GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO
As palavras movem, os exemplos arrastam. Eis por que os mais jovens ouvintes das conferências de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> costumavam pedir-lhe que ilustrasse com “fatinhos” — quer dizer, com pequenas reminiscências de sua vida — a doutrina que expunha. Algumas vezes ele acedeu. Na matéria aqui transcrita, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> trata da profunda influência que exerce numa alma a inocência batismal. Quando vemos os poetas ou os literatos escreverem a respeito de sua infância, notamos que sempre se referem a ela com saudades. Saudades de uma espécie de época áurea da vida, em que todas as podridões, decepções e dificuldades deste mundo de lutas não se lhes tinha apresentado. Época em que tudo era dourado, bonito, bom, aprazível, deleitável, e cada um deles, criança, vivia feliz no regaço de sua mãe. Lembro-me daquela poesia de Gonçalves Dias: “Ai! que saudades que tenho da aurora de minha vida, de minha infância querida, que os anos não trazem mais!” Ele era um grande poeta, muito influente no seu tempo, com imensa expressão no cenário nacional. Entretanto, ele — que havia chegado ao auge da carreira e certamente ambicionara ser o que foi — guardava saudades do tempo em que não tinha o que alcançara na maturidade. E constatava que algo daquilo que ele possuía outrora, perdera no caminho. Algo que valia mais do que tudo quanto conquistara. Assim como eu, a maioria dos que aqui me ouvem, embora tão jovens, já experimentou sentimento análogo. Meu quarto de brinquedos era destinado também para minha irmã, para uma prima que estava sendo educada conosco e eu estudarmos. Nossa governanta, a Fräulein Mathilde, nos dava aulas ali. No cômodo havia um armário enorme, cheio de livros didáticos para o nosso uso, naquela época em que o ensino era exigente com os muito mocinhos. Existia também uma escada, pendurada no teto e usada por mim nas minhas ginásticas. Devia subila várias vezes, como exercício recomendado por um ortopedista para corrigir um desvio na coluna. Havia ainda algo cujo uso era freqüente no meu tempo, e creio que hoje já completamente superado: ornavam as paredes quadros vindos da Europa, reproduções baratas e bonitas de pinturas célebres. Por exemplo, “A rendição de Breda”, de Velasquez. Breda era uma cidade holandesa que os espanhóis venceram depois de um prolongado cerco. Aparecia então o prefeito — o burgomestre — para entregar ao Marquês de Spínola as chaves da cidade. O prefeito era um burguês rotundo, dando a impressão de ser obeso até nas pálpebras. Vinha com um ar meio risonho e um chapéu na mão, cuja pena quase se arrastava no solo. O Marquês, pelo contrário, um homem alto, quase esguio, revestido de uma couraça brilhante dos pés à cabeça, e com uma faixa cor-de-rosa na cintura, distintivo de seu generalato. Demonstrando muita bondade, pegava as chaves com uma mão e com a outra apertava a destra do vencido, numa espécie de consideração Recordação dos tempos da infância Uma vez que me pedem “fatinhos”, lembrome de minha infância. No seu quarto de estudos, no Palacete Ribeiro dos Santos (acima), costumava o pequeno <strong>Plinio</strong> analisar as impressões e sensações que lhe tocavam a alma 7