</strong>itério (entre Barretos e Frutal). Ao mesmo t<strong>em</strong>po,or<strong>de</strong>nou ao 6º Batalhão <strong>de</strong> Infantaria do exército, posicionado <strong>em</strong> Ipameri – GO, queinvadisse o Triângulo Mineiro. A intenção governista era estabelecer a ligação <strong>de</strong> São Paulocom Goiás, fazendo <strong>de</strong> Uberaba a capital <strong>de</strong> Minas, sob o governo <strong>de</strong> um interventor fe<strong>de</strong>ral.A <strong>de</strong>fesa da ponte <strong>de</strong> Delta foi <strong>de</strong>legada às tropas precariamente organizadas <strong>em</strong>Uberaba, as quais contavam com homens recrutados na cida<strong>de</strong> e <strong>em</strong> outras localida<strong>de</strong>s daregião. Em 11/10/1930, após uma batalha ocorrida entre as tropas uberabenses e paulistas, asforças legalistas, muito mais b<strong>em</strong> aparelhadas, tomaram a ponte e a estação <strong>de</strong> Delta, o que171 Hoje, município <strong>de</strong> Delta.


312causou gran<strong>de</strong> pânico na população uberabense – na época, pouco superior a 20.000habitantes –, que t<strong>em</strong>ia ver a cida<strong>de</strong> invadida. Entretanto, apesar do receio dos habitanteslocais, os confrontos bélicos não chegaram a Uberaba, ficando restritos à região <strong>de</strong> Delta(SILVEIRA, 2005).Figura 5.1 – Praça Rui Barbosa (1930)Fonte: APUDentre os fatos constant<strong>em</strong>ente l<strong>em</strong>brados pela história <strong>de</strong> Uberaba está a folclóricaparticipação do italiano Angelo Zapelli, ex-combatente da Itália na 1º Guerra Mundial, nasbatalhas <strong>de</strong> Delta. Trabalhando ininterruptamente, por três dias, na oficina <strong>de</strong> outro italiano,Alessandro Bóscolo, Zapelli i<strong>de</strong>alizou e construiu, sobre o chassi <strong>de</strong> um automóvel, umtanque blindado dotado <strong>de</strong> duas metralhadoras, que conseguiu algum sucesso nas escaramuçastravadas <strong>em</strong> Delta. Zapelli foi promovido a Capitão pelo Governo Revolucionário, tornandoseum verda<strong>de</strong>iro herói municipal. As hostilida<strong>de</strong>s na fronteira cessaram no dia 24/10/1930,com a vitória dos revolucionários (PONTES, 1970).Apesar da vitória das forças revolucionárias li<strong>de</strong>radas por Vargas, que tomou a frentedo chamado governo provisório, as oligarquias paulistas iniciaram um movimento <strong>de</strong>


313oposição ao novo regime, preten<strong>de</strong>ndo retomar a supr<strong>em</strong>acia paulista no po<strong>de</strong>r fe<strong>de</strong>ral. Sob aban<strong>de</strong>ira da <strong>de</strong>fesa da <strong>de</strong>mocracia e exigindo a constitucionalização do país, os paulistasiniciaram, no dia 09/06/1932, uma contra-revolução com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar GetúlioVargas. O movimento conseguiu mobilizar gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> civis e militares, mas, s<strong>em</strong> oapoio <strong>de</strong> outros estados, São Paulo lutou sozinho contra as forças fe<strong>de</strong>rais até o dia02/10/1932, quando foi <strong>de</strong>rrotado militarmente.Durante esse novo período revolucionário, novamente as fronteiras entre São Paulo eMinas Gerais foram palco <strong>de</strong> lutas armadas entre as forças rivais. Como acontecera <strong>em</strong> 1930,Uberaba recebeu gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> militares vindos principalmente <strong>de</strong> outros locais do estadoe <strong>de</strong> Goiás. Da cida<strong>de</strong>, partiram as tropas que combateram nas regiões <strong>de</strong> Jaguara, Delta eJapué. Um jornal local relata os combates realizados no dia anterior:O dia <strong>de</strong> ont<strong>em</strong> caracterizou-se por gran<strong>de</strong>s movimentos militares nas duasfrentes <strong>em</strong> que se dividiu este setor. As tropas <strong>de</strong> Uberaba continuaramavançando com impetuosida<strong>de</strong> e galhardia, travando dois renhidosencontros: um na frente <strong>de</strong> Japué, entre sediciosos e patrulhas do 4ºBatalhão, sob o comando do bravo tenente-coronel Afonso Elias Prais e,outro, na frente <strong>de</strong> Jaguara, entre o 13 B.I.P. comandado pelo major JoséNilo <strong>de</strong> Abranches. [...] Foram feitos 57 prisioneiros, inclusive o seucomandante, o capitão paulista João Nardi Romito. Foi morto um tenente eficou grav<strong>em</strong>ente ferido um cabo, que se acha <strong>em</strong> tratamento no hospital <strong>de</strong>sangue, improvisado naquele proprio local. Esse feito do 13º B.I.P.,infelizmente, não ficou s<strong>em</strong> sacrifício. Como um bravo, no campo da honra,morreu o voluntário <strong>de</strong> Uberaba, Ramiro Teles, sobrinho do sr. MartinianoTeles, cabo da milicia civica organizada pelo sr. dr. Guilherme <strong>de</strong> OliveiraFerreira, prefeito <strong>de</strong>ste municipio [...] (LAVOURA E COMÉRCIO,22/09/1932, p. 1).Apesar das perdas humanas e materiais trazidas pela guerra civil, próximo ao final doconflito, o mesmo jornal lamenta a iminente volta da tranqüilida<strong>de</strong> e o conseqüente fim dosbons negócios no comércio local:Uberaba, durante esta campanha para a sufocação da sedição militar <strong>de</strong> SãoPaulo, t<strong>em</strong> vivido as horas mais tumultuarias <strong>de</strong> toda a sua história. Acida<strong>de</strong> per<strong>de</strong>u, inicialmente, aquele ritmo moroso que a caracterizava, para,a seguir, apanhar o movimento trepidante <strong>de</strong> uma praça <strong>de</strong> guerra. As ruasencheram-se <strong>de</strong> soldados, proce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> toda a parte do Brasil epertencentes a todas as armas. [...] Da ocupação militar, Uberaba sómenteteve beneficios. O seu comercio operou <strong>em</strong> alta escala, para o fornecimentodas tropas <strong>em</strong> operações, relevando acentuar que <strong>em</strong> todo esse t<strong>em</strong>po não seregistrou <strong>em</strong> Uberaba uma única tentativa <strong>de</strong> perturbação da or<strong>de</strong>m, tendosido a tranquilida<strong>de</strong> publica assegurada pelos órgãos encarregados <strong>de</strong>ssafunção (LAVOURA E COMÉRCIO, 23/09/1932, p. 1).Passados os conflitos bélicos <strong>de</strong> 1930 e 1932, os anos seguintes assistiram ao


314estabelecimento, <strong>em</strong> Uberaba, <strong>de</strong> outro movimento <strong>de</strong> inspiração fascista: o Integralismo.Fundado <strong>em</strong> 1932, por Plínio Salgado, e transformado <strong>em</strong> partido político <strong>em</strong> 1933, a AçãoIntegralista Brasileira – AIB resultou <strong>de</strong> um amálgama <strong>de</strong> agrupamentos políticos e culturais<strong>de</strong> orientação conservadora – reunia o autoritarismo, o catolicismo e o nacionalismo –, tendocomo seus principais inimigos o liberalismo, o capitalismo internacional, o socialismo e ojudaísmo (AÇÃO, 1998).O núcleo integralista <strong>de</strong> Uberaba foi fundado no dia 20/11/1934 e organizou-se sob ali<strong>de</strong>rança do jornalista Dr. Henrique Vieira da Silva (GAZETA DE UBERABA, 21/11/1934).Em pouco t<strong>em</strong>po, o Integralismo local ganhou a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> respeitáveis m<strong>em</strong>bros da socieda<strong>de</strong>uberabense, como Valfrido Ferreira, João Teixeira Álvares e Edgard Rodrigues da Cunha. Osintegralistas uberabenses, com a simpatia dos setores conservadores (igreja e eliteseconômicas), conseguiram arregimentar consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> filiados, organizandoreuniões e manifestações públicas. Em um artigo <strong>de</strong> jornal, o médico e lí<strong>de</strong>r católico, Dr. JoãoTeixeira Álvares, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a a<strong>de</strong>são dos católicos ao Integralismo, como forma <strong>de</strong> combater aameaça comunista:A situação do Brasil é grave, gravíssima, assustadora, os catholicos nãopo<strong>de</strong>m permanecer indiferentes diante <strong>de</strong>lla, é preciso agir e agir na política.O monstro bravio do communismo agita-se <strong>em</strong> ousadas arr<strong>em</strong>essas, é misterque os catholicos levant<strong>em</strong> <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>lle babylonica muralha, capaz <strong>de</strong>impedir-lhe os movimentos, evitando a mais tr<strong>em</strong>enda das catastrophes.Unamo-nos pois aos integralistas, com a approvação dos nossos Chefes 172(GAZETA DE UBERABA, 08/03/1935).Servindo, inicialmente, <strong>de</strong> apoio ao governo central <strong>de</strong> Getúlio Vargas, o Integralismopassou a ser visto com receio pelo presi<strong>de</strong>nte da República, que t<strong>em</strong>ia o crescimentoexponencial daquele movimento. Dessa forma, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1937, logo após aimplantação do Estado Novo, o Integralismo foi consi<strong>de</strong>rado fora-da-lei e as suas se<strong>de</strong>sregionais foram fechadas, como aconteceu <strong>em</strong> Uberaba. Em matéria intitulada O fechamentodo Integralismo <strong>em</strong> Uberaba, o jornal Lavoura e Comércio assim <strong>de</strong>screve esse fato:O Sr. Capitão Altino Machado, ilustrado <strong>de</strong>legado especial <strong>de</strong> policia <strong>de</strong>st<strong>em</strong>unicipio, cumprindo or<strong>de</strong>ns <strong>em</strong>anadas da chefia <strong>de</strong> policia <strong>de</strong>ste estado,fechou ont<strong>em</strong>, a sé<strong>de</strong> do integralismo <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. Compareceu ao ato o Sr.Dr. Edgard Rodrigues da Cunha, el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevo nos meiosintegralistas locais, comparecendo mais duas test<strong>em</strong>unhas ao ato. A sé<strong>de</strong>integralista, á Rua do Comercio, fechada, <strong>de</strong> tudo lavrando-se um autocircustanciado. A chave da mesma sé<strong>de</strong> ficou <strong>em</strong> po<strong>de</strong>r do sr. capitãoAltino Machado. (LAVOURA E COMÉRCIO, 10/12/1937, p. 1)172 Na mesma reportag<strong>em</strong>, João Teixeira Álvares dá nome a esses Chefes: Deus, Pátria e Família.


315Durante o Estado Novo, Uberaba passou por um período <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sobras <strong>de</strong> infra-estrutura. Importante melhoria nos serviços públicos urbanos ocorreu <strong>em</strong> 1937,no governo municipal <strong>de</strong> Menelick <strong>de</strong> Carvalho, quando uma concorrência pública contratouas <strong>em</strong>presas responsáveis pela execução das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água e esgotos da cida<strong>de</strong> (LAVOURA ECOMÉRCIO, 30/09/1937) – antes disso, a cida<strong>de</strong> era servida por re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água mantidas por<strong>em</strong>presas particulares. As obras foram concluídas e inauguradas no governo seguinte, <strong>de</strong>Wady José Nassif (1937 – 1942). No governo <strong>de</strong> Nassif, foi executada, também, a obra daUsina Hidrelétrica <strong>de</strong> Pai Joaquim, no rio Araguari, a qual passou a abastecer a cida<strong>de</strong> comabundante energia elétrica, <strong>em</strong> contraste com o irregular abastecimento anterior feito a partirda velha usina do rio Uberaba (MENDONÇA, 1974).Mas se, por um lado, a cida<strong>de</strong> ganhava ares mais civilizados, por outro mantinha aindaa mesma estrutura social consolidada nas décadas anteriores. Apesar do fortalecimentopolítico do operariado, chamado para governar pelo governo populista <strong>de</strong> Vargas, opanorama sócio-econômico-cultural <strong>de</strong> Uberaba mostrava, ao final da década <strong>de</strong> 1930, forteinfluência dos setores conservadores e a concentração do po<strong>de</strong>r político e econômico nasmãos <strong>de</strong> algumas famílias ligadas à exploração da pecuária zebuína, com <strong>de</strong>staque para apo<strong>de</strong>rosa parentela dos Rodrigues da Cunha.Po<strong>de</strong>mos afirmar que, ao contrário do que vinha acontecendo <strong>em</strong> outros centrosregionais do su<strong>de</strong>ste brasileiro, on<strong>de</strong> as antigas oligarquias rurais vinham sendo,paulatinamente, substituídas por governos apoiados pela <strong>em</strong>ergente burguesia urbana, oprocesso ocorrido <strong>em</strong> Uberaba, mesmo após o final da República Velha, tomou um caminhopeculiar: com a capitalização advinda da comercialização do chamado gado <strong>de</strong> elite, o po<strong>de</strong>rdos coronéis rurais expandiu-se ainda mais, enquanto, por outro lado, com a estagnação dasativida<strong>de</strong>s comerciais 173 e industriais, a burguesia urbana per<strong>de</strong>u po<strong>de</strong>r político e econômico.Na verda<strong>de</strong>, a influência dos coronéis zebuzeiros prolongou-se até as portas do século XXI 174 ,fenômeno que não foi exclusivo <strong>de</strong> Uberaba, já que, <strong>de</strong> forma similar, ocorreu também <strong>em</strong>outras regiões brasileiras.O <strong>de</strong>saparecimento do coronelismo não se apresenta, pois, apenasprogressivo, como também irregular. Nalguns pontos do país, já <strong>em</strong> 1940,podia ser dado praticamente como extinto. Porém perdurava nessa época,173 Estagnação <strong>de</strong>corrente da perda da condição <strong>de</strong> boca <strong>de</strong> sertão e da conseqüente retração do comércioatacadista com as regiões do Triângulo, Goiás e Mato Grosso.174 Próximo ao final do século XX, já nas décadas <strong>de</strong> 80 e 90, ainda era comum ouvir muitos cidadãosuberabenses proferindo frases como: “A cida<strong>de</strong> não progri<strong>de</strong> porque é comandada politicamente por fazen<strong>de</strong>iros,e eles não <strong>de</strong>sejam isso. Ocorre aqui o contrário do que acontece <strong>em</strong> Uberlândia, que cresce porque suaeconomia é baseada no comércio e na indústria.”.


316ainda na Zona Serrana <strong>de</strong> Santa Catarina, a mesma luta <strong>de</strong> parentelas quedividira os irmãos Almeida no início do Século. Em 1953, no norte daBahia, ainda vigorava a estrutura coronelística. Em 1957, Jean Blon<strong>de</strong>lnotava a respeito do Estado da Paraíba que a dominação familiar persistia,que gran<strong>de</strong>s parentelas dominavam o interior chegando ao monopólio quaseabsoluto <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> progresso na escala social(QUEIROZ, 1985, p. 187).Entretanto, a manutenção do po<strong>de</strong>r nas mãos dos coronéis zebuzeiros não ocorreu <strong>de</strong>forma pacífica e acrítica, como po<strong>de</strong>mos constatar, <strong>em</strong> especial, a partir <strong>de</strong> uma análise dasobras <strong>de</strong> Orlando Ferreira. De maneira similar aos conflitos i<strong>de</strong>ológicos que ocorriam portodo o mundo, choques entre m<strong>em</strong>bros da direita e da esquerda uberabenses eram comuns,principalmente através <strong>de</strong> artigos publicados na imprensa local. Por vezes, esses conflitostornavam-se violentos, como na tentativa <strong>de</strong> assassinato do jornalista e comunista ManoelAntônio Men<strong>de</strong>s André, ocorrida na redação do jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba, <strong>em</strong> 18/12/1934:naquela ocasião, o lí<strong>de</strong>r integralista Henrique Vieira da Silva sacou uma arma e atirou contraMen<strong>de</strong>s André; a bala atingiu a laringe <strong>de</strong>ste e saiu pela nuca, alcançando o sr. Raul Terra –que tentava mediar o conflito – na cabeça, matando-o; Men<strong>de</strong>s André sobreviveu(RICCIOPPO, 2003). Em seu diário pessoal, Calixto Rosa fala do atentado sofrido por seucamarada:Dia 18/12/1934 – Foi Uberaba assinalada pela peçonha do fascismo,fazendo suas primeiras vítimas, às 14 horas mais ou menos na rua da Gazeta<strong>de</strong> Uberaba, seu agente, o sanguinário, bandido Henrique Vieira da Silvatentou assassinar frontalmente M. André e matou o conhecido cidadão RaulTerra, das mais sociais alas da cida<strong>de</strong>, vítima daquele monstro, o qual muitopesar me causou. Men<strong>de</strong>s André, pessoa visada pelo feroz matador – é<strong>de</strong>snecessário dizer sobre sua pessoa, pois além <strong>de</strong> ser afeito cidadão, <strong>em</strong>todos os pontos <strong>de</strong> vista , é meu particular amigo. [...] eis aqui os primeirossinais do nefasto regime clerical burguês (1934 apud RICCIOPPO, 2003).Em julho <strong>de</strong> 1934, um jornal local apresentou os resultados <strong>de</strong> uma estatísticarealizada pela Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Uberaba, contendo os seguintes números: a cida<strong>de</strong>contava com 29.523 habitantes 175 na zona urbana, dos quais 27.769 eram brasileiros natos e1.554 estrangeiros. Atuavam na cida<strong>de</strong> 10 engenheiros, 23 médicos, 13 advogados, 30farmacêuticos, 138 professores e 41 <strong>de</strong>ntistas. O proletariado era composto por 3.529 pessoase o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego atingia 650 indivíduos adultos (LAVOURA E COMÉRCIO, 02/07/1934).Esses números revelam a crescente complexida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> uberabense – incorporada por175 Este número nos parece ter sido superestimado pelos responsáveis pelo levantamento. Acreditamos, com base<strong>em</strong> censos anteriores e posteriores, que a população urbana <strong>de</strong> Uberaba, naquela ocasião, <strong>de</strong>via estar próxima dos25.000 habitantes.


317um número cada vez maior <strong>de</strong> profissionais liberais <strong>de</strong> nível superior e <strong>de</strong> professores – eaponta para um índice relativamente alto <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego (18,4% do proletariado), o que, poroutro lado, <strong>de</strong>monstra a fragilida<strong>de</strong> da economia local.Mantendo, ainda, o posto <strong>de</strong> 3ª maior cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, Uberaba dava, porém,indisfarçáveis mostras <strong>de</strong> que passava por t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> crise: uma grave crise <strong>de</strong> valores, queganhava contornos econômicos, sociais e políticos. A li<strong>de</strong>rança regional, <strong>em</strong>bora aindainconteste, apresentava sinais <strong>de</strong> exaustão e mostrava estar ameaçada <strong>em</strong> médio prazo.Enquanto a antiga Uberabinha, tornada Uberlândia <strong>em</strong> 1929, prosperava, graças aofortalecimento <strong>de</strong> sua classe média urbana, Uberaba permanecia entregue ao comando doscoronéis que pouco se preocupavam com as ativida<strong>de</strong>s industriais e comerciais, bases damo<strong>de</strong>rna economia capitalista que se consolidava paulatinamente no Brasil do século XX.5.2 A educação uberabense no período 1925 - 1938Em meados da década <strong>de</strong> 1920, Uberaba contava com uma população urbana quegirava <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 20.000 habitantes. Em meio à grave crise econômica, a oposiçãouberabense acusava as elites locais, <strong>de</strong>tentoras do po<strong>de</strong>r, e o clero como os responsáveis pelamanutenção do exclu<strong>de</strong>nte sist<strong>em</strong>a educacional local. Em seu livro Terra Madrasta, OrlandoFerreira <strong>de</strong>screve a precária situação da cida<strong>de</strong> e, como todo bom profeta do apocalipse,exagera nas estatísticas:E Uberaba, como está provado, é a terra mais atrazada do globo <strong>em</strong> todos ossentidos: s<strong>em</strong> água, s<strong>em</strong> exgotto, s<strong>em</strong> escolas, s<strong>em</strong> theatro, s<strong>em</strong> diversões,s<strong>em</strong> moralida<strong>de</strong> social n<strong>em</strong> domestica, s<strong>em</strong> lei, s<strong>em</strong> hygiene, s<strong>em</strong> industria,immunda, suja, fétida, com as ruas esburacadas, cheias <strong>de</strong> capim, cheias <strong>de</strong>vaccas, <strong>de</strong> cabritos, <strong>de</strong> cavallos e gallinhas, com urubus a banquetear<strong>em</strong> noslogares mais centraes, com um coefficiente fantastico <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>,relativamente maior do que o <strong>de</strong> Bombaim e Calcuttá e... com 95% <strong>de</strong>analphabetos! (FERREIRA, 1928, p. 196)Ferreira (1928) relata, também, que a cida<strong>de</strong> contava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1909, com um únicogrupo escolar mantido pelo estado, enquanto <strong>em</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, por ex<strong>em</strong>plo, funcionavam 4grupos escolares estaduais. O autor aponta a omissão do estado mineiro no fornecimento daeducação básica no município <strong>de</strong> Uberaba:T<strong>em</strong>os cerca <strong>de</strong> 9 mil crianças alphabetizaveis s<strong>em</strong> meios <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Nãoé possível que a philantropia e patriotismo da câmara chegu<strong>em</strong> até a fantasia<strong>de</strong> querer custear todo o apparelhamento do ensino primário do município.Seria isto o i<strong>de</strong>al para nós que, assim, arrancaríamos das trevas, para a luz


318do saber, milhares <strong>de</strong> intelligencias, e também para o Estado, tão somiticos<strong>em</strong>pre que t<strong>em</strong> <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregar por estas bandas migalhas da gordaarrecadação feita pelas garras fiscaes da mésse das nossas economias(FERREIRA, 1928, p. 158).Além do grupo escolar, o estado mantinha, no município, outras três pequenas escolasisoladas: uma no Cassú e outras duas na se<strong>de</strong> do distrito <strong>de</strong> Conceição das Alagoas. S<strong>em</strong> quepu<strong>de</strong>sse contar com a ajuda do governo estadual, a Câmara Municipal local esforçava-se poraten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda educacional do extenso município, cuja população total atingira, <strong>em</strong> 1924,o patamar <strong>de</strong> 61.326 habitantes (LAVOURA E COMÉRCIO, 03/02/1924). Em 1926, omunicípio contava com 18 escolas primárias mantidas pela Câmara, distribuídas pela cida<strong>de</strong>(4 escolas na se<strong>de</strong> do município), pelas se<strong>de</strong>s dos distritos (Campo Formoso, Conceição dasAlagoas, etc.) e pela zona rural (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/01/1925). O ensinosecundário era fornecido unicamente por instituições particulares, o que, <strong>de</strong> forma indireta,limitava a escolarização das classes populares ao nível primário.Dada a incapacida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r público para aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda pela educação primária,secundária e profissional, coube à iniciativa privada ocupar esse espaço. Far<strong>em</strong>os agora umarápida <strong>de</strong>scrição do sist<strong>em</strong>a educacional uberabense nesse período.No início <strong>de</strong> 1925, por iniciativa da Sra. Augusta <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Costa, normalistaformada <strong>em</strong> 1921 pelo Colégio Nossa Senhora das Dores, foi fundado o Colégio SantaTherezinha. O novo colégio passou a oferecer o ensino primário para meninas no prédiolocalizado na rua Manoel Borges, nº 102. Em janeiro <strong>de</strong> 1927, a escola foi transferida parauma casa localizada na Rua Senador Pena, esquina com Rua São Sebastião 176 (LAVOURA ECOMÉRCIO, 01/01/1925 e 13/01/1927).A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar a mão-<strong>de</strong>-obra necessária aos mo<strong>de</strong>rnos escritórioscomerciais levou à criação das primeiras escolas <strong>de</strong> datilografia (já citadas neste trabalho) e<strong>de</strong> uma importante escola <strong>de</strong> comércio <strong>em</strong> Uberaba: <strong>em</strong> 03/11/1926, foi fundada a EscolaTécnica <strong>de</strong> Comércio José Bonifácio, <strong>de</strong>stinada à formação <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>.A imprensa local assim noticiou a criação da escola:Diversos guarda-livros <strong>de</strong> nossa praça tiveram a louvavel i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> fundaruma escola <strong>de</strong> commercio, filiada á ‘Escola Washington’ <strong>de</strong> São Paulo. Aescola José Bonifácio foi inaugurada no dia 3 do corrente e t<strong>em</strong> a sua se<strong>de</strong>provisória á rua Segismundo Men<strong>de</strong>s, n. 77. [...] O curso <strong>de</strong> inglês estásendo dirigido pelo professor Richard D. Jones, ex-professor da ‘Queen’s176 Posteriormente, na década <strong>de</strong> 1940, Dona Augusta construiu um novo prédio para a escola, ao lado do antigoen<strong>de</strong>reço, também na Rua Senador Pena, on<strong>de</strong> o colégio funcionou até ser fechado, <strong>em</strong> 1955. Nesse localfunciona, atualmente, uma unida<strong>de</strong> da Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos (UNIPAC).


319Walk School’ <strong>de</strong> Londres, o qual há poucos mezes passou a residir nestacida<strong>de</strong>. A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Direito Commercial e Constitucional está a cargo doconhecido contabilista sr. Luiz Medina Coeli. [...] Uma vez preparada a 1ªturma <strong>de</strong> guarda-livros, a directoria da escola mandará vir, da matriz <strong>em</strong> SãoPaulo, uma Banca Examinadora que confirirá aos approvados – osrespectivos diplomas, officialmente reconhecidos pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral(LAVOURA E COMÉRCIO, 14/11/1926, p. 3).Inicialmente instalada na rua Segismundo Men<strong>de</strong>s, nº 77, a escola foi posteriormentetransferida para um sobrado localizado na rua Manoel Borges, nº 36 (GAZETA DEUBERABA, 20/01/1938). A partir <strong>de</strong> 1928, a escola passou a ser dirigida por José Macciotti eAma<strong>de</strong>u Paschoalini (MENDONÇA, 1974). O colégio funcionou <strong>de</strong>pois, durante muitosanos, na rua Sete <strong>de</strong> Set<strong>em</strong>bro, bairro Estados Unidos, e, por fim, na rua Alaor Prata.A Escola José Bonifácio tinha um currículo que obe<strong>de</strong>cia ao plano traçado pelogoverno fe<strong>de</strong>ral no <strong>de</strong>creto nº 20.158, <strong>de</strong> 30/06/1931, que organizava o ensino comercial eregulamentava a profissão <strong>de</strong> contador no Brasil: compunha-se <strong>de</strong> um curso propedêutico(que correspondia, aproximadamente, ao curso ginasial), com duração <strong>de</strong> três anos, seguido<strong>de</strong> um curso técnico, <strong>de</strong> dois anos, que formava o perito-contador (GAZETA DE UBERABA,02/01/1938).Em janeiro <strong>de</strong> 1928, o professor César da Silva e Oliveira, irmão do ex-agenteexecutivo local, Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, fundou o Colégio Oliveira, uma escola mista queoferecia os ensinos primário e secundário. Inicialmente, a escola foi instalada na rua MarechalDeodoro, nº 14 (LAVOURA E COMÉRCIO, 19/01/1928), passando a funcionar, no final domesmo ano, <strong>em</strong> uma casa localizada na rua Dr. Lauro Borges, esquina com a rua José BentoAlves, ao lado da Igreja São Domingos. A escola funcionou por poucos anos.As iniciativas <strong>de</strong> ensino normal ou superior, por se tratar<strong>em</strong> <strong>de</strong> objetos específicos <strong>de</strong>nossa pesquisa, serão alvo <strong>de</strong> uma análise mais <strong>de</strong>talhada ainda neste capítulo. Estamos nosreferindo ao S<strong>em</strong>inário São José (fundado <strong>em</strong> 1925), à segunda Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba(instalada <strong>em</strong> 1928), à Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba (fundada <strong>em</strong> 1926), àEscola <strong>de</strong> Topografia (criada <strong>em</strong> 1931) e à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito (fundada <strong>em</strong> 1933).Em 04/10/1927, através <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto, foi criado pelo governo mineiro o segundogrupo escolar <strong>de</strong> Uberaba, o Grupo Escolar Minas Gerais, que, no entanto, só foi inaugurado<strong>em</strong> 1944 (!!!), portanto 17 anos após a sua criação. O fato é que, apesar <strong>de</strong> ter suas obrasconcluídas ainda no início da década <strong>de</strong> 1930, o prédio do 2º grupo escolar <strong>de</strong> Uberaba, assimcomo aconteceu ao prédio do Liceu e Artes e Ofícios, permaneceu ocupado, por alguns anos,pelo 4º Batalhão <strong>de</strong> Caçadores Mineiros. A escola foi construída na Praça Frei Eugênio, bairro


320São Benedito, e ainda permanece <strong>em</strong> uso.Antes <strong>de</strong> 1930, outras escolas primárias e secundárias particulares foram fundadas <strong>em</strong>Uberaba. L<strong>em</strong>bramos o caso do Colégio Souza Novaes, aberto <strong>em</strong> 1928 pelo jornalista, poetae educador Alceu Novaes. A escola passou a funcionar na esquina das ruas João Caetano eJoão Pinheiro, no local on<strong>de</strong> hoje existe o Posto Brasil; oferecia os cursos primário esecundário e mantinha, <strong>em</strong> média, 140 alunos. Hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> elevado comprometimento social eligado ao movimento espírita uberabense, o professor Alceu acolhia diversos alunos carentes<strong>em</strong> seu colégio, s<strong>em</strong> nada cobrar dos mesmos. A escola foi fechada no ano <strong>de</strong> 1958, e ocasarão on<strong>de</strong> funcionava foi <strong>de</strong>molido para dar lugar ao posto <strong>de</strong> combustíveis.Figura 5.2 – Colégio Souza Novaes (<strong>de</strong>c. 1930) e Alceu <strong>de</strong> Souza NovaesFonte: APUO Quadro 5.1, colocado logo a seguir, apresenta um resumo geral da distribuição <strong>de</strong>alunos nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> instrução pública e particular <strong>de</strong> Uberaba, no ano <strong>de</strong> 1929. Ele contém,conforme po<strong>de</strong>mos perceber, dados relativos à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, assim como <strong>de</strong> todo omunicípio (que inclui as se<strong>de</strong>s distritais e a zona rural).


321Quadro 5.1 – Instrução pública e particular <strong>em</strong> Uberaba (1929)Escolas ParticularesEscolasMunicipaisEscolas EstaduaisNome da escolaEnsino PrimárioNúmero <strong>de</strong> AlunosEscola Bertholina Santos 66 50Colégio Santa Therezinha 85 80Escola Progressiva 46 46Escola São Joaquim 22 22Escola Uberaba 20 20Escola Evangélica 40 40Escola Coração <strong>de</strong> Jesus 78 70Jardim <strong>de</strong> Infância Menino Jesus 128 100Ensinos Secundário,Profissional e SuperiorNúmero <strong>de</strong> AlunosMatr. Freq. Matr. Freq.Colégio Oliveira 116 87 5 5Colégio Rio Branco 63 60 5 5Escola Infantil N. S. Rosário 32 30Escola José Bonifácio 34 32 41 38Externato I. Conceição 121 110Orfantato Santo Eduardo 35 35Colégio Nossa Senhora das Dores 320 300 109 109Colégio Uberabense 36 36 9 9Ginásio Diocesano 579 550 287 287Escola R<strong>em</strong>ington 15 15Escola <strong>de</strong> Datilografia L. Palmério 15 15Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia 211 150Outras escolas localizadas fora dacida<strong>de</strong> (distritos e zona rural)96 80Escola Mello Vianna 113 78Escola Alaor Prata 142 116Escola Raul Soares 119 111Escola Alceu Novaes 93 64Escola Noturna 48 40Outras escolas localizadas fora dacida<strong>de</strong> (distritos e zona rural)770 640Aprendizado Agrícola B. Sampaio 60 60Escola Normal 328 300 168 168Grupo Escolar Brasil 977 900Escola Regimental do 4º Batalhão 41 41Escola Noturna 60 55Escola da Penitenciária 25 25Outras escolas localizadas fora dacida<strong>de</strong> (distritos e zona rural)252 230Totais 4945 4408 865 801Fonte: Lavoura e Comércio (07/07/1929)


322Com base nos dados do Quadro 5.1, concluímos que, <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 1929, o número total<strong>de</strong> alunos matriculados nas escolas do município <strong>de</strong> Uberaba era 5.810 (4.945 no nívelprimário, 654 no nível secundário e 211 no nível superior), sendo que, <strong>de</strong>ste total, 5.209alunos eram freqüentes. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba respondia pelo maior número <strong>de</strong> estudantesmatriculados (4.692), enquanto a zona rural e os distritos – que concentravam a maioria dapopulação do município – somavam juntos 1.118 alunos matriculados. A baixa escolarida<strong>de</strong>da população, principalmente da zona rural, é também corroborada por outro índice: apenas13,2% dos alunos que se matriculavam no curso primário conseguiam chegar ao ensinosecundário ou profissionalizante.Outro fato importante que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do Quadro 5.1: apesar da vidanormalmente curta das pequenas escolas particulares uberabenses, característica que r<strong>em</strong>ontaao início da história da cida<strong>de</strong>, algumas instituições <strong>de</strong> ensino que funcionavam <strong>em</strong> 1929tinham origens distantes. Dentre essas escolas, <strong>de</strong>stacamos as seguintes: A escola <strong>de</strong> DonaBertholina dos Santos (fundada, possivelmente, no início <strong>de</strong> 1903) e a Escola Progressiva,dirigida pela professora Anna Francisca <strong>de</strong> Jesus e fundada <strong>em</strong> 1904.Figura 5.3 – Colégio Diocesano e S<strong>em</strong>inário São José (1928)Fonte: APUNo início <strong>de</strong> 1930, o Colégio Santa Filomena, que funcionava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1925, na cida<strong>de</strong>


323<strong>de</strong> Araxá, voltou a estabelecer-se <strong>em</strong> Uberaba, no mesmo local on<strong>de</strong> funcionara até 1924, istoé, na Praça Aristi<strong>de</strong>s Borges (atual Praça Santa Terezinha). No mesmo ano, o proprietário daescola, Hil<strong>de</strong>brando Pontes, foi contratado pelo prefeito <strong>de</strong> Uberaba, Guilherme <strong>de</strong> OliveiraFerreira, para escrever um livro que contivesse a história e os principais dados estatísticos domunicípio, obra 177 que, após ser concluída <strong>em</strong> 1934, compunha-se <strong>de</strong> 1.224 páginas <strong>de</strong> papelalmaço manuscritas e um a<strong>de</strong>ndo, <strong>em</strong> seis volumes, que permanec<strong>em</strong> sob a guarda daPrefeitura Municipal <strong>de</strong> Uberaba (PONTES, 1970).Com o movimento revolucionário <strong>de</strong> 1930, assumiu a prefeitura municipal <strong>de</strong> Uberabaum interventor fe<strong>de</strong>ral, o engenheiro Guilherme Ferreira, que reformulou a re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong>ensino, extinguindo escolas mal localizadas – principalmente na zona rural – e criando outras<strong>em</strong> locais <strong>de</strong> população mais <strong>de</strong>nsa. Conforme po<strong>de</strong>mos observar no Quadro 5.1, no ano <strong>de</strong>1929 as escolas municipais abrigavam 1.285 alunos. Essas crianças distribuíam-se nas 27escolas mantidas pelo município, sendo que muitas possuíam menos <strong>de</strong> 30 alunos. Em 1931,portanto dois anos <strong>de</strong>pois, com a reforma impl<strong>em</strong>entada por Guilherme Ferreira, a prefeiturajá mantinha <strong>em</strong> funcionamento 28 escolas, que atendiam a 2.600 crianças (segundo dados daprefeitura local, divulgados no jornal Lavoura e Comércio). Em 1932, as escolas municipaiselevavam-se a 42, contando com 52 professores e 3.684 alunos matriculados, revelando umexpressivo crescimento (186,7% no número <strong>de</strong> alunos matriculados) <strong>em</strong> relação a 1929(LAVOURA E COMÉRCIO, 06/10/1933).Esse rápido crescimento na oferta do ensino básico à população, ocorrido <strong>em</strong> Uberabae <strong>em</strong> muitas outras localida<strong>de</strong>s do país após a chegada <strong>de</strong> Vargas ao po<strong>de</strong>r, antes <strong>de</strong> significaruma real universalização da educação escolar, como pretendiam os intelectuaisrevolucionários, parece a<strong>de</strong>quar-se mais às exigências reformistas do novo mo<strong>de</strong>lo econômicoque começava a instaurar-se no país após o fim da República Velha. Segundo Mészáros(2005, p. 62), “A estratégia reformista <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do capitalismo é <strong>de</strong> fato baseada na tentativa<strong>de</strong> postular uma mudança gradual na socieda<strong>de</strong> através da qual se r<strong>em</strong>ov<strong>em</strong> <strong>de</strong>feitosespecíficos, <strong>de</strong> forma a minar a base sobre a qual as reivindicações <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a alternativopossam ser articuladas”. Nessa perspectiva, o novo capitalismo industrialista que Vargaspretendia ver implantado no país exigia, primariamente, uma maior escolarização dascamadas populares, com vistas a aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s da indústria, além <strong>de</strong> garantir a177 A obra manuscrita <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong> ao livro História <strong>de</strong> Uberaba e a civilização do Brasil central, impresso pelaAca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Letras do Triângulo Mineiro, <strong>em</strong> 1970. Esse livro é uma referência bibliográfica básica <strong>em</strong> nossapesquisa, assim como na maioria das pesquisas históricas que envolvam Uberaba e o Triângulo Mineiro.


324inculcação dos mo<strong>de</strong>rnos valores burgueses nos jovens das classes populares, numa época <strong>em</strong>que os i<strong>de</strong>ais socialistas se expandiam pelo mundo.Além das instituições públicas e privadas já citadas, funcionaram <strong>em</strong> Uberaba, durantea década <strong>de</strong> 1930, diversas outras pequenas escolas. Pontes (1970) cita que, <strong>em</strong> 1933, foifundado o Colégio Santa Rosa, do qual nada pu<strong>de</strong>mos levantar. Outra escola fundada noinício do mesmo ano foi o Liceu Minas Gerais, dirigido pelo Dr. Assis Moreira Júnior, exsócioda Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba. O Liceu oferecia o chamado Curso<strong>de</strong> Madureza, autorizado pelo <strong>de</strong>creto fe<strong>de</strong>ral nº 19.890, no qual o aluno estudava, <strong>em</strong> 3 anos,todos os preparatórios necessários à matrícula nas escolas superiores. O Liceu Minas Geraisfuncionou no antigo prédio dos correios e contava, <strong>em</strong> seu corpo docente, com muitosprofessores da Escola Normal oficial, como Fernando <strong>de</strong> Magalhães, Thomaz Baw<strong>de</strong>n,Batista <strong>de</strong> Castro, George <strong>de</strong> Chireé, etc. (LAVOURA E COMÉRCIO, 04/03/1933, p. 1).Em 1934, foi criado o Ginásio São Luís <strong>de</strong> Gonzaga, uma escola mista que funcionavana rua Vigário Silva e fora organizada por um grupo <strong>de</strong> uberabenses ilustres: TrajanoBalduino <strong>de</strong> Carvalho, Otacílio R. da Cunha, Álvaro Guaritá, Hil<strong>de</strong>brando <strong>de</strong> Araújo Pontes,Paulo Rosa, João Primavera Júnior, João Machado, José Virgílio Mineiro, Emanuel Gianni,Thomaz Baw<strong>de</strong>n <strong>de</strong> Carmargos, cônego Joaquim Tiago dos Santos, Val<strong>de</strong>mar Vieira, LuizGonzaga <strong>de</strong> Azevedo, Manoel Men<strong>de</strong>s André e José Mendonça (LAVOURA E COMÉRCIO,05/03/1934). A escola não teve a procura esperada e acabou fechada no ano seguinte.Apesar do crescimento observado na oferta <strong>de</strong> ensino público e privado, muitosadultos e crianças ainda permaneciam excluídos da educação escolar. Pelo censo urbano <strong>de</strong>1934, da população adulta uberabense, estimada <strong>em</strong> 23.461 habitantes, 4.410 pessoas nãosabiam ler ou escrever, o que nos dá um índice <strong>de</strong> 18,8% <strong>de</strong> analfabetos 178 . Das 6.062crianças <strong>em</strong> ida<strong>de</strong> escolar, 4.903 (80,9%) freqüentavam a escola e 1.159 (19,1%) estavam s<strong>em</strong>instrução (LAVOURA E COMÉRCIO, 02/07/1934). Além disso, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ressaltar ofechamento, <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 1934, do Aprendizado Agrícola Borges Sampaio, instituição qu<strong>em</strong>antinha, <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> internato, cerca <strong>de</strong> 60 meninos carentes ou infratores, o querepresentou uma gran<strong>de</strong> perda para a socieda<strong>de</strong> local.O gran<strong>de</strong> retrocesso ocorreu, entretanto, nos níveis mais elevados <strong>de</strong> ensino: <strong>em</strong> 1933,foi fechada a Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba; <strong>em</strong> 1934, o S<strong>em</strong>inário Maior <strong>de</strong> São José foitransferido para Belo Horizonte; no final <strong>de</strong> 1936, extinguiam-se a Escola <strong>de</strong> Farmácia e178 Esse índice não consi<strong>de</strong>ra os números da zona rural do município. Com certeza, <strong>em</strong> meados da década <strong>de</strong>1930, o índice total <strong>de</strong> analfabetismo do município <strong>de</strong>via superar os 50%.


325Odontologia <strong>de</strong> Uberaba e a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba; e, <strong>em</strong> 1938, foi fechada aEscola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba. Com isso, ao findar o ano <strong>de</strong> 1938, Uberaba não maisdispunha <strong>de</strong> nenhuma instituição <strong>de</strong> ensino superior, e a formação <strong>de</strong> professores era feitaapenas <strong>em</strong> instituições particulares: o Colégio Nossa Senhora das Dores e a AssociaçãoUberabense <strong>de</strong> Ensino, sendo que esta última foi fechada já no ano seguinte, como ver<strong>em</strong>osmais adiante neste trabalho.5.3 O S<strong>em</strong>inário São JoséSe<strong>de</strong> da Diocese <strong>de</strong> Goiás, Uberaba estava s<strong>em</strong> um s<strong>em</strong>inário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1899, quandofechara o S<strong>em</strong>inário Santa Cruz. Com a renúncia <strong>de</strong> Dom Eduardo, <strong>em</strong> 1923, por probl<strong>em</strong>as<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o papa Pio XI nomeou, para bispo <strong>de</strong> Uberaba, o salesiano Dom Antônio <strong>de</strong>Almeida Lustosa, que tomou posse <strong>em</strong> 01/03/1925. Alguns dias após a sua posse, o novobispo fundou a Associação <strong>de</strong> São José, <strong>de</strong>stinada a angariar donativos para a reabertura dos<strong>em</strong>inário fechado havia mais <strong>de</strong> 25 anos.Figura 5.4 – Dom Antônio <strong>de</strong> Almeida LustosaFonte: Prata (1987)


326Logo <strong>em</strong> seguida, o novo bispo reativou o antigo s<strong>em</strong>inário – rebatizando-o com onome <strong>de</strong> S<strong>em</strong>inário São José –, que passou a oferecer os estudos <strong>de</strong> nível secundário(S<strong>em</strong>inário Menor) e <strong>de</strong> nível superior (S<strong>em</strong>inário Maior). A escola foi instalada na própriaresidência do bispo, no prédio localizado entre a atual igreja da Adoração Perpétua e oColégio Diocesano. Para reitor do s<strong>em</strong>inário, Dom Lustosa nomeou o Padre Eduardo Antôniodos Santos, então vigário <strong>de</strong> Conquista (PRATA, 1987).Naquele mesmo ano (1925), matricularam-se os primeiros alunos do S<strong>em</strong>inário SãoJosé: João Maximiano Neto e José Geraldo <strong>de</strong> Faria, ambos provenientes <strong>de</strong> Araxá. Naseqüência, vieram outros s<strong>em</strong>inaristas, conforme mostra o quadro do Apêndice 6.As aulas do Curso <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s (nível secundário) do S<strong>em</strong>inário São Joséobe<strong>de</strong>ciam a rígido regime disciplinar e englobavam o estudo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> matérias,distribuídas <strong>em</strong> 7 anos <strong>de</strong> curso. Segundo Freitas (2002), o currículo do curso era o seguinte:- Ano propedêutico: religião, português, mat<strong>em</strong>ática, geografia e história do Brasil- 1º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática e música.- 2º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática e música.- 3º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática, música, espanhol, italiano, física e química.- 4º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática, música, espanhol, italiano, física, química, inglês, liturgia e grego.- 5º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática, música, espanhol, italiano, física, química, inglês, liturgia e grego.- 6º ano: religião, português, latim, francês, geografia, história do Brasil e universal, ciênciasnaturais, mat<strong>em</strong>ática, música, espanhol, italiano, física, química, inglês, liturgia, grego,dialética, retórica e lógica.Ao final do Curso <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s, o aluno passava para o Curso Superior, queabrangia os estudos <strong>de</strong> filosofia (3 anos) e <strong>de</strong> teologia (4 anos). Terminados os 14 anos <strong>de</strong>estudos (!!!), estava formado o novo sacerdote católico.José Ferreira <strong>de</strong> Freitas, ex-aluno do S<strong>em</strong>inário Menor <strong>de</strong> São José durante a década<strong>de</strong> 1940, assim <strong>de</strong>screve o dia-a-dia dos estudantes:O dia começando às 5 e 30 e terminando ás 19 horas, tínhamos 5 recreiosentr<strong>em</strong>eando 6 aulas diárias (<strong>de</strong> 60 minutos cada), nas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª esábado, intercaladas, por sua vez, <strong>de</strong> 5 estudos coletivos (também <strong>de</strong> 60


327minutos). [...] Po<strong>de</strong>-se concluir daí, s<strong>em</strong> nenhum exagero, que o t<strong>em</strong>po<strong>de</strong>dicado ás aulas, no s<strong>em</strong>inário, era quase o dobro do utilizado pelosestudantes leigos, não só porque as férias <strong>de</strong>sses eram <strong>de</strong> 105 dias,enquando que a dos S<strong>em</strong>inaristas era <strong>de</strong> 45, e, mais, no S<strong>em</strong>inário estudavaseo dia inteiro (incluindo-se o sábado...). [...] As aulas do curso <strong>de</strong>humanida<strong>de</strong>s (propedêutico e do 1º ao 6º anos), no S<strong>em</strong>inário Menor <strong>de</strong> SãoJosé, obe<strong>de</strong>ciam a um regime disciplinar severo, começando cedo do dia[...] Ao cabo <strong>de</strong> 20 minutos, pós recreio, o sino dava os primeiros sinais afim <strong>de</strong> que os s<strong>em</strong>inaristas se preparass<strong>em</strong> para a fase <strong>de</strong> estudos. De fato,daí a 5 minutos, o sino era uma vez mais acionado, com um toque, trabalhoque Gerson Carneiro ou seu substituto Balthazar sabia cronometrar eexecutar como ninguém. Então, o silêncio era absoluto e todos entravampara o salão coletivo <strong>de</strong> estudos, situado na parte inferior e central doprédio, para uma fase <strong>de</strong> reflexão, pesquisa e anotações do que seriaperguntado <strong>em</strong> classe no momento oportuno. [...] As aulas duravam 60minutos. Em se tratando <strong>de</strong> aprendizado idiomático, o diálogo entre aluno eprofessor (e vice versa) era faito na língua estudada, incluindo-se, aí, asanálises gramatical e léxica (FREITAS, 2002, p. 206-207).Os exames eram rigorosos e, ao final <strong>de</strong> cada s<strong>em</strong>ana, as notas dos alunos eram lidaspara todos os presentes no salão <strong>de</strong> estudos, incluindo as notas relativas ao comportamento.Aqueles que não conseguiam alcançar 8 pontos <strong>de</strong> média nos exames (que valiam 10 pontos)ou 8,5 pontos <strong>em</strong> disciplina eram chamados à Reitoria, para uma entrevista pessoal e análisedas causas que haviam levado àquela pontuação tão pouco expressiva (FREITAS, 2002).Além das aulas e dos estudos individuais, os s<strong>em</strong>inaristas procuravam utilizar-se dopouco t<strong>em</strong>po que lhes restava para aprofundar alguns conhecimentos e evitar a humilhação <strong>de</strong>não se sair<strong>em</strong> b<strong>em</strong> nos exames ou nas argüições orais. Uma das estratégias utilizadas pelosestudantes para melhorar a aprendizag<strong>em</strong> é assim <strong>de</strong>scrita por José Ferreira <strong>de</strong> Freitas:Não só com o objetivo <strong>de</strong> se ampliar o vocabulário, mas, por igual, o <strong>de</strong> sealcançar o aprimoramento <strong>em</strong> lógica, dialética e retórica, vários grupos seformavam, nesse caso constituídos <strong>de</strong> 5 integrantes (do 1º, 2º, 3º, 4º e 5ºanos), que, no recreio, volteando pela alameda <strong>de</strong> ciprestes que envolvia oscampos <strong>de</strong> esportes do S<strong>em</strong>inário e dos irmãos Maristas, brandiam seusconhecimentos intelectuais. Assim, ao 1º da direita era dado o ‘sinal <strong>de</strong>partida’ e, digamos que dissesse: ‘mesa’. S<strong>em</strong> mais <strong>de</strong>mora, alguém <strong>de</strong>veriadizer: ‘mensa’. Ato contínuo, outro dizia: ‘table’; outro, ‘távola’ e outro‘table’, s<strong>em</strong>pre fazendo a versão da palavra portuguesa para o idioma queconhecesse: latim, francês, italiano, espanhol, inglês ou grego. Os do 1º ano,então, tinham que ser mais rápidos, eis que sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer versãoterminava no latim e no francês, apenas. Os do 2º tinham mais 2 opçõesidiomáticas (FREITAS, 2002, p. 208).Precisamos acrescentar ainda o fato <strong>de</strong> que, até o final da década <strong>de</strong> 1930, os alunos doS<strong>em</strong>inário prestavam serviço militar com os alunos do Colégio Marista, o que tambémconsumia parte <strong>de</strong> seu dia. Além disso, os s<strong>em</strong>inaristas ainda tinham que encontrar t<strong>em</strong>popara as seguintes ativida<strong>de</strong>s: organização e ensaio <strong>de</strong> peças teatrais e musicais; prática <strong>de</strong>


328esportes (futebol, voleibol, basquetebol, natação, etc.) – o que acontecia somente aosdomingos, feriados e dias-santos, logo após a missa; execução <strong>de</strong> todas as tarefas necessáriasà celebração das missas e das procissões (FREITAS, 2002).É impressionante a carga <strong>de</strong> estudos, principalmente clássicos e humanistícos, a queeram submetidos os s<strong>em</strong>inaristas, s<strong>em</strong>pre nos mol<strong>de</strong>s previstos pela velha PedagogiaTradicional Católica que r<strong>em</strong>ontava aos t<strong>em</strong>pos jesuíticos. Em uma entrevista concedida <strong>em</strong>1991 (atualmente transcrita para o papel e preservada no Arquivo Público <strong>de</strong> Uberaba), oMonsenhor Juvenal Arduini assim explica a sólida formação humanística que recebeu nost<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inário – parte no S<strong>em</strong>inário Menor <strong>de</strong> São José, <strong>em</strong> Uberaba, e parte noS<strong>em</strong>inário Provincial <strong>de</strong> Belo Horizonte:Olha, o nosso s<strong>em</strong>inário nos preparou b<strong>em</strong>, do ponto <strong>de</strong> vista espiritual, doponto <strong>de</strong> vista teológico, filosófico, e nos preparou com certa intensida<strong>de</strong>intelectual. [...] E naquele t<strong>em</strong>po nós tínhamos uma formação intelectualmuito sólida, muito forte. Po<strong>de</strong>ndo talvez <strong>de</strong>ixar a <strong>de</strong>sejar um pouco nesteaspecto da pastoral. Mas era o estilo da época, o estilo da igreja que nóstínhamos no meu t<strong>em</strong>po. Mas intelectualmente, foi uma geração muitopreparada, e era tão interessante o seguinte: que naquela época era comumque os Bispos saíss<strong>em</strong> do meio dos Reitores <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inário; qu<strong>em</strong> era Reitor<strong>de</strong> um s<strong>em</strong>inário, era mais ou menos um canditato para ser Bispo.(ARDUINI, 1991, p. 13-14)No ano <strong>de</strong> 1928, o bispo Dom Antônio <strong>de</strong> Almeida Lustosa foi transferido paraCorumbá (MT) e, para sucedê-lo na diocese <strong>de</strong> Uberaba, foi nomeado Dom Luiz Maria <strong>de</strong>Santana. O novo bispo reorganizou o S<strong>em</strong>inário São José e instituiu um esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> bolsas <strong>de</strong>estudo, no valor <strong>de</strong> 10 contos <strong>de</strong> réis cada uma, para subsidiar o estudo dos s<strong>em</strong>inaristas(PRATA, 1987).Em 1930, Dom Luiz adquiriu por 200 contos <strong>de</strong> réis o palacete 179 pertencente ao Sr.Getúlio Guaritá, para servir <strong>de</strong> residência episcopal; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, o prédio passou a serconhecido na cida<strong>de</strong> como Palácio São Luiz (ou Palácio do Bispo). Dessa forma, a antigaresidência do bispo ficou reservada exclusivamente para o S<strong>em</strong>inário São José que, então,contava com 10 estudantes <strong>de</strong> Teologia e 8 <strong>de</strong> Filosofia (PRATA, 1987).Em 1934, foi feito um acordo entre as arquidioceses <strong>de</strong> Uberaba e Belo Horizonte,extinguindo o S<strong>em</strong>inário Maior <strong>de</strong> Uberaba e transferindo seus alunos para o S<strong>em</strong>inárioProvincial <strong>de</strong> Belo Horizonte. Acompanhando os s<strong>em</strong>inaristas, seguiu também um professor,Mons. José João Pena. Nos anos <strong>de</strong> 1934 a 1936, os s<strong>em</strong>inaristas menores passaram a estudarno Ginásio Diocesano, freqüentando o prédio do s<strong>em</strong>inário apenas para assistir às aulas <strong>de</strong>179 Localizado na rua São Sebastião, entre a rua Major Eustáquio e a avenida Santos Dumont.


329Latim e Religião (PRATA, 1987). Com a transferência do S<strong>em</strong>inário Maior para BeloHorizonte, chegava ao fim a formação <strong>de</strong> padres católicos <strong>em</strong> Uberaba, o que fez com que oS<strong>em</strong>inário São José per<strong>de</strong>sse o seu status <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> ensino superior, passando a manterapenas os estudos <strong>de</strong> nível secundário do S<strong>em</strong>inário Menor.Figura 5.5 – Prédio do S<strong>em</strong>inário São José (ao fundo)Fonte: Prata (1987)Arduini (1991) l<strong>em</strong>bra esses fatos e acrescenta novas informações a respeito doprimeiro prédio on<strong>de</strong> funcionou o S<strong>em</strong>inário São José:O s<strong>em</strong>inário era ali, on<strong>de</strong> agora moram os padres da Adoração. É aqueleprédio, entre a igreja e o Colégio Diocesano. Ali era, havia só dois andares.É on<strong>de</strong> morava D. Eduardo, gran<strong>de</strong>, 1º bispo <strong>de</strong> Uberaba [...] Naquelet<strong>em</strong>po, prédio antigo, mas pare<strong>de</strong>s largas, como agora ainda estão lá. Sóque, <strong>de</strong>pois, fazendo um parêntese, quando veio o Pe. Hélio Pousa, que é <strong>de</strong>Uberaba, dos Sacramentinos, ele era engenheiro, se tornou Padre. Elereformou e colocou mais um pavimento, são 3 pavimentos agora, que há.Mas ali eu entrei, ali eu fiquei 5 anos, fazendo o curso colegial, que, naépoca, era <strong>de</strong> 5 anos. Então eu fui aluno no s<strong>em</strong>inário do MonsenhorEduardo e <strong>de</strong> outros padres, e <strong>de</strong> alguns que naquele t<strong>em</strong>po tinham cursosuperior e que eram também professores nossos. Faziam o curso superior,como Cônego Isaías, D. Almir, e eram professores. Depois eles foram paraBelo Horizonte. E quando eles foram, então o professorado ficou reduzido enós passamos a estudar no Colégio Dioceano (ARDUINI, 1991, p. 7).


330Segundo Freitas (2002), durante os bispados <strong>de</strong> Dom Antônio <strong>de</strong> Almeida Lustosa(1925–1929) e Dom Luiz Maria <strong>de</strong> Santana (1929–1938), estudaram no S<strong>em</strong>inário São José160 alunos, dos quais 11 se formaram padres no S<strong>em</strong>inário Maior <strong>de</strong> Uberaba: JacintoFagun<strong>de</strong>s (1931), Simeão Janet (1931), Francisco Martins Carvalho (1932), Carlos OscarBittner (1933), Almir Marques Ferreira, Isaias Lagares, Agenor Pedroso da Silva, Sócrates daCosta Braga, Júlio De Ras, Antônio Rezen<strong>de</strong> e Lázaro Oliveira Menezes.Em abril <strong>de</strong> 1938, Dom Luiz Maria <strong>de</strong> Santana foi transferido para Botucatu (SP) e,<strong>em</strong> sua carta pastoral <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, <strong>de</strong>ssa forma se referiu ao s<strong>em</strong>inário: “O S<strong>em</strong>ináriodiocesano representa uma questão vital para a vida e o <strong>de</strong>senvolvimento da Diocese. Para nósela t<strong>em</strong> sido a menina <strong>de</strong> nossos olhos. [...] Tiv<strong>em</strong>os a inexprimível satisfação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar, atéesta data, treze jovens alunos <strong>de</strong> nosso S<strong>em</strong>inário” (1938 apud PRATA, 1987, p. 283).Convém ressaltar que o número <strong>de</strong> 13 novos padres citado pelo bispo, divergente daquantida<strong>de</strong> apontada por Freitas (2002), <strong>de</strong>ve, possivelmente, incluir os alunos do S<strong>em</strong>inárioMenor <strong>de</strong> Uberaba que concluíram seus estudos no S<strong>em</strong>inário Maior <strong>de</strong> Belo Horizonte.A seguir, extrapolando o período histórico por nós <strong>de</strong>terminado para a pesquisa,far<strong>em</strong>os um breve resumo da trajetória do S<strong>em</strong>inário São José após o ano <strong>de</strong> 1938. Para olugar <strong>de</strong> Dom Luiz, foi nomeado para chefiar a diocese <strong>de</strong> Uberaba o bispo Dom AlexandreGonçalves do Amaral. T<strong>em</strong>pos <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 27/01/1952, esse bispo inaugurou a majestosa novase<strong>de</strong> do S<strong>em</strong>inário São José, também na Praça Dom Eduardo. Com a inauguração do prédio,Dom Alexandre conseguiu, ainda <strong>em</strong> 1952, o retorno do S<strong>em</strong>inário Maior para Uberaba e,com ele, a formação <strong>de</strong> padres na cida<strong>de</strong>.Entretanto, nos anos posteriores, com o <strong>de</strong>créscimo nas vocações religiosas, o número<strong>de</strong> alunos do S<strong>em</strong>inário Maior caiu progressivamente, até que a Igreja se viu obrigada a fecharos cursos <strong>de</strong> Teologia (1956) e <strong>de</strong> Filosofia (1962), o que voltou a obrigar os s<strong>em</strong>inaristas a<strong>de</strong>slocar<strong>em</strong>-se para Belo Horizonte ou São Paulo a fim <strong>de</strong> concluír<strong>em</strong> a sua formação. Os<strong>em</strong>inário funcionou até <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1972, quando encerrou as ativida<strong>de</strong>s por falta <strong>de</strong> alunose <strong>de</strong> recursos para sua manutenção. No período <strong>de</strong> 1925 a 1972, passaram pelo S<strong>em</strong>inário SãoJosé 611 alunos, dos quais 43 foram por ele or<strong>de</strong>nados padres (FREITAS, 2002).Em 01/05/1981, sob a li<strong>de</strong>rança do arcebispo local, Dom Benedito <strong>de</strong> Ulhôa Vieira, foiinaugurado o prédio <strong>de</strong> um novo s<strong>em</strong>inário, localizado ao lado da Igreja <strong>de</strong> Santa Luzia, nobairro Jardim Ind<strong>uberaba</strong>. A instituição, batizada novamente com o nome <strong>de</strong> S<strong>em</strong>inário SãoJosé, passou a contar com um S<strong>em</strong>inário Menor e um S<strong>em</strong>inário Maior. O s<strong>em</strong>inário funcionaainda hoje e, no período <strong>de</strong> 1981 a 2001, abrigou 164 alunos, dos quais 51 foram or<strong>de</strong>nados


331padres (FREITAS, 2002).Durante seu longo período <strong>de</strong> funcionamento, o S<strong>em</strong>inário São José t<strong>em</strong> tidoimportante papel <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> uberabense e regional, papel que tiveram também outross<strong>em</strong>inários brasileiros. Os s<strong>em</strong>inários maiores são, como parece óbvio, escolas on<strong>de</strong> seformam os m<strong>em</strong>bros do clero. Indo um pouco além, sob uma visão gramsciana, os s<strong>em</strong>inárioscatólicos são locais on<strong>de</strong> se formam intelectuais orgânicos ligados à Igreja Católica eencarregados <strong>de</strong> difundir aquela i<strong>de</strong>ologia religiosa. No caso brasileiro, durante séculos, foienorme a ligação entre a Igreja e a educação escolar. Esse fenômeno <strong>de</strong>ve-se, principalmente,à maior formação intelectual e humanística dos padres <strong>em</strong> relação ao restante da população, oque procuramos mostrar, há pouco, com a <strong>de</strong>scrição das inúmeras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong>por que passavam os s<strong>em</strong>inaristas. Dessa forma, os s<strong>em</strong>inários brasileirosforam, também, até um passado recente, intituições formadoras <strong>de</strong> professores que, mesmos<strong>em</strong> uma formação específica para o magistério, eram muito requisitados para atuar nosdiversos níveis e modalida<strong>de</strong>s do sist<strong>em</strong>a educacional.No caso do S<strong>em</strong>inário São José, uma análise do período <strong>de</strong> 1925 a 1934, quandofuncionou, <strong>em</strong> Uberaba, o S<strong>em</strong>inário Maior, nos confirma esse fenômeno. Dos sacerdotesformados ou que passaram pela instituição, muitos se tornaram também professores. Numaépoca <strong>em</strong> que eram raros os cursos superiores <strong>de</strong> Filosofia, os padres eram comumenteconvidados a ministrar essa disciplina; também as disciplinas Latim e Grego, estudadas noscursos <strong>de</strong> Letras ou <strong>de</strong> Direito, eram normalmente ministradas por sacerdotes católicos. Nessaperspectiva, Juvenal Arduini explica como se tornou professor:[...] eu nunca coloquei o magistério como objetivo inicial <strong>programa</strong>do, istoé, que eu me preparasse para ser professor. [...] Eu me preparei para sersacerdote e para estudar. Para estar s<strong>em</strong>pre trabalhando <strong>em</strong> cultura, essa foia minha preocupação, mas aconteceu que justamente por eu estar ligado aestudos eu comecei a ser solicitado, mesmo antes do início das faculda<strong>de</strong>s<strong>em</strong> Uberaba, s<strong>em</strong>pre para um trabalho <strong>de</strong> reflexão, <strong>de</strong> estudo, algo queexigisse um pouco mais <strong>de</strong> pesquisa. E por isso eu comecei a ser chamado,convocado para ser professor. A 1ª convocação foi <strong>em</strong> 1949, quando seiniciou a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, que eu fui professor fundador. E a partirdaí, à medida que escolas se fundavam, cursos se abriam, eu ia sendosolicitado. [...] Então foi s<strong>em</strong>pre um trabalho assim, muito bom, muitogratificante, porque não era uma coisa assim que eu estivesse procurando,uma espécie <strong>de</strong> luta pela vida, mas que para mim era uma ação gratuita <strong>de</strong>certo modo. Embora eu recebesse o salário mo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> professor, mas eragratificante. Quer dizer, o lecionar pelo lecionar. O fazer circular umacultura, a Filosofia por ex<strong>em</strong>plo (ARDUINI, 1991, p. 37).Na fala <strong>de</strong> Juvenal Arduini, percebe-se outro aspecto que aproximou os padres do


332magistério: ao encarar a docência como um sacerdócio, como um prazer, s<strong>em</strong> preocupaçãocom a baixa r<strong>em</strong>uneração <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sse trabalho, os religiosos católicos encaixavam-seperfeitamente no perfil traçado, há séculos, para os professores brasileiros. Enquanto muitosintelectuais leigos se afastavam do magistério <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> outras profissões mais b<strong>em</strong>r<strong>em</strong>uneradas, os padres assumiam a docência como uma extensão da vida sacerdotal.Da lista <strong>de</strong> alunos mostrada no Apêndice 6, po<strong>de</strong>mos citar alguns padres que se<strong>de</strong>stacaram no magistério. O nome mais conhecido é o <strong>de</strong> Juvenal Arduini 180 , já bastantecitado neste trabalho. Além <strong>de</strong> Arduini, foram também professores da FAFI os seguintespadres formados pelo S<strong>em</strong>inário São José e que também aparec<strong>em</strong> no quadro do Apêndice 6:Antônio Tomás Fialho (professor <strong>de</strong> História da Filosofia), Almir Marques (professor <strong>de</strong>Língua e Literatura Latinas) e Genésio Borges (professor <strong>de</strong> Língua Grega). Outro conhecidoeducador formado pelo S<strong>em</strong>inário São José foi o padre José Armênio Cruz, fundador doColégio Cristo Rei (1946) e professor da mesma escola.Não nos ater<strong>em</strong>os aos alunos que estudaram no S<strong>em</strong>inário São José no períodoposterior ao ano <strong>de</strong> 1938. Vamos apenas <strong>de</strong>stacar os nomes <strong>de</strong> outros famosos professoresuberabenses formados naquela instituição: Pe. Tomaz <strong>de</strong> Aquino Prata, Pe. Vicente Ambrósiodos Santos e Pe. Jorge Fialho, <strong>de</strong>ntre outros. Dessa forma, o S<strong>em</strong>inário São José t<strong>em</strong> sido, aolongo <strong>de</strong> sua história, uma instituição formadora <strong>de</strong> intelectuais e <strong>de</strong> muitos professores, indomuito além <strong>de</strong> seu objetivo primeiro, que é o <strong>de</strong> formar os sacerdotes necessários aos quadrosda Igreja Católica.5.4 A Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> UberabaOs primeiros cursos <strong>de</strong> Farmácia foram criados no Brasil durante o período regencial,a partir da lei <strong>de</strong> reforma do ensino médico, <strong>de</strong> 03/10/1832. Esses cursos funcionavam,contudo, vinculados às faculda<strong>de</strong>s oficiais <strong>de</strong> Medicina (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong>Janeiro e Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Bahia), as únicas do país. A Escola <strong>de</strong> Farmácia <strong>de</strong> OuroPreto, a primeira não ligada a uma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina, foi criada <strong>em</strong> 1839.Em 19/04/1879, o Decreto nº 7.247 (Reforma Leôncio <strong>de</strong> Carvalho) impl<strong>em</strong>entou uma180 Renomado professor e autor <strong>de</strong> vários livros, Arduini lecionou Filosofia Geral, Antropologia Filosófica eLógica na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino (FAFI), fundada no ano <strong>de</strong> 1949 efechada <strong>em</strong> 1981. Na FAFI, ministrando aulas nos cursos <strong>de</strong> Licenciatura, Juvenal Arduini foi um dos maisrespeitados formadores <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> Uberaba.


333série <strong>de</strong> modificações no ensino médico brasileiro e criou cursos <strong>de</strong> Odontologia anexos àsfaculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro e da Bahia; no entanto, esses novos cursos apenasse tornaram realida<strong>de</strong> com a Reforma Sabóia, <strong>em</strong> 1884. Anteriormente à criação <strong>de</strong>ssasescolas, o ensino <strong>de</strong> Odontologia ainda não era ministrado no Brasil. Para suprir essa falha, oDecreto nº 1.764, <strong>de</strong> 14/05/1856, <strong>de</strong>terminou que os diplomas dos <strong>de</strong>ntistas formados noexterior passass<strong>em</strong> por uma verificação 181 nas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Medicina do Rio e da Bahia; seconsi<strong>de</strong>rado habilitado, o profissional recebia o título <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista aprovado.A Constituição Republicana <strong>de</strong> 1891 autorizou os estados a organizar seus sist<strong>em</strong>asescolares e a criar escolas superiores. Com isso, começaram a surgir alguns cursos na áreamédica, nas capitais <strong>de</strong> estado e nas principais cida<strong>de</strong>s brasileiras; dada a escassez <strong>de</strong> recursosdos estados, esses cursos eram, principalmente, os <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia, já que oscursos <strong>de</strong> Medicina exigiam, para sua organização, investimentos <strong>de</strong> maior vulto. No final doséculo XIX, foram criadas: a Escola Livre <strong>de</strong> Farmácia e Química Industrial <strong>de</strong> Porto Alegre ea Escola Livre <strong>de</strong> Farmácia <strong>de</strong> São Paulo. No princípio do século XX, nasceram: a Escola <strong>de</strong>Farmácia <strong>de</strong> Pernambuco e a Escola <strong>de</strong> Farmácia do Pará. Algumas <strong>de</strong>ssas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ramorig<strong>em</strong>, <strong>em</strong> anos futuros, a cursos <strong>de</strong> Medicina.Nos primeiros anos republicanos, Minas Gerais continuava a contar apenas com umafaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia (a <strong>de</strong> Ouro Preto) e com nenhuma <strong>de</strong> Odontologia. A reforma doensino, impl<strong>em</strong>entada por Afonso Pena <strong>em</strong> Minas Gerais, culminando com a Lei nº 41,<strong>de</strong>terminava, <strong>em</strong> sua Seção V, Capítulo I, o seguinte:Art. 267. É mantida a Escola <strong>de</strong> Pharmacia <strong>de</strong> Ouro Preto, <strong>de</strong>stinada aproporcionar a instrucção necessaria e suficiente a todas as pessoas, s<strong>em</strong>distincção <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> ou sexo, que aspir<strong>em</strong> a profissão <strong>de</strong>pharmaceutico.Art. 268. É <strong>de</strong> sua competência conferir diplomas <strong>de</strong> pharmaceutico,títulos <strong>de</strong> bacharel <strong>em</strong> sciencias natuares e pharmaceuticas, e b<strong>em</strong> assimexaminar profissionaes formados no estrangeiro, afim <strong>de</strong> lhes ser permitidoexercer a profissão no paiz. [...]Art. 269. O curso profissional, que é <strong>de</strong> três annos, comprehen<strong>de</strong> asseguintes matérias, que serão ensinadas com particular applicação àpharmacia e à matéria médica, especialmente a brasileira: physica medica,chimica inorgânica, mineralogia, botânica, zoologia, chimica orgânica ebiologia, matéria medica, therapeutica, chimica analytica, toxicologia epharmacologia. (MINAS GERAES, 29/08/1892, p. 785)Novos cursos <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia só começaram a ser criados <strong>em</strong> Minas181 O Art. 81 do <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>terminava que o exame <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong>veria versar sobre anatomia, fisiologia,patologia e anomalias dos <strong>de</strong>ntes, gengivas e arcadas alveolares; higiene e terapêutica dos <strong>de</strong>ntes; <strong>de</strong>scrição dosinstrumentos que compõ<strong>em</strong> o arsenal cirúrgico <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista; teoria e prática da sua aplicação; meios <strong>de</strong>confeccionar as peças <strong>de</strong> prótese e ortopedia <strong>de</strong>ntária.


334Gerais a partir da segunda meta<strong>de</strong> do século XX, beneficiados pela Lei Rivadávia Corrêa,que, segundo Mourão (1962), possibilitou a proliferação <strong>de</strong> escolas superiores, pela falta <strong>de</strong>exigências legais para o seu estabelecimento – a instalação <strong>de</strong> novas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pendia tãosomente das <strong>de</strong>liberações <strong>de</strong> suas próprias congregações. Assim, entre 1911 e 1930,estabeleceram-se escolas <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia nas seguintes cida<strong>de</strong>s mineiras: OuroFino (fundada <strong>em</strong> 20/06/1911), Alfenas (fundada <strong>em</strong> 03/04/1914), São João Del Rei(reconhecida <strong>em</strong> 11/09/1915), Pouso Alegre (reconhecida <strong>em</strong> 11/09/1915), Leopoldina(reconhecida <strong>em</strong> 11/09/1915), Ubá (reconhecida <strong>em</strong> 10/09/1925), Uberaba (reconhecida <strong>em</strong>21/09/1927) e São Sebastião do Paraíso (reconhecida <strong>em</strong> 06/09/1930).A primeira vez <strong>em</strong> que se cogitou a criação dos cursos <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba foi <strong>em</strong> 1909, quando ocorreu a tentativa <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> uma sucursal doInstituto Granbery nesta cida<strong>de</strong> (assunto do qual já tratamos neste trabalho). Os diretoresdaquela instituição prometiam dotar Uberaba daquelas duas faculda<strong>de</strong>s, à s<strong>em</strong>elhança <strong>de</strong> Juiz<strong>de</strong> Fora, que as possuía <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1904, o que acabou não acontecendo, por razões já discutidasneste trabalho.Com a frustração daquela tentativa, a primeira Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia<strong>de</strong> Uberaba só iniciou as ativida<strong>de</strong>s a partir da segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1920 e suafundação está estreitamente ligada ao Dr. Francisco Mineiro Lacerda 182 , médico-cirurgião daSanta Casa <strong>de</strong> Misericórdia <strong>de</strong> Uberaba, cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que passou a residir a partir <strong>de</strong> 1925,quando assumiu o cargo <strong>de</strong> major-médico do 4º Batalhão da Brigada Policial, substituindo oDr. Bernardino. Sua experiência anterior <strong>em</strong> cirurgia, além das qualida<strong>de</strong>s como parteiro,fizeram com fosse contratado pela Santa Casa uberabense e o tornaram respeitado na cida<strong>de</strong>.No início <strong>de</strong> 1926, o Dr. Mineiro passou a aten<strong>de</strong>r também <strong>em</strong> sua residência, na rua VigárioSilva, nº 70, aos pacientes que lá o procuravam. Diariamente, às 12h30min, oferecia consultasgrátis para aqueles que não podiam pagar pelos seus serviços (LAVOURA E COMÉRCIO,14/02/1929).182 Mineiro Lacerda era natural <strong>de</strong> Ouro Fino – MG. Formou-se médico no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>em</strong> 1904. Foi, poralguns anos, médico cirurgião e clínico especializado <strong>em</strong> moléstias contagiosas (sífilis, lepra e doençasvenéreas), na Santa Casa da capital fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong> foi assistente do famoso Prof. Antônio Aleixo (LAVOURA ECOMÉRCIO, 14/01/1926). Residiu, <strong>de</strong>pois, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, antes <strong>de</strong> transferir-se para Uberaba.


335Figura 5.6 – Francisco Mineiro LacerdaFonte: Lavoura e Comércio (06/07/1933)Segundo relata o próprio Dr. Mineiro Lacerda, <strong>em</strong> relatório enviado ao ConselhoNacional <strong>de</strong> Educação (APU, 1933), um <strong>de</strong>ntista uberabense, naquele t<strong>em</strong>po, amparado pelalei que regulamentava as profissões <strong>de</strong> farmacêuticos e cirurgiões-<strong>de</strong>ntistas, passou aperseguir implacavelmente os práticos naquelas profissões – seus competidores locais –,<strong>de</strong>nunciando-os à Saú<strong>de</strong> Pública. Na verda<strong>de</strong>, esses <strong>de</strong>ntistas práticos atuavam <strong>em</strong> Uberabahavia t<strong>em</strong>pos, existindo inclusive, na cida<strong>de</strong>, uma espécie <strong>de</strong> escola prática <strong>de</strong> odontologia, <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> do <strong>de</strong>ntista Alfredo Godofredo da Silva – ele próprio um prático 183– queensinava os segredos da profissão a alunos que vinham <strong>de</strong> diversas cida<strong>de</strong>s da região(CUNHA FILHO, 1983). Um anúncio publicitário <strong>de</strong>ssa escola assim promovia o curso:Garante-se o ensino perfeito e criterioso <strong>de</strong>ssa excellente arte, a pessoas <strong>de</strong>bom procedimento e <strong>de</strong> perfeita saú<strong>de</strong>, mediante o respectivo pagamentodas <strong>de</strong>spezas totaes do curso: 1:000$000 no acto da inscripção. O curso será<strong>de</strong> 3 a 6 mezes, segundo a intelligencia <strong>de</strong> cada um. T<strong>em</strong>-se excellentesaccomodações para aprendizes <strong>de</strong> fora (LAVOURA E COMÉRCIO,24/12/1916, p. 4)Visados pelos profissionais regularmente formados, os <strong>de</strong>ntistas práticos passavam por183 Posteriormente, Alfredo Godofredo Silva formou-se <strong>em</strong> Odontologia no Rio <strong>de</strong> Janeiro (CUNHA FILHO,1983).


336dificulda<strong>de</strong>s perante a justiça e necessitavam tornar-se legalmente habilitados, o que, pela lei,só ocorreria através da obtenção do diploma <strong>de</strong> nível superior. Fenômeno parecido aconteciatambém com os farmacêuticos <strong>de</strong> Uberaba, que, como seus colegas <strong>de</strong>ntistas, eram, na gran<strong>de</strong>maioria, práticos. Dessa forma, como a região carecia <strong>de</strong> profissionais regulamentehabilitados nessas áreas, era gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> cidadãos que se <strong>de</strong>slocava para outraslocalida<strong>de</strong>s, a fim <strong>de</strong> fazer um dos cursos e conseguir o tão sonhado diploma.Imaginamos que, tendo observando esse quadro, o Dr. Mineiro Lacerda se tenhaconvencido da viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser aberta uma Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>em</strong>Uberaba. Entretanto, como era forasteiro, Lacerda <strong>de</strong>ve ter-se apercebido <strong>de</strong> que uma<strong>em</strong>preitada <strong>de</strong>sse vulto necessitaria da colaboração da classe médica local, umbilicalmenteligada às elites uberabenses – pois <strong>de</strong>stas era oriunda a maior parte dos médicos atuantes nacida<strong>de</strong>. Além disso, somente uma socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria arcar com os custos <strong>de</strong> tal investimento.E foi assim que, no dia 07/07/1926, convocado pelo Dr. Mineiro Lacerda, reuniu-se,na se<strong>de</strong> do Jockey Club <strong>de</strong> Uberaba, um grupo composto pelos cidadãos Mineiro Lacerda(médico), João Henrique Sampaio (médico e <strong>de</strong>putado estadual), Olavo Rodrigues da Cunha(médico), Levy Cerqueira (advogado), Jorge Frange (médico), José <strong>de</strong> Souza Prata(advogado), Guilherme Ferreira (engenheiro), Assis Moreira Júnior (cirurgião-<strong>de</strong>ntista),Oswaldo Guimarães (agrônomo) e Luiz Ernesto Cerqueira (professor). O objetivo da reuniãoera discutir a fundação, na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia e <strong>de</strong> umaEscola <strong>de</strong> Comercio anexa à primeira. Na reunião, após convincente explanação do Dr.Mineiro, chegou-se a um consenso sobre a criação das novas escolas; e, para a confecção dosestatutos, foi eleita uma comissão composta pelos senhores Mineiro Lacerda, José <strong>de</strong> SouzaPrata e Levy Cerqueira (LAVOURA E COMÉRCIO, 08/07/1926).Uma segunda reunião foi realizada no dia 14/07/1926, também realizada no JockeyClub, contando com a presença dos senhores Levy Cerqueira, João Henrique Sampaio, SouzaPrata, Olavo Rodrigues da Cunha, Assis Moreira, Nicolau <strong>de</strong> Oliveira (médico), GuilhermeFerreira, José <strong>de</strong> Oliveira Ferreira (médico), Horácio Jordão (engenheiro), OswaldoGuimarães, Mineiro Lacerda, Jorge Frange e Luiz Ernesto Cerqueira. Os estatutos elaboradospela comissão receberam <strong>em</strong>endas e foram aprovados pelos presentes, que elegeram, também,a primeira diretoria da nova faculda<strong>de</strong>, com a seguinte composição: Dr. José <strong>de</strong> OliveiraFerreira, diretor; Dr. Mineiro Lacerda, secretário geral; Dr. Olavo Rodrigues da Cunha,tesoureiro. Decidiu-se, ainda, que a nova escola iniciaria suas ativida<strong>de</strong>s no ano seguinte, comexame vestibular <strong>em</strong> março/1927 e início das aulas <strong>em</strong> abril do mesmo ano, data que acabou


337sofrendo pequeno atraso (LAVOURA E COMÉRCIO, 16/07/1926).Com a fundação <strong>de</strong> outra escola <strong>de</strong> comércio, a Escola Técnica <strong>de</strong> Comércio JoséBonifácio, ocorrida <strong>em</strong> 03/11/1926, o grupo optou pela abertura apenas da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia, modificando os planos iniciais. Nos meses seguintes, foi gran<strong>de</strong> aexpectativa na cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> torno da abertura da nova escola, que faria <strong>de</strong> Uberaba novamentese<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino superior. No início <strong>de</strong> 1927, os jornais locais publicaramnotícias anunciando para breve o início das ativida<strong>de</strong>s da escola:Pó<strong>de</strong>-se dizer que é uma fulgurante realida<strong>de</strong> a fundação da Escola <strong>de</strong>Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba. Aproxima-se a data do inicio <strong>de</strong>sseestabelecimento, o que marcará para Uberaba um passo vibrante no seuprogresso, sendo <strong>de</strong> magníficos resultados para toda esta vastíssima regiãoesse <strong>em</strong>prehendimento, que se <strong>de</strong>ve a uma plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong>nodada <strong>de</strong> homens <strong>de</strong>pensamento do nosso meio. Cumpre que a população uberbense auxilie, portodos os modos, a nova escola. [...] Ao que sab<strong>em</strong>os, já está assentado queos srs. Professores nada ganharão nos primeiros t<strong>em</strong>pos da Escola, ou, pelomenos, <strong>em</strong>quanto esta não os possa pagar. Isto é, primeiro a escola, <strong>de</strong>poisos professores. Primeiro o b<strong>em</strong> collectivo, <strong>de</strong>pois, o interesse pessoal(LAVOURA E COMÉRCIO, 13/02/1927, p. 3).A Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba iniciou as ativida<strong>de</strong>s no dia07/07/1927, sob a direção do Dr. José <strong>de</strong> Oliveira Ferreira. Em <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro do mesmo ano, umdos fundadores da instituição, Dr. Olavo Rodrigues da Cunha, exonerou-se dos cargos <strong>de</strong>tesoureiro e <strong>de</strong> professor da escola, alegando acúmulo <strong>de</strong> afazeres, pelo fato <strong>de</strong> ocupar, naocasião, a presidência da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba (APU, 1932).Em 05/05/1928, assumiu a direção o Dr. João Henrique Sampaio, <strong>de</strong>putado estadual eex-presi<strong>de</strong>nte da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba. No dia 9 do mesmo mês, organizou-se umasocieda<strong>de</strong>, ficando como proprietários da escola os senhores João Henrique Sampaio,Francisco Mineiro Lacerda e Assis Moreira Júnior, que ocuparam, respectivamente, os cargos<strong>de</strong> Diretor, Secretário Geral e Tesoureiro da instituição (APU, 1933). Com a formação <strong>de</strong>ssasocieda<strong>de</strong>, estava constituído o primeiro grupo capitalista a <strong>de</strong>dicar-se, <strong>de</strong> uma formaprofissional, ao ensino superior na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.Alguns meses <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 28/02/1929, absorvido por ativida<strong>de</strong>s políticas, o Dr. JoãoHenrique ven<strong>de</strong>u as suas cotas na socieda<strong>de</strong> ao Dr. Mineiro Lacerda, que passou a exercer ocargo <strong>de</strong> diretor da instituição. Naquela ocasião, o quadro <strong>de</strong> professores era composto pelossenhores Assis Moreira, Nicolau <strong>de</strong> Oliveira, Jorge Frange, João Henrique Sampaio, MozartFelicíssimo, José Sebastião da Costa, Hermenegildo Miziara, Otto Galvão e EvandroAmericano do Brasil. A secretária era a senhora Amélia Lacerda (LAVOURA E


338COMÉRCIO, 14/02/1929). No dia 02/03/1929, o Dr. Mineiro Lacerda comprou as cotas doDr. Assis Moreira Júnior, transformando-se no único dono da Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia <strong>de</strong> Uberaba (APU, 1932).Os cursos <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia eram organizados <strong>em</strong> 3 anos. O ingresso <strong>de</strong>alunos era feito, conforme <strong>de</strong>terminava a lei, através <strong>de</strong> exames <strong>de</strong> preparatórios ou <strong>de</strong>admissão. Os candidatos eram examinados por professores e por m<strong>em</strong>bros da congregação daescola. Os exames preparatórios incluíam as seguintes matérias: Português, Francês,Aritmética, Geografia, Física, Química e História Natural. As normalistas podiam matricularsenos cursos <strong>de</strong> Farmácia ou Odontologia apenas apresentando o diploma do curso normal,que equivalia aos exames <strong>de</strong> preparatórios (LAVOURA E COMÉRCIO, 14/02/1929).Já a partir <strong>de</strong> 1928, no afã <strong>de</strong> conseguir os alunos necessários ao preenchimento davagas <strong>de</strong> seus cursos, ou talvez por <strong>de</strong>sconhecimento da legislação educacional, a diretoria daEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba passou a fazer uso <strong>de</strong> uma prática consi<strong>de</strong>radailegal: abriu, anexo à escola, um Curso <strong>de</strong> Preparatórios (o que era vedado às instituições <strong>de</strong>ensino superior), incluindo as seguintes disciplinas: Português, Francês, Geografia eCorografia do Brasil, Aritmética, Física, Química e História Natural. Um anúncio publicitárioda época assim anuncia o curso e mostra, claramente, que ele era mantido pela Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia:Os candidatos que prestar<strong>em</strong> exames nesse curso, ficarão dispensados <strong>de</strong> osfazer<strong>em</strong> na Escola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba. As matrículasjá se acham abertas. Informações na Secretaria da Escola <strong>de</strong> Pharmacia eOdontologia <strong>de</strong> Uberaba, (provisoriamente) á rua Segismundo Men<strong>de</strong>s, n.65. Uberaba, 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1928. Director do curso: Prof. José Ribeiro <strong>de</strong>Castro. Secretário: Prof. José V. Souza Netto (LAVOURA E COMÉRCIO,29/03/1928, p. 3).A nosso ver, a abertura do Curso <strong>de</strong> Preparatórios tinha um objetivo claro: habilitar oscandidatos interessados <strong>em</strong> ocupar uma das vagas disponíveis nas faculda<strong>de</strong>s, haja vista quepoucos cidadãos uberabenses tinham o privilégio <strong>de</strong> ter concluído os cursos ginasial ounormal, pré-requisito para o acesso aos cursos superiores – além, é claro, dos chamadosexames <strong>de</strong> preparatórios. Por tratar-se <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino particular e, portanto,regida pelas leis do mercado, buscava-se o maior número possível <strong>de</strong> alunos pagantes, quefornecess<strong>em</strong> aos proprietários da escola o capital necessário à manutenção e à expansão do<strong>em</strong>preendimento. Nessa perspectiva, quanto mais alunos melhor, e o pensamento da direçãoda escola parecia ser o <strong>de</strong> facilitar, ao máximo, o acesso <strong>de</strong>sses às faculda<strong>de</strong>s.O reconhecimento inicial da nova faculda<strong>de</strong> não tardou: <strong>em</strong> 21/09/1927, portanto


339poucos meses após o início das ativida<strong>de</strong>s da escola, o governo estadual publicou a Lei nº1004 (Anexo 18), que reconhecia seus cursos:Art. 6 o . Ficam reconhecidos pelo Estado <strong>de</strong> Minas Geraes os diplomasconferidos pela Escola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba.Art. 7 o . O Po<strong>de</strong>r Executivo, mediante proposta dos fiscaes, po<strong>de</strong>rásuspen<strong>de</strong>r os effeitos das leis <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>ssas escolas, quandoverificar insufficiencia da matricula, <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> apparelhamento,inobservância dos programmas approvados ou <strong>de</strong>scumprimento reiteradodas disposições <strong>de</strong>sta lei e do respectivo regulamento.Art. 8 o . A duração <strong>de</strong> cada curso, o numero e seriação das respectivasca<strong>de</strong>iras, assim como as provas <strong>de</strong> aptidão para matricula, serão eguaes ásexigidas para as escolas nacionaes, officiaes ou a ellas equiparadas. [...](MINAS GERAIS, 1928, p. 164)O reconhecimento <strong>em</strong> nível estadual era importante, mas não era o suficiente, já que aescola necessitava obter, também, o reconhecimento fe<strong>de</strong>ral. Para isso, era necessário que oestabelecimento passasse por 2 anos <strong>de</strong> fiscalização fe<strong>de</strong>ral contínua. No início <strong>de</strong> 1929,assumiu a função <strong>de</strong> fiscal estadual junto à Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba oDr. J. Edison do Couto, médico formado <strong>em</strong> Paris e professor da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba(LAVOURA E COMÉRCIO, 14/02/1929). Substituindo o anterior, tomou posse, <strong>em</strong>20/11/1929, o novo fiscal estadual junto à escola: Dr. Álvaro Guaritá, que exerceu essa funçãoaté 04/12/1930, saindo após a colação <strong>de</strong> grau da primeira turma <strong>de</strong> farmacêuticos e dasegunda turma <strong>de</strong> cirurgiões-<strong>de</strong>ntistas (APU, 1932).A se<strong>de</strong> da escola localizava-se na Rua Vigário Silva, nº 69 e contava com salas <strong>de</strong> aulae com os seguintes laboratórios: Microbiologia, Química Analítica, Química Orgânica,Química Inorgânica. Possuía, também, os seguintes gabinetes: Física, Histologia, AnatomiaPatológica, Bromatologia, Medicina Legal, Toxicologia, Higiene, Clínica Dentária, Botânicae Fisiologia. O gabinete <strong>de</strong> Clínica Dentária era aberto <strong>de</strong> manhã e à tar<strong>de</strong>, e nele osestudantes, durante suas aulas práticas, atendiam gratuitamente à população carente(LAVOURA E COMÉRCIO, 14/02/1929).O ano letivo da escola iniciava-se <strong>em</strong> primeiro <strong>de</strong> abril e encerrava-se <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong>nov<strong>em</strong>bro. Terminado esse período, os alunos submetiam-se aos exames, que podiam ser <strong>de</strong>primeira ou <strong>de</strong> segunda época. Os exames <strong>de</strong> primeira época eram realizados <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro epassavam por eles os alunos freqüentes nos cursos (aqueles que assistiam às aulas diárias). Jáos alunos que se submetiam aos exames <strong>de</strong> segunda época não precisavam fazer o curso; essesalunos matriculavam-se na escola num <strong>de</strong>terminado ano letivo e faziam os chamados examesvagos, ou seja, eram examinados por professores da escola, que <strong>de</strong>les exigiam o


340conhecimento <strong>de</strong> toda a matéria ministrada durante o ano. Os aprovados nos exames <strong>de</strong>primeira ou <strong>de</strong> segunda época passavam para a etapa seguinte dos cursos (LAVOURA ECOMÉRCIO, 14/02/1929).Figura 5.7 – Clínica <strong>de</strong>ntária da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> UberabaFonte: APUDada a importância da escola para a cida<strong>de</strong>, a Lei nº 652 (Anexo 19) da CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Uberaba, <strong>de</strong> 06/09/1929, reconheceu a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia como<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, o que a isentou do recolhimento <strong>de</strong> tributos municipais.No dia 14/12/1929, a escola formou as primeiras duas turmas <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong>Odontologia, o que representou a consolidação do sonho do Prof. Mineiro Lacerda e <strong>de</strong> seuscolaboradores. De sonho a pesa<strong>de</strong>lo: logo após a formatura <strong>de</strong>ssas primeiras turmas,iniciaram-se os primeiros probl<strong>em</strong>as legais da escola, já que a Diretoria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong>Minas Gerais se negou a registrar os diplomas dos novos farmacêuticos formados <strong>em</strong>Uberaba. Essa negativa foi proveniente <strong>de</strong> uma irregularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tectada na duração do curso<strong>de</strong> Farmácia.A Escola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba foi reconhecida <strong>em</strong>


341virtu<strong>de</strong> do artigo 6 da lei 1004, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1927, que é a mesmaque regula o ensino <strong>de</strong> pharmacia e odontologia <strong>de</strong> Minas. O artigo 8 dareferida lei <strong>de</strong>termina que a duração <strong>de</strong> cada curso, a seriação dasrespectivas ca<strong>de</strong>iras, assim como as provas <strong>de</strong> aptidão para matricula serãoiguaes ás exigidas para as escolas nacionaes, officiaes ou a ellasequiparadas. [...] Determinando a lei que o ensino <strong>de</strong> pharmacia seja <strong>de</strong> 4annos, é claro e intuitivo que cumpria á Escola <strong>de</strong> Uberaba assim subordinaro seu ensino. [...] Entretanto, o curso <strong>de</strong> pharmacia na escola foi apenas <strong>de</strong>3 annos. A Saú<strong>de</strong> Publica, <strong>em</strong> face <strong>de</strong>ssa divergência, recusou aos diplomasexpedidos, s<strong>em</strong> fiel observancia do que dispõe a lei fe<strong>de</strong>ral adoptada noEstado <strong>de</strong> Minas (LAVOURA E COMÉRCIO, 24/01/1930, p. 1).Para contornar o probl<strong>em</strong>a, a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba foiobrigada a alterar o currículo do curso <strong>de</strong> Farmácia para 4 anos. Aos alunos formados nessaprimeira turma, não restou outra saída senão a <strong>de</strong> compl<strong>em</strong>entar<strong>em</strong> mais um ano <strong>de</strong> curso,prestando os exames ao final do 4º ano, a fim <strong>de</strong> conseguir<strong>em</strong> o registro <strong>de</strong> seus diplomas.Quanto ao curso <strong>de</strong> Odontologia, por permitir a lei que tivesse uma duração <strong>de</strong> 3 anos, não foinecessária nenhuma mudança curricular: os 40 alunos aprovados nos exames <strong>de</strong> primeiraépoca e formados <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1929 conseguiram o registro <strong>de</strong> seus diplomas.A segunda turma <strong>de</strong> odontolandos, composta pelos 29 alunos aprovados nos exames<strong>de</strong> 2ª época, formou-se no dia 20/03/1930. Dentre outros, po<strong>de</strong>mos citar os seguintesformandos: Orozimbo <strong>de</strong> Carvalho, Paulino Lobo Filho, Marcos Tomasowick, AugustoFranco Brunswick, José Furtado Nunes Junior, Vital José Fernan<strong>de</strong>s, Alaor Mame<strong>de</strong>,Adh<strong>em</strong>ar Jorge Ferreira, Leopoldo Ferrreira Goulart, Antônio Ferreira Goulart, AgnelloSalles, Raphael <strong>de</strong> Féo e Onilia Soares (LAVOURA E COMÉRCIO, 20/03/1930). Asolenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formatura foi assim noticiada pela imprensa local:Foi convidado para paranymphar essa turma o sr. dr. Mozart Furtado,illustre facultativo aqui domiciliado. Será orador o sr. Raphael <strong>de</strong> Féo.Terminada a cerimônia, haverá um gran<strong>de</strong> baile nos salões do Jockey Club,que foi cedido gentilmente pela sua directoria aos distinctos odontolandos.Hoje, ás 8 horas da manhã, realizou-se na Cathedral uma missa, <strong>em</strong> acção<strong>de</strong> graças, mandada celebrar pelos alumnos que terminaram o curso. Foiofficiante o revmo. Sr. padre Alaor Porfírio <strong>de</strong> Azevedo, cura da Sé. O actoesteve muito concorrido (LAVOURA E COMERCIO, 20/03/1930).No dia 08/04/1930, os alunos da escola fundaram o Centro Acadêmico <strong>de</strong> Uberaba,com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os interesses do corpo discente da instituição, além <strong>de</strong> promoverfestivida<strong>de</strong>s literárias e outros formas <strong>de</strong> entretenimento. A primeira diretoria do centroacadêmico foi a seguinte: Virgílio Rosa Fernan<strong>de</strong>s (presi<strong>de</strong>nte); João Fonseca (vicepresi<strong>de</strong>nte);Arth<strong>em</strong>io Magalhães (1º secretário); Aurélio Alonso Perez (2º secretário);Francisco Rezen<strong>de</strong> (tesoureiro); João Gonçalves Borges (orador). Para o Conselho Fiscal,


342foram eleitos os alunos Adalberto Pinheiro, Juventino Ferreira Alves e Paulo Gouveia(LAVOURA E COMÉRCIO, 10/04/1930).A evolução do número <strong>de</strong> matrículas da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberabafoi a seguinte: <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1929, a escola contava com a matrícula <strong>de</strong> 300 alunos, sendo118 freqüentes (LAVOURA E COMÉRCIO, 21/11/1929). Em julho <strong>de</strong> 1930, havia 450alunos matriculados, sendo que, <strong>de</strong>ste total, 150 eram freqüentes e 300 não-freqüentes(LAVOURA E COMÉRCIO, 05/07/1930).No início <strong>de</strong> 1930, o Dr. Assis Moreira Júnior, um dos diretores da escola, abandonoua socieda<strong>de</strong>, ficando o Dr. Mineiro Lacerda solitário na direção daquela instituição <strong>de</strong> ensino.Em meados <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro daquele ano, um jornal local publicou a notícia <strong>de</strong> que Assis Moreirapretendia abrir uma nova Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>em</strong> Uberaba. Dizia a nota:A installação da Faculda<strong>de</strong>, segundo estamos seguramente informados, seráprocedida nos primeiros dias do mez <strong>de</strong> outubro entrante. Para esse fimestão sendo dados os passos necessários, <strong>de</strong>vendo seguir para BelloHorizonte, para tratar <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r o registro dos estatutos do novelestebelecimento, um <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stacados directores que, <strong>de</strong>pois, seguirárpara o Rio <strong>de</strong> Janeiro afim <strong>de</strong> adquirir laboratórios, material <strong>de</strong>ntário,apparelhos, etc. Sab<strong>em</strong>os, ainda, que um dos promotores da i<strong>de</strong>a <strong>de</strong>ssafundação promoveu um entendimento com a directoria da Escola <strong>de</strong>Pharmacia e Odontologia local, no sentido <strong>de</strong> promover a fuzão dos doisestabelecimentos, não tendo sido attingido esse objectivo, máo grado osesforços <strong>em</strong>pregados (LAVOURA E COMÉRCIO, 17/09/1930, p. 1).Poucos dias <strong>de</strong>pois, o Dr. Mineiro Lacerda mandou publicar uma nota no mesmojornal, afirmando que havia sido procurado pelo Dr. Assis Moreira, não para propor umafusão entre a escola existente e a que seria fundada, mas, sim, com o intuito <strong>de</strong> comprar aescola dirigida por Lacerda, oferta que foi recusada por este (LAVOURA E COMÉRCIO,23/09/1930). Apesar do tom cordial com que, na nota do jornal, o Dr. Mineiro se referia aoantigo companheiro, perceb<strong>em</strong>os que reinava entre ambos um clima <strong>de</strong> rancor, que po<strong>de</strong> tercontribuído para <strong>de</strong>sestabilizar a instituição.A proposta <strong>de</strong> abertura da nova faculda<strong>de</strong> não vingou, mas, coincidência ou não, logocomeçaram a circular rumores na cida<strong>de</strong> a respeito <strong>de</strong> supostas irregularida<strong>de</strong>s existentes naEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, <strong>de</strong>núncias s<strong>em</strong>pre repelidas com ve<strong>em</strong>ênciapela diretoria da escola. Mineiro Lacerda atribuía essas calúnias a el<strong>em</strong>entos resi<strong>de</strong>ntes nacida<strong>de</strong>, interessados <strong>em</strong> prejudicar a instituição (CUNHA FILHO, 1983).Em 11/04/1931, o governo fe<strong>de</strong>ral <strong>em</strong>itiu o Decreto nº 19.852 (Dispõe sobre aorganização da Universida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro), que também criava um conjunto <strong>de</strong> normas


343para o funcionamento dos diversos cursos superiores no Brasil. Em seu Artigo 308,<strong>de</strong>terminava que, enquanto não foss<strong>em</strong> organizadas Faculda<strong>de</strong>s autônomas para o ensino <strong>de</strong>Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia, os cursos oficiais <strong>de</strong>veriam ser realizados <strong>em</strong> escolas anexas àsFaculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Medicina fe<strong>de</strong>rais, o que, na prática, extinguia as escolas <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong>Odontologia oferecidos pelos institutos livres. O mesmo <strong>de</strong>creto, <strong>em</strong> seu Artigo 313, resolveuque os alunos das Escolas <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia não fiscalizadas pelo GovernoFe<strong>de</strong>ral e cujo funcionamento havia sido interrompido por aquele dispositivo legal, po<strong>de</strong>riamtransferir-se para as séries correspon<strong>de</strong>ntes das escolas oficiais ou equiparadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quefosse provado que as escolas <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> tivess<strong>em</strong>, pelo menos, dois anos <strong>de</strong> funcionamentoefetivo (BRASIL, 1931a).Entretanto, reconhecendo a dureza do <strong>de</strong>creto anterior, o governo brasileiro, <strong>em</strong>06/07/1931, publicou o Decreto nº 20.179 (Anexo 21), dando possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funcionamentoàs Escolas <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia atingidas pelo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> jan./1931.Para tanto, porém, o governo precisava <strong>de</strong> possuir provas reais e concretasda idoneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses estabelecimentos. Assim, só po<strong>de</strong>riam voltar afuncionar as escolas estaduais que provass<strong>em</strong> exuberant<strong>em</strong>ente: a) ter tidofuncionamento regular e efetivo pelo menos pelo prazo <strong>de</strong> 2 anos; b)possuir corpo docente idôneo, moral e cientificamente; c) possuirinstalações apropriadas para o ensino a ser ministrado; d) possuir fontes <strong>de</strong>renda própria; e outras exigências <strong>de</strong> menor or<strong>de</strong>m, todas, porém,conducentes à prova da eficiência do ensino já ministrado e a ser minstradono futuro (LAVOURA E COMÉRCIO, 25/12/1932, p. 5).Em seguida, no dia 13/08/1931, o Departamento Nacional do Ensino conce<strong>de</strong>u àEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba o direito <strong>de</strong> fornecer as guias <strong>de</strong> transferênciaaos seus alunos, que, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> número, prosseguiram os cursos nas escolas <strong>de</strong> RibeirãoPreto, Ouro Preto, Belo Horizonte, São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro. A maior parte dos alunos(cerca <strong>de</strong> dois terços do total), porém, confiantes <strong>em</strong> que a escola uberabense conseguiriacumprir as exigências do Decreto nº 20.179, preferiu não se transferir para outras instituições,prosseguindo os estudos na escola <strong>de</strong> Mineiro Lacerda (LAVOURA E COMÉRCIO,25/12/1932).Em 18/01/1932, buscando os recursos necessários para a<strong>de</strong>quar a estrutura da escolaàs exigências legais, Mineiro Lacerda <strong>de</strong>cidiu organizar uma nova socieda<strong>de</strong> civil, ven<strong>de</strong>ndoparte das cotas sociais daquela instituição <strong>de</strong> ensino. Entraram na socieda<strong>de</strong> o contadorVictório Guaraciaba; Amélia Lacerda Guaraciaba, professora; Manoel Libânio Teixeira,cirurgião-<strong>de</strong>ntista; e José Ari <strong>de</strong> Almeida, advogado (APU, 1932).Nos meses seguintes, já <strong>de</strong>vidamente capitalizado, o diretor da escola tratou <strong>de</strong> equipar


344a instituição com o aparelhamento necessário, gastando uma quantia superior a 150 contos <strong>de</strong>réis na compra <strong>de</strong> material anatômico, físico, químico e <strong>de</strong>ntário. Em seguida, julgando que aescola já estivesse <strong>de</strong>vidamente aparelhada, a direção da escola solicitou a vistoria <strong>de</strong> uminspetor do Departamento Nacional do Ensino, o que ocorreu <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1932. Oinspetor consi<strong>de</strong>rou o material incompleto e novas vistorias ocorreram <strong>em</strong> abril e meados domesmo ano. A terceira inspeção <strong>em</strong>itiu parecer favorável à escola e, <strong>em</strong> 08/10/1932, oConselho Nacional <strong>de</strong> Educação conce<strong>de</strong>u a inspeção fe<strong>de</strong>ral permanente à Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, o que equivalia a um reconhecimento fe<strong>de</strong>ral. A partirdaí, os diplomas <strong>em</strong>itidos pela instituição voltaram a ter valida<strong>de</strong> legal <strong>em</strong> todo o territórionacional (LAVOURA E COMÉRCIO, 25/12/1932).Figura 5.8 – Corpo docente da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba (1932)Fonte: APUNaquele momento, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> seu elevado número <strong>de</strong> alunos e da consi<strong>de</strong>rávelquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salas <strong>de</strong> aula e laboratórios, a escola funcionava <strong>em</strong> três prédios separados,


345localizados na rua das Mercês, nº 1, rua Manoel Borges, nº 97, e Rua Manoel Borges, nº 112(LAVOURA E COMÉRCIO, 25/12/1932). A relação <strong>de</strong> professores da escola havia crescidobastante <strong>em</strong> relação aos seus primeiros dias e é mostrada no Apêndice 7; alguns <strong>de</strong>ssesprofessores aparec<strong>em</strong> na Figura 5.8.Como a escola funcionava <strong>em</strong> três prédios separados, os laboratórios, os gabinetes e assalas <strong>de</strong> aula acabavam divididos nesses locais, dificultando o bom andamento das aulas. Parasolucionar o probl<strong>em</strong>a, no dia 06/05/1933, a escola transferiu-se para a rua Arthur Machado,n° 143/145, passando a funcionar no gran<strong>de</strong> sobrado (Figura 5.9) on<strong>de</strong> outrora foraestabelecido o Telégrafo Nacional. Para receber a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia –assim como a recém-criada Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, da qual tratar<strong>em</strong>os mais adiante nestetrabalho –, o prédio passou por adaptações e foi assim <strong>de</strong>scrito <strong>em</strong> um jornal local:No pavimento térreo estão localizados os pavilhões <strong>de</strong> anatomia, histologiae microbiologia, <strong>de</strong> química orgânica e analitica e <strong>de</strong> farmácia galenica.Todos esses pavilhões foram reformados e adaptados, no estilo <strong>de</strong>anfiteatro, proporcionando <strong>de</strong>ssarte, conforto aos alunos e professores.Todas as salas são amplas e iluminadas e os gabinetes e laboratórios nelasinstalados ficaram magnificamente localizados. Nesse pavimento existeuma gran<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, com capacida<strong>de</strong> para vasto numero <strong>de</strong> alunos. Nopavimento superior estão situadas varias salas <strong>de</strong> aula, os laboratórios <strong>de</strong>bromatologia e toxicologia, o gabinete <strong>de</strong> física, o gabinete <strong>de</strong> fisiologia, aoficina <strong>de</strong> prótese e a policlínica <strong>de</strong>ntaria, com cinco ca<strong>de</strong>iras. Nessepavimento estão situadas, ainda, na melhor disposição, as salas <strong>de</strong> reuniãoda congregação, da diretoria, da secretaria, da tesouraria, o almoxarifado eos <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>partamentos inerentes ao funcionamento da Escola(LAVOURA E COMÉRCIO, 08/05/1933, p. 1).A fiscalização permanente da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia começou no dia12/06/1933, com a posse do fiscal fe<strong>de</strong>ral nomeado, sr. Carlos <strong>de</strong> Morais, professor <strong>de</strong>português da Escola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba e <strong>de</strong> outros estabelecimentos <strong>de</strong> ensino dacida<strong>de</strong>. A posse do fiscal foi com<strong>em</strong>orada com uma gran<strong>de</strong> festa organizada pela direção daescola (LAVOURA E COMÉRCIO, 13/06/1933).Agra<strong>de</strong>cendo, comovido, ás provas <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com o que o cercavam, ofiscal fe<strong>de</strong>ral traçou o seu <strong>programa</strong> <strong>de</strong> ação, esperando da colaboração <strong>de</strong>todos mais eficiência <strong>em</strong> seu trabalho fiscalizador. [....] A´s 7 horas e meia,no edifício da Escola, realizou-se o banquete que a diretoria oferecia aoprof. Carlos <strong>de</strong> Morais. Ao champagne, usou, <strong>em</strong> primeiro lugar, da palavrao dr. Mineiro <strong>de</strong> Lacerda. O seu discurso foi uma magnífica pagina <strong>de</strong>entusiasmo pelo futuro da escola, <strong>de</strong> fé na gran<strong>de</strong>za s<strong>em</strong>pre crescentedaquele estabelecimento mo<strong>de</strong>lar. [...] O discurso <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento dofiscal fe<strong>de</strong>ral foi uma peça admirável. Focalizando, <strong>em</strong> termos felizes, agrandiosa obra <strong>de</strong> progresso que a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia realiza<strong>em</strong> Uberaba, ele mostrou a beleza da ação patriótica do dr. Mineiro <strong>de</strong>Lacerda (LAVOURA E COMERCIO, 13/06/1933, p. 1).


346Já na festa <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Morais, organizada e paga pela Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia, é visível, para nós, a ina<strong>de</strong>quada relação <strong>de</strong> íntima amiza<strong>de</strong> que envolvia fiscal efiscalizados. Talvez a festa, regada a champagne, feita <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> a Carlos <strong>de</strong> Morais,tenha sido organizada <strong>de</strong> forma inocente pela diretoria da escola, mas o fato é que essa relação<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com o fiscal, cheirando a promiscuida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve ter chamado a atenção doConselho Nacional <strong>de</strong> Educação, que, <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 1934, or<strong>de</strong>nou uma fiscalização especial naescola, a qual foi realizada pelo Dr. Jurandyr Lodi.Figura 5.9 – Nova se<strong>de</strong> da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> UberabaFonte: APUApós o relatório do fiscal, <strong>em</strong> 26/05/1934, a Comissão <strong>de</strong> Ensino Superior doConselho Nacional <strong>de</strong> Educação encaminhou um parecer ao Ministro da Educação e Saú<strong>de</strong>


347Pública, apontando uma série <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s no funcionamento da escola uberabense esugerindo foss<strong>em</strong> tomadas as seguintes medidas punitivas contra a instituição: suspensão doinspetor fe<strong>de</strong>ral 184 , Dr. Carlos <strong>de</strong> Moraes, que <strong>de</strong>veria apresentar sua <strong>de</strong>fesa; <strong>de</strong>signação doDr. Jurandyr Lodi para exercer as funções <strong>de</strong> inspetor provisório no estabelecimento;concessão <strong>de</strong> um prazo, até julho/1934, para que a escola sanasse as irregularida<strong>de</strong>sapontadas; revisão do registro <strong>de</strong> diplomas dos alunos ali formados. (BRASIL, 1935).1935):Dentre as irregularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>tectadas pelo fiscal, estavam as seguintes (BRASIL,1ª) Falta <strong>de</strong> instalações físicas para acomodar as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> Zoologia e Parasitologia,Botânica, Bromatologia, Farmacognosia e Fisiologia. Segundo o parecer <strong>em</strong>itido peloConselho, a escola dispunha <strong>de</strong> uma única sala on<strong>de</strong> funcionavam todas as 5 ca<strong>de</strong>iras citadas.[...] sala que, por artificos photographicos e combinações na disposição dosmoveis, era ora dada como amphitheatro, ora como laboratorio, para todasaquellas cinco ca<strong>de</strong>iras. Pelas dimensões <strong>de</strong>sse laboratório, que nãocomporta mais <strong>de</strong> 10 alumnos, dos 140 que estudam chimica, serianecessário como prova o relatório 170 horas s<strong>em</strong>anaes para que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>funccionar as 14 turmas <strong>em</strong> que <strong>de</strong>veriam ser divididos os alumnos, o que,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, resulta impraticável (BRASIL, 1935, p. 2).2ª) Existência irregular do cargo <strong>de</strong> vice-diretor na administração da escola.3ª) Falta <strong>de</strong> documentos que provass<strong>em</strong> a doação <strong>de</strong> aluguéis dos prédios pertencentes aoDiretor da escola – esses aluguéis, durante 3 anos, <strong>de</strong>veriam fazer parte da receita da escola.4ª) Desorganização dos serviços <strong>de</strong> Secretaria, que, na opinião do fiscal especial, foramconsi<strong>de</strong>rados “máos, irregulares, s<strong>em</strong> diretriz, <strong>de</strong>batando-se numa multiplicação dispendiosa,inútil e contraproducente <strong>de</strong> livros” (BRASIL, 1935, p. 4).5ª) Irregularida<strong>de</strong>s no livro <strong>de</strong> termos ou <strong>de</strong> portarias <strong>de</strong> nomeação <strong>de</strong> professores e ainexistência dos termos <strong>de</strong> posse para os professores.6ª) Regência por médicos <strong>de</strong> disciplinas que, pela lei, são privativas dos farmacêuticos(Metalurgia e Química aplicadas, Farmacognosia, Farmácia Galênica, Química Fisiológica eToxicológica e Farmácia Química).7ª) Regência da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Higiene e Legislação Farmacêutica por um bacharel <strong>em</strong> Direito,enquanto a lei exigia que essa disciplina fosse lecionada por um médico.8ª) Irregularida<strong>de</strong>s nas matrículas <strong>de</strong> diversos alunos. Essas irregularida<strong>de</strong>s eram várias:aprovação <strong>de</strong> alguns candidatos no exame vestibular, s<strong>em</strong> que tivess<strong>em</strong> realizado a prova184 O inspetor fe<strong>de</strong>ral, Dr. Carlos <strong>de</strong> Moraes, foi acusado <strong>de</strong> ser omisso e conivente com as irregularida<strong>de</strong>s daescola.


348prática (exigida por lei); aprovação, no vestibular, <strong>de</strong> alunos que teriam feito os examespreparatórios na própria escola, prática consi<strong>de</strong>rada ilegal; insuficiência <strong>de</strong> documentosnecessários à efetivação das matrículas; etc.Embora estivesse às voltas com os graves probl<strong>em</strong>as relacionados à fiscalizaçãofe<strong>de</strong>ral, a diretoria da escola procurava não <strong>de</strong>ixar que essas notícias saíss<strong>em</strong> a público.Assim, <strong>em</strong> 1934, a escola atingiu o seu prestígio máximo junto à população. Com gran<strong>de</strong>freqüência <strong>de</strong> alunos, conseguiu formar 15 novos odontólogos e 50 farmacêuticos nos exames<strong>de</strong> primeira época realizados ao final daquele ano. Em seguida, <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1935, após osexames <strong>de</strong> 2ª época, colaram grau 19 odontólogos e 18 farmacêuticos (LAVOURA ECOMÉRCIO, 24/11/1934 - 14/02/1935).Figura 5.10 – Laboratório <strong>de</strong> química da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> UberabaFonte: APUEntretanto, os probl<strong>em</strong>as da escola cresciam a cada dia: conforme a Comissão <strong>de</strong>Ensino Superior, como a Escola <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia <strong>de</strong> Uberaba não se <strong>em</strong>penhara <strong>em</strong>


349sanar as irregularida<strong>de</strong>s apontadas no relatório <strong>de</strong> Jurandyr Lodi <strong>de</strong>ntro do prazo concedido àinstituição, foi <strong>em</strong>itido o Parecer nº 205, <strong>em</strong> 06/02/1935, <strong>em</strong> que era sugerido à DiretoriaNacional <strong>de</strong> Educação foss<strong>em</strong> tomadas as seguintes medidas contra a Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia:a) D<strong>em</strong>issão do Inspector Dr. Carlos <strong>de</strong> Moraes pela <strong>de</strong>monstrada falta <strong>de</strong>exacção no cumprimento <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres.b) Cassação da regalia <strong>de</strong> inspecção preliminar outorgada á Escola.c) Revisão do registro <strong>de</strong> diplomas da Escola afim <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> cancelladas osque não estivess<strong>em</strong> <strong>de</strong> accordo com as prescripções legaes (BRASIL, 1935,p. 1).Homologado o Parecer nº 205 pelo ministro da educação, significaria isto umduríssimo golpe no estabelecimento <strong>de</strong> ensino uberabense. Dessa forma, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo ainstituição, o diretor-tesoureiro da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, VictórioGuaraciaba, atribuiu as <strong>de</strong>núncias e a ameaça <strong>de</strong> retirada da inspeção fe<strong>de</strong>ral da escola a umaperseguição baseada <strong>em</strong> <strong>de</strong>núncias falsas, movida pela Diretoria Nacional <strong>de</strong> Educação contrao estabelecimento <strong>de</strong> ensino. Guaraciaba assim relata a crise <strong>de</strong> sua escola:Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nuncias partidas daqui, a Diretoria <strong>de</strong> Educação, <strong>em</strong> abril,mandou a Uberaba pessoa <strong>de</strong> sua confiança, inspecionar a nossa Escola. Ainspeção foi rigorosissima, nada sendo encontrado; n<strong>em</strong> uma falha, lacunaalguma. Nada que pu<strong>de</strong>sse ferir a idoneida<strong>de</strong> do ensino e a organisação donosso estabelecimento. Entretanto, o inspetor, no Rio, no seu relatório, fezacusações ao fiscal fe<strong>de</strong>ral, taxando-o <strong>de</strong> negligente no cumprimento <strong>de</strong>suas funções. A Diretoria da Educação, antes da <strong>de</strong>feza do fiscal, <strong>de</strong>liberoususpen<strong>de</strong>-lo. Este, <strong>em</strong> <strong>de</strong>feza <strong>de</strong> seus direitos, compareceu perante essainstituição, e, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo-se brilhant<strong>em</strong>ente, provou a improcedência dasacusações e a fragilida<strong>de</strong> das provas apresentadas contra si, tendo aDiretoria da Educação, por telegrama <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> agosto do mesmo ano,assinado pelo dr. Teodoro Ramos, reintegrado o mesmo no cargo quereassumiu imediatamente (GAZETA DE UBERABA, 13/02/1935, p. 1).Dias <strong>de</strong>pois, o jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (12/03/1935) publicou um artigo noticiandoque o Departamento Nacional <strong>de</strong> Ensino, <strong>em</strong> cumprimento ao Parecer nº 205, havia retirado afiscalização da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, o que, na prática, significava onão reconhecimento fe<strong>de</strong>ral dos diplomas expedidos pela instituição.A situação da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba ganhou repercussão. Apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fechamento da escola, com o conseqüente prejuízo <strong>de</strong> todos os alunos, levouos políticos locais, especialmente o Dr. João Henrique Sampaio, representante local naCâmara dos Deputados, a correr<strong>em</strong> <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa da instituição. O ilustre <strong>de</strong>putado encaminhoudois telegramas, sendo o primeiro ao interventor fe<strong>de</strong>ral no estado <strong>de</strong> Minas Gerais, Sr.Benedito Valadares; o segundo, ao ministro da educação, Gustavo Capan<strong>em</strong>a, ambos


350apelando <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa da escola e pedindo a sua manutenção. Respon<strong>de</strong>ndo ao <strong>de</strong>putado, ointerventor fe<strong>de</strong>ral enviou a ele o seguinte telegrama:Dr. João Henrique – Uberaba – Tenho o prazer <strong>de</strong> comunicar ao presadoamigo que encaminhei ao ministro Capan<strong>em</strong>a, com todo interesse, seupedido relativo á Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>. Cordiaissaudações – Benedito Valadares (GAZETA DE UBERABA, 15/02/1935,p. 1).No final <strong>de</strong> março/1935, os alunos da escola resolveram entrar <strong>em</strong> greve e não maisfreqüentar<strong>em</strong> as aulas até que o ministro Gustavo Capan<strong>em</strong>a <strong>de</strong>finisse a situação legal daescola e resguardasse os direitos dos alunos (GAZETA DE UBERABA, 31/03/1935). Essasituação sensibilizou, inclusive, o poeta Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, na época altofuncionário do Ministério da Educação, o qual enviou uma nota ao jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba,procurando acalmar os ânimos dos alunos e da população uberabense e afirmando que oministro da educação iria inteirar-se da <strong>de</strong>fesa enviada pela Escola <strong>de</strong> Farmácia, antes <strong>de</strong>tomar qualquer medida punitiva. Vejamos, na íntegra, a carta do célebre poeta brasileiro:Lendo nesse jornal que os alunos da Escola <strong>de</strong> Farmacia e Odontologiaresolveram <strong>de</strong>clarar-se <strong>em</strong> greve até a solução do caso daquele Institutopelo sr. Ministro da Educação, peço-lhe tornar publico que o processorespectivo se acha na Secretaria do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação para sernovamente julgado na seção <strong>de</strong> Abril proximo, pois, este Gabinete observouque o primitivo parecer fôra <strong>em</strong>itido s<strong>em</strong> conhecimento da <strong>de</strong>fesa daEscola, apresentada pelo seu inspetor. Mandando juntar ao processo areferida <strong>de</strong>fesa, que se encontrava na Diretoria Nacional <strong>de</strong> Educação, o sr.Ministro procurou, assim, esclarecer melhor o assunto, que será resolvido<strong>de</strong>ntro do criterio legal e resguardados com a provi<strong>de</strong>ncia a que aludi, oslegitimos interesses dos alunos. Saudações atenciosas. – Carlos DrummondAndra<strong>de</strong>, Diretor da Secretaria (GAZETA DE UBERABA, 06/04/1935, p.1).A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o processo <strong>de</strong> retirada da fiscalização fe<strong>de</strong>ral ser revisto peloMinistério da Educação trouxe novos ânimos aos dirigentes da escola. Após dias <strong>de</strong>apreensão, a imprensa local publicava:[...] po<strong>de</strong>mos dar ao publico a alviçareira nova <strong>de</strong> que o Conselho Nacional<strong>de</strong> Educação proce<strong>de</strong>rá a novo julgamento <strong>em</strong> relação á nossa Escola <strong>de</strong>Farmacia. O motivo é que, para a <strong>de</strong>cisão já divulgada, não tomaraconhecimento da <strong>de</strong>fesa apresentada pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia. Tudo faz prever que as acusações levianamente feitas contra oimportante Estabelecimento, cairão por terra, reduzidas ás suas verda<strong>de</strong>irasproporções <strong>de</strong> ‘parti pris’ e Uberaba po<strong>de</strong>rá ostentar como florão <strong>de</strong> umadas suas mais belas conquistas, a sua Escola superior, que tantos e tãoassinalados benefícios v<strong>em</strong> prestando a toda esta região (GAZETA DEUBERABA, 06/04/1935, p. 1).Após alguns meses <strong>de</strong> in<strong>de</strong>finições, <strong>em</strong> 11/10/1935, um novo Parecer (nº 206) foi


351<strong>em</strong>itido pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação, confirmando o anterior e novamente apontandoas várias irregularida<strong>de</strong>s presentes na Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia. O Parecer nº 206concluía pedindo ao ministro da Educação as seguintes medidas punitivas contra a escolauberabense: cassação da regalia <strong>de</strong> inspeção preliminar outorgada à Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia <strong>de</strong> Uberaba e a revisão do registro <strong>de</strong> diplomas da escola, a fim <strong>de</strong> ser<strong>em</strong>cancelados os que não estivess<strong>em</strong> <strong>de</strong> acordo com as prescrições legais (BRASIL, 1935).A Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba apresentou <strong>de</strong>fesa ao ConselhoNacional <strong>de</strong> Educação, datada <strong>em</strong> 17/10/1935, composta <strong>de</strong> 4 folhas e acompanhada por 22documentos, na qual procurava mostrar a sua idoneida<strong>de</strong> e se prontificava a resolver todos osprobl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>tectados pela fiscalização (APU, 1935). Entretanto, apesar da <strong>de</strong>fesa apresentadapela direção da escola, o Ministério da Educação <strong>de</strong>cidiu pela manutenção das sanções. A<strong>de</strong>cisão abalou <strong>de</strong>finitivamente as estruturas daquela instituição <strong>de</strong> ensino, que, <strong>em</strong>borairr<strong>em</strong>ediavelmente ferida, continuou a funcionar.Em 1935, a escola ainda conseguiu formar, nos exames <strong>de</strong> primeira época, 23odontólogos e 16 farmacêuticos. Nos exames <strong>de</strong> segunda época, realizados no princípio <strong>de</strong>1936, formaram-se 16 odontólogos e 18 farmacêuticos. Essas teriam sido as últimas turmasformadas pela Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba. Dentre os farmacêuticosformados <strong>em</strong> primeira época, estava Amélia Lacerda Guaraciaba, secretária da instituição efilha <strong>de</strong> Mineiro Lacerda (APU, 1936b).Boa parte dos alunos abandonou a escola no final <strong>de</strong> 1935, mas outros apostaram nareversão do quadro e no retorno da fiscalização fe<strong>de</strong>ral. S<strong>em</strong> que a situação sofresse qualquermodificação favorável à escola, as aulas prosseguiram até o final do primeiro s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong>1936, sendo que a última ata <strong>de</strong> reunião do Conselho Técnico Administrativo da escola foidatada no dia 17/05/1936 (APU, 1936).Finalmente, dando fim à agonia da instituição, o Decreto nº 1.003 (Anexo 22), <strong>de</strong>01/08/1936, assinado pelo presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas e pelo ministro Gustavo Capan<strong>em</strong>a,<strong>de</strong>terminou o seguinte: “O Presi<strong>de</strong>nte da Republica dos Estados Unidos do Brasil, resolve nostermos do art. 14 do <strong>de</strong>creto n. 20.179, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1931, com a redacção que lhe <strong>de</strong>u oart. 10 do <strong>de</strong>creto n. 23.546, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1933, suspen<strong>de</strong>r a inspecção da Escola <strong>de</strong>Pharmacia e Odontologia, com sé<strong>de</strong> <strong>em</strong> Uberaba, Estado <strong>de</strong> Minas Geraes” (BRASIL, 1936,p.1). Esclarec<strong>em</strong>os que o artigo 14 do <strong>de</strong>creto nº 20.179, acima citado, <strong>de</strong>terminava quePer<strong>de</strong>rá t<strong>em</strong>porária ou <strong>de</strong>finitivamente a regalia do reconhecimento oinstituto livre que não fizer o <strong>de</strong>pósito anual para o serviço <strong>de</strong> inspeção, ou<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> cumprir as disposições legais, ou cometer quaisquer outras


352irregularida<strong>de</strong>s graves, verificadas as duas últimas hipóteses pelo inspetordo instituto ou por inspetor especial, cabendo ao Conselho Nacional <strong>de</strong>Educação <strong>de</strong>cidir, <strong>em</strong> cada caso, se a perda do reconhecimento <strong>de</strong>verá sert<strong>em</strong>porária ou <strong>de</strong>finitiva (BRASIL, 1931, p. 4).Dessa forma, com a sentença <strong>de</strong>finitiva dada pelo governo fe<strong>de</strong>ral, retirando ainspeção das faculda<strong>de</strong>s, a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba viu-se <strong>de</strong>sprovidada autorização fe<strong>de</strong>ral para funcionar e foi obrigada a fechar as portas, conforme mostra umaviso publicado pela direção da escola no jornal Lavoura e Comércio:Tendo sido suspensa, por <strong>de</strong>creto n. 1003, <strong>de</strong> 1º do atual, a fiscalizaçãofe<strong>de</strong>ral que a Escola <strong>de</strong> Farmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba gozava, aDiretoria Nacional <strong>de</strong> Educação, <strong>em</strong> oficio <strong>de</strong> 4 do corrente, dirigido áinspetoria da Escola, <strong>de</strong>terminou que os seus alunos sejam transferidos paraas escolas congêneres sob inspecção permanente. Determinou, ainda, aDiretoria Nacional <strong>de</strong> Educação, sejam registrados imediatamente osdiplomas expedidos <strong>em</strong> 1933, inclusive os expedidos <strong>em</strong> segunda época, eos diplomados, <strong>de</strong>pois daquele ano, <strong>de</strong>verão se submeter a exame <strong>de</strong>revalidação, nas ca<strong>de</strong>iras da terceira serie. Os alunos da Escola <strong>de</strong> Farmaciae Odontologia <strong>de</strong> Uberaba <strong>de</strong>verão procurar, <strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong> 10 dias, nasecretaria da Escola, as respectivas guias <strong>de</strong> transferencia, sob pena <strong>de</strong>per<strong>de</strong>r<strong>em</strong> a matricula (LAVOURA E COMERCIO, 08/08/1936, p. 1).Os arquivos da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba foram recolhidos pelaInspetoria Geral do Ensino Superior, estabelecida no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Os alunos que aindacursavam as faculda<strong>de</strong>s transferiram-se, <strong>em</strong> sua maioria, para as escolas congêneres <strong>de</strong>Ribeirão Preto e Ouro Preto. Os materiais e equipamentos foram vendidos às faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Ouro Preto e Alfenas (CUNHA FILHO, 1983). Além disso, conforme fica claro nocomunicado da escola, todos os farmacêuticos e <strong>de</strong>ntistas formados <strong>em</strong> 1934, 1935 e 1936foram obrigados a submeter-se a exames <strong>de</strong> revalidação <strong>de</strong> seus diplomas, feitos <strong>em</strong>faculda<strong>de</strong>s reconhecidas pelo governo.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente das supostas irregularida<strong>de</strong>s cometidas pela direção daquelainstituição <strong>de</strong> ensino, o fechamento da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberabarepresentou um duro golpe nas famílias <strong>de</strong> Uberaba e região que não pertenciam às eliteseconômicas. Apesar <strong>de</strong> pagas, as instituições dirigidas por Mineiro Lacerda eram a únicaopção para aqueles que não tinham condições econômicas para custear estudos superiores <strong>em</strong>outras localida<strong>de</strong>s. Embora também serviss<strong>em</strong> aos interesses <strong>de</strong> um grupo capitalista, aquelasescolas tiveram o mérito <strong>de</strong> incluir uma parcela da população 185 que, <strong>de</strong> outra forma, estariaimpossibilitada <strong>de</strong> obter o diploma <strong>de</strong> nível superior.185 Os Apêndices 10 e 11 mostram relações parciais <strong>de</strong> alunos formados nos cursos <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong>Odontologia daquela instituição <strong>de</strong> ensino.


3535.5 A Universida<strong>de</strong> do Trabalho: um sonho <strong>de</strong> Fidélis ReisFidélis Gonçalves dos Reis (1880-1962) foi um dos oito engenheiros agrônomosformados pelo Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba no ano <strong>de</strong> 1898. Ao lado do irmão, José Mariados Reis, tornou-se um dos mais influentes e atuantes cidadãos uberabenses <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po. Emseu extenso currículo, <strong>de</strong>stacamos a atuação como jornalista, escritor 186 , político, lí<strong>de</strong>r<strong>em</strong>presarial e classista. Foi <strong>de</strong>putado estadual eleito <strong>em</strong> 1919 e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral por váriasmagistraturas, sendo que, no legislativo nacional, t<strong>em</strong> o seu nome relacionado com a luta pelaimplantação do ensino técnico e das Universida<strong>de</strong>s do Trabalho no Brasil. Por outro lado, o<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral Fidélis Reis ficou também muito conhecido, <strong>de</strong>sta feita <strong>de</strong> uma formanegativa, por suas polêmicas posições <strong>de</strong> cunho racista e que visavam interferir na políticaimigratória adotada pelo governo brasileiro 187 .Figura 5.11 – Fidélis Gonçalves dos ReisFonte: APU186 Fidélis Reis é autor dos seguintes livros: País a Organizar (1931), Política da Gleba (1919), PolíticaEconômica (1921), Ensino Técnico Profissional (1923), Probl<strong>em</strong>a Imigratório e seus Aspectos Étnicos (1924) eHomens e Probl<strong>em</strong>as do Brasil.187 Fidélis Reis <strong>de</strong>fendia idéias racistas, como a da chamada eugenia, que pregava o melhoramento do patrimôniogenético do povo brasileiro através da introdução <strong>de</strong> indivíduos portadores <strong>de</strong> genes consi<strong>de</strong>rados vantajosos(imigrantes europeus) e pela restrição da entrada <strong>de</strong> outros que possuíss<strong>em</strong> genes <strong>de</strong>svantajosos (negros eamarelos). Em 1921, ante a perspectiva da vinda <strong>de</strong> imigrantes negros norte-americanos para o Brasil, o<strong>de</strong>putado uberabense tornou-se o mentor intelectual do projeto <strong>de</strong> lei, apresentado pelos <strong>de</strong>putados Andra<strong>de</strong>Bezerra e Cincinato Braga, que proibia a imigração <strong>de</strong> negros para o Brasil. Em 22/10/1923, Fidélis Reisapresentou outro projeto <strong>de</strong> lei, <strong>em</strong> que, novamente, propunha a proibição da entrada <strong>de</strong> negros no Brasil elimitava a entrada anual <strong>de</strong> amarelos a, no máximo, 5% do total <strong>de</strong> indivíduos radicados no país. Reis pregavaabertamente que a raça <strong>de</strong>via ser <strong>de</strong>fendida contra o perigo da mestiçag<strong>em</strong> e que o Brasil <strong>de</strong>via envidar medidasque pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> promover o branqueamento <strong>de</strong> sua população.


354Em uma <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>clarações públicas, Fidélis Reis assim retrata o seu compromissopara com a educação: “Não sendo um técnico, um especialista, foram, entretanto, as questõesdo ensino, da educação do povo, as que, até hoje, mais me fascinaram. Na vida pública, paraelas, para o seu estudo, tive s<strong>em</strong>pre voltada a minha melhor atenção.” (GAZETA DEUBERABA, 24/07/1934, p. 1). A questão do trabalho s<strong>em</strong>pre influenciou <strong>de</strong>cisivamente asidéias inerentes à educação e foi nessa direção que o seu pensamento pedagógico se formou.Segundo Pronko (1999), a instituição universitária t<strong>em</strong> sido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, umespaço para discussões acerca das funções sociais que <strong>de</strong>ve cumprir, especialmente durante oséculo XX, quando <strong>em</strong>ergiu a dicotomia da <strong>universida<strong>de</strong></strong> como <strong>em</strong>presa versus a <strong>universida<strong>de</strong></strong>como agência social <strong>de</strong> incertezas. Nas primeiras décadas do século passado, foi possívelobservar, <strong>em</strong> nível internacional, o surgimento <strong>de</strong> propostas educativas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que osestudos <strong>de</strong> nível médio e superior <strong>de</strong>veriam ser dirigidos às necessida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong>formação técnico-profissional surgidas no âmbito do trabalho. Essas institiuições <strong>de</strong> ensinoi<strong>de</strong>alizadas <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>stinadas aos novos grupos sociais que haviam surgido com oavanço do processo <strong>de</strong> industrialização e que não tinham acesso aos sist<strong>em</strong>as educativostradicionais. Nesse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino, <strong>de</strong>veria haver uma reorientação curricular, com apassag<strong>em</strong> dos estudos humanísticos aos técnico-tecnológicos. Além disso, os <strong>de</strong>stinatários donovo saber a ser apropriado seriam os trabalhadores, que só assim estariam aptos a integraruma nova elite dirigente.O novo mo<strong>de</strong>lo universitário baseado no trabalho foi projetado pela primeira vez naBélgica, com a Université du Travail (1902). Experiências similares ocorreram <strong>em</strong> outrospaíses: Universida<strong>de</strong> do Trabalho (1934-1954, Brasil), Universidad <strong>de</strong>l Trabajo (1942,Uruguai), Universidad Obrera Nacional (1948, Argentina) e Universidad Laboral (1952,Espanha). Além <strong>de</strong>ssas, iniciativas s<strong>em</strong>elhantes surgiram também no Chile, na Colômbia e naVenezuela (PRONKO, 1999).Ciavatta (2005) aborda a questão do trabalho como princípio educativo. Afirma que apedagogia do trabalho t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> no contexto da Revolução Industrial e adquire vertentes,tanto na socieda<strong>de</strong> liberal burguesa, quanto na socieda<strong>de</strong> socialista que <strong>em</strong>ergiu após aRevolução <strong>de</strong> 1917. Examinando o pensamento <strong>de</strong> autores como Dewey e Pistrak, o autorl<strong>em</strong>bra queO primeiro, como educador <strong>de</strong> um país liberal, capitalista, dá importânciacentral à educação pela ação prática e útil e pela adaptação do estudante aospadrões sociais da industrialização. Tecnologia, <strong>de</strong>mocracia e capitalismoeram as referências centrais do novo mundo e da educação. Pistrak,


355trabalhando <strong>em</strong> um país socialista, quer a educação pela inserção doestudante no coletivo escolar, pelo trabalho real e pela compreensão dasrelações sociais da produção, visando a transformação social (CIAVATTA,2005, p. 126).Na verda<strong>de</strong>, as propostas socialistas que <strong>de</strong>fendiam o trabalho como princípioeducativo r<strong>em</strong>ontam a meados do século XIX. Marx já recomendava o trabalho infantil comouma forma <strong>de</strong> libertação das classes proletárias. L<strong>em</strong>brava, entretanto, que esse trabalho teriaque ser útil do ponto <strong>de</strong> vista social e regulamentado cuidadosamente, <strong>de</strong> maneira que <strong>em</strong>nada se parecesse com a exploração infantil capitalista. Assim, Marx e Engels, <strong>em</strong> seuManifesto do partido comunista, escrito entre 1847 e 1848, <strong>de</strong>fendiam a educação pública egratuita para todas as crianças, baseada nos seguintes princípios:1º) da eliminação do trabalho <strong>de</strong>las na fábrica;2º) da associação entre educação e produção material;3º) da educação politécnica que leva à formação do hom<strong>em</strong> omnilateral,abrangendo três aspectos: mental, físico e técnico, a<strong>de</strong>quados à ida<strong>de</strong> dascrianças, jovens e adultos;4º) da inseparabilida<strong>de</strong> da educação e da política, portanto, da totalida<strong>de</strong> dosocial e da articulação entre o t<strong>em</strong>po livre e o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> trabalho, isto é, otrabalho, o estudo e o lazer (GADOTTI, 1995, p. 121).Também Antonio Gramsci entendia o trabalho como parte fundamental do processo <strong>de</strong>ensino, enfatizando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar homens omnilaterais, isto é, produtores e, aomesmo t<strong>em</strong>po, dirigentes. Entretanto, convém ressaltar que, ao contrário <strong>de</strong> Marx, Gramscinão se refere à inserção das crianças no processo produtivo. Para ele, o trabalho <strong>de</strong>via serinserido na escola a partir <strong>de</strong> dois el<strong>em</strong>entos educativos fundamentais: noções <strong>de</strong> ciênciasnaturais e noções <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong>veres do cidadão, o que, segundo Gramsci, <strong>de</strong>senvolveria nascrianças a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar (GRAMSCI, 1982).No começo do século XX, o Brasil era um cal<strong>de</strong>irão on<strong>de</strong> se misturavam idéias econcepções provenientes da Europa e dos Estados Unidos: liberalismo, positivismo,socialismo e anarquismo influenciavam as idéias pedagógicas. Entretanto, o avanço dosvalores burgueses, a mo<strong>de</strong>rnização das cida<strong>de</strong>s e a chegada <strong>de</strong> muitos imigrantes, que queriamfazer fortuna na América, formaram no Brasil um contexto político-social <strong>em</strong> que o discursosocialista <strong>de</strong> educação não conseguiu gran<strong>de</strong> repercussão.A busca <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo da ‘nova escola’ passa, primeiro, pela preocupaçãoda assistência aos <strong>de</strong>svalidos, do valor disciplinador do trabalho e doatendimento às necessida<strong>de</strong>s da indústria nascente. Em segundo lugar, abusca do mo<strong>de</strong>lo passa pelo i<strong>de</strong>ário escolanovista que concebia asativida<strong>de</strong>s manuais como um processo pedagógico <strong>de</strong> superação dobeletrismo tradicional e como meio psicopedagógico <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentointelectual através das mãos, do movimento. (CIAVATTA, 2005, p. 130).


356Schwartzman (2000) l<strong>em</strong>bra que o ensino industrial teve início oficial no Brasil com acriação, através do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, das Escolas <strong>de</strong>Aprendizes e Artífices, regulamentadas por um <strong>de</strong>creto do presi<strong>de</strong>nte Nilo Peçanha, <strong>de</strong> 1909.A medida não visava ao <strong>de</strong>senvolvimento da indústria e das profissões, mas principalmente areduzir os probl<strong>em</strong>as sociais que a urbanização incipiente do país já trazia. A saída para oaumento da população das cida<strong>de</strong>s seria, na visão governamental, o ensino profissional, queafastaria os filhos das classes proletárias da ociosida<strong>de</strong> e do crime. A exposição <strong>de</strong> motivospresente no <strong>de</strong>creto governamental que criou essas escolas <strong>de</strong>ixa à mostra a formapreconceituosa com que o Estado encarava a educação profissional das classes populares:Consi<strong>de</strong>rando:que o aumento constante da população das cida<strong>de</strong>s exige que se facilite àsclasses proletárias os meios <strong>de</strong> vencer as dificulda<strong>de</strong>s s<strong>em</strong>pre crescentes daluta pela existência;que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos<strong>de</strong>sfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual,como fazê-los adquirir hábitos <strong>de</strong> trabalho profícuo, que os afastará daociosida<strong>de</strong>, escola do vício e do crime;que é um dos primeiros <strong>de</strong>veres do Govêrno da República formarcidadãos úteis à nação; [...] (CERQUEIRA, 2004, p. 12)Segundo Cerqueira (2004), as Escolas <strong>de</strong> Aprendizes e Artífices <strong>de</strong>veriam formar,<strong>de</strong>ntre crianças <strong>de</strong> <strong>de</strong>z a treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, operários e contramestres para as industrias,ministrando ensino prático e conhecimentos técnicos <strong>de</strong> até cinco ofícios manuais oumecânicos. Os alunos tinham assistência médico-<strong>de</strong>ntária e recebiam do governo asferramentas necessárias para que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolver seus trabalhos e ven<strong>de</strong>r a produção.Em 1910, já haviam sido instaladas 19 escolas <strong>de</strong>sse tipo por todo o país, com um total<strong>de</strong> 1.248 alunos efetivos. Entre 1910 e 1930, essas escolas formaram, <strong>em</strong> média, cerca <strong>de</strong>3.000 alunos por ano, perfazendo um total <strong>de</strong> aproximadamente 60.000 alunos formados,número reduzido, se comparado ao total da população brasileira, que oscilou <strong>de</strong> 23.000.000 a34.000.000 <strong>de</strong> habitantes naquele período. De qualquer forma, conforme l<strong>em</strong>bra Cerqueira(2004), a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> aprendizes e artífices trouxe uma gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação àestrutura do ensino brasileiro, por ter sido o primeiro sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> educação <strong>de</strong> abrangêncianacional.No início do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Venceslau Brás (1914-1918), foi criada uma comissãoque percorreu alguns países da Europa, a fim <strong>de</strong> conhecer as diferentes formas <strong>de</strong> organizaçãodo ensino técnico-profissional. Dentre os técnicos que fizeram parte da comissão, estava o


357uberabense Fidélis Reis. Foi possivelmente nessa viag<strong>em</strong> que ele conheceu as experiênciaseducacionais que iriam influenciar, para s<strong>em</strong>pre, o seu pensamento pedagógico.Em 1920, foi criada, no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, umacomissão chefiada por João Lü<strong>de</strong>ritz, encarregada <strong>de</strong> propor medidas para a reestruturação doensino profissional no país, <strong>de</strong> modo a superar seus probl<strong>em</strong>as e torná-lo mais eficiente. Essacomissão foi batizada como Serviço <strong>de</strong> R<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lação do Ensino Profissional Técnico e<strong>de</strong>senvolveu <strong>de</strong>talhado levantamento das condições do ensino técnico-industrial brasileiro,propondo ações voltadas à melhoria do ensino praticado nas escolas <strong>de</strong> artífices. Além disso,a comissão elaborou os primeiros manuais <strong>de</strong> tecnologia <strong>de</strong> ofícios, já que, naquela época,inexistiam livros técnicos <strong>em</strong> português para uso nas escolas (CERQUEIRA, 2004).Paralelamente ao trabalho <strong>de</strong>senvolvido pelo Serviço <strong>de</strong> R<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lação, Ciavatta(2005) l<strong>em</strong>bra que, a partir dos anos 20, reunidos <strong>em</strong> torno da Associação Brasileira <strong>de</strong>Educação (ABE), educadores como Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando <strong>de</strong> Azevedoelaboram, <strong>em</strong> várias conferências, propostas para o probl<strong>em</strong>a da educação brasileira.O trabalho, a indústria, a técnica, a formação profissional são questõesfundamentais das discussões da época. Desenhava-se, na escola e entre aselites dirigentes da época, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> país no qual eram fundamentais aexaltação do trabalho, o apaziguamento dos conflitos entre capital etrabalho, as posições nacionalistas e a industrialização (CIAVATTA, 2005,p. 131).Na concepção dos pioneiros da escola nova, o trabalho <strong>de</strong>veria constituir o novoprincípio educativo que iria recuperar a escola para as necessida<strong>de</strong>s futuras do país. Ointeressante é que, nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola, estavam presentes el<strong>em</strong>entos da escola dotrabalho capitalista (i<strong>de</strong>alizada pelos reformadores europeus e americanos) e das escolastécnicas <strong>de</strong> inspiração socialista (CIAVATTA, 2005).Cerqueira (2004) l<strong>em</strong>bra também que, ao longo da década <strong>de</strong> 1920, o CongressoNacional foi palco <strong>de</strong> intensos <strong>de</strong>bates sobre o ensino técnico e profissional, com <strong>de</strong>staquepara o projeto apresentado por Fidélis Reis <strong>em</strong> 1922 (e aprovado somente <strong>em</strong> 1927, comover<strong>em</strong>os mais adiante), que previa o oferecimento obrigatório do ensino profissional no país.Além <strong>de</strong>sse, o <strong>de</strong>putado Graco Cardoso apresentou um projeto que propunha amplaregulamentação do ensino industrial brasileiro.Em seu artigo, Cerqueira (2004) <strong>de</strong>staca uma fala <strong>de</strong> Fidélis Reis <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo seuprojeto <strong>em</strong> uma das sessões da Câmara dos Deputados, na qual colocava a opinião <strong>de</strong> um dosmaiores gênios do século XX, o físico al<strong>em</strong>ão Albert Einstein – com qu<strong>em</strong> Reis costumavacorrespon<strong>de</strong>r-se –, sobre o ensino técnico-profissionalizante. As palavras <strong>de</strong> Einstein, lidas


358pelo <strong>de</strong>putado uberabense, são as seguintes:Na minha opinião, o verda<strong>de</strong>iro meio <strong>de</strong> estabelecer um contato entre a vidapública e a escola é instituir, compulsòriamente, o aprendizado <strong>de</strong> umofício. Todos os rapazes <strong>de</strong>v<strong>em</strong> saber um ofício; qualquer que seja aescolha, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> alcançar qualquer habilitação técnica, <strong>de</strong> carpinteiro, oumarceneiro, enca<strong>de</strong>rnador, serralheiro, etc. O aprendizado técnico preenchedois gran<strong>de</strong>s propósitos: a formação do ser ético e a solidarieda<strong>de</strong> com asgran<strong>de</strong>s massas do povo. A escola não po<strong>de</strong> ser uma fonte <strong>de</strong>jurispru<strong>de</strong>ntes, literatos e advogados, n<strong>em</strong> meramente a fábrica <strong>de</strong> máquinasmentais. Prometeu, segundo o mito, não começou a ensinar aos homens aastronomia, mas principiou pelo fogo e suas proprieda<strong>de</strong>s e usos práticos...(apud CERQUEIRA, 2004, p. 15).Outras iniciativas não governamentais <strong>de</strong> educação profissionalizante no Brasilr<strong>em</strong>ontam ao século XIX. É o caso dos chamados Liceus <strong>de</strong> Artes e Ofícios, normalmentecriados e mantidos por socieda<strong>de</strong>s privadas, e que tinham a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministrar a educaçãopopular, fundamental e profissionalizante para m<strong>em</strong>bros das classes menos favorecidas. Essasiniciativas eram apoiadas pelo <strong>em</strong>presariado urbano, que necessitava <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra dotada<strong>de</strong> uma capacitação mínima necessária às ativida<strong>de</strong>s industriais e comerciais. O primeiro a sercriado, no Brasil e <strong>em</strong> toda a América do Sul, foi o do Rio <strong>de</strong> Janeiro, fundado <strong>em</strong>23/11/1856, por iniciativa da Socieda<strong>de</strong> Propagadora das Belas Artes (SPBA), e pioneiro naimplantação <strong>de</strong> diversos cursos técnicos para as classes operárias 188 (BIELINSKI, 2007).Essa mesma socieda<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> outras similares, fundou outros liceus pelo país, com odinheiro <strong>de</strong> seus sócios e ajudados por subsídios do governo: Salvador (1872), São Paulo(1873), Recife (1880), Petrópolis (1890), etc.Em fevereiro <strong>de</strong> 1925, um jornal uberabense noticiou que um grupo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rançaslocais, tendo à frente o <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral Fidélis Reis, pretendia fundar <strong>em</strong> Uberaba um Liceu<strong>de</strong> Artes e Ofícios, <strong>de</strong>stinado à aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> profissões técnicas e manuais (LAVOURA ECOMÉRCIO, 26/02/1925). A notícia <strong>de</strong>sse <strong>em</strong>preendimento foi encarada com ceticismo pormuitas pessoas. Um uberabense anônimo radicado <strong>em</strong> Uberabinha escreveu o seguinte artigo,publicado <strong>em</strong> um jornal local, <strong>de</strong>monstrando a sua pouca confiança no sucesso da proposta:Quando li outro dia que Uberaba ia ter um Lyceu <strong>de</strong> Artes e Officios, <strong>de</strong>umevonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> rir. Sim, veio-me este estodo d’alma – symptomatico dosque não crêm nas cousas <strong>de</strong>... Uberaba. Alli nasci, alli cresci – alli me fizhom<strong>em</strong> e s<strong>em</strong>pre vi como a minha terra encara as cousas que não cheiram adinheiro, a jogo ou voto... Ora, o Lyceu <strong>de</strong> Artes e Officios é umainstituição utillissima e importante, capaz <strong>de</strong> fazer a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerações188 O Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios teve a primazia <strong>de</strong> criar, no Brasil, <strong>em</strong> 1882 – época <strong>em</strong> que o trabalho comercialera basicamente pautado no <strong>em</strong>pirismo –, um curso <strong>de</strong> comércio regular <strong>de</strong> 4 anos, gratuito e noturno(BIELINSKI, 2007).


359pobres, e o egoísmo uberabense não tolera estas cousas (LAVOURA ECOMÉRCIO, 08/03/1925, p. 1).Na verda<strong>de</strong>, a opinião expressa pelo cidadão uberabense resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Uberabinha é,para nós, apenas parcialmente correta. Quando ele con<strong>de</strong>na o egoísmo uberabense, referindose,obviamente, à omissão das elites econômicas <strong>em</strong> relação a <strong>em</strong>preendimentos educacionaiscomo o Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, comete um erro <strong>de</strong> interpretação: não é o simples egoísmo,mas, sim, o interesse econômico que <strong>de</strong>termina a posição dos donos do capital. Para clarearessa posição, l<strong>em</strong>bramos o pensamento <strong>de</strong> Mészáros (2005, p. 17), quando ele afirma: “Aopensar a educação na perspectiva da luta <strong>em</strong>ancipatória, não po<strong>de</strong>ria senão restabelecer osvínculos – tão esquecidos – entre educação e trabalho, como que afirmando: digam-me on<strong>de</strong>está o trabalho <strong>em</strong> um tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> e te direi on<strong>de</strong> está a educação.”. Nessa perspectiva,numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o capital está concentrado nas mãos <strong>de</strong> uma burguesia rural, queinteresse haveria na implantação <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> formação técnica? Em que sentido essaescola po<strong>de</strong>ria colaborar na acumulação do capital? L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os que as antigas ativida<strong>de</strong>sagropecuárias não necessitavam <strong>de</strong> uma mão-<strong>de</strong>-obra tecnicamente qualificada. Por outrolado, a indústria regional era ainda incipiente – com pequena necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obraqualificada – e incapaz <strong>de</strong> subvencionar a construção <strong>de</strong> uma escola técnica.Entretanto, aparent<strong>em</strong>ente alheio a esses fatos, Fidélis Reis <strong>de</strong>u início ao seu projeto.Parece-nos que a estratégia do <strong>de</strong>putado para dotar Uberaba <strong>de</strong> uma escola técnicoprofissionalizantepassava primordialmente pela construção do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios.Construído o prédio, organizada a infra-estrutura e aprovada a lei que previa a ofertaobrigatória do ensino profissional no país, po<strong>de</strong>ria ele, como <strong>de</strong>putado, atrair recursos fe<strong>de</strong>raispara a instalação <strong>de</strong> cursos técnicos e, qu<strong>em</strong> sabe, <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong> doTrabalho nosmol<strong>de</strong>s propostos pelo belga Omer Buyse. As indústrias viriam <strong>de</strong>pois (?)...Entretanto, para a construção do prédio do Liceu, Fidélis Reis não acreditava noauxílio do Estado, envolvido nas questões da educação básica, consi<strong>de</strong>radas mais urgentes.Para ele, a solução passaria pela organização <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> privada, como aconteceu comoutras iniciativas do mesmo tipo no Brasil. Para vencer a indiferença da elite uberabense, que,como já apontara o cidadão uberabense resi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> Uberabinha, não costumava apoiar essetipo <strong>de</strong> iniciativa, Reis lançou, com o apoio da imprensa, uma campanha regional apontandoos benefícios que tal iniciativa traria para todo o Triângulo Mineiro e chamando àresponsabilida<strong>de</strong> cívica os donos do capital. Um dos jornais locais publicou um artigo do qualextraímos o seguinte trecho:


360Os nossos homens <strong>de</strong> fortuna até hoje não tiveram opportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligar oseu nome a um <strong>em</strong>preendimento grandioso e fecundo, <strong>de</strong> significaçãobastante recommendavel, que lhes conserve o nome pelo futuro á fora. [...]Parece que a generosida<strong>de</strong>, que o altruísmo nunca esfrolou nesta terra,famosa pela sua riqueza e pela riqueza perdularia <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> seus filhos.A iniciativa do dr. Fidélis Reis offerece occasião aos homens ricos <strong>de</strong>inverter<strong>em</strong> um poucachinho da sua fortuna numa obra immortal e <strong>de</strong>resultados esplen<strong>de</strong>ntes e magníficos. A finalida<strong>de</strong> dos lyceus <strong>de</strong> artes eofficios é preparar a infância pobre, a infancia <strong>de</strong>samparada, a infânciacon<strong>de</strong>mnada a submergir no vortilhão dos vícios e dos crimes, para umpapel utilíssimo na socieda<strong>de</strong> (LAVOURA E COMERCIO, 08/03/1925,p. 1).No dia 24/03/1925, uma comissão reuniu-se para fundar a socieda<strong>de</strong> mantenedora doLiceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba. Para seu presi<strong>de</strong>nte, foi eleito o dr. Fidélis Reis; parasecretário, o dr. João Henrique Sampaio; e, para tesoureiro, o sr. Fernando Sabino. Outrom<strong>em</strong>bro da comissão era o sr. Quintiliano Jardim, diretor do jornal Lavoura e Comércio egran<strong>de</strong> propagandista da iniciativa. No dia seguinte, a comissão iniciou o trabalho <strong>de</strong>angariação <strong>de</strong> recursos junto à população local. As primeiras subscrições foram dos seguintescidadãos: Fidélis Reis (2:000$000), Dr. João Henrique (1:000$000), Quintiliano Jardim(1:000$000), Octacílio Rodrigues da Cunha (1:000$000), Fernando Sabino <strong>de</strong> Freitas(1:000$000), Geraldino Rodrigues da Cunha (1:000$000), José Caetano Borges (1:000$000) eJosé Affonso Ratto (2:000$000). Todos os m<strong>em</strong>bros da comissão inicial se comprometeram acontribuir com a quantia mínima <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> réis, conforme po<strong>de</strong>mos notar na relaçãoanterior (LAVOURA E COMÉRCIO, 26/03/1925).Feridos <strong>em</strong> seus brios pelos provocativos artigos publicados na imprensa, que osacusava <strong>de</strong> omissos <strong>em</strong> relação aos probl<strong>em</strong>as sociais, os coronéis locais passaram acontribuír <strong>em</strong> massa com o <strong>em</strong>preendimento. A lista <strong>de</strong> contribuintes era publicadaregularmente pelo Lavoura e Comércio, o que acabava colocando <strong>em</strong> situação <strong>em</strong>baraçosa oscidadãos <strong>de</strong> algumas posses que ainda não haviam subscrito a citada lista. Somando-se aoscoronéis zebuzeiros e a outros m<strong>em</strong>bros da elite, que li<strong>de</strong>ravam a lista <strong>de</strong> maiores doadores,vinham os profissionais liberais e os comerciantes locais, que também passaram a contribuircom quantias variadas. Para essas pessoas – muitas das quais imigrantes estabelecidos nacida<strong>de</strong> e pertencentes à <strong>em</strong>ergente burguesia urbana –, a participação <strong>em</strong> um <strong>em</strong>preendimento<strong>de</strong> singular importância para Uberaba serviria para elevar seu status social e, assim, abrir asportas da fechada socieda<strong>de</strong> uberabense. Ressalta-se que, no dia 12/04/1925, portanto a poucomais <strong>de</strong> duas s<strong>em</strong>anas do início da arrecadação, o valor das subscrições já atingia a cifra <strong>de</strong>106:930$000 (LAVOURA E COMÉRCIO, 12/04/1925).


361O local escolhido para a construção do conjunto <strong>de</strong> prédios foi o terreno on<strong>de</strong>, nopassado, existira o C<strong>em</strong>itério do Brejinho, no bairro <strong>de</strong> São Benedito. O Liceu <strong>de</strong> Artes eOfícios <strong>de</strong> São Paulo foi adotado como mo<strong>de</strong>lo a ser imitado e o projeto para a instalação doLiceu uberabense foi confiado ao Sr. Ramos <strong>de</strong> Azevedo, diretor daquela instituição e daEscola Politécnica da mesma cida<strong>de</strong>. A obra completa foi orçada <strong>em</strong> cerca <strong>de</strong> seiscentoscontos <strong>de</strong> réis, valor elevado para ser totalmente levantado por meio das doações particulares.Diante <strong>de</strong>sse fato, foi feita uma solicitação ao Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas Gerais, Dr. Mello Vianna,pedindo que o estado participasse do <strong>em</strong>preendimento com o montante <strong>de</strong> 300 contos <strong>de</strong> réis,pedido que acabou não sendo atendido (LAVOURA E COMÉRCIO, 23/04/1925).Em meados <strong>de</strong> 1925, a campanha a favor do Liceu atingia os municípios vizinhos, aosquais foi feito um apelo no sentido <strong>de</strong> que suas câmaras municipais colaborass<strong>em</strong> com aconcretização do <strong>em</strong>preendimento, sob o argumento <strong>de</strong> que toda a população regional seriabeneficiada com a abertura da escola técnica (LAVOURA E COMÉRCIO, 02/08/1925). Aofinal da arrecadação, a Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba havia contribuido com 10:000$000,seguida pelas câmaras das seguintes cida<strong>de</strong>s: Araguari (5.000$000), Uberabinha (5.000$000),Prata (3.000$000) e Frutal (2.000$000).Em fins <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1925, o jornal Lavoura e Comércio publicou um artigomostrando parte do projeto arquitetônico do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba, <strong>de</strong> autoriado Engº Ramos <strong>de</strong> Azevedo. Quando concluído, o estabelecimento <strong>de</strong>veria compor-se <strong>de</strong> umedifício central <strong>de</strong> dois pavimentos, <strong>de</strong>stinado à administração e às salas <strong>de</strong> aulas teóricas(Instrução Preliminar, Desenho, Geometria, Ornato e Máquinas), além <strong>de</strong> cinco pavilhõesisolados, on<strong>de</strong> seriam abrigadas as diversas oficinas e classes <strong>de</strong> aula prática (LAVOURA ECOMÉRCIO, 27/08/1925).O projeto previa que o curso técnico aconteceria <strong>em</strong> duas gran<strong>de</strong>s oficinas <strong>de</strong>stinadasao trabalho com ferro (forja, serralheria, armaduras metálicas e fundição) e ma<strong>de</strong>ira(carpintaria, marcenaria, entalhamento, etc.). As oficinas menores seriam <strong>de</strong>stinadas aotrabalho com matérias plásticas, argila, gesso e pedras artificiais, ensino da olaria e cerâmica epreparo <strong>de</strong> tintas e esmaltes (LAVOURA E COMÉRCIO, 27/08/1925).No dia 12/12/1925, foi feita a primeira chamada <strong>de</strong> capital, convidando os cotistas quehaviam subscritado a lista <strong>de</strong> contribuintes a efetuar<strong>em</strong> o pagamento <strong>de</strong> suas cotas, a fim <strong>de</strong>que as obras <strong>de</strong> construção do Liceu pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> começar (LAVOURA E COMÉRCIO,13/12/1925). A obra iniciou-se <strong>em</strong> seguida, sendo executada pelo construtor italiano radicado<strong>em</strong> Uberaba, Santos Guido. Paralelamente à obra, continuavam a ser vendidas novas cotas; só


362com pessoas físicas, foram arrecadados, no total, mais <strong>de</strong> 300 contos <strong>de</strong> réis.Figura 5.12 – Pavilhão central do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba (1927)Fonte: Lavoura e Comércio (02/10/1927)No dia 04/10/1927, com a presença do Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos<strong>de</strong> Andrada, era inaugurado o Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba, a princípio contandoapenas com o edifício central e s<strong>em</strong> condições físicas ou material humano para funcionarregularmente. Discursando para o governador e para uma gran<strong>de</strong> platéia, o <strong>de</strong>putado FidélisReis <strong>de</strong>ixou claro que os seus planos para o Liceu íam muito além <strong>de</strong> sua concepção inicial:<strong>de</strong> uma simples escola profissionalizante, a instituição <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>veria evoluir,transformando-se <strong>em</strong> um Instituto Politécnico <strong>de</strong> nível superior. Observ<strong>em</strong>os parte dodiscurso do parlamentar uberabense:Quer<strong>em</strong>os, por isso, que elle evolua, sob os auspícios <strong>de</strong> V. Exa. para setornar no Instituto Polytechnico, que aspiramos para o Triangulo, nosmol<strong>de</strong>s, se possivel, dos estabelecimentos congeneres da Suissa. Por nãopossuirmos, numa região como esta, <strong>de</strong> tamanhas possibilida<strong>de</strong>s e numacida<strong>de</strong> como Uberaba, um instituto official do Estado, <strong>de</strong>sse typo, dotado <strong>de</strong>todo o necessario apparelhamento, dos laboratórios e gabinetesindispensaveis ao preparo dos moços que quizer<strong>em</strong> consagrar-se á profissão


363do engenheiro, <strong>em</strong> todas as suas especialida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o chimico, oagrônomo, o mechanico, o topographo, o electricista até os cursos <strong>de</strong>commercio, <strong>de</strong> industria têxtil, <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> papel, <strong>de</strong> hygieneindustrial? Nunca, porém, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser a escola profissionalpropriamente, por cujas officinas passarão todos que a freqüentar<strong>em</strong>, para aaprendizag<strong>em</strong> do respectivo officio, até os cursos mais elevados,abrangendo, na sua organização, todas as carreiras que habilit<strong>em</strong> o hom<strong>em</strong>pela technica a vencer e triumphar na intensa competição da vidacont<strong>em</strong>poranea (LAVOURA E COMÉRCIO, 06/10/1927, p. 1)Nesse mesmo discurso, Fidélis Reis <strong>de</strong>ixava transparecer sutilmente a sua simpatiapelo pensamento pedagógico socialista, ao afirmar que sonhava com uma “[...] instrucçãogratuita para todos e <strong>em</strong> todos os graus, da primaria á profissional e technica, l<strong>em</strong>brados comProudhon, o gran<strong>de</strong> liberal, do direito que t<strong>em</strong> a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser illuminada por todos osraios que vêm <strong>de</strong> todos os lados do horizonte” (LAVOURA E COMERCIO, 06/10/1927, p.1).Parece-nos que, ao caracterizar Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) como um gran<strong>de</strong>liberal, Reis procurava amenizar o sentido político das palavras dirigidas ao Presi<strong>de</strong>nte doestado. Proudhon concebia o trabalho manual como gerador <strong>de</strong> conhecimento, à s<strong>em</strong>elhança<strong>de</strong> alguns pedagogos liberais, mas, por outro lado, afirmava que, sob o capitalismo, nãopo<strong>de</strong>ria existir uma educação verda<strong>de</strong>iramente popular e <strong>de</strong>mocrática; a gratuida<strong>de</strong> da escolapública capitalista era, para ele, uma farsa, já que as classes populares não tinham acesso àescola burguesa. Para Proudhon, era uma utopia esperar que a burguesia pu<strong>de</strong>sse realizar asua promessa <strong>de</strong> uma educação pública universal e gratuita, já que, sob o regime capitalista,os que se beneficiavam da educação pública eram os ricos, pois os pobres estavamcon<strong>de</strong>nados ao trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância (GADOTTI, 1995).Assim como acontecia com as idéias dos pioneiros da escola nova, no que se refere aopapel do trabalho na educação escolar, o pensamento pedagógico <strong>de</strong> Fidélis Reis tambémparece estar mergulhado na ambigüida<strong>de</strong> característica daquele período. É certo que o políticouberabense entrou <strong>em</strong> contato tanto com as idéias liberais quanto com o pensamentoeducacional socialista, sendo influenciado por ambas as vertentes.Foi Fidélis Reis o <strong>de</strong>putado autor da proposta <strong>de</strong> lei que tornava obrigatório o ensinoprofissional <strong>em</strong> todos os estabelecimentos <strong>de</strong> ensino primário e secundário do país. Emdiscurso proferido na Câmara dos Deputados, pouco antes <strong>de</strong> seu projeto ser votado, <strong>em</strong>terceira e última instância, Fidélis Reis <strong>de</strong>ixou clara a importância que dava à educaçãoprofissionalizante, enquanto instrumento pacífico <strong>de</strong> <strong>em</strong>ancipação das classes populares.Falando da importância social <strong>de</strong> seu projeto, o <strong>de</strong>putado alertava:Não sei como se o possa combater ou mesmo discordar das idéias que o


364inspiraram, no momento precisamente <strong>em</strong> que soprando da Rússia até aquirepontam as aspirações communistas. E, a respeito, não tenhamos nenhumadúvida, sr. Presi<strong>de</strong>nte. Ou hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> transigir com as idéas novas, pormeio <strong>de</strong> reformas, como a que se cont<strong>em</strong> nesse projecto, ou pela violencia,revolucionariamente, se há <strong>de</strong> operar para a conquista <strong>de</strong>ssa apregoada era<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> justiça por que há tanto a humanida<strong>de</strong> aspira (LAVOURAE COMÉRCIO, 18/08/1927, p. 3).Na seqüência do discurso, o político uberabense colocava também a sua opiniãoacerca do ensino clássico ministrado na escola burguesa e partia <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma escolaúnica – posições que se aproximam muito do i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> Gramsci 189 . Dizia o parlamentar:O bacharelado será assim uma especie <strong>de</strong> instituição social, um processoartificial que ten<strong>de</strong> a dividir a nação <strong>em</strong> duas castas, das quaes uma pó<strong>de</strong>preten<strong>de</strong>r todas as funcções publicas e a outra será formada pelosagricultores, os industriaes, os commerciantes, <strong>de</strong> todos aquelles que viv<strong>em</strong>do seu trabalho e faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>lle viver o paiz. [...] Para longe, pois, para odominio do anachronismo e dos preconceitos, instituições que só visamqualificar os homens pelos títulos e diplomas que expe<strong>de</strong>m e não pelasciencia, pelo saber e pela experiência que ministram. A sciencia, aliás,nunca po<strong>de</strong>ria ser conferida como privilegio a esse ou aquelle individuo,num regimen que se arroga foros <strong>de</strong>mocráticos, como o nosso, senão atodos, indistinctamente, como instrumento que é <strong>de</strong> trabalho para acquisição<strong>de</strong> proveitos e vantagens que a todos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> igualmente beneficiar. Vamosdar assim o primeiro passo para a Escola Activa, a Escola Única, que será aforma i<strong>de</strong>al e <strong>de</strong>finitiva para a solução integral do probl<strong>em</strong>a (LAVOURA ECOMÉRCIO, 18/08/1927, p. 3).Por outro lado, a influência do escolanovismo burguês sobre o pensamento <strong>de</strong> Reistransparece claramente na <strong>de</strong>fesa da Escola Ativa – o que, na verda<strong>de</strong>, acontece também <strong>em</strong>Gramsci e <strong>em</strong> outros educadores socialistas – e <strong>de</strong> uma educação para todos 190 . As idéias <strong>de</strong>John Dewey, <strong>de</strong> uma educação escolar ativa e significativa, aparec<strong>em</strong>, ainda mais claramente,<strong>em</strong> outro trecho do discurso do parlamentar:O ensino <strong>de</strong>veria preparar os nossos jovens para a vida. Ora, nós não ospreparamos para a vida. Nós os preparamos para o sonho e para o discurso.Não os preparamos para a acção; cultivamos acima <strong>de</strong> tudo a sua189 Não po<strong>de</strong>mos afirmar que, <strong>em</strong> 1927, Fidélis Reis já tivesse entrado <strong>em</strong> contato com as idéias educacionais <strong>de</strong>Gramsci, principalmente se consi<strong>de</strong>rarmos que estas foram produzidas durante o cárcere (1926-1937) epublicadas somente a partir do final da década <strong>de</strong> 40. O princípio da escola unitária (ou escola única), apropriadoe ampliado por Gramsci, já era conhecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Revolução Francesa: a proposta da Comissão <strong>de</strong> Educação daAss<strong>em</strong>bléia Legislativa Francesa, apresentada pelo Marquês <strong>de</strong> Condorcet <strong>em</strong> 1792, previa, <strong>em</strong> consonânciacom o i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong>mocrático-liberal, uma escola pública universal, única, laica, gratuita e para ambos os sexos, e<strong>em</strong> todos os níveis (BOTO, 2003).190 O pensamento pedagógico <strong>de</strong> Fidélis Reis é, s<strong>em</strong> dúvida, vanguardista. Sua ação transformadora, consolidada<strong>em</strong> forma <strong>de</strong> lei, foi anterior ao Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Somente alguns anos <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 1932,<strong>de</strong>nunciando a dicotomia histórica da educação brasileira (ensino <strong>de</strong> ofícios manuais para o povo e <strong>de</strong>humanida<strong>de</strong>s e ciências para a elite dirigente), é que o Manifesto <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a escola única, colocando sobre umabase comum o ensino profissional e o <strong>de</strong> cultura geral, o que abriria caminho para retirar o ensino profissional damarg<strong>em</strong> e colocá-lo no centro da política educacional do país (CERQUEIRA, 2004).


365imaginação. Nossa Universida<strong>de</strong> não fabrica senão sonhadores ediscursadores, estranhos ao mundo <strong>em</strong> que são chamados a viver. Aagricultura, a industria e o commercio, estas profissões que faz<strong>em</strong> a riquezae a gran<strong>de</strong>za das nações, a Universida<strong>de</strong> os ensinou a <strong>de</strong>sprezar(LAVOURA E COMÉRCIO, 18/08/1927, p. 3).Experiências <strong>de</strong> outros educadores europeus, como as do belga Omer Buyse e as dosoviético Lunatcharsky, ajudaram na formulação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino técnico proposto porFidélis Reis. Em julho <strong>de</strong> 1934, Fidélis Reis escreveu um artigo jornalístico no qual<strong>de</strong>monstrava o seu pesar pelo falecimento <strong>de</strong> Anatoly Vassilievitch Lunatcharsky 191 (1875-1933), um dos maiores lí<strong>de</strong>res da revolução soviética e Comissário do Povo para a Cultura eEducação. Dizendo-se um amante das questões relativas à educação, Reis afirmava que:Gran<strong>de</strong> porisso mesmo e das mais intensas, a magua que me veio causar,como universalmente a todos estudiosos <strong>de</strong>sse probl<strong>em</strong>a, a noticia que noschega, da morte <strong>de</strong> Lunatcharscky, o organizador genial da educação naRussia, a única talves das reformas a sobreviver<strong>em</strong> do sovietismo <strong>em</strong>naufragio. De todo ponto justa a homenag<strong>em</strong> que rendo neste momento aoespirito luminoso que se apaga. É <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>sses, <strong>de</strong> um espirito<strong>de</strong>ssa envergadura, que o Brasil nesta hora precisa. Só assim levariamos acabo a única conquista capaz <strong>de</strong> justificar uma revolução (GAZETA DEUBERABA, 24/07/1934, p. 1)É b<strong>em</strong> provável que o trabalho do educador russo tenha tido repercussões sobre opensamento <strong>de</strong> Fidélis Reis. Assim como acontecia com Reis, também para Lunatcharsky(apud GADOTTI, 1995, p. 124),o fundamento da vida escolar <strong>de</strong>ve ser o trabalho produtivo, não concebidotanto como o serviço <strong>de</strong> conservação material da escola ou apenas comométodo <strong>de</strong> ensino, e sim como ativida<strong>de</strong> produtiva socialmente necessária.O princípio do trabalho converte-se <strong>em</strong> um meio pedagógico eficientequando o trabalho <strong>de</strong>ntro da escola, planificado e organizado socialmente, élevado adiante <strong>de</strong> uma maneira cirativa, e executado com interesse, s<strong>em</strong>exercer uma ação violenta sobre a personalida<strong>de</strong> da criança.Baseado nesse pensamento, Lunatcharsky introduziu, na União Soviética, novasformas <strong>de</strong> fomento das artes e das ciências, b<strong>em</strong> como criou as primeiras <strong>universida<strong>de</strong></strong>s paratrabalhadores e camponeses. Essas experiências <strong>de</strong>senvolvidas no leste europeuimpressionaram Reis e <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter influenciado sua visão acerca do trabalho como princípioeducativo, a ponto <strong>de</strong> tê-las elogiado publicamente através <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> imprensa.Entretanto, sua explícita admiração pelos progressos educacionais alcançados naU.R.S.S. atraiu a ira dos grupos conservadores uberabenses: no dia 24/07/1934, o médico191 Segundo München (2004), no período <strong>de</strong> 1917 a 1929, graças a uma radical transformação que impl<strong>em</strong>entouno sist<strong>em</strong>a educacional da União Soviética, Lunatcharsky conseguiu a proeza <strong>de</strong> reduzir o índice <strong>de</strong>analfabetismo das massas proletárias e camponesas <strong>de</strong> 65% (<strong>em</strong> 1917) para quase zero (<strong>em</strong> 1929).


366João Teixeira Álvares, m<strong>em</strong>bro da Aca<strong>de</strong>mia Nacional <strong>de</strong> Medicina, fundador do CírculoCatólico Uberabense e velho <strong>de</strong>fensor dos valores tradicionais, publicou um artigo <strong>em</strong> queapontava os gran<strong>de</strong>s perigos do comunismo e con<strong>de</strong>nava a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> simpatia <strong>de</strong>Fidélis Reis <strong>em</strong> relação ao soviético Lunatcharsky (GAZETA DE UBERABA, 24/07/1934).Em artigo posterior, Álvares explica a sua atitu<strong>de</strong>:Há tres mezes, por estas colunnas, <strong>de</strong>nunciamos o vigor da organizaçãocomunista no Brazil. Isto foi a propósito <strong>de</strong> um artigo do sr. Fi<strong>de</strong>lis Reis,publicado na imprensa local, aconselhando métodos <strong>de</strong> ensino comunistaspara o Brazil. A campanha que então fiz<strong>em</strong>os não era contra o sr. Fi<strong>de</strong>lisFéis. Era contra as idéas <strong>de</strong>sse político que publicamente dizia ser ocomunista Lunatcharsky o hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> que o nosso paiz precisava!(GAZETA DE UBERABA, 04/11/1934, p. 1)Voltando ao projeto apresentado por Fidélis Reis na Câmara dos Deputados – quetornava obrigatório o ensino profissional <strong>em</strong> todos os estabelecimentos <strong>de</strong> ensino primário esecundário do país –, perceb<strong>em</strong>os que os argumentos do <strong>de</strong>putado uberbense convenceram os<strong>de</strong>mais parlamentares e a proposta foi aprovada <strong>em</strong> plenário, transformando-se na Lei nº5.241, <strong>de</strong> 22/08/1927. Um jornal uberabense assim noticiou orgulhosamente a aprovação dalei, batizada como Lei Fidélis Reis 192 :Fi<strong>de</strong>lis Reis, dymnamizador <strong>de</strong> um programma educacional que virámodificar <strong>em</strong> proximo futuro a mentalida<strong>de</strong> bacharelesca <strong>de</strong> nosso paiz, t<strong>em</strong>recebido <strong>de</strong> toda a parte do Brasil felicitações pela approvação final do seumagnifico projecto, felicitações a que reunimos as nossas. Agora, cumpreao sr. Washington Luiz pol-o <strong>em</strong> execução, para que a nacionalida<strong>de</strong> colha,quanto antes, os fructos optimos do ensino profissional [...] (LAVOURA ECOMÉRCIO, 18/08/1927, p. 1)Paralelamente, no contexto local, constatamos que, enquanto Fidélis Reis aguardavaque o governo implantasse, na prática, o ensino profissional, o Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong>Uberaba, inaugurado formalmente <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 1927, ainda não contava com os pavilhões<strong>de</strong>stinados às aulas práticas. Necessitando arrecadar o dinheiro necessário à construção <strong>de</strong>ssesprédios, Fidélis Reis apelou para Antônio Carlos, presi<strong>de</strong>nte do estado, que acabouconcordando <strong>em</strong> colaborar com 150 contos <strong>de</strong> réis (LAVOURA E COMÉRCIO, 23/02/1928).Paralelamente, numa atitu<strong>de</strong> ousada, o <strong>de</strong>putado uberabense redigiu uma carta ao magnataamericano Henry Ford, expondo seus planos <strong>de</strong> fundar um Instituto Politécnico e pedindo192 Apesar <strong>de</strong> aprovada, a Lei nº 5.241 nunca chegou a ser impl<strong>em</strong>entada na prática. Com a conturbada situaçãopolítico-econômica do país, que culminou com a Revolução <strong>de</strong> 1930, o ministro Francisco Campos implantouuma reforma no sist<strong>em</strong>a educacional e, na seqüência, uma nova Constituição Fe<strong>de</strong>ral foi aprovada <strong>em</strong> 1934.Também <strong>em</strong> 1934, a antiga Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, criada <strong>em</strong> 1923, foi transformada naSuperintendência do Ensino Industrial (SCHWARTZMAN, 2000). Com todas essas modificações, a Lei FidélisReis acabou esquecida pelo governo fe<strong>de</strong>ral.


367uma doação, <strong>em</strong> dinheiro, do maior fabricante <strong>de</strong> veículos do mundo. Surpreendido com acorag<strong>em</strong> e a inteligência <strong>de</strong> Reis, Ford concordou <strong>em</strong> colaborar com uma substancial quantia<strong>em</strong> dinheiro para que a obra fosse terminada.No dia 14/04/1928, a diretoria do Liceu reuniu-se para proce<strong>de</strong>r à abertura daspropostas para construção dos dois novos pavilhões. Foram três as propostas apresentadas:Carlos Biella (182:744$000); João Laterza e Miguel Laterza (184:500$000); Thomaz Baw<strong>de</strong>n<strong>de</strong> Camargos e Álvaro <strong>de</strong> Oliveira Machado (215:000$000). Sendo consi<strong>de</strong>rado o vencedor dalicitação, o engenheiro Carlos Biella – por muitos anos agente consular da Itália <strong>em</strong> Uberaba– foi contratado para construir os prédios, cabendo ao engenheiro Guilherme <strong>de</strong> OliveiraFerreira a fiscalização da obra (LAVOURA E COMÉRCIO, 19/04/1928).Os novos pavilhões do Liceu tiveram suas obras concluídas <strong>em</strong> meados <strong>de</strong> 1929 eforam batizados com os nomes <strong>de</strong> Henry Ford (<strong>de</strong>stinado ao trabalho do ferro) e JoãoPinheiro (para trabalhos com a ma<strong>de</strong>ira). Previa-se, ainda, a construção <strong>de</strong> três pavilhõesmenores: Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mauá, Mariano Procópio e Ramos <strong>de</strong> Azevedo (LAVOURA ECOMÉRCIO, 28/04/1929).O objetivo <strong>de</strong> Fidélis Reis era dotar o Liceu <strong>de</strong> toda a estrutura física necessária àfutura implantação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> Instituto Politécnico. Nos dizeres <strong>de</strong> Quintiliano Jardim, umdos mais atuantes diretores do liceu,[...] um Instituto Polytechnico é um estabelecimento nacional, ou mesmomundial. Os seus mestres po<strong>de</strong>rão vir da All<strong>em</strong>anha, da Inglaterra, e até já odr. Fi<strong>de</strong>lis Reis pediu um technico a Ford, na America do Norte. Como onome indica, nesse sentido – polytechnico – se appren<strong>de</strong> <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>uma technica toda mo<strong>de</strong>rna e universal, dando ao diplomado pelo Institutoo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>vassar a terra e todos os seus productos, colhendo a riquezaatravés <strong>de</strong> todas as industrias, inclusive aquellas <strong>de</strong> que nunca ouvimosfalar, apesar <strong>de</strong> termos a materia prima aos pontapés. O alumno appren<strong>de</strong>agricultura, mechanica, zootechnia, eletricida<strong>de</strong>, commercio, engenharia,<strong>em</strong> todas as suas especialida<strong>de</strong>s, appren<strong>de</strong> o manejo dos lacticinios, etc.,etc., apren<strong>de</strong> enfim as gran<strong>de</strong>s profissões mo<strong>de</strong>rnas que levam fatalmente áin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia e á valorização da terra e da proprieda<strong>de</strong>. Uberaba passa avaler muito mais o dia <strong>em</strong> que tivermos essa formidavel fonte <strong>de</strong> technicos(LAVOURA E COMÉRCIO, 19/01/1928, p. 1)Em outro artigo do mesmo jornal, publicado no ano seguinte, entusiasmado com oandamento das obras, o articulista já especulava sobre a instalação, naquele local, <strong>de</strong> umaUniversida<strong>de</strong> do Trabalho:E, assim, o Lyceu <strong>de</strong> Uberaba, que será, amanhã, o nosso InstitutoPolytechnico ou a Universida<strong>de</strong> do Trabalho do Triangulo Mineiro, aprimeira escola <strong>de</strong>ste typo fundada no Brasil, nascida da iniciativaparticular, terá sido edificada com a contribuição do povo, o concurso das


368municipalida<strong>de</strong>s e o auxilio do Estado. Vae ser no futuro o nosso maiorpadrão <strong>de</strong> gloria (LAVOURA E COMÉRCIO, 28/04/1929, p. 1).Já havia vários anos que Fidélis Reis acompanhava o trabalho <strong>de</strong> Omer Buyse, no quese refere ao ensino técnico-tecnológico. Segundo Pronko (1999), Buyse era um engenheirobelga que havia participado da criação da Universida<strong>de</strong> do Trabalho <strong>de</strong> Charleroi <strong>em</strong> 1902,transformando-se <strong>em</strong> caloroso difusor daquela instituição. Empolgado com a possibilida<strong>de</strong> daimplantação <strong>de</strong> uma ou mais <strong>universida<strong>de</strong></strong>s do trabalho <strong>em</strong> solo brasileiro, Fidélis Reisconvidou o professor Omer Buyse a visitar o Brasil. Em meados <strong>de</strong> 1929, Buyse permaneceu<strong>em</strong> solo brasileiro por cerca <strong>de</strong> um mês, a maior parte do t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> Belo Horizonte e outrascida<strong>de</strong>s mineiras, on<strong>de</strong> se encontrou, por várias vezes, com Reis e com as li<strong>de</strong>rançasestaduais. Ao final da visita, Buyse apresentou um plano preliminar ao Presi<strong>de</strong>nte AntônioCarlos, <strong>em</strong> que previa a instalação <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong> do Trabalho <strong>em</strong> Belo Horizonte e <strong>de</strong>um conjunto <strong>de</strong> escolas técnicas e profissionalizantes no interior do estado (LAVOURA ECOMÉRCIO, 18/07/1929).O plano <strong>de</strong> Buyse para Minas Gerais previa que as escolas técnicas seriam <strong>de</strong> doisgraus: as do primeiro grau formariam mestres <strong>de</strong> obras e profissionais <strong>de</strong> todos os ofícios,profissionais <strong>em</strong> condição <strong>de</strong> ocupar, <strong>de</strong> imediato, um lugar no mercado <strong>de</strong> trabalho. Osegressos do primeiro grau que tivess<strong>em</strong> o interesse <strong>em</strong> prosseguir os estudos e que seclassificass<strong>em</strong> nos primeiros lugares <strong>de</strong> seus cursos seriam encaminhados à Universida<strong>de</strong> doTrabalho <strong>de</strong> Belo Horizonte,[...] que se <strong>de</strong>stinará á formação <strong>de</strong> technicos, especializados <strong>em</strong>construcção civil, construcção <strong>de</strong> machinas agrícolas, <strong>de</strong> material electrico e<strong>de</strong> habilitações, <strong>em</strong> estradas <strong>de</strong> ferro e <strong>de</strong> rodag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> industrias chimicas,beneficiamento <strong>de</strong> couros; <strong>em</strong> industrias assucareiras; <strong>em</strong> industria econservação <strong>de</strong> productos alimentares; <strong>em</strong> industria têxtil, fiação etecelag<strong>em</strong>. Da Universida<strong>de</strong> do Trabalho farão ainda parte uma aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>bellas artes e artes <strong>de</strong>corativas, <strong>em</strong> que se estudarão esculptura, pintura,architectura, <strong>de</strong>senhos applicaveis aos tecidos, <strong>de</strong>coração esculptural dosedifícios e joalheria, e uma secção <strong>de</strong> ensino formal, para formarprofessoras que espalh<strong>em</strong>, pelo interior, os conhecimentos technicosaperfeiçoados. Na projectada instituição pouco se cuidará das theorias. Oensino prático será tudo. Cada município mandará para ella um, dois, trêsou mais rapazes, que serão recebidos no internato, com as <strong>de</strong>spesas pagaspelas respectivas municipalida<strong>de</strong>s (LAVOURA E COMÉRCIO,18/07/1929, p.1).Pela <strong>de</strong>scrição acima, percebe-se que o novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong> proposto porBuyse / Reis supunha uma reorientação curricular, com a passag<strong>em</strong> dos estudos humanísticos– típicos dos bacharelados brasileiros – para os estudos técnico-tecnológicos. Conforme


369l<strong>em</strong>bra Pronko (1999), na Universida<strong>de</strong> do Trabalho existe, também, uma mudança <strong>em</strong> termos<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatário, <strong>em</strong> relação à <strong>universida<strong>de</strong></strong> tradicional (da formação da elite dirigente àincorporação dos trabalhadores). Além disso, esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>universida<strong>de</strong></strong> inseria-se nocontexto do estabelecimento <strong>de</strong> uma nova socieda<strong>de</strong> surgida como reação à queda doliberalismo, que se aprofundou na década <strong>de</strong> 1930 e que, na América Latina, se esten<strong>de</strong>u atémeados da década <strong>de</strong> cinqüenta 193 .Em julho <strong>de</strong> 1929, o Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos, <strong>em</strong> discurso proferido durante aParada Mineira, anunciou sua intenção <strong>de</strong> executar o projeto <strong>de</strong> Buyse: “Completando esseprogramma o ensino profissional e especializado terá <strong>de</strong> ser ampliado, estudando nesteinstante o governo planos cuja execução paulatina justificará a previsão <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<strong>de</strong>cennio, a Universida<strong>de</strong> do Trabalho terá vida effectiva <strong>em</strong> meio da nossa linda capital.”(LAVOURA E COMÉRCIO, 18/07/1929, p. 1). Antes do discurso, Antônio Carlos haviaconfi<strong>de</strong>nciado a Fidélis Reis que fora este último qu<strong>em</strong> o convencera a abraçar o projeto daUniversida<strong>de</strong> do Trabalho.Após a visita feita a Minas Gerais, Buyse voltou ao Brasil, <strong>de</strong>sta vez convidado pelogoverno revolucionário <strong>de</strong> Getúlio Vargas – que, na época, fora aconselhado e incentivadopor Fidélis Reis. Por encomenda fe<strong>de</strong>ral, Buyse <strong>de</strong>senvolveu um anteprojeto para aimplantação <strong>de</strong> três Universida<strong>de</strong>s do Trabalho no país (Recife, Belo Horizonte e PortoAlegre), o qual foi entregue ao governo brasileiro <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> 1934. O projeto seguia osmesmos princípios da proposta apresentada ao governo mineiro e baseava-se na experiência<strong>de</strong> Buyse na Bélgica. Entretanto, o então ministro da Educação, Gustavo Capan<strong>em</strong>a,percebendo inconvenientes na sua impl<strong>em</strong>entação, <strong>de</strong>cidiu arquivar a proposta. Em suajustificativa, datada <strong>em</strong> 19/11/1934, Capan<strong>em</strong>a (1934 apud PRONKO, 1999, p. 100)assinalava:É <strong>de</strong> notar que, dadas a gran<strong>de</strong> extensão territorial e a pequena <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><strong>de</strong>mográphica do Brasil, nossa necessida<strong>de</strong> mais imperiosa não é criarUniversida<strong>de</strong> do Trabalho, para preparo <strong>de</strong> todas as espécies <strong>de</strong> operários,<strong>em</strong> vários pontos do território nacional. Será antes <strong>de</strong> fundar gran<strong>de</strong> número<strong>de</strong> escolas profissionais especializadas, que possam aten<strong>de</strong>r às exigênciasindustriaes das várias regiões do país.Descartado pelo governo fe<strong>de</strong>ral, o projeto <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma Universida<strong>de</strong> doTrabalho prosseguiu lentamente <strong>em</strong> Minas Gerais, graças ao <strong>em</strong>penho <strong>de</strong> Fidélis Reis.Somente três décadas <strong>de</strong>pois, <strong>em</strong> 1965, o governo mineiro concretizaria a criação da193 No caso do Brasil, a partir da Revolução <strong>de</strong> 1930, implantou-se um Estado antiliberal marcadamenteintervencionista.


370Universida<strong>de</strong> do Trabalho <strong>de</strong> Minas Gerais (UTRAMIG), <strong>em</strong> Belo Horizonte. Entretanto,rapidamente o projeto inicial acabou <strong>de</strong>scaracterizado, fugindo aos padrões i<strong>de</strong>alizados porBuyse. A UTRAMIG ainda existe, chamando-se, atualmente, Fundação <strong>de</strong> Educação para oTrabalho <strong>de</strong> Minas Gerais e mantendo a sigla original.Quanto ao Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba, que <strong>de</strong>veria transformar-se na tãosonhada Universida<strong>de</strong> do Trabalho (ou <strong>em</strong> um Instituto Politécnico) <strong>de</strong> Fidélis Reis, a históriamostra-nos que, apesar do <strong>em</strong>penho do político uberabense <strong>em</strong> dotá-lo <strong>de</strong> uma estrutura físicainvejável para a época, o sonho não se concretizou. Com a criação da Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba, ocorrida <strong>em</strong> 19/02/1928, a municipalida<strong>de</strong> necessitava encontrar um local paraabrigá-la, sob o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o benefício. Como o Liceu ainda não se encontrava <strong>em</strong>condições <strong>de</strong> abrigar os cursos técnicos que se propunha oferecer, já que as obras <strong>de</strong>construção dos pavilhões ainda prosseguiam, Fidélis Reis concordou <strong>em</strong> <strong>em</strong>prestar o prédioprincipal para que o estado pu<strong>de</strong>sse instalar a Escola Normal.Para alguns críticos, a cessão do prédio significava a <strong>de</strong>rrocada dos planos <strong>de</strong> FidélisReis <strong>de</strong> instalar <strong>em</strong> Uberaba o seu Instituto Politécnico. Entretanto, a necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong>uma escola normal prevaleceu e, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o <strong>em</strong>préstimo do prédio, o jornalista QuintilianoJardim, um dos fundadores do Liceu, procurava, <strong>em</strong> um artigo publicado <strong>em</strong> seu jornal,convencer os leitores <strong>de</strong> que a utilização do prédio pela nova Escola Normal po<strong>de</strong>ria ser atébenéfica para a viabilização do Instituto Politécnico e da Lei Fidélis Reis. Diz ele:Parece resolvido, ao que me diz<strong>em</strong> notícias dahi, o caso do Lyceu <strong>de</strong> Artese Officios <strong>de</strong> Uberaba. Entregue pelos seus criadores, formados,concentricamente, <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>sse extraordinário sonhador do Brasil <strong>de</strong>amanhã que é Fi<strong>de</strong>lis Reis, ao governo do Estado, este vae dar ás suasinstallações uma utilisação que correspon<strong>de</strong> a uma necessida<strong>de</strong> urgente doTriangulo, uma Escola Normal. [...] As officinas <strong>de</strong>ste serviriam a uma dasfinalida<strong>de</strong>s educativas da escola normal, pelo ensino intensivo dos trabalhosmanuaes. Com isso, os normalistas levariam para o professorado umabagag<strong>em</strong> útil <strong>de</strong> conhecimentos technicos sobre profissões e uma visadamais directa dos probl<strong>em</strong>as da industria, po<strong>de</strong>ndo assim incutir nos seusalumnos tendências para esse gran<strong>de</strong> campo abandorado pelas nossasactivida<strong>de</strong>s. [...] Ora, eis ahi uma opportunida<strong>de</strong> para que caiba a Minas ainiciativa <strong>de</strong> cumprir pela primeira vez a lei fe<strong>de</strong>ral formulada por um <strong>de</strong>seus mais dignos filhos e seu esforçado representante na Câmara dosDeputados (LAVOURA E COMÉRCIO, 01/04/1928, p. 1).Na verda<strong>de</strong>, a nosso ver, a cessão do prédio do Liceu ao governo estadual erainteressante a todos os envolvidos no processo: para o governo local, o <strong>em</strong>préstimoviabilizaria, <strong>de</strong> vez, a implantação da tão sonhada escola normal; para o governo estadual,significaria uma momentânea economia para os cofres públicos; e, para os diretores do Liceu,


371seria uma forma <strong>de</strong> justificar aos muitos acionistas e donatários que viabilizaram a construçãodo conjunto <strong>de</strong> prédios – e que, provavelmente, já <strong>de</strong>viam estar incomodados com a <strong>de</strong>morana implantação do Instituto Politécnico –, que o investimento feito já começava a ter efeitospráticos, mesmo que num formato diferente do planejado inicialmente. Dessa forma, o<strong>em</strong>préstimo do prédio, configurado como provisório, servia aos interesses da socieda<strong>de</strong>,enquanto continuavam as obras do projeto inicial contratado por Fidélis Reis. Corroborandoesse raciocínio, naquela ocasião, um jornal local afirmava que[...] a escola <strong>de</strong> professores primarios uberabenses permanecerá na sé<strong>de</strong> doLyceu a titulo provisorio, <strong>em</strong>quanto se provi<strong>de</strong>ncia para se lhe prepararinstalação completa e a<strong>de</strong>quada. Emquanto isso, o Lyceu prosseguirá na suaobra, completando-se no que lhe falta <strong>em</strong> installações e vindo a realizar aobra elevada e nobre que se propoz (LAVOURA E COMÉRCIO,12/04/1928, p. 1).Em set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1932, durante a chamada Revolução Constitucionalista, a EscolaNormal <strong>de</strong>ixou o prédio do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, que, até meados <strong>de</strong> 1947, foi cedido ao4º Batalhão <strong>de</strong> Caçadores Mineiros (atual 4º Batalhão <strong>de</strong> Polícia Militar) 194 , enquanto FidélisReis buscava meios <strong>de</strong> viabilizar o seu Instituto Politécnico. Paralelamente, durante o governo<strong>de</strong> Getúlio Vargas, a Lei Fidélis Reis foi colocada <strong>em</strong> banho-maria até ser esquecida esubstituída por outras provenientes das novas constituições fe<strong>de</strong>rais (<strong>de</strong> 1934 e 1937), e oprédio do Liceu permaneceu <strong>em</strong>prestado ao estado por cerca <strong>de</strong> 15 anos.Em 1942, o governo fe<strong>de</strong>ral criou o SENAI (Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizag<strong>em</strong>Industrial), entida<strong>de</strong> organizada e mantida pela Confe<strong>de</strong>ração Nacional das Indústrias, evoltada para a formação dos técnicos necessários ao crescente parque industrial brasileiro(ARANHA, 1996). Em 16/05/1947, tentando dar ao conjunto <strong>de</strong> prédios um <strong>de</strong>stino que seaproximasse dos objetivos iniciais, a Socieda<strong>de</strong> do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios <strong>de</strong> Uberaba<strong>de</strong>cidiu transferir ao Estado as instalações construídas para o Liceu, com a condição <strong>de</strong> queelas foss<strong>em</strong>, <strong>em</strong> seguida, doadas ao SENAI. Obe<strong>de</strong>cendo ao acordo, <strong>em</strong> 21/11/1947, ogovernador Milton Campos assinou a escritura <strong>de</strong> doação, pelo Estado, daquele patrimônio aoSENAI, para a instalação <strong>de</strong> sua unida<strong>de</strong> no município <strong>de</strong> Uberaba.No dia 03/05/1948, com a presença do presi<strong>de</strong>nte da República, Marechal EuricoGaspar Dutra, do governador Milton Campos, <strong>de</strong> Newton Antônio da Silva Pereira(presi<strong>de</strong>nte da FIEMG), <strong>de</strong> Roberto Hermeto Corrêa da Costa (diretor regional do SENAI <strong>em</strong>Minas Gerais), <strong>de</strong> Boulanger Pucci (prefeito <strong>de</strong> Uberaba) e <strong>de</strong> outras autorida<strong>de</strong>s, foi194 Com a construção <strong>de</strong> sua se<strong>de</strong> própria, no bairro Fabrício, o 4º Batalhão <strong>de</strong>ixou os prédios do Liceu <strong>em</strong>14/07/1947 (MENDONÇA, 1974).


372oficialmente inaugurado, no complexo <strong>de</strong> prédios do antigo Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, oSENAI <strong>de</strong> Uberaba. Em 22/05/1962, após o falecimento <strong>de</strong> Fidélis Reis (ocorrido <strong>em</strong> 29 <strong>de</strong>março daquele ano), o Conselho Regional do SENAI resolveu dar à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba a<strong>de</strong>nominação Escola <strong>de</strong> Aprendizag<strong>em</strong> Fidélis Reis, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao ilustre políticouberabense (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL, 2007).5.6 A Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> UberabaDes<strong>de</strong> que, <strong>em</strong> 1920, os irmãos maristas encerraram as ativida<strong>de</strong>s do seu curso <strong>de</strong>Agrimensura, Uberaba não mais contava com uma escola <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> topógrafos eagrimensores, ativida<strong>de</strong>s particularmente importantes à medição e à divisão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>srurais. Conforme pu<strong>de</strong>mos levantar, a primeira iniciativa no sentido da fundação <strong>de</strong> uma novaescola <strong>de</strong> topografia <strong>em</strong> Uberaba aconteceu no ano <strong>de</strong> 1928, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> quecaminhavam as obras do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, já formalmente inaugurado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 1927, mas que ainda não oferecia nenhum curso <strong>de</strong> cunho profissionalizante.No dia 15/04/1928, Fidélis Reis foi procurado por uma comissão, constituída pelossenhores Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa 195 , Marçal Ponce Ferret 196 e Guilherme Ferreira 197 , quepropuseram a ele a abertura <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> agrimensura nas <strong>de</strong>pendências do novo liceu,apresentando uma proposta <strong>de</strong> estatuto para a nova escola. A justificativa para a abertura docurso era a <strong>de</strong> que transitava pelo Congresso Mineiro um projeto <strong>de</strong> lei que vedava aospráticos <strong>de</strong> agrimensura o exercício <strong>de</strong>ssa profissão, o que elevaria gran<strong>de</strong>mente a <strong>de</strong>mandapor profissionais legalmente habilitados. A proposta foi b<strong>em</strong> recebida pela diretoria do Liceu,que se comprometeu a estudar o caso (LAVOURA E COMÉRCIO, 19/04/1928).Uma nova reunião para discutir a criação do curso <strong>de</strong> topografia e agrimensura ocorreuno dia 23/04/1928, nas <strong>de</strong>pendências do Liceu. Com a presença <strong>de</strong> alguns m<strong>em</strong>bros dadiretoria do Liceu (Fidélis Reis, Quintiliano Jardim, Octacílio Rodrigues da Cunha, FernandoSabino, Santos Guido, José Affonso Rato, Joaquim Machado Borges, João Gabarra e JoãoBoff), além dos i<strong>de</strong>alizadores do novo curso (Alexandre Barbosa, Guilherme Ferreira eMarçal Ponce), <strong>de</strong>cidiu-se que, para viabilizar a fundação da escola <strong>de</strong> Topografia,195 Ex-professor da 1ª Escola Normal, ex-<strong>de</strong>putado estadual e agrimensor atuante <strong>em</strong> Uberaba.196 Topógrafo / Agrimensor <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> espanhola.197 Engenheiro civil e político uberabense.


373preservando-se os interesses do futuro Instituto Politécnico, <strong>de</strong>veria ser inserido, no estatutoda nova instituição <strong>de</strong> ensino, o seguinte artigo:Art. – O curso <strong>de</strong> topographia funcionará no prédio do Lyceu <strong>de</strong> Artes eOfficios, mediante accordo com a sua directoria. Transformado que seja oLyceu <strong>em</strong> Instituto Polytecnhnico, como é pensamento dos seus fundadores,o Curso <strong>de</strong> Topographia se integrará no referido Instituto, per<strong>de</strong>ndo então asua existência jurídica para reger-se pelos estatutos, regulamentos eregimentos do dito estabelecimento (LAVOURA E COMÉRCIO,26/04/1928, p. 2).Nessa mesma reunião, o grupo <strong>de</strong>cidiu-se pela fundação da nova escola, que <strong>de</strong>veriainiciar as inscrições para matrículas já <strong>em</strong> maio seguinte. Foi escolhido como diretor da escolao Sr. Fidélis Reis, ficando Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa com o cargo <strong>de</strong> vice-diretor. Asca<strong>de</strong>iras do novo curso ficaram assim distribuídas:- Revisão <strong>de</strong> mat<strong>em</strong>ática, noções <strong>de</strong> geometria analítica, trigonometria plana, <strong>de</strong>senhotopográfico: Alexandre Barbosa;- El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> física, ótica e magnetismo; noções <strong>de</strong> astronomia; noções <strong>de</strong> geologia:Guilherme <strong>de</strong> Oliveira Ferreira;- Topografia; Instrumentos e métodos; Trabalhos práticos: Marçal Ponce Ferret- Legislação <strong>de</strong> terras; registro Torrens: Fidélis Reis;Figura 5.13 – Alexandre <strong>de</strong> Souza BarbosaFonte: APU


374Além <strong>de</strong>sses professores, como substitutos das quatro ca<strong>de</strong>iras, foram escolhidos osengenheiros Silvério José Bernar<strong>de</strong>s, Alberto <strong>de</strong> Oliveira Ferreira, Thomaz Baw<strong>de</strong>n <strong>de</strong>Camargos e José Maria dos Reis. A secretaria da escola caberia ao Prof. Marçal Ponce Ferret;a tesouraria, ao Prof. Guilherme Ferreira (LAVOURA E COMÉRCIO, 26/04/1928).Sob uma perspectiva materialista histórica, a fundação <strong>de</strong> uma nova escola <strong>de</strong>topografia <strong>em</strong> Uberaba, antes <strong>de</strong> representar a aspiração <strong>de</strong> alguns i<strong>de</strong>alistas, <strong>de</strong>ve ter tido,também, uma motivação <strong>de</strong> cunho econômico, obe<strong>de</strong>cendo aos interesses do capital. Essesinteresses econômicos, aliados à concepção utilitarista <strong>de</strong> ciência que influenciou essainiciativa educacional, são b<strong>em</strong> explicados <strong>em</strong> artigo escrito por Alexandre Barbosa epublicado no jornal Lavoura e Comércio, no qual o autor, <strong>em</strong>bora fosse um comunistaconvicto, procura expor os objetivos da nova escola. Diz o artigo <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado trecho:No estado actual <strong>de</strong> nossa organisação social, baseada na proprieda<strong>de</strong>individual, é a Topographia a fornecedora constante dos meios <strong>de</strong> sedirimir<strong>em</strong> litígios, cuja permanência paralysaria ou reduziria o<strong>de</strong>senvolvimento das forças productoras, e, auxiliar indispensável doprogresso cont<strong>em</strong>porâneo, ella continua ainda a sua primitiva tarefa <strong>de</strong>medir territórios e lhes estudar o relevo, preparando assim pacient<strong>em</strong>ente osdados technicos preliminares necessários a gran<strong>de</strong> numero dos maisvultuosos <strong>em</strong>prehendimentos da engenharia e ao estabelecimento das vias<strong>de</strong> communicação terrestres e fluviaes, que são as artérias econômicas dasnacionalida<strong>de</strong>s (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/04/1928, p. 2).Compl<strong>em</strong>entando a análise <strong>de</strong> Alexandre Barbosa e conforme já discutimos no quartocapítulo (quando tratamos da escola <strong>de</strong> agrimensura mantida pelos irmãos maristas),l<strong>em</strong>bramos que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agrimensura e topografia vinham ao encontro dasnecessida<strong>de</strong>s dos gran<strong>de</strong>s fazen<strong>de</strong>iros. A gran<strong>de</strong> diferença <strong>de</strong>ssa nova iniciativa <strong>em</strong> relação aocurso <strong>de</strong> agrimensura do Colégio Diocesano refere-se ao fato <strong>de</strong> que a escola i<strong>de</strong>alizada porAlexandre Barbosa e seus companheiros <strong>de</strong>stinava-se a alunos oriundos das classes populares,daí o interesse <strong>em</strong> instalá-la <strong>de</strong>ntro do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, instituição que pretendiaoferecer cursos técnicos <strong>de</strong> maneira totalmente gratuita.Entretanto, paralelamente à criação do curso <strong>de</strong> topografia e da cessão <strong>de</strong> um espaço<strong>de</strong>ntro das <strong>de</strong>pendências do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios para o seu funcionamento, ocorria oprocesso <strong>de</strong> <strong>em</strong>préstimo do mesmo prédio para o governo estadual, a fim <strong>de</strong> que ali fosseinstalada a nova Escola Normal. Com a inauguração <strong>de</strong>ssa última, no dia 27/04/1928, portantoum dia após a reunião que criou a escola <strong>de</strong> topografia, o governo mineiro tomou a posseprovisória do prédio principal do Liceu. S<strong>em</strong> um consenso a respeito da ocupação simultâneado prédio pela Escola Normal e pela escola <strong>de</strong> topografia, o processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong>sta última


375paralisou-se por cerca <strong>de</strong> três anos.Em 1º <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1931, o mesmo grupo que tentara a abertura do curso <strong>de</strong> topografiae agrimensura nas <strong>de</strong>pendências do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios promoveu a fundação daSocieda<strong>de</strong> Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, a única escola brasileira daquela época aconce<strong>de</strong>r o título <strong>de</strong> engenheiro topógrafo aos seus egressos. A nova instituição oferecia umcurso cujas disciplinas se distribuíam <strong>em</strong> um currículo <strong>de</strong> dois anos, dando aptidão para oexercício da agrimensura e da topografia, abrangendo triangulação, cadastro, hidrometria eestradas (LAVOURA E COMÉRCIO, 09/04/1932).Na verda<strong>de</strong>, as profissões <strong>de</strong> topógrafo e <strong>de</strong> agrimensor não respondiam a umalegislação atualizada que regulamentasse o seu exercício. Havia gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> naorganização curricular <strong>de</strong>sses cursos, bastando que foss<strong>em</strong> seguidas algumas recomendaçõessimples que aten<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> às exigências do antigo Decreto nº 3.198 (Anexo 1), <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1863 (que aprovava instruções para nomeação <strong>de</strong> agrimensores). Em suma, oexercício da profissão era permitido àqueles profissionais formados <strong>em</strong> instituições cujoscurrículos contivess<strong>em</strong> uma certa relação <strong>de</strong> disciplinas relacionadas à agrimensura 198 . Assim,a Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba foi criada s<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s preocupações legais e s<strong>em</strong> aoposição dos órgãos fiscalizadores, conforme po<strong>de</strong>mos observar, a seguir, nos cumprimentosoficiais recebidos pela escola, após o início <strong>de</strong> seu funcionamento.Dentre outras autorida<strong>de</strong>s, a fundação da escola mereceu os cumprimentos dopresi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, Dr. Olegário Maciel, que enviou o seguinte radiogramaaos fundadores da instituição:Accusando recebimento radio communicando fundação Escola <strong>de</strong>Topographia, agra<strong>de</strong>ço e felicito seus fundadores cuja iniciativa merece domeu governo os mais francos applausos, congratulo-me com o povo <strong>de</strong>ssaregião, certo como estou <strong>de</strong> que o patriotico <strong>em</strong>prehendimento muitosbenefícios prestará (1931 apud LAVOURA E COMÉRCIO, 21/07/1931, p.1).Além do governador do estado, também o Dr. M. A. Teixeira <strong>de</strong> Freitas, diretor geral<strong>de</strong> informações, estatísticas e divulgação do Ministério da Educação Pública, através <strong>de</strong> umofício, dirigiu seus cumprimentos aos responsáveis pelo <strong>em</strong>preendimento:Acuso recebida com especial agrado vossa circular <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> janeiro docorrente ano, <strong>em</strong> que me comunicais a auspiciosa fundação, a 1º <strong>de</strong> junhodo ano passado, nessa florescente cida<strong>de</strong> mineira, da Escola <strong>de</strong> Topografia<strong>de</strong> Uberaba, instituição educacional que, segundo o seu amplo <strong>programa</strong> <strong>de</strong>198 Nas últimas décadas do século XIX, muitas escolas normais mineiras, que tinham <strong>em</strong> seus currículos algumasdisciplinas específicas, davam aos alunos egressos o direito <strong>de</strong> exercer a profissão <strong>de</strong> agrimensor.


376ensino organisado <strong>de</strong> acordo com os mais mo<strong>de</strong>rnos preceitos ditáticos, se<strong>de</strong>stina ao curso técnico prático <strong>de</strong> engenheiro topógrafo. Assinalando comos mais vivos aplausos, tão louvável e utilíssimo <strong>em</strong>preendimento, que b<strong>em</strong><strong>de</strong>monstra o elevado <strong>de</strong>scortino intelectual e o sadio patriotismo <strong>de</strong> que s<strong>em</strong>ostram dotados os seus patrocinadores, congratulo-me comvosco e com oo povo <strong>de</strong>sse prospero município, pela instalação <strong>de</strong> mais umestabelecimento cultural, que, estou certo, prodigalisará os maioresbenefícios á mocida<strong>de</strong> estudiosa <strong>de</strong> uma das mais vastas e ricas regiões, nãosó do Estado <strong>de</strong> Minas, mas também do <strong>de</strong> S. Paulo (1931 apud LAVOURAE COMÉRCIO, 26/03/1932, p. 1).Com base nessas <strong>de</strong>clarações, feitas por autorida<strong>de</strong>s do alto escalão dos governosestadual e fe<strong>de</strong>ral – no segundo caso, por um diretor do Ministério da Educação Pública,responsável pela fiscalização das escolas superiores –, enten<strong>de</strong>mos que não havia qualquerirregularida<strong>de</strong> na abertura da Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba.Por ocasião da inauguração da escola, como as instalações do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofíciosestavam cedidas ao 4º Batalhão <strong>de</strong> Caçadores Mineiros, a Escola <strong>de</strong> Topografia estabeleceuse<strong>em</strong> um sobrado localizado na rua Manoel Borges, nº 26, passando, no segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong>1932, para uma casa, na Vigário Silva nº 59. Dentre os m<strong>em</strong>bros da diretoria, não maisapareciam os nomes <strong>de</strong> Fidélis Reis e <strong>de</strong> seu irmão José Maria dos Reis, o que, a nosso ver,retrata o afastamento ocorrido entre o grupo i<strong>de</strong>alizador da escola <strong>de</strong> topografia e o grupoligado à direção do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios. Tal dissensão <strong>de</strong>ve ter tido como causa a questãoenvolvendo a cessão do pavilhão principal do Liceu à Escola Normal e, posteriormente, ao 4ºBatalhão, o que, parece, fora prejudicial aos planos do primeiro grupo.Em seus primeiros t<strong>em</strong>pos, a direção da escola passou a ser exercida pelo EngºSilvério José Bernar<strong>de</strong>s, ficando a secretaria confiada ao Engº Marçal Ponce Ferret. O corpodocente era composto pelos seguintes professores (JORNAL DO COMÉRCIO, 14/06/1931,p. 2):– : Professores Cathedraticos : –Dr. Silvério José Bernar<strong>de</strong>s, Dr. Guilherme <strong>de</strong> Oliveira, EngenheiroAlexandre <strong>de</strong> Souza Barboza e Engenheiro Marçal Ponce Ferret.– : Professores Substitutos : –Dr. Newton <strong>de</strong> Senna Vale, Dr. Abel Reis, Dr. Clarkson <strong>de</strong> Mello Menezese Dr. Alberto <strong>de</strong> Oliveira Ferreira.– : Professores Interinos : –Diversos, escolhidos <strong>de</strong> entre os mais experimentados technicos do nossomeio.A abertura da nova escola foi comunicada através da imprensa, que fixou o prazo <strong>de</strong>30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1931 para que os interessados procurass<strong>em</strong> a escola, a fim <strong>de</strong> fazer<strong>em</strong> suasinscrições para os exames <strong>de</strong> admissão, que seriam realizados a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931.


377A exigência para a inscrição era que os candidatos apresentass<strong>em</strong> o certificado <strong>de</strong> aprovaçãonas matérias exigidas pelo curso, <strong>em</strong> exames prestados <strong>em</strong> ginásios oficiais ou a estesequiparados. Tanto a taxa do exame <strong>de</strong> admissão, quanto a taxa <strong>de</strong> matrícula, foram fixadas<strong>em</strong> 100$000 (JORNAL DO COMMERCIO, 14/06/1931). O período <strong>de</strong> inscrições e exames<strong>de</strong> admissão foi prorrogado até 30/07/1931. O início das aulas ocorreu no dia 01/08/1931(LAVOURA E COMÉRCIO, 29/07/1931).Em 1933, a escola contava com os seguintes professores: Silvério José Bernar<strong>de</strong>s,Marçal Ponce Ferret, Alberto <strong>de</strong> Oliveira Ferreira, Thomaz Baw<strong>de</strong>n <strong>de</strong> Camargo, Alexandre<strong>de</strong> Sousa Barbosa, Guilherme <strong>de</strong> Oliveira Ferreira, Emanuel Gianni, Josafá Amado Dantas,Luiz Gonzaga <strong>de</strong> Azevedo, Newton <strong>de</strong> Sena Vale, Abel Reis, Raimundo Soares <strong>de</strong> Azevedo,João Waack, Belarmino Cruvinel e Carlos Stankovits (LAVOURA E COMÉRCIO,23/03/1933). Dentre os alunos matriculados, citamos os seguintes: Catulino <strong>de</strong> Novais, SatiroMartins da Costa, Manoel Mendonça, Paulo <strong>de</strong> Mello Bulhões e Jamil Jorge Dib (LAVOURAE COMÉRCIO, 28/03/1933). Naquele mesmo ano, assumiu a secretaria da escola o portuguêsManoel A. Men<strong>de</strong>s André (LAVOURA E COMÉRCIO, 10/10/1933).Em 11/12/1933, o governo fe<strong>de</strong>ral publicou o Decreto nº 23.569, que criou o sist<strong>em</strong>aCONFEA/CREA e regulamentou as profissões <strong>de</strong> engenheiro, arquiteto e agrimensor. Em seuArtigo 1º, o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>terminava o seguinte:Art. 1º - O exercício das profissões <strong>de</strong> engenheiro, <strong>de</strong> arquiteto e <strong>de</strong>agrimensor será somente permitido, respectivamente:a) aos diplomados pelas escolas ou cursos <strong>de</strong> engenharia, arquitetura ouagrimensura, oficiais, da União Fe<strong>de</strong>ral, ou que sejam, ou tenham sido aot<strong>em</strong>po da conclusão dos seus respectivos cursos, oficializados, equiparadosás da União ou sujeitas ao regimen <strong>de</strong> inspeção do Ministerio da Educação eSau<strong>de</strong> Publica;b) aos diplomados <strong>em</strong> data anterior á respectiva oficialisação ouequiparação ás da União, por escolas nacionais <strong>de</strong> engenharia, arquiteturaou agrimensura cujos diplomas hajam sido reconhecidos <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> leife<strong>de</strong>ral; [...]Parágrafo único. Aos agrimensores que, até a data da publicação <strong>de</strong>ste<strong>de</strong>creto, tiver<strong>em</strong> sido habilitados conforme o <strong>de</strong>creto n. 3.198, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong><strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1863, será igualmente permitido o exercício da respectivaprofissão (LAVOURA E COMÉRCIO, 21/12/1933, p. 3).Pela nova lei, passaram a não mais ser<strong>em</strong> válidos os diplomas dos agrimensoresformados nas escolas não equiparadas às da União, o que atingia, <strong>em</strong> cheio, a Escola <strong>de</strong>Topografia <strong>de</strong> Uberaba, que, pela falta <strong>de</strong> regulamentação anterior, oferecia curso ainda nãoreconhecido pelo governo fe<strong>de</strong>ral. S<strong>em</strong> perspectivas para a solução do probl<strong>em</strong>a, a escola foifechada pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, possivelmente ainda <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1933. Curiosamente, não


378conseguimos localizar, nos jornais locais, nenhuma reportag<strong>em</strong> ou comunicado acerca dofechamento da escola, o que nos causa estranheza, dada a importância daquela instituição <strong>de</strong>ensino.Entrevistamos, por telefone e por meio <strong>de</strong> uma carta, o sr. Manoel Antônio Men<strong>de</strong>sAndré (29/05/1910), ex-secretário daquela escola, atualmente com 97 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> eresi<strong>de</strong>nte na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Men<strong>de</strong>s André disse recordar-se <strong>de</strong> que a escola forafechada <strong>em</strong> 1933, cerca <strong>de</strong> um ano antes do atentado do qual foi vítima – a tentativa <strong>de</strong>assassinato, como já tratamos neste trabalho, ocorreu <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1934. Segundo oentrevistado, além <strong>de</strong> secretário, ele também ministrava aulas <strong>de</strong> Português naquela instituição<strong>de</strong> ensino, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que atuava como jornalista na Gazeta <strong>de</strong> Uberaba. Em<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong> avançada e dos mais <strong>de</strong> 70 anos que nos separam daqueles t<strong>em</strong>pos,Men<strong>de</strong>s André não conseguiu l<strong>em</strong>brar-se <strong>de</strong> maiores <strong>de</strong>talhes relativos àquela instituição <strong>de</strong>ensino, mas disse ter boas recordações <strong>de</strong> alguns ex-professores da escola, como o gran<strong>de</strong>mestre Alexandre Barbosa e o agrimensor Marçal Ponce Ferret (ANDRÉ, 2007).Apesar <strong>de</strong> nossa pesquisa ter sido encaminhada <strong>em</strong> várias frentes, buscando maioresdados acerca da Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, conseguimos obter poucas informações.Sab<strong>em</strong>os, por ex<strong>em</strong>plo, que alguns alunos se formaram engenheiros topógrafos <strong>em</strong> meados <strong>de</strong>1933, constituindo a única turma a concluir o curso naquela escola. Dentre esses alunos,po<strong>de</strong>mos citar o Sr. Paulo <strong>de</strong> Mello Bulhões, que, após a formatura, exerceu a profissão <strong>de</strong>topógrafo por cerca <strong>de</strong> três anos, até assumir a direção do Cartório <strong>de</strong> Registro Civil <strong>de</strong> SantaJuliana-MG. Posteriormente, Bulhões transferiu-se para o estado <strong>de</strong> São Paulo e, na década <strong>de</strong>1940, chegou a ser prefeito da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guaíra.O certo é que a Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba, apesar <strong>de</strong> sua curta duração, aopriorizar um ensino voltado para a formação <strong>de</strong> técnicos capazes <strong>de</strong> atuar efetivamente nasolução dos probl<strong>em</strong>as sociais, acabou por constituir-se numa importante iniciativa <strong>de</strong>superação da perspectiva bacharelista <strong>de</strong> ensino superior. Com um currículo organizado nadireção <strong>de</strong> uma formação técnica mais ampla, aquela instituição <strong>de</strong> ensino po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rada como a precursora das primeiras escolas <strong>de</strong> engenharia que se estabeleceram nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba.


3795.7 A primeira Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> DireitoOutra iniciativa <strong>de</strong> ensino superior ocorrida <strong>em</strong> Uberaba foi a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito,criada e extinta na década <strong>de</strong> 1930. A única citação bibliográfica acerca <strong>de</strong>ssa escola aparecena obra <strong>de</strong> Pontes (1970), que aponta a existência <strong>de</strong>ssa efêmera instituição <strong>de</strong> ensino no ano<strong>de</strong> 1933. Longe, entretanto, <strong>de</strong> ser um fato histórico <strong>de</strong> menor importância, a primeiraFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba representou importante tentativa <strong>de</strong> expansão da re<strong>de</strong> <strong>de</strong>escolas superiores pertencentes ao grupo capitalista li<strong>de</strong>rado pelo médico Francisco MineiroLacerda.Proprietário das faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Odontologia, o ousado grupo <strong>de</strong><strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores pretendia ampliar os seus negócios, criando uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>sintegradas. Entretanto, com o fechamento das instituições <strong>de</strong> ensino superior pertencentesàquela socieda<strong>de</strong>, esse objetivo só foi alcançado, anos <strong>de</strong>pois, por Mário Palmério 199 .A iniciativa <strong>de</strong> fundação da faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito nasceu <strong>de</strong> uma reunião realizada nodia 13/02/1933, que contou com a presença dos seguintes personagens: Dr. Mineiro Lacerda,presi<strong>de</strong>nte da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba; Sebastião Fleuri, advogadocriminalista e presi<strong>de</strong>nte da sub-seção local da Or<strong>de</strong>m dos Advogados; Victório Guaraciaba,tesoureiro da Escola <strong>de</strong> Farmácia; Manoel Libânio Teixeira, presi<strong>de</strong>nte do Conselho Técnico-Administrativo da mesma escola; e Amélia Lacerda Guaraciaba, secretária da Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia (LAVOURA E COMÉRCIO, 26/11/1934).A fundação propriamente dita ocorreu no dia 20/03/1933, quando foi constituída umasocieda<strong>de</strong> formada pelos diretores da Escola <strong>de</strong> Odontologia e Farmácia <strong>de</strong> Uberaba,acrescida do Dr. Sebastião Fleuri. A direção da nova Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito ficou assimconstituída: Dr. Mineiro Lacerda, presi<strong>de</strong>nte; Dr. Sebastião Fleuri, diretor; Amélia LacerdaGuaraciaba, secretária; Dr. Victório Guaraciaba, tesoureiro; Dr. Moacir Medina Coeli,presi<strong>de</strong>nte do Conselho Técnico; Dr. Manuel Libânio Teixeira e Dr. Pelópidas Fonseca,m<strong>em</strong>bros do Conselho Técnico (LAVOURA E COMÉRCIO, 26/11/1934).199 Em 1947, o governo fe<strong>de</strong>ral autorizou Mário Palmério a abrir a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia do TriânguloMineiro, que passou a funcionar no prédio do Colégio Triângulo Mineiro, também pertencente a Palmério. Emmenos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, o célebre educador conseguiu abrir outros dois cursos: a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do TriânguloMineiro, <strong>em</strong> 1951, e a Escola <strong>de</strong> Engenharia do Triângulo Mineiro, <strong>em</strong> 1956.


380Figura 5.14 – Sebastião Fleuri e Victório GuaraciabaFontes: Arquivo particular <strong>de</strong> Raul Fleuri e Lavoura e Comércio (06/07/1933)Um jornal local assim explica a base legal que possibilitou a abertura daquele curso:A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba foi fundada <strong>de</strong> perfeito acordo com osdispositivos do <strong>de</strong>creto n. 20.179, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho do corrente ano, <strong>de</strong>conformida<strong>de</strong> com as disposições <strong>de</strong> seu artigo 8º, paragraphos 1 a 7. Osseus estatutos, organizados com a maior inteligência e critério, foramr<strong>em</strong>etidos para a capital mineira, on<strong>de</strong> foram registrados convenient<strong>em</strong>entena repartição para esse fim necessária. A Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberabafuncionará durante dois anos e, findo esse prazo, pleiteará perante ospo<strong>de</strong>res da República o seu reconhecimento fe<strong>de</strong>ral, na forma disposta peloartigo 8º do <strong>de</strong>creto 20.179. O seu funcionamento se pautará pelo daFaculda<strong>de</strong> da Universida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, obe<strong>de</strong>cendo ao mesmocritério, ao mesmo <strong>programa</strong>, á mesma seriação (LAVOURA ECOMÉRCIO, 22/06/1933, p. 1).A nova faculda<strong>de</strong> passou a funcionar, <strong>de</strong> forma provisória, no prédio da Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia. O exame vestibular ocorreu no dia 25/07/1933 e as aulas foraminiciadas no dia 11 <strong>de</strong> agosto do mesmo ano (LAVOURA E COMÉRCIO, 18/07/1933). Ovestibular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito constava <strong>de</strong> provas escritas e orais <strong>de</strong> Lógica, Psicologia,Geografia, Latim, Higiene e Literatura. Para participar dos exames, o candidato <strong>de</strong>veriaapresentar a seguinte documentação:1º Carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> vacina e saú<strong>de</strong>.


3812º Certidão que prove a ida<strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> 16 anos.3º Certificado <strong>de</strong> aprovação final nas matérias do quinto ano do cursosecundário oficial ou equiparado.4º Prova <strong>de</strong> idoneida<strong>de</strong> moral.5º Prova <strong>de</strong> pagamento das taxas respectivas que é <strong>de</strong> rs. 120$000.6º Ca<strong>de</strong>rneta <strong>de</strong> Reservista.7º Os candidatos que tiver<strong>em</strong> seis ou mais preparatórios adquiridos noregimen parcelado po<strong>de</strong>rão completa-los na escola, requerendoantecipadamente os exames <strong>de</strong> acordo com o edital publicado (LAVOURAE COMÉRCIO, 25/01/1934, p. 1).A aula inaugural do curso foi dada pelo Dr. Josafá Amado Dantas, juiz municipal dacomarca <strong>de</strong> Uberaba e professor da disciplina Introdução à Ciência do Direito. Dentre osconvidados presentes à aula, estavam: o bispo diocesano <strong>de</strong> Uberaba, o tenente-coronel JoséNilo <strong>de</strong> Abranches, <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, o representante do 4º Batalhão, vários advogadosdomiciliados <strong>em</strong> Uberaba e outros cidadãos (LAVOURA E COMÉRCIO, 19/08/1933).Poucos dias <strong>de</strong>pois do início das aulas na nova faculda<strong>de</strong> uberabense, um estudante daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Largo <strong>de</strong> São Francisco, <strong>em</strong> São Paulo, João Acioli, <strong>em</strong> um artigopublicado no jornal Araguari, da cida<strong>de</strong> homônima, alertava os leitores para que não s<strong>em</strong>atriculass<strong>em</strong> nos novos cursos <strong>de</strong> Direito que vinham sendo abertos pelo Brasil afora. Emum trecho <strong>de</strong> seu artigo, o futuro bacharel acusava:Causa espanto o numero <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> Direito criadas nestes últimost<strong>em</strong>pos. O caso reclama campanha urgente da parte dos que se interessampela moralização do ensino. [...] Exist<strong>em</strong>, outrossim, uma <strong>em</strong> Piracicaba,outra <strong>em</strong> Ribeirão Preto, cogita-se da fundação <strong>de</strong> uma <strong>em</strong> Santos, e, <strong>em</strong>Uberaba uma escola <strong>de</strong> Direito foi também fundada. Os menos cautos quevão freqüentar tais cursos, ilu<strong>de</strong>m-se com promessas <strong>de</strong> equiparação (quenunca há <strong>de</strong> vir) e vão entregando gran<strong>de</strong>s somas <strong>de</strong> dinheiro <strong>em</strong> troca <strong>de</strong>uma matricula que é permanente e... são ‘acadêmicos <strong>de</strong> Direito’. [...] Fica oaviso, para que o povo do interior se precate contra as tais ‘Aca<strong>de</strong>mias’,muitas <strong>de</strong>las, infelizmente, dirigidas por estudantes. [...] ‘Qu<strong>em</strong> avisa,amigo é.’ (1933 apud LAVOURA E COMÉRCIO, 24/08/1933, p. 4).Respon<strong>de</strong>ndo às acusações <strong>de</strong> João Acioli, outro estudante <strong>de</strong> Direito – <strong>de</strong> alguma dasnovas escolas criadas –, Odilon Júnior, mandou publicar outro artigo, agora no jornalaraguarino O Triângulo, <strong>em</strong> que acusava o <strong>de</strong>nunciante <strong>de</strong> tentar, egoisticamente, impedir queoutras pessoas também tivess<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> se formar<strong>em</strong> bacharéis. Diz o texto:Um mocinho inteligente, juridicamente falando, e que aten<strong>de</strong> pelosuavissimo nome <strong>de</strong> João Acioli, s<strong>em</strong> (Dr.), mandou para o brilhante órgão‘Araguari’, algumas palavras cheias <strong>de</strong> <strong>de</strong>speito e ignorância, a respeito dasnovas escolas <strong>de</strong> direito que se fundaram ou preten<strong>de</strong>m se fundar ainda peloBrasil <strong>em</strong> fora... O bobinho está cheio <strong>de</strong> ódio, como se só ele tivessedireito <strong>de</strong> se bacharelar! [...] Acha que os outros seus patrícios não po<strong>de</strong>mser bacharéis, como o senhor. Quer sómente para si os benefícios dainstrução. Que espírito mesquinho [...] O seu sonho dourado seria ter, na


382porta <strong>de</strong> sua residência, uma ‘bruta’ chapa fosforescente, on<strong>de</strong> estivesseescrito: - ‘João Acioli, único advogado <strong>em</strong> todo o território brasileiro’.‘Bão, hein?’ [...] O sr. assevera mais que os matriculados <strong>em</strong> tais cursosilu<strong>de</strong>m-se com promessas <strong>de</strong> equiparação que nunca mais chegam e etc.Ora, não seja incréo. Pois a imoralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Niterói não foi equiparada? Já énão ter fé hom<strong>em</strong>! Pucha! Que incredulida<strong>de</strong>! Os farmacêuticos <strong>de</strong> Uberabasão iguais ou melhores que os outros das escolas tradicionais. Nós, eu e osenhor, se me não engano, t<strong>em</strong>os parentes matriculados na escola daPrinceza do Triângulo. E ela, a <strong>de</strong> Uberaba, já foi um caso... Quanto maisescolas, melhor, sr. João. Deixe <strong>de</strong> t<strong>em</strong>ores infundados! (1933 apudLAVOURA E COMÉRCIO, 12/09/1933, p. 3)As acaloradas discussões entre os dois estudantes, assim como as ações organizadaspelas faculda<strong>de</strong>s equiparadas no sentido <strong>de</strong> bloquear a abertura <strong>de</strong> novas instituiçõescongêneres, inser<strong>em</strong>-se num contexto histórico s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>terminado pelas lutas <strong>de</strong> classes.Nessa perspectiva, não interessa às elites econômicas que haja um aumento na oferta <strong>de</strong>ensino superior, mesmo que particular 200 . O monopólio do saber é a principal estratégia dasclasses dominantes para manter o controle i<strong>de</strong>ológico sobre a socieda<strong>de</strong>. E como se dá essecontrole? Segundo Chauí (1994, p. 95),Os i<strong>de</strong>ólogos são aqueles m<strong>em</strong>bros da classe dominante ou da classe média(aliada natural da classe dominante) que, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da divisão socialdo trabalho <strong>em</strong> trabalho material e espiritual, constitu<strong>em</strong> a camada dospensadores ou dos intelectuais. Estão encarregados, por meio dasist<strong>em</strong>atização das idéias, <strong>de</strong> transformar as ilusões da classe dominante(isto é, a visão que a classe dominante t<strong>em</strong> <strong>de</strong> si mesma e da socieda<strong>de</strong>) <strong>em</strong>representações coletivas ou universais.Assim, a abertura <strong>de</strong> novas escolas <strong>de</strong> Direito, como a <strong>de</strong> Uberaba, pelo seu intrínsecopotencial <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ólogos – ou, numa visão gramsciana, <strong>de</strong> intelectuais orgânicosligados às classes populares –, representaria uma séria ameaça à heg<strong>em</strong>onia das eliteseconômicas. A saída encontrada por essas elites, foi, como era costume, dificultar ofuncionamento <strong>de</strong>ssas faculda<strong>de</strong>s, utilizando-se, para isso, <strong>de</strong> complexo aparato jurídico quecriava uma série <strong>de</strong> exigências legais que, na prática, acabava inviabilizando essesinvestimentos, como aconteceu também com a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberabae com a Escola <strong>de</strong> Topografia <strong>de</strong> Uberaba.Por outro lado, mesmo com a constante oposição das classes dominantes, a pressãodos estratos intermediários da socieda<strong>de</strong>, que ambicionavam atingir posições mais elevadas,foi fundamental para a ampliação da oferta educacional <strong>de</strong> nível superior.200 Como ainda acontece, as vagas nos cursos superiores das escolas públicas eram, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria,ocupados pelos filhos das elites econômicas. Restava aos jovens das classes populares a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> s<strong>em</strong>anter<strong>em</strong>, com muitas dificulda<strong>de</strong>s, nas escolas particulares (e pagas).


383É que as novas camadas <strong>em</strong>ergentes viram na escola um instrumento eficaz<strong>de</strong> ascensão social e, sobretudo, na velha escola acadêmica, a únicareconhecidamente capaz <strong>de</strong> dar status. Foi, pois, <strong>em</strong> direção a esta quecaminhou a <strong>de</strong>manda. Foi por essa escola livresca que elas passaram a lutar,não evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente pelo conteúdo que ela proporcionava, que a elasrealmente pouco interessava, mas pela posição social a que po<strong>de</strong>ria guindálaso título por ela conferido. Foi por isso que a expansão do ensinoassumiu, a nosso ver, o aspecto <strong>de</strong> uma luta <strong>de</strong> classes (ROMANELLI,1983, p. 103).Nessa busca <strong>de</strong>senfreada por status social, o curso <strong>de</strong> Direito era, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>posimperiais, o mais procurado. Tornar-se um bacharel era a porta <strong>de</strong> entrada para os altoscírculos da socieda<strong>de</strong>, que, obviamente, não comportavam todos os alpinistas sociais,surgindo daí a luta entre os interessados na manutenção das restrições para a abertura <strong>de</strong>novos cursos e aqueles interessados na expansão da oferta. Esse fato é muito b<strong>em</strong>ex<strong>em</strong>plificado pelo <strong>em</strong>bate travado entre os dois estudantes <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Araguari.No final <strong>de</strong> 1934, a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba foi consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>pública municipal, através do Decreto nº 558, 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1934 (Anexo 20). Naquelaocasião, a escola contava com cerca <strong>de</strong> 50 alunos matriculados (muitos <strong>de</strong>les oriundos <strong>de</strong>outras cida<strong>de</strong>s da região) e seu corpo docente era composto pelos seguintes professores:Mineiro Lacerda, Sebastião Fleuri, Moacir Medina Coeli, Pelópidas Fonseca, TrajanoBalduino, Manoel Libanio Teixeira, Ari Itamar Baeta Neves, José <strong>de</strong> Souza Prata, João Vieira<strong>de</strong> Morais, José Mendonça e Wady Nassif Miziara. Com exceção <strong>de</strong> Mineiro Lacerda, todosos <strong>de</strong>mais professores eram advogados atuantes (LAVOURA E COMÉRCIO, 26/11/1934).Um aspecto relacionado às escolas dirigidas pelo Dr. Mineiro Lacerda que merece ser<strong>de</strong>stacado é a preocupação do grupo <strong>em</strong>presarial <strong>em</strong> relação ao marketing comercial <strong>de</strong> suasescolas. De forma bastante profissional, as escolas ocupavam, por vezes, páginas inteiras dosjornais locais, divulgando os cursos, as instalações físicas, as solenida<strong>de</strong>s, etc. Mesmo nosmomentos <strong>em</strong> que passavam por situações bastante complicadas junto ao Conselho Nacional<strong>de</strong> Educação, as faculda<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>ixavam transparecer, na imprensa, nada que pu<strong>de</strong>sse causarpânico entre seus acadêmicos ou prejudicar a matrícula <strong>de</strong> novos alunos.Em meados <strong>de</strong> 1936, por ex<strong>em</strong>plo, as escolas associadas receberam a visita <strong>de</strong> umacaravana <strong>de</strong> estudantes proveniente <strong>de</strong> Uberlândia. Naquela ocasião, a direção doestabelecimento, <strong>de</strong>monstrando confiança no futuro das faculda<strong>de</strong>s, procurou recepcionarcalorosamente aqueles que po<strong>de</strong>riam ser seus futuros alunos. A imprensa noticiou o fato:Pela manhã, a caravana <strong>de</strong> Uberlândia fez uma visita á Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia e á Faculda<strong>de</strong> e Direito <strong>de</strong> Uberaba. Os caravaneiros foramrecebidos á porta do edifício, por uma gran<strong>de</strong> comissão <strong>de</strong> professores e


384alunos dos dois acreditados estabelecimentos <strong>de</strong> ensino superior e, <strong>em</strong> honrados visitantes foram erguidos calorosos vivas. A seguir, os visitantesfizeram visita através <strong>de</strong> todas as instalações do predio da rua ArturMachado e, finalmente, foram cordialmente recebidos nos salões <strong>de</strong> honrada Escola <strong>de</strong> Farmacia e Odontologia. [...] Em nome da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Direito, usou da palavra o sr. dr. Sebastião Fleuri que, com eloqüência,apresentou cordiais saudações aos visitantes e calorosamente lhes agra<strong>de</strong>ceua honra que, com a sua presença naquela casa, dispensavam aoestabelecimento <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> que o orador é o diretor (LAVOURA ECOMÉRCIO, 27/05/1936, p. 3).Ao que nos parece, a direção da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito procurava <strong>de</strong>monstrartranqüilida<strong>de</strong> e parecia acreditar na manutenção da fiscalização fe<strong>de</strong>ral junto à Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia. Preservada a instituição principal, à qual estava umbilicalmenteligada a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, seria mais fácil obter o reconhecimento também <strong>de</strong>sta última.Entretanto, <strong>em</strong> meados <strong>de</strong> 1936, com o fechamento da Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia, a situação da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito tornou-se insustentável: como as duasinstituições eram dirigidas pelo mesmo grupo, acusado pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação<strong>de</strong> praticar uma administração irregular, não havia como obter a fiscalização provisória porparte do governo. Seguindo o caminho da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia, a saídaencontrada foi a do fechamento.Não conseguimos documentos que confirm<strong>em</strong> a data exata do fechamento daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba, mas supomos que ela tenha ocorrido simultaneamente ao daEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, isto é, nos primeiros dias <strong>de</strong> agosto/1936.Artigo publicado <strong>em</strong> um jornal local, sugerindo a abertura <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Veterinária e <strong>de</strong>Agronomia <strong>em</strong> Uberaba, confirma o fim da escola: “Tínhamos uma Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia que, infelizmente, por causas que não vale recordar aqui, foi fechada. Com a<strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong>sse estabelecimento <strong>de</strong> ensino, também se foi a nascente Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>Uberaba” (LAVOURA E COMÉRCIO, 27/11/1936, p. 11).Com a extinção da faculda<strong>de</strong>, os gran<strong>de</strong>s prejudicados foram seus alunos: por não seruma instituição <strong>de</strong> ensino superior fiscalizada pelo governo fe<strong>de</strong>ral, não foi permitido a ela<strong>em</strong>itir guias <strong>de</strong> transferência para os alunos que freqüentavam seu curso por ocasião dofechamento. Com isso, como previa – e <strong>de</strong>sejava (?) – o estudante <strong>de</strong> Direito, João Acioli, aalmejada equiparação às faculda<strong>de</strong>s estatais não veio. Os estudantes acabaram per<strong>de</strong>ndo ot<strong>em</strong>po e o dinheiro <strong>em</strong>pregados no curso que lhes daria o sonhado diploma <strong>de</strong> bacharel. Sobuma visão materialista-histórica, o fechamento da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba po<strong>de</strong> serencarado como uma vitória das elites conservadoras da socieda<strong>de</strong> brasileira.


3855.8 A segunda Escola Normal: uma proposta escolanovista <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professoresDes<strong>de</strong> que, <strong>em</strong> 1905, o governo estadual fechara a primeira Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba, por diversas vezes foi cogitada a sua reabertura na região. Em 12/09/1911, atravésda Lei nº 560, o congresso mineiro criou cinco escolas normais regionais, sendo uma <strong>de</strong>las noTriângulo Mineiro. Entretanto, apesar da intenção estatal, essa nova escola normal oficialacabou não saindo do papel (FERREIRA, 1928).Em 23/01/1925, o agente executivo local, Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira, enviou umtelegrama ao governador do estado, pedindo a abertura, <strong>em</strong> Uberaba, <strong>de</strong> uma Escola Normal.Justificava, assim, o seu pedido:Funcionam actualmente 18 escolas mixtas com alta freqüência. Professormunicipal vence actualmente duzentos mil réis mensais, facto que nãoimpe<strong>de</strong> estar governo município impossibilitado aumentar numero escolaspor falta professores. Des<strong>de</strong> inicio meu governo venho pedindo po<strong>de</strong>resestadoaes fundação aqui escola normal regional, único meio solucionarprobl<strong>em</strong>a instrucção povo. T<strong>em</strong>os verba 75 contos <strong>de</strong>stinada ensino publico,mas não há professores. Uberaba possue mais <strong>de</strong> 10 mil creanças ida<strong>de</strong>escolar que com formação professor seriam facilmente alphabetisadasexpensas município. Offereço governo mineiro prédio mandarei construirpara escola normal. Renovo vossencia minha <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> sinceracollaboração governo mineiro toda obra vise b<strong>em</strong> publico (LAVOURA ECOMÉRCIO, 29/01/1925, p. 2).Entretanto, apesar dos insistentes pedidos do governo municipal, a cida<strong>de</strong> continuous<strong>em</strong> a sua escola normal oficial por mais alguns anos. Essa situação só começou a alterar-seno último quarto da década <strong>de</strong> 1920, com a Reforma do Ensino Normal promovida porAntônio Carlos - Francisco Campos. Essa reforma continha o Regulamento do Ensino nasEscolas Normais (aprovado pelo Decreto nº 8.162, <strong>de</strong> 20/01/1928) e dividiu, como játratamos neste trabalho, as escolas normais <strong>em</strong> duas categorias: do primeiro e do segundograus. Previa, também, a instalação <strong>de</strong> <strong>de</strong>z escolas normais do 2º grau nas principais cida<strong>de</strong>sdo estado:Art. 2º - As escolas do 2º grau serão oficiais e <strong>em</strong> número <strong>de</strong> <strong>de</strong>z,localizadas, respectivamente, <strong>em</strong> Belo Horizonte, Juiz <strong>de</strong> Fora, Ouro Fino, e<strong>em</strong> outras cida<strong>de</strong>s, a juízo do governo, que procurará aten<strong>de</strong>r àsnecessida<strong>de</strong>s das gran<strong>de</strong>s regiões do Estado; e as do primeiro gráu serãoreconhecidas pelo govêrno, nos termos dêste regulamento e as que, <strong>de</strong>ntrodo número acima fixado, o Estado criar e instalar <strong>em</strong> localida<strong>de</strong>s a ser<strong>em</strong>oportunamente <strong>de</strong>terminadas por <strong>de</strong>creto do govêrno (MOURÃO, 1962, p.398).No caso do Triângulo Mineiro, o <strong>de</strong>creto não <strong>de</strong>finia <strong>em</strong> que cida<strong>de</strong> seria instalada a


386escola, mas, por ser a maior cida<strong>de</strong> da região, as melhores chances recaíam sobre Uberaba.Na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fechamento <strong>de</strong> sua primeira escola normal, Uberaba não possuía umainstituição <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores oficial e gratuita. As famílias que podiam dar-se esseluxo enviavam suas filhas ao Colégio Nossa Senhora das Dores; nessa escola, formavam-seprofessoras que, dada sua posição social, muitas vezes, não chegavam a exercer o magistério.A falta <strong>de</strong> uma escola normal oficial era <strong>de</strong>nunciada pelos órgãos <strong>de</strong> imprensa locais, comopo<strong>de</strong> ser notado no artigo seguinte, publicado no jornal Lavoura e Comércio:Há longos annos, s<strong>em</strong> esmorecimentos, vimos pedindo uma escola normalpara Uberaba. Quer<strong>em</strong>os uma escola normal para os que realmente <strong>de</strong>llaprecisam, por precisar<strong>em</strong> se <strong>de</strong>dicar ao magistério – para os menosr<strong>em</strong>ediados <strong>de</strong> fortuna, ou seja uma escola normal gratuita para pobres ericos. Assim lucra o ensino na nossa zona, por toda a parte, o ensino publicoe o particular, pela existência crescente <strong>de</strong> normalistas capazes edisciplinados nos mo<strong>de</strong>rnos methodos <strong>de</strong> ensino [...] Pedimos aoben<strong>em</strong>érito governo do sr. Antonio Carlos nos dê uma escola <strong>de</strong> segundograu – ou uma escola normal <strong>de</strong> facto, como s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong>os pedido. As <strong>de</strong>primeiro grau – <strong>em</strong>bora os termos do Regulamento – nunca seriam o que sepó<strong>de</strong> chamar uma escola normal, no seu amplo sentido (LAVOURA ECOMÉRCIO, 26/01/1928, p. 1).Em 1928, <strong>em</strong> uma edição do mesmo jornal, um articulista reintera o pedido feito porLeopoldino <strong>de</strong> Oliveira três anos antes, solicitando que a escola normal reservada aoTriângulo Mineiro fosse instalada <strong>em</strong> Uberaba e novamente chama a atenção para a falta <strong>de</strong>professores no município:No ponto <strong>de</strong> vista uberabense, a escola normal <strong>de</strong>ve ser <strong>em</strong> Uberaba porvários motivos. A nossa cida<strong>de</strong> t<strong>em</strong> vinte mil almas, e vae s<strong>em</strong>precrescendo. Ainda agora, estamos numa febre <strong>de</strong> construcções. A nossapopulação escolar, pois, é gran<strong>de</strong>, e a camara, que mantém mais <strong>de</strong> vinteescolas, lucta com a maior difficulda<strong>de</strong> para encontrar professores. Não háprofessores, e a câmara, querendo fundar mais uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> escolas nomunicípio, não po<strong>de</strong> manter n<strong>em</strong> as vinte escolas que t<strong>em</strong> abertas. Não háprofessores. Nas nossas gran<strong>de</strong>s fazendas, muitas sendo centro <strong>de</strong> quasipovoados, são necessários s<strong>em</strong>pre professores primarios. São muito b<strong>em</strong>pagos. Mas estes, apesar dos annuncios, chamando-os, não apparec<strong>em</strong>,porque não exist<strong>em</strong> no município, que é <strong>de</strong> 60.000 almas. Uma escolanormal, pois, com ampla efficiencia, é indispensavel no nosso meio, pararesolver esse probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> professores (LAVOURA E COMÉRCIO,29/01/1928).A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma escola normal era <strong>de</strong>fendida, também, pelos intelectuais <strong>de</strong>oposição, como Orlando Ferreira (o Doca). Ferreira (1928) chamava a atenção para aprecarização do trabalho docente, que, segundo ele, era um reflexo da má formação dosprofessores. Em uma crítica ferina contida <strong>em</strong> seu livro Terra Madrasta, Doca afirmava:A Escola Normal é uma das maiores necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Uberaba. Ha muito


387t<strong>em</strong>po e constant<strong>em</strong>ente o povo e a imprensa reclamam esse notávelmelhoramento. A falta <strong>de</strong> professores idôneos é absoluta. As poucasescolinhas que exist<strong>em</strong> são regidas por indivíduos quasi analphabetos efalidos <strong>em</strong> todas as profissões... É <strong>de</strong>vido á falta <strong>de</strong> uma Escola Normal eausencia <strong>de</strong> professores competentes, que a instrucção, entre nós, estárelegada para um plano inferior e constitue uma profissão baixa e<strong>de</strong>smoralizada. Aqui todo o professor é olhado com <strong>de</strong>sprezo... Quando oindividuo não serve para mais nada, n<strong>em</strong> mesmo para ladrão <strong>de</strong> gallinha ousoldado, ‘está muito bom para professor’... (FERREIRA, 1928, p. 199)Segundo Orlando Ferreira (1928), apesar dos inúmeros pedidos feitos pelasautorida<strong>de</strong>s locais – que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1916, ofereciam o prédio e outras vantagens para que o estadoinstalasse na cida<strong>de</strong> uma escola normal –, o governo estadual não se <strong>de</strong>cidia pelo<strong>em</strong>preendimento, alegando falta <strong>de</strong> recursos financeiros. Entretanto, segundo o mesmo autor,a verda<strong>de</strong>ira razão para a falta <strong>de</strong> uma escola normal oficial <strong>em</strong> Uberaba era outra:[...] o motivo real e verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> não possuirmos até hoje uma escolanormal é este: o collegio das freiras dominicanas – on<strong>de</strong> só se ensinareligião e beatice – é equiparado e não pó<strong>de</strong> ter concurrencia!... E a verda<strong>de</strong>é esta: nenhum agente executivo, até hoje, não obstante suas reclamações epedidos, conseguiu attrahir para Uberaba esse melhoramento tão <strong>de</strong>sejado...(FERREIRA, 1928, p. 201)Não po<strong>de</strong>mos avaliar se a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Doca era ou não proce<strong>de</strong>nte, mas o fato é que,aten<strong>de</strong>ndo aos constantes pedidos das autorida<strong>de</strong>s locais, no dia 19/02/1928, o jornal MinasGeraes, órgão oficial do estado, publicou o Decreto nº 8.245, assinado no dia anterior pelopresi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos, que criava uma Escola Normal do 2º grau <strong>em</strong> Uberaba:O Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, usando da attribuição que lheconfere o artigo 57 da Constituição, e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o art. 2 o ., doregulamento que baixou com o <strong>de</strong>creto n. 8.162, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro docorrente anno, resolve crear escolas normaes do primeiro gráo, <strong>em</strong> Dôres doIndaya, Paracatu, Santa Rita do Sapucahy, Itabira, Montes Claros, eLeopoldina, e do segundo gráo <strong>em</strong> Uberaba, mantidas nesta categoria as <strong>de</strong>Bello Horizonte, Juiz <strong>de</strong> Fora e Ouro Fino [...] (MINAS GERAIS, 1928, p.322)A Escola Normal do 2º grau, instalada <strong>em</strong> Uberaba, seguia o novo Regulamentoaprovado pelo Decreto nº 8.162, que dividia o ensino nessas escolas <strong>em</strong> três cursos: curso <strong>de</strong>adaptação, curso preparatório e curso <strong>de</strong> aplicação. Segundo Mourão (1962), o curso <strong>de</strong>adaptação, com duração <strong>de</strong> 2 anos, <strong>de</strong>veria ser um compl<strong>em</strong>ento do curso primário e<strong>de</strong>stinava-se a preparar candidatos à matrícula no primeiro ano do curso preparatório. O cursopreparatório, com duração <strong>de</strong> 3 anos, <strong>de</strong>stinava-se, conforme o Regulamento, “a ministrar acultura geral indispensável à formação do magistério primário” (MOURÃO, 1962, p. 399).Na verda<strong>de</strong>, iniciava-se nele o curso normal propriamente dito, já que o curso <strong>de</strong> adaptação se


388resumia, por assim dizer, a uma preparação para o ensino normal. Já o curso <strong>de</strong> aplicação,com duração <strong>de</strong> 2 anos, tinha a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar a formação profissional necessária aosaspirantes ao magistério primário e <strong>de</strong>stinava-se aos concluintes do curso preparatório ou aosque prestass<strong>em</strong>, <strong>em</strong> uma ou duas épocas sucessivas, exames das matérias <strong>de</strong>sse último. Adistribuição das disciplinas no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sses cursos po<strong>de</strong> ser vista na Tabela 4.3, colocadano 4º capítulo <strong>de</strong>ste trabalho.O Regulamento permitia a matrícula, no primeiro ano do curso preparatório, dosalunos aprovados no segundo ano do curso <strong>de</strong> adaptação ou <strong>de</strong> alunos que, mesmo s<strong>em</strong> ter<strong>em</strong>freqüentado o curso <strong>de</strong> adaptação, tivess<strong>em</strong> sido aprovados nos exames das matérias daquelecurso. A mesma regra valia para o ingresso no curso <strong>de</strong> aplicação. Indo ainda mais longe, oRegulamento permitia que os professores formados nas escolas normais do 1º grau pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>obter o diploma <strong>de</strong> normalistas do 2º grau, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tivess<strong>em</strong> exercido o magistério por, nomínimo, 2 anos consecutivos e que foss<strong>em</strong> aprovados nos exames <strong>de</strong> Francês, PsicologiaEducacional, Metodologia e Prática Profissional (MOURÃO, 1962).Se, por um lado, no que se refere ao currículo das escolas normais, o novoRegulamento <strong>de</strong>u um salto qualitativo <strong>em</strong> relação às legislações anteriores, manteve, poroutro, a antiga tendência <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização do magistério, que r<strong>em</strong>ontava aos t<strong>em</strong>posimperiais, dando aos alunos oriundos do ensino regular a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eliminar boa partedos estudos nas escolas normais mediante a aprovação <strong>em</strong> exames. Nesse aspecto, adiplomação <strong>de</strong> um professor continuava <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, apenas, do conhecimento dos conteúdosconsi<strong>de</strong>rados necessários ao exercício da profissão.A obtenção do diploma <strong>de</strong> normalista do 2º grau ficou ainda mais facilitada a partir daLei nº 1.036, <strong>de</strong> 25/09/1928, cujo Artigo 4º previa que as normalistas do 1º grau po<strong>de</strong>riammatricular-se no curso <strong>de</strong> aplicação das escolas normais do 2º grau s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazernenhuma prova (LAVOURA E COMÉRCIO, 17/03/1929).No dia 08/03/1928, o jornal Lavoura e Comércio publicou a relação <strong>de</strong> professores e<strong>de</strong>mais funcionários nomeados para a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, conforme mostra oApêndice 12. Em relação ao corpo <strong>de</strong> professores da nova escola normal, perceb<strong>em</strong>os,também, claras mostras da <strong>de</strong>svalorização da formação docente, consi<strong>de</strong>rada não essencial àprática do magistério, n<strong>em</strong> mesmo nos níveis mais elevados <strong>de</strong> ensino. Uma rápida análise docorpo docente 201 mostra-nos que prevaleceu a antiga tendência, presente nas escolas normais201 Nos anos posteriores, novos professores fizeram parte do corpo docente da Escola Normal, como AntônioLuiz da Costa (Geografia), Baptista <strong>de</strong> Castro (História da Civilização; História da Educação), Paulo Rosa


389brasileiras, <strong>de</strong> nomear professores – no caso formadores <strong>de</strong> professores – <strong>em</strong> sua maioria s<strong>em</strong>formação específica para o magistério. O conhecimento dos conteúdos <strong>de</strong> ensino era aexigência básica para o preenchimento do cargo. No caso da Escola Normal uberabense, dosprofessores relacionados no Apêndice 12, conseguimos <strong>de</strong>tectar a presença <strong>de</strong> 3 médicos(Olavo Rodrigues da Cunha, Edison do Couto e João Henrique Sampaio), 1 advogado (JoséStarling), 1 engenheiro agrônomo (José Maria dos Reis) e 1 engenheiro civil (ThomazBaw<strong>de</strong>n).As matrículas para o primeiro ano <strong>de</strong> funcionamento da Escola Normal oficial <strong>de</strong>Uberaba foram bastante satisfatórias e atingiram o total <strong>de</strong> 100 alunos, distribuídos pelo curso<strong>de</strong> adaptação (1º e 2º anos), curso <strong>de</strong> preparatório (1º, 2º e 3º anos) e curso <strong>de</strong> aplicação.Além <strong>de</strong>sses, na escola prática, anexa à Escola Normal, matricularam-se mais <strong>de</strong> 100 crianças(LAVOURA E COMÉRCIO, 12/04/1928). Em seguida, no dia 27 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1928,inaugurava-se a nova Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba:Com a presença dos exmos. Srs. Mello Vianna e Francisco Campos,respectivamente, vice-presi<strong>de</strong>nte da Republica e secretario do Interior,effectuou-se, ante-hont<strong>em</strong>, ás 5 horas da tar<strong>de</strong>, o acto da inauguraçãoofficial da Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, que se revestiu <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>imponência e belleza. A sol<strong>em</strong>nida<strong>de</strong> foi na sala <strong>de</strong> honra do Lyceu <strong>de</strong>Artes e Officios (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/04/1928, p. 1).A presença do vice-presi<strong>de</strong>nte da República, além <strong>de</strong> diversas autorida<strong>de</strong>s do altoescalão dos governos estadual e fe<strong>de</strong>ral, mostra a importância estratégica que se dava àformação <strong>de</strong> professores para atuar na educação básica. A partir dos i<strong>de</strong>ais republicanos, ainauguração <strong>de</strong> uma escola normal configurava-se como vitória contra a ignorância e osecular atraso nacional. Sediar uma escola normal, principalmente uma escola normal do 2ºgrau, era motivo <strong>de</strong> orgulho para qualquer cida<strong>de</strong> brasileira.A matrícula na Escola Normal era totalmente gratuita. Essa medida po<strong>de</strong> ser analisada<strong>de</strong> duas formas diferentes: a primeira, sob o prisma da <strong>de</strong>mocratização do ensino, dá a elauma aparência progressista; a segunda, oriunda <strong>de</strong> um olhar crítico, nos conduz a umadiscussão acerca da <strong>de</strong>svalorização do magistério. Vejamos o que diz um dos jornais locais arespeito da gratuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino: “As escolas do 2º grau, sendo escolas officiaes, te<strong>em</strong> as suasportas abertas aos pobres, aos quaes o ensino é gratuito, beneficiando-se <strong>de</strong>sse modo o proprioEstado, que terá nos pobres, que precisam do cargo para sua subsistência, professores parainnumeras escolas vagas, por falta <strong>de</strong> normalistas que as acceit<strong>em</strong>” (LAVOURA E(Psicologia), José Mendonça (História da Civilização), Renato Frateschi (Música), Carlos <strong>de</strong> Moraes(Português), Genesco Murta, Alfredo Sabino e Santino Gomes <strong>de</strong> Matos.


390COMÉRCIO, 29/03/1928, p.1). Dessa forma, a gratuida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser encarada como umanecessida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> e do Estado, configurando-se como a única forma capaz <strong>de</strong> atraircandidatos para o magistério. Em um comunicado da direção da Escola Normal, convocandoalunos para a matrícula, feito <strong>em</strong> um jornal local, fica clara essa opção pelas moças pobres:A Escola Normal do segundo gráo está com a matricula quasi encerrada.Todavia, ainda recebe alumnas nos vários cursos, excepto o primário. Asalumnas reconhecidamente pobres terão a matricula gratuita. A escolafornece mesmo o sello, livros e roupas às que não po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> fazer a suaacquisição. Os paes <strong>de</strong> família não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> per<strong>de</strong>r um dia siquer, procurandohoje mesmo o seu director, professor Fernando Magalhães. Terão, assim,assegurado o futuro <strong>de</strong> suas filhas (LAVOURA E COMÉRCIO,07/03/1929, p. 1).Já <strong>em</strong> seu primeiro ano <strong>de</strong> funcionamento, algumas alunas da Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba conseguiram concluir o curso <strong>de</strong> aplicação. As primeiras normalistas do 2º grauformadas pela escola foram as senhoritas Lygia Moreira, Marina Nascimento, Maria AbbadiaBaptista, Irma Izabel Boff, Antonietta Silva e Alzira <strong>de</strong> Moura. A colação <strong>de</strong> grau ocorreu nodia 30/12/1928 (LAVOURA E COMÉRCIO, 03/01/1929). Nos anos posteriores, a escolamanteve bom número <strong>de</strong> matrículas e <strong>de</strong> formaturas 202 . Em 1933, por ex<strong>em</strong>plo, estavammatriculados na Escola Normal uberabense 202 alunos (21 homens e 181 mulheres), além das192 crianças da escola prática anexa (PONTES, 1970). Em 1934, formaram-se 26 normalistasdo 1º grau e 11 normalistas do 2º grau (LAVOURA E COMÉRCIO, 21/12/1934).Diferent<strong>em</strong>ente da primeira Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, cujo currículo tinha umaorientação claramente positivista, na segunda Escola Normal prevalecia a influência dopensamento da Escola Nova. De fato, essa influência se fez sentir <strong>de</strong> forma geral no sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> instrução pública <strong>de</strong> Minas Gerais, a partir da ousada reforma dos ensinos primário enormal, impl<strong>em</strong>entada por Antônio Carlos e Francisco Campos.Dentre as novida<strong>de</strong>s trazidas pelo Decreto nº 8.094, <strong>de</strong> 22/12/1927, que aprovou os<strong>programa</strong>s do ensino primário no estado, estavam diversas sugestões para o preparo das lições<strong>em</strong> adaptação do método Decroly 203 . Segundo Mourão (1962), essas sugestões tinham oobjetivo <strong>de</strong> transformar o professor <strong>em</strong> um excitador ou <strong>de</strong>spertador das faculda<strong>de</strong>s psíquicasda criança.202 O Apêndice 13 mostra a relação parcial <strong>de</strong> normalistas do 2º grau formados na 2ª Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba.203 Segundo Gadotti (1995), o método criado pelo belga Ovi<strong>de</strong> Decroly (1871-1932), também conhecido comométodo dos centros <strong>de</strong> interesse, consistia <strong>em</strong> educar as crianças a partir das necessida<strong>de</strong>s infantis (alimentar-se;proteger-se contra as int<strong>em</strong>péries e os perigos; agir através <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> social, recreativa e cultural),criando centros <strong>de</strong> interesse associados a essas necessida<strong>de</strong>s (família, universo, mundo vegetal, mundo animal,etc.). Esses centros <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong>senvolviam na criança a observação, a associação e a expressão.


391No método Decroly, o papel do professor era b<strong>em</strong> mais elevado, <strong>em</strong>borafosse a criança ‘o ponto <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> toda a ação da chamada EscolaAtiva’. Ao professor cabia ‘o papel <strong>de</strong> guia, <strong>de</strong> orientador da criança.’ Cabiaao mestre suprir o livro e ir muito além, orientando a inteligência da criançaimpedindo que essa inteligência se dispersasse ‘<strong>em</strong> objetos s<strong>em</strong> proveito,que ela consi<strong>de</strong>re ou observe falsamente, s<strong>em</strong> no entanto forçá-la <strong>de</strong>qualquer modo’ (MOURÃO, 1962, p. 386).Pelo que nos foi possível constatar, as novas orientações do ensino primário foramrapidamente atendidas no município <strong>de</strong> Uberaba. Mesmo antes da aprovação dos <strong>programa</strong>sdo ensino primário, os professores locais já começaram a receber as primeiras orientaçõespara atuar <strong>de</strong>ntro da perspectiva escolanovista, conforme po<strong>de</strong>mos perceber na seguintenotícia publicada <strong>em</strong> um jornal uberabense:O nosso collaborador Alceu <strong>de</strong> Souza Novaes fará, <strong>de</strong>ntro <strong>em</strong> pouco, umapalestra sobre methodos <strong>de</strong> ensino, especialmente o ‘Methodo <strong>de</strong> projectos’e o methodo Decroly, recommendados pelo novo regulamento <strong>de</strong> ensinoprimário. As palestras se realizarão na câmara municipal ou no grupoescolar. Os nossos leitores terão, com antecedência, aviso a respeito(LAVOURA E COMÉRCIO, 18/12/1927, p. 7).Para atuar <strong>em</strong> uma escola ativa, organizando ativida<strong>de</strong>s segundo o método Decroly, oprofessorado mineiro <strong>de</strong>veria ser formado <strong>de</strong>ntro da concepção que convencionamos chamar<strong>de</strong> o professor como pedagogo, um profissional docente capaz <strong>de</strong> atuar como mediador doprocesso <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong>, o que exigiria, segundo a perspectiva <strong>de</strong> John Dewey, umprofessor capaz <strong>de</strong> refletir sobre sua experiência prática, criando estratégias didáticasespecíficas para cada contexto específico. Esse novo mo<strong>de</strong>lo pedagógico exigia salas <strong>de</strong> aulacom um limitado número <strong>de</strong> alunos: nas classes primárias anexas à Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba, por ex<strong>em</strong>plo, o número <strong>de</strong> alunos por sala era <strong>de</strong>, no máximo, 40 alunos(LAVOURA E COMÉRCIO, 13/01/1929), número que, <strong>em</strong>bora alto para os padrões atuais,era muito inferior ao das antigas salas <strong>de</strong> aula <strong>de</strong> ensino mútuo, simultâneo ou misto.A formação <strong>de</strong> professores-pedagogos exigia uma nova disposição curricular e umanova postura por parte do corpo docente das escolas normais. No caso das escolas normaismineiras, Mourão (1962) l<strong>em</strong>bra que o Regulamento <strong>de</strong> 1928 recomendava aos mestres queapelass<strong>em</strong> para a colaboração dos alunos, suscitando e cultivando suas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>iniciativa, aptidões didáticas e gosto pelo estudo.O ensino das diversas disciplinas do curso não se limitaria às lições doprofessor, porém seria <strong>de</strong>dicada parte consi<strong>de</strong>rável do t<strong>em</strong>po ‘a exercícioscompl<strong>em</strong>entares’ por parte dos alunos, possibilitando-lhes o gosto dainiciativa, o sentido da responsabilida<strong>de</strong>, a curiosida<strong>de</strong> intelectual e o amorao estudo e às investigações pessoais. Esses exercícios compl<strong>em</strong>entaresconsistiriam <strong>em</strong> ‘trabalhos <strong>de</strong> investigação, <strong>de</strong> documentação <strong>de</strong> resolução


392<strong>de</strong> questões e <strong>de</strong> redação <strong>de</strong> relatórios ou exposição <strong>de</strong>sses trabalhos,<strong>de</strong>vendo realizar-se <strong>em</strong> aula e no quadro do horário <strong>de</strong> cada disciplina’(MOURÃO, 1962, p. 401).Com essas <strong>de</strong>terminações, o Regulamento <strong>de</strong> 1928 trazia um importante avanço <strong>em</strong>relação aos anteriores: a preocupação <strong>em</strong> formar profissionais da educação, conhecedores dasnovas teorias pedagógicas e não apenas meros retransmissores <strong>de</strong> conteúdos adquiridos <strong>em</strong>sua formação inicial. Como já tratamos anteriormente, nos t<strong>em</strong>pos imperiais e nos primeirosanos da República, o currículo das escolas normais mineiras continha basicamente osconteúdos das escolas <strong>de</strong> educação básica ou, no máximo, incluía a disciplina Pedagogia. Já onovo Regulamento previa que: “O curso normal <strong>de</strong>veria ter s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> mira a formação <strong>de</strong>professores, ainda nas ca<strong>de</strong>iras que não se relacionass<strong>em</strong> diretamente com essa formação.”(MOURÃO, 1962, p. 401). Como já afirmamos, formar professores, nessa nova visão, não selimitava a transmitir conhecimentos a ser<strong>em</strong> retransmitidos aos alunos dos cursos primários;os novos professores <strong>de</strong>veriam ser capazes <strong>de</strong> refletir na experiência e, ao produzir umasíntese entre o produto da reflexão sobre a prática e os conhecimentos teóricos anteriormenteconstruídos, ser<strong>em</strong> também capazes <strong>de</strong> criar estratégias didáticas diferenciadas e adaptadaspara cada turma ou aluno específico.Figura 5.15 – Alunas da Escola Normal durante uma excursão <strong>de</strong> estudosFonte: Arquivo particular <strong>de</strong> No<strong>em</strong>y Junqueira


393O Decreto nº 8.225, <strong>de</strong> 11/02/1928, aprovou os <strong>programa</strong>s do ensino normal, quecontinha a bibliografia recomendada para orientar os professores das escolas normais do 2ºgrau. Transcrev<strong>em</strong>os, abaixo, algumas obras indicadas para os professores das disciplinasPsicologia da Educação, Metodologia e História da Educação (MOURÃO, 1962):1º) Obras sobre Psicologia da Educação:- Claparé<strong>de</strong>, Ed. – Psychologie <strong>de</strong> l’enfant- Claparé<strong>de</strong>, Ed. – Comment diagnostiquer les aptidu<strong>de</strong>s chez les écoliers- Decroly, O. – Levolution affective chez l’enfant- Decroly, O. – L’examen affectif en géneral et chez l’enfant en particulier- Piageé, J. – Le language et la pensée chez l’enfant- Piageé, J. – Le jug<strong>em</strong>ent et le Raisonn<strong>em</strong>ent chez l’enfant- Thorndike – Educational Psychology2º) Obras sobre Metodologia:- Dewey – D<strong>em</strong>ocracy and education- Dewey – The school and the society- Dewey – The school of tomorrow- Ferrière – L’ École active- Ferrière – La pratique <strong>de</strong> l’école active- Thorndike – Psychology of Arithmetic- Thorndike – The new methods in Arithmetic- Dalh<strong>em</strong> – Contribuition à l’introduction <strong>de</strong> la méto<strong>de</strong> Decloly à l’école primaire- Decroyle et Boon – Vers l’ecole reonvée3º) Obras sobre Historia da Educação:- Dewey – The school of tomorrow- François Guex – Historie <strong>de</strong> l’instruction et <strong>de</strong> l’éducationMais uma vez, ao observarmos a presença das obras <strong>de</strong> Dewey, Ferrière, Decroly,Claparé<strong>de</strong> e Piagée (Piaget) no <strong>programa</strong> <strong>de</strong>ssas três disciplinas, perceb<strong>em</strong>os que, naquelaépoca, o currículo das escolas normais mineiras alinhava-se ao i<strong>de</strong>ário escolanovista. Poroutro lado, a recomendação das obras <strong>de</strong> Edward Thorndike – um dos primeiros teóricos apropor a introdução da psicologia behaviorista na educação –, já <strong>de</strong>nunciava a penetração das


394novas tecnologias <strong>de</strong> ensino que prometiam mudanças comportamentais nos alunos através damanipulação <strong>de</strong> variáveis externas e a transformação dos professores <strong>em</strong> técnicos competentescapazes <strong>de</strong> aplicar essas novas tecnologias.Dentre outras prescrições interessantes contidas no Regulamento <strong>de</strong> 1928 e quevisavam à formação <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros profissionais da educação, estava a recomendação <strong>de</strong> quetodos os alunos do curso <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong>veriam fazer, ao menos uma vez por trimestre, umapalestra para os <strong>de</strong>mais colegas, sobre assuntos diversos e escolhidos pelo próprio aluno – talativida<strong>de</strong> teria o efeito <strong>de</strong> acostumar o aluno às conferências <strong>em</strong> público e corrigir possíveisvícios didáticos; além disso, cultivava nos mesmos o hábito da pesquisa. Em outra prescrição,o Regulamento <strong>de</strong>terminava que os alunos do curso <strong>de</strong> aplicação fizess<strong>em</strong> excursõespedagógicas para compl<strong>em</strong>entar os estudos da disciplina a que se referiss<strong>em</strong>.A influência escolanovista mostrava-se ainda na organização das ativida<strong>de</strong>s práticasdos alunos na escola anexa e na maior cientificida<strong>de</strong> dada ao curso, principalmente nosestudos <strong>de</strong> psicologia teórica e prática – o que reflete, também, o início da influênciabehaviorista na educação. Segundo Mourão (1962, p. 402),A prática profissional se dividiria <strong>em</strong> ‘aulas mo<strong>de</strong>los, aulas didáticas,preparo para lições e lições práticas’. Na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Psicologia Educacionalconstituiria ‘exercício compl<strong>em</strong>entar obrigatório a organização <strong>de</strong> testespsicológicos e pedagógicos, nas classes anexas, com a participação ecolaboração dos alunos-mestres’.A Escola Normal uberabense, através <strong>de</strong> seu diretor Fernando <strong>de</strong> Magalhães,procurava cumprir essas <strong>de</strong>terminações do Regulamento, organizando excursões <strong>de</strong>estudantes, palestras, oficinas e outras ativida<strong>de</strong>s que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> propiciar a interação entre ateoria e a prática. Eram promovidas, com freqüência, conferências públicas sobre t<strong>em</strong>asdiversos, abertas aos alunos e ao professorado local, além <strong>de</strong> mostras <strong>de</strong> trabalhos, oficinas,festivais, saraus literários, etc. Em diversas ocasiões, os jornais locais citavam esses eventos:[...] realizou-se, sabbado passado, no salão nobre da Escola Normal, umainteressante palestra sobre assumptos <strong>de</strong> ensino, o que v<strong>em</strong> a ser a primeira<strong>de</strong> uma serie <strong>de</strong> conferencias <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m que o abalisado corpo docente<strong>de</strong>sse estabelecimento preten<strong>de</strong> levar a effeito, <strong>de</strong>dicando-as ás classesestudiosas e intellectuaes da nossa culta cida<strong>de</strong>. O trabalho acima foiapresentado pelo dr. Baptista <strong>de</strong> Castro, do quadro <strong>de</strong> professores da ditaescola. Agradou muito á selecta assistência. Focalisou um dos gran<strong>de</strong>sprobl<strong>em</strong>as do ensino da linguag<strong>em</strong>, cuja importância não escapa n<strong>em</strong> aosmais profanos <strong>em</strong> questões <strong>de</strong> ensino (LAVOURA E COMÉRCIO,30/09/1928, p. 3).Hont<strong>em</strong>, ás 13 horas, realizou-se na Escola Normal <strong>de</strong> 2º Grau <strong>de</strong> Uberabaum brilhantissimo festival <strong>em</strong> comm<strong>em</strong>oração á data da Conjuração


395Mineira. A sessão foi aberta pelo sr. Prof. Fernando Magalhães, illustredirector daquelle estabelecimento <strong>de</strong> ensino. Os salões da Escola Normalestavam lindamente ornamentados, tendo se encarregado <strong>de</strong>sse serviço o sr.João Morotti, preparador <strong>de</strong> physica e chimica do estabelecimento(LAVOURA E COMÉRCIO, 22/04/1930, p. 1).Realizou-se sexta-feira, sob a presi<strong>de</strong>ncia da talentosa normalista VandaBoff, mais uma sessão do Grêmio Litero-Pedagógico com se<strong>de</strong> na EscolaNormal do 2º grau, <strong>de</strong> cujas alunas é constituído (GAZETA DEUBERABA, 26/08/1934, p. 1).Para falar sobre a segunda Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, entrevistamos duas ex-alunasda escola. A primeira ex-aluna entrevistada 204foi No<strong>em</strong>y Junqueira Passos Pereira(07/09/1915), que concluiu o curso <strong>de</strong> aplicação da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, no ano <strong>de</strong>1935. A segunda ex-aluna a qu<strong>em</strong> recorr<strong>em</strong>os foi Hermantina Riccioppo 205 (06/02/1919), quese formou como normalista do 1º grau <strong>em</strong> 1937 e não fez o curso <strong>de</strong> aplicação <strong>em</strong> função dofechamento da escola.Questionada por nós sobre a qualida<strong>de</strong> do ensino oferecido pela Escola Normal,Riccioppo (2007) respon<strong>de</strong>u:Sobre o ensino? Para mim foi uma abertura s<strong>em</strong> limites... Eu saí do ColégioNossa Senhora das Dores <strong>em</strong> 1934. Aí, nós fomos transferidas para a EscolaNormal, que era aqui pertinho. O ensino <strong>de</strong> lá era um ensino avançadíssimo,e era só através <strong>de</strong> pesquisa, nós não tínhamos livros, não tínhamos nada.Assistíamos às aulas, íamos para a biblioteca <strong>em</strong> grupo e formávamos osnossos pontos. No colégio era tudo <strong>de</strong>corado... Era livro, e se per<strong>de</strong>sse umavírgula, já diminuía a nota...Na seqüência, a ex-aluna falou sobre as ativida<strong>de</strong>s extra-classe: “Fazíamos excursões,ginástica... Nós íamos ao campo <strong>de</strong> futebol, lá do Uberaba Sport, fazer apresentações <strong>de</strong>ginástica, sabe... Era uma beleza! [...] Íamos para Uberlândia e pra outros lugares.Encontrávamos com outras turmas... Mas eram excursões só pra estudo.” (RICCIOPPO,2007).Na Escola Normal, eram comuns as mostras <strong>de</strong> trabalhos abertas ao público. Pereira(2007) conta que s<strong>em</strong>pre “havia exposições. O povo gostava da exposição <strong>de</strong> trabalhosmanuais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho... Havia exposições muito lindas... Naquele t<strong>em</strong>po tinha pouca distraçãoaqui <strong>em</strong> Uberaba e ia todo mundo visitar...”. Essa afirmação da ex-aluna po<strong>de</strong> ser facilmenteconfirmada pela presença, nos jornais da época, <strong>de</strong> artigos noticiando esse tipo <strong>de</strong> evento,como o seguinte:204 Entrevista realizada no dia 09/04/2007.205 Entrevista realizada no dia 10/04/2007.


396Será franqueada hoje ao publico, ás 19 horas, na Escola Normal, e durante as<strong>em</strong>ana próxima, a exposição <strong>de</strong> trabalhos manuaes, <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lag<strong>em</strong> e<strong>de</strong>senho feitos pelos differentes cursos daquele estabelecimento <strong>de</strong> ensino.O que pu<strong>de</strong>mos observar nos 3 salões occupados pela exposição é umeloqüente attestado do esforço e <strong>de</strong>dicação dos professores a que estãoaffectas aquellas ca<strong>de</strong>iras (LAVOURA E COMÉRCIO, 29/11/1930, p. 1).Figura 5.16 – Alunas da Escola Normal partindo para uma viag<strong>em</strong> a UberlândiaFonte: Arquivo particular <strong>de</strong> No<strong>em</strong>y JunqueiraCom relação ao gênero dos alunos, a Escola Normal rompeu com o mo<strong>de</strong>lotradicionalmente adotado <strong>em</strong> Uberaba, on<strong>de</strong> os colégios secundários se dividiam <strong>em</strong>masculino (Colégio Diocesano) e f<strong>em</strong>inino (Colégio Nossa Senhora das Dores), e colocoumoças e rapazes compartilhando as mesmas salas <strong>de</strong> aula. Uma das ex-alunas <strong>de</strong>screve essanovida<strong>de</strong>: “As turmas eram mistas. Isso era <strong>de</strong>batido <strong>de</strong>mais aqui <strong>em</strong> Uberaba... Nãoadmitiam que houvesse homens misturados com mulheres... Mas, <strong>em</strong> todo caso, elescolocaram uma cerca separando, no recreio, os meninos... Mas eles furavam, passavam prooutro lado... Não tinha jeito...” (RICCIOPPO, 2007).As salas <strong>de</strong> aula da escola primária anexa também eram mistas e funcionavam <strong>em</strong> umaala do prédio. “No pátio, para brincar, tinha uma cerca que separava as crianças dos adultos”


397(RICCIOPPO, 2007). Na escola primária anexa, o professor e os alunos-regentes dividiam aresponsabilida<strong>de</strong> pela educação das crianças, aplicando ali os princípios educacionais daEscola Nova. Segundo Riccioppo (2007), “Geralmente eles davam uma aula assim: <strong>de</strong>brinca<strong>de</strong>ira, mas <strong>de</strong> pesquisa pro aluno; o aluno, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenininho, já entrava na pesquisa...Era uma coisa espetacular!”.Perguntada se os alunos do curso normal, durante sua prática <strong>de</strong> ensino, regiam asaulas, Riccioppo (2007) confirmou: “Nós dávamos aula e ganhávamos nota com isso, daprofessora <strong>de</strong> Pedagogia”. Se, por um lado, essa afirmativa <strong>de</strong>monstra a preocupação daescola <strong>em</strong> permitir que os alunos pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>, livr<strong>em</strong>ente, confrontar a teoria com a prática,formando uma síntese dialética, mostra, por outro, que a influência do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avaliaçãotradicional ainda permanecia vivo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma escola que pretendia inovar: mesmo aprática <strong>de</strong> ensino, momento <strong>em</strong> que o aluno <strong>de</strong>veria estar livre para experimentar e errar, eraalvo <strong>de</strong> uma avaliação classificatória que resultava <strong>em</strong> uma <strong>de</strong>terminada nota.No dia 3/8/1930, o jornal Minas Geraes, porta-voz oficial do governo estadual,publicou uma nota do Presi<strong>de</strong>nte do estado, <strong>de</strong>terminando a transferência da Escola Normal<strong>de</strong> Uberaba, que <strong>de</strong>veria sair do prédio do Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios para acomodar-se na se<strong>de</strong>do Grupo Escolar Minas Gerais 206 , até que fosse dotada <strong>de</strong> prédio próprio (LAVOURA ECOMÉRCIO, 09/08/1930). Entretanto, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência dos atrasos na construção do novogrupo, a Escola Normal permaneceu no prédio do Liceu até junho <strong>de</strong> 1932, quando, <strong>em</strong>função do início da Revolução Constitucionalista, o edifício foi ocupado pelo governomineiro, que instalou ali os soldados da Brigada Fonseca. Com a ocupação militar, as aulasforam suspensas e só retornaram, ainda assim <strong>de</strong> forma precária, a partir <strong>de</strong> 03/09/1932, aindaassim <strong>em</strong> um prédio provisório, na rua Artur Machado (LAVOURA E COMÉRCIO,02/09/1932). Dessa data <strong>em</strong> diante, a Escola Normal não mais retornou ao prédio do Liceu <strong>de</strong>Artes e Ofícios, que passou a ser ocupado pelo 4º Batalhão <strong>de</strong> Caçadores Mineiros.A Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba permaneceu por alguns meses no prédio da rua ArturMachado, que não oferecia condições para o bom funcionamento da instituição. Iniciou-se,então, na cida<strong>de</strong>, intensa mobilização para conseguir do governo estadual uma se<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivapara a escola. A prefeitura local, através do chefe <strong>de</strong> governo Dr. Guilherme Ferreira, e asocieda<strong>de</strong> civil enviaram insistentes pedidos ao então governador Olegário Maciel e aoInspetor Geral <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Minas Gerais, Guerino Casasanta. Entretanto, <strong>em</strong> resposta aospedidos, o governador informou que o estado não dispunha, para aquele ano, <strong>de</strong> uma previsão206 Criado pelo Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos, através <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 4/10/1927.


398orçamentária para executar tal obra.Em face da impossibilida<strong>de</strong> da construção já referida, o sr. FernandoMagalhães, diretor da Escola Normal <strong>de</strong> Segundo Grau <strong>de</strong> Uberaba, estáprovi<strong>de</strong>nciando energicamente a adaptação <strong>de</strong> um predio <strong>em</strong> condições <strong>de</strong>comportar todas as classes da mesma. O prédio escolhido foi o vastosobrado á rua cel. Manoel Borges, <strong>em</strong> que esteve a administração doscorreios e on<strong>de</strong>, ultimamente, esteve acantonado o 13º B.I.P. <strong>de</strong> Uberaba. Osr. dr. Guerino Casasanta, <strong>em</strong> sua recente permancencia <strong>em</strong> Uberaba, teveoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vidamente inormado <strong>de</strong> tudo quanto se refere áEscola Normal local, ficando <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar junto ao governo as medidasnecessarias á sua eficaz instalação. O prédio da rua cel. Manoel Borges estásendo reparado ativamente, recebendo limpeza e reformas, <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>rprestar, perfeitamente, <strong>em</strong> caráter transitório, para o funcionamento <strong>de</strong>ssacasa <strong>de</strong> ensino normal <strong>de</strong> Uberaba (LAVOURA E COMÉRCIO,26/01/1933, p. 1).Figura 5.17 – Se<strong>de</strong> da Escola Normal Oficial <strong>de</strong> UberabaFonte: APUA escola foi então transferida para o citado sobrado 207da rua Manoel Borges(mostrado na Figura 5.17), erguido <strong>em</strong> 1877 pelo construtor al<strong>em</strong>ão Fernando Ankerckrone,207 O prédio, que foi <strong>de</strong>molido anos <strong>de</strong>pois, situava-se no ponto on<strong>de</strong> hoje se localiza o prédio do extinto ReginaHotel.


399por encomenda do abastado comerciante uberabense Luis Soares Pinheiro, que residiu noenorme casarão com sua família (PONTES, 1970). A Escola Normal <strong>de</strong>veria permanecernaquele imóvel por t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>terminado, já que havia a promessa, por parte do governoestadual, <strong>de</strong> que, <strong>em</strong> 1934, seria <strong>de</strong>stinada uma verba <strong>de</strong> 450 contos <strong>de</strong> réis para a construção<strong>de</strong> uma nova se<strong>de</strong> para aquela instituição, o que nunca se realizou (LAVOURA ECOMÉRCIO, 01/07/1933).As informações acerca do prédio da Escola Normal são variadas e contraditórias. Porvezes, a imprensa trata o local como grandioso: “Ás 9 horas da noite, nos amplos salões daEscola Normal, teve inicio um luxuoso baile, oferecido pelas normalistandas á socieda<strong>de</strong>, que<strong>de</strong>correu magnificamente até altas horas da madrugada.” (GAZETA DE UBERABA,16/12/1937, p. 1). Em outra ocasião, o mesmo órgão <strong>de</strong> imprensa afirma que as instalaçõessão precárias e inapropriadas para uma instituição <strong>de</strong> ensino daquele nível:É um dos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino que mais honram os nossos foros <strong>de</strong>civilização. Presta extraordinários serviços, não somente ás classesabastadas, como também ás áquelas menos providas <strong>de</strong> recursos materiais.Entretanto, o prédio <strong>em</strong> que se acha instalada a Escola Normal <strong>de</strong>ixa muito,<strong>de</strong>ixa quase tudo a <strong>de</strong>sejar. (GAZETA DE UBERABA, 19/12/1937, p. 1).Falando sobre o casarão on<strong>de</strong> funcionou a Escola Normal, Riccioppo (2007) afirmaque “O prédio era gran<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>. Tinha 2 andares, 1 quintal muito gran<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> tinhamjogos, tinha pátio para educação física...” (RICCIOPPO, 2007). Já a entrevistada Pereira(2007), assim <strong>de</strong>screve o prédio da Escola Normal: “Era uma casa antiga gran<strong>de</strong>, salas muitogran<strong>de</strong>s, tinha sombra, muitos bancos, fazíamos ginástica lá [...] Tinha um fundo muito bomon<strong>de</strong> fazíamos apresentações [...] Tinha uma biblioteca maravilhosa [...] Possuía livros <strong>em</strong>italiano, <strong>em</strong> espanhol, <strong>em</strong> inglês.” (PEREIRA, 2007). Com base nessas informações sobre asinstalações da Escola Normal, o que nos parece claro é que, tendo sido o prédio construídopara servir como residência, é normal que não fosse completamente satisfatório para receberuma instituição <strong>de</strong> ensino; entretanto, pelas <strong>de</strong>clarações das ex-alunas, concluímos que aspossíveis <strong>de</strong>ficiências não chegavam a comprometer o bom andamento dos cursos.Em fevereiro <strong>de</strong> 1932, o diretor da Escola Normal, Prof. Fernando <strong>de</strong> Magalhães, tevea iniciativa <strong>de</strong> abrir um internato f<strong>em</strong>inino <strong>de</strong>stinado a abrigar as alunas provenientes <strong>de</strong>outras cida<strong>de</strong>s da região. Numa época <strong>em</strong> que era gran<strong>de</strong> a preocupação dos pais <strong>em</strong> relação àintegrida<strong>de</strong> física e moral das filhas, um internato dirigido por pessoas idôneas era o localpreferido para encaminhar as estudantes. Pensando nisso, a direção do internato foi entregue aD. Maria Prima da Conceição, pessoa conhecida na cida<strong>de</strong> e ligada, por longos anos, à


400educação. A imprensa local assim anunciou o fato: “O internato da Escola Normal <strong>de</strong> 2º Grau<strong>de</strong> Uberaba funciona <strong>em</strong> predio confortavel, á rua Carlos Rodrigues da Cunha, possuindotodas as acomodações para receber qualquer quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alunas que serão, s<strong>em</strong>preassistidas pela diretora e tratadas com <strong>de</strong>svelo e carinho por auxiliares competentes e idoneos”(LAVOURA E COMÉRCIO, 06/02/1932, p. 2). Posteriormente, segundo Riccioppo (2007),o internato foi transferido para um prédio na praça da Gameleira (atual praça da ConchaAcústica), on<strong>de</strong> permaneceu até o fechamento da Escola Normal.Nos anos que se seguiram, até fim <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, a Escola Normal continuouinstalada no casarão da rua Manoel Borges. Apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, freqüent<strong>em</strong>ente, a falta <strong>de</strong>recursos físicos da Escola Normal, a imprensa procurava exaltar os bons resultados obtidos naformação dos novos normalistas, e atribuía esse sucesso ao excelente trabalho e ao i<strong>de</strong>alismodo diretor e dos professores da escola:Se os resultados são s<strong>em</strong>pre magníficos, se cada ano somos levados aosmais francos aplausos diante da colheita esplêndida que os trabalhosescolares do conceituado estabelecimento apresentam, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>o-lo <strong>em</strong>gran<strong>de</strong> parte ao esforço e á <strong>de</strong>dicação a toda prova do seu digno diretorprof. Fernando Magalhães, educador na acepção exato do termo que tudosacrifica <strong>em</strong> prol do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> formar para a pátria mentalida<strong>de</strong>s sadias <strong>de</strong>professoras dignas e capazes. O ilustre diretor da Escola Normal não se<strong>de</strong>sencoraja diante do acúmulo das dificulda<strong>de</strong>s. Encara-as resoluto e trata<strong>de</strong> vencê-las com inexcedível corag<strong>em</strong> e confiança. Adapta, conserta,corrige e <strong>em</strong>enda, e tanto quanto possível, <strong>de</strong> acordo com os recursos <strong>de</strong> quedispõe, enquadra o seu educandário <strong>de</strong>ntro dos requisitos exigidos pelosmais mo<strong>de</strong>rnos preceitos <strong>de</strong> pedagogia (GAZETA DE UBERABA,19/12/1937, p. 1).As qualida<strong>de</strong>s do diretor e do corpo docente da Escola Normal foram, também, muitoressaltadas pelas duas ex-alunas que nos conce<strong>de</strong>ram entrevistas pessoais. Para Riccioppo(2007), os professores, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria, eram competentes e comungavam com aproposta pedagógica da escola, incentivando a pesquisa e a construção coletiva doconhecimento. Fernando <strong>de</strong> Magalhães é assim <strong>de</strong>scrito por ela: “Era um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> umapedagogia s<strong>em</strong> limites. Ele conhecia as alunas. Ele conversava com as alunas. Ele era amigodas alunas. Ele aconselhava as alunas. Era um pai para elas.” (RICCIOPPO, 2007).Ao referir-se à forma <strong>de</strong> ensinar e à postura dos professores, Riccioppo (2007) afirmaque “Era tudo por pesquisa. Nós não tínhamos um livro didático para estudar. Eles davamaula e falavam: procura este, esse e aquele livro. Vocês vão formar o ponto <strong>de</strong> vocês. Nósfazíamos isso <strong>em</strong> grupo... Pesquisa s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> grupo.”.Em t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> que o autoritarismo era ainda uma arma da esmagadora maioria dos


401professores brasileiros, a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba novamente se diferenciava das <strong>de</strong>maisinstituições <strong>de</strong> ensino da cida<strong>de</strong>. Segundo Riccioppo (2007), os professores “eram todosprofessores amigos: Prof. Pratinha, Prof. Chireé, Dr. Edison Couto, Dr. Tomaz Baw<strong>de</strong>n...”.Pereira (2007) também corrobora essa opinião, ao afirmar que o relacionamento professoralunoera muito amigável e não se l<strong>em</strong>bra <strong>de</strong> ter presenciado os professores praticandonenhuma punição rigorosa nos alunos; e compl<strong>em</strong>enta: “Eu gostava muito do professorRenato Frateschi, <strong>de</strong> música. Ele tinha muita paciência com as pessoas <strong>de</strong>safinadas paracantar...” (PEREIRA, 2007).Para a conclusão do curso, era exigida a apresentação <strong>de</strong> uma monografia elaboradapelas alunas do último ano (tanto do curso preparatório, quanto do curso <strong>de</strong> aplicação), nosmol<strong>de</strong>s dos atuais cursos superiores. Essa era mais uma medida visando à formação <strong>de</strong>professores reflexivos e habituados à prática da pesquisa.O t<strong>em</strong>a da monografia era escolhido pelo próprio aluno, cabendo ao professor <strong>de</strong>Metodologia dar algumas orientações básicas para o encaminhamento das pesquisas(RICCIOPPO, 2007). Entretanto, os alunos é que, individualmente, <strong>de</strong>viam <strong>de</strong>senvolver otrabalho. Por vezes, recorriam ao auxílio <strong>de</strong> professores externos à Escola Normal para dirimiralguma dúvida. No<strong>em</strong>y Junqueira conta que, por ocasião da elaboração <strong>de</strong> sua primeiramonografia (ao final do curso preparatório), procurou o conhecido Prof. Alceu Novaes paraauxiliá-la na elaboração dos quesitos. Segundo ela, “O sr. Alceu era uma capacida<strong>de</strong>. Em doist<strong>em</strong>pos ele me <strong>de</strong>u os quesitos... Agora, no curso <strong>de</strong> aplicação, eu não fui atrás <strong>de</strong> ninguém...Eu já consegui fazer sozinha.” (PEREIRA, 2007).Vejamos o que um jornal da época dizia a respeito <strong>de</strong>ssa prática:Tiv<strong>em</strong>os ensejo <strong>de</strong> manusear algumas monografias dos alunos da EscolaNormal do 2º Grau <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> que terminam este ano o curso normal.Ficamos satisfeitos. Pela segurança com que os autores abordaram oassunto, pelos conhecimentos que expen<strong>de</strong>r<strong>em</strong> na maneira <strong>de</strong> encarar<strong>de</strong>terminada questão e ainda pela farta bibliografia <strong>de</strong> que se utilizaram naconfecção dos trabalhos, ressalta logo o modo carinhoso porque éministrado o ensino na Escola Normal <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, que há muitoabandonou os métodos rotineiros <strong>de</strong> ensinar a mocida<strong>de</strong> uberabense. Entreas monografias apresentadas, folheamos as seguintes: ‘O EnsinoGeográfico’, por Avelino Cassimiro <strong>de</strong> Araújo; ‘O Método <strong>de</strong> Projetos’, porAnanias Pereira da Silva; ‘Anormais Escolares’, por Guiomar PereiraMarques; ‘Do Conceito do Educador’, por Doralice Costa; ‘Consi<strong>de</strong>raçõessobre a Educação’, por Zenai<strong>de</strong> Miranda. Estes trabalhos, como diss<strong>em</strong>os,traz<strong>em</strong> as mais palpitantes novida<strong>de</strong>s da ciência pedagógica (GAZETA DEUBERABA, 04/12/1934, p. 1).A partir do título das monografias, perceb<strong>em</strong>os, mais uma vez, a gran<strong>de</strong> influência dos


402princípios da Escola Nova na formação dos professores uberabenses. Um dos trabalhos,intitulado O Método dos Projetos, mostra b<strong>em</strong> a diss<strong>em</strong>inação das idéias <strong>de</strong> John Dewey eWilliam Kilpatrick <strong>de</strong>ntro da Escola Normal. Outras monografias parec<strong>em</strong> discutir a docênciae a educação (Do Conceito do Educador e Consi<strong>de</strong>rações sobre a Educação), revelandopreocupação com a formação docente e com os métodos e processos <strong>de</strong> educação.Figura 5.18 – Alunas do 2º ano do Curso <strong>de</strong> Aplicação da Escola Normal (Turma <strong>de</strong> 1935)Fonte: Arquivo particular <strong>de</strong> No<strong>em</strong>y JunqueiraUma das ex-alunas entrevistadas, No<strong>em</strong>y Junqueira, apresentou-nos a monografia quelhe ren<strong>de</strong>u a nota <strong>de</strong>z e garantiu o diploma <strong>de</strong> normalista do 2º grau. O trabalho, perfeitamentepreservado, datilografado e enca<strong>de</strong>rnado <strong>em</strong> capa dura, é intitulado Algumas consi<strong>de</strong>raçõessobre a natureza da atenção e sua influência nos processos educativos, e contém uma


403interessante análise das estratégias didáticas que po<strong>de</strong>m ser utilizadas pelos professores, apartir da perspectiva da escola ativa, para conseguir a atenção e o interesse dos alunos. Ascolocações da autora surpreen<strong>de</strong>m pela atualida<strong>de</strong> e contrapõ<strong>em</strong>-se totalmente ao mo<strong>de</strong>lo dapedagogia tradicional, esmagadoramente majoritária na época. No trecho seguinte, transcritoda monografia, No<strong>em</strong>y Junqueira expõe a sua concepção <strong>de</strong> aluno e a sua opinião a respeitoda punição como forma <strong>de</strong> manter a atenção na sala <strong>de</strong> aula:Era uma concepção errônea, dos antigos educadores, supor<strong>em</strong> que ascreanças eram homens <strong>em</strong> miniatura e, que elas po<strong>de</strong>riam estudar da mesmaforma que os adultos, mas também <strong>em</strong> miniatura. É um erro felizmentebanido, e é a crença compreendida hoje como uma unida<strong>de</strong> funcional, quet<strong>em</strong> seus gostos próprios, seus interesses e suas ativida<strong>de</strong>s. Por isso chegouseá conclusão <strong>de</strong> que para se obter a atenção do aluno é mister recorrer aoatrativo, á curiosida<strong>de</strong>; o constrangimento e as penas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser abolidas,ficando <strong>em</strong> <strong>de</strong>staque apenas o <strong>de</strong>sejo e o prazer que produz<strong>em</strong> a atençãointeressada e curiosa. O professor <strong>de</strong>ve criar na creança a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>prestar atenção, fazendo-lhe aparecer no espírito probl<strong>em</strong>as pelos quais elasinta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolve-los. O constrangimento pouco vale, pois acreança constrangida executará tudo com má vonta<strong>de</strong> e s<strong>em</strong> atenção; estabrotará por rápidos instantes apenas com muito esforço, <strong>em</strong>pregado pelacreança (JUNQUEIRA, 1935, p. 60).Em outros trechos da obra, a autora <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma educação individualizada e centradano aluno. Para ela, “Não basta ao professor conhecer a Psicologia <strong>em</strong> geral, mas sim apsicologia particular <strong>de</strong> cada um dos seus alunos. O que po<strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r a atenção <strong>de</strong> um, nãopren<strong>de</strong>rá a <strong>de</strong> outro” (JUNQUEIRA, 1935, p. 61). Defen<strong>de</strong>, também, uma pedagogia quetenha como ponto <strong>de</strong> partida a prática social do aluno: “A escola nova v<strong>em</strong> preencher muitaslacunas <strong>de</strong>ixadas pela escola tradicional. A escola nova faz o seu ensino partir do concreto aoabstrato, do fácil ao difícil, do sensível ao intelegivel. Deve portanto o ensino partir dosconhecimentos da creança, amplia-los” (JUNQUEIRA, 1935, p. 62). Mais adiante, Junqueira(1935) sustenta que a educação <strong>de</strong>veria ser significativa e contextualizada, o que v<strong>em</strong> aoencontro das mais atuais concepções <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong>:O ensino <strong>de</strong>ve ser adaptado ao meio <strong>em</strong> que vive a creança, pois ela seinteressa e aten<strong>de</strong> aos estímulos que lhes são presentes. Deve a escola e oensino estar<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro da vida da creança, s<strong>em</strong> o que não haverá umverda<strong>de</strong>iro preparo para a vida adulta. Estas aulas são dadas aproveitando asaptidões das creanças, e favorecendo-lhes o processo atentivo. Os<strong>programa</strong>s <strong>de</strong>v<strong>em</strong> variar <strong>de</strong> paiz a paiz, <strong>de</strong> estado a estado, <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> acida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> escola a escola. Uma escola rural não <strong>de</strong>ve ter o mesmo<strong>programa</strong> <strong>de</strong> uma escola urbana (JUNQUEIRA, 1935, p. 63).Por fim, <strong>em</strong> suas consi<strong>de</strong>rações finais, Junqueira (1935) sintetiza sua opinião acerca daeducação e do papel do professor:


404A pedagogia mo<strong>de</strong>rna t<strong>em</strong> todos os meios para que a escola seja atenta. Osalunos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser ativos. Esta ativida<strong>de</strong> suscita a atenção. Não <strong>de</strong>ve ser umaativida<strong>de</strong> indisciplinada, é essa uma errônea concepção e aplicação. [...] Aatenção dos meninos não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> na escola apenas dos meios como são osensinos ministrados, mas também <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> os ministra – o professor. Este<strong>de</strong>ve ser interessante para dar interesse ás suas aulas. Deve ser entusiastapara entusiasmar os seus alunos. [...] O professor <strong>de</strong>ve saber falar aosmeninos, ter uma linguag<strong>em</strong> acessível aos seus conhecimentos. [...] Nunca<strong>de</strong>verá esquecer que a creança <strong>de</strong>ve apren<strong>de</strong>r brincando; <strong>de</strong>ste brinquedochegará a ‘uma reflexão tenaz e seria’. Termino dizendo que o professorque conseguir reduzir a sua aula a uma diversão agradável ao aluno,realizará mais do que tudo aquilo que até hoje se t<strong>em</strong> feito <strong>em</strong> materia <strong>de</strong>ensino (JUNQUEIRA, 1935, p. 64).Em sua fala, a aluna formanda <strong>de</strong>ixa clara a sua concepção <strong>de</strong> professor, concepçãoque se enquadra à do professor como pedagogo, o mestre capaz <strong>de</strong> mediar a construção doconhecimento a partir <strong>de</strong> uma educação ativa <strong>em</strong> que o aluno seja o centro do processo.A partir do final <strong>de</strong> 1937, começaram a ser veiculadas notícias aventando apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fechamento das escolas normais mineiras. Em nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1937, o diretorda Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, Fernando <strong>de</strong> Magalhães, viajou a Belo Horizonte a fim <strong>de</strong>informar-se melhor acerca da proposta do <strong>de</strong>putado estadual Artur Tibúrcio, que <strong>de</strong>fendia ofechamento das escolas normais do estado como medida <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas. Segundopublicou o jornal Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (07/11/1937), o argumento utilizado pelo <strong>de</strong>putado era o<strong>de</strong> que já havia, no estado <strong>de</strong> Minas Gerais, normalistas <strong>de</strong>mais (!!!).A proposta do <strong>de</strong>putado, <strong>em</strong>bora rejeitada pela Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa, provocoupânico entre alunos e professores da Escola Normal uberabense: “[...] foi gran<strong>de</strong>, como sesabe, o alarme provocado <strong>em</strong> toda essa zona, para qu<strong>em</strong> o ensino normal ainda é a táboa dasalvação para aqueles que <strong>de</strong>sejam educar suas filhas e não lhes po<strong>de</strong>m dar sinão um ensinobarato, como só po<strong>de</strong> ser esse que o Estado nos facilita.” (GAZETA DE UBERABA,07/11/1937, p. 1).Pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, no início <strong>de</strong> 1938, o diretor da Escola Normal, prof. Fernando <strong>de</strong>Magalhães, foi <strong>de</strong>stituído do cargo. Para o seu lugar, foi nomeado, interinamente, oengenheiro civil Abel Reis. Segundo Riccioppo (2007), a saída do antigo diretor causougran<strong>de</strong> revolta entre os alunos da escola, que, num ato <strong>de</strong> rebeldia, organizaram um protesto:um grupo <strong>de</strong> alunas – que teve como uma das lí<strong>de</strong>res a aluna Estelina Saraiva 208 (aluna do 2ºano do curso <strong>de</strong> aplicação) – partiu da rua Manoel Borges e percorreu parte da rua Arthur208 Segundo Riccioppo (2007), Estelina Saraiva era uma comunista convicta e estava s<strong>em</strong>pre à frente dosmovimentos estudantis. Pouco t<strong>em</strong>po após sua saída da Escola Normal, Estelina resolveu mudar-se para a UniãoSoviética, on<strong>de</strong> residiu por vários anos.


405Machado carregando um caixão. Chegando ao escritório <strong>de</strong> Abel Reis, fizeram o enterrosimbólico do governo estadual e do diretor nomeado, numa cerimônia que reuniu flores epalavras <strong>de</strong> protesto. Segundo a ex-aluna, logo após o protesto das alunas, o governo estadual<strong>de</strong>cidiu-se pelo fechamento da Escola Normal uberabense. O novo diretor, Abel Reis, n<strong>em</strong>chegou a assumir efetivamente suas funções.O fechamento daquela instituição <strong>de</strong> ensino foi recebido com indignação pelapopulação local, que, nos últimos anos, viu-se <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> todos os seus estabelecimentos<strong>de</strong> ensino superior e, agora, perdia sua Escola Normal oficial. Mesmo <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos do EstadoNovo, com o país vivendo sob um regime ditatorial que exercia gran<strong>de</strong> controle sobre osmeios <strong>de</strong> comunicação, a imprensa uberabense protestou, ainda que <strong>de</strong> forma pru<strong>de</strong>nte:O governo do Estado <strong>de</strong> Minas, por motivos <strong>de</strong> economia, acaba <strong>de</strong><strong>de</strong>liberar a supressão <strong>de</strong> seis escolas normais, estando incluida nessenumero a Escola Normal <strong>de</strong> Segundo Grau <strong>de</strong> Uberaba. [...] Este jornal,<strong>em</strong>bora tenha dos propósitos patrioticos do governo <strong>de</strong> Minas oconhecimento mais perfeito, não lhe pó<strong>de</strong> aplaudir esse ato que retirou dopatrimonio moral da cida<strong>de</strong> esse el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> tanta prepon<strong>de</strong>rancia naformação <strong>de</strong> nossa infância e <strong>de</strong> nossa juventu<strong>de</strong>. [...] O fechamento daEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba t<strong>em</strong> tal significado que repercute na opiniãopublica com o vigor <strong>de</strong> uma flagrante hostilida<strong>de</strong> dirigida á nova geraçãodos uberabenses. Mocinhas das classes menos favorecidas da fortuna,incapazes do custeio do ensino <strong>em</strong> outros estabelecimentos, batiam ásportas da Escola Normal e nesta encontravam meios <strong>de</strong> aperfeiçoar o seuespírito, encontravam meios <strong>de</strong> vencer na vida (LAVOURA ECOMÉRCIO, 18/01/1938, p. 2).Em outro artigo do mesmo jornal, o articulista continuava o seu protesto e l<strong>em</strong>bravaque a extinção da Escola Normal iria trazer graves conseqüências, extensivas a todos as faixasetárias da população estudantil uberabense:O <strong>de</strong>creto-lei n. 63, <strong>de</strong> 15 do atual, do honrado governador <strong>de</strong>ste Estado,suprimindo seis escolas normais <strong>de</strong> Minas, <strong>de</strong>ntre as quais a <strong>de</strong> Uberaba,<strong>de</strong>sfere um violento golpe sobre os incipientes cabedais educacionais <strong>de</strong> quea cida<strong>de</strong> dispõe. O fechamento <strong>de</strong> uma escola é s<strong>em</strong>pre um prejuízocoletivo, um prejuízo para o presente e para o futuro <strong>de</strong> uma geração. [...]Anualmente, centenas e milhares <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong> ambos os sexos <strong>de</strong>ixam asescolas primarias e não encontram ao seu dispor estabelecimentos <strong>de</strong> ensinoque lhes facilit<strong>em</strong> a cultura, o aformoseamento espiritual. A supressão daEscola Normal, ora realizada, fere profundamente Uberaba e retira dacida<strong>de</strong> um el<strong>em</strong>ento que já se integrara <strong>de</strong>finitivamente <strong>em</strong> seu patrimôniocultural e moral. [...] O grupo escolar ‘Brasil’, com o fechamento do cursoprimário da Escola Normal <strong>de</strong> Segundo Grau, não t<strong>em</strong> lotação para aten<strong>de</strong>rao elevado numero <strong>de</strong> crianças que ás suas portas baterão, pedindo as águaslustrais do A.B.C (LAVOURA E COMÉRCIO, 20/01/1938, p. 1).A última turma formada pela 2ª Escola Normal oficial <strong>de</strong> Uberaba concluiu seus


406estudos no final <strong>de</strong> 1937 e era constituída por 15 normalistas do 1º grau (Alda Fonseca, CelutaTeresinha Leite, Creusa Tibery Costa, Dalva Leão Borges, Dirce Teresinha Leite, FranciscaBiache Juliano, Hermantina Riccioppo, Juscelina Silva, Lúcia <strong>de</strong> Oliveira, Maria Ifigênia <strong>de</strong>Paula, Maria Fi<strong>de</strong>lis <strong>de</strong> Paula, Maria da Glória Juliano, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castanheira, Maria<strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Ferreira e Sebastiana Augusta) e 9 normalistas do 2º grau (Azália Oliveira,Esmeralda da Silva Oliveira, Floriscena Ferreira, Imperatriz Morais, Lucilia Alba <strong>de</strong> Freitas,Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Fernan<strong>de</strong>s, Maria O<strong>de</strong>te Pinheiro, Maria Teles Borges e Zélia <strong>de</strong> Paiva). Asalunas colaram grau no dia 15/12/1937 (GAZETA DE UBERABA, 16/12/1937).Perguntamos a Hermantina Riccioppo se ela saberia nos informar quais dasnormalistas formadas naquele ano realmente se tornaram professoras. Graças à prodigiosam<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> nossa entrevistada, foi possível chegarmos ao seguinte resultado: das normalistasdo 1º grau formadas, Hermantina só não soube nos dar maiores <strong>de</strong>talhes da vida <strong>de</strong> 2 egressas;com relação às 13 <strong>de</strong>mais, Riccioppo (2007) afirmou que 4 ex-alunas exerceram o magistério(30,76%) e 9 não exerceram o magistério (69,23 %). Já com relação às 9 normalistas do 2ºgrau formadas naquele ano, a entrevistada disse não se recordar <strong>de</strong> apenas uma <strong>de</strong>las; quantoàs <strong>de</strong>mais, 5 tornaram-se professoras (62,5%) e 3 não abraçaram o magistério (37,5%). Nototal (consi<strong>de</strong>rando-se as normalistas do 1º e do 2º graus), chegamos ao resultado <strong>de</strong> que42,86% das ex-alunas se tornaram professoras e 57,14% não exerceram o magistério.Riccioppo (2007) <strong>de</strong>clarou, também, que, pelo que conseguia se l<strong>em</strong>brar a partir dos nomes,praticamente todas as normalistas que não seguiram a carreira docente se casaram e, porconseqüência, tornaram-se donas-<strong>de</strong>-casa.A partir <strong>de</strong>sses dados, é visível a constatação <strong>de</strong> que, à s<strong>em</strong>elhança do que ocorria nocurso normal do Colégio Nossa Senhora das Dores, a maior parte das normalistas do 1º grauformadas na Escola Normal oficial não tinha como objetivo principal o magistério e, sim, umaformação cultural que pu<strong>de</strong>sse conduzi-las a um bom matrimônio. Por outro lado, perceb<strong>em</strong>osque essa tendência não po<strong>de</strong> ser aplicada ao curso normal do 2º grau; parece-nos que essecurso compl<strong>em</strong>entar era freqüentado por alunas com maior interesse (ou vocação) pelomagistério e que, portanto, tinham a pretensão <strong>de</strong> abraçar a carreira docente.Voltando agora à questão envolvendo a extinção da segunda Escola Normal <strong>de</strong>Uberaba, observamos que aquele fato é, ainda hoje, cercado <strong>de</strong> dúvidas e polêmicas. Ogovernador Benedito Valadares 209 teria fechado a escola, segundo Mendonça (1974, p. 110),209 Benedito Valadares Ribeiro foi nomeado interventor fe<strong>de</strong>ral do estado <strong>de</strong> Minas Gerais <strong>em</strong> 15/12/1933 epermaneceu na função até 04/11/1945. Fortalecido no cargo, a partir da implantação do regime ditatorial do


407“por motivos <strong>de</strong> economia”. De fato, o Decreto-Lei nº 63 (Anexo 4), <strong>de</strong> 15/01/1938, nãoatingiu apenas a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba. Diz a lei:O Governador do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, usando <strong>de</strong> suas atribuições;consi<strong>de</strong>rando que vai ser reformado o plano do ensino normal doEstado, já estando <strong>em</strong> elaboração o ante-projeto <strong>de</strong>ssa reforma, <strong>de</strong> modo aassegurar a completa formação do professor, aten<strong>de</strong>ndo à sua vocaçãoprofissional;consi<strong>de</strong>rando que existe no Estado gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> Escolas Normaisreconhecidas e que preench<strong>em</strong> os fins a que são <strong>de</strong>stinadas <strong>de</strong>ntro daorganização atual;consi<strong>de</strong>rando que, <strong>em</strong> muitas cida<strong>de</strong>s, o Estado mantém, ao lado <strong>de</strong>ssasescolas, estabelecimentos oficiais, cujos alunos po<strong>de</strong>rão continuar o cursos<strong>em</strong> prejuízo do ensino, resolve:Art. 1 o . Ficam suprimidas as Escolas Normais Oficiais situadas nascida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Diamantina, Montes Claros, Curvelo, Campanha, Uberaba eItabira. [...] (MINAS GERAIS, 1940, p. 41).Corroborando a afirmação <strong>de</strong> Mendonça (1974), concluimos que a extinção <strong>de</strong>ssasescolas fez parte <strong>de</strong> um pacote <strong>de</strong> medidas visando à contenção <strong>de</strong> gastos públicos. Comoocorrera com a primeira Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, também a segunda Escola Normal foivítima <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões imediatistas <strong>de</strong> governadores mineiros que, enxergando a educação nãocomo um investimento, mas como um ônus para o Estado, não hesitaram <strong>em</strong> promover ofechamento <strong>de</strong> escolas normais e <strong>de</strong> outras instituições <strong>de</strong> ensino.A precária situação financeira <strong>de</strong> Minas Gerais, que levou ao fechamento das seisescolas normais, teria sido provocada pelo <strong>de</strong>sequilíbrio das contas públicas, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>mudanças na legislação relativa à divisão dos recursos arrecadados entre os governos fe<strong>de</strong>ral,estaduais e municipais. O trecho <strong>de</strong> um artigo jornalístico <strong>em</strong> que o autor apela ao governoestadual pela manutenção da Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, confirma essa suposição:Não <strong>de</strong>sconhec<strong>em</strong>os que o governo <strong>de</strong> Minas t<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong>s das maisseveras economias. O seu equilíbrio orçamentário, quebrado <strong>em</strong>consequencia da transferencia <strong>de</strong> varios tributos, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser conseguido comcortes que atinjam até a cerne. Que firam profundamente até as celulas maisprofundas. Mas Uberaba, <strong>em</strong> todas as épocas, t<strong>em</strong> se dado <strong>em</strong> holocausto<strong>em</strong> beneficio <strong>de</strong> Minas. Per<strong>de</strong>u o seu segundo grupo escolar. Não pó<strong>de</strong>instalar o seu Liceu <strong>de</strong> Ares e Ofícios. Per<strong>de</strong>u o seu Aprendizado Agrícola<strong>em</strong> que, mesmo <strong>em</strong> forma sumaria, podia dar assistência aos menoresabandonados e per<strong>de</strong>, agora, o unico estabelecimento estadual <strong>de</strong> ensino <strong>em</strong>condições <strong>de</strong> dar melhor futuro aos jovens uberabenses que não possu<strong>em</strong>fortuna (LAVOURA E COMÉRCIO, 18/01/1938, p. 2).A situação dos alunos e do patrimônio das escolas normais extintas é tratada nosartigos 3º e 4º do Decreto-Lei:Estado Novo, Valadares foi figura controvertida da política mineira e gran<strong>de</strong> aliado do presi<strong>de</strong>nte GetúlioVargas.


408Art. 3 o . As Escolas Normais reconhecidas situadas nas localida<strong>de</strong>sindicadas no artigo 1 o . <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto são obrigadas a receber, <strong>em</strong>transferência, os alunos que solicitar<strong>em</strong> tal medida, satisfeitas as exigênciasregulamentares.Art. 4 o . Os prédios e o material escolar das Escolas Normais orasuprimidas po<strong>de</strong>rão ser cedidos, a titulo precário, para melhoraparelhamento das escolas reconhecidas nas referidas cida<strong>de</strong>s. [...]Apesar <strong>de</strong> o Artigo 3º aparent<strong>em</strong>ente preservar a continuida<strong>de</strong> dos estudos dos alunos,garantindo sua transferência para escolas equiparadas, a realida<strong>de</strong> mostrou-se outra. A únicaescola normal r<strong>em</strong>anescente <strong>em</strong> Uberaba, o Colégio Nossa Senhora das Dores, só acolhiamoças, o que impedia os rapazes da Escola Normal oficial <strong>de</strong> continuar<strong>em</strong> os seus cursosnaquela institução. Por outro lado, somente uma pequena parcela <strong>de</strong> alunas da Escola Normaloficial conseguiu matricular-se no curso dominicano, haja vista que os custos <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong>ssa transferência eram excessivamente elevados para a gran<strong>de</strong> maioria das famíliasuberabenses. Por fim, s<strong>em</strong> condições financeiras para manter seus filhos e filhas estudando<strong>em</strong> escolas normais <strong>de</strong> outras localida<strong>de</strong>s – além da falta <strong>de</strong> vagas nessas escolas –, restou amuitos alunos abdicar do tão sonhado diploma <strong>de</strong> normalista.Com o fechamento da Escola Normal 210 , a direção e os professores do estabelecimentouniram-se <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> solução para o probl<strong>em</strong>a. Foi organizada uma comissão compostapelos senhores Fernando <strong>de</strong> Magalhães, José <strong>de</strong> Souza Prata, Alfredo Sabino, Santino Gomes<strong>de</strong> Matos e Antônio Luis da Costa, que <strong>de</strong>cidiu pela fundação <strong>de</strong> uma nova escola,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do estado e que viesse a oferecer os cursos normal e ginasial (GAZETA DEUBERABA, 23/01/1938).O estabelecimento fundado foi <strong>de</strong>nominado Associação Uberabense <strong>de</strong> Ensino e abriuas matrículas já <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1938, com a aprovação do governo estadual, que, quaseimediatamente, através do Decreto nº 1.066 (Anexo 23), <strong>de</strong> 15/02/1938, reconheceu a novaescola normal <strong>de</strong> Uberaba. Na verda<strong>de</strong>, a criação <strong>de</strong>ssa nova escola vinha ao encontro do<strong>de</strong>sejo do governador Benedito Valadares <strong>de</strong> <strong>de</strong>sonerar os cofres do estado, <strong>de</strong>correndo daí arapi<strong>de</strong>z no reconhecimento.A nova instituição <strong>de</strong> ensino adotou o nome-fantasia Ginásio Brasil e passou afuncionar a partir <strong>de</strong> 03/03/1938, no mesmo prédio da extinta Escola Normal oficial, na RuaManoel Borges, nº 56. Todo o material didático-pedagógico da Escola Normal foi cedido, por<strong>em</strong>préstimo, à Associação Uberabense <strong>de</strong> Ensino, com exceção do arquivo escolar da escola210 Uberaba permaneceu s<strong>em</strong> a sua Escola Normal oficial por <strong>de</strong>z anos. Em 23/11/1948, a Lei nº 284 (Anexo 5)restabeleceu a Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba.


409extinta, enviado à Secretaria <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Minas Gerais (GAZETA DE UBERABA,15/05/1938). O prof. Fernando <strong>de</strong> Magalhães, ex-diretor da Escola Normal oficial, assumiu adireção do Ginásio Brasil e, no caso do curso normal, manteve o mesmo mo<strong>de</strong>lo curriculardas escolas oficiais. Também o corpo docente era constituído basicamente pelos mesmosprofessores da extinta Escola Normal. Ao final <strong>de</strong> 1938, o Ginásio Brasil funcionavaprecariamente, <strong>de</strong>vido ao seu reduzido número <strong>de</strong> alunos 211 , o que, pouco t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois,acabou provocando o seu fechamento.Deixando o Ginásio Brasil e voltando à análise da extinta Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba,enten<strong>de</strong>mos que, sob uma perspectiva histórico-crítica, a qualida<strong>de</strong> do ensino daquelainstituição po<strong>de</strong> ser confirmada (ou não) pela prática docente vivida pelos alunos egressos.Nessa perspectiva, o processo formativo <strong>de</strong>ve levar o sujeito a atingir o nível da catarse, que,nas palavras <strong>de</strong> Saviani (2205, p. 72), é a “efetiva incorporação dos instrumentos culturais,transformados agora <strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos ativos <strong>de</strong> transformação social”. Tendo atingido esseestágio elevado, o sujeito é capaz <strong>de</strong> modificar a sua prática social. Dessa forma,necessitaríamos saber se a formação recebida pelas normalistas formadas na Escola Normaloficial propiciou a construção dos novos conhecimentos necessários à prática consciente e<strong>em</strong>ancipadora do magistério, s<strong>em</strong>pre visando à transformação das relações <strong>de</strong> produção queimpe<strong>de</strong>m a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> igualitária.Perguntamos às ex-alunas entrevistadas se, quando se formaram, elas se acharam aptaspara exercer o magistério. Em resposta, Pereira (2007) fez a seguinte <strong>de</strong>claração: “Nossa, euachei que eu era até uma doutora... (risos) Isso porque nós treinávamos, dávamos aulas... Osprofessores orientavam, ensinavam a motivar uma aula, a terminar uma aula... Isso é muitoimportante, né?!”. O mesmo <strong>de</strong>clarou Riccioppo (2007), dizendo que, ao formar-se, não tevenenhuma dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> assumir uma sala <strong>de</strong> aula. No<strong>em</strong>y Junqueira lecionou por muitosanos <strong>em</strong> escolas primárias da cida<strong>de</strong>, principalmente no Grupo Escolar Uberaba. HermantinaRiccioppo foi, por vários anos, professora do Grupo Escolar Minas Gerais e diretorasubstitutada mesma escola. Hermantina é, também, autora <strong>de</strong> livros didáticos muito utilizadosno ensino primário, durante as décadas <strong>de</strong> 60 e 70; a proposta pedagógica <strong>de</strong> seus livros é,ainda hoje, consi<strong>de</strong>rada mo<strong>de</strong>rna.211 A baixa procura <strong>de</strong> alunos foi <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> alguns fatores, como o fato <strong>de</strong> a nova instituição <strong>de</strong> ensino serpaga (o que excluía gran<strong>de</strong> parte dos interessados <strong>em</strong> freqüentar a escola) e a natural <strong>de</strong>sconfiança da população<strong>em</strong> relação àquela escola nascente.


410Figura 5.19 – As normalistas, Hermantina Riccioppo e No<strong>em</strong>y JunqueiraFontes: Arquivos particulares <strong>de</strong> Hermantina Riccioppo e No<strong>em</strong>y JunqueiraA seguir, perguntamos a Hermantina Riccioppo se ela conseguiu aplicar, na suaprática docente, a concepção escolanovista <strong>de</strong> educação (pesquisa, reflexão sobre a prática,educação centrada no aluno), <strong>em</strong> que ela havia sido formada. Sua resposta foi a seguinte:Apliquei. Principalmente o método global. Eu nunca gostei <strong>de</strong> alfabetizarcomeçando pelas letras, pelas sílabas. Eu partia do todo para as partes.Fazíamos excursões, escrevíamos cartas. E eu incentivava os alunos apesquisar<strong>em</strong>. Pesquisávamos, principalmente sobre geografia (casa, local,município), fazíamos mapas. Os alunos pesquisavam <strong>em</strong> casa, <strong>em</strong> grupo. Adificulda<strong>de</strong> maior era por causa das condições das escolas. No início, eulecionei na Escola Municipal Raul Soares. Ela não tinha nada, a não serquadro negro e giz. A maior parte dos meninos vinha da roça. Algunssumiam na época <strong>de</strong> colher a lavoura. Era uma dificulda<strong>de</strong> danada. A gentetinha que ir atrás dos alunos nas suas casas, nas fazendas. Quando eu estavanaquela escola, eu tentava utilizar mais as coisas relacionadas ao meio <strong>em</strong>que as crianças viviam. As coisas que eles usavam para brincar, paratrabalhar. Com aquilo, eles aprendiam a ler e contar. A gente utilizavaaquilo para ensinar não só linguag<strong>em</strong> oral e escrita, mas tambémmat<strong>em</strong>ática (RICCIOPPO, 2007).A partir da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Riccioppo (2007), perceb<strong>em</strong>os que, <strong>em</strong>bora sua práticadocente tenha sido profundamente influenciada pelos princípios da Escola Nova – centrando oprocesso educativo nos interesses do aluno, utilizando a prática da pesquisa para a construçãodo conhecimento, etc. –, ela adotava uma postura claramente histórico-crítica: partia da


411prática social do aluno e <strong>de</strong> seus interesses imediatos; probl<strong>em</strong>atizava (propondo a solução <strong>de</strong>probl<strong>em</strong>as cotidianos das crianças, como a elaboração <strong>de</strong> uma carta); instrumentalizava (sejapela transmissão direta dos conteúdos ou pela prática da pesquisa); levava os alunos aatingir<strong>em</strong> o nível da catarse (<strong>em</strong> que eles incorporavam os novos conhecimentos, como odomínio da leitura e da escrita); e retornava à prática social dos alunos, modificando-a (apartir da incorporação dos novos saberes, os alunos podiam mudar a sua dura realida<strong>de</strong>).É também visível o comprometimento social da professora Hermantina Riccioppo, que<strong>de</strong>ixava o ambiente escolar para ir buscar os alunos nas suas casas ou fazendas. Nesseaspecto, voltamos a citar Saviani (2005, p. 49), quando ele afirma que “o papel do professor éo <strong>de</strong> garantir que o conhecimento seja adquirido, às vezes mesmo contra a vonta<strong>de</strong> imediatada criança, que espontaneamente não t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> enveredar para a realização dosesforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e s<strong>em</strong> os quais ela não terá vez, nãoterá chance <strong>de</strong> participar da socieda<strong>de</strong>”. Com isso, ao lado da postura escolanovista adquiridana Escola Normal, a profª Hermantina fez da docência também um ato político, voltado para atransformação social.Em se tratando <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores que funcionou duranteas décadas <strong>de</strong> 1920 e 1930, portanto há mais <strong>de</strong> sete décadas, é notável a atualida<strong>de</strong> daproposta formativa daquela escola. Num ambiente <strong>de</strong>mocrático, <strong>em</strong> que alunos e alunasconviviam lado-a-lado e marcado pelo diálogo entre professores e alunos, aconteceu umprocesso formativo que, numa perspectiva histórico-crítica, foi bastante avançado para aépoca. A nosso ver, a postura pedagógica e a prática docente das ex-alunas entrevistadasconfirmam o êxito daquela instituição.Ao consi<strong>de</strong>rarmos que a 2ª Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba teve características avançadas erevolucionárias, não significa que estejamos menosprezando o processo formativo ocorridonas outras duas escolas normais que foram alvo <strong>de</strong> nossa pesquisa (1ª Escola Normal eColégio Nossa Senhora das Dores). Na verda<strong>de</strong>, cada uma <strong>de</strong>ssas instituições <strong>de</strong> ensinoexistiu <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto sócio-histórico e respon<strong>de</strong>u a diferentes <strong>de</strong>mandassociais, não sendo recomendável, portanto, uma comparação, pura e simples, entre elas.Entretanto, como forma <strong>de</strong> auxiliar a nossa análise, organizamos o Quadro 5.2, que faz umresumo das características gerais <strong>de</strong>ssas três escolas e mostra quão diversificadas são asconcepções que orientaram essas iniciativas. Embora possa parecer, para uns, reducionista eclassificatório, esse quatro t<strong>em</strong>, na verda<strong>de</strong>, o simples objetivo <strong>de</strong> tentar mostrar as diferençase as aproximações existentes entre as três propostas formativas.


412Quadro 5.2 – Características das três primeiras escolas normais <strong>de</strong> Uberaba1ª Escola Normal oficial(fase republicana)2ª Escola Normal oficialCurso Normal doColégio N. S. DoresOrientaçãoFilosófico-PedagógicaPositivismo EducacionalEscolanovismoPedagogia Humanista-CristãVisão <strong>de</strong> mundoÉ um todo que, graças àeducação e ao progressodas ciências, ten<strong>de</strong> àharmonia.É um todo complexo e <strong>em</strong>constante transformação.É a expressão do po<strong>de</strong>rdivino. Sua harmonia<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da aceitação dasleis cristãs pelo hom<strong>em</strong>.Visão <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>O hom<strong>em</strong> não énaturalmente bom. Éatravés da educação no lar ena escola que a criança irámoldar o seu caráter e<strong>de</strong>senvolver os bonshábitos.O hom<strong>em</strong> é naturalmentebom e quando lhe forpermitido <strong>de</strong>senvolver-selivr<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong> os grilhõesdas instituições sociais,tornar-se-á feliz.O hom<strong>em</strong> é naturalmentebom, já que foi criado àimag<strong>em</strong> e s<strong>em</strong>elhança <strong>de</strong>Deus, apesar <strong>de</strong> estarconstant<strong>em</strong>ente sujeito àtentação do pecado. Seuprogresso intelectual eespiritual só será obtidoatravés da aceitaçãoincondicional da educaçãocristã.Visão <strong>de</strong> culturaA cultura necessária aocidadão é aquelaconsi<strong>de</strong>rada útil parapromover o progresso dahumanida<strong>de</strong>.Cabe ao próprio individuo,<strong>de</strong> acordo com seusinteresses próprios, aescolha da cultura quepreten<strong>de</strong> adquirir.A cultura necessária aohom<strong>em</strong> é composta doconjunto <strong>de</strong> conteúdosclássicos, cristãos ehumanistas.Visão <strong>de</strong>conhecimentoO verda<strong>de</strong>iro conhecimentoé aquele que po<strong>de</strong> serconfirmado cientificamentee racionalmente. Essesconhecimentos compõ<strong>em</strong>se<strong>de</strong> conteúdos que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>ser selecionados etransmitidos <strong>de</strong> formaorganizada aos alunos.O conhecimento não sebaseia no acúmulo <strong>de</strong>informações, mas numareelaboração mental que se<strong>de</strong>ve traduzir, <strong>em</strong> forma <strong>de</strong>ação, sobre o mundo real.O verda<strong>de</strong>iroconhecimento <strong>em</strong>ana <strong>de</strong>Deus e é transmitido àsalunas através <strong>de</strong>conteúdos rigorosamenteselecionados com base nosdogmas da religiãocatólica.Visão <strong>de</strong>educaçãoescolarA educação é a formaatravés da qual é possível areforma das mentes, o queirá instituir uma or<strong>de</strong>msocialmente justa, livrandoos indivíduos da miséria, daignorância e da opressão.A educação é uminstrumento <strong>de</strong> correção damarginalida<strong>de</strong>, já que t<strong>em</strong> afunção <strong>de</strong> ajustar e adaptaros indivíduos à socieda<strong>de</strong>,tornando-os aptos aresolver seus própriosprobl<strong>em</strong>as, acompanhandoas mudanças do mundomo<strong>de</strong>rno.A educação é a forma pelaqual são perpetuados osvalores vigentes e opatrimônio cultural dahumanida<strong>de</strong>. T<strong>em</strong> a função<strong>de</strong> formar mulheres prontaspara assumir a sua funçãona socieda<strong>de</strong>.Visão <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong>O processo <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong><strong>de</strong>vevalorizar a educaçãoutilitarista e visar àformação do cidadãonecessário à pátria. Ignoraas diferenças individuais.O processo <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong><strong>de</strong>veenvolver situaçõessignificativas para cadaaluno. Deve levar àformação <strong>de</strong> homens felizese adaptados ao modo <strong>de</strong>vida liberal.O processo <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong><strong>de</strong>ve tercomo objetivos principais aformação moral e aelevação da cultura eruditadas alunas.


413Visão <strong>de</strong>currículoA estrutura curricular <strong>de</strong>veconter um conjunto <strong>de</strong>conhecimentos científicos eenciclopédicos, visando adifundir os valores donacionalismo e dacidadania, além <strong>de</strong> prepararo hom<strong>em</strong> para o trabalho.Não se <strong>de</strong>ve basear, <strong>de</strong>forma rígida, nas matérias<strong>de</strong> estudos convencionaisque expressam a lógica doadulto. O planejamentocurricular <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong>consi<strong>de</strong>ração os interesses eas experiências doseducandos.É formado pelo patrimôniocultural acumulado pelasocieda<strong>de</strong> burguesa e pelaIgreja Católica. Écomposto por verda<strong>de</strong>sacabadas e incontestáveis e<strong>de</strong>ve privilegiar asdisciplinas acadêmicas ehumanísticas.Visão <strong>de</strong>professorÉ um patriota, cuja açãodocente <strong>de</strong>ve ser baseadano altruísmo, na paixão eno sentimento cívico.É um incentivador,orientador e mediador doprocesso <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>.Deve incentivar o aluno apensar e agir por si mesmo.Detém o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisórioquanto à metodologia,conteúdo e avaliação. É aautorida<strong>de</strong> máxima.Visão <strong>de</strong> alunoReceptor passivo <strong>de</strong>conhecimentos préselecionados.É um ser ativo einvestigador que constrói oseu próprio conhecimento.Receptor passivo <strong>de</strong>conhecimentos préselecionadosVisão da relaçãoprofessor-alunoO professor é o transmissor<strong>de</strong> conhecimentos; o aluno,o receptor.Deve ser uma relação<strong>de</strong>mocrática, <strong>em</strong> qu<strong>em</strong>estres e alunos trabalh<strong>em</strong>com liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvendoa confiança mútua.O professor é o transmissor<strong>de</strong> conhecimentos; o aluno,o receptor.Visão <strong>de</strong>métodos <strong>de</strong>ensinoDev<strong>em</strong> ser organizados <strong>de</strong>modo que se alcanc<strong>em</strong> osobjetivos pré-estabelecidospelo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ensinoRepresentam o conjunto <strong>de</strong>procedimentos paraassegurar a aprendizag<strong>em</strong>.Dev<strong>em</strong> ser mutáveis, <strong>de</strong>acordo com cada situação.Dev<strong>em</strong> ser organizados <strong>de</strong>modo que se alcanc<strong>em</strong> osobjetivos pré-estabelecidospela or<strong>de</strong>m religiosa.Visão <strong>de</strong>avaliaçãoMedição dos conteúdosm<strong>em</strong>orizados, através <strong>de</strong>exames orais e escritos.Medição dos conteúdosconstruídos. Deve valorizarmais a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>apren<strong>de</strong>r do que a <strong>de</strong>m<strong>em</strong>orizar.Medição dos conteúdosm<strong>em</strong>orizados, através <strong>de</strong>exames orais e escritos.Metodologia <strong>de</strong>ensinoBaseada na exposição oraldos conteúdos, numaseqüência pré-<strong>de</strong>terminada.Utiliza-se <strong>de</strong> leituras eexercícios repetitivos paragarantir a m<strong>em</strong>orização dosconteúdos.Baseada na exposição oraldos conteúdos na sala <strong>de</strong>aula e <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pesquisa fora <strong>de</strong>la. Otrabalho <strong>em</strong> grupo é umaforma <strong>de</strong> atenuar acompetição entre os alunos.Baseada na exposição oraldos conteúdos, numaseqüência pré-<strong>de</strong>terminada.Utiliza-se <strong>de</strong> leituras eexercícios repetitivos paragarantir a m<strong>em</strong>orizaçãodos conteúdos.Concepção <strong>de</strong>formação <strong>de</strong>professoresProfessor como Magister,já com os primeiroscontornos do Professorcomo Técnico.Professor como PedagogoProfessor como MagisterRessaltamos, ainda, que o Quadro 5.2 não apresenta algumas mudanças na orientaçãopedagógica <strong>de</strong>ssas três instituições ocorridas durante seus períodos <strong>de</strong> existência. Comoex<strong>em</strong>plo, citamos o caso da primeira Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba, que passou pelos períodosimperial e republicano e por, pelo menos, três gran<strong>de</strong>s reformas no ensino mineiro. Nessecaso, como, a partir <strong>de</strong> 03/08/1892, com a Lei Estadual nº 41, o currículo das escolas normais


414ganhou um direcionamento claramente positivista, que persistiu até o fechamento da escolauberabense, <strong>em</strong> 1905 – portanto pelo maior período <strong>de</strong> sua existência –, optamos porconsi<strong>de</strong>rar essa orientação como a que melhor retrata aquela escola.Conforme já frisamos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da orientação filosófico-pedagógica dada àformação dos professores <strong>em</strong> cada uma das escolas normais estudadas, o fato é que elascorrespondiam a <strong>de</strong>terminadas funções sociais, não sendo recomendável, portanto, quea<strong>de</strong>ntr<strong>em</strong>os <strong>em</strong> comparações que tenham o objetivo <strong>de</strong> apontar supostos <strong>de</strong>feitos ou virtu<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cada mo<strong>de</strong>lo. Não t<strong>em</strong>os a pretensão <strong>de</strong> julgar individualmente as três propostas <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> professores, mas esperamos que, no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho, tenha sido possívelao leitor conhecer melhor essas diferentes concepções formativas, percebendo nelas asinfluências e as limitações <strong>de</strong>correntes dos diferentes contextos sócio-históricos.


415CONSIDERAÇÕES FINAISO objetivo principal da pesquisa que <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>mos foi investigar e analisar asmúltiplas e complexas relações existentes entre os aspectos infra-estruturais e i<strong>de</strong>ológicos queorientavam as relações entre as classes sociais presentes na época e o surgimento, <strong>em</strong>Uberaba, das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores no período<strong>de</strong> 1881 a 1938. A partir <strong>de</strong>ssa análise, buscamos i<strong>de</strong>ntificar as contribuições trazidas poressas iniciativas para a socieda<strong>de</strong> local, especialmente no que se refere à formação <strong>de</strong>professores.Em busca <strong>de</strong>sse objetivo, percorr<strong>em</strong>os a longa trajetória pela qual passaram o ensinosuperior e a formação <strong>de</strong> professores <strong>em</strong> Uberaba no citado período. Acreditamos que, no<strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho, tenha ficado claro que, <strong>em</strong>bora essa trajetória tenha sido repleta <strong>de</strong>avanços (representados pelas iniciativas educacionais, muitas vezes ousadas para a época) e<strong>de</strong> retrocessos (principalmente se consi<strong>de</strong>rarmos que quase todas as iniciativas foramef<strong>em</strong>eramente frustradas, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência dos limites e das possibilida<strong>de</strong>s impostos pelocontexto econômico, sócio-cultural e pedagógico da época), essas instituições <strong>de</strong> ensino nãopo<strong>de</strong>m ser classificadas como fracassadas.Além <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> sido <strong>de</strong> vital importância para a formação cultural <strong>de</strong> Uberaba, a maiorparte das primeiras instituições <strong>de</strong> ensino superior ou normal que heroicamente funcionaramnaquele período, mesmo quando não visavam a esse fim, tiveram como produto ousubproduto a formação <strong>de</strong> muitos professores, que supriram a <strong>de</strong>manda da época. A<strong>de</strong>mais,quando observamos a historia da educação uberabense daquele período, perceb<strong>em</strong>os quequase todas as tentativas, b<strong>em</strong>-sucedidas ou não, <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> novas instituições <strong>de</strong>ensino superior ou normal, tiveram a participação direta dos profissionais formados naquelasescolas, seja <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a iniciativa ou posicionando-se contra ela, o que confirma a nossahipótese <strong>de</strong> pesquisa.Ao adotarmos a perspectiva marxista <strong>de</strong> história e a perspectiva histórico-crítica <strong>de</strong>educação para proce<strong>de</strong>r à análise <strong>de</strong> nosso objeto <strong>de</strong> pesquisa, acabamos, obrigatoriamente,a<strong>de</strong>ntrando um caminho historiográfico que exigiu uma análise global do contexto históricono qual estavam inseridas as iniciativas educacionais investigadas. Isso significa que não


416bastava pesquisar apenas as iniciativas <strong>de</strong> ensino superior e normal isoladamente: <strong>de</strong>cidimosque seria necessário conhecer melhor a história local, com suas contradições e seus aspectossócio-culturais, indo além da pseudoconcreticida<strong>de</strong> que <strong>em</strong>ana da história oficial.Percorr<strong>em</strong>os, também, a história da educação local como um todo, partindo das primeirasiniciativas ocorridas no Arraial da Farinha Podre até atingir o ano <strong>de</strong> 1938. Foi, com certezauma pesquisa extenuante, mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, prazerosa.Des<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> nossos trabalhos, tínhamos a compreensão <strong>de</strong> que qualquer tentativa<strong>de</strong> se <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r uma análise histórico-crítica <strong>de</strong> todas as iniciativas educacionais,englobando os ensinos superior e normal, ocorridos <strong>em</strong> Uberaba no extenso período situadoentre os anos <strong>de</strong> 1881 e 1938, seria uma tarefa árdua e, com certeza, incompleta. Apesar disso,<strong>de</strong>cidimos aceitar essa <strong>em</strong>preitada, certos <strong>de</strong> que o produto <strong>de</strong> nosso trabalho, mesmo queincompleto <strong>em</strong> muitos aspectos, seria <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para outros pesquisadores que <strong>de</strong>cidiss<strong>em</strong>aprofundar-se na investigação iniciada por nós ou para aqueles que <strong>de</strong>sejass<strong>em</strong> conhecer umperíodo pouco valorizado da história da educação uberabense.Nesse sentido, nosso trabalho foi primordialmente historiográfico. Segundo Ferreira(1999), a historiografia é a arte <strong>de</strong> escrever a história; e, como toda arte, requer criativida<strong>de</strong> ecapacida<strong>de</strong> para transformar a matéria-prima inicial <strong>em</strong> um produto belo e significativo. Ahistoriografia t<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transformar nomes que, para a imensa maioria dapopulação, ligam-se apenas à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> algum logradouro público, <strong>em</strong> sujeitoshistóricos, pessoas <strong>de</strong> carne, osso e espírito, tão vivos que suas idéias e experiências <strong>de</strong> vidaecoam até nossos dias.A história é dinâmica e muda cada vez que a observamos com um novo olhar; toda<strong>de</strong>scoberta abre uma nova janela, que ilumina o passado e nos conduz a uma nova história, tãosurpreen<strong>de</strong>nte e tão real que, numa perspectiva quântica, nos dá a certeza <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>rá sermudada s<strong>em</strong>pre que conseguirmos <strong>de</strong>svelar alguma verda<strong>de</strong> escondida. Nesse ponto,concordamos plenamente com Kosik (195, p. 53), quando este afirma que: “O fato histórico é,<strong>em</strong> certo sentido, não só um pressuposto da investigação mas um resultado seu”.Pesquisar a trajetória da história da educação <strong>de</strong> Uberaba, <strong>de</strong>ntro dos limites que nosimpus<strong>em</strong>os, trouxe-nos uma gran<strong>de</strong> satisfação pessoal. Com o trabalho <strong>de</strong> investigação eanálise, os prédios escolares, mostrados <strong>de</strong> forma inerte <strong>em</strong> fotografias antigas, ganharamnovamente vida: suas salas <strong>de</strong> aula encheram-se <strong>de</strong> alunos, seus corredores ganharam oburburinho peculiar das instituições <strong>de</strong> ensino e pu<strong>de</strong>mos enxergar claramente os professores,na sua rotina diária <strong>de</strong> ensinar. E, com o passar do t<strong>em</strong>po, tornamo-nos íntimos <strong>de</strong> tais


417personagens. Apren<strong>de</strong>mos a admirar muitos <strong>de</strong>les e a enten<strong>de</strong>r outros, colocando-nos naposição sócio-histórica <strong>em</strong> que cada um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>senvolveu a sua práxis.Tiv<strong>em</strong>os, por ex<strong>em</strong>plo, o prazer <strong>de</strong> conhecer, parcialmente, os processos <strong>de</strong> formação<strong>de</strong> professores ocorridos <strong>em</strong> nossas três primeiras escolas normais, cada qual marcado porespecificida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocaram <strong>em</strong> diferentes concepções formativas. Nascidas paraaten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas sociais, as escolas normais uberabenses foram aquilo quepo<strong>de</strong>riam ser, isto é, não pu<strong>de</strong>ram ultrapassar os limites e as possibilida<strong>de</strong>s impostos pelocontexto econômico, sócio-cultural e pedagógico <strong>em</strong> que se inseriam.Foi esse, também, o caso das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensino superior ocorridas <strong>em</strong>Uberaba, todas elas intimamente relacionadas aos aspectos infra-estruturais e i<strong>de</strong>ológicos queorientavam as relações entre as classes sociais <strong>de</strong> cada contexto sócio-histórico. O InstitutoZootécnico, por ex<strong>em</strong>plo, não teria sido criado se a elite econômica local, cujo po<strong>de</strong>rio sebaseava no sucesso das ativida<strong>de</strong>s pecuárias, não o tivesse <strong>de</strong>sejado.Acompanhando a trajetória da profissão docente <strong>em</strong> Uberaba, perceb<strong>em</strong>os claramentea passag<strong>em</strong> do antigo mestre oitocentista – s<strong>em</strong> formação para o magistério, mas <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong>conhecimentos específicos suficientes para aten<strong>de</strong>r aos reclames da socieda<strong>de</strong> da época – parao novo mestre republicano, formado para ser professor. Embora dotado <strong>de</strong> novascompetências pedagógicas, o professor republicano pouco diferiu <strong>de</strong> seu antecessor, no que serefere à <strong>de</strong>svalorização <strong>de</strong> seu importante trabalho docente. Para ex<strong>em</strong>plificar esse quadro,optamos por retratar a situação <strong>de</strong> pobreza e abandono a que foi relegado, no ocaso <strong>de</strong> suavida, aquele que consi<strong>de</strong>ramos o maior exponte do magistério uberabense do períodopesquisado, o professor Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa, assim <strong>de</strong>scrita por Orlando Ferreira:É por isso que, entristecidos, v<strong>em</strong>os um hom<strong>em</strong> como Alexandre Barbosa,<strong>de</strong> uma inteligência que assombra, bastante culto, hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> previsão,várias vezes consultado por João Pinheiro, <strong>de</strong> uma argúcia e finura que nãose encontra <strong>em</strong> nehuma pessoa do Triângulo, hom<strong>em</strong> que vive estudando,que quase tudo conhece, ferozmente honesto, muito trabalhador e utilíssimoà socieda<strong>de</strong>, completamente esquecido, inaproveitado e solitário lá na suacasinha do alto das Mercês!... (FERREIRA, 1928, p. 146)Perceb<strong>em</strong>os que a precarização do trabalho docente não poupou n<strong>em</strong> mesmo um dosmaiores intelectuais da história <strong>de</strong> Uberaba, não obstante as várias décadas <strong>de</strong>dicadas por eleao magistério e a outras ativida<strong>de</strong>s político-culturais. Celebrado pela elite econômica como ogran<strong>de</strong> responsável pela criação do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, o fato é que o professorAlexandre Barbosa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> convertido ao marxismo, acabou esquecido pela mesma eliteque o aplaudira, já que não mais servia aos interesses burgueses.


418Com relação ao ensino superior uberabense, observamos outro fato interessante:enquanto no país, como um todo, esse nível <strong>de</strong> ensino surgiu tardiamente, através <strong>de</strong> pequenonúmero <strong>de</strong> instituições isoladas e <strong>de</strong> caráter utilitarista ou elitista, <strong>em</strong> Uberaba ele apareceu <strong>de</strong>forma pr<strong>em</strong>atura, com a criação do Instituto Zootécnico, quando não havia ainda, na cida<strong>de</strong>,uma base econômico-social que o pu<strong>de</strong>sse sustentar. Sua duração efêmera foi <strong>de</strong>corrência damá-vonta<strong>de</strong> estatal <strong>em</strong> subsidiar a manutenção <strong>de</strong> uma escola superior <strong>de</strong> agricultura, comprofessores catedráticos <strong>de</strong> renome internacional, <strong>em</strong> uma cida<strong>de</strong>zinha com cerca <strong>de</strong> 7.000habitantes perdida no sertão oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> Minas Gerais.Outra singularida<strong>de</strong> acerca da primeira instituição <strong>de</strong> ensino superior uberabense: oInstituto Zootécnico era uma escola gratuita e mantida pelo Estado, não sendo, portanto, o quepo<strong>de</strong>ríamos classificar como uma escola <strong>de</strong> elite, <strong>em</strong>bora seja oportuno rel<strong>em</strong>brarmos que,conforme comentamos no primeiro capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, o verda<strong>de</strong>iro filtro para o acessoao ensino superior era feito por ocasião da entrada no ensino secundário ou propedêutico.Além disso, <strong>em</strong>bora sua criação tenha tido características <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente utilitaristas, oprocesso formativo ocorrido naquela instituição transcen<strong>de</strong>u, <strong>em</strong> muito, o que se po<strong>de</strong>riaesperar, se tomarmos por base sua duração efêmera, sua infra-estrutura física mo<strong>de</strong>sta e seuina<strong>de</strong>quado aparelhamento técnico.Quanto aos dois primeiros s<strong>em</strong>inários maiores <strong>de</strong> Uberaba (S<strong>em</strong>inário <strong>de</strong> Santa Cruz eS<strong>em</strong>inário São José), o fim <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s – l<strong>em</strong>brando que, no caso da segundainstituição, o que ocorreu foi a sua transferência para Belo Horizonte – <strong>de</strong>u-se <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>dificulda<strong>de</strong>s financeiras para sua manutenção, o que também reflete o pensamento utópico epouco racional que guiou aquelas iniciativas. É inegável, entretanto, a importância <strong>de</strong>ssasinstituições no que se refere à formação <strong>de</strong> professores, principalmente fornecendointelectuais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> formação humanística que tiveram relevante atuação nas instituições <strong>de</strong>ensino locais, principalmente nas escolas superiores criadas a partir da década <strong>de</strong> 1940.Outras instituições <strong>de</strong> ensino superior <strong>de</strong>v<strong>em</strong> a sua ef<strong>em</strong>erida<strong>de</strong> a probl<strong>em</strong>asrelacionados às dificulda<strong>de</strong>s inerentes ao processo <strong>de</strong> regulamentação e reconhecimento <strong>de</strong>seus cursos. Inclu<strong>em</strong>-se nessa situação a Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia, a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Direito e a Escola <strong>de</strong> Topografia. Essas escolas superiores po<strong>de</strong>riam ter tido vida mais longa,caso tivess<strong>em</strong> obtido o necessário reconhecimento governamental, já que mantinham umarazoável matrícula <strong>de</strong> alunos e funcionavam num período histórico <strong>em</strong> que a cida<strong>de</strong> e a regiãojá dispunham <strong>de</strong> uma infra-estrutura física e humana capaz <strong>de</strong> abastecer essas instituições <strong>de</strong>ensino com professores e com uma clientela estudantil suficiente para o preenchimento das


419vagas ofertadas nos cursos.Há ainda o caso das escolas superiores que tiveram suas ativida<strong>de</strong>s prejudicadas <strong>em</strong>função da baixa procura por parte dos alunos – como foi o caso dos cursos superioresmantidos pelos irmãos maristas – e das instituições que permaneceram no nível das idéias,s<strong>em</strong> que tivess<strong>em</strong> chegado a concretizar-se na prática (Universida<strong>de</strong> Protestante eUniversida<strong>de</strong> do Trabalho). No primeiro caso, o fechamento dos cursos do Colégio Diocesanonão roubou a importância da iniciativa, que acabou inspirando a fundação <strong>de</strong> instituiçõescongêneres nos anos posteriores (Escola Técnica <strong>de</strong> Comércio José Bonifácio e Escola <strong>de</strong>Topografia <strong>de</strong> Uberaba). Já no segundo caso, as discussões e os <strong>em</strong>bates i<strong>de</strong>ológicosocorridos <strong>em</strong> torno das novas propostas educacionais foram muito importantes para oamadurecimento <strong>de</strong> novas concepções <strong>de</strong> educação.Algumas das instituições <strong>de</strong> ensino superior pesquisadas tinham objetivos claramenteutilitaristas, voltados para a aplicação prática e imediata dos conhecimentos adquiridos pelosalunos. Inclu<strong>em</strong>-se nesta classificação o já citado Instituto Zootécnico – que tinha por objetivoa formação dos técnicos necessários à economia agropastoril da região –, além dos cursossuperiores mantidos pelos irmãos maristas, da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia e da Escola<strong>de</strong> Topografia, estas voltadas para a formação <strong>de</strong> profissionais importantes para as ativida<strong>de</strong>ssócio-econômicas e para habilitar os práticos que já atuavam na região. Outras escolas, comoos s<strong>em</strong>inários, tinham a função <strong>de</strong> formar os intelectuais necessários aos cargos eclesiásticos,servindo, portanto, aos interesses <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado setor da socieda<strong>de</strong>. Quanto à efêmeraFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>ntro da perspectiva do bacharelismo, enten<strong>de</strong>mos que foi criada parareceber os jovens interessados <strong>em</strong> obter o invejado diploma <strong>de</strong> advogado, requisito quaseessencial ao exercício <strong>de</strong> muitos cargos públicos e <strong>de</strong> outras profissões, como o jornalismo e,logicamente, a própria advocacia.A Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, assim como a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitoa ela ligada, tiveram, também, a relevância <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> sido as pioneiras quanto à implantação,na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>em</strong>presarial <strong>de</strong> gestão do ensino superior. Mesmo fechadas <strong>em</strong>virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> supostas irregularida<strong>de</strong>s administrativas e também <strong>em</strong> função dos interesses <strong>de</strong>alguns setores da socieda<strong>de</strong> regional que <strong>de</strong>fendiam o monopólio do acesso à educaçãosuperior, aquele b<strong>em</strong>-sucedido mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização universitária serviu <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo parainiciativas futuras, como as que <strong>de</strong>ram orig<strong>em</strong> às faculda<strong>de</strong>s dirigidas por Mário Palmério e àFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino (FAFI).Todas essas consi<strong>de</strong>rações mostram a riqueza do período que convencionamos chamar


420<strong>de</strong> fase heróica da educação uberabense. Influenciada por diferentes i<strong>de</strong>ologias políticoeconômicas(capitalismo, socialismo, liberalismo, etc.) e por diversas correntes filosóficopedagógicas(bacharelismo, utilitarismo, tradicionalismo, positivismo, escolanovismo, escolado trabalho, etc.), a educação uberabense <strong>de</strong>sse período, <strong>em</strong> especial os ensinos superior enormal, produziu várias iniciativas que, por motivos diversos, surpreen<strong>de</strong>ram e <strong>em</strong>polgaram opróprio pesquisador.Assim, a partir da análise histórico-crítica realizada, que nos permitiu conhecer oscomplexos ingredientes que propiciaram o aparecimento das primeiras iniciativas <strong>de</strong> ensinosuperior e normal <strong>em</strong> Uberaba, no período <strong>de</strong> 1881 a 1938, consi<strong>de</strong>ramos que o objetivoprincipal e os objetivos específicos <strong>de</strong> nossa pesquisa foram alcançados. Ficou claro, também,que essas iniciativas educacionais se inseriam s<strong>em</strong>pre no bojo das lutas <strong>de</strong> classes e, por isso,representavam os interesses <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados agrupamentos sociais, o que confirma a tãol<strong>em</strong>brada relação dialética existente entre socieda<strong>de</strong> e educação.


FONTES DE PESQUISA421


4221. ManuscritosARQUIVO DA PRIMEIRA IGREJA METODISTA DE UBERABA. Atas conferênciastrimestrais, 1896-1900.ARQUIVO DA PRIMEIRA IGREJA METODISTA DE UBERABA. Registro <strong>de</strong> atasconferências trimestrais, 1920-1924.ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Diário do lente <strong>de</strong> zootecnia do Instituto Zootécnico <strong>de</strong>Uberaba, Secretaria da Agricultura, série/seção SA, n. 139, 1895-1898.ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Matrícula dos <strong>em</strong>pregados do Instituto Zootécnico <strong>de</strong>Uberaba, Secretaria da Agricultura, série/seção SA, n. 860, 1894-1898.ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Registro <strong>de</strong> contratos para execução <strong>de</strong> obras noInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, Secretaria da Agricultura, série/seção SA, n. 109, 1895-1898.ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Receita do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, Secretariada Agricultura, série/seção SA, n. 111, 1897-1898.ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Registro diário dos serviços <strong>de</strong> culturas e criação doInstituto Zootécnico <strong>de</strong> Uberaba, Secretaria da Agricultura, série/seção SA, n. 112, 1897-1898.CÂMARA MUNICIPAL DE UBERABA. Livro <strong>de</strong> atas da Câmara, 24/05/1887 a23/02/1900.2. Documentos datilografados: Relatórios, Defesas, Relações e TermosARQUIVO DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro <strong>de</strong> atas das sessões daCongregação do Colégio Nossa Senhora das Dores, 1906-1916.ARQUIVO DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS DORES. Livro <strong>de</strong> atas <strong>de</strong> promoçãodo curso normal, 1917-1934.ARQUIVO DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS DORES. Regulamento, 1934.ARQUIVO DO COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS DORES. Rápido histórico do ColégioNossa Senhora das Dores, 1939.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Relatório da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong>Uberaba, feito e apresentado pelo seu atual diretor dr. Francisco Mineiro Lacerda, aoegrégio Conselho Nacional da Educação, com o fim <strong>de</strong> obter a fiscalização prévia,Departamento Privado nº 164, Caixa nº 41, 1932.


423ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Termo <strong>de</strong> posse do fiscal Carlos <strong>de</strong> Moraes naEscola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, Departamento Privado nº 164, Caixa nº 40,1933.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Defesa apresentada pelo inspetor da Escola <strong>de</strong>Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, Dr. Carlos <strong>de</strong> Moraes, ao Conselho Nacional daEducação, <strong>em</strong> 20/06/1934, Departamento Privado nº 164, Caixa nº 41, 1934.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Relação numérica dos alunos matriculados <strong>em</strong>1935 e dos alunos promovidos da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba,Departamento Privado nº 164, Caixa nº 40, 1934.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Defesa apresentada pela Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia <strong>de</strong> Uberaba ao Conselho Nacional da Educação, <strong>em</strong> 14/07/1935,Departamento Privado nº 164, Caixa nº 41, 1935.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Vidas escolares dos Pharmacolandos eOdontolandos que terminaram o curso <strong>em</strong> 1935, Departamento Privado nº 164, Caixa nº 5,1935.ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA. Livro <strong>de</strong> atas do Conselho Técnico Administrativoda Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba, Departamento Privado nº 164, Caixa nº5, 1936.3. JornaisBARBOSA, Alexandre <strong>de</strong> Souza. Primórdios <strong>de</strong> Uberaba: a posse das terras. Lavoura eComércio, Uberaba, MG, 21 fev. 1936, p. 17-18.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1860: a guerra do Paraguai.Jornal <strong>de</strong> Uberaba, Uberaba, MG, 25 jun. 2006a. Cultura, p. 4.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1880: a escola normal oficial.Jornal <strong>de</strong> Uberaba, Uberaba, MG, 23 jul. 2006b. Cultura, p. 4.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1880 (II): o colégio NossaSenhora das Dores. Jornal <strong>de</strong> Uberaba, Uberaba, MG, 30 jul. 2006c. Cultura, p. 4.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1880: senador Pena. Jornal <strong>de</strong>Uberaba, Uberaba, MG, 13 ago. 2006d. Cultura, p. 4.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1890 (II): Instituto Zootécnicoe se<strong>de</strong> do bispado. Jornal <strong>de</strong> Uberaba, Uberaba, MG, 27 ago. 2006e. Cultura, p. 4.BILHARINHO, Guido Luiz Mendonça. Uberaba na década <strong>de</strong> 1890 (III): o Clube da Lavourae Comércio. Jornal <strong>de</strong> Uberaba, Uberaba, MG, 03 set. 2006f. Cultura, p. 4.


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APÊNDICES437


438APÊNDICE 1Relação parcial <strong>de</strong> alunos do curso normal da 1ª Escola Normal oficial <strong>de</strong> UberabaA<strong>de</strong>lina <strong>de</strong> OliveiraAdolpho TerraAgueda Mame<strong>de</strong>Albertina Leopoldina da CunhaAlceu <strong>de</strong> Souza NovaesAlexandre Medina CoeliAlfredo Carlos dos SantosAlfredo Luiz da CostaAlfredo Simões <strong>de</strong> LimaAlice BarthesAlice CunhaAltino FaracoAltino Gomes MoreiraÁlvaro Ferreira dos ReisAmedio Moreira <strong>de</strong> LacerdaAna Francisca <strong>de</strong> JesusAngelina Severino SoaresAngelina SoaresAnna Maria <strong>de</strong> Jesus BarraAnnibal Heitor da FonsecaAntenógenes MagalhãesAntônio <strong>de</strong> Araújo Vaz <strong>de</strong> MelloAntonio HilárioAntonio Leal SobrinhoAntonio Nelson <strong>de</strong> MouraAprilio JoséArchanjo Joaquim dos SantosArlindo Costa e SilvaArmante Costa CarneiroArminda RangelBenone BotelhoBertholina dos SantosBertholina SantosBlanger PucciCandido Marinho <strong>de</strong> OliveiraSobrinhoCarolina Augusta da SilvaCarolina Luiza <strong>de</strong> AlmeidaCelina Marinho <strong>de</strong> OliveiraCelina Severino SoaresCícero Gonçalves <strong>de</strong> OliveiraCorina <strong>de</strong> OliveiraDolores CoelhoDomingos José CardosoEduardo Affonso <strong>de</strong> CastroElisiário Augusto <strong>de</strong> MagalhãesEmilia Izolina TostaEmydio Marques FerreiraEsther d’Avila PinaEtelvina Can<strong>de</strong>lária do EspíritoSantoEudoxia TeixeiraEvarista Mo<strong>de</strong>sta dos SantosFernando <strong>de</strong> Araújo Vaz <strong>de</strong> MelloFi<strong>de</strong>lis Gonçalves dos ReisFrancisca da SilvaFrancisca dos SantosFrancisca Gontijo <strong>de</strong> CarvalhoFrancisco <strong>de</strong> Assis BarbosaGallo Rodrigues MoreiraHeloisa MundimHonorina Ethelvina da ConceiçãoHonório GuimarãesIsolina <strong>de</strong> SouzaJayme Gonçalves RosaJoão Armando CostaJoão Augusto ChavesJoão <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e SouzaJoão dos SantosJoão Euzébio <strong>de</strong> OliveiraJoão Evangelista <strong>de</strong> MendonçaJoão Honório Ribeiro RozaJoão José dos SantosJoaquim Abbadia FontouraJoaquim Pedro BarbosaJoaquim RobertoJosé Alves Tosta JuniorJosé Augusto <strong>de</strong> MelloJosé <strong>de</strong> FreitasJose <strong>de</strong> OliveiraJosé dos SantosJosé Feliciano Rosa <strong>de</strong> GuimarãesJosé MacciottiJosé Maria dos ReisJosé Maria Gonçalves <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>José Moreira <strong>de</strong> CarvalhoJosé Rodrigues <strong>de</strong> PaulaJosé Sebastião <strong>de</strong> MelloJoviano <strong>de</strong> Sousa NovaesJudith <strong>de</strong> Queiroz VellosoJulita Zica <strong>de</strong> FariaLau<strong>de</strong>mira <strong>de</strong> Jesus BarraLonguino LavradorLucas da Cunha Peixoto LealLucas EvangelistaLuiz Antonio <strong>de</strong> AlmeidaLuiza Cherubina <strong>de</strong> OliveiraLuiza <strong>de</strong> OliveiraMagnólia Severino SoaresMagnólia SoaresManoel CoutinhoManoel <strong>de</strong> Oliveira CoutinhoMárcia <strong>de</strong> OliveiraMaria Altina <strong>de</strong> LimaMaria Áurea <strong>de</strong> FariaMaria Christina da CostaMaria Christina <strong>de</strong> Souza PiresMaria Constança <strong>de</strong> Oliveira PiresMaria das Dores GondimMaria <strong>de</strong> SiqueiraMaria Etelvina da ConceiçãoMaria Felisbina <strong>de</strong> Araújo PontesMaria Francisca da SilvaMaria José dos ReisMaria Rita <strong>de</strong> OliveiraMaria Rosa <strong>de</strong> GuimarãesMaria Rosa <strong>de</strong> MelloMaria Salomé dos SantosMaria Sebastiana <strong>de</strong> Araújo PontesMaria Soares ArantesMaria Xavier PeppeMarinha do EgyptoMarinho BriquetMo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> Mello RibeiroMo<strong>de</strong>sto GonçalvesNelson Ferreira LouzadaOlympio Carlos dos SantosOsório Ferreira <strong>de</strong> OliveiraPatrocinia <strong>de</strong> JesusPedro <strong>de</strong> Almeida BarbozaPedro NeryPhilomena Augusta TeixeiraPorphirio AlvesPrimo <strong>de</strong> Mello BarbozaRaul BriquetRegina Fermina da CostaSalvina Umbellina BarraSebastiana Marinho <strong>de</strong> OliveiraS<strong>em</strong>iramis Speridião RodriguesTheophilo Rodrigues PereiraWalmore Camparini doNascimentoZacharias A. <strong>de</strong> MelloFontes: Jornais Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e Lavoura e Comércio


439APÊNDICE 2Relação parcial <strong>de</strong> alunos do curso primário (aula prática) da 1ª Escola Normal oficial<strong>de</strong> UberabaAdão José TeixeiraAdolpho <strong>de</strong> AlmeidaAdolpho TerraAffonso Felix FragaAgrippina Speridião RodriguesAgueda <strong>de</strong> OliveiraAlbertina HorbylonAlberto JacynthoAlceu <strong>de</strong> NovaesÁlvaro Bento GonzagaÁlvaro da PaixãoAlzira <strong>de</strong> Oliveira ValleAmélia Elvira PeppeAndrelino Tira<strong>de</strong>ntesAntonio HilárioAntonio Martiniano <strong>de</strong> MouraApulcho TavaresAriti<strong>de</strong>s TostaArlindo <strong>de</strong> CarvalhoArmandina FaracoArmênia AugustaArthur MachadoArthur Rangel <strong>de</strong> SouzaBadio Mariano PraesB<strong>em</strong>vinda M. <strong>de</strong> JesusBenedicta Fontoura RosaCarlos RodarteCarolina <strong>de</strong> Oliveira ValleCarolina do ValleCherubina dos SantosClarindo MachadoCordolina <strong>de</strong> Oliveira ValleCramintia M. <strong>de</strong> JesusDelci<strong>de</strong>s Lucas <strong>de</strong> CarvalhoDina AuroraDionysio José da SilvaDolores CoelhoDolores d’AffonsecaElias Cruvinel FilhoElvira A. FontesElvira CamposElvira da Conceição PeppeElzira do Espírito SantoErnestina Garcia da SilveiraEstevam Pucci JuniorEthelvina Can<strong>de</strong>lária do EspíritoSantoEulogio RodarteFelix Vieira GonçalvesFelizardo <strong>de</strong> NazarethFidélis Gonçalves dos ReisFrancisca Ferreira RiosFrancisco CesárioFrancisco Martins dos SantosGastão <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Geroncio TeixeiraGilberto RodarteHonorina BarraIbrantina QueirozIrineu José <strong>de</strong> MelloIsordina IracyIzabel DonatiJanuário MaciottiJoão Aureliano <strong>de</strong> OliveiraJoão <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e SouzaJoão GregórioJoão Miguel SperidiãoJoaquim Baptista <strong>de</strong> OliveiraJoaquim LucioJoaquim Valeriano da SilveiraLeãoJosé <strong>de</strong> MelloJosé <strong>de</strong> Mello Rezen<strong>de</strong>José dos SantosJosé Francisco <strong>de</strong> OliveiraJosé Vieira <strong>de</strong> LimaJulia CasimiraLeonor Severina SoaresLevinda da MottaLucinda Luciana <strong>de</strong> JesusLuiza <strong>de</strong> Oliveira ValleManoel Rodrigues da CunhaMargarida <strong>de</strong> OliveiraMaria ÁureaMaria Corina da CostaMaria D. Medina CoeliMaria das Dores d’Andra<strong>de</strong>Maria das Dores e OliveiraMaria das Dores RochaMaria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e SouzaMaria <strong>de</strong> C. CastroMaria do Carmo MonteiroMaria dos ReisMaria Dulce Medina CoeliMaria Ferreira RiosMaria GabrielaMaria José do EgyptoMaria José dos ReisMaria Luciana LopesMaria Magdalena <strong>de</strong> MenezesNercia M. SaloméOdilla FerreiraOrmezinda M. <strong>de</strong> JesusPolicena LopesQuirino PucciSebastião Carneiro PintoSebastião FonsecaSeveriano Teixeira ÁlvaresThais BarthesThermute GuimarãesThomaz Dias da SilvaThomé Lopes dos SantosTúlio <strong>de</strong> OliveiraVictor Elias <strong>de</strong> PauloVizon ProziniFontes: Jornais Gazeta <strong>de</strong> Uberaba e Lavoura e Comércio


440APÊNDICE 3Quadro com a relação <strong>de</strong> diretores da primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong> UberabaNome do diretor Início do mandato Fim do mandatoJoaquim José <strong>de</strong> Oliveira Pena 15/07/1882 março/1883Antônio Borges Sampaio 12/04/1883 meados <strong>de</strong> 1885Illídio Salathiel dos Santos meados <strong>de</strong> 1885 15/04/1886Joaquim Antônio Rosa do Nascimento Jùnior 16/04/1886 final <strong>de</strong> 1887João Batista Pinheiro final <strong>de</strong> 1887 Abril/1888Gabriel Teixeira Junqueira Abril/1888 15/10/1888João Batista Pinheiro 16/10/1888 02/03/1889Gabriel Teixeira Junqueira 03/03/1889 25/06/1889Antônio Borges Sampaio 26/06/1889 24/10/1890Illídio Salathiel Guarita outubro <strong>de</strong> 1890 16/03/1895Antônio Pereira <strong>de</strong> Artiaga abril <strong>de</strong> 1895 10/06/1897Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa 16/07/1896 03/03/1899Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho 04/03/1899 1903Antônio Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oliveira Coutinho 1903 início <strong>de</strong> 1905Atanásio Saltão início <strong>de</strong> 1905 março/1905Fontes: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (1881-1900), Lavoura e Comércio (1902-1905), Bilharinho (1983)


441APÊNDICE 4Quadro com a relação <strong>de</strong> professores da primeira Escola Normal oficial <strong>de</strong> UberabaProfessor Disciplina FonteAlbano <strong>de</strong> Morais Maximiano Silva Mendonça (1974)Alberto Parton Mendonça (1974)Alexandre <strong>de</strong> Souza Barbosa Geografia; Cosmografia; História do Brasil Almanak Uberabense (1895)Alexandre José dos Santos Mendonça (1974)Alfredo Carlos dos Santos Almanak Uberabense (1895)Antônio da Costa Carneiro Mendonça (1974)Antônio Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> O. Coutinho Geometria e Desenho Linear Minas Gerais (30/07/1892)Antônio Pereira <strong>de</strong> Artiaga História Almanak Uberabense (1895)Antônio Silvério Pereira Português; Francês; Pedagogia Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (15/05/1886)Arthur Lobo Português Mendonça (1974)Atanásio Saltão Português; Francês Revista <strong>de</strong> UberabaCândido <strong>de</strong> Cássia e Oliveira Aritmética; Desenho Linear e Geometria Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (15/05/1886)Carlos Baptista Machado Mendonça (1974)Cecílio Antônio da Silva Aula prática masculina Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (10/12/1887)Diocleciano Vieira Mendonça (1974)Francelino José da Cruz Cardoso Desenho Linear e Geometria Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (25/08/1889)George <strong>de</strong> Chirée Ginástica Almanak Uberabense (1895)Guilhermina Cândida d’ Avelar Aula Prática f<strong>em</strong>inina Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (05/11/1886)Illidio Salathiel dos Santos Aritmética Almanak Uberabense (1895)Illidio Salathiel Guaritá Geografia e História do Brasil Almanak Uberabense (1895)João Baptista Speridião Rodrigues Música Almanak Uberabense (1895)João José Fre<strong>de</strong>rico Ludovice História e Geografia Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (15/05/1891)Joaquim Abadia Fontoura Mendonça (1974)Joaquim Antônio Gomes da Silva Português; Francês Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (16/07/1882)Joaquim Dias Soares Almanak Uberabense (1895)Joaquim Gasparino Pereira Magalhães Desenho e Caligrafia São Paulo e Minas (23/01/1896)Joaquim José <strong>de</strong> Saraiva Júnior Mendonça (1974)Joaquim Rodrigues Cor<strong>de</strong>iro Aula prática masculina Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (16/07/1882)Joaquim Thomé dos Santos Música Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (12/05/1887)José Rodrigues <strong>de</strong> Miranda Chaves Francês Almanak Uberabense (1895)Juventino <strong>de</strong> Lima Geometria e Desenho Linear Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (15/04/1891)Manoel do Espírito Santo Pereira Português Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (22/08/1887)Manoel Felippe <strong>de</strong> Souza Português; Francês Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (15/07/1884)Maria Christina da Costa Aula prática f<strong>em</strong>inina Jornal do Comércio (13/07/1889)Maria Christina das Dores Aula prática f<strong>em</strong>inina Almanach Uberabense (1903)Maria Christina do Egypto Aula prática f<strong>em</strong>inina Almanak Uberabense (1895)Maria Christina Pires Aula prática f<strong>em</strong>inina Almanach Uberabense (1903)Maria Felisbina <strong>de</strong> Araújo Pontes Aula prática f<strong>em</strong>inina Mendonça (1974)Maria Luiza do Valle Resen<strong>de</strong> Aula prática f<strong>em</strong>inina Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (20/08/1888)Maria Salomé Rosa Aula prática f<strong>em</strong>inina Mendonça (1974)Militino Pinto <strong>de</strong> Carvalho Ciências Físicas e Naturais Almanach Uberabense (1903)Padre Lafayette José <strong>de</strong> GodoyInstrução Moral e Religosa;Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (10/07/1886)Pedagogia; História SagradaPadre Pedro Ribeiro da SilvaInstrução Moral e Religosa;Almanach Uberabense (1903)Pedagogia; História SagradaPaulo Fre<strong>de</strong>rico Barthes Química Almanak Uberabense (1895)Pretextato Marques da Silva Geometria e Desenho Linear Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (21/07/1887)Randolpho RibeiroAula prática masculina;Português e Literatura NacionalGazeta <strong>de</strong> Uberaba (31/08/1888)Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (25/08/1889)Rufino José <strong>de</strong> Oliveira Pena Geometria e Desenho Linear Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (16/07/1882)Theodoro Dias <strong>de</strong> Carvalho JúniorInstrução Moral e Religosa;Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (25/08/1885)Pedagogia; História SagradaTheophilo Rodrigues Pereira Pedagogia; Instrução Cívica e Religiosa Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (25/08/1889)Thomas Pimentel <strong>de</strong> UlhôaInstrução Moral e Religosa;Pedagogia; História SagradaGazeta <strong>de</strong> Uberaba (16/07/1882)


442APÊNDICE 5Quadros contendo o registro <strong>de</strong> receitas do Instituto Zootécnico <strong>de</strong> UberabaReceita no mês <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1897Data Orig<strong>em</strong> Nº do talão Total15/06/1897 Proveniente da venda <strong>de</strong> 2 kilos <strong>de</strong> lã 1 5$00018/06/1897 Proveniente da venda <strong>de</strong> 2 kilos <strong>de</strong> lã 2 7$000Somma 12$000Receita no mês <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1897Data Orig<strong>em</strong> Nº do talão Total04/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 24 9$00005/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 25 12$00006/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 26 9$50008/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 27 18$00009/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 28 8$50010/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 29 8$00011/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 30 3$50012/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> hortaliças 31 7$50012/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> lenha 32 2$50013/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 33 9$00015/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> lenha 34 27$00016/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> lenha 35 2$50017/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 36 7$00018/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 37 4$00019/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes e lenha 38 9$00020/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 39 3$62022/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 40 10$50023/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes e lenha 41 6$58025/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 42 9$08027/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes 43 9$00020/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> legumes e lenha 44 4$68030/11/1897 Proveniente venda <strong>de</strong> um carneiro merino Nº 10 45 100$000Somma 280$460Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (1897-1898a)


443APÊNDICE 6Quadro contendo o Registro Diário dos Serviços <strong>de</strong> Culturas e Criação do InstitutoZootécnico <strong>de</strong> Uberaba (1897-1898)Data Designação dos serviços Local dos serviços10/04/1897 Capina no café para a colheita Próximo do laranjal20/04/1897 Cava Horta23/04/1897 Serviço <strong>de</strong> estábulos e vários, miúdos -26/04/1897 Abertura <strong>de</strong> um rego para a água Terra do Francisco Alvim08/05/1897 Conserto da cerca <strong>de</strong> arame Próximo do córrego24/05/1897 Serviços hortículas HortaJunho/1897 Colheita <strong>de</strong> café -30/09/1897 Serviços pecuários -14/02/1898 Ensilag<strong>em</strong> -22/02/1898 Capina nas batatas -16/03/1898 Capina da mandioca -01/06/1898 Limpeza na secretaria -27/06/1898 Serviços na estrumeira -01/10/1898 Escavação no açu<strong>de</strong> -03/10/1898 - Serviços pecuários- Lavoura- Cava no campo <strong>de</strong> experiências- Escavação no açu<strong>de</strong>-Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (1897-1898b)


444APÊNDICE 7Quadro <strong>de</strong> funcionários do Instituto ZootécnicoNome Formação Cargo Data daNomeaçãoData daPosseRicardo Ernesto Ferreira <strong>de</strong> EngenheiroDiretor do Instituto 11/08/1894 13/08/1894CarvalhoAgrônomoRicardo Ernesto Ferreira <strong>de</strong> EngenheiroLente <strong>de</strong> Zootecnia 11/08/1894 13/08/1894CarvalhoAgrônomoChrispiniano Tavares Engenheiro <strong>de</strong> Lente <strong>de</strong> Física e Química 22/12/1894 09/01/1895MinasJosé Joaquim Marques Engenheiro Chefe <strong>de</strong> trabalhos práticosAgrônomoJosé Joaquim Marques Engenheiro Lente substituto do 1º anoAgrônomoJosé Joaquim Marques EngenheiroAgrônomoLente substituto interino <strong>de</strong>zoologia, zootechnia e sericultura,lacticínios e arte veterináriaQuirino Alves <strong>de</strong> Carvalho Bibliotecário 17/11/1894 17/12/1894Quirino Alves <strong>de</strong> CarvalhoSecretárioQuirino Alves <strong>de</strong> CarvalhoCaixaJosé Amandio Sobral Engenheiro Chefe prático <strong>de</strong> cultura e criaçãoAgrônomoTobias Antônio Rosa Bibliotecário, Secretário, Caixa Abril/1898Jayme Juvêncio Noronha Amanuense 10/01/1896 23/02/1896Fre<strong>de</strong>rico Maurício Draenert CiênciasFísicas eNaturaisDiretor do Instituto 15/11/1896Fre<strong>de</strong>rico Maurício DraenertCiênciasFísicas eNaturaisLente interino <strong>de</strong> Botânica,Agrologia, Agricultura geral,Culturas das plantas forraginosas,Irrigação e Drenag<strong>em</strong>15/11/1896Ame<strong>de</strong>é CellierLente <strong>de</strong> Laticínios e <strong>de</strong> HigieneAgrícola e VeterináriaFrancisco Ernesto <strong>de</strong> Oliveira Porteiro 26/12/1894Francisco Soares Engenheiro Diretor 05/09/1898Francisco Soares Engenheiro Lente substituto preparador da 05/09/1898ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> MineralogiaJanuário da Rocha Porteiro 17/08/1895 02/09/1895Olympio Baptista <strong>de</strong> MouraContínuoRozendo Xavier da SilvaServente 30/04/1895AranhaTobias Basílio <strong>de</strong> Sousa Servente 11/03/1896Aleixo Bernar<strong>de</strong>s FerreiraServenteGuilhermino Lopes da SilvaServenteJustino TilmannServenteLuiz Ignácio <strong>de</strong> Souza LimaServenteAlfredo NeryServenteLucas Evangelista <strong>de</strong> OliveiraServenteAntônio Guimarães dos SantosServenteA<strong>de</strong>lardo RodriguesServenteJosé RochedoAmanuense InterinoJosé Augusto <strong>de</strong> Paiva Teixeira Secretário, Caixa, Amanuense Maio/1898Fontes: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (1894-1898), Minas Geraes (26/10/1898), Gazeta <strong>de</strong> Uberaba(03/04/1898, 03/05/1898)


445APÊNDICE 8Quadro com as matrículas <strong>de</strong> alunos no S<strong>em</strong>inário São José (1925-1933)Nome do s<strong>em</strong>inaristaData da matrículaJoão Maximiano Neto 1925José Geraldo <strong>de</strong> Faria 1925João Viana Filho 1925José Borges Mundim 1925Gilfredo Borges 1925Eduardo do Prado Arantes 1925Agenor Pedroso da Silva 09/121925Isaias Lagares 01/03/1926Antônio Rezen<strong>de</strong> 19/02/1927Lázaro <strong>de</strong> Oliveira Menezes 28/02/1927Alaor Porfírio <strong>de</strong> Azevedo 02/03/1927Júlio <strong>de</strong> Ras 10/11/1927José Armênio Cruz 29/01/1928Almir Marques Ferreira 27/02/1928Vicente Plácido Borges 27/03/1928José Bento Guimarães 04/12/1928Jacinto Fagun<strong>de</strong>s 01/02/1930José <strong>de</strong> Souza Nobre 01/02/1930Simeão Janet 19/11/1930João <strong>de</strong> Assis Valim 27/01/1931Saul Amaral 29/01/1931Carlos Oscar Bitner 07/02/1932Juvenal Arduini 20/02/1932Genésio Borges 22/02/1932Nelson Ferreira <strong>de</strong> Freitas 22/02/1932Antônio Tomás Fialho 03/02/1933Francisco Martins CarvalhoSócrates da Costa BragaFonte: Prata (1987)


446APÊNDICE 9Quadro com o corpo docente da Escola <strong>de</strong> Farmácia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba(segundo s<strong>em</strong>estre <strong>de</strong> 1932)Nome do professor Formação DisciplinaAlfen Cor<strong>de</strong>iro da Paixão Farmacêutico SubstitutoÁlvaro Guaritá Médico Farmácia QuímicaAntônio <strong>de</strong> Carvalho Médico BotânicaAssis Moreira Junior Dentista SubstitutoBoulanger Pucci Médico SubstitutoCarlos Moraes Farmacêutico Zoologia e ParasitologiaCarlos Terra Médico AnatomiaCesário Roxo Farmacêutico Química Orgânica e BiológicaDavi Carvalho Farmacêutico SubstitutoDomingos Paraíso Cavalcanti Médico SubstitutoEvandro Americano do Brasil Dentista Ortodontia e OdontopediatriaFrancisco Fernan<strong>de</strong>s Médico SubstitutoGastão Vieira Souza Dentista Patologia e Terapêutica AplicadaHenrique von Krüger Schroe<strong>de</strong>r Farmacêutico SubstitutoInácio <strong>de</strong> Oliveira Ferreira Médico SubstitutoJoão Mo<strong>de</strong>sto Cruvinel Dentista Metalurgia e Química AplicadaJosáfá Amado Dantas Bacharel Higiene e Legislação FarmacêuticaJosé Augusto Ferraz Dentista SubstitutoJosé Sebastião da Costa Médico Química Industrial FarmacêuticaLuiz <strong>de</strong> Paula Médico SubstitutoManoel Libânio Teixeira Dentista Clinica OdontológicaMozart Felicíssimo Médico Química Toxicológica e BromatológicaNorberto Ferreira Médico SubstitutoOdilon Fernan<strong>de</strong>s Dentista Técnica OdontológicaOswaldo Pinto Coelho Médico Metalurgia e Química AplicadaPaulo Rosa Médico MicrobiologiaRaimundo Soares <strong>de</strong> Azevedo Agrônomo SubstitutoRomeu Campos Ferreira Farmacêutico Farmácia GalênicaRui Pinheiro Médico FisiologiaSantos Gabarra Médico Química AnalíticaSebastião Fleuri Dentista Higiene e Odontologia LegalSócrates Ban<strong>de</strong>ira Médico SubstitutoVitor Mascarenhas Médico Histologia e MicrobiologiaWal<strong>de</strong>mar Costa Silva Dentista PróteseFonte: APU (1932)


447APÊNDICE 10Relação parcial <strong>de</strong> alunos formados no curso <strong>de</strong> Farmácia da Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia <strong>de</strong> UberabaAbílio BarsotiniAcrísio Lopes CançadoA<strong>de</strong>lino Alcebía<strong>de</strong>s FerreiraAlan Car<strong>de</strong>c F. <strong>de</strong> CarvalhoAlaor Soares MundimAlexandre AlvesAlfredo <strong>de</strong> Paula JúniorAltair AmaralAmélia Lacerda GuaraciabaAnísio Vieira TanúsAntônia Rezen<strong>de</strong> PereiraAntonieta Irinéa Rezen<strong>de</strong>Antônio Luiz MoreiraAntônio MilhãoAntônio Pacheco FilhoAntônio SantosAnuar MiziaraAri Alves FontesArmando Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> LimaBadio AbrahãoBenedito Romão <strong>de</strong> MeloCarlos Porto Andra<strong>de</strong>Celso GodoiChafic MiguelClélia Fonte BoaClotário <strong>de</strong> FreitasCristiano José da FonsecaDiógenes José <strong>de</strong> CastroDomingos da Silva OliveiraEdson Dias BicalhoErnesto JulichEster Bernardino <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Eurico PeriloEvaristo L<strong>em</strong>os JúniorFábio da Silveira MárquezFelipe Santa CruzFrancisco Barbosa <strong>de</strong> OliveiraFrancisco GiorginiGeralda Antônia <strong>de</strong> AzevedoHélio Brandão LibanioHélio Lázaro <strong>de</strong> AssunçãoHorácio Paula GomesIrene ReisItagiba <strong>de</strong> MeloIvo Pádua VilelaJefferson FelicíssimoJoão Alves MarinhoJoão Batista DamascenoJoão Gualberto <strong>de</strong> AguiarJoão Moreira FilhoJoão UrbanJoaquim Augusto SantanaJoaquim EwandinackJorge Antônio SahiumJosé Alves SoaresJosé Assis CostaJosé CardosoJosé <strong>de</strong> Melo Bernar<strong>de</strong>sJosé Ferreira da SilvaJosé Ludovico <strong>de</strong> AlmeidaJosé Maria <strong>de</strong> AraújoJosé Ribeiro do NascimentoJuvêncio AmaralKalil FaitoraneLafaiate BitencourtLafaiete Garcia CamposLibânio BorjaLongino TeixeiraMaria Antonia MartinsMaria Conceição SantosMaria Madalena Gomi<strong>de</strong>Mauricio MoraisMessias Dias AraújoMoacir RochaMoacir Vieira CoelhoNagib MiguelNeftali Guimarães NavesOdílio Alves GarciaOsvaldino Juvenal <strong>de</strong> AlmeidaPercival Xavier RebeloSadoc PereiraSebastião Vilela C. PintoSidnei <strong>de</strong> OliveiraSoulier Geraldo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Tarcila Gomes <strong>de</strong> MacedoTaufic MiguelTennyson Jubé <strong>de</strong> OliveiraTeófilo MiguelValter BurgerVicente <strong>de</strong> Paula FerreiraVicente Pedro Antônio HercosWaterloo Pereira AlvesWaterloo Pru<strong>de</strong>nteFontes: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (1934-1936) e Lavoura e Comércio (1927-1936)


448APÊNDICE 11Relação parcial <strong>de</strong> alunos formados no curso <strong>de</strong> Odontologia da Escola <strong>de</strong> Farmácia eOdontologia <strong>de</strong> UberabaAdh<strong>em</strong>ar Jorge FerreiraAdolfo Men<strong>de</strong>sAffonso SilveiraAgnelo SallesAlaor Mame<strong>de</strong>Albino <strong>de</strong> CastroAlcino Alves da SilvaAlexandre José GonçalvesÁlvaro Barbosa <strong>de</strong> EscobarAmbrolino Martins ArrudaAnésio Carneiro SobrinhoÂngelo <strong>de</strong> OliveiraAntenor RangelAntônio Barbosa GuimarãesAntônio <strong>de</strong> SouzaAntônio Ferreira GoulartAntônio MegaleAntonio Pinto Men<strong>de</strong>sApulcro Porfírio <strong>de</strong> AzevedoAroldo SilvaAugusto Fraissat <strong>de</strong> AlmeidaAvelino Rodrigues BorgesBenjamin Franklin <strong>de</strong> AraújoCustódio MarraDalmo FrançaDario MacedônioDomingos BotelhoDomingos <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> QueirozDurval <strong>de</strong> Melo Bernar<strong>de</strong>sEdmundo Alves PeixotoElias Pereira CoutinhoEliseu BatistaErnestina DiasEucares AlonsoEuripe<strong>de</strong>s Furtado <strong>de</strong> MeloFilogônio AlcântaraFlorêncio Alves FilhoGuilherme GambogniHilarino José da SilvaIsmênia Vieira MachadoIzaac Tomé NetoJesulindo MalheirosJoão Alves <strong>de</strong> BrittoJoão Batista Ribeiro da SilvaJoão Evangelista <strong>de</strong> LimaJoão Ferreira DucaJoão Soares da Costa SobrinhoJoaquim Augusto <strong>de</strong> CarvalhoJoaquim Camillo <strong>de</strong> SouzaJoaquim Machado <strong>de</strong> MoraesJoaquim Roiz JardimJosé Bueno <strong>de</strong> AzeredoJosé Bulhões JúniorJosé <strong>de</strong> OliveiraJosé Ferreira <strong>de</strong> Oliveira FilhoJosé Ferreira VilelaJosé França Martins SoaresJosé Furtando Nunes JúniorJosé HenriquesJosé Marques CaranJosé Maurício GuadalupeJosé Pereira SobrinhoLatif SebaLeopoldo Ferreira GoulartLuiz Gonzaga R. da SilvaManoel Pereira <strong>de</strong> Rezen<strong>de</strong>Marcos TomasowickMaria Izaura OrlindiMaria Xavier <strong>de</strong> AzevedoMatusalém Sabino <strong>de</strong> FreitasMaximino da Costa BarrosNazir Jorge LuizNei Vilela <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Newton CostaNorvandi Sant’AnnaOdilon Alves FerreiraOnília SoaresOrlando <strong>de</strong> PaivaOrlando Vieira do NascimentoOrozimbo <strong>de</strong> CarvalhoOscar Vieira NascimentoOtávio Mame<strong>de</strong>Paulino Lobo FilhoRaphael <strong>de</strong> FéoRita PintoRômulo Alves FerreiraRubens <strong>de</strong> Carvalho CostaRubens Sabino <strong>de</strong> FreitasSadi Carnot Alves IrineuSalviano Guimarães FilhoSócrates <strong>de</strong> Castro NovaesUrano José UrzedoValquirio Carneiro <strong>de</strong> BarrosVeridiano Ferreira DinizVital José Fernan<strong>de</strong>sWan<strong>de</strong>r RodriguesFontes: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (1934-1936) e Lavoura e Comércio (1927-1936)


449APÊNDICE 12Quadro com a relação dos primeiros funcionários da 2ª Escola NormalNome do funcionárioAntônio Gomes HortaAristóteles SallesCustódio Batista <strong>de</strong> CastroFernando <strong>de</strong> MagalhãesFrancisco Diogo Vasconcellos FilhoGeorge <strong>de</strong> ChiréeHeloisa Mundim <strong>de</strong> OliveiraÍris LacerdaJoão Edison do CoutoJoão Henrique SampaioJoaquim NominatoJosé <strong>de</strong> Souza PrataJosé Maria dos ReisJosé Maria dos Reis JúniorJosé Starling (substituiu o anterior)No<strong>em</strong>ia LuzOlavo Rodrigues da CunhaRaul MagalhãesSila SilvaThomaz Baw<strong>de</strong>n <strong>de</strong> CamargoUmbellina TerraCargoSecretárioProfessor <strong>de</strong> PortuguêsProfessor <strong>de</strong> História da CivilizaçãoDiretor e Professor <strong>de</strong> AritméticaProfessor <strong>de</strong> História do BrasilProfessor <strong>de</strong> FrancêsServenteProfessora <strong>de</strong> Trabalhos Manuais e Mo<strong>de</strong>lag<strong>em</strong>Professor <strong>de</strong> Física e QuímicaProfessor <strong>de</strong> PsicologiaContínuoProfessor <strong>de</strong> GeografiaProfessor <strong>de</strong> História NaturalProfessor <strong>de</strong> DesenhoProfessor <strong>de</strong> História do BrasilProfessora das classes primárias anexasProfessor <strong>de</strong> Biologia e HigieneProfessor <strong>de</strong> MetodologiaProfessor das classes primárias anexasProfessor <strong>de</strong> GeometriaProfessora das classes primárias anexasFonte: Lavoura e Comércio (08/03/1928 e 08/04/1928)


450APÊNDICE 13Relação parcial <strong>de</strong> alunos(as) formados(as) no Curso <strong>de</strong> Aplicação da 2ª Escola Normal<strong>de</strong> UberabaAgesipolis Fernan<strong>de</strong>s MacielAinda PinheiroAlda <strong>de</strong> Oliveira SilvaAltiva Sabino <strong>de</strong> FreitasAlzira <strong>de</strong> MouraAntonieta SilvaAvelino Cassimiro <strong>de</strong> AraújoAzália OliveiraChristina LaterzaCorina TeixeiraDalila TeixeiraDiva <strong>de</strong> OliveiraDolores PalmérioEsmeralda da Silva OliveiraEsmeralda Fernan<strong>de</strong>sFirmiana da CruzFloriscena FerreiraFrancisca CostaGraziela Marques SoaresGuiomar Pereira MarquesImperatriz MoraisIolanda <strong>de</strong> MartinoIone PassagliaIrma Izabel BoffIsamel Martins ChavesLaura PinheiroLidia PalmérioLour<strong>de</strong>s dos Santos CupertinoLucília Alba <strong>de</strong> FreitasLuiza Oliveira <strong>de</strong> FariaLygia MoreiraMargarida TeixeiraMaria Abbadia BaptistaMaria Amélia RangelMaria Aparecida <strong>de</strong> CastroMaria da Conceição Machado PrataMaria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Fernan<strong>de</strong>sMaria Elisa PalmérioMaria O<strong>de</strong>te PinheiroMaria Teles BorgesMarina NascimentoNo<strong>em</strong>y JunqueiraO<strong>de</strong>te BitarOfélia Castanheira da RochaSebastiana BorgesVioleta Iraci BoffWaldomira OliveiraZélia <strong>de</strong> PaivaFontes: Gazeta <strong>de</strong> Uberaba (1934-1938) e Lavoura e Comércio (1928-1938)


451APÊNDICE 14Carta solicitando acesso ao arquivo do jornal Lavoura e ComércioUberaba, 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006ParaDr. Túlio Micheli SilvaUberaba – MGPrezado Sr.,Como aluno da 4ª Turma do Programa <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Uberaba – UNIUBE, venho, por meio <strong>de</strong>sta, solicitar a autorização legal para utilizar oarquivo do jornal “Lavoura e Comércio”, <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>.A consulta a ex<strong>em</strong>plares antigos do citado jornal é <strong>de</strong> vital importância para arealização da pesquisa que estou realizando no momento, a qual irá resultar numa Dissertação<strong>de</strong> Mestrado acerca da história do Ensino Superior <strong>de</strong> Uberaba.A consulta <strong>de</strong>verá ser feita, por etapas, <strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plares do citado jornal, publicados <strong>em</strong>alguns períodos situados entre os anos <strong>de</strong> 1899 e 1940. Os dias marcados para a realizaçãodas consultas po<strong>de</strong>rão ser acertados previamente, assim como os volumes a ser<strong>em</strong> consultadosserão informados por minha pessoa progressivamente, à medida que a pesquisa for sendoencaminhada.Certo <strong>de</strong> sua colaboração a respeito, agra<strong>de</strong>ço-lhe antecipadamente.Atenciosamente,PLAUTO RICCIOPPO FILHOCPF: 485.226.006-00R.G.: M-1.483.370 – SSP – MGRua Jaime Bilharinho, 205 – Bairro Mercês – Uberaba – MGTels.: (34) 3314-8666 (res.)3336-6655 (com.)9978-0203 (cel.)


ANEXOS452


453ANEXO 1DECRETO N. 3.198 - <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1863Approva as instrucções para nomeação <strong>de</strong> Agrimensores.Hei por b<strong>em</strong> Approvar as instrucções para nomeação <strong>de</strong> Agrimensores <strong>de</strong> terras publicas,que com este baixão, assignadas por Pedro <strong>de</strong> Alcantara Bellegar<strong>de</strong>, do Meu Conselho,Ministro e Secretario <strong>de</strong> Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas,que assim o tenha entendido e faça executar.Palacio do Rio <strong>de</strong> Janeiro, aos <strong>de</strong>zaseis dias do mez <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> mil oitocentossessenta e tres, quadragesimo segundo da In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia e do lmperio.Com a Rubrica <strong>de</strong> Sua Magesta<strong>de</strong> o Imperador.Pedro <strong>de</strong> Alcantara Bellegar<strong>de</strong>.Instrucções para nomeação <strong>de</strong> AgrimensoresArt. 1º Sómente po<strong>de</strong>rão ser <strong>em</strong>pregados, como Agrimensores, nas medições <strong>de</strong> terraspublicas e particulares, feitas por or<strong>de</strong>m ou com participação do Governo:1º Os engenheiros geographos com carta passada pelas escolas nacionais;2º Os habilitados com carta <strong>de</strong> curso completo da Aca<strong>de</strong>mia ou Escola <strong>de</strong> Marinha daCôrte;3º Os pilotos <strong>de</strong> carta pela mesma Escola ou Aca<strong>de</strong>mia, ou por ellas reconhecida;4º Os Agrimensores habilitados com titulo na fórma <strong>de</strong>stas instrucções;5º Os que, como taes , tiver<strong>em</strong> sido <strong>em</strong>pregados pelo Governo até esta data.Art. 2º Os comprehendidos <strong>em</strong> os ns. 1, 2. 3 e 5 do artigo antece<strong>de</strong>nte, para po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>exercer as funcções, são obrigados a apresentar os documentos comprobatorios <strong>de</strong> suahabilitação, para ser<strong>em</strong> registrados no Ministerio das Obras Publicas ou nas Provindas nasSecretarias das Presi<strong>de</strong>ncias, pelos quaes lhes será entregue a <strong>de</strong>claração respectiva.Art. 3º Os conhecimentos especiaes exigidos para se obter carta <strong>de</strong> Agrimensor na fórma do§ 4º do art. 1º, são os seguintes:1º Math<strong>em</strong>aticas el<strong>em</strong>entares, metrologia, topographia, noções <strong>de</strong> astronomia e <strong>de</strong>senholinear;2º Pratica do uso dos instrumentos e trabalhos <strong>de</strong> campo.Um programma especial <strong>de</strong>signará circumstanciadamente as doutrinas dos paragraphosantece<strong>de</strong>ntes.Art. 4º Quando houver concurrentes á solicitação do titulo <strong>de</strong> Agrimensor, serãoexaminados por uma commissão <strong>de</strong> tres m<strong>em</strong>bros habilitados, conforme os §§ 1, 2, 3 e 4º doart. 1º, e presidida pelo mais graduado.Esta commissão será nomeada na Côrte pelo Governo e nas Provincias pelos respectivosPresi<strong>de</strong>ntes.Art. 5º Examinados individualmente todos os postulantes, tanto na parte theorica, como napratica, a commissão examinadora organisará um quadro <strong>de</strong> todos os pontos do programma


454com as qualificações <strong>de</strong> habilitação <strong>em</strong> cada um pelos numeros <strong>de</strong> 0 a 3. Este quadro comtodos os documentos e trabalhos escriptos, ou graphicos dos concurrentes, será presentedirectamente ao Ministro da Agricultura, Commercio e Obras Publicas na Côrte, e nasProvincias por intermedio dos Presi<strong>de</strong>ntes.Art. 6º Os concurrentes, que tiver<strong>em</strong> approvação pelas escolas superiores nacionaes <strong>em</strong>qualquer das doutrinas do <strong>programa</strong>ma po<strong>de</strong>m ser dispensados dos respectivos exames,lançando-se a nota numerica a vista dos documentos, que exhibir<strong>em</strong>, e proce<strong>de</strong>ndo-se aoexame sómente nas doutrinas, que faltar<strong>em</strong> para completar o programma, <strong>de</strong> que trata o art.3º.Art. 7º Se das informações e provas resultar habilitação serão expedidos pela Secretaria <strong>de</strong>Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio o Obras Publicas os títulos aos concurrentes,<strong>de</strong>vendo estes antes apresentar folha corrida.Art. 8º Os titulos <strong>de</strong> Engenheiro geographo, Piloto ou Agrimensor passados <strong>em</strong> paizesestrangeiros, só po<strong>de</strong>rão ter valor <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um exame geral, pelo qual se verifique ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> do titulado.Art. 9º Seis mezes <strong>de</strong>pois da publicação <strong>de</strong>stas instrucções nas capitaes das Provincias, ficainhibido o exercicio <strong>de</strong> Agrimensor, na fôrma do art. 1º, aquelles que não tiver<strong>em</strong>regularisado seus titulos, ou provado suas habilitações <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com as presentesinstrucções.Palacio do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>em</strong> 16 <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1863. - Pedro <strong>de</strong> Alcantara Bellegar<strong>de</strong>Fonte: Brasil (1863)


455ANEXO 2Lei Nº 2.783 – <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1881O Doutor João Florentino Meira <strong>de</strong> Vasconcelos, Senador do Império e Presi<strong>de</strong>nte daProvíncia <strong>de</strong> Minas Gerais: Faço saber a todos os seus habitantes, que a Ass<strong>em</strong>bléiaLegislativa Provincial <strong>de</strong>cretou, e eu sancionei a lei seguinte:Artigo 1º – É creada uma escola normal na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, <strong>de</strong>stinada à preparação<strong>de</strong> pessoas que se <strong>de</strong>stinar<strong>em</strong> ao magistério.§ 1º – O curso da escola será <strong>de</strong> três anos, compreen<strong>de</strong>ndo as matérias que formam ocurso normal da capital, e distribuídas pela mesma forma.§ 2º – Po<strong>de</strong>rão ser admitidas à matrícula e freqüentar o curso pessoas <strong>de</strong> ambos ossexos, sendo as respectivas lições dadas promìscuamente.§ 3º – Esta escola formará uma sexta se<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunscrição literária da província, enela haverá um curso anexo, com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> escola prática, subordinado às mesmasregras da escola prática <strong>de</strong>sta capital.Artigo 2º – Revogam-se as disposições contrárias.Mando, portanto, a todas as autorida<strong>de</strong>s a qu<strong>em</strong> o conhecimento da referida leipertencer, que a cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nela se contém. Osecretário <strong>de</strong>sta província a faça imprimir, publicar e correr.Dada no Palácio da Presidência da Província <strong>de</strong> Minas Gerais aos vinte e dois dias domês <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro do Ano do Nascimento <strong>de</strong> Nosso Senhor Jesus Cristo, <strong>de</strong> mil e oitocentos eoitenta e um, sexagenário da In<strong>de</strong>pendência e do Império.João Florentino Meira <strong>de</strong> Vasconcelos.Para V. Exª ver.Luís José <strong>de</strong> Oliveira a fez.Selada e publicada nesta Secretaria, aos 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1881.Camilo Augusto Maria <strong>de</strong> Brito.Fonte: Sampaio (1971)


456ANEXO 3DECRETO N. 8.245Crêa escolas normaes do primeiro gráo <strong>em</strong> Dores do Indayá, Paracatu, Santa Rita doSapucahy, Itabira, Montes Claros e Leopoldina, e do segundo gráo <strong>em</strong> Uberaba, mantidasnesta categoria as <strong>de</strong> Bello Horizonte, Juiz <strong>de</strong> Fora e Ouro Fino.O Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, usando da attribuição que lhe confere o artigo57 da Constituição, e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o art. 2 o ., do regulamento que baixou com o<strong>de</strong>creto n. 8.162, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro do corrente anno, resolve crear escolas normaes do primeirogrão, <strong>em</strong> Dôres do Indaya, Paracatu, Santa Rita do Sapucahy, Itabira, Montes Claros, eLeopoldina, e do segundo gráo <strong>em</strong> Uberaba, mantidas nesta categoria as <strong>de</strong> Bello Horizonte,Juiz <strong>de</strong> Fora e Ouro Fino, vigorando quanto aos vencimentos do pessoal a tabella constante doartigo 1 o ., $ 1 o , n. 17, da lei n. 1.003, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1927, e relativa á Escola Normalda Capital, correndo as <strong>de</strong>spesas por conta da verba n. 15, do artigo, paragrapho e lei citados.Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> Bello Horizonte, 18 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1928.ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA.Francisco Luiz da Silva Campos.Fonte: Minas Gerais (1929)


457ANEXO 4DECRETO-LEI N. 63Suprime seis Escolas Normais oficiais e revoga os artigos 157, 158, 159 e 160 do <strong>de</strong>creto11.501, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1934O Governador do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, usando <strong>de</strong> suas atribuições;consi<strong>de</strong>rando que vai ser reformado o plano do ensino normal do Estado, já estando <strong>em</strong>elaboração o ante-projeto <strong>de</strong>ssa reforma, <strong>de</strong> modo a assegurar a completa formação doprofessor, aten<strong>de</strong>ndo à sua vocação profissional;consi<strong>de</strong>rando que existe no Estado gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> Escolas Normais reconhecidas eque preench<strong>em</strong> os fins a que são <strong>de</strong>stinadas <strong>de</strong>ntro da organização atual;consi<strong>de</strong>rando que, <strong>em</strong> muitas cida<strong>de</strong>s, o Estado mantém, ao lado <strong>de</strong>ssas escolas,estabelecimentos oficiais, cujos alunos po<strong>de</strong>rão continuar o curso s<strong>em</strong> prejuízo do ensino,resolve:Art. 1 o . Ficam suprimidas as Escolas Normais Oficiais situadas nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Diamantina, Montes Claros, Curvelo, Campanha, Uberaba e Itabira.Art. 2 o . Os funcionários administrativos <strong>de</strong>sses estabelecimentos que contar<strong>em</strong> mais <strong>de</strong><strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> exercício e os professores efetivos que, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivo legal, tenhamgarantia <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> nos cargos, ficam <strong>em</strong> disponibilida<strong>de</strong> r<strong>em</strong>unerada, até que sejamaproveitados <strong>em</strong> outros cargos.Parágrafo único. Ficam dispensados os professores contratados e os funcionáriosadministrativos que não preencham as condições acima estabelecidas, po<strong>de</strong>ndo seraproveitados <strong>em</strong> cargos equivalentes.Art. 3 o . As Escolas Normais reconhecidas situadas nas localida<strong>de</strong>s indicadas no artigo1 o . <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto são obrigadas a receber, <strong>em</strong> transferência, os alunos que solicitar<strong>em</strong> talmedida, satisfeitas as exigências regulamentares.Art. 4 o . Os prédios e o material escolar das Escolas Normais ora suprimidas po<strong>de</strong>rão sercedidos, a titulo precário, para melhor aparelhamento das escolas reconhecidas nas referidascida<strong>de</strong>s.Art. 5 o . Ficam revogados os dispositivos constantes dos artigos 157, 158, 159 e 160 do<strong>de</strong>creto 11.501, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1934.Art. 6 o . Este <strong>de</strong>creto entrará <strong>em</strong> vigor na data <strong>de</strong> sua publicação.Art. 7 o . Revogam-se as disposições <strong>em</strong> contrário.Palácio da Liberda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> Belo Horizonte, 15 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1938.BENEDITO VALADARES RIBEIROCristiano Monteiro MachadoOvídio Xavier <strong>de</strong> AbreuFonte: Minas Gerais (1940a)


458ANEXO 5LEI No. 284, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1948Restabelece a Escola Normal <strong>de</strong> UberabaO Povo do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, por seus representantes, <strong>de</strong>cretou e eu, <strong>em</strong> seunome, sanciono a seguinte lei:Art. 1 o . – Fica revogado o disposto no art. 1 o . do Decreto-lei no. 63, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1938, e restabelecida a vigência do <strong>de</strong>creto no. 8.245, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1928, no quediz<strong>em</strong> respeito à Escola Normal <strong>de</strong> Uberaba.Art. 2 o . – O estabelecimento cujo ensino é restabelecido por esta lei funcionará nostermos do Decreto-lei no. 1.873, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1946.Art. 3 o . – Serão aproveitados os funcionários <strong>em</strong> disponibilida<strong>de</strong> que serviram na antigaEscola Normal <strong>de</strong> Uberaba, observado o disposto no art. 79, parágrafos 1 o . e 6 o ., do Decretoleino. 804, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941.Art. 4 o . – Para ocorrer às <strong>de</strong>spesas com a execução <strong>de</strong>sta lei no corrente exercício, ficaaberto o crédito especial <strong>de</strong> Cr$ 257.840,00 (duzentos e cinqüenta e sete mil oitocentos equarenta cruzeiros).Art. 5 o . – Esta lei entrará <strong>em</strong> vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, revogadas as disposições<strong>em</strong> contrário.Mando, portanto, a todas as autorida<strong>de</strong>s, a qu<strong>em</strong> o conhecimento e execução <strong>de</strong>sta leipertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contém.Dada no Palácio da Liberda<strong>de</strong>, Belo Horizonte, 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1948.MILTON SOARES CAMPOSAbgar RenaultJosé <strong>de</strong> Magalhães PintoFonte: Minas Gerais (1948)


459ANEXO 6DECRETO N. 1.932 – DE 6 DE AGOSTO DE 1906Conce<strong>de</strong> ao collegio <strong>de</strong> N. S. das Dores, <strong>de</strong> Uberaba, as regalias <strong>de</strong> que gosam as escolasnormaes municipaesO doutor Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, usando da auctorização contida noartigo 8 o da lei n. 318, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1901, e tendo <strong>em</strong> vista que o collegio <strong>de</strong> NossaSenhora das Dores, <strong>de</strong> Uberaba, está organizado segundo o plano do ensino normal, resolveconce<strong>de</strong>r-lhe as mesmas prerrogativas <strong>de</strong> que gosam as escolas normaes municipaes, nostermos do artigo 24 da lei n. 41,<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892.Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> Bello Horizonte, 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1906.FRANCISCO ANTONIO DE SALLES.Delfim Moreira da Costa Ribeiro.Fonte: Minas Gerais (1906)


460ANEXO 7DECRETO N. 11.905Eleva a Escola Normal <strong>de</strong> 2 o . grau o Collegio “N. S. das Dores”, <strong>de</strong> Uberaba.O Interventor Fe<strong>de</strong>ral no Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, usando da attribuição que lhe confere o<strong>de</strong>creto n. 19.398, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> novebro <strong>de</strong> 1930, do Governo Provisório da Republica, resolveelevar a Escola Normal <strong>de</strong> 2 o . grau o Collegio “N. S. das Dores”, <strong>de</strong> Uberaba.Palácio da Liberda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> Bello Horizonte, 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1935.BENEDICTO VALLADARES RIBEIROOvídio Xavier <strong>de</strong> AbreuFonte: Minas Gerais (1937)


461ANEXO 8LEI N. 41 – DE 3 DE AGOSTO DE 1892Dá nova organização á instrucção publica do Estado <strong>de</strong> Minas[...]TITULO IVDO ENSINO PROFISSIONALSECCÃO IDas escolas normaesCAPITULO IDO ENSINO NORMALArt. 158. A escola normal, sob a forma <strong>de</strong> externato mixto, é um estabelecimento <strong>de</strong>ensino profissional, <strong>de</strong>stinado a dar aos candidatos a carreira do magistério primário e aeducação intelectual, moral e pratica necessária e sufficiente para o bom <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho dos<strong>de</strong>veres <strong>de</strong> professor, regenerando progressivamente a escola publica <strong>de</strong> instrucção primaria.Art. 159. Ficam mantidas as escolas normaes existentes nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Ouro Preto,Sabará, S. João d’El-Rey, Campanha, Uberaba, Paracatu, Montes Claros, Diamantina e a <strong>de</strong>Juiz <strong>de</strong> Fora, ainda não installada, e fica creada mais uma na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arassuahy.Art. 160. As matérias que faz<strong>em</strong> objecto <strong>de</strong> ensino nessas escolas são: portuguez,noções <strong>de</strong> litteratura nacional, francez, geographia geral e do Brasil, especialmente <strong>de</strong>steEstado, noções <strong>de</strong> historia geral, especialmente a mo<strong>de</strong>rna e cont<strong>em</strong>porânea, historia doBrasil, noções <strong>de</strong> cosmographia, math<strong>em</strong>aticas el<strong>em</strong>entares, noções <strong>de</strong> sciencias physicas enaturaes, <strong>de</strong> physiologia, <strong>de</strong> hygiene, <strong>de</strong> hygiene escolar, <strong>de</strong> agricultura, <strong>de</strong> agrimensura e <strong>de</strong>economia política, pedagogia, intrucção moral e cívica, <strong>de</strong>senho geométrico, topographico, <strong>de</strong>ornato, <strong>de</strong> paysag<strong>em</strong> e <strong>de</strong> figura, calligraphia, musica, gymnastica, trabalhos <strong>de</strong> agulha,noções <strong>de</strong> economia domestica (para as alumnas), lições <strong>de</strong> cousas e legislação do ensinoprimário.O curso <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>llas é <strong>de</strong> 4 annos. [...]Fonte: Minas Gerais (1893)


462ANEXO 9Emenda nº 217 – <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1891Fonte: MINAS GERAIS (1892)


463ANEXO 10LEI N. 41 – DE 3 DE AGOSTO DE 1892Dá nova organização á instrucção publica do Estado <strong>de</strong> Minas[...]TITULO IVDO ENSINO PROFISSIONAL[...]SECÇÃO IICAPITULO ÚNICODo ensino agrícola e zootechnicoArt. 253. Com os recursos que na lei do orçamento do Estado for<strong>em</strong> opportunamente<strong>de</strong>terminados serão fundados e mantidos dois institutos agronômicos: um no município <strong>de</strong>Itabira, pela transformação proveitosa da Escola Agrícola que ora ahi custêa o Estado, e outrono município da Leopoldina; e dous institutos zootécnicos: um na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, e outrona cida<strong>de</strong> da Campanha.Art. 254. Esses institutos têm por fim:1.º Elevar gradativamente pela instrucção technica o nível intellectual da populaçãorural do Estado, preparando agricultores, veterinários e industriaes esclarecidos pelaacquisição <strong>de</strong> conhecimentos especiaes immediatamente utilisaveis tomados ás sciencias <strong>em</strong>suas applicações á agricultura, á zootechnia e ás industrias ruraes connexas;2.º Estudar e tornar conhecidas as enfermida<strong>de</strong>s do nosso gado, as causas do estrago<strong>de</strong> nossa industria agrícola e pastoril, e os melhoramentos adoptados <strong>em</strong> paizes estrangeiros;3.º Fundar museus <strong>de</strong> productos agrícolas e pastoris e promover a instituição <strong>de</strong>exposições regionaes permanentes.Art. 255. O curso será <strong>de</strong> tres annos, e são preparatorios indispensáveis para amatricula nesses institutos: portuguez (practico); francez (traducção); math<strong>em</strong>aticasel<strong>em</strong>entares; geographia <strong>de</strong> Minas; noções <strong>de</strong> geographia do Brazil e rudimentos <strong>de</strong>geographia geral; noções <strong>de</strong> cosmographia;Art. 256. Nos institutos agronômicos o ensino será distribuido pelas seguintesca<strong>de</strong>iras: physica, mechanica, meteorologia, chimica geral e agrícola; agrimensura, botânica,zoologia e geologia; agronomia, machinas agrícolas e economia rural.Art. 257. Nos institutos zootécnicos o ensino será distribuído pelas seguintes ca<strong>de</strong>iras:1.º) Physica e chimica;2.º) Botânica e zoologia;3.º) Veterinária;4.º) Emprego industrial dos animaes e dos seus productos.Art. 258. Nestes institutos o curso <strong>de</strong> zootechnia será feito <strong>em</strong> todos os annos eparticularmente <strong>de</strong>senvolvido quanto ao gado bovino, cavallar, muar, ovino e caprino.Art. 259. Em todos os institutos o ensino será theorico e practico, para o que serãoelles dotados <strong>de</strong> terrenos, material, prédios e animaes necessários.Art. 260. Os professores <strong>de</strong>sses institutos serão contractados pelo presi<strong>de</strong>nte doEstado, d’entre profissionaes nacionaes ou estrangeiros notoriamente conhecidos, e o t<strong>em</strong>pomaximo <strong>de</strong> contracto será <strong>de</strong> seis annos, po<strong>de</strong>ndo ser renovado.


464Art. 261. Um dos professores será, por nomeação do presi<strong>de</strong>nte do Estado, o director<strong>de</strong> cada instituto e encarregado <strong>de</strong> sua organisação, propondo à approvação do conselhosuperior e respectivo regulamento e regimento.Art. 262. Os professores <strong>de</strong> cada instituto, cujos vencimentos serão opportunamentefixados pelo Congresso sob proposta do presi<strong>de</strong>nte do Estado, além dos <strong>de</strong>veres peculiares aseu cargo são obrigados a:1.º Crêar um museu;2.º Redigir os annaes do instituto, os quaes serão publicados na folha official doEstado;3.º Promover o estabelecimento <strong>de</strong> exposições regionaes permanentes <strong>de</strong> productos daindustria agricola e pastoril.Art. 263. Os alumnos, que completar<strong>em</strong> com approvação o curso <strong>de</strong> cada instituto,receberão diplomas e terão preferencia <strong>em</strong> quaesquer provimentos <strong>de</strong> cargos ou commisõesadministrativas que exijam o conhecimento theorico ou practico <strong>de</strong> agronomia ou zootechniae serão dispensados <strong>de</strong> quaesquer impostos estadoaes durante quatro annos si iniciar<strong>em</strong> etiver<strong>em</strong> a seu cargo explorações <strong>de</strong> industrias agrícolas ou <strong>de</strong> criação, <strong>em</strong> condições <strong>de</strong>aperfeiçoamento, a juízo do governo.Art. 264. Para acquisição <strong>de</strong> terrenos e b<strong>em</strong>feitorias preliminares necessárias, com<strong>de</strong>stino aos institutos <strong>de</strong> zootechnia e ao agronômico da Leopoldina, o governo fica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> jáauctorizado a fazer operações <strong>de</strong> credito até a quantia <strong>de</strong> 90:000$000, um terço para cad umestabelecimento, <strong>de</strong>vendo apresentar na próxima reunião <strong>de</strong>ste Congresso planos eorçamentos <strong>de</strong> todas as obras a executar-se e do custeio <strong>de</strong>sses institutos e do da Itabira,propondo também, com audiencia <strong>de</strong> profissionaes conceituados, quaesquer modificações quelhe pareçam convenientes ao programma geral dos estudos e <strong>de</strong> organisação constante dosartigos prece<strong>de</strong>nts, no interesse <strong>de</strong> sua praticabilida<strong>de</strong>, efficacia e possível simplificação.Paragrapho único. Para esse fim, e com referencia aos institutos agronômicos, ogoverno po<strong>de</strong>rá: entra <strong>em</strong> accôrdo com as câmaras municipaes da Leopoldina e Itabira nosentido <strong>de</strong> lhes ser entregue a administração, custeio e proventos dos estabelecimentos quefor<strong>em</strong> organisados nesses municípios, ou confiar essa tarefa a <strong>em</strong>prezas mo<strong>de</strong>ladas pelacompanhia – typographia Agrícola <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, subvencionada pelo Estado, comtanto quealém dos mais favores a este concedidos, e durante o mesmo prazo <strong>de</strong>cennal, o ônus dasubvenção annual do Estado não exceda <strong>de</strong> 90:000$000 para ambos os institutos agricolas,cada um dos quaes <strong>de</strong>verá dar instrucção profissional e manter <strong>em</strong> seus institutosgratuitamente pelo menos <strong>de</strong>z alumnos pobres <strong>de</strong>signados pelo governo.Fonte: Minas Gerais (1893)


465ANEXO 11DECRETO N. 760 – DE 11 DE AGOSTO DE 1894Promulga o regulamento dos institutos zootécnicosO dr. Presi<strong>de</strong>nte do Estado, usando da attribuicãoque lhe é conferida pelo art. 57 da Constituição doEstado para execução da lei n. 41, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto<strong>de</strong> 1892, na parte referente aos institutoszootécnicos, resolve approvar o regulamento quecom este baixa, assignado pelo sr. dr. DavidMoretzsohn Campista, Secretario d’Estado dosNegócios d’Agricultura, Commercio e ObrasPublicas, que o fará executar.Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> Ouro Preto, 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1894.AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNADavid M. Campista.REGULAMENTO A QUE SE REFERE O DECRETO N. 760 DESTA DATACAPITULO IDOS INSTITUTOS ZOOTECHNICOS E SEUS FINSArt. 1 o . – Os institutos zootécnicos, creados pela lei n. 41 <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1892, serãoestabelecidos: um na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba e outro na da Campanha.Art. 2 o . – Estes institutos t<strong>em</strong> por fim:a) elevar gradativamente, pela instrucção téchnica, o nível intellectual da poulação ruralque, no Estado se <strong>de</strong>dica à industria pastoril, preparando criadores e profissionaesesclarecidos pela acquisição <strong>de</strong> conhecimentos especiaes immediatamente utilisaveis todas ássciencias <strong>em</strong> suas aplicações á industria criadora; [...]Fonte: Minas Gerais (1895a)


466ANEXO 12LEI N. 140 – DE 20 DE JULHO DE 1895Reforma o ensino agrícola e zootechnico do Estado e crea três feiras <strong>de</strong> gadoO povo do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, por seus representantes, <strong>de</strong>cretou e eu, seu nome,sancciono a seguinte lei:Art. 1.º Ficam mantidos o Instituto Agronômico <strong>de</strong> Itabira e o Instituto Zootechnico <strong>de</strong>Uberaba.Paragrapho único. O governo do Estado modificará o plano <strong>de</strong> ensino nessesestabelecimentos <strong>de</strong> modo que preencham os fins para que foram creados.Art. 2 o . Todos os <strong>de</strong>mais estabelecimentos agrícolas e zootecnhicos creados por lei serãoconvertidos <strong>em</strong> campos práticos ou campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração com se<strong>de</strong>s nas mesmaslocalida<strong>de</strong>s.§ 1.º Além <strong>de</strong>sses, o governo creará outros campos práticos nos logares que julgarconvenientes.§ 2.º Esses campos práticos po<strong>de</strong>rão ser somente agrícolas ou pastoris, conforme aespecialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada zona, ou simultaneamente agrícolas ou pastoris.Art. 3 o . Nesses estabelecimentos se estudarão os meios <strong>de</strong> melhorar a industria pastoril eagrícola.Art. 4 o . Fica o Presi<strong>de</strong>nte do Estado auctorizado a <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r a quantia <strong>de</strong> 1.000:000$000com os serviços constantes da presente lei e para a acquisicao <strong>de</strong> reproductores extrangeirosnas diversas raças <strong>de</strong> gado e inspeccao geral dos serviços attinentes ao ensino agrícola,fazendo para isso as necessárias operações <strong>de</strong> credito ou applicando a sobra do orçamento.Art. 5 o . O pessoal constará <strong>de</strong> um director professor, um pratico e o necessário numero <strong>de</strong>trabalhadores, po<strong>de</strong>ndo o governo contractar pessoal competente para a direccao geral doserviço.Art. 6 o . O pessoal dos campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração terá os seguintes vencimentos: directorprofessor, <strong>de</strong> 4:000$ a 6:000$; professor pratico <strong>de</strong> 3:000$ a 4:000$; trabalhadores, diáriamáxima <strong>de</strong> 4$000.Art. 7 o . Fica mais o governo auctorizado a contractar com qu<strong>em</strong> melhores vantagensofferecer o estabelecimento <strong>de</strong> três feiras <strong>de</strong> gado, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com as leis ns. 3350, <strong>de</strong> 5<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1887, e 3762, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1889,da antiga província, s<strong>em</strong> onus para oEstado.Art. 8 o . Revogam-se as disposições <strong>em</strong> contrario.Mando, portanto, a todas as auctorida<strong>de</strong>s a qu<strong>em</strong> o conhecimento e execução da referidalei pertencer<strong>em</strong> que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella se contém.O Secretario <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas a facaimprimir, publicar e correr.Dada no Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, aos vinte dias do mez <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> mil oitocentos e noventa e cinco, sétimo da Republica.CHRISPIM JACQUES BIAS FORTES.Francisco Sá.Sellada e publicada nesta secretaria aos 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1895.O director, Rec<strong>em</strong>vindo Rodrigues Pereira.Fonte: Minas Gerais (1895b)


467ANEXO 13Decreto Nº 975 - <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1896


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495ANEXO 14DECRETO N. 1.191 —DE 4 DE OUTUBRO DE 1898Dispensa o pessoal docente e administrativo dos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino agricola doEstadoO doutor Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, consi<strong>de</strong>rando que é <strong>de</strong> urgentenecessida<strong>de</strong> a reorganização do ensino agricola, dando se um cunho mais pratico e <strong>de</strong> maiorutilida<strong>de</strong> á instrucção ministrada nos estabelecimentos mantidos pelo Estado, resolve, <strong>de</strong>conformida<strong>de</strong> com o art. 28 da lei n. 246, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro do corrente anno, dispensar todoo pessoal docente e administrativo do Instituto Zootechnico <strong>de</strong> Uberaba e Agronomico <strong>de</strong>Itabira, e dos Campos <strong>de</strong> D<strong>em</strong>onstração do Oliveira, Entre Rios e Bello Horizonte.Palacio da Presi<strong>de</strong>ncia, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas, 4 do outubro <strong>de</strong> 1898.Dr. FRANCISCO SILVIANO DE ALMEIDA BRANDÃOAmerico Werneck.Fonte: Minas Gerais (1898)


496ANEXO 15DECRETO N. 4.238 – DE 29 DE AGOSTO DE 1914Crêa na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba um Apprendizado AgrícolaO Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, usando da attribuição que lhe confere o art.57 da Constituição Mineira e <strong>de</strong> accordo com as leis ns. 444, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1906 e 617,<strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1913, resolve crêar na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba um Apprendizado Agrícola,que se regerá pelo <strong>de</strong>c. n. 3.356, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1911.Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes,<strong>em</strong> Bello Horizonte, aos 29 <strong>de</strong>agosto <strong>de</strong> 1914.JULIO BUENO BRANDÃO.José Goncalves <strong>de</strong> Sousa.Fonte: Minas Gerais (1914a)


497ANEXO 16DECRETO N. 4.247 – DE 3 DE SETEMBRO DE 1914Dá <strong>de</strong>nominação ao Apprendizado Agrícola <strong>de</strong> UberabaO Presi<strong>de</strong>nte do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, usando da faculda<strong>de</strong> que lhe é outorgadapelo art. 57 da Constituição, resolve <strong>de</strong>nominar “Borges Sampaio” o apprendizado agrícola <strong>de</strong>Uberaba.Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> Bello Horizonte, 3 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1914.JULIO BUENO BRANDÃO.José Goncalves <strong>de</strong> Sousa.”Fonte: Minas Gerais (1914b)


498ANEXO 17LEI Nº 492 DE 7 DE ABRIL DE 1924SOBRE CONCESSÕES PARA A FUNDAÇÃO NESTA CIDADE DEESTABELECIMENTOS DE ENSINOO povo do município <strong>de</strong> Uberaba, por seus vereadores, votou, e eu, <strong>em</strong> seu nome,sancciono a seguinte lei:Art. I – Fica o Agente Executivo auctorisado a contractar com a instituição do“Granbery” ou com qu<strong>em</strong> melhores vantagens offerecer, a seu critério, a fundação nestacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um estabelecimento <strong>de</strong> ensino com os seguintes cursos: - a) normal, adoptando oprogramma official do Estado; b) gymnasial, adoptando o programma do Pedro II, nominimo; c) primario; d) commercial; e) patronato agrícola.Art. II – O Agente Executivo po<strong>de</strong>rá conce<strong>de</strong>r aos contractantes os seguintes favores: -a) isenção <strong>de</strong> impostos; b) concessão dos terrenos necessários; c) auxilio até um conto <strong>de</strong> reispor mês.Art. III – A Câmara por indicação do Agente Executivo, <strong>de</strong>verá ter o direito <strong>de</strong>matricular gratuitamente no curso normal, no mínimo doze alumnos.Art. IV – Os contractantes ou instituição construirão os edifícios precisos, nos prasosque for<strong>em</strong> estipulados pelo Agente Executivo e nelles <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>rão, no mínimo, a quantia <strong>de</strong>300:000$000.Art. V – Revogam-se as disposições <strong>em</strong> contrario.PAÇO DA CAMARA MUNICIPAL DE UBERABA, 7 DE ABRIL DE 1924.“Cumpra-se. O director da Secretaria registre e publique”(a.) Leopoldino <strong>de</strong> Oliveira – Presi<strong>de</strong>nte da Câmara e Agente Executivo.Registrada e Publicada nesta Secretaria da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, aos 7 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 1924.O director (a.) Fernando TerraFonte: Uberaba (1924)


499ANEXO 18LEI N. 1.004 –DE 21 DE SETEMBRO DE 1927Diz respeito ao ensino <strong>de</strong> pharmacia e <strong>de</strong> odontologiaO povo do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, por seus representantes, <strong>de</strong>cretou, e eu, <strong>em</strong> seunome, sancciono a seguinte lei:Art. 1 o . O ensino <strong>de</strong> pharmacia e <strong>de</strong> odontologia só po<strong>de</strong>rá ser ministrado no Estado, <strong>em</strong>escolas que tenham obtido a sua equiparação ás congêneres fe<strong>de</strong>raes, tenham sido fundadasantes <strong>de</strong> vigente o <strong>de</strong>creto n. 11.530, que reorganizou o ensino secundário e superior daRepublica, e julgadas idôneas para transferência <strong>de</strong> alumnos para as aca<strong>de</strong>mias officiaes eequiparadas, e nas escolas <strong>de</strong> pharmacia e odontologia.Art. 2 o . As escolas ainda não equiparadas e cujos diplomas sejam reconhecidos peloEstado, terão o prazo egual aos <strong>de</strong> duração dos respectivos cursos, a contar da publicação<strong>de</strong>sta lei, para obter<strong>em</strong> a sua equiparação ás congêneres fe<strong>de</strong>raes, sob pena <strong>de</strong> supensão doseffeitos das leis estaduaes <strong>de</strong> seu reconhecimento. [...]Art. 6 o . Ficam reconhecidos pelo Estado <strong>de</strong> Minas Geraes os diplomas conferidos pelaEscola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba.Art. 7 o . O Po<strong>de</strong>r Executivo, mediante proposta dos fiscaes, po<strong>de</strong>rá suspen<strong>de</strong>r os effeitosdas leis <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>ssas escolas, quando verificar insufficiencia da matricula,<strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> apparelhamento, inobservância dos programmas approvados ou<strong>de</strong>scumprimento reiterado das disposições <strong>de</strong>sta lei e do respectivo regulamento.Art. 8 o . A duração <strong>de</strong> cada curso, o numero e seriação das respectivas ca<strong>de</strong>iras, assimcomo as provas <strong>de</strong> aptidão para matricula, serão eguaes ás exigidas para as escolas nacionaes,officiaes ou a ellas equiparadas.Art. 9 o É facultado aos alumnos actualmente matriculados nas escolas <strong>de</strong> pharmacia eodontologia existentes no Estado e cujos diplomas não são reconhecidos, transferir<strong>em</strong>-se, noprazo <strong>de</strong> três mezes, para escolas reconhecidas.[...]Mando, portanto, a todas as auctorida<strong>de</strong>s, a qu<strong>em</strong> o conhecimento e execução dapresente lei pertencer<strong>em</strong>, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella secontém.O Secretário <strong>de</strong> Estado dos Negócios do Interior a faca imprimir, publicar e correr.Dada no Palácio da Presidência do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> Bello Horizonte, aos 21dias do mez <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1927.ANTONIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA.Francisco Luiz da Silva Campos.Sellada e publicada nesta Secretaria do Interior do Estado <strong>de</strong> Minas Geraes, <strong>em</strong> BelloHorizonte, aos 21 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1927. – O director, Arthur Eugenio Furtado.”Fonte: Minas Gerais (1928)


500ANEXO 19LEI Nº 652 DE 6 DE SETEMBRO DE 1929CONSIDERA COMO DE UTILIDADE PUBLICA A ESCOLA DE PHARMACIA EODONTOLOGIA DESTA CIDADEO povo do município <strong>de</strong> Uberaba, por seus vereadores, votou, e eu, <strong>em</strong> seu nome,sancciono a seguinte lei:Art. I – Fica a Escola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia reconhecida como <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>publica.Art. II – Revogam-se as disposições <strong>em</strong> contrario.PAÇO DA CAMARA MUNICIPAL DE UBERABA, 6 SETEMBRO DE 1929.“Cumpra-se. O director da Secretaria Registre e Publique.”(a.) Dr. Olavo Rodrigues da Cunha – Presi<strong>de</strong>nte da Câmara e Agente Executivo.Registrada e publicada nesta Secretaria da Câmara Municipal <strong>de</strong> Uberaba, aos seisdias do mez <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> mil novecentos e vinte e nove.O director(a.) Francisco AzevedoFonte: Uberaba (1929)


501ANEXO 20DECRETO Nº 558 DE 23 DE NOVEMBRO DE 1934DECLARA DE UTILIDADE PUBLICA A ESCOLA DE DIREITO DE UBERABAO prefeito do Município <strong>de</strong> Uberaba, usando das atribuições que a lei lhe confere:Consi<strong>de</strong>rando que a Escola <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Uberaba veio especialmente e diretamentebeneficiar e engran<strong>de</strong>cer esta cida<strong>de</strong>, levantando o seu nível cultural com a maior difusão dasletras jurídicas; eConsi<strong>de</strong>rando que o po<strong>de</strong>r publico <strong>de</strong>ve amparar as iniciativas particulares, quandoproporcionam o b<strong>em</strong> coletivo,DECRETA:Art. único – Fica <strong>de</strong>clarada <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública municipal a Escola <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>Uberaba, com sé<strong>de</strong> nesta cida<strong>de</strong>.Prefeitura do Município <strong>de</strong> Uberaba, 23 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1934.Guilherme <strong>de</strong> Oliveira Ferreira, prefeito.Lauro Fontoura, secretárioFonte: Lavoura e Comércio (26/11/1934)


502ANEXO 21DECRETO N. 20.179 - DE 6 DE JULHO DE 1931Dispõe sobre a equiparação <strong>de</strong> institutos <strong>de</strong> ensino superior mantidos pelos Governos dosEstados e sobre a inspeção <strong>de</strong> institutos livres, para os efeitos do reconhecimento oficial dosdiplomas por eles expedidos.O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil<strong>de</strong>creta:TÍTULO IDOS INSTITUTOS DE ENSINO SUPERIOR MANTIDOS PELOS GOVERNOS DOSESTADOSArt. 1º Serão oficialmente reconhecidos como válidos para o exercício profissional noterritório da República, observadas quaisquer outras disposições administrativas fe<strong>de</strong>rais ouestaduais, os diplomas expedidos pelos institutos <strong>de</strong> ensino superior, congregados ou não <strong>em</strong>Universida<strong>de</strong>s, mantidos pelos Governos dos Estados nas condições prescritas por este<strong>de</strong>creto.Art. 2º O instituto <strong>de</strong> ensino superior, mantido por governo estadual, que preten<strong>de</strong>r gozardas prerrogativas conferidas pelo artigo anterior, <strong>de</strong>verá satisfazer os seguintes requisitos:I, ministrar <strong>em</strong> cada curso o ensino, pelo menos <strong>de</strong> todas as disciplinas obrigatórias docurso correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> instituto fe<strong>de</strong>ral congênere;II, exigir para admissão, no mínimo, as condições estabelecidas para o ingresso <strong>em</strong> institutofe<strong>de</strong>ral congênere;III, organizar o curso e os períodos letivos <strong>de</strong> modo a que tenham, pelo menos, duraçãoigual aos <strong>de</strong> instituto Fe<strong>de</strong>ral congênere;IV, adotar regime escolar, no mínimo, <strong>de</strong> rigor equivalente ao <strong>de</strong> instituto fe<strong>de</strong>ralcongênere;V, funcionar <strong>em</strong> edifício apropriado e que atenda, <strong>de</strong> acordo com o número dos alunosadmitidos no curso, às exigências pedagógicas e higiênicas;VI, dispôr <strong>de</strong> instalações e laboratórios indispensáveis à eficiência do ensino;VII, instituir no respectivo regulamento, o provimento por concurso das vagas queocorrer<strong>em</strong> no corpo docente;


503VIII, dispôr <strong>de</strong> dotação orçamentária necessária a funcionamento regular;IX, limitar a matrícula, <strong>em</strong> cada série do curso, <strong>de</strong> acordo com a capacida<strong>de</strong> didática dasinstalações.Art. 3º Requerida a equiparação ao Ministro da Educação e Sau<strong>de</strong> Pública, e verificadopelo Departamento Nacional do Ensino o preenchimento dos requisitos enumerados no artigoanterior, a concessão se efetivará por <strong>de</strong>creto do Governo Fe<strong>de</strong>ral, mediante proposta doConselho Nacional <strong>de</strong> Educação, aprovada por dois terços da totalida<strong>de</strong> dos seus m<strong>em</strong>bros.Art. 4º A equiparação assegura ao instituto <strong>de</strong> ensino superior plena autonomia didática eadministrativa, ficando facultado ao Governo que mantiver instituto equiparado:I, organizar livr<strong>em</strong>ente a seriação do respectivo curso, respeitadas as exigências da alínea Ido art. 2º;II, instituir, quando julgar oportuno, o ensino <strong>de</strong> novas disciplinas;III, estabelecer o regime escolar, observada a condição da alínea IV do art. 2º;IV, instituir o processo <strong>de</strong> concurso para o provimento dos cargos <strong>de</strong> professor;V, estabelecer a organização didática, adotando, como enten<strong>de</strong>r mais conveniente, o regimedo t<strong>em</strong>po parcial ou integral <strong>de</strong> acordo com a natureza das disciplinas;VI, fixar os honorários dos corpos docente e administrativo;VII, fixar as taxas escolares.Art. 5º O ministro da Educação e Sau<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong>signará, anualmente, uma comissãocomposta <strong>de</strong> três m<strong>em</strong>bros, que será incumbida <strong>de</strong> verificar a fiel observância, por parte <strong>de</strong>instituto equiparado, das disposições <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto, cumprindo-lhe, pelo menos uma vez porano, após a visita <strong>de</strong> inepeção, apresentar relatório minucioso, que será levado aoconhecimento do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação.§ 1º A escolha dos m<strong>em</strong>bros da comissão a que se refere este aritgo, <strong>de</strong>verá recair sobrepersonalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reconhecida idoneida<strong>de</strong> e tirocínio <strong>em</strong> matéria didática e possuidoras <strong>de</strong>diploma relativo ao ensino ministrado no instituto <strong>de</strong> que se tratar.§ 2º As <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> e estadia, b<strong>em</strong> como a gratificação que for arbitrada aosm<strong>em</strong>bros da comissão pelo ministro da Educação e Sau<strong>de</strong> Pública, correrão por conta doGoverno do Estado a que pertencer o instituto equiparado, não po<strong>de</strong>ndo, <strong>em</strong> qualquer caso,exce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>z contos <strong>de</strong> réis (10:000$0) anuais as <strong>de</strong>spesas por instituto.Art. 6º A equiparação <strong>de</strong> qualquer instituto <strong>de</strong> ensino superior, mantido por Governoestadual, po<strong>de</strong>rá ser suspensa enquanto não for<strong>em</strong> sanadas irregularida<strong>de</strong>s verificadas no seufuncionamento e será cassada, por <strong>de</strong>creto do Governo Fe<strong>de</strong>ral, uma vez comprovado.mediante prévio inquérito e ouvindo o Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação, que não cumpre asdisposições <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto.


504TÍTULO IIDOS INSTITUTOS LIVRES DE ENSINO SUPERIORArt. 7º Serão igualmente reconhecidos como válidos para o exercício profissional noterritório da República, observadas quaisquer outras disposições administrativas fe<strong>de</strong>rais ouestaduais, os diplomas expedidos pelos institutos livres <strong>de</strong> ensino superior para este efeitoorganizados <strong>de</strong> acordo com os congêneres fe<strong>de</strong>rais nos termos <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto.Art. 8º São requisitos essenciais do instituto livre para a obtenção das prerrogativas a que serefere o artigo anterior:I, ter tido funcionamento regular e efetivo, pelo menos, nos dois anos imediatamenteanteriores ao pedido <strong>de</strong> inspeção;II, observar regime didático e escolar idêntico ao <strong>de</strong> instituto oficial congênere;III, dispor <strong>de</strong> edifícios e instalações apropriados ao ensino a ser ministrado;IV, possuir corpo docente idôneo no ponto <strong>de</strong> vista moral e científico;V, instituir o provimento por concurso das vagas que ocorrer<strong>em</strong> no corpo docente, a partirda data do reconhecimento;VI, dispor <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> renda própria para a garantia <strong>de</strong> regular funcionamento pelo prazomínimo <strong>de</strong> três anos;VII, possuir administração e escrita financeira regularmente organizadas.Art. 9º A concessão das prerrogativas do reconhecimento <strong>de</strong> diploma, a qualquer institutolivre <strong>de</strong> ensino superior, será requerida ao ministro da Educação e Sau<strong>de</strong> Pública, que faráverificar pelo <strong>de</strong>partamento Nacional do Ensino, se ele preenche os requisitos essenciais <strong>de</strong>que trata o artigo anterior, cabendo ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação, à vista dasinformações prestadas pelo Departamento, <strong>de</strong>cidir, por maioria <strong>de</strong> votos, se se lhe <strong>de</strong>veconce<strong>de</strong>r inspeção preliminar.§ 1º A inspeção preliminar será feita por inspetor nomeado pelo ministro da Educação eSau<strong>de</strong> Pública e durará dois anos, po<strong>de</strong>ndo ser prorrogado esse prazo se assim o <strong>de</strong>cidir oConselho Nacional <strong>de</strong> Educação.§ 2º Para a inspeção preliminar o instituto livre <strong>de</strong>positará no Departamento Nacional doEnsino, por quotas s<strong>em</strong>estrais adiantadas, a importância <strong>de</strong> 12:000$0 anuais.Art. 10. Finda a inspeção preliminar, será submetido ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação orelatório do inspetor, que <strong>de</strong>verá conter informação minuciosa sobre a vida do instituto livreno biênio <strong>de</strong> inspeção.Art. 11. A concessão do reconhecimento ou da inspeção permanente se fará por <strong>de</strong>creto doGoverno Fe<strong>de</strong>ral, mediante proposta do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação, aprovada por dois


505terços da totalida<strong>de</strong> dos seus m<strong>em</strong>bros.Art. 12. Concedido o reconhecimento, o instituto livre <strong>de</strong>positará no DepartamentoNacional do Ensino a quantia <strong>de</strong> 12:000$0, para o serviço <strong>de</strong> inspeção permanente, e renovaráo mesmo <strong>de</strong>pósito anualmente, por quotas s<strong>em</strong>estrais adiantadas, enquanto vigorar regalia doreconhecimento.Art. 13. O regimento interno do instituto livre, a que for concedida inspeção permanente,será imediatamente submetido à aprovação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação.Art. 14. Per<strong>de</strong>rá t<strong>em</strong>porária ou <strong>de</strong>finitivamente a regalia do reconhecimento o instituto livreque não fizer o <strong>de</strong>pósito anual para o serviço <strong>de</strong> inspeção, ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> cumprir as disposiçõeslegais, ou cometer quaisquer outras irregularida<strong>de</strong>s graves, verificadas as duas últimashipóteses pelo inspetor do instituto ou por inspetor especial, cabendo ao Conselho Nacional<strong>de</strong> Educação <strong>de</strong>cidir, <strong>em</strong> cada caso, se a perda do reconhecimento <strong>de</strong>verá ser t<strong>em</strong>porária ou<strong>de</strong>finitiva.Parágrafo único. Será igualmente suspensa a inspeção preliminar verificada qualquer dashipóteses <strong>de</strong> que trata este artigo.Art. 15. A suspensão da inspeção preliminar ou permanente se fará por portaria do ministroda Educação e Sau<strong>de</strong> Pública, e a cassação da regalia do reconhecimento por <strong>de</strong>creto do Po<strong>de</strong>rExecutivo.Art. 16. O instituto livre, a que for cassada a regalia do reconhecimento, só po<strong>de</strong>rá entrarnovamente no gozo <strong>de</strong>ssa prerrogativa <strong>de</strong>corridos dois anos e mediante o voto do ConselhoNacional <strong>de</strong> Educação nas condições do art.11.Parágrafo único. Para esse fim o instituto livre po<strong>de</strong>rá requerer oportunamente novainspeção.TÍTULO IIIDISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIASArt. 17. Os atuais institutos <strong>de</strong> ensino superior, mantidos pelos Governos dos Estados,ficam dispensados da verificação a que se refere o art. 3º, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo entrar no gozodas prerrogativas do reconhecimento oficial dos diplomas e da equiparação, nos termos <strong>de</strong>ste<strong>de</strong>creto, uma vez requerida a respectiva concessão.Art. 18. Aos Governos dos Estados que já mantiver<strong>em</strong> dois institutos <strong>de</strong> ensino superior, nogozo das prerrogativas <strong>de</strong> reconhecimento oficial, e que estejam compreendidos naenumeração do it<strong>em</strong> I, do art. 5º do <strong>de</strong>creto n. 19.851, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1931, será facultadocongregá-los <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo <strong>em</strong> Universida<strong>de</strong> equiparada, criando, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o institutoque faltar à constituição universitária e organizando-o <strong>de</strong> acordo com as disposições <strong>de</strong>ste<strong>de</strong>creto.§ 1º Se o instituto criado for a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Ciências e Letras, será aindafacultado ao Governo do Estado, enquanto não se organizar<strong>em</strong> os cursos da faculda<strong>de</strong>


506congênere fe<strong>de</strong>ral, instituir livr<strong>em</strong>ente as disciplinas <strong>de</strong> cada uma das secções a que se refereo art. 199 do <strong>de</strong>creto n. 19.852, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1931.§ 2º No caso da constituição da Universida<strong>de</strong> estadual nos termos <strong>de</strong>ste artigo, a escolha doreitor será regulada no respectivo estatuto, ficando dispensada do disposto no art. 17, do<strong>de</strong>creto n. 19.851, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1931.Art. 19. Aos atuais institutos <strong>de</strong> ensino superior, mantidos por associações privadas eoficializados <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis especiais, fica concedido o prazo <strong>de</strong> seis meses, a contar dadata <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto, para se adaptar<strong>em</strong> à organização e ao regime <strong>de</strong> institutos livres.Art. 20. Os institutos <strong>de</strong> ensino superior, atualmente equiparados aos congêneres fe<strong>de</strong>rais,passarão ao regime <strong>de</strong> institutos livres, instituido neste <strong>de</strong>creto, a cujas exigências sesubordinarão para que seja mantido o reconhecimento <strong>de</strong> diplomas <strong>em</strong> cujo gozo se acham.Art. 21. As transferências, <strong>de</strong> alunos entre institutos <strong>de</strong> ensino superior, fe<strong>de</strong>rais, livres <strong>em</strong>antidos pelos Governos dos Estados, só serão permitidas antes do início do ano letivo.Parágrafo único. Havendo diversida<strong>de</strong> na seriação das disciplinas obrigatórias, a adaptaçãodos alunos se fará <strong>de</strong> modo a que não sejam dispensados da habilitação <strong>em</strong> nenhuma dasdisciplinas do instituto para o qual se transferir<strong>em</strong>.Art. 22. Serão tamb<strong>em</strong> válidos, nos termos <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>creto, os diplomas expedidos pelosinstitutos livres <strong>de</strong> ensino superior aos alunos neles já matriculados na data da concessão dainspeção preliminar.Art. 23. O presente <strong>de</strong>creto entrará <strong>em</strong> execução na data da sua publicação, revogadas asdisposições <strong>em</strong> contrário.Rio <strong>de</strong> Janeiro, 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931, 110º da In<strong>de</strong>pendência e 43º da República.Getulio Vargas.Francisco Campos.Fonte: Brasil (1931)


507ANEXO 22DECRETO N. 1.003 - DE 1 DE AGOSTO DE 1936Suspen<strong>de</strong> a inspecção preliminar da Escola <strong>de</strong> Pharmacia e Odontologia <strong>de</strong> Uberaba,Minas GeraesO Presi<strong>de</strong>nte da Republica dos Estados Unidos do Brasil, resolve nos termos do art. 14 do<strong>de</strong>creto n. 20.179, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1931, com a redacção que lhe, <strong>de</strong>u o art. 10 do <strong>de</strong>creto n.23.546, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1933, suspen<strong>de</strong>r a inspecção da Escola <strong>de</strong> Pharmacia eOdontologia, com sé<strong>de</strong> <strong>em</strong> Uberaba, Estado <strong>de</strong> Minas Geraes.Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1936, 115º da In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia e 48º da Republica.Getulio Vargas.Gustavo Capan<strong>em</strong>a.Fonte: Brasil (1936)


508ANEXO 23DECRETO N. 1.066Reconhece como <strong>de</strong> 2 o . grau a Escola Normal mantida pela Associação Uberabense <strong>de</strong>Ensino, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> UberabaO Governador do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais, usando <strong>de</strong> suas atribuições, resolvereconhecer como estabelecimento <strong>de</strong> ensino normal <strong>de</strong> 2 o . grau a Escola Normal mantida, nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uberaba, pela Associação Uberabense <strong>de</strong> Ensino.Palácio da Liberda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> Belo Horizonte, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1938.BENEDITO VALADARES RIBEIROCristiano Monteiro Machado.Fonte: Minas Gerais (1940b)

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