REVISTA COLETIVA MARÇO ABRIL 2016_web
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literatura |<br />
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Literatura.<br />
Por que erramos?<br />
O lado positivo de assumir<br />
o erro<br />
*José Garcia Neto<br />
“Errar é humano” é uma frase<br />
que repetimos desde os primórdios<br />
de nossa civilização. Mas<br />
este talvez seja o único momento<br />
em que pensamos, ou no<br />
mínimo temos a certeza, de que<br />
“os outros” são mais humanos<br />
do que nós. Sabemos que todos<br />
cometemos erros, a espécie humana,<br />
em geral, é falível. Mas<br />
quando isso se refere a “mim”,<br />
neste exato momento, a todas<br />
as crenças que mantenho, aqui,<br />
no presente do indicativo, de<br />
repente toda essa apreciação<br />
abstrata de falibilidade escapa<br />
imediatamente pela janela mais<br />
próxima, desaparece magicamente,<br />
e não consigo pensar em<br />
nada sobre o que eu possa estar<br />
errado. E oW fato é que o tempo<br />
presente é onde vivemos. É<br />
no tempo presente que participamos<br />
de reuniões; é no tempo<br />
presente que vamos às urnas e<br />
votamos; é no tempo presente<br />
que decidimos o que comemos;<br />
para onde viajamos; o que falamos;<br />
quem amamos; enfim, no<br />
que acreditamos. Então, efetivamente<br />
acabamos viajando<br />
pela vida presos a essa pequena<br />
bolha onde nos sentimos muito<br />
certos sobre tudo. Isso é um<br />
problema que nos afeta demasiadamente<br />
na vida individual<br />
e coletiva, social e profissional.<br />
Kathryn Schulz nos convence<br />
com delicadeza, bom humor<br />
e essencialmente inteligência<br />
que sair desta bolha que nos<br />
aprisiona é o maior salto moral,<br />
intelectual e criativo que podemos<br />
realizar. Então, por que nos<br />
prendemos a esse sentimento<br />
de que sempre estamos certos?<br />
Emocionalmente, quando percebemos<br />
que estamos equivocados,<br />
nos sentimos humilhados,<br />
“para baixo”, com vergonha, e<br />
muitos outros sentimentos negativos.<br />
Neste clarividente ensaio,<br />
a autora nos mostra que isso<br />
pode ser devastador, revelador e<br />
até mesmo bem engraçado. No<br />
entanto, estar simplesmente errado<br />
não traz sensação nenhuma.<br />
O problema é a percepção,<br />
como no desenho animado em<br />
que o “coiote correndo atrás do<br />
pássaro papa-léguas, quando<br />
termina o penhasco, continua no<br />
ar numa boa e só despenca no<br />
abismo quando olha para baixo<br />
e tem consciência de que está<br />
solto no ar” (enxerga o erro).<br />
Ela nos ensina que culturalmente<br />
somos convencidos de<br />
maneira massacrante que só terá<br />
sucesso aquele que não erra e<br />
que sempre acerta. Essa sensação<br />
de certeza que todos experimentamos<br />
tão frequentemente<br />
não é um guia confiável, pois<br />
imaginamos que aqueles que<br />
discordam de nós (que nunca<br />
são poucos) são ignorantes, idiotas<br />
ou mal-intencionados. Mil<br />
e duzentos anos antes de Descartes<br />
dizer “Penso, logo existo”,<br />
Santo Agostinho disse “Fallo,<br />
ergo sum” (Erro, portanto, existo).<br />
Errar é humano. Ainda assim,<br />
a maioria de nós passa a vida<br />
presumindo que está certo sobre<br />
quase tudo, desde a origem do<br />
universo até como utilizar uma<br />
máquina de café. A autora explora<br />
por que achamos tão gratificante<br />
estarmos certos e tão<br />
angustiante estarmos errados, e<br />
como essa atitude em relação ao<br />
erro desgasta os relacionamentos<br />
e piora a qualidade de vida<br />
das pessoas.<br />
Um livro cativante, escrito de<br />
maneira sagaz, que nos convida<br />
a fazer uma das perguntas mais<br />
desafiadoras da vida: Por que<br />
erramos? Por fim, se aceitarmos<br />
o lado positivo do erro e viajarmos<br />
profundamente neste livro,<br />
poderemos realmente descobrir<br />
o “nirvana”, e, para isso, talvez,<br />
você só precise dar um passo<br />
para fora daquele pequenino,<br />
aterrador espaço de certezas e<br />
olhar ao redor (um para o outro)<br />
e fitar a vastidão, a complexidade<br />
e os mistérios do universo<br />
e ser capaz de dizer: “Uau, eu<br />
não sei. Talvez eu esteja errado”.<br />
Aproveite, erre mais. Leia um<br />
pouco!<br />
Por que erramos? O lado positivo<br />
de assumir o erro<br />
Autora: Kathryn Schulz<br />
Editora: Larousse<br />
Páginas: 368<br />
Ano: 2011<br />
Coletiva | março • abril/<strong>2016</strong><br />
Coletiva | março • abril/<strong>2016</strong>