Revista Dr. Plinio 231
Junho de 2017
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<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
dois carpinteiros, cada um trazendo<br />
uma prancha, e deveriam conjugá-<br />
-la de certo modo, por exemplo, pôr<br />
em X ou qualquer outra forma, para<br />
um determinado efeito, conforme<br />
encomendaram a eles. Era a realização<br />
de um serviço. E os dois carregam<br />
com tanta inocência a prancha<br />
e se consultando um ao outro se<br />
aquela posição estava boa, ou convinha<br />
fazer melhor, que se tem a impressão<br />
de estarem ao nosso lado comentando.<br />
Era uma cena da vida de<br />
todos os dias, a mais comum, posta,<br />
por exemplo, num azul profundo e,<br />
vamos dizer, o saiote deles um pouco<br />
cor de limão, à luz do Sol de um<br />
amarelo quase dourado, brilhando<br />
sobre a terra.<br />
Mas essa sublimidade que os cercava<br />
parecia não entrar neles, a não<br />
ser enquanto candura. E que, no resto,<br />
eles eram os hominhos da vida de<br />
todos os dias com os hábitos exatamente<br />
iguais, trabalhando na carpintaria.<br />
E mesmo os guerreiros. Três deles<br />
estão indo para a Cruzada, montados<br />
em uns cavalinhos, com espadinhas<br />
postas na cintura, como uma<br />
criança poderia imaginar. É um brinquedo<br />
de criança. Entretanto são<br />
três reis com aquelas coroas abertas<br />
típicas da Idade Média e espadas;<br />
um tem uma capa vermelha, outro<br />
uma verde e o terceiro uma azul;<br />
elas são de tais cores que se tem a<br />
impressão de que aquelas cores foram<br />
colhidas no Céu para vestirem<br />
aqueles hominhos. É como eu sinto<br />
o vitral medieval.<br />
Visto de longe, não se percebem<br />
tanto esses pormenores, mas é uma<br />
feeria de cores que diz tudo quanto<br />
eles queiram. Observado de perto,<br />
há cenas que servem de pretexto<br />
para pôr uns hominhos ali que<br />
eles vestem; e o vestido de cristal e<br />
de luz de cada hominho é uma fábula<br />
que dá para fazer as asas de<br />
um Anjo. É assim que eles realizam<br />
o jogo deles. Mas, de qualquer<br />
a calma que um homem imagina que<br />
seu espírito possa ter, a qual ele procura<br />
reproduzir. É a busca de um outro<br />
mundo imerso em um clima interior<br />
que o homem habitualmente<br />
não tem.<br />
Por exemplo, a meditação budista<br />
pede uma calma, uma tranquilidade,<br />
uma estabilidade, uma brisa e<br />
uma uniformidade absolutas. A pessoa<br />
não procura o movimento deste<br />
mundo, e sim uma transcalma, vivendo<br />
como que fora e em um tipo<br />
de delicia calma também, quase vazia.<br />
É uma espécie de identificação<br />
com o lugar das delicias e um vazio,<br />
um não-ser.<br />
Nos ídolos da Índia, de cobertura<br />
de cabeça esquisita, com uma espécie<br />
de ponta ou outras coisas: impassíveis,<br />
colocados em uma posição estática,<br />
diante de alguma coisa superior<br />
que eles contemplam, e com as<br />
mãos esticadas.<br />
Imaginem dois braços assim para<br />
terem ideia da posição deles. E no<br />
seu interior uma espécie de degustação<br />
de algo de sabor forte, mas que<br />
não tira o homem da sua posição estática<br />
e contemplativa. Dá-lhe pelo<br />
contrário – esse é o sabor forte que o<br />
indivíduo gostou – o fixo, o parado e<br />
o degustante.<br />
É mais singular ainda o que diz<br />
respeito ao Egito.<br />
Por exemplo, desenhos representando<br />
o transporte de um monólito,<br />
com aqueles bichinhos, hominhos<br />
etc. Em cima se encontra o obelisco,<br />
e os hominhos estão andando com<br />
o chicote para fazer caminhar os escravos<br />
e os bichos, pan, pan.<br />
Os escravos e os homens livres andam<br />
do mesmo jeito, no mesmo ritmo,<br />
com uma expressão ativa dentro<br />
dos olhos. Mas é um ativo que tem<br />
qualquer coisa de inexplicavelmente<br />
meio parado, igual a si mesmo, quer<br />
dizer, não há nenhum momento dessa<br />
composição, dessa execução, desse<br />
opus, em que a alma mude de altitude<br />
com o que a outra faz; quanmyself<br />
(CC3.0)<br />
maneira, a intenção é representar a<br />
realidade.<br />
Existe, então, essa realidade objetiva<br />
vista numa perspectiva transesférica,<br />
mas não deformada nem tirada<br />
da realidade de todos os dias. Por<br />
exemplo, poderia haver, com aqueles<br />
cavaleiros passando, um cachorrinho<br />
latindo, ou uma coluna prodigiosa<br />
e um esquilo subindo-a, que<br />
é uma brincadeira, um risinho, está<br />
perfeitamente bem, é o real propriamente<br />
dito.<br />
Meditação budista,<br />
esculturas da Índia<br />
e do Egito<br />
Há outra gama que é o real um<br />
tanto exagerado para ser bem visto,<br />
porque esses desenhos da Idade Média<br />
não exageram. Esse real um tanto<br />
exagerado para ser bem visto, digamos,<br />
já prepara uma calma que é<br />
uma característica de muitos monumentos<br />
antigos; é uma transcalma,<br />
não uma calma de um homem, mas<br />
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