Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
OPINIÃO<br />
Salvar o setor ou quebrar o Brasil<br />
Ao invés de continuarmos discutindo como sair da crise, devemos nos apressar,<br />
pois o veneno já está fazendo seu efeito e pode ser tarde demais POR ANTONIO CESAR SALIBE (*)<br />
Já me utilizei destas páginas por inúmeras<br />
vezes a fim de alertar para a falta de estratégia<br />
brasileira quando o assunto é a segurança<br />
energética no curto, médio e longo prazos.<br />
Ter ou não ter uma estratégia que garantam o<br />
abastecimento de combustíveis para o Ciclo Otto<br />
pode se tornar, em breve, na salvação ou na derrocada<br />
de uma nação. Vamos aos fatos.<br />
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME),<br />
o Brasil vai demandar em 2023 de 82 bilhões de litros<br />
de combustíveis líquidos, considerando, que<br />
a oferta projetada para o atendimento desta demanda<br />
seria de 29 bilhões de litros de gasolina A,<br />
20 bilhões de litros de etanol anidro e 7 bilhões de<br />
litros de etanol hidratado, temos um déficit de oferta<br />
de 26 bilhões de litros de gasolina equivalente para<br />
2023.<br />
A pergunta é: quem ocupará esta demanda projetada?<br />
Gasolina nacional? Gasolina importada? Etanol<br />
anidro e hidratado nacional ou importado?<br />
Tentarei argumentar sobre estas possibilidades.<br />
Considerando a ideia de que os 26 bilhões de litros<br />
sejam supridos por gasolina produzida no Brasil, nem<br />
o governo, nem a Petrobras, acreditam nisso, prova<br />
é que o governo projeta incremento zero na produção<br />
nacional de gasolina, uma vez que não projetou e<br />
nem tem projetada, nenhuma refinaria de petróleo<br />
para o País. Então descartamos a primeira hipótese.<br />
O segundo quesito (gasolina importada), acho pouco<br />
provável, isso porque, hoje, com a importação prevista<br />
de 4 bilhões de litros, já temos um problema logístico<br />
grave, imagine termos que multiplicar por mais<br />
de seis vezes esse total de combustíveis importados.<br />
Não teríamos portos e nem tampouco um sistema de<br />
dutos, ferrovias ou rodovias necessários para fazer<br />
chegar aos centros de distribuição de todo o território<br />
nacional esse combustível.<br />
Vamos nos ater então à terceira opção, qual seja,<br />
abastecermos a janela de 26 bilhões de litros de combustíveis<br />
líquidos com etanol, anidro ou hidratado, nacional<br />
ou importado. Importado? Esbarraríamos no<br />
mesmo problema da gasolina, a falta de infraestrutura,<br />
então descartemos. Nacional? Hoje, no atual<br />
modelo que temos, com as usinas altamente endividadas,<br />
também considero pouco provável.<br />
Assim, podemos chegar a uma conclusão extremamente<br />
preocupante: com o que abasteceremos nossos<br />
motores daqui a nove anos?<br />
Levando em consideração ainda os dados do ministro<br />
Eduardo Braga, de Minas e Energia, se essa demanda<br />
por combustíveis líquidos se concretizar, de<br />
hoje (<strong>2015</strong>) até 2023, vamos precisar de nada menos<br />
que 131 bilhões de litros de gasolina equivalente cuja<br />
origem ainda não temos como precisar.<br />
Vamos à matemática: 131 bilhões de litros de gasolina<br />
equivalente, multiplicados pelo preço da gasolina<br />
importada na refinaria em reais por litro no dia 2 de<br />
junho passado, com o dólar cotado a R$ 3,174, temos<br />
que o Brasil precisaria desembolsar, neste período,<br />
nada menos que R$ 230 bilhões.<br />
Agora pergunto, qual seria o impacto desses 230 bilhões<br />
de reais na balança comercial brasileira, ao<br />
longo desses anos, num momento em que já estamos<br />
fragilizados economicamente?<br />
Brasil vai demandar em<br />
2023 de 82 bilhões de litros<br />
de combustíveis líquidos.<br />
A pergunta é: quem ocupará<br />
esta demanda projetada?<br />
Se considerarmos os números que apontam para<br />
um endividamento do setor sucroenergético da<br />
ordem de R$ 70 bilhões, qual seria a saída mais<br />
estratégica para o Brasil? Mandar para os árabes<br />
R$ 230 bi de um dinheiro que não temos e que<br />
vai quebrar nosso país e ainda não conseguir<br />
fazer chegar esse combustível a todos os rincões<br />
deste país de contornos continentais, ou salvar, de<br />
alguma forma, o setor que gera milhões de empregos<br />
diretos e indiretos e ainda beneficiar a balança<br />
comercial do País?<br />
As medidas a serem adotadas devem ser urgentes.<br />
Refinanciamento de dívidas, retorno total da<br />
CIDE. Enfim, uma definição muito clara do papel do<br />
etanol, orgulho nacional, na matriz energética brasileira,<br />
do contrário, temo que em poucos anos, nossos<br />
carros fiquem sucateados, mesmo novos, por falta do<br />
que colocar em seus tanques de combustíveis líquido.<br />
Em economia a máxima: "quem não tem competência,<br />
não se estabelece", não pode ser ignorada ou<br />
mesmo menosprezada por questões partidárias ou<br />
por falta de visão.<br />
A parábola da flecha envenenada pode ilustrar bem<br />
o que estamos vivendo hoje. Diz a parábola, para supormos<br />
que um homem tenha sido ferido por uma flecha<br />
envenenada. Seus parentes preocupados<br />
encontram um hábil cirurgião que poderia remover a<br />
flecha, mas o homem ferido se recusa a deixar o médico<br />
operá-lo até que tenha recebido respostas satisfatórias<br />
a uma longa lista de perguntas.<br />
"A flecha não será tirada", o homem ferido declara,<br />
"até que eu saiba a que casta pertence o homem que<br />
me feriu, sua altura, a vila de onde ele vem, a madeira<br />
a partir do qual a flecha foi produzida, e assim por<br />
diante." Claramente, tal tolo morreria muito antes que<br />
suas perguntas pudessem ser respondidas.<br />
Assim, ao invés de continuarmos discutindo como<br />
sair da crise, devemos nos apressar, pois o veneno<br />
já está fazendo seu efeito...e pode ser tarde demais.<br />
(*) Antonio Cesar Salibe é presidente-executivo<br />
da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) e<br />
coordenador do Escritório Regional da Universidade<br />
Federal de São Carlos (UFSCar)<br />
2 <strong>Jornal</strong> <strong>Paraná</strong> - <strong>Julho</strong> <strong>2015</strong>