Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ENTREVISTA<br />
Falar e aplicar os Direitos Humanos continua, hoje e sempre, a ser importante,<br />
buir a ajuda que me deram. Representou<br />
uma oportunidade de retribuir<br />
à Região o que me havia dado e, neste<br />
sentido, aceitei o convite com muita<br />
honra e gosto.<br />
O que é que mais gosta no exercício<br />
deste cargo?<br />
-É difícil dizer... Este cargo representa<br />
ter várias funções, como nomear<br />
o Governo da Região, representar<br />
a República em diversos atos na<br />
Madeira, recepções oficiais e particulares<br />
a representantes de partidos<br />
políticos, associações e outras organizações<br />
que cá vêm para apresentar<br />
os seus problemas e que tento ajudar<br />
da melhor forma possível. Toda<br />
a gente pode bater à minha porta, e<br />
tento ajudar o melhor que sei e posso.<br />
A minha função principal é o controlo<br />
das leis. Saber se uma lei que venha<br />
do Governo Regional ou da Assembleia<br />
Legislativa Regional da Madeira,<br />
está ou não, em conformidade<br />
com a Constituição da República ou<br />
com o Estatuto Político-Administrativo<br />
da Região. Há dias em que tenho<br />
muito que fazer e outros dias em<br />
que o trabalho é menor. Quando um<br />
diploma chega da Assembleia Legislativa<br />
Regional da Madeira, tenho<br />
oito dias para, se tiver uma dúvida<br />
sobre a constitucionalidade do mesmo,<br />
para pedir ao Tribunal Constitucional<br />
que decida se tenho razão se as<br />
minhas dúvidas são fundadas. Tenho<br />
oito dias contados, com o sábado e<br />
domingo incluídos, para apresentar<br />
o diploma ou o pedido de apreciação<br />
da constitucionalidade ao Tribunal<br />
Constitucional. Por vezes, são dois ou<br />
três diplomas, o que é mais complicado.<br />
O diploma chega, vejo o diploma<br />
e se há algum problema que me desperta,<br />
chamo a atenção para o mesmo,<br />
consulto os meus juristas que são<br />
quem, algumas vezes, notam o problema.<br />
É um trabalho importante que<br />
exige, além de sólido conhecimento<br />
das leis, experiência. Em termos de<br />
horários de trabalho, enquanto não<br />
tiver decidido se vamos devolver o<br />
diploma ou se vamos ouvir o Tribunal<br />
Constitucional, não há horas de trabalho<br />
estabelecidas porque implica<br />
fazer muitas coisas num curto espaço<br />
de tempo e que são os oito dias. Estou<br />
de acordo com o Prof. Cavaco Silva<br />
em que num dos discursos, referiu a<br />
necessidade de rever na Constituição,<br />
estes prazos. Este é o meu trabalho,<br />
que é um trabalho técnico e corresponde,<br />
no fundo, àquilo que sempre<br />
fiz na minha vida e que é trabalhar<br />
com o Direito. No entanto, existe<br />
aqui uma perspetiva nova e que é<br />
a política. Com isto, quero dizer que,<br />
não sou um Juiz que está a analisar<br />
um diploma mas sou um político que<br />
está a ver se esse diploma é aquele<br />
que melhor serve a Região. Compreendo<br />
que, é um trabalho que é, muitas<br />
vezes, mal compreendido, sobretudo<br />
quando entendo que, ainda que<br />
o diploma respeite a Constituição ou<br />
o Estatuto, mesmo assim não corresponde<br />
àquilo que, em minha opinião,<br />
melhor serve a Região, e nessa altura,<br />
tenho a possibilidade de não assinar,<br />
coisa que, aliás, raramente acontece.<br />
De resto, tenho dificuldade em<br />
apontar o que gosto mais deste cargo.<br />
Cargo este, de Representante da<br />
República na Madeira, que alguns<br />
não defendem...<br />
- Sim, mas como já disse algumas<br />
vezes, acho que, não há melhor solução<br />
para desempenhar as funções<br />
de controlo da constitucionalidade e<br />
da legalidade dos diplomas do que a<br />
figura do Representante da República.<br />
Se se quiser acabar com ele, terse-á<br />
de encontrar uma outra figura<br />
ou um outro sistema, mas uma outra<br />
figura ou um outro sistema são, na<br />
minha perspetiva, pior solução do<br />
que esta que existe atualmente. Esta<br />
solução foi encontrada em 2004,<br />
na revisão constitucional de 2004<br />
e, nessa altura, os deputados da AR<br />
tinham poderes de revisão e encontraram,<br />
na minha opinião, uma solução<br />
feliz. Todas as outras são possíveis<br />
mas são piores. Uma solução<br />
poderia ser, por exemplo, a de Presidente<br />
da Região. Há regiões autónomas<br />
que têm presidentes, diretamente<br />
eleitos pelo povo ou pelos<br />
Parlamentos regionais, no entanto,<br />
a figura do Presidente da Região, no<br />
atual contexto ou num contexto próximo,<br />
introduzia, na minha opinião,<br />
um fator de desequilíbrio na orgânica<br />
dos órgãos próprios da Região.<br />
Foi agraciado com a Grã-Cruz da<br />
Ordem do Infante D. Henrique. O<br />
que é que representou receber esta<br />
distinção?<br />
- Não temos em Portugal, como há<br />
em Espanha, esta tradição de condecorar<br />
os magistrados. Espanha tem<br />
uma condecoração que é só entregue<br />
a magistrados. Entre nós, apenas os<br />
Presidentes de Tribunais superiores,<br />
os Procuradores-gerais da República<br />
- quando terminam os seus mandatos,<br />
são condecorados. Esta distinção<br />
representou muito para mim<br />
porque, para além de representar o<br />
corolário da minha carreira, representou<br />
uma oportunidade de homenagear<br />
as pessoas que me ajudaram<br />
a ser quem sou. Quando fui condecorado,<br />
afirmei que a distinção era<br />
para ser dividida por muitas pessoas,<br />
como a minha família – pais,<br />
mulher, filhos, a minha tia Isabel,<br />
colegas de trabalho... Não sei se<br />
merecia a condecoração mas senti<br />
que estava a receber algo que me<br />
transcendia e que também homenagea<br />
as pessoas que me ajudaram ao<br />
longo da vida, então, esta condecoração<br />
também é delas.<br />
Tem um percurso de vida notável.<br />
O que é que ainda lhe falta fazer?<br />
-Acho que, a vida nunca se realiza.<br />
A nossa vida está sempre em<br />
evolução mas estou satisfeito com<br />
a minha vida e com o que realizei<br />
ao longo da minha vida. Acho que,<br />
tive sorte por estar no lugar certo e<br />
à hora certa. Não me recrimino em<br />
relação à vida que tive mas a verdade<br />
é que nós nunca estamos plenamente<br />
satisfeitos, há sempre uma<br />
latente insatisfação e neste sentido,<br />
gostava de concretizar outros objetivos,<br />
que seria viajar mais. Gostaria<br />
de visitar lugares que ainda não<br />
visitei, como Machu Picchu no Peru,<br />
as ruínas antigas do Camboja, entre<br />
muitos outros lugares. Depois, gostaria<br />
de deixar escrito em livro, as<br />
minhas memórias, para um dia, as<br />
minhas netas saberem quem foi o<br />
avô e o que fez.<br />
É aqui no Palácio de São Lourenço,<br />
onde nos encontramos, que<br />
tem a sua residência oficial e o<br />
seu local de trabalho. Como é que<br />
olha para este espaço onde trabalha<br />
diariamente?<br />
- Gosto muito do Palácio de São<br />
Lourenço. É um edifício excelente e<br />
tem condições ótimas de trabalho. É<br />
muito aprazível e bonito, no entanto,<br />
a parte onde resido não tem aquilo<br />
que um madeirense de gema considera<br />
essencial...<br />
E que é?<br />
- O mar. É uma casa de onde não<br />
vejo o mar. Para ver o mar, tenho<br />
que subir até ao terraço do Palácio.<br />
Apesar disto, tenho esta vantagem<br />
que é trabalhar e residir no mesmo<br />
local. Não tenho casa na Madeira.<br />
Tinha a casa da família - dos meus<br />
pais, na Ponta do Sol, que foi entretanto,<br />
dividida devido às partilhas.<br />
Tenho uma casa em Lisboa e uma<br />
segunda casa nas Caldas da Rainha.<br />
Aqui na Madeira, quando saio do<br />
Palácio, tenho de ir para um hotel<br />
(risos) e portanto, resido e trabalho<br />
no Palácio. Tomo o pequeno-almoço<br />
e em poucos minutos, estou no meu<br />
8<br />
saber | NOVEMBRO | 2016