Avaliação da qualidade de vida de mulheres com câncer de mama: o novo desafiopara a Mastologia45A maior aplicabilidade dos questionários de qualidadede vida na prática clínica reside na possibilidade de fazeruma avaliação quantitativa, objetiva de parâmetros que,sem o questionário, podem não ser abordados ou serem subestimadosna avaliação subjetiva. Dentre essas aplicaçõesestá a determinação de distúrbios de comportamento, cujoentendimento pode melhorar o manejo das pacientes parareduzir o sofrimento. Bower 18 , em <strong>20</strong>08, refere que fadiga,distúrbios do sono, depressão e distúrbios cognitivos estãoentre os efeitos adversos mais comuns durante o diagnósticoe o tratamento do câncer de mama e podem permanecer pormeses ou anos após o término do tratamento. Distúrbios decomportamento causam uma ruptura na qualidade de vidadas pacientes e podem ter implicações para a aderência aotratamento, morbidade e mortalidade 19 .As alterações da sexualidade e da intimidade sexual recentementepassaram a ser investigadas, independentementedo tipo de tratamento. Em 1999, Ganz et al. <strong>20</strong> desenvolvem oprimeiro estudo investigatório longitudinal sobre saúde sexualde mulheres após diagnóstico de câncer de mama, e enunciamum modelo conceitual sobre os fatores que a influenciam, incluindo:características demográficas e pessoais, variáveis médicas,imagem corporal, relacionamento com o parceiro sexuale qualidade de vida relacionada à saúde. Em <strong>20</strong>04, o mesmogrupo de pesquisadores investigou a qualidade de vida de 558pacientes ao final do tratamento primário de câncer de mama,realizado entre 1999 e <strong>20</strong>02 em diversos estados americanos. Aconclusão foi de que as intervenções clínicas devem contemplarsintomas associados ao tratamento para melhorar as funçõesfísicas e emocionais, incluindo os aspectos da vida sexual 21 .A sexualidade da paciente com câncer de mama é afetadaquer pela alteração da imagem corporal, quer pelo significadosocial do câncer. Apesar de 75% das mulheres com idade entre42 e 55 anos da população geral considerarem sexo moderadaou extremamente importante em suas vidas, foi a partirda mensuração da qualidade de vida das pacientes com câncerque se pôde identificar o tema como pobremente abordado nasconsultas 22 . Pesquisa envolvendo 635 cirurgiões indicou quenão julgam ter responsabilidade pelo bem-estar sexual de seuspacientes, apesar de reconhecerem a importância das questõesrelacionadas a sexo 23 . Morris et al. 24 apresentaram resultadossemelhantes. Identificaram que, dos 154 oncologistas entrevistadosna Nova Zelândia, Austrália e Hong-Kong, 80% consideraramque as informações sobre qualidade de vida poderiamcontribuir positivamente para o manejo curativo do pacientequando coletadas antes do tratamento, e 87% tiveram a mesmaopinião para o manejo paliativo. No entanto, menos de 50%empregavam essa avaliação como rotina.Com o avanço das pesquisas, novos aspetos foram revelados.Dentre esses, está o fato de que os problemas sexuais sãosignificativamente maiores no período após a cirurgia, decrescendocom o tempo, mas permanecendo intensos após um anoem comparação aos problemas anteriores ao diagnóstico. Issofoi identificado a partir da investigação dos problemas sexuaisem <strong>20</strong>9 mulheres com menos de 50 anos de idade, após cirurgiapara câncer de mama, empregando os itens de satisfação com avida sexual, sensação de atratividade sexual, imagem corporal,satisfação marital, qualidade de vida, história médica, sintomase características sociodemográficas 22 . Concluem os autores quehá a necessidade de novos estudos que investiguem esse aspectoda qualidade de vida.Da mesma forma, com a análise da qualidade de vida de829 pacientes por meio dos questionários Functional Assessmentof Câncer Therapy – Breast e o Spielberger State/Trait AnxietyInventory, aplicados no período pré-operatório e 1, 3, 6, 12 e18 meses após o tratamento, Fleissig et al. 25 concluíram que aspacientes submetidas ao tratamento padrão de linfadenectomiaaxilar nos três níveis de Berg apresentam pontuações menoresnos domínios de sensação de bem-estar físico, bem-estar funcionale sentimentos relativos ao câncer de mama, além de serecuperarem mais lentamente do que as pacientes do grupo dolinfonodo sentinela.Da comparação prospectiva entre 57 mulheres submetidasà biópsia de linfonodo sentinela para câncer de mama em estádioI ou II a 124 pacientes submetidas à dissecção de linfonodosaxilares e tratadas no período de 1999 a <strong>20</strong>01 em relação àmorbidade de membro superior, incapacidades percebidas nasatividades diárias e qualidade de vida por meio da aplicação dosquestionários EORTC-C30 e Br23, Rietman et al. 26 acrescentaramnovas informações. Foi determinado que, na avaliaçãodo primeiro dia após a cirurgia, em ambos os grupos predominavamo nervosismo e a insegurança em relação ao futuro,assim como eram frequentes as queixas de dor e desconforto nomembro superior homolateral ao sítio cirúrgico. No entanto,na avaliação após dois anos da cirurgia, o grupo de linfonodosentinela teve qualidade de vida significativamente melhor, representadapor: melhor desempenho físico e em atividades rotineiras,menor frequência e intensidade de dor, menos insônia,menor intensidade de sintomas em membro superior.Koller e Lorenz 19 , em <strong>20</strong>02, alertaram que subestimar aavaliação da qualidade de vida da paciente tratada para câncerde mama é expor-se ao risco de considerar sinais e sintomasderivados de problemas psicológicos como oriundos da doença.O modelo crítico do câncer de mama é de uma doença naqual se combinam, com a mesma força, os aspectos biológicose psicológicos, já que as alterações psicológicas determinamaumento de citocinas e respostas biológicas reflexas. Ribeiro eAmaral 3 afirmam que o médico que se propõe a cuidar do pacientee negligencia sua vida emocional é tão pouco científicoquanto o investigador que negligencia o controle das condiçõesque podem afetar seu experimento.Feitas essas colocações, restam as perguntas: o que aferire quando aferir? Osoba 27 recomenda que sejam aferidos osaspectos de qualidade de vida que interagem entre si e comRev Bras Mastologia. <strong>20</strong>10;<strong>20</strong>(1):42-47
46Torres AF, Figueira Filho ASSa doença, adotando-se um questionário validado. Todos osquestionários têm em comum uma só metodologia: avaliaçãoquantitativa de sinais e sintomas que podem alterar apercepção da saúde geral, a qual altera domínios funcionais,promovendo a expressão de determinados sintomas semuma relação temporal entre esses eventos. O modelo conceitualde Wilson e Cleary, modificado por Osoba 27 (Figura 1),resume as interações de importância na prática clínica paracompreender o valor da qualidade de vida.VariáveisbiofisiológicasSintomasFuncionamento físicoSocial ComportamentalpsicológicoCaracterísticas inatasFatores ambientaisPercepção desaúde geralQualidadede vidaglobalFonte: Adaptado de Osoba 27 .Figura 1. Modelo conceitual das interações entre os vários componentes daqualidade de vida.A ocasião em que a avaliação está mais indicada tambémé proposta por Osoba 27 , conforme a Figura 2, na qualse observa que as ocasiões para avaliação da qualidade devida são: o primeiro contato, o momento da informação deresultados de exames complementares ao tratamento e, noseguimento, marcados por maior expectativa e estresse parao paciente.HipóteseDiagnósticaHistória eExame físicoInterpretação dos ExamescomplementaresCura, Controleou ProgressãoDiagnósticoMonitorizaçãoe seguimentoTratamentoFonte: Adaptado de Osoba 27 .Figura 2. Modelo indicativo dos momentos na sequência de ações clínicas emque a avaliação de qualidade de vida pode ser útil.A Mastologia, pela perseverança de seus profissionais, conseguiuvencer os desafios das técnicas cirúrgicas e do aprimoramentodo prognóstico, conferindo qualidade de vida melhor àspacientes sob a ótica da medicina baseada em evidência, emborahaja muito a ser pesquisado. O grande desafio que se afigurapara os próximos anos é a mudança do olhar, da doença para opaciente, que consistirá na adoção da avaliação da qualidade devida como rotina. O desafio é incorporar a medicina centradano paciente, o que exigirá uma mudança comportamental dosprofissionais, assim como uma proposta nova de formação dosmédicos, para que se alcance o ponto de equilíbrio.Referências1. Tawil M, Escallón A, Torregrosa L. Cirurgía de cáncer de seno: pasado,presente y futuro. Univ Med. <strong>20</strong>03;44(3):98-128.2. Claridge JA, Fabian TC. History and development of evidence-basedmedicine. World J Surg. <strong>20</strong>05;29(5):547-53.3. Ribeiro MMF, Amaral CFS. Patient-centered care and medical teaching:the importance of caring and sharing. Rev Bras Educ Med.<strong>20</strong>08;32(1):90-7.4. Barrett B, Brown D, Mundt M, Brown R. Sufficiently importantdifference: expanding the framework of clinical significance. MedDecis Making. <strong>20</strong>05;25(3):250-61.5. Rayter Z. History of breast cancer therapy. Cambridge UniversityPress. [citado 21 <strong>Jan</strong> <strong>20</strong>10]. Disponível em: http://assets.cambridge.org/97805214/96322/excerpt/9780521496322_excerpt.pdf6. Ock-Joo K. William Stewart Halsted in the history of AmericanSurgery. Korean J Med Hist. <strong>20</strong>03;12(1):66-87.7. Osborne MP. William Stewart Halsted: his life and contributions tosurgery. Lancet Oncol. <strong>20</strong>07;8(3):256-65.8. Tanis PJ, Nieweg OE, Olmos RAV, Rutgers EJTH, Kroon BBR.History of sentinel node and validation of the technique. BreastCancer Res. <strong>20</strong>01;3(2):109-12.9. Donegan WL. History of breast cancer. EDS cancer of the breast.STH. St. Louis: Saunders. <strong>20</strong>02.10. Cotlar AM, Dubose JJ, Rose M. History of surgery for the breastcancer: radical to the sublime. Curr Surg. <strong>20</strong>03;60(3):329-37.11. Sakarafas GH. Breast cancer surgery. Historical evolution, currentstatus and future perspectives. Acta Oncol. <strong>20</strong>01;40(1):5-18.12. Veronesi U, Zurrida S. Optimal surgical treatment of breast cancer.Oncologist. 1996;1(6):340-6.13. Cabanas RM. An approach for the treatment of penile carcinoma.Cancer. 1977;39(2):456-66.14. Zavagno G, Rubello D, Franchini Z, Meggiolaro F, Ballarin A,Casara D, et al. Axillary sentinel lymph nodes in breast cancer: asingle lymphatic pathway drains the entire mammary gland. EJSO.<strong>20</strong>05;31(5):479-84.15. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, VieiraG, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumentode avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100).Rev Bras Psiquiatr. 1999;21(1):19-28.16. Peintinger F, Reitsamer R, Stranzl H, Ralph G. Comparison of qualityof life and arm complaints after axillary lymph node dissectionvs sentinel lymph node biopsy in breast cancer patients. Br J Cancer.<strong>20</strong>03:89(4):648-52.17. van Gestel Y<strong>RBM</strong>, Voogd AC, Vingerhoets AJJM, Mols F, NieuwenhuijzenGAP, van Driel OJR, et al. A comparison of quality of life,disease impact and risk perception in women with invasive breast cancerand ductal carcinoma in situ. Eur J Cancer. <strong>20</strong>07;43(3):549-56.18. Bower JE. Behavioral symptoms in patients with breast cancer andsurvivors. J Clin Oncol. <strong>20</strong>08;26(5):768-76.19. Koller M, Lorenz W. Quality of life: a deconstruction for clinicians.J R Soc Med. <strong>20</strong>02;95(10):481-8.Rev Bras Mastologia. <strong>20</strong>10;<strong>20</strong>(1):42-47
- Page 1 and 2: ISSN 0104-8058Órgão Oficial da So
- Page 3 and 4: Ex-presidentesAlberto L. M. Coutinh
- Page 5 and 6: Sua paciente merece todocarinho na
- Page 7 and 8: cípios, em especial das grandes e
- Page 9 and 10: 4 Steinmacher DI, Kemp C, Nazário
- Page 11 and 12: 6 Steinmacher DI, Kemp C, Nazário
- Page 13 and 14: 8 Steinmacher DI, Kemp C, Nazário
- Page 15: ARTIGO ORIGINALEstudo do biomarcado
- Page 19 and 20: 14Melitto AS, Mattar A, Cintra KA,
- Page 21 and 22: 16Jardim DLF, Calabrich AFC, Katz A
- Page 23 and 24: 18Jardim DLF, Calabrich AFC, Katz A
- Page 25 and 26: 20Jardim DLF, Calabrich AFC, Katz A
- Page 27 and 28: ARTIGO ORIGINALQuality of life and
- Page 29 and 30: 24Abla LEF, Sabino Neto M , Garcia
- Page 31 and 32: 26Abla LEF, Sabino Neto M , Garcia
- Page 33 and 34: 28Tarricone Junior V , Tarricone SP
- Page 35 and 36: 30Tarricone Junior V , Tarricone SP
- Page 37 and 38: 32Tarricone Junior V , Tarricone SP
- Page 39 and 40: 34Manoel WJ, Paula CI, Paula ÉC, P
- Page 41 and 42: 36Manoel WJ, Paula CI, Paula ÉC, P
- Page 43 and 44: Carcinoma ductal em mama supranumé
- Page 45 and 46: 40Oliveira HR, Zucoloto FJ, Madurei
- Page 47 and 48: ARTIGO DE REVISÃOAvaliação da qu
- Page 49: 44Torres AF, Figueira Filho ASSlinf
- Page 53 and 54: ARTIGO DE ATUALIZAÇÃOGenética e
- Page 55 and 56: 50Barros ACSD, Barros ACSDpara a ge
- Page 57 and 58: 52Barros ACSD, Barros ACSDverme (Ca
- Page 59 and 60: 54Barros ACSD, Barros ACSDser class
- Page 61 and 62: por todos os doentes. E o que se en
- Page 63: INSTRUÇÕES AOS AUTORESas implica