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Texto: Helena Martins<br />
Colaboraram: Iara<br />
Moura, Mônica<br />
Mourão e Elizângela<br />
Araújo<br />
Capa do jornal O Globo em 20<br />
de março de 1964. Imagem: Blog<br />
do Professor Julio Sosa.<br />
O afastamento da presidenta Dilma Rousseff, por<br />
meio de um golpe que envolveu decididamente o Legislativo,<br />
o Judiciário e os meios de comunicação, trouxe à<br />
tona e exigiu que fosse incluída na agenda de debates da<br />
sociedade a problemática do papel da mídia para a construção<br />
– ou o desmonte – da democracia.<br />
Na memória de um país que não enfrentou abertamente<br />
a história da ditadura civil-militar (1964-1985),<br />
restavam quase apagados casos de como o escândalo Proconsult,<br />
uma tentativa de fraude, encobertada pela Rede<br />
Globo, que objetivava impossibilitar a vitória de Leonel<br />
Brizola, em 1982, ao governo do Rio de Janeiro. A apresentação<br />
pela emissora do maior comício das Diretas Já, em<br />
São Paulo, em 1984, como uma festa em comemoração ao<br />
aniversário da capital paulista, ou a determinante edição<br />
debate televisivo entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando<br />
Collor de Melo, candidatos à Presidência da República<br />
em 1989, às vésperas da eleição, pareciam fatos datados e<br />
cuja repetição seria improvável no tempo presente, dada<br />
a possibilidade de circulação de narrativas diferentes daquelas<br />
apresentadas pelos oligopólios.<br />
Muito embora a criminalização, o silenciamento<br />
e a distorção de fatos envolvendo movimentos sociais e<br />
outros grupos progressistas sejam uma constante na história<br />
do sistema de comunicação brasileiro, a sociedade<br />
acostumou-se a ver uma mídia complacente com o poder<br />
central e seu projeto, ao longo dos governos de Fernando<br />
Henrique Cardoso, nos anos 1990. No campo acadêmico,<br />
vimos o deslocamento do<br />
olhar sobre o poder dos conglomerados<br />
para as práticas<br />
de resistência e reelaboração<br />
de significados pelos receptores,<br />
bem como a difusão de<br />
entusiasmados estudos que<br />
decretaram o fim da comunicação<br />
massiva com o advento<br />
da internet.<br />
No início dos anos 2000,<br />
após a eleição de Lula, apesar<br />
da ausência de enfrentamento<br />
do poder midiático por parte<br />
do governo, os oligopólios<br />
mudaram de postura. No contexto<br />
da Ação Penal 470, apelidada<br />
pela própria mídia como “mensalão”, em 2005, eles<br />
passaram ao que a professora da Faculdade de Comunicação<br />
da Universidade de Brasília, Liziane Guazina, afirma ser<br />
uma postura adversária aos políticos e à política, conforme<br />
demonstrou na tese de doutorado “Jornalismo em Busca da<br />
Credibilidade: a cobertura adversária do Jornal Nacional no<br />
Escândalo do Mensalão”.<br />
Professor de Ciência Política<br />
da Universidade de Brasília (UnB),<br />
Luís Felipe Miguel aponta que, a<br />
partir de então, houve “um processo<br />
de regressão da ação política<br />
da mídia brasileira”. Ele avalia que,<br />
do fim do período ditatorial até<br />
as eleições presidenciais de 2002,<br />
a grande imprensa parecia ter<br />
aprendido a conviver com o pluripartidarismo.<br />
Ela “parou de agir<br />
tão ostensivamente em favor de tal<br />
ou qual candidato e passou mais a<br />
exigir, de todos, compromissos básicos<br />
com certos interesses, o que<br />
se alinha às formas dominantes de<br />
intervenção política da mídia nas democracias liberais.<br />
Não é ausência de interferência, é uma interferência que<br />
se dá mais em termos de limitação do debate legítimo e<br />
menos como tentativa de induzir a opção eleitoral. Como<br />
o PT havia abandonado as partes de seu programa que<br />
podiam ser consideradas antissistêmicas, parecia possível<br />
uma acomodação dentro desse modelo”, explica.<br />
A defesa aberta do golpe<br />
contra a democracia<br />
No dia 13 de março de 2016, o regresso tornou-se<br />
nítido. Se, em 1964, O Globo usou seu editorial do dia 2<br />
de abril para proclamar que a nação vivia “dias gloriosos”,<br />
“porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente<br />
de vinculações políticas, simpatias ou opinião<br />
sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a<br />
democracia, a lei e a ordem”, e saudou o golpe como um<br />
movimento não partidário, do qual participaram “todos os<br />
setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém<br />
escapava o significado das manobras presidenciais”,<br />
em 2016, foi a vez do Estado de S. Paulo usar o principal<br />
espaço de opinião do jornal para inflamar as milhares de<br />
pessoas que saíram às ruas, naquele dia de domingo, para<br />
protestar contra a presidenta Dilma Rousseff.<br />
Após afirmar que “a maioria dos brasileiros, con-<br />
Editorial do jornal O Estado de<br />
São Pauo inflama os brasileiros a<br />
irem às ruas contra a presidenta<br />
Dilma Rousseff.<br />
Imagem: captura de tela<br />
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DIREITO À COMUNICAÇÃO NO BRASIL 2016<br />
DIREITO À COMUNICAÇÃO NO BRASIL 2016<br />
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