vista que a Constituição estabeleceu que 'O Estado assegurará a assistência àfamília na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos paracoibir a violência no âmbito de suas relações', a vedação da transação penalpretende realizar esse dever estatal, inclusive em consonância com o princípioconstitucional da igualdade, pois a situação de hipossuficiência da ofendida,nas relações doméstica ou familiar que estabelece com o agressor, justifica essetratamento desigual.O mesmo não se pode dizer da suspensão condicional do processo (art. 89 daLei 9.099/1995). Não vemos presentes, no caso deste instituto, as razões quepossibilitam o tratamento diferenciado do agressor.Os juízes e membros do Ministério Público não se submetem às possíveisintimidações que a ofendida, no ambiente familiar e doméstico, poderia sofrerpor parte do agressor na hipótese de representação em crime de ação penalpública condicionada à representação.Não há, portanto, elemento diferencial, quanto à suspensão condicional doprocesso que possibilite ao legislador infraconstitucional o tratamentodiferenciado do agressor.Ademais, não vemos a suspensão condicional do processo (sursis processual)como redução da proteção à mulher que sofre violência doméstica e familiar,mas uma ampliação de sua proteção. O agressor poderá ficar dois anos sobsuspensão, submetido a ´outras condições´ (art. 89, §2º, Lei 9.099/1995) comoprestação de serviços à comunidade (talvez nas associações de ´alcoólicosanônimos´ para se curar da embriaguez), o que é muito mais eficaz do que umapequena pena restritiva de liberdade ou uma futura suspensão condicional dapena (sursis). Além disso, se descumprir as condições impostas, o processopenal prosseguirá.Portanto, entendemos que o instituto da suspensão condicional do processoaplica-se às infrações penais praticadas com violência familiar ou domésticacontra a mulher, com fundamento no princípio constitucional da igualdade.” 8Desse modo, o que se percebe é que a Lei Maria da Penha gerouenorme expectativa quanto a punições efetivas aos agressores de mulheres, porém,ela esbarra em uma série de entraves, que vão desde a morosidade que conduz àprescrição ou ao desinteresse, até a própria previsão legal de sanções baixas queadmitem a substituição por uma série de benefícios na fase de execução da pena eque somente em raríssimas hipóteses poderão resultar em regime fechado paracumprimento de pena.E assim é que a realidade se impõe no sentido de exigir análisemais detida, quanto ao instituto da suspensão condicional do processo, que podesignificar, quando bem aplicado e fiscalizado, mormente se concedido com8 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito Processual Penal. Teoria, crítica e práxis. 5 ed. Niteroi, RJ.Impetus. 2008, p. 538-41.12
cumulação de condição judicial de prestação de serviços à comunidade, algumalento ao sentimento de impunidade ou de injustiça que passou a permear a LeiMaria da Penha e que, ao longo prazo, pode levá-la ao descrédito.Outro ponto que ainda merece destaque acerca da (não)-efetividade da Lei Maria da Penha é a temática da prisão preventiva. Após aentrada em vigor da lei, no ano inaugural, era muito comum a segregação préviado agressor que, descumprindo ordem judicial da qual fora regularmenteintimado em medida protetiva, voltava a se aproximar da vítima e a reiterar osmesmos delitos.Entretanto, com o passar do tempo, tais decisões foram rareandoe, principalmente, após a publicação da Resolução 66, de 27 de janeiro de 2009, doConselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou a elaboração de relatóriosperiódicos acerca das prisões provisórias – o que representou trabalho redobradopara magistrados e servidores, já sobrecarregados, em varas superlotadas defeitos. Por esse e outros fatores tais decisões têm minguado, o que acarreta perdade vigor da Lei Maria da Penha e faz com que as vítimas desanimem do registrode novas ocorrências contra o agressor, já que não mais obtém os resultadospráticos das medidas protetivas, o que ocasiona também desvalor à autoridadejudiciária e completa insegurança jurídica.Mereceria também uma análise detida a questão da falta desuporte do Poder Executivo quanto à criação e à manutenção digna deestabelecimentos para o encaminhamento dos agressores com dependênciaquímica, alcoólica ou transtornos mentais, haja vista que, muitas vezes, é a ordemjudicial para internação compulsória, seguida de programa multidisciplinar dereabilitação, unicamente o que desejam as vítimas quando procuram a Delegaciaou o Ministério Público para providências. As vítimas, não em rarasoportunidades, chegam a implorar por ajuda do Estado nesse sentido. Entretanto,toda a questão do abandono da saúde mental no Brasil e a interpretaçãoequivocada da reforma psiquiátrica seria tema para um artigo à parte, mas ainda13