Revista Dr. Plinio 231
Junho de 2017
Junho de 2017
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Dona Lucilia<br />
Ímpeto de Dona Lucilia<br />
ao increpar o mal<br />
Quando se tratava de algo péssimo em vias de realizar-se, e cujo<br />
curso ela podia tolher, Dona Lucilia levantava o corpo todo,<br />
punha o pescoço alto, seus olhos se tornavam fogosos e ela<br />
falava olhando de cima, começando num tom de voz fino que ia<br />
se tornando mais caloroso. Suas palavras nunca eram insultos<br />
pessoais, mas uma crítica à atitude moral de quem andava mal.<br />
Dir-se-ia que, por causa da<br />
grande mansidão, condescendência,<br />
compaixão<br />
que transbordavam de Dona Lucilia,<br />
ela ficaria horripilada com a hipótese<br />
de serem desencadeados castigos<br />
como os previstos em Fátima e em<br />
tantas outras revelações privadas.<br />
Sentimentos opostos,<br />
mas harmônicos<br />
Entretanto, eu a vi uma ou outra<br />
vez exprimir sentimentos opostos, inteiramente<br />
harmônicos com a personalidade<br />
dela. Não propriamente<br />
quando ela falava de castigos de povos<br />
ou de civilizações – tema que ela<br />
conhecia, mas entrava pouco em suas<br />
cogitações cotidianas –, mas quando<br />
tratava de determinadas punições,<br />
degradações ou deteriorações individuais,<br />
com o resultado que isso trazia.<br />
Assim, ao referir-se a alguma pessoa<br />
que moralmente decaíra muito,<br />
se degradara, quando a degradação<br />
era horripilante, mamãe tinha um<br />
modo de exprimir-se por onde aparecia,<br />
em relação aos aspectos morais<br />
daquela pessoa, um asco que indicava,<br />
ao mesmo tempo, uma espécie<br />
de dobre de finados.<br />
Era como quem dava a entender<br />
o seguinte: aquilo está de tal maneira<br />
deteriorado que tem o desagradável<br />
do putrefato, e a própria sanidade<br />
da pessoa exige que o apodrecido seja<br />
enviado ao lixo, destruído. A destruição<br />
do putrefato é um sinal de saúde,<br />
e o horror ao putrefato é um indício<br />
de integridade. A aversão dela a degradações<br />
morais muito grandes era<br />
idêntica à repulsa à putrefação.<br />
Não era, portanto, o sentimento<br />
de justiça considerado meramente<br />
em abstrato – praticou tal ato altamente<br />
censurável, logo precisa ser<br />
punido –, mas uma classificação de<br />
um determinado estado de alma como<br />
execrável e purulento. E, no purulento,<br />
a repulsa cheia de desdém e<br />
a necessidade do extermínio. Entretanto,<br />
esse extermínio apresentava-<br />
-se sob a forma de um respeito a si<br />
mesma e à ordem superior posta por<br />
Deus, violada por alguém a um ponto<br />
inimaginável.<br />
Nesse caso, não vi que coubesse<br />
uma referência à misericórdia a não<br />
ser do seguinte lado: “O coitado do<br />
Fulano, a coitada da Fulana”. Porém<br />
eram coitados porque tinham caído<br />
naquele estado de putrefação e, portanto,<br />
mereciam a repulsa, a rejeição.<br />
Não era uma atitude assim: “Não vamos<br />
repelir porque ele é um coitado...”;<br />
mas o contrário: “Coitado, ele<br />
precisa ser repelido...” Nisso entrava<br />
a boa ordenação do espírito dela.<br />
Admiração pela<br />
combatividade<br />
Essa posição se transpunha também<br />
para uma grande admiração à<br />
valentia. Não que Dona Lucilia admirasse<br />
a valentia enquanto valentia,<br />
em qualquer circunstância onde uma<br />
pessoa fosse corajosa, mas a valentia<br />
aplicada contra certas situações concretas,<br />
putrefatas e altamente dete-<br />
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