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O percurso do sentido no conto “o gato preto”, de Edgar Allan Poe

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ódio pelo animal. Descobri que, como Plutão, também fora priva<strong>do</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus olhos” (POE,1998, p.13), o narra<strong>do</strong>r reforça o incômo<strong>do</strong> que o <strong>gato</strong> gerava pela semelhança com o antigo.A manipulação ocorre por intimidação, pois a representação <strong>do</strong> <strong>gato</strong> exercia sobre o narra<strong>do</strong>r“angustia e aflição” (POE, 1998, p.14). A simples existência <strong>do</strong> animal remetia ao narra<strong>do</strong>r asatrocida<strong>de</strong>s que ele cometera, fazen<strong>do</strong> surgir uma repulsa pelo <strong>gato</strong>. Nesse ponto, o animal passa acoagir o narra<strong>do</strong>r pela sua simples existência, já que para ele o <strong>gato</strong> era a representação das coisashorríveis que praticara. Dessa forma, a intimidação que o <strong>no</strong>vo <strong>gato</strong> exerce sobre o narra<strong>do</strong>r o levaa praticar seu segun<strong>do</strong> crime, que é o assassinato <strong>de</strong> sua esposa, por força <strong>do</strong>s sentimentos<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>do</strong>s pelo animal, já que foi por ir à <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> <strong>gato</strong> que sua esposa acaba assinan<strong>do</strong> suasentença <strong>de</strong> morte.No pla<strong>no</strong> <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> cro<strong>no</strong>lógico, em que o autor revela sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> aliviar a alma pormeio da revelação <strong>do</strong>s fatos ocorri<strong>do</strong>s com ele, a manipulação que o impele é a morte iminente.Embora essa manipulação não esteja diretamente ligada ao <strong>gato</strong>, po<strong>de</strong>-se fazer alusão <strong>de</strong> umaligação entre esse presságio <strong>de</strong> morte e o ícone, já que foi por meio da ação <strong>do</strong> <strong>gato</strong> que o narra<strong>do</strong>rencontra-se encarcera<strong>do</strong> à espera <strong>de</strong> sua execução pelo crime que cometera contra sua esposa.Para estabelecer uma relação <strong>de</strong> junção com seu objeto valor que é o alivio <strong>de</strong> sua alma queserá consegui<strong>do</strong> por meio da narrativa <strong>do</strong>s acontecimentos, o sujeito <strong>de</strong>ve adquirir as competênciasnecessárias para a realização <strong>de</strong>sse ato. Para tanto, ele <strong>de</strong>senvolve as modalida<strong>de</strong>s necessáriaspara compor a narrativa, que são o <strong>de</strong>ver-fazer, o querer-fazer, o po<strong>de</strong>r-fazer e o saber-fazer.O <strong>de</strong>ver-fazer adquiri<strong>do</strong> pelo narra<strong>do</strong>r <strong>de</strong>corre da manipulação que o presságio <strong>de</strong> morte lheinfere. Em “amanhã morrerei e hoje quero aliviar minha alma. Por essa razão vou lhes contar tu<strong>do</strong>”(POE, 1998, p. 9), ele expressa o motivo pelo qual <strong>de</strong>ve escrever a narrativa: a morte que seaproxima. Assim, já que morrerá <strong>no</strong> dia seguinte ele tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> fazer a narrativa para queassim consiga contar sua história e alcançar o alívio da alma.O querer-fazer <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r se expressa por meio <strong>do</strong> “quero aliviar minha alma” (POE, 1998,p.9). Já que ele não se incomoda com sua morte, ele ao me<strong>no</strong>s expressa um último <strong>de</strong>sejo que épropagar sua história como forma <strong>de</strong> tranqüilizar seu espírito.O po<strong>de</strong>r-fazer que modaliza o sujeito é justamente o repertório <strong>de</strong> situações aterrorizantesque lhe confere o direito <strong>de</strong> contar a história, pois apenas o presságio <strong>de</strong> morte (<strong>de</strong>ver-fazer) e o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aliviar a alma (querer-fazer) não lhe conferem o po<strong>de</strong>r-fazer, que só é possível pelassituações que ele tem a <strong>de</strong>screver e acha relevante para o esclarecimento da situação que seencontra.O saber-fazer é uma modalida<strong>de</strong> que aparece implícita <strong>no</strong> narra<strong>do</strong>r, pois <strong>no</strong> início <strong>do</strong> <strong>conto</strong>,ele já <strong>de</strong>screve sua intenção como sujeito apto a fazê-la: “vou lhes contar tu<strong>do</strong>” (POE, 1998, p. 9). Osaber-fazer a narração, que também é uma modalida<strong>de</strong> indispensável para a realização daperformance, parece ser algo <strong>do</strong> qual o narra<strong>do</strong>r já vem investi<strong>do</strong>, pois a intenção já vem expressa<strong>no</strong> ato da narração, ou seja, é na narração já em curso que ele adquire as outras modalida<strong>de</strong>s,<strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> o saber-fazer como uma modalida<strong>de</strong> prévia.Com to<strong>do</strong>s os caracteres mo dais que o tornam apto a realização da sua performance, onarra<strong>do</strong>r a executa compon<strong>do</strong> uma narrativa recorren<strong>do</strong> às suas experiências com <strong>gato</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suainfância até o último animal que causara sua ruína entregan<strong>do</strong>-lhe a morte. Aqui ele configura-secomo sujeito <strong>do</strong> fazer, pois realiza a tarefa (contar a narrativa) visan<strong>do</strong> à conjunção com seu objetovalor.

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