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Jornal Paraná Julho 2015

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OPINIÃO<br />

Salvar o setor ou quebrar o Brasil<br />

Ao invés de continuarmos discutindo como sair da crise, devemos nos apressar,<br />

pois o veneno já está fazendo seu efeito e pode ser tarde demais POR ANTONIO CESAR SALIBE (*)<br />

Já me utilizei destas páginas por inúmeras<br />

vezes a fim de alertar para a falta de estratégia<br />

brasileira quando o assunto é a segurança<br />

energética no curto, médio e longo prazos.<br />

Ter ou não ter uma estratégia que garantam o<br />

abastecimento de combustíveis para o Ciclo Otto<br />

pode se tornar, em breve, na salvação ou na derrocada<br />

de uma nação. Vamos aos fatos.<br />

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME),<br />

o Brasil vai demandar em 2023 de 82 bilhões de litros<br />

de combustíveis líquidos, considerando, que<br />

a oferta projetada para o atendimento desta demanda<br />

seria de 29 bilhões de litros de gasolina A,<br />

20 bilhões de litros de etanol anidro e 7 bilhões de<br />

litros de etanol hidratado, temos um déficit de oferta<br />

de 26 bilhões de litros de gasolina equivalente para<br />

2023.<br />

A pergunta é: quem ocupará esta demanda projetada?<br />

Gasolina nacional? Gasolina importada? Etanol<br />

anidro e hidratado nacional ou importado?<br />

Tentarei argumentar sobre estas possibilidades.<br />

Considerando a ideia de que os 26 bilhões de litros<br />

sejam supridos por gasolina produzida no Brasil, nem<br />

o governo, nem a Petrobras, acreditam nisso, prova<br />

é que o governo projeta incremento zero na produção<br />

nacional de gasolina, uma vez que não projetou e<br />

nem tem projetada, nenhuma refinaria de petróleo<br />

para o País. Então descartamos a primeira hipótese.<br />

O segundo quesito (gasolina importada), acho pouco<br />

provável, isso porque, hoje, com a importação prevista<br />

de 4 bilhões de litros, já temos um problema logístico<br />

grave, imagine termos que multiplicar por mais<br />

de seis vezes esse total de combustíveis importados.<br />

Não teríamos portos e nem tampouco um sistema de<br />

dutos, ferrovias ou rodovias necessários para fazer<br />

chegar aos centros de distribuição de todo o território<br />

nacional esse combustível.<br />

Vamos nos ater então à terceira opção, qual seja,<br />

abastecermos a janela de 26 bilhões de litros de combustíveis<br />

líquidos com etanol, anidro ou hidratado, nacional<br />

ou importado. Importado? Esbarraríamos no<br />

mesmo problema da gasolina, a falta de infraestrutura,<br />

então descartemos. Nacional? Hoje, no atual<br />

modelo que temos, com as usinas altamente endividadas,<br />

também considero pouco provável.<br />

Assim, podemos chegar a uma conclusão extremamente<br />

preocupante: com o que abasteceremos nossos<br />

motores daqui a nove anos?<br />

Levando em consideração ainda os dados do ministro<br />

Eduardo Braga, de Minas e Energia, se essa demanda<br />

por combustíveis líquidos se concretizar, de<br />

hoje (<strong>2015</strong>) até 2023, vamos precisar de nada menos<br />

que 131 bilhões de litros de gasolina equivalente cuja<br />

origem ainda não temos como precisar.<br />

Vamos à matemática: 131 bilhões de litros de gasolina<br />

equivalente, multiplicados pelo preço da gasolina<br />

importada na refinaria em reais por litro no dia 2 de<br />

junho passado, com o dólar cotado a R$ 3,174, temos<br />

que o Brasil precisaria desembolsar, neste período,<br />

nada menos que R$ 230 bilhões.<br />

Agora pergunto, qual seria o impacto desses 230 bilhões<br />

de reais na balança comercial brasileira, ao<br />

longo desses anos, num momento em que já estamos<br />

fragilizados economicamente?<br />

Brasil vai demandar em<br />

2023 de 82 bilhões de litros<br />

de combustíveis líquidos.<br />

A pergunta é: quem ocupará<br />

esta demanda projetada?<br />

Se considerarmos os números que apontam para<br />

um endividamento do setor sucroenergético da<br />

ordem de R$ 70 bilhões, qual seria a saída mais<br />

estratégica para o Brasil? Mandar para os árabes<br />

R$ 230 bi de um dinheiro que não temos e que<br />

vai quebrar nosso país e ainda não conseguir<br />

fazer chegar esse combustível a todos os rincões<br />

deste país de contornos continentais, ou salvar, de<br />

alguma forma, o setor que gera milhões de empregos<br />

diretos e indiretos e ainda beneficiar a balança<br />

comercial do País?<br />

As medidas a serem adotadas devem ser urgentes.<br />

Refinanciamento de dívidas, retorno total da<br />

CIDE. Enfim, uma definição muito clara do papel do<br />

etanol, orgulho nacional, na matriz energética brasileira,<br />

do contrário, temo que em poucos anos, nossos<br />

carros fiquem sucateados, mesmo novos, por falta do<br />

que colocar em seus tanques de combustíveis líquido.<br />

Em economia a máxima: "quem não tem competência,<br />

não se estabelece", não pode ser ignorada ou<br />

mesmo menosprezada por questões partidárias ou<br />

por falta de visão.<br />

A parábola da flecha envenenada pode ilustrar bem<br />

o que estamos vivendo hoje. Diz a parábola, para supormos<br />

que um homem tenha sido ferido por uma flecha<br />

envenenada. Seus parentes preocupados<br />

encontram um hábil cirurgião que poderia remover a<br />

flecha, mas o homem ferido se recusa a deixar o médico<br />

operá-lo até que tenha recebido respostas satisfatórias<br />

a uma longa lista de perguntas.<br />

"A flecha não será tirada", o homem ferido declara,<br />

"até que eu saiba a que casta pertence o homem que<br />

me feriu, sua altura, a vila de onde ele vem, a madeira<br />

a partir do qual a flecha foi produzida, e assim por<br />

diante." Claramente, tal tolo morreria muito antes que<br />

suas perguntas pudessem ser respondidas.<br />

Assim, ao invés de continuarmos discutindo como<br />

sair da crise, devemos nos apressar, pois o veneno<br />

já está fazendo seu efeito...e pode ser tarde demais.<br />

(*) Antonio Cesar Salibe é presidente-executivo<br />

da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) e<br />

coordenador do Escritório Regional da Universidade<br />

Federal de São Carlos (UFSCar)<br />

2 <strong>Jornal</strong> <strong>Paraná</strong> - <strong>Julho</strong> <strong>2015</strong>

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