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Futebol na Olimpíada Rio 2016: história e comunicabilidade no Jornal Nacional (Lucas Rodrigues Félix)

Trabalho sobre o predomínio do futebol em relação aos demais esportes na repercussão midiática, especialmente televisiva, analisando em retrospectiva o seu impacto no país e o histórico de exibições da TV Globo na área. Averigua-se de forma destacada a cobertura realizada pela emissora diante da final masculina entre Brasil e Alemanha durante a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e a edição do Jornal Nacional sobre a conquista brasileira.

Trabalho sobre o predomínio do futebol em relação aos demais esportes na repercussão midiática, especialmente televisiva, analisando em retrospectiva o seu impacto no país e o histórico de exibições da TV Globo na área. Averigua-se de forma destacada a cobertura realizada pela emissora diante da final masculina entre Brasil e Alemanha durante a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e a edição do Jornal Nacional sobre a conquista brasileira.

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0<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES<br />

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />

LUCAS RODRIGUES FÉLIX<br />

FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO <strong>2016</strong>:<br />

HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL<br />

NATAL, RN<br />

2017


LUCAS RODRIGUES FÉLIX<br />

FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO <strong>2016</strong>:<br />

HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL<br />

Mo<strong>no</strong>grafia apresentada ao Departamento de<br />

Comunicação Social da Universidade Federal do <strong>Rio</strong><br />

Grande do Norte como requisito parcial para a<br />

obtenção do grau de bacharel em Comunicação<br />

Social – Jor<strong>na</strong>lismo.<br />

Orientação: Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro.<br />

NATAL, RN<br />

2017


LUCAS RODRIGUES FÉLIX<br />

FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO <strong>2016</strong>:<br />

HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL<br />

Mo<strong>no</strong>grafia apresentada ao Departamento de<br />

Comunicação Social da Universidade Federal do <strong>Rio</strong><br />

Grande do Norte como requisito parcial para a<br />

obtenção do grau de bacharel em Comunicação<br />

Social – Jor<strong>na</strong>lismo, sob a orientação da Prof.ª Dra.<br />

Lilian Carla Muneiro.<br />

Aprovada em ___ de _______ de 2017<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

___________________________________________________________<br />

Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro<br />

Orientadora – Universidade Federal do <strong>Rio</strong> Grande do Norte<br />

___________________________________________________________<br />

Prof. Dr. Antoni<strong>no</strong> Condorelli<br />

Exami<strong>na</strong>dor – Universidade Federal do <strong>Rio</strong> Grande do Norte<br />

___________________________________________________________<br />

Prof. Dr. Luiz Fer<strong>na</strong>ndo Dal Pian Nobre<br />

Exami<strong>na</strong>dor – Universidade Federal do <strong>Rio</strong> Grande do Norte<br />

NATAL, RN<br />

2017


3<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Agradeço primeiramente a Deus, pela força para enfrentar as jor<strong>na</strong>das da vida,<br />

inclusive academicamente. E pela fé em sempre permitir que se enxergue o futuro, motivação<br />

necessária para superar os desafios do presente.<br />

À minha família, em especial minha mãe Cláudia Andreza, um suporte essencial com<br />

seu apoio ao longo de toda a trajetória, e minha tia Francisca Doriela, pela inspiração para os<br />

estudos.<br />

Aos amigos feitos ao longo da graduação e dos estágios. A Universidade Federal do<br />

<strong>Rio</strong> Grande do Norte (UFRN), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Advocacia Geral<br />

da União (AGU) serão três instituições por que nutrirei grande carinho. Numa feliz<br />

coincidência, todas federais. Que possam, cada uma ao seu modo, ajudar o Brasil a ser cada<br />

vez mais um lugar justo para os seus cidadãos.<br />

E dentro do corpo docente da UFRN, tive a alegria de encontrar Lilian Muneiro, uma<br />

orientadora que acreditou neste projeto desde a sua idealização, auxiliando ao máximo <strong>na</strong><br />

ampliação dos conhecimentos para que se tor<strong>na</strong>sse realidade.<br />

Aos amigos do Twitter, um ponto de convergência entre esta e tantas outras ideias.<br />

Muito obrigado aos colegas da rede que me inspiram, incentivam e ajudam a tentar ser um<br />

jor<strong>na</strong>lista melhor. Em especial, ao Alef de Lima, que possibilitou esta pesquisa com o seu<br />

acervo de gravações, e ao Yves Andrade, com quem compartilhei mais de perto o sonho<br />

olímpico da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>. Através deles, represento também várias outras grandes pessoas que<br />

conheci durante os Jogos.<br />

E aos entrevistados, aos que intermediaram alguns dos contatos e tantos outros que<br />

dedicaram um pouco do seu tempo ajudando não ape<strong>na</strong>s nesta mo<strong>no</strong>grafia, mas também em<br />

diversos momentos ao longo do curso.


4<br />

Nossa admiração é ainda maior, pois vocês conseguiram<br />

fazer isso em um momento muito difícil <strong>na</strong> <strong>história</strong><br />

brasileira. Sempre acreditamos em vocês. A sua paixão<br />

pelo esporte e a sua alegria de viver <strong>no</strong>s inspiram.<br />

Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> cerimônia de abertura da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>


5<br />

RESUMO<br />

O futebol e a imprensa se caracterizam desde o surgimento da modalidade <strong>no</strong> país por uma<br />

relação de interdependência, ampliada com o advento da televisão e consequente transmissão<br />

dos jogos. Este trabalho trata do predomínio do futebol em relação aos demais esportes <strong>na</strong><br />

repercussão midiática, especialmente televisiva, a<strong>na</strong>lisando em retrospectiva o seu impacto <strong>no</strong><br />

país e o histórico de exibições da TV Globo <strong>na</strong> área, assuntos coincidentes em diversos<br />

momentos ao longo de décadas, principalmente durante as partidas da Seleção Brasileira.<br />

Averigua-se de forma destacada a cobertura realizada pela emissora diante da fi<strong>na</strong>l masculi<strong>na</strong><br />

entre Brasil e Alemanha durante a <strong>Olimpíada</strong> de <strong>2016</strong>, <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, e a edição do Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l sobre a conquista brasileira, observando por diferentes vertentes, como<br />

entrevistando jor<strong>na</strong>listas envolvidos, a prioridade dedicada ao futebol mesmo em um evento<br />

poliesportivo como os Jogos Olímpicos.<br />

Palavras-chave: futebol; Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l; <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>; Seleção Brasileira; TV Globo


6<br />

ABSTRACT<br />

Football and the press have been characterized since the emergence of the sport in the country<br />

by a relation of interdependence, amplified with the advent of television and subsequent<br />

broadcasts of the games. This mo<strong>no</strong>graph shows the predomi<strong>na</strong>nce of the repercussion of<br />

football in relation to other sports in the media, especially television, a<strong>na</strong>lyzing in retrospect<br />

its impact on the country and the history of TV Globo transmissions in this field, two issues<br />

that intersected at various moments over the decades, mainly during the matches of the<br />

Brazilian Natio<strong>na</strong>l Team. An a<strong>na</strong>lysis of the broadcaster's coverage of the men's fi<strong>na</strong>l between<br />

Brazil and Germany during the <strong>2016</strong> Olympics in <strong>Rio</strong> de Janeiro is highlighted, as is the<br />

Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l news show about the Brazilian victory, observing from a number of different<br />

angles, for example as interviewing jour<strong>na</strong>lists involved, in the priority that was dedicated to<br />

football event during a multi-sport event such as the Olympic Games.<br />

Keywords: Brazilian Natio<strong>na</strong>l Team; football; Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l; <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>; TV Globo


7<br />

LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 1 Capturas da vinheta de abertura das transmissões da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> <strong>na</strong> Globo, intituladas<br />

Somos Todos Olímpicos .......................................................................................................... 21<br />

Figura 2 Visão exter<strong>na</strong> do prédio do Grupo Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico .............................. 22<br />

Figura 3 Visão inter<strong>na</strong> do prédio do Grupo Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico ............................... 69<br />

Figura 4 Integrantes da cobertura da TV Globo <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> ...... 70<br />

Figura 5 Inserções visuais da TV Globo durante a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> ...... 74<br />

Figura 6 Globo, Band, Record e SporTV retransmitem o si<strong>na</strong>l gerado pela OBS <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do<br />

futebol masculi<strong>no</strong> .................................................................................................................... 74<br />

Figura 7 Jogadores e técnico da Seleção Brasileira choram após a conquista do ouro olímpico<br />

.................................................................................................................................................. 75<br />

Figura 8 Público <strong>no</strong> Maracanã durante a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> ..................... 76<br />

Figura 9 R. Vasconcellos e G. Bue<strong>no</strong> <strong>no</strong> estúdio da TV Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico ........... 82<br />

Figura 10 Capturas do clipe do JN sobre o revezamento da tocha olímpica ......................... 84<br />

Figura 11 Reportagem do JN sobre a repercussão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> ...................... 94<br />

Figura 12 Inserções visuais da TV Globo sobre seu prédio <strong>no</strong> Parque Olímpico em 20 de<br />

agosto de <strong>2016</strong> ........................................................................................................................ 97<br />

Figura 13 Eric Faria entrevista Weverton, R. Micale, Marquinhos e R. Augusto ................. 98<br />

Figura 14 Cabine da TV Globo acima das demais posições da imprensa <strong>no</strong> Maracanã ........ 99<br />

Figura 15 Torcedores acompanham a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> em telões ........ 100<br />

Figura 16 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de <strong>2016</strong> .................. 103<br />

Figura 17 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de <strong>2016</strong> .................. 104<br />

Figura 18 Selo de encerramento do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l em 20 de agosto de <strong>2016</strong> ................. 105


8<br />

LISTA DE TABELAS<br />

Tabela 1 Relação entre marcas patroci<strong>na</strong>doras da TV Globo e da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> ......................... 83<br />

Tabela 2 Audiência do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Grande São Paulo durante a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> .............. 88<br />

Tabela 3 Audiência da TV Globo <strong>na</strong> Grande São Paulo durante as transmissões de medalhas<br />

de ouro brasileiras <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> ............................................................................................... 90


9<br />

SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10<br />

1 A TELEVISÃO NO BRASIL ............................................................................................ 12<br />

1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver” ................................................................................. 15<br />

2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL .................................................................................... 24<br />

2.1 1950: a Copa perdida <strong>no</strong> Maracanã .............................................................................. 27<br />

2.2 Enfim campeão do mundo – e por cinco vezes ............................................................ 30<br />

2.3 O Brasil <strong>no</strong> centro das atenções ................................................................................... 47<br />

2.3.1 A Copa das Copas .............................................................................................. 50<br />

2.4 Chapecoense e o luto pela maior tragédia do futebol ................................................... 54<br />

3 O OURO INÉDITO NA RIO <strong>2016</strong>: HISTÓRIA E NARRATIVIDADE NO JN ......... 61<br />

3.1 Um sábado histórico <strong>no</strong> Maracanã ............................................................................... 65<br />

3.2 As sema<strong>na</strong>s olímpicas <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l .................................................................. 77<br />

3.2.1 20 de agosto de <strong>2016</strong>, um dia de ouro ............................................................... 89<br />

3.2.2 Apontamentos da <strong>na</strong>rrativa do JN ...................................................................... 97<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 110<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 112


10<br />

INTRODUÇÃO<br />

Trazido ao Brasil <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l do século XIX, o futebol se tor<strong>no</strong>u rapidamente um símbolo<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para além do seu aspecto competitivo, com a Seleção por muitas vezes representando<br />

a essência do país e despertando impressões superlativas <strong>na</strong> população, o que se acentua<br />

durante os grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.<br />

Nas últimas décadas, uma das maiores responsáveis pela difusão da modalidade <strong>no</strong><br />

Brasil é a TV Globo, que além da exibição regular de partidas e de contar com uma<br />

programação diária dedicada ao tema, utiliza-se do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, seu principal espaço<br />

editorial, para a repercussão dos instantes mais marcantes da vida esportiva – e<br />

consequentemente futebolística - <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Durante os Jogos Olímpicos do <strong>Rio</strong> de Janeiro, a emissora fez o que considera a maior<br />

cobertura da sua <strong>história</strong>, com diversas atrações, como o JN, sendo apresentadas de um<br />

estúdio especialmente instalado <strong>no</strong> Parque Olímpico. No período do evento, além dos<br />

apresentadores habituais, o telejor<strong>na</strong>l foi ancorado também por Galvão Bue<strong>no</strong>, <strong>na</strong>rrador<br />

<strong>no</strong>tório por utilizar a emoção de forma incisiva em suas transmissões, como <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do<br />

futebol masculi<strong>no</strong> da <strong>Olimpíada</strong> de <strong>2016</strong>, decidida entre Brasil e Alemanha <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis.<br />

O objeto de análise concentra-se <strong>na</strong> cobertura empregada pela TV Globo desde a<br />

derradeira cobrança de Neymar, que permitiu a conquista da medalha de ouro pela Seleção<br />

Brasileira, observando toda a repercussão subsequente <strong>no</strong>s comentários e entrevistas levados<br />

ao ar ainda durante a transmissão, bem como <strong>na</strong> edição do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l que a sucedeu.<br />

Para isto, além dos instantes referidos, foi verificado o padrão de <strong>na</strong>rrativa <strong>na</strong><br />

cobertura do JN ao longo de todo o período olímpico, assim como o tratamento empregado ao<br />

tema. A pesquisa contou com referências sobre o histórico do jor<strong>na</strong>lismo esportivo,<br />

concentrando-se metodologicamente <strong>na</strong> significação da enunciação destacada por Fiorin<br />

(2004).<br />

Este trabalho organiza-se em três capítulos, sendo o inicial dedicado a resumir<br />

brevemente o surgimento da televisão <strong>no</strong> país, bem como o desenvolvimento da TV Globo ao<br />

seu posto de principal rede brasileira, regularmente alinhado com a exibição de grandes<br />

coberturas ligadas ao esporte. Recupera-se todo o histórico de transmissões olímpicas do


11<br />

ca<strong>na</strong>l desde a estreia em Munique 1972, incluindo-se também a sua postura <strong>na</strong> única edição<br />

em que não possuiu os direitos de exibição dos Jogos, em Londres 2012.<br />

O capítulo seguinte destaca, com o auxílio de diversas publicações, a <strong>história</strong> do<br />

futebol <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l desde a sua origem, com o acompanhamento dos avanços inerentes ao<br />

crescimento da modalidade, bem como dos mais relevantes jogadores e clubes do país. A<br />

principal <strong>na</strong>rrativa nele presente concentra-se <strong>na</strong> trajetória da Seleção Brasileira, evidenciando<br />

a importância dedicada ao time pelo país em variados instantes, inclusive seguindo a evolução<br />

das plataformas midiáticas.<br />

O terceiro capítulo une as temáticas, demonstrando a relação entre a televisão e o<br />

futebol aplicada pela TV Globo com o triunfo brasileiro <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>. Demonstra-se o<br />

discurso utilizado pela emissora, versando ainda sobre o simbolismo de determi<strong>na</strong>das figuras<br />

e instituições. Neste trecho, a pesquisa busca referências, como <strong>na</strong> comparação de tempo<br />

dedicado aos diferentes esportes e <strong>na</strong> análise de profissio<strong>na</strong>is de mídia envolvidos <strong>na</strong><br />

cobertura, para constatar se a mo<strong>no</strong>cultura esportiva brasileira, voltada de forma majoritária<br />

ao futebol, foi ou não alterada pela realização dos Jogos Olímpicos <strong>no</strong> país.


12<br />

1 A TELEVISÃO NO BRASIL<br />

Eletrodoméstico líder em popularidade <strong>no</strong> país, presente em mais de 97% dos lares, de<br />

acordo com a Pesquisa Nacio<strong>na</strong>l por Amostra de Domicílios 1 de 2015 do Instituto Brasileiro<br />

de Geografia e Estatística (IBGE) 2 , a televisão chegou ao Brasil sem atingir de imediato um<br />

grande número de telespectadores. Em 18 de setembro de 1950, o público paulista<br />

acompanhava a estreia da TV Tupi 3 , planejada desde o fim da Segunda Guerra Mundial pelo<br />

grupo Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand. O si<strong>na</strong>l, porém, não chegava a<br />

todo o estado, sendo forte especialmente <strong>na</strong> capital e em cidades mais próximas.<br />

Segundo o jor<strong>na</strong>l O Estado de S. Paulo 4 , ape<strong>na</strong>s poucas cente<strong>na</strong>s de pessoas<br />

acompanharam a transmissão i<strong>na</strong>ugural, exibida para cerca de 200 televisores<br />

contrabandeados por Chateaubriand. Alguns desses aparelhos foram instalados em vitrines <strong>no</strong><br />

Centro da capital paulista para chamar a atenção dos curiosos, enquanto outros foram<br />

distribuídos entre perso<strong>na</strong>lidades <strong>no</strong>táveis da sociedade, como o jor<strong>na</strong>lista Roberto Marinho<br />

(ALVES, 2008, p. 271).<br />

Nos a<strong>no</strong>s 1950, com exibições ainda em preto e branco, a programação limitava-se a<br />

duas vertentes básicas, com inspiração <strong>no</strong> modelo radiofônico, inclusive contratando diversos<br />

profissio<strong>na</strong>is oriundos dele, e também <strong>no</strong>s métodos estadunidenses, tanto <strong>na</strong> própria televisão<br />

quanto <strong>no</strong> cinema. O conteúdo, voltado majoritariamente ao seleto público elitista com capital<br />

econômico para adquirir os aparelhos, ajudava a restringir a audiência inicial, o que não<br />

atrapalhava, contudo, <strong>na</strong> expansão regio<strong>na</strong>l das redes, com a i<strong>na</strong>uguração da sucursal carioca<br />

da Tupi ocorrendo poucos meses depois.<br />

1<br />

O índice é correspondente a cerca de 66 milhões de domicílios. Disponível em:<br />

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf. Acesso em: 09 jun. 2017.<br />

2<br />

Em 2000, a porcentagem era de 87,2%, ainda ligeiramente inferior aos números referentes ao rádio. Disponível<br />

em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-04-27/ibge-pela-1-vez-domicilios-brasileiros-tem-mais-tv-egeladeira-d.html.<br />

Acesso em: 11 mar. 2017.<br />

3<br />

O primeiro ca<strong>na</strong>l do país ficaria <strong>no</strong> ar ao longo de trinta a<strong>no</strong>s. Disponível em:<br />

http://fer<strong>na</strong>ndomorgado.com.br/artigo/tupi-a-historia-completa-da-tv-pioneira. Acesso em: 08 jun. 2017.<br />

4<br />

A afirmação foi feita em um especial sobre as seis décadas da primeira transmissão. Disponível em:<br />

http://cultura.estadao.com.br/<strong>no</strong>ticias/televisao,ha-60-a<strong>no</strong>s-era-i<strong>na</strong>ugurada-a-tv-tupi-primeira-emissora-de-tv-dobrasil,611809.<br />

Acesso em: 29 mar. 2017.


13<br />

Naquele tempo, o recurso do videoteipe era inexistente, com as exibições ocorrendo ao<br />

vivo, sujeitas a gafes. O livro Chatô, o Rei do Brasil (1994) relata que a primeira transmissão<br />

foi repleta de percalços.<br />

Para desespero generalizado, aconteceu o que ninguém poderia imagi<strong>na</strong>r: uma das<br />

câmeras pifou. Não é verdadeira a versão de que o defeito tenha sido provocado por uma<br />

garrafa de champanhe quebrada <strong>na</strong> câmera por Chateaubriand, durante a cerimônia da<br />

tarde – até porque não houve batismo com champanhe. A suspeita que rei<strong>na</strong>va entre os<br />

técnicos era a de que a água-benta espargida sobre as câmeras por Dom Paulo Rolim<br />

Loureiro tivesse molhado e danificado alguma válvula. Mas, qualquer que fosse a causa,<br />

ninguém localizar o defeito. E tudo tinha sido ensaiado cente<strong>na</strong>s de vezes para ser<br />

transmitido por três câmeras, não duas. (MORAIS, 1994, p. 503)<br />

A pouca experiência explicava os problemas. O Brasil era o país primeiro da América<br />

Lati<strong>na</strong> a contar com uma emissora e o quarto em todo o mundo, depois ape<strong>na</strong>s dos Estados<br />

Unidos, da Inglaterra e da França. A pouca força comercial da plataforma <strong>na</strong> época tida como<br />

“rádio como imagens” era compensada pelo próprio Chateaubriand, que possuía um robusto<br />

império midiático sob seu domínio.<br />

Como forma de atrair os anunciantes, os programas ganhavam a inclusão dos<br />

patroci<strong>na</strong>dores em seus <strong>no</strong>mes, algo que já era comum também <strong>no</strong> rádio. Foi assim com o<br />

Repórter Esso, primeiro espaço dedicado regularmente ao jor<strong>na</strong>lismo <strong>na</strong> televisão brasileira,<br />

com estreia em 1952. O programa era produzido pela agência america<strong>na</strong> McCann Erickson,<br />

que também se responsabilizava pela publicidade da rede de postos de gasoli<strong>na</strong> que o<br />

batizava. Tinha diversas edições diárias, marcadas por <strong>no</strong>tícias curtas e rápidas. Assim como<br />

<strong>no</strong> jor<strong>na</strong>lismo televisivo, a Tupi foi igualmente pioneira <strong>no</strong> entretenimento, inclusive <strong>na</strong><br />

dramaturgia, que se utilizava melhor de que o jor<strong>na</strong>lismo, esse quase que inteiramente lido, do<br />

poder de ilustração do <strong>no</strong>vo meio. Seu primeiro grande sucesso foi a adaptação de uma<br />

radio<strong>no</strong>vela para a televisão (SILVA, 2004, p. 24).<br />

Em 1960, a <strong>no</strong>va capital federal, Brasília, já foi i<strong>na</strong>ugurada com a cobertura de três<br />

ca<strong>na</strong>is (TV Nacio<strong>na</strong>l, TV Alvorada e TV Brasília). Mas foi a antiga sede do poder, o <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, que evidenciou o poder televisivo ao longo da década, com a consagração da<br />

tele<strong>no</strong>vela O Direito de Nascer, que com seu capítulo fi<strong>na</strong>l lotou ginásios <strong>na</strong>s duas maiores<br />

cidades do país, mostrando a força do <strong>no</strong>vo meio, que ainda era uma <strong>no</strong>vidade para a maioria<br />

das famílias 5 .<br />

5<br />

Pelo país, a trama tinha a audiência de cerca de 75% dos televisores existentes. Disponível em:<br />

https://eco<strong>no</strong>mia.uol.com.br/blogs-e-colu<strong>na</strong>s/colu<strong>na</strong>/rei<strong>na</strong>ldo-polito/2015/08/13/o-direito-de-<strong>na</strong>scer-50-a<strong>no</strong>smemoria-de-um-garoto-que-conheceu-os-astros.htm.<br />

Acesso em: 12 mai. 2017.


14<br />

Atualmente a maior emissora de televisão da América Lati<strong>na</strong> e do hemisfério Sul 6 , a<br />

TV Globo foi levada ao ar pela primeira vez em 26 de abril de 1965, sendo o mais importante<br />

empreendimento do grupo comandado pelo empresário e jor<strong>na</strong>lista Roberto Marinho 7 , que <strong>na</strong><br />

época já possuía rádio e jor<strong>na</strong>l homônimos 8 .<br />

De acordo com reportagem de 2014 da revista The Eco<strong>no</strong>mist 9 , 91 milhões de<br />

brasileiros sintonizam a rede diariamente. Índices distantes dos da estreia do ca<strong>na</strong>l, feita<br />

ape<strong>na</strong>s para o <strong>Rio</strong> de Janeiro às 11 da manhã daquele 26/04, com a exibição do Hi<strong>no</strong><br />

Nacio<strong>na</strong>l, seguido por um programa infantil. Nos seus primeiros meses, a Globo seguiria sem<br />

empolgar o público. Entre os programas exibidos nessa fase, estava até mesmo o de Silvio<br />

Santos – esse, entretanto, restrito somente para São Paulo - que <strong>na</strong> época ainda não possuía a<br />

concessão do seu próprio ca<strong>na</strong>l 10 . Já <strong>no</strong> primeiro dia de programação, também foi ao ar a<br />

tele<strong>no</strong>vela inicial da <strong>história</strong> da emissora, embora diversos horários da programação fossem<br />

ocupados por enlatados estadunidenses 11 . O lançamento e a consequente ampliação ca<strong>na</strong>l<br />

aproveitaram uma época de grande expansão da televisão entre os brasileiros, com<br />

crescimento constante em alcance de público e em participação <strong>no</strong> mercado publicitário. O<br />

regime militar se aproveitava da popularidade do meio para expandir sua ideologia 12 , num<br />

acordo tácito para a manutenção da ordem vigente, prática que se repetiria também <strong>na</strong><br />

democracia, com a distribuição de concessões das afiliadas para grupos políticos.<br />

6<br />

A emissora figura também entre as maiores do mundo. Disponível em: http://www.jb.com.br/heloisatolipan/<strong>no</strong>ticias/2012/05/09/globo-sobe-em-ranking-e-tor<strong>na</strong>-se-segunda-maior-emissora-do-mundo/.<br />

Acesso em:<br />

09 mar. 2017.<br />

7<br />

Ele acompanhou todo o processo de fundação do jor<strong>na</strong>l em 1925. A rádio seria fundada ape<strong>na</strong>s em 1944.<br />

Disponível em: http://www.robertomarinho.com.br/vida/trajetoria/empreendedor.htm. Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

8<br />

Atualmente, o Grupo Globo figura entre os principais conglomerados de mídia do mundo <strong>na</strong> somatória de todas<br />

as suas plataformas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/eco<strong>no</strong>mia/grupo-globo-o-17-maior-conglomeradode-midia-do-mundo-16159426.<br />

Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

9 A publicação lembra que esse número expressivo é atingido ape<strong>na</strong>s somente por um ca<strong>na</strong>l anualmente <strong>no</strong>s<br />

Estados Unidos. Disponível em: http://www.eco<strong>no</strong>mist.com/news/business/21603472-brazils-biggest-mediafirm-flourishing-old-fashioned-business-model-globo-domi<strong>na</strong>tion.<br />

Acesso em: 29 mar. 2017.<br />

10<br />

O animador seguiria <strong>na</strong> TV Globo até 1976. Disponível em:<br />

http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/auditorio-e-variedades/programa-silviosantos/formato.htm.<br />

Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

11<br />

Entre eles, filmes, séries e desenhos animados. Disponível em:<br />

http://<strong>no</strong>ticiasdatv.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/televisao/ha-50-a<strong>no</strong>s-globo-ensaiou-estreia-mas-so-ficou-famosa-comtragedia-7574.<br />

Acesso em: 29 mar. 2017.<br />

12<br />

O lema de integração <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l buscado pela Globo era coincidente aos interesses do gover<strong>no</strong> militar.<br />

Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/historia/como-era-a-vida-<strong>no</strong>-brasil-da-ditadura/. Acesso em:<br />

09 mar. 2017.


15<br />

No jor<strong>na</strong>lismo, o primeiro <strong>no</strong>ticiário foi o Tele Globo 13 , que ia ao ar em duas edições<br />

diárias. As informações esportivas eram abordadas também pela atração. Só a<strong>no</strong>s depois<br />

surgiria o primeiro espaço exclusivo ao tema, com o Esporte Espetacular 14 .<br />

Para a emissora, conforme o site institucio<strong>na</strong>l Memória Globo, seu primeiro momento<br />

significativo para a audiência 15 foi a cobertura das enchentes que afetaram a capital<br />

fluminense <strong>no</strong> verão de 1966. Em 1969, o ca<strong>na</strong>l já havia se expandido para São Paulo,<br />

conseguindo liderar também entre o público paulista<strong>no</strong> igualmente com a programação<br />

jor<strong>na</strong>lística, como <strong>na</strong> cobertura da chegada do homem à Lua. O sucesso se expandiria<br />

conforme o ca<strong>na</strong>l se modernizava, passando a adotar rapidamente transmissões a cores, e se<br />

interiorizava, ampliando a rede de emissoras para além da região Sudeste, ao que<br />

paralelamente também ampliava o modelo com uma grade de programação fixa e<br />

diversificada.<br />

1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver”<br />

Em 1º de setembro de 1969, entrou <strong>no</strong> ar outro marco da TV Globo: o Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l. Primeiro <strong>no</strong>ticiário exibido <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente, com duração inicial média de 15<br />

minutos, o JN foi formado por vários <strong>no</strong>mes egressos da imprensa escrita, especialmente do<br />

jor<strong>na</strong>l O Globo, pertencente ao mesmo grupo. Desde o princípio já tinha a transmissão fixada<br />

de segunda a sábado, porém começava mais cedo do que atualmente, tendo seu horário<br />

postergado ao longo dos a<strong>no</strong>s de acordo com os hábitos dos brasileiros, especialmente pelo<br />

trânsito <strong>na</strong>s metrópoles. Em princípio, a atração diferenciava de forma clara o <strong>no</strong>ticiário<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e local. As <strong>no</strong>tícias do exterior ganhavam grande espaço por serem<br />

13<br />

Ele é considerado o precursor do atual Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. Disponível em:<br />

http://cartaodevisita.r7.com/conteudo/1238/em-1965-surgia-o-tele-globo-o-precursor-do-jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>no</strong>slares-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

14<br />

A atração inicialmente também dependia de muito conteúdo estrangeiro, demorando alguns a<strong>no</strong>s para adotar a<br />

tendência da programação de valorizar o conteúdo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Segue veiculada até hoje <strong>na</strong>s manhãs de domingo,<br />

sendo apresentada por Fer<strong>na</strong>nda Gentil e Felipe Andreoli. Disponível em:<br />

http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/esporte-espetacular-4961. Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

15<br />

Antes, o ca<strong>na</strong>l chegou a exibir em videoteipe uma partida de futebol amistosa entre Brasil e União Soviética<br />

ainda <strong>no</strong> a<strong>no</strong> da sua fundação. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/esporteespetacular-transmissao-do-primeiro-jogo-de-futebol-pela-globo-em-1965-2015/3877033/.<br />

Acesso em: 04 mar.<br />

2017.


16<br />

me<strong>no</strong>s sensíveis às restrições impostas pela censura, <strong>na</strong> época em sua fase mais <strong>no</strong>civa após a<br />

emissão do Ato Institucio<strong>na</strong>l nº 5 pelo presidente Costa e Silva 16 .<br />

Entre outros acordos firmados pouco após a i<strong>na</strong>uguração, a TV Globo se <strong>no</strong>tabilizou<br />

historicamente como uma parceira do Comitê Olímpico Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (COI) para as<br />

transmissões olímpicas. A opção por levar ao ar megaeventos foi uma estratégia da rede para<br />

crescer a sua popularidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente de forma rápida, aproveitando-se da dimensão<br />

desse tipo de competição e seguindo o padrão estrangeiro, em especial estadunidense, que a<br />

influenciou por a<strong>no</strong>s, graças ao acordo com a Time-Life, grupo que dava suporte técnico e<br />

fi<strong>na</strong>nceiro <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s iniciais da Globo.<br />

A emissora transmitiu os Jogos de Munique 17 sete a<strong>no</strong>s após a sua criação, depois de<br />

ter exibido também a Copa do Mundo de 1970. No primeiro importante momento mundial<br />

em solo germânico desde a Segunda Guerra Mundial, algumas das provas foram exibidas ao<br />

vivo. O número de transmissões, porém, era reduzido. Na época, a geração do si<strong>na</strong>l<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ficava sob o comando de uma emissora do país-sede, assim enfocando<br />

basicamente os atletas locais. A boa repercussão garantiu mais espaço ao esporte <strong>no</strong><br />

<strong>no</strong>ticiário de forma regular, com a criação de uma divisão de esportes fixa a partir de 1973,<br />

conforme conta o livro Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l: a <strong>no</strong>tícia faz <strong>história</strong> (2004).<br />

A cobertura olímpica começou a se ampliar a partir dos Jogos de Moscou, em 1980,<br />

quando a Globo, <strong>na</strong> ocasião compartilhando direitos de transmissão com a TV Cultura,<br />

começou a enviar grandes equipes de jor<strong>na</strong>listas ao local do evento. Foi dessa edição em<br />

diante que o ca<strong>na</strong>l iniciou a cobertura de aspectos mais amplos dos Jogos, motivado por<br />

temas como o boicote de deze<strong>na</strong>s de países para as competições <strong>na</strong> então União Soviética.<br />

Repórteres de outras editorias também foram deslocados para acompanhar o modo de vida<br />

dos soviéticos 18 .<br />

Em 1984, <strong>na</strong> disputa em Los Angeles, a TV Globo contou pela primeira vez<br />

exclusivamente com um satélite seu, que lhe deu possibilidade da transmissão de seis horas<br />

16<br />

Baixado em 1968, o AI-5 é considerado o momento mais duro da ditadura militar brasileira. Disponível em:<br />

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 12 mai. 2017.<br />

17<br />

O ataque terrorista do grupo Setembro Negro acabaria por marcar a edição dos Jogos. Disponível em:<br />

http://torcedores.com/<strong>no</strong>ticias/<strong>2016</strong>/07/saiba-qual-foi-primeira-olimpiada-transmitida-ao-vivo-para-o-brasil.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

18<br />

Robert Feith, então correspondente em Londres, foi o principal encarregado desse perfil de matéria.<br />

Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/eventos-e-coberturas/olimpiada-de-moscou-<br />

1980/transmissao-e-cobertura.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.


17<br />

diárias de eventos. Essa foi a primeira <strong>Olimpíada</strong> coberta <strong>no</strong> local por Galvão Bue<strong>no</strong> (2015,<br />

p. 270), que classifica o evento como “a grande festa do esporte mundial”, ao unir “todos os<br />

povos com a filosofia representada pelos cinco anéis entrelaçados”. Ele também fazia<br />

entradas <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l comentando sobre os mais importantes resultados. Na época,<br />

porém, o principal locutor do ca<strong>na</strong>l era Osmar Santos 19 .<br />

Nos Jogos de Seul, em 1988, os direitos voltaram a ser compartilhados com outras<br />

redes, o que causou uma retração da cobertura global, já que Band, Manchete e SBT também<br />

transmitiam as competições. Já para a <strong>Olimpíada</strong> de 1992, em Barcelo<strong>na</strong>, quando retor<strong>no</strong>u a<br />

ter transmissão exclusiva, a Globo enviou correspondentes para a Espanha a partir do início<br />

do a<strong>no</strong>, acompanhando os preparativos para o evento, modelo que desde então se repete<br />

quando não há repórteres já baseados <strong>na</strong> sede de uma Copa ou <strong>Olimpíada</strong> previamente. Em<br />

2017, por exemplo, o repórter Marcelo Courrege foi deslocado para Moscou, onde<br />

permanecerá até o Mundial de <strong>Futebol</strong> da Rússia em 2018 20 .<br />

A competição de 1996 em Atlanta foi a primeira feita também pelo ca<strong>na</strong>l por<br />

assi<strong>na</strong>tura SporTV 21 , pertencente ao grupo, o que não reduziu as transmissões <strong>na</strong> televisão<br />

aberta. Galvão Bue<strong>no</strong>, já com o status de <strong>na</strong>rrador global número um, fez a cerimônia de<br />

abertura ao lado de Fátima Ber<strong>na</strong>rdes.<br />

19<br />

Osmar seguiria sendo privilegiado com as principais transmissões ao longo de toda a década, como também<br />

em 1986, durante a Copa do Mundo da Espanha. Disponível em:<br />

http://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2014/05/29/de-comentarista-ao-calaboca-relembre-galvao-bue<strong>no</strong>copa-a-copa/.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

20<br />

Antes das Copas de 2006 e 2010, esse papel coube a Re<strong>na</strong>to Ribeiro, hoje diretor-executivo de esportes da TV<br />

Globo. Disponível em: https://www.instagram.com/p/BPv5zBQA0fg/. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

21<br />

O ca<strong>na</strong>l por assi<strong>na</strong>tura foi lançado em 1991 sob a marca Top Sports, alterada para o <strong>no</strong>me atual somente em<br />

1995. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/<strong>no</strong>ticia/2011/05/sobre-o-sportv.html. Acesso em: 04 mar.<br />

2017.<br />

Possui em atividade fixamente três ca<strong>na</strong>is, <strong>no</strong> qual o primeiro é dedicado majoritariamente ao futebol.<br />

Frequentemente si<strong>na</strong>is da transmissão pay-per-view são abertos excepcio<strong>na</strong>lmente e <strong>no</strong>mi<strong>na</strong>dos também como<br />

ca<strong>na</strong>is SporTV quando há uma grande coincidência de eventos ao vivo.<br />

O caso mais <strong>no</strong>tório ocorreu <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos do <strong>Rio</strong> de Janeiro, quando foram 16 ca<strong>na</strong>is exibidos <strong>na</strong><br />

televisão e até 40 si<strong>na</strong>is <strong>na</strong> internet <strong>na</strong> mais ampla cobertura olímpica já feita por um meio de televisão<br />

brasileiro. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/programas/rio-<strong>2016</strong>/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/07/sportv-entregamaior-cobertura-dos-jogos-olimpicos-rio-<strong>2016</strong>.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

Um dos mais vigorosos braços da Globosat, a programadora de TV por assi<strong>na</strong>tura do Grupo Globo, que detém<br />

ainda outras marcas como Multishow, Viva e GNT, é atualmente um dos 10 ca<strong>na</strong>is mais assistidos entre os<br />

abertos e fechados. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/ooops/<strong>2016</strong>/11/08/em-outubroaudiencia-da-tv-aparecida-supera-multishow-discovery-e-warner.htm.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.


18<br />

Em Sidney, <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> de 2000, o número de horas <strong>no</strong> ar chegou diariamente a<br />

<strong>no</strong>ve. O fuso horário da Austrália colaborou para que fossem feitas transmissões<br />

praticamente ininterruptas ao longo de toda a madrugada.<br />

Para os Jogos de Ate<strong>na</strong>s, em 2004, o grande destaque ficou por conta de um evento<br />

realizado em solo brasileiro – e antes do começo das competições. Foi quando a tocha<br />

olímpica passou pela primeira vez <strong>no</strong> Brasil. O percurso do fogo sagrado pelas ruas do <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro como parte do revezamento inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que de forma inédita percorria os cinco<br />

continentes, foi acompanhado em boa parte do tempo ao vivo pela emissora 22 , que mostrou a<br />

aglomeração de mais de um milhão de pessoas pelas ruas da cidade.<br />

Na <strong>Olimpíada</strong> de Pequim, em 2008, a rede apostou em replicar o luxo dos anfitriões,<br />

construindo estúdios especiais tanto <strong>no</strong> centro inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de transmissões <strong>no</strong> Parque<br />

Olímpico, como <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro. A edição marcou ainda a primeira transmissão olímpica<br />

exibida em alta definição ao público brasileiro.<br />

Em Londres, <strong>na</strong> edição de 2012, pela primeira vez desde que começou a o fazer, a TV<br />

Globo não transmitiu os Jogos Olímpicos. A licitação inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l feita pelo COI definiu a<br />

Record como do<strong>na</strong> dos direitos de transmissão exclusivos do evento. O ca<strong>na</strong>l carioca se<br />

limitou a cobrir o evento protocolarmente, muitas vezes usando fotos para não ser obrigado a<br />

creditar a concorrente. Em todos os seus programas jor<strong>na</strong>lísticos que repercutiam de forma<br />

factual o universo esportivo, foi lida em tom editorial uma explicação pela limitação.<br />

Na cobertura das <strong>Olimpíada</strong>s, o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l seguirá as <strong>no</strong>rmas do Comitê Olímpico<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que limita o uso de imagens do evento pelos não detentores de direitos de<br />

transmissão. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 25 de julho de 2012. Disponível em<br />

http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/olimpiadas-de-londres-<br />

2012/4326788/)<br />

No Globo Esporte 23 , Tiago Leifert 24 , então apresentador da edição paulista 25 do<br />

programa, comentou <strong>na</strong> edição de 25 de julho de 2012, o primeiro dia de competições do<br />

22<br />

O ca<strong>na</strong>l fez flashes durante a programação mostrando os principais instantes do revezamento. Disponível em:<br />

http://textual.com.br/case/cob-e-prefeitura-do-rio-revezamento-da-tocha-olimpica-de-ate<strong>na</strong>s-2004-<strong>no</strong>-rio-dejaneiro/.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

23<br />

O programa é o espaço regular do esporte <strong>na</strong> grade de programação da Globo desde 1978, quando substituiu o<br />

Copa Brasil, que era dedicado ape<strong>na</strong>s ao futebol. É essencialmente exibido de segunda a sábado <strong>na</strong> hora do<br />

almoço desde 1983. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/programasesportivos/globo-esporte/evolucao.htm.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

24<br />

A atração paulista atualmente é comandada por Ivan Moré, que substituiu o próprio Tiago Leifert, quando<br />

esse, a exemplo de outros jor<strong>na</strong>listas da TV Globo, como Zeca Camargo, Fátima Ber<strong>na</strong>rdes e Patrícia Poeta,<br />

optou em migrar para o entretenimento. A edição do <strong>Rio</strong> de Janeiro, que responde como rede <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (ver <strong>no</strong>ta


19<br />

futebol <strong>no</strong>s Jogos, sobre a situação. Naquela altura, ele confirmou o retor<strong>no</strong> da TV Globo em<br />

<strong>2016</strong>, por um acordo de cerca de 200 milhões de dólares 26 , tendo em vista que a transmissão<br />

dos Jogos <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro já estava definida como compartilhada entre a própria Globo, a<br />

Record e a Band 27 . Essa última já havia sido parceira global em Ate<strong>na</strong>s e Pequim.<br />

Deixa eu conversar um negócio com vocês. Como vocês sabem, hoje é a abertura<br />

extraoficial das <strong>Olimpíada</strong>s de Londres. A abertura oficial é <strong>na</strong> sexta-feira, com a festa e<br />

tal. O futebol começa antes, começa hoje, tem Brasil e Camarões hoje à tarde, a Seleção<br />

femini<strong>na</strong> jogando. Amanhã tem Brasil e Egito, estreia da Seleção masculi<strong>na</strong>.<br />

Vocês sabem também que a Globo não detém os direitos de transmissão dessa <strong>Olimpíada</strong><br />

de Londres 2012. A gente volta em <strong>2016</strong>. Por não deter os direitos, a gente tem que seguir<br />

uma série de regras impostas por quem detém os direitos e também pelo Comitê Olímpico<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Então, a partir de hoje <strong>no</strong> Globo Esporte, a gente tem o direito de exibir por força<br />

contratual, dois minutos de imagens. E é isso que a gente vai fazer. É só isso que a gente<br />

pode fazer.<br />

Não é obviamente o que a gente quer, a gente sabe que vocês estão acostumados a assistir<br />

a <strong>Olimpíada</strong> aqui, dessa vez não vai dar. (Globo Esporte SP. 25 de julho de 2012.<br />

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8ZIPOpduWJQ)<br />

A Record, mesmo com a exclusividade, não repetiu os números globais em edições<br />

anteriores do evento, com momentos de destaque ape<strong>na</strong>s <strong>no</strong>s instantes decisivos dos esportes<br />

abaixo), é apresentada por Alex Escobar. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/sp/<strong>no</strong>ticia/2015/07/devolta-do-esporte-espetacular-ivan-more-assume-o-globo-esporte-sp.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

25<br />

Desde 2009, o Globo Esporte passou a se regio<strong>na</strong>lizar, mirando <strong>na</strong> época a reversão de uma crise de audiência<br />

em São Paulo. Disponível em: http://torcedores.com/<strong>no</strong>ticias/2015/07/globo-esporte-de-tiago-leifert-ajudouaudiencia-da-atracao-a-se-recuperar-de-crise.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

A partir de então, outros estados passaram a ir seguidamente ganhando edições próprias para que pudessem<br />

otimizar a duração de cerca de 30 minutos com as coberturas locais.<br />

Atualmente há versões integralmente próprias do programa em todos os estados do Sul e Centro-Oeste, além de<br />

Bahia, Per<strong>na</strong>mbuco, Ceará, Mi<strong>na</strong>s Gerais, São Paulo e <strong>Rio</strong> de Janeiro, sendo que a edição carioca segue como a<br />

de exibição <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l fixa para as praças que não possuem um GE inteiramente local, assim como para totalidade<br />

do Brasil em eventos marcantes, como <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos e <strong>no</strong>s dias subsequentes ao desastre aéreo da<br />

Chapecoense. Disponível em: http://<strong>na</strong>telinha.uol.com.br/colu<strong>na</strong>s/<strong>2016</strong>/11/30/como-a-televisao-cobriu-otragico-acidente-que-ficara-marcado-<strong>na</strong>-historia-103692.php.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

26<br />

Os direitos dos Jogos de 2012 custaram 60 milhões de dólares para a Record. Disponível em:<br />

https://olimpiadas.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/2015/12/10/globo-assegura-direitos-de-transmissao-das-olimpiadas-ate-<br />

2032.htm. Acesso em: 12 mai. 2017.<br />

27<br />

Globo e Band celebraram a aquisição dos direitos de forma conjunta em rara medida. O habitual é que o ca<strong>na</strong>l<br />

carioca sublicencie suas compras junto aos paulistas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-datv/proposta-conjunta-da-globo-band-vence-disputa-pelas-olimpiadas-de-<strong>2016</strong>-3137429.<br />

Acesso em: 04 mar.<br />

2017.


20<br />

coletivos. Liderou com a decisão do futebol entre Brasil e México 28 , <strong>na</strong> qual a Seleção ficou<br />

com a prata, guardando a esperada conquista do ouro inédito para o <strong>Rio</strong> de Janeiro.<br />

O ciclo olímpico da Record incluiu também a <strong>Olimpíada</strong> de Inver<strong>no</strong> de Vancouver,<br />

em 2010. Foi a primeira grande transmissão do evento <strong>na</strong> televisão aberta do Brasil 29 . A<br />

Globo acompanhava a versão gelada dos Jogos em reportagens desde 1980, mas jamais havia<br />

ousado exibir eventos. Em 2014, todavia, ao retomar os direitos, a emissora mostrou diversos<br />

momentos das disputas em Sochi ao vivo 30 . Dois a<strong>no</strong>s antes, já havia feito também uma<br />

cobertura mais generosa dos Jogos Paralímpicos 31 , apesar de nesse caso não transmitir<br />

nenhuma competição em tempo real.<br />

Ao contar de <strong>no</strong>vo com as <strong>Olimpíada</strong>s em seu portfólio de direitos esportivos, a<br />

Globo é detentora de todas as principais competições ao público brasileiro <strong>na</strong> atualidade, com<br />

exceção dos Jogos Pan-America<strong>no</strong>s, propriedade exclusiva da Record desde Guadalajara<br />

2011 32 . A rede televisiva da família Marinho, além dos Jogos Olímpicos de Verão e Inver<strong>no</strong><br />

e da Paralimpíada, possui também os campeo<strong>na</strong>tos mundiais de alguns dos principais<br />

esportes coletivos do país, como futebol e vôlei 33 , e de suas competições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

respectivamente, Brasileirão e Superliga 34 . Igualmente são da rede os direitos dos mundiais<br />

de atletismo e esportes aquáticos, do UFC e da Fórmula 1, além dos torneios inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is<br />

28<br />

Diante de fi<strong>na</strong>is envolvendo o Brasil também <strong>no</strong> vôlei femini<strong>no</strong> e <strong>no</strong> boxe masculi<strong>no</strong>, a Record foi líder de<br />

audiência em 11 de agosto de 2012 das 7h até pouco depois das 18h. Disponível em:<br />

http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/<strong>no</strong>ticias/record-conquista-lideranca-isolada-em-audiencia-comolimpiadas-20120812.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

29<br />

O ineditismo da Record foi recompensado <strong>na</strong> ocasião por celebrados números de audiência. Disponível em:<br />

https://www.youtube.com/watch?v=TV7wQgR8F5s. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

30<br />

Foi criado ainda um programa diário ao fim de <strong>no</strong>ite com o resumo das competições. Disponível em:<br />

http://redeglobo.globo.com/<strong>no</strong>vidades/esportes/<strong>no</strong>ticia/2014/02/sochi-2014-siga-cobertura-dos-jogos-olimpicosde-inver<strong>no</strong>-<strong>na</strong>-globo.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

31<br />

O modelo de boletim <strong>no</strong>tur<strong>no</strong> replicou a ideia já utilizada <strong>na</strong> Paralimpíada de Londres. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/<strong>no</strong>ticia/2012/08/boletim-paralimpico-traz-o-resumo-do-dia-dedisputas-em-londres.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

32<br />

Os direitos são válidos até a edição do Pan em Lima, em 2019. Disponível em:<br />

http://exame.abril.com.br/marketing/recorde-compra-direitos-de-exlcusividade-do-pan-2019/. Acesso em: 04<br />

mar. 2017.<br />

33<br />

As modalidades aparecem entre as 10 mais assistidas pelos brasileiros dentre as mais de 40 disputadas <strong>no</strong>s<br />

Jogos Olímpicos do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/os-10-esportes-maisassistidos-pelos-brasileiros-<strong>na</strong>-rio-<strong>2016</strong>/.<br />

Acesso em 04 mar. 2017.<br />

34<br />

Entre clubes e seleções, a Globo transmite aproximadamente 90 jogos de futebol e 15 de vôlei por a<strong>no</strong>,<br />

excetuando-se os grandes eventos.


21<br />

mais grandiosos, como a Liga dos Campeões da Europa e a NBA, liga de basquete dos<br />

Estados Unidos.<br />

Figura 1. Capturas da vinheta de abertura das transmissões da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> <strong>na</strong> Globo, intituladas Somos Todos<br />

Olímpicos (fonte: reprodução/TV)<br />

Suas transmissões costumam se destacar pela busca em engajar a torcida, se<br />

colocando como parte da mesma e assim criando um vínculo <strong>na</strong> tentativa de garantir a<br />

audiência. Em <strong>2016</strong>, o mote de toda a cobertura foi o slogan “somos todos olímpicos”,<br />

apresentado ao público em um clipe <strong>no</strong> Show da Virada 35 , a tradicio<strong>na</strong>l transmissão de A<strong>no</strong><br />

Novo do ca<strong>na</strong>l. A prática já é observada desde o Mundial de 1994, quando o tema escolhido<br />

foi “a Globo é mais Brasil”. Em 2010, também <strong>na</strong> Copa do Mundo, a campanha se baseou <strong>na</strong><br />

ideia que “<strong>no</strong>sso esporte é torcer pelo Brasil”, enquanto em 2014 se reforçou a buscada união<br />

entre emissora e público identificando que “somos um só”, caracterizando o status de<br />

tradição desse sentido.<br />

Ao longo do a<strong>no</strong> olímpico, essa aproximação entre a realidade esportiva e a dos<br />

indivíduos surgiu em campanhas feitas em ocasiões comemorativas, como o Dia da Mulher 36<br />

e a volta às aulas. Segundo a Publicação da Direção Geral de Negócios da Globo em<br />

outubro de 2015, o projeto buscou “o envolvimento dos brasileiros com o chamado espírito<br />

35<br />

A apresentadora Maria<strong>na</strong> Gross definiu o fato da realização dos Jogos Olímpicos como o início de “um a<strong>no</strong><br />

muito especial”. Disponível em: https://youtu.be/MEyQ7duBaF0?t=1455. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

36<br />

Nessa chamada, foi utilizado o elenco femini<strong>no</strong> do time de comentaristas do ca<strong>na</strong>l para os Jogos Olímpicos.<br />

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KFaKsVEumao. Acesso em 04 mar. 2017.


22<br />

olímpico”, colocando inspiração, educação, admiração e transformação como os pilares<br />

básicos do movimento. 37<br />

Figura 2. Visão exter<strong>na</strong> do prédio do Grupo Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico (fonte: arquivo pessoal)<br />

Para as transmissões <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, a Globo realizou a sua maior estrutura em toda<br />

a <strong>história</strong> 38 , com a dedicação, por exemplo, de 160 horas de exibições durante o evento 39 ,<br />

assim se dimensio<strong>na</strong>ndo de forma superior inclusive que a da estadunidense NBC, um feito<br />

inédito <strong>na</strong> <strong>história</strong> olímpica recente. Destacou-se <strong>no</strong> projeto, que envolveu mais de dois mil<br />

profissio<strong>na</strong>is de forma direta <strong>na</strong>s transmissões, o estúdio de vidro com 500 metros quadrados<br />

erguido <strong>na</strong> área central do Parque Olímpico, de onde foram apresentados programas da TV<br />

Globo, do SporTV e do globoesporte.com.<br />

Os dias dos Jogos representaram o ápice de uma ampla cobertura feita desde o<br />

momento em que a capital fluminense se tor<strong>no</strong>u cidade olímpica, em 2 de outubro de 2009.<br />

Na ocasião, o anúncio da vitória derradeira sobre Madri foi transmitido ao vivo e domi<strong>no</strong>u<br />

37<br />

Na publicação, o diretor Re<strong>na</strong>to Ribeiro lembrou que o envolvimento do público com as modalidades ocorre<br />

em grande parte por causa desses ideais (inspiração, educação, admiração e transformação). Disponível em:<br />

http://comercial2.redeglobo.com.br/biponline/BIP/BIP_609.pdf. Acesso em 04 mar. 2017.<br />

38<br />

Cerca de 100 horas foram de transmissões ao vivo. Disponível em:<br />

http://www.grupoglobo.globo.com/<strong>no</strong>ticias/empresas_grupo_globo_preparam_maior_cobertura_esportiva_da_su<br />

a_historia.php. Acesso em: 09 mar. 2017.<br />

39<br />

A decisão acarretou <strong>no</strong> cancelamento eventual de diversos programas da grade. Disponível em:<br />

http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/tv/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/08/olimpiada-muda-programacao-da-globo-e-tiravelho-chico-do-ar-<strong>na</strong>-proxima-sexta-feira-7105463.html.<br />

Acesso em: 09 mar. 2017.


23<br />

boa parte dos telejor<strong>na</strong>is do dia, inclusive do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l 40 , que dedicou quase a<br />

totalidade da sua escalada para a repercussão do fato.<br />

2 de outubro de 2009. O mundo conhece a sede dos Jogos Olímpicos de <strong>2016</strong>. <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro. Nossos repórteres mostram como foi a votação histórica do Comitê Olímpico<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A emoção da comitiva brasileira <strong>na</strong> cerimônia em Copenhague. A<br />

comemoração dos <strong>no</strong>ssos atletas com a apuração dos votos. As reações ao resultado <strong>na</strong>s<br />

cidades que perderam a disputa. E a festa popular <strong>na</strong> praia mais simbólica do Brasil.<br />

(Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 2 de outubro de 2009. Disponível em<br />

https://www.youtube.com/watch?v=Kcy2V-E7Gn4)<br />

O JN tradicio<strong>na</strong>lmente abre um grande espaço para a cobertura dos Jogos Olímpicos,<br />

sendo um dos raros momentos em que o esporte ganha peso suficiente para abrir edições e<br />

se sobressair diante das pautas política ou econômica. O fenôme<strong>no</strong> não é isolado e ocorre ao<br />

redor do planeta <strong>na</strong>s mais diferentes mídias, desde a predominância do jor<strong>na</strong>l impresso.<br />

Apesar disso, até <strong>2016</strong> jamais havia deslocado algum de seus principais<br />

apresentadores para cobrir o evento in loco, como faz com as Copas do Mundo desde 1998,<br />

algo que simboliza a dimensão de grande importância do futebol para o país.<br />

40<br />

A TV Globo acompanhou desde cedo, com o Bom Dia Brasil, o discurso do então presidente Luiz Inácio Lula<br />

da Silva em defesa da candidatura do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Mais tarde, interrompeu a primeira edição dos telejor<strong>na</strong>is<br />

locais para exibir as rodadas que elimi<strong>na</strong>ram Chicago e Tóquio da disputa. Disponível em:<br />

https://www.youtube.com/watch?v=GlIs5AFooUo. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

O anúncio oficial veio durante uma edição especial do Jor<strong>na</strong>l Hoje, ancorada por Sandra Annenberg do estúdio<br />

habitual em São Paulo e por Alex Escobar, de um especialmente montado para a ocasião <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro.<br />

O JH daquele 2 de outubro de 2009 rendeu 16 pontos de audiência, recorde do a<strong>no</strong>, superando os 14 pontos da<br />

edição de 1º de junho, quando ocorreu a tragédia aérea com o voo 447 da Air France. Disponível em:<br />

http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/rio-<strong>2016</strong>-um-sucesso-de-audiencia/. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

Além do correspondente fixo em Tóquio, a Globo deslocou enviados especiais para Copenhague, <strong>na</strong> Di<strong>na</strong>marca,<br />

onde aconteceu a reunião do Comitê Olímpico Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e para as demais cidades derrotadas, Chicago e<br />

Madri.


24<br />

2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL<br />

Entre os muitos estereótipos propagados mundo afora, talvez nenhum identifique tanto<br />

o Brasil como o lema de “país do futebol”, apesar do surgimento da modalidade - da forma<br />

mais aproximada a como a conhecemos - ter acontecido <strong>na</strong> Inglaterra. Nenhum outro esporte<br />

atinge hoje a dimensão do futebol <strong>na</strong> vida global. Por exemplo, a Organização das Nações<br />

Unidas (ONU) informa possuir 193 países-membros, enquanto a Federação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de<br />

<strong>Futebol</strong> (Fifa), conta com 211 países filiados 41 , número superior inclusive ao do Comitê<br />

Olímpico Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (COI), que possui 206 comitês <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is como membros.<br />

A inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização da modalidade é <strong>no</strong>tada inclusive <strong>na</strong> entrada do futebol <strong>no</strong><br />

Brasil, sendo trazido da Inglaterra por Charles Miller, um brasileiro descendente de ingleses<br />

que deixou o bairro paulista<strong>no</strong> do Brás rumo à Europa ainda criança, retor<strong>na</strong>ndo ape<strong>na</strong>s aos<br />

vinte a<strong>no</strong>s, após a conclusão dos estudos. Ao voltar, além da primeira bola de futebol a rolar<br />

em campos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, ele possuía ainda consciência das regras da modalidade, trazendo em<br />

sua bagagem ainda o livro com o conjunto delas 42 .<br />

Em 1894, o turfe e o remo, eram as modalidades mais destacadas pela imprensa.<br />

Somente com a formação de times entre os profissio<strong>na</strong>is das fábricas é que o futebol começou<br />

a ganhar atenção, ainda que limitada. O profissio<strong>na</strong>lismo passou a surgir em 1902, com a<br />

primeira disputa do Campeo<strong>na</strong>to Paulista 43 . Ape<strong>na</strong>s cinco equipes participaram da<br />

competição, vencida pelo São Paulo Athletic, time formado por descendentes ou filhos de<br />

ingleses, em uma fi<strong>na</strong>l assistida por quatro mil pessoas <strong>na</strong>s arquibancadas. O clube deixou de<br />

integrar o torneio dez a<strong>no</strong>s depois.<br />

Ao longo dos a<strong>no</strong>s seguintes, o futebol foi sendo expandindo, tanto entre as figuras<br />

<strong>no</strong>táveis da sociedade, como entre a população, passando rapidamente a se popularizar<br />

41<br />

A Fifa, desde o primeiro mandato do brasileiro João Havelange, em 1974, adotou um critério de globalização<br />

flexível, que considera diversos territórios sem auto<strong>no</strong>mia política como países. Disponível em:<br />

http://exame.abril.com.br/mundo/20-paises-que-fazem-parte-da-fifa-mas-<strong>na</strong>o-da-onu/. Na ONU, foram 51 os<br />

países fundadores, incluindo o Brasil, com o número também sendo ampliado ao passar das décadas. Disponível<br />

em: https://<strong>na</strong>coesunidas.org/conheca/paises-membros/. Acesso em: 25 abr. 2017.<br />

42<br />

Ao deixar a breve carreira como jogador, Charles Miller ainda foi árbitro por diversos a<strong>no</strong>s. Disponível em:<br />

http://trivela.uol.com.br/craque-artilheiro-tecnico-cartola-sensacao-<strong>na</strong>-europa-charles-miller-<strong>na</strong>o-foi-so-o-pai-dofutebol-<strong>no</strong>-brasil/.<br />

Acesso em: 15 mar. 2017.<br />

43<br />

Desde então, o torneio é organizado anualmente de forma ininterrupta. Disponível em:<br />

http://<strong>2016</strong>.futebolpaulista.com.br/Clubes/Todos+os+Campe%C3%B5es. Acesso em: 25 abr. 2017.


25<br />

também <strong>na</strong> então capital federal, o <strong>Rio</strong> de Janeiro. O esporte já passava a ter presença<br />

obrigatória <strong>no</strong>s jor<strong>na</strong>is, também com o surgimento de periódicos específicos. Conforme<br />

salientado por Silva e Santos (2006, p. 29), nesse período, com a multiplicação dos campos de<br />

várzea pelas grandes cidades, a população mais pobre também começava a fazer parte do<br />

universo futebolístico, o que Mario Filho identifica <strong>no</strong> livro Histórias do Flamengo (2014)<br />

como uma das razões para a sua rápida propagação.<br />

Em 1914, formou-se pela primeira vez <strong>na</strong> <strong>história</strong> uma Seleção de futebol do Brasil,<br />

que cinco a<strong>no</strong>s depois 44 conquistaria seu primeiro grande título: o Campeo<strong>na</strong>to Sul-<br />

America<strong>no</strong>, esboço da atual Copa América, em uma disputa de tur<strong>no</strong> único dos anfitriões<br />

contra Argenti<strong>na</strong>, Chile e Uruguai. O time brasileiro se filiou de imediato à Confederação<br />

Sulamerica<strong>na</strong> de <strong>Futebol</strong> (Conmebol) e à Fifa.<br />

De acordo com Napoleão (2006, p. 29), a partida i<strong>na</strong>ugural daquele torneio foi<br />

realizada diante de cerca de 25 mil espectadores, estando entre eles o presidente Delfim<br />

Moreira. Na goleada de 6 a 0 do Brasil contra o Chile, outras milhares de pessoas cercaram o<br />

Estádio das Laranjeiras, então o maior da América do Sul, para tentar observar o confronto<br />

subindo em muros e árvores.<br />

A crescente popularização do esporte decepcio<strong>na</strong>va alguns dos seus precursores, mais<br />

puristas, que temiam a mistura com outras raças, fruto do pensamento eugenista que<br />

domi<strong>na</strong>va parte da sociedade desde a abolição da escravatura, em 1888. Outro medo era o do<br />

crescimento de brigas <strong>na</strong>s arquibancadas, deixando de lado a celebração independentemente<br />

do resultado. Nessa época, vaias e xingamentos direcio<strong>na</strong>dos para os atletas e árbitros já eram<br />

comuns em situações onde a torcida se via desagradada. Em 1925, a Confederação Brasileira<br />

de Desportos (CBD), antecessora da atual Confederação Brasileira de <strong>Futebol</strong> (CBF), não<br />

permitiu a escalação de jogadores negros ou mestiços para a disputa do mesmo Campeo<strong>na</strong>to<br />

Sul-America<strong>no</strong>, então realizado <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong>, ressaltando o caráter ainda excludente que o<br />

futebol possuía <strong>na</strong> época. Conforme contado por Silva e Votre (2006, p. 42), os anfitriões,<br />

contando com negros <strong>no</strong> elenco, acabaram vencendo a competição.<br />

Diante do crescimento da Seleção, a imprensa especializada começou a se<br />

profissio<strong>na</strong>lizar, assim como os clubes de regatas, voltados aos esportes náuticos em suas<br />

44<br />

O torneio foi adiado em um a<strong>no</strong> por causa da epidemia de gripe espanhola. Disponível em:<br />

http://esportes.terra.com.br/futebol/copaamerica2007/inter<strong>na</strong>/0,,OI1558695-EI8897,00.html. Acesso em: 15 mar.<br />

2017.


26<br />

fundações, passaram a também priorizar o futebol. É o caso do Flamengo, hoje time mais<br />

popular do país 45 , fundado em 1895, mas que somente em 1911 passou a ter um departamento<br />

de esportes terrestres 46 .<br />

Nesse período, o futebol já era uma modalidade olímpica, sendo o segundo esporte<br />

coletivo a entrar <strong>no</strong>s Jogos da Era Moder<strong>na</strong>, depois somente do polo aquático. A modalidade<br />

integrou inicialmente o programa olímpico ape<strong>na</strong>s como exibição <strong>na</strong>s edições de Paris 1900 e<br />

Saint Louis 1904. Em Londres 1908, houve pela primeira vez um torneio oficial de seleções,<br />

com a vitória dos do<strong>no</strong>s da casa diante da Di<strong>na</strong>marca <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l. O pódio foi completado pela<br />

Holanda, que ao lado de França, Suécia e Suíça fecha a lista das <strong>na</strong>ções que estiveram <strong>na</strong><br />

disputa. A participação ape<strong>na</strong>s de <strong>na</strong>ções europeias foi motivada pelos longos deslocamentos<br />

da época, com as viagens das equipes de outros continentes sendo possíveis ape<strong>na</strong>s por via<br />

marítima.<br />

Em 1924, <strong>no</strong>s Jogos de Paris, o torneio vencido pelo Uruguai foi responsável por cerca<br />

de 30% da receita de toda a competição, levando ao todo mais de 200 mil pessoas aos<br />

estádios. Tamanho sucesso motivou a Fifa a decidir em 1928, sob o entusiasmo de Jules<br />

Rimet 47 durante o congresso da entidade, a criar um campeo<strong>na</strong>to mundial de futebol próprio.<br />

Assim surgia a Copa do Mundo, realizada pela primeira vez em 1930 <strong>no</strong> Uruguai, também<br />

campeão do torneio. O país, famoso como a Celeste Olímpica por causa das suas conquistas<br />

de medalhas de ouro em 1924 e 1928, parou para acompanhar a fi<strong>na</strong>l diante da Argenti<strong>na</strong>.<br />

Quase 100 mil pessoas assistiram a vitória por 4 a 2 contra os portenhos <strong>no</strong> Estádio<br />

Centenário, em Montevidéu. No dia seguinte, para que a população comemorasse, foi<br />

decretado feriado <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

O Brasil, que até então jamais havia disputado o futebol <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos, foi um<br />

dos 13 participantes da competição - os demais foram, além do Uruguai, Argenti<strong>na</strong>, Bélgica,<br />

Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Iugoslávia, México, Paraguai, Peru e Romênia. Na<br />

época ainda sem o sistema de elimi<strong>na</strong>tórias, a presença brasileira foi decorrente de um convite<br />

45<br />

Segundo o Datafolha, o time possui a preferência de 17,2% dos torcedores brasileiros. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/futebol/<strong>no</strong>ticia/2010/06/ibope-aponta-flamengo-como-maior-torcida-e-sport-emascensao.html.<br />

Acesso em: 16 mar. 2017.<br />

46<br />

O time já estrearia <strong>no</strong> Campeo<strong>na</strong>to Carioca <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte. Disponível em:<br />

http://www.flamengo.com.br/site/<strong>no</strong>ticia/detalhe/11289/relembre-a-genesis-do-futebol-do-flamengo. Acesso em:<br />

15 mar. 2017.<br />

47<br />

O francês, terceiro presidente da Fifa, passou a batizar a taça do Mundial a partir de 1946. Disponível em:<br />

http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/jules-rimet-5556. Acesso em: 13 abr. 2017.


27<br />

dos organizadores. A Seleção ficou em sexto lugar, sendo elimi<strong>na</strong>da <strong>na</strong> fase de grupos. O time<br />

foi ao Uruguai ape<strong>na</strong>s com ape<strong>na</strong>s um rebelde atleta atuante em São Paulo - o atacante<br />

Araken, do Santos -, por causa de uma briga entre as federações locais motivada pela<br />

supremacia carioca <strong>na</strong> formação da comissão técnica.<br />

O brasileiro, porém, não acompanhou nenhum desses confrontos ao vivo. Segundo<br />

André Ribeiro (2007, p. 76), somente em 1931 seria feita uma transmissão de partida por<br />

rádio, <strong>no</strong> duelo entre equipes representando os estados de São Paulo e do Paraná. As<br />

transmissões logo cairiam <strong>no</strong> gosto popular, se tor<strong>na</strong>ndo habituais especialmente aos fins de<br />

sema<strong>na</strong>.<br />

Em 1938, por exemplo, quatro jor<strong>na</strong>listas brasileiros foram enviados para cobrir a<br />

Copa do Mundo da França, algo inédito. A Seleção começou a despontar para o protagonismo<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ao alcançar a terceira colocação <strong>na</strong> disputa, vencida pela Itália. Essa foi a<br />

primeira ocasião em que os envolvidos em conflitos estaduais sobre o avanço da<br />

profissio<strong>na</strong>lização do futebol sobre o amadorismo, que, segundo Toledo (2000, p. 10), vinha<br />

ocorrendo ao longo da década, se apaziguaram e o país foi aos campos franceses com seus<br />

melhores jogadores, entre eles o negro Leônidas da Silva, artilheiro do torneio e o primeiro<br />

jogador brasileiro a alcançar os status de ídolo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

2.1 1950: a Copa perdida <strong>no</strong> Maracanã<br />

Por causa da Segunda Guerra Mundial, a Copa do Mundo seguinte foi disputada<br />

somente em 1950, com o Brasil recebendo pela primeira vez o torneio. No intervalo de 12<br />

a<strong>no</strong>s sem Mundiais, as competições continuaram ocorrendo regio<strong>na</strong>lmente <strong>na</strong> América do Sul,<br />

servindo para a consolidação dos atletas e clubes profissio<strong>na</strong>is e a progressiva inserção dos<br />

negros, numa forma também de ascensão social (FILHO, 2003, p. 179).<br />

Após o fim da II Grande Guerra, o Brasil obtia bons índices econômicos, com uma<br />

média de 8% de crescimento do Produto Inter<strong>no</strong> Bruto (PIB) por a<strong>no</strong>. Nesse ritmo, o país<br />

conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo durante o congresso pós-guerra da Fifa em<br />

1946 48 . Seis estádios espalhados pelo país receberam jogos do Mundial, sendo eles o<br />

Pacaembu, em São Paulo, o Independência, em Belo Horizonte, a Vila Capanema, em<br />

Curitiba, o dos Eucaliptos, em Porto Alegre, a Ilha do Retiro, em Recife, e o Maracanã, palco<br />

48<br />

O país, que já sonhava em receber um Mundial desde 1942, foi candidato único <strong>na</strong> ocasião. Disponível em:<br />

http://zh.clicrbs.com.br/rs/<strong>no</strong>ticia/2007/10/em-1950-brasil-tambem-foi-candidato-unico-a-pais-sede-<br />

1663071.html. Acesso em: 25 abr. 2017.


28<br />

da fi<strong>na</strong>l, <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro. Então com capacidade superior a 150 mil presentes, o Maraca,<br />

como é carinhosamente chamado pelos torcedores, hoje leva o <strong>no</strong>me do jor<strong>na</strong>lista Mario<br />

Filho 49 , um dos maiores entusiastas da sua construção. A i<strong>na</strong>uguração oficial do estádio, o<br />

maior do mundo <strong>na</strong> época, aconteceu somente oito dias antes da primeira partida da Copa.<br />

A população apoiou a empreitada gover<strong>na</strong>mental para a construção do estádio, em<br />

grande parte motivada pelo apoio da mídia, como do radialista Ary Barroso, que também<br />

exercia o cargo de vereador graças à popularidade obtida pela sua atuação <strong>na</strong>rrando partidas<br />

de futebol, e do próprio Mario Filho.<br />

O Mundial de 1950 contou <strong>no</strong>vamente com 13 participantes, sendo garantidos<br />

previamente o Brasil como sede e a Itália por ser a campeã mais recente. Participaram ainda,<br />

oriundas do já vigente sistema de elimi<strong>na</strong>tórias inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, Bolívia, Chile, Espanha,<br />

Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Paraguai, Suécia, Suíça e Uruguai, que<br />

acabaria se sagrando campeão ao superar o Brasil <strong>no</strong> confronto que ficou eternizado como o<br />

Maraca<strong>na</strong>zo.<br />

Antes da decisão, a Seleção empolgava os torcedores. Na estreia <strong>no</strong> quadrangular<br />

fi<strong>na</strong>l, venceu a Suécia por uma goleada com o placar de 7 a 1. Depois veio outro triunfo com<br />

larga vantagem, um 6 a 1 sobre a Espanha, com direito a torcida cantando a marchinha<br />

Touradas em Madri das arquibancadas 50 . No dia da fi<strong>na</strong>l, lembranças do “campeão” já eram<br />

vendidas <strong>no</strong>s arredores do estádio. O Brasil seria vencedor mesmo com o empate. Diante do<br />

bem sucedido estilo ofensivo dos brasileiros e das dificuldades que o Uruguai encontrou em<br />

partidas anteriores, a imprensa e o público davam como uma questão de tempo a conquista do<br />

título <strong>na</strong>quele 16 de julho de 1950. A Seleção era cercada inclusive por políticos, como o<br />

então presidente Eurico Gaspar Dutra, que utilizava a Copa para marcar sua imagem como<br />

líder do país após o forte perso<strong>na</strong>lismo da gestão de Getúlio Vargas.<br />

Pouco antes do jogo fi<strong>na</strong>l, Mendes de Morais, o prefeito do <strong>Rio</strong> discursou <strong>no</strong><br />

Maracanã, sendo ouvido, de acordo com Pimentel (2013, p. 19), por aproximadamente 220<br />

49<br />

O jor<strong>na</strong>lista, além de fomentar o desenvolvimento do futebol carioca, foi o responsável pela criação dos<br />

desfiles das escolas de samba do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/<strong>Futebol</strong>/0,,MUL587551-9825,00-<br />

HA+ANOS+NASCIA+MARIO+FILHO+O+CRIADOR+DAS+MULTIDOES.html. Acesso em: 13 abr. 2017.<br />

50<br />

Naquela altura da Copa, a Espanha era mais temida pelos torcedores que o Uruguai. O jogo registrou o maior<br />

público do futebol mundial até então, sendo pouco depois superado pela partida fi<strong>na</strong>l. Disponível em:<br />

https://copadomundo.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/redacao/2013/06/30/goleada-em-1950-consagrou-a-marcha-decar<strong>na</strong>val-touradas-em-madri-ouca.htm.<br />

Acesso em: 13 abr. 2017.


29<br />

mil presentes <strong>no</strong> estádio, número largamente superior a capacidade prevista, obrigando muitas<br />

pessoas a se aglomerarem em pé e de lado, enquanto escutavam suas pouco proféticas<br />

palavras 51 .<br />

Um dia antes, o jor<strong>na</strong>l A Noite trazia uma foto da equipe posando com a manchete<br />

“Estes são os campeões do mundo”. Tamanha euforia seria proporcio<strong>na</strong>l ao clima de<br />

abatimento que tomou conta do estádio. Schiaffi<strong>no</strong> e Ghiggia marcaram contra o gol de<br />

Barbosa, que carregou pelo resto da vida a imagem de maior culpado pela derrota, em uma<br />

virada do Uruguai por 2 a 1. O Maracanã se calou e os campeões consolaram os vencidos.<br />

Para o autor do segundo gol uruguaio, “o silêncio era tão grande, que se uma mosca estivesse<br />

voando por lá, ouviríamos o seu zumbido”. O sentimento foi resumido dois dias após a fi<strong>na</strong>l,<br />

em 18 de julho, por José Lins do Rego em crônica <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l dos Sports:<br />

Vi um povo de cabeça baixa, de lágrimas <strong>no</strong>s olhos, sem fala, abando<strong>na</strong>r o Estádio<br />

Municipal, como se voltasse do enterro de um pai muito amado. Vi um povo<br />

derrotado, e mais que derrotado, sem esperança. Aquilo me doeu <strong>no</strong> coração. Toda a<br />

vibração dos minutos iniciais da partida reduzida a uma pobre cinza de fogo<br />

apagado. (Disponível em http://www.unesp.br/aci/jor<strong>na</strong>l/206/memoria.php)<br />

O goleiro Barbosa, negro, foi considerado um dos maiores culpados pela derrota,<br />

reavivando a discussão sobre a integração racial <strong>no</strong> esporte. O abalo após o insucesso foi<br />

tamanho que jor<strong>na</strong>listas como Mario Filho buscavam consolar a população destacando o<br />

sucesso da organização do torneio. Outra consequência do resultado, ainda que indireta, foi o<br />

retor<strong>no</strong> de Getúlio Vargas 52 ao Palácio do Catete, então sede do poder Executivo, fruto do<br />

descontentamento popular com Dutra.<br />

A derrota, contudo, não abalou o amor do brasileiro pelo futebol. A Seleção retor<strong>na</strong>ria<br />

aos gramados somente em 1952, participando pela primeira vez de uma <strong>Olimpíada</strong> em<br />

Helsinque, após vencer os Jogos Pan-America<strong>no</strong>s, conquistando o ouro diante do time de<br />

juniores do Uruguai, <strong>na</strong> primeira das incontáveis revanches pelo Maraca<strong>na</strong>zo. O time, com<br />

uma média de idade de 19 a<strong>no</strong>s, caiu <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l do torneio olímpico diante da<br />

Alemanha. A equipe vencia a partida por 2 a 1 até o último minuto de jogo, quando ocorreu o<br />

empate que forçou a prorrogação. Diante do abalo emocio<strong>na</strong>l, o time acabou contabilizando<br />

51<br />

Ele disse que o país não possuía rivais em todo o hemisfério, já saudando aos presentes como vencedores.<br />

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj1804201008.htm. Acesso em: 25 abr. 2017.<br />

52<br />

Presidente entre 1930 e 1945, quando foi derrubado pelos militares, <strong>no</strong>tabilizou-se pelos avanços <strong>na</strong>s leis<br />

trabalhistas em seu primeiro mandato. Suicidou-se em 1954, quatro a<strong>no</strong>s após ser reconduzido ao cargo pelo<br />

voto popular. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/getulio-dornelles-vargas.jhtm. Acesso em:<br />

13 abr. 2017.


30<br />

mais dois gols. Três dos jogadores do elenco (Vavá, Humberto Tosi e Zózimo) seriam<br />

campeões do mundo em 1958. Diante de outro trauma, a volta ao Maracanã foi mais adiada<br />

ainda, acontecendo ape<strong>na</strong>s em 1954. Como efeito dessa derrota, segundo Rubio (2006, p.<br />

115), os holofotes voltaram-se por completo para o atleta Adhemar Ferreira da Silva, que<br />

conquistou a segunda medalha de ouro da <strong>história</strong> do país em Jogos Olímpicos 53 , <strong>no</strong> salto<br />

triplo.<br />

A camisa amarela, hoje símbolo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, foi escolhida em concurso nesse intervalo,<br />

em 1953, numa realização em parceria entre a CBD e o jor<strong>na</strong>l Correio da Manhã. Foram<br />

enviadas mais de 200 opções, sendo escolhida a proposta de um jovem gaúcho de 18 a<strong>no</strong>s.<br />

Ela substituiu o uniforme branco utilizado <strong>no</strong> Maraca<strong>na</strong>zo, aposentado em definitivo 54 .<br />

2.2 Enfim campeão do mundo - e por cinco vezes<br />

Foi com o uniforme reserva, <strong>na</strong> cor azul, que o Brasil superou a Suécia, anfitriã do<br />

torneio, <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l da Copa do Mundo de 1958, quando conquistou seu primeiro título, numa<br />

vitória por 5 a 2 <strong>no</strong> estádio Rasunda. Os jogadores ficaram preocupados quando ocorreu o<br />

sorteio referente uso dos uniformes para a fi<strong>na</strong>l, já que o amarelo era a cor principal de ambas<br />

as equipes, se mostrou favorável aos do<strong>no</strong>s da casa, os dando a prioridade de utilizar a<br />

vestimenta principal. Para confortar a equipe brasileira, obrigada a adotar sua segunda opção,<br />

relata-se que Paulo Machado de Carvalho 55 , chefe da delegação, disse que o time seria<br />

campeão com a cor do manto de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do país.<br />

Carvalho foi responsável por ajustes significativos <strong>na</strong> preparação do selecio<strong>na</strong>do<br />

brasileiro, com a formação de uma comissão técnica que incluía, de acordo com Carravetta<br />

(2012), preparador físico, pedicuro, dentista e psicólogo, além das já habituais presenças de<br />

médico, massagista, roupeiro e trei<strong>na</strong>dor. Proprietário da TV Record, a primeira emissora a<br />

53<br />

A primeira foi do atirador Guilherme Paraense em 1920, <strong>no</strong>s Jogos da Antuérpia, sucedendo conquistas de<br />

prata e bronze <strong>na</strong> mesma edição, todas <strong>no</strong> tiro esportivo, esporte em que o Brasil só voltaria a subir ao pódio em<br />

<strong>2016</strong>, com a prata de Felipe Wu. Disponível em: http://www.surtoolimpico.com.br/<strong>2016</strong>/05/surto-historiaguilherme-paraense-o.html.<br />

Acesso em: 13 abr. 2017.<br />

54<br />

Na estreia do <strong>no</strong>vo uniforme, o Brasil venceu o Chile por 2 a 0 em partida das Elimi<strong>na</strong>tórias. Disponível em:<br />

http://esportes.estadao.com.br/<strong>no</strong>ticias/futebol,camisa-amarela-da-selecao-foi-escolhida-em-1953-aposconcurso,1516599.<br />

Acesso em: 13 abr. 2017.<br />

55<br />

Apelidado como o “marechal da vitória”, ele a<strong>no</strong>s depois passaria a <strong>no</strong>mear o estádio do Pacaembu, em São<br />

Paulo. Disponível em: http://www.lance.com.br/todos-esportes/conheca-historia-paulo-machado-carvalhomarechal-vitoria.html.<br />

Acesso em: 13 abr. 2017.


31<br />

transmitir um jogo de futebol <strong>no</strong> país, ele traçou com antecedência outros detalhes, como os<br />

locais de acomodação <strong>na</strong> Suécia, permitindo maior tranquilidade ao time.<br />

Antes da Copa, mesmo com a animação de cronistas como Nelson <strong>Rodrigues</strong> diante<br />

do então garoto Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que havia estreado pelo time principal<br />

somente um a<strong>no</strong> antes, aos dezesseis de idade, o clima de desconfiança era generalizado, <strong>no</strong><br />

que foi cunhado pelo jor<strong>na</strong>lista como o “complexo de vira-latas” do povo brasileiro, em artigo<br />

publicado <strong>na</strong> revista Manchete Esportiva poucos dias antes da estreia da Seleção <strong>no</strong> Mundial.<br />

Eis a verdade, amigos: desde 50 que o <strong>no</strong>sso futebol tem pudor de acreditar em si<br />

mesmo. A derrota frente aos uruguaios, <strong>na</strong> última batalha, ainda faz sofrer, <strong>na</strong> cara e<br />

<strong>na</strong> alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que <strong>na</strong>da, absolutamente<br />

<strong>na</strong>da, pode curar.<br />

Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: me<strong>no</strong>s a dor de cotovelo que <strong>no</strong>s ficou dos<br />

2x1. E custa crer que um escore tão peque<strong>no</strong> possa causar uma dor tão grande. O<br />

tempo passou em vão sobre a derrota. [...]<br />

Guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagi<strong>no</strong> uma coisa: se o<br />

Brasil vence <strong>na</strong> Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé<br />

que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar<br />

<strong>no</strong> hospício. [...]<br />

Só uma coisa <strong>no</strong>s atrapalha e, por vezes, invalida as <strong>no</strong>ssas qualidades. Quero aludir<br />

ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imagi<strong>na</strong>r o espanto<br />

do leitor: “O que vem a ser isso?”. Eu explico.<br />

Por “complexo de vira-latas”, eu entendo a inferioridade em que o brasileiro se<br />

coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e,<br />

sobretudo, <strong>no</strong> futebol. [...]<br />

Eu vos digo: o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de<br />

tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se<br />

convencer que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá <strong>na</strong> Suécia.<br />

Uma vez que se convença disso, ponham-<strong>no</strong> para correr em campo e ele precisará de<br />

dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: para o escrete, ser ou não ser<br />

vira-latas, eis a questão. (Disponível em<br />

http://www.ufrgs.br/cdrom/rodrigues03/rodrigues3.pdf)<br />

A conquista do primeiro título mundial do futebol brasileiro, com gols marcados por<br />

Vavá (2), Pelé (2) e Zagallo, ao me<strong>no</strong>s diminuiu o vira-latismo <strong>na</strong> época. Todavia, o país pode<br />

assistir aos lances somente com atraso de dois dias pela TV Tupi através de filmes, devido a<br />

inexistência dos videoteipes. Mas ouviu as partidas <strong>no</strong> pool formado pelas rádios<br />

Bandeirantes, Continental, Pa<strong>na</strong>merica<strong>na</strong>, Nacio<strong>na</strong>l e as integrantes da rede dos Diários<br />

Associados. Em simultâneo, a imprensa escrita batia recordes. No dia seguinte ao título, a<br />

Gazeta Esportiva vendeu mais de 400 mil exemplares. Os campeões foram recepcio<strong>na</strong>dos<br />

com festa em diversas escalas realizadas <strong>no</strong> país, onde eram saudados pelo povo <strong>no</strong> trajeto<br />

entre os aeroportos e as home<strong>na</strong>gens oficiais.


32<br />

Após a vitória, o futebol brasileiro conquistou um espaço significativo diante do<br />

mundo, com equipes como o Santos de Pelé excursio<strong>na</strong>ndo ao redor do planeta. O presidente<br />

Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek 56 , <strong>no</strong> terceiro a<strong>no</strong> de seu mandato, também explorou ao máximo o<br />

triunfo. Ele assistiu a fi<strong>na</strong>l acompanhado de familiares dos jogadores e depois chegou a beber<br />

champanhe <strong>na</strong> taça Jules Rimet.<br />

Em 1962, a Copa do Mundo voltou ao solo sul-america<strong>no</strong>, e o Brasil foi bicampeão do<br />

torneio, mantendo praticamente a base de quatro a<strong>no</strong>s antes, tendo para Antunes (2004, p.<br />

229) a obrigação de “provar, de <strong>no</strong>vo, que era o melhor para reafirmar-se moralmente”. Pelé<br />

se contundiu <strong>na</strong> segunda partida, deixando para Garrincha o papel de craque da edição. Os<br />

gols do 3 a 1 <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l sobre a Tchecoslováquia, porém, vieram de Amarildo, Zito e Vavá.<br />

Dessa vez, além da Tupi, a transmissão contou ainda com a TV Record. Ambas conseguiram<br />

melhores condições técnicas graças a um acordo com a rede mexica<strong>na</strong> Televisa.<br />

Ao retor<strong>na</strong>r, a Seleção foi recebida <strong>na</strong> recém-i<strong>na</strong>ugurada Brasília pelo presidente João<br />

Goulart. Jango, como era chamado, há havia sido zagueiro <strong>na</strong>s categorias de base do<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Porto Alegre. A sua <strong>no</strong>va cidade <strong>no</strong> Pla<strong>na</strong>lto Central ainda não era<br />

ple<strong>na</strong>mente habitada <strong>na</strong> época, porém diversos moradores de Goiás vieram receber os<br />

campeões, que desfilaram em carro aberto pelo Eixo Monumental, formando uma multidão<br />

estimada em tor<strong>no</strong> de 50 mil pessoas, que de acordo com os relatos da Folha de S. Paulo<br />

chegou a invadir os jardins do Palácio da Alvorada.<br />

Pelé, mesmo sem participar da decisão da Copa, seguiu brilhando durante o período 57 ,<br />

com conquistas consecutivas junto ao seu clube, o Santos, da Taça Brasil, embrião do atual<br />

Campeo<strong>na</strong>to Brasileiro, e mesmo do Mundial de Clubes. Já Garrincha não manteve o sucesso,<br />

tendo sua carreira abalada por problemas pessoais, como o alcoolismo.<br />

56<br />

Presidiu o Brasil entre 1956 e 1961. Logo depois, se elegeu se<strong>na</strong>dor, tendo os direitos políticos cassados pelo<br />

golpe militar de 1964. Morreu em 1976 num acidente rodoviário tratado pela Comissão da Verdade da Câmara<br />

Municipal de São Paulo como “atentado político”. Disponível em:<br />

http://istoe.com.br/338611_COMISSAO+DA+VERDADE+DE+SP+DECLARA+QUE+JUSCELINO+KUBITS<br />

CHEK+FOI+ASSASSINADO+PELA+DITADURA+MILITAR/. Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

57<br />

Em 1969, durante jogo diante do Vasco <strong>no</strong> Maracanã, ele marcou o seu milésimo gol. Disponível em:<br />

http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/pele-marcou-seu-milesimo-gol-<strong>no</strong>-maraca<strong>na</strong>-num-pe<strong>na</strong>lti-contravasco-10811259.<br />

Acesso em: 25 abr. 2017.


33<br />

Ambos, contudo, eram tidos como essenciais para o tricampeo<strong>na</strong>to, que não veio em<br />

1966, <strong>na</strong> Inglaterra. Com o Brasil já diante do golpe militar 58 , questões políticas ganharam<br />

peso <strong>na</strong> preparação, dificultando a formação de um time fixo diante de inúmeras convocações<br />

para agradar forças locais. A falta de um esquema coletivo permitia que os adversários<br />

pudessem facilmente anular Pelé. Diante desse quadro, o Brasil ficou somente em 11º lugar,<br />

sua segunda pior colocação <strong>na</strong> <strong>história</strong> dos Mundiais.<br />

O mau resultado sucedia uma participação olímpica também aquém das expectativas<br />

<strong>no</strong>s Jogos de Tóquio, em 1964, com uma elimi<strong>na</strong>ção ainda <strong>na</strong> primeira fase, em que pese a<br />

proibição da presença de jogadores profissio<strong>na</strong>is <strong>no</strong> torneio olímpico.<br />

Nos Jogos Olímpicos, o desempenho do futebol dos países comunistas foi<br />

arrebatador, ao conquistar todas as medalhas de ouro entre 1952 a 1980. Isso porque,<br />

nessa época, não eram permitidos jogadores profissio<strong>na</strong>is, restando às equipes<br />

convocarem jogadores amadores. Porém, atletas do bloco oriental eram contratados<br />

do gover<strong>no</strong>, como se fossem patroci<strong>na</strong>dos e não profissio<strong>na</strong>is. Com isso, equipes do<br />

Leste Europeu iam às <strong>Olimpíada</strong>s com força máxima, diferentemente dos países<br />

ocidentais. (VIDIGAL, 2014, p. 21)<br />

Para a Copa do México, em 1970, a Seleção saiu <strong>no</strong>vamente envolta em desconfiança<br />

da população. Na época, o gover<strong>no</strong> militar de Emílio Garrastazu Médici vivia o auge da<br />

repressão, o que levou uma parcela dos intelectuais de esquerda a propor o boicote ao time,<br />

considerando que os entusiastas da equipe estariam de certa forma prestando apoio ao regime.<br />

A ideia não encontrou eco <strong>na</strong> população, que diante do registro de ple<strong>no</strong> emprego do período,<br />

manifestava apoio ao presidente. O técnico João Saldanha, um <strong>no</strong>tório comentarista esportivo,<br />

porém até então com pouco currículo como trei<strong>na</strong>dor, era mais questio<strong>na</strong>do que o general <strong>na</strong><br />

época anterior ao torneio.<br />

Saldanha foi contratado pela CBD, chefiada por João Havelange 59 , um a<strong>no</strong> antes do<br />

Mundial, não só pelo seu conhecimento de futebol, mas também como uma forma de silenciar<br />

as críticas que fazia em sua atividade midiática. Notório militante comunista, ele adotou o<br />

pragmatismo, focando exclusivamente em administrar a Seleção durante sua passagem pelo<br />

58<br />

O presidente João Goulart foi destituído em 31 de março de 1964. Disponível em:<br />

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964. Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

59<br />

Atleta de esportes aquáticos <strong>na</strong>s <strong>Olimpíada</strong>s de 1936 e 1952, ele dirigiu diversas entidades esportivas,<br />

incluindo a Fifa, da qual foi o primeiro não europeu presidente, entre 1974 e 1998. No fim da vida, porém,<br />

envolto em revelações de escândalos de corrupção, renunciou aos postos ho<strong>no</strong>rários que tinha <strong>na</strong> federação e <strong>no</strong><br />

Comitê Olímpico Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Morreu aos 100 a<strong>no</strong>s, durante a <strong>Olimpíada</strong> do <strong>Rio</strong>. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/futebol/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/08/joao-havelange-ex-presidente-do-coi-e-da-fifa-morre-<strong>no</strong>rio-de-janeiro.html.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.


34<br />

cargo, em que alter<strong>no</strong>u durante a preparação um bom desempenho <strong>na</strong>s Elimi<strong>na</strong>tórias e<br />

insucessos em partidas amistosas.<br />

O trei<strong>na</strong>dor, porém, não admitiu a interferência de Médici <strong>na</strong> convocação, sendo<br />

demitido somente três meses antes da Copa, ao negar o chamado ao atacante Dadá Maravilha.<br />

De acordo com Guterman (2009, p. 169), ele destacou <strong>na</strong> entrevista coletiva em que falou<br />

sobre a sua saída um diálogo em que teria dito ao presidente que “o senhor escala seu<br />

ministério e eu escalo o meu time”. O líder do país era um real fã de futebol, não<br />

acompanhando a Seleção somente por questões políticas. Na juventude, por exemplo, chegou<br />

a atuar como atacante do Grêmio de Bagé, sua cidade-<strong>na</strong>tal.<br />

Quem assumiu o comando do time às vésperas do Mundial foi Mário Jorge Lobo<br />

Zagallo, vitorioso como jogador em 1958 e 1962. Aposentado em 1966, ele prontamente<br />

iniciou uma carreira como trei<strong>na</strong>dor de juvenis <strong>no</strong> Botafogo. Na Seleção, passou a convocar<br />

Dadá, como era vontade do presidente, apesar de negar em entrevistas ao longo de toda a sua<br />

vida que o tenha feito por pressão.<br />

Na Copa, entre telegramas e telefonemas de Médici, a equipe avançou de forma<br />

convincente até as semifi<strong>na</strong>is, quando pela primeira vez desde o Maraca<strong>na</strong>zo reencontrou o<br />

Uruguai <strong>no</strong> principal torneio de futebol do mundo. Os campeões de 1950 vinham em franca<br />

decadência, inversamente proporcio<strong>na</strong>l à ascensão brasileira com seus dois títulos<br />

conquistados depois do último confronto entre os países por Mundiais. O Brasil venceu de<br />

virada, por 3 a 1, se credenciando a disputar a fi<strong>na</strong>l diante dos italia<strong>no</strong>s <strong>no</strong> estádio Azteca.<br />

O gover<strong>no</strong> se aproveitava do clima de união resultante do sucesso da equipe. Pela<br />

primeira vez, grandes aglomerações se formavam em cidades como São Paulo para que os<br />

torcedores acompanhassem juntos os jogos. Até mesmo a música, com a marchinha Pra<br />

Frente Brasil 60 , era utilizada como forma de persuasão.<br />

♫ Noventa milhões em ação / Pra frente Brasil, <strong>no</strong> meu coração / Todos juntos,<br />

vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! / De repente é aquela corrente pra frente /<br />

Parece que todo o Brasil deu as mãos! / Todos ligados <strong>na</strong> mesma emoção / Tudo é<br />

um só coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! ♫<br />

A Itália, adversária do Brasil <strong>na</strong> decisão, se tor<strong>no</strong>u fi<strong>na</strong>lista depois de um tenso<br />

confronto contra a Alemanha, marcado como um dos maiores jogos da <strong>história</strong> das Copas. Os<br />

60<br />

Composta por Miguel Gustavo, a música era origi<strong>na</strong>lmente o jingle de uma cervejaria. Disponível em:<br />

http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/copa-jingles-<strong>na</strong>-ditadura-pra-frente-brasil-marcou-selecao-do-tri<strong>no</strong>-mexico-12531642.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.


35<br />

alemães, que já vinham de uma disputa com tempo extra <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l contra a<br />

Inglaterra, então campeã, entraram em desvantagem física. Sofreram o gol aos oito minutos<br />

do primeiro tempo, porém conseguiram o empate aos 47 da segunda etapa, forçando uma<br />

<strong>no</strong>va prorrogação. Sob o calor mexica<strong>no</strong>, seguiram-se trinta dos mais intensos minutos já<br />

vistos em Mundiais. Entre reviravoltas <strong>no</strong> placar, o marcador fi<strong>na</strong>l apontou 4 a 3 para os<br />

italia<strong>no</strong>s.<br />

Dessa forma, o derradeiro confronto daquela Copa se deu entre duas bicampeãs, assim<br />

garantindo ao vencedor da decisão a posse definitiva da taça Jules Rimet. Foi a primeira vez<br />

<strong>na</strong> <strong>história</strong> em que dois campeões se encontraram numa decisão de Mundial, feito<br />

acompanhado por mais de 100 mil torcedores <strong>na</strong> Cidade do México. A população mexica<strong>na</strong>,<br />

encantada com o futebol brasileiro desde os trei<strong>na</strong>mentos, em grande parte devotava torcida a<br />

favor da Seleção, o que se reforçou com elimi<strong>na</strong>ção do time local pela Itália <strong>na</strong>s quartas de<br />

fi<strong>na</strong>l. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres corresponderam ao esperado pelo<br />

público, goleando os europeus por 4 a 1. Essa equipe foi eleita em enquetes da BBC 61 e da<br />

revista World Soccer 62 como a melhor de todos os tempos entre todos os esportes e países.<br />

Na capa da Folha de S. Paulo <strong>no</strong> dia seguinte ao título, a constatação de como o<br />

triunfo fez bem aos pla<strong>no</strong>s presidenciais. A manchete destacava o time, enquanto os três<br />

tópicos inferiores faziam relação direta com a política, frisando também a decretação de<br />

feriado <strong>na</strong>s repartições federais de Brasília e do <strong>Rio</strong> de Janeiro para a recepção aos campeões.<br />

Sob a chamada “Médici participa do entusiasmo do povo”, foi reproduzida uma declaração<br />

oficial do presidente.<br />

Na hora em que a Seleção <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de futebol conquista definitivamente a Copa do<br />

Mundo, após memorável campanha, <strong>na</strong> qual só enfrentou e venceu adversários do<br />

mais alto valor, desejo que todos vejam, <strong>no</strong> presidente da República, um brasileiro<br />

igual a todos os brasileiros.<br />

Como um homem comum, como um brasileiro que, acima de todas as coisas, tem<br />

um imenso amor ao Brasil e uma crença i<strong>na</strong>balável neste país e neste povo, sinto-me<br />

profundamente feliz, pois nenhuma alegria é maior <strong>no</strong> meu coração que a alegria de<br />

ver a felicidade do <strong>no</strong>sso povo, <strong>no</strong> sentimento da mais pura exaltação patriótica. [...]<br />

Nesse momento de vitória, trago ao povo minha home<strong>na</strong>gem, identificando-me todo<br />

com a alegria e a emoção de todas as ruas, para festejar, em <strong>no</strong>ssa incomparável<br />

seleção de futebol, a própria afirmação do valor do homem brasileiro. (Disponível<br />

61<br />

Sete das dez primeiras equipes mencio<strong>na</strong>das <strong>na</strong> lista são de futebol. Disponível em:<br />

http://www.bbc.com/portuguese/<strong>no</strong>ticias/story/2005/12/051225_selecaotp.shtml. Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

62<br />

Nessa mesma pesquisa, o jogo entre Alemanha e Itália <strong>no</strong> Mundial de 1970 foi eleito a melhor partida da<br />

<strong>história</strong>. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas/2007/07/09/ult59u125308.jhtm. Acesso em:<br />

14 abr. 2017.


36<br />

em http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/emiliomedici/discursos/1970/16)<br />

O jor<strong>na</strong>l relata que o presidente chegou a descer a rampa do Palácio do Pla<strong>na</strong>lto<br />

enrolado <strong>na</strong> bandeira <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l logo após a conquista, fazendo inclusive embaixadinhas. Ao<br />

falar por telefone com Pelé, o chamou de “imperador terceiro do Brasil”. Todos os jogadores<br />

ganharam 25 mil cruzeiros da Caixa Econômica Federal, o que hoje equivale a cerca de <strong>no</strong>ve<br />

mil reais.<br />

Com o poder do futebol evidenciado, o gover<strong>no</strong> não tardou em pedir à CBD para que<br />

criasse uma disputa coincidente com seu pla<strong>no</strong> de integração <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, já que a maior disputa<br />

da época, o torneio Roberto Gomes Pedrosa, abarcava ape<strong>na</strong>s os times das regiões Sul e<br />

Sudeste, excetuando-se o Espírito Santo. Assim, em 1971 surgia pela primeira vez o<br />

Campeo<strong>na</strong>to Brasileiro, com 20 times <strong>na</strong> disputa, que foi sofrendo um progressivo inchaço<br />

motivado por questões políticas, beirando a presença de 100 equipes <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l da década. A<br />

popularização dos clubes pelo país, entretanto, não coincidia com uma boa fase da Seleção,<br />

que ficou sem Pelé a partir de 1971, quando ele se aposentou da equipe em um amistoso<br />

contra os iugoslavos aos gritos de “fica, fica, fica” de 138 mil torcedores <strong>no</strong> Maracanã,<br />

segundo o jor<strong>na</strong>l O Globo.<br />

Para a Copa de 1974, Zagallo seguiu como técnico, enquanto o comando do país já<br />

havia passado ao general Ernesto Geisel, me<strong>no</strong>s afeito ao futebol. O time manteve parte da<br />

base de 1970, que já envelhecida não conseguiu ir além do quarto lugar, mesma posição<br />

conseguida <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> de Helsinque, em 1976.<br />

No Mundial de 1978, a ditadura mais decisiva foi a da Argenti<strong>na</strong>, sede do torneio. O<br />

formato da competição diferia do atual, com somente a fi<strong>na</strong>l sendo disputada como um<br />

verdadeiro mata-mata. Naquela ocasião, quem avançava da fase inicial se dividia em dois<br />

<strong>no</strong>vos grupos, cujo líderes formariam o confronto decisivo pelo título. Brasil, Argenti<strong>na</strong>, Peru<br />

e Polônia ficaram <strong>no</strong> mesmo grupo. Os gigantes sul-america<strong>no</strong>s venceram seus primeiros<br />

jogos e empataram <strong>no</strong> confronto direto, chegando igualados em pontuação <strong>na</strong> última rodada.<br />

As partidas fi<strong>na</strong>is, porém, não eram em horário coincidente. A Seleção jogou primeiro,<br />

vencendo a Polônia por 3 a 1, e conseguindo cinco gols de saldo acumulado. Entrando em<br />

campo somente três horas depois e sabendo exatamente do que precisava para avançar à fi<strong>na</strong>l,<br />

os argenti<strong>no</strong>s conseguiram aplicar 6 a 0 <strong>no</strong> Peru, que até então fazia razoável campanha, com<br />

vitórias sobre a Escócia e o Irã, e derrotas por placares bem me<strong>no</strong>s elásticos, como o 3 a 0<br />

sofrido diante do Brasil. A Argenti<strong>na</strong> acabou campeã pela primeira vez superando a Holanda


37<br />

em partida <strong>no</strong> estádio Monumental de Bue<strong>no</strong>s Aires, enquanto o Brasil, diante da estranha<br />

coincidência e por ser o único time invicto <strong>na</strong> competição, se proclamou “campeão moral”.<br />

Na década seguinte, reforçando o papel cada vez maior dos clubes <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> da<br />

sociedade, as duas equipes com mais torcedores <strong>no</strong> país foram marcantes para o futebol<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l não somente pelo gigantismo dos seus aficio<strong>na</strong>dos.<br />

O Flamengo consolidou <strong>no</strong> futebol brasileiro o primeiro atleta após Pelé a ser<br />

comparado ao até hoje único jogador tricampeão mundial 63 , como se tor<strong>na</strong>ria hábito com as<br />

revelações do esporte <strong>no</strong> país <strong>na</strong>s décadas seguintes. Arthur Antunes Coimbra, o Zico, foi<br />

também o primeiro craque de alto nível em gramados <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is a ser desenvolvido de acordo<br />

com os preceitos mais moder<strong>no</strong>s do futebol europeu. O garoto inicialmente franzi<strong>no</strong> se<br />

desenvolveu fisicamente <strong>no</strong> clube, sendo o líder de uma série de conquistas da equipe,<br />

iniciadas pelo Campeo<strong>na</strong>to Carioca em 1978, título que se repetiu <strong>no</strong>s dois a<strong>no</strong>s seguintes.<br />

Em 1980, com coadjuvantes como Júnior e Leandro, a conquista foi <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, sendo o a<strong>no</strong><br />

posterior marcado pela glória de vencer a Taça Libertadores da América e o Mundial de<br />

Clubes, título ganho sobre os ingleses do Liverpool, com gols de Nunes e Adílio <strong>na</strong> decisão<br />

vencida por 3 a 0, representando o retor<strong>no</strong> do Brasil ao topo do futebol mundial, como foi<br />

percebido <strong>na</strong> festa popular <strong>na</strong>s ruas do <strong>Rio</strong> de Janeiro, <strong>na</strong>rrada pelo jor<strong>na</strong>l O Globo como um<br />

“Car<strong>na</strong>val <strong>na</strong> madrugada”, devido ao fuso horário, já que o jogo foi realizado em Tóquio, <strong>no</strong><br />

Japão. O presidente João Batista Figueiredo também se pronunciou sobre o triunfo, que,<br />

segundo a Folha de S. Paulo, foi mais comemorado <strong>na</strong> capital fluminense que o título da<br />

Seleção em 1970.<br />

Juntamente com a torcida brasileira, acompanhei com entusiasmo a partida <strong>na</strong> qual o<br />

Flamengo representou, com brilho invulgar, o talento e a maestria dos milhares de<br />

jogadores brasileiros de futebol. [...]<br />

Os meus mais efusivos parabéns pela merecida vitória, que traz para os brasileiros o<br />

campeo<strong>na</strong>to mundial de clubes.<br />

Já o Corinthians vivia uma fase sem grandes conquistas em campo, porém de extremo<br />

significado graças ao modelo proposto pelos jogadores, liderados por Sócrates, para a<br />

administração da equipe, com atletas, comissão técnica e dirigentes tendo votos de peso igual<br />

<strong>na</strong>s decisões do clube. O publicitário Washington Olivetto, diretor do time, capitaneou a ideia,<br />

batizando o movimento como Democracia Corintia<strong>na</strong>. O clube chegou a entrar em campo<br />

63<br />

Em 2000, <strong>na</strong> votação de atleta do século da Fifa, Zico ficou atrás somente de Pelé e Garrincha entre os<br />

jogadores brasileiros. Disponível em: http://en03.touri.com/Berichte/FIFA-Spieler/MalePlayer.pdf. Acesso em:<br />

13 abr. 2017.


38<br />

com faixas trazendo textos de incentivo ao regime democrático. Ao também utilizar a camisa<br />

para as mensagens políticas, o time ainda abriu espaço para a futura comercialização do<br />

espaço, de maneira já feita em outras modalidades, como o vôlei.<br />

Com Sócrates e Zico, além de outros jogadores como Falcão e Toninho Cerezo, a<br />

Seleção foi ao Mundial de 1982, <strong>na</strong> Espanha, contando com um grande otimismo da torcida.<br />

Trei<strong>na</strong>do por Telê Santa<strong>na</strong> 64 , o time era tido como favorito para a conquista do<br />

tetracampeo<strong>na</strong>to, impressão reforçada após vencer a Argenti<strong>na</strong>, num 3 a 1 marcado pela<br />

expulsão da então promessa Diego Marado<strong>na</strong>. Na partida seguinte, bastava o empate diante da<br />

Itália para avançar às semifi<strong>na</strong>is, em um dos mais tradicio<strong>na</strong>is clássicos das Copas, que já<br />

havia ocorrido também <strong>na</strong> decisão de terceiro lugar da edição anterior do torneio, em jogo<br />

vencido pelo Brasil.<br />

Paolo Rossi, que retor<strong>na</strong>va ao futebol após dois a<strong>no</strong>s de suspensão motivados por um<br />

escândalo de combi<strong>na</strong>ção de resultados, marcou os três gols italia<strong>no</strong>s <strong>na</strong> vitória por 3 a 2<br />

diante da Seleção, num jogo que ficou marcado como a “tragédia do Sarriá”. O apelido foi<br />

uma referência ao estádio onde aconteceu a partida, que alterou os rumos do futebol mundial,<br />

com o pragmatismo dos resultados dos que saíram vencedores daquela edição da competição,<br />

do<strong>no</strong>s de um estilo defensivo que buscava anular a habilidade dos adversários, influenciando<br />

as décadas seguintes, em detrimento ao espetáculo do chamado futebol-arte brasileiro. Falcão<br />

(2012) relata <strong>no</strong> livro Brasil 82 - o time que perdeu a Copa e conquistou o mundo que os<br />

italia<strong>no</strong>s se mostraram de certa forma até constrangidos com o resultado. Além da vitória <strong>no</strong><br />

confronto direto entre os times, o consequente título da Itália ainda rendeu outro incômodo ao<br />

Brasil, que deixou de ser o único tricampeão mundial. Em sua reação, o presidente Figueiredo<br />

fi<strong>na</strong>lizou o telegrama direcio<strong>na</strong>do aos jogadores de forma lacônica: “Ânimo forte. Outras<br />

Copas virão”.<br />

O desastre <strong>no</strong> estádio Sarriá, como relatado pela mídia esportiva <strong>no</strong>s dias seguintes à<br />

peleja, acentuou a percepção de crise por que o país passava. A abertura democrática<br />

começava a ser ensaiada, com o voto direto da população passando a eleger os gover<strong>na</strong>dores<br />

dos estados. Diante da insatisfação com o regime militar, as ur<strong>na</strong>s, que contaram com uma<br />

participação massiva dos eleitores, elegeram opositores em unidades da federação<br />

importantes, como Leonel Brizola <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro e Tancredo Neves em Mi<strong>na</strong>s Gerais.<br />

64<br />

Entre outras conquistas como jogador e trei<strong>na</strong>dor, ele comandou o São Paulo <strong>no</strong>s títulos dos Mundiais de<br />

Clubes em 1992 e 1993. Disponível em: http://oglobo.globo.com/esportes/confira-os-titulos-de-tele-santa<strong>na</strong>-<br />

4588411. Acesso em: 14 abr. 2017.


39<br />

No a<strong>no</strong> seguinte, os clubes seguiram se destacando <strong>no</strong> crescimento do futebol <strong>no</strong><br />

Brasil. O Flamengo já era tricampeão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, marcando uma supremacia <strong>na</strong>quele começo de<br />

década, e o Grêmio superou por 2 a 1 os alemães do Hamburgo <strong>na</strong> decisão do Mundial de<br />

Clubes. Mas o esporte <strong>no</strong> país sofreu também duros baques. Um deles foi a perda da taça<br />

Jules Rimet, que era guardada sem maiores cuidados <strong>na</strong> sede da então já CBF, <strong>no</strong> Centro do<br />

<strong>Rio</strong> de Janeiro. Pesando quase quatro quilos de ouro, a taça possuía um valor inestimável para<br />

a população, que acompanhou por sema<strong>na</strong>s as investigações da Polícia Federal sobre o caso,<br />

repercutido de forma ampla também <strong>na</strong> imprensa inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Ela jamais foi recuperada e o<br />

roubo, que entrou <strong>no</strong> imaginário popular, chegou a ser reconstituído décadas depois pelo<br />

programa Linha Direta, da TV Globo.<br />

O crime foi planejado pelo representante do Atlético Mineiro <strong>na</strong> CBF, Sérgio<br />

Pereira Ayres, o Sérgio Peralta. Ele era assíduo frequentador do prédio da entidade e<br />

sabia que a taça Jules Rimet origi<strong>na</strong>l estava exposta numa vitrine, com vidro à prova<br />

de balas, mas amparado por uma moldura de madeira, pregada <strong>na</strong> parede. Enquanto<br />

isso, inexplicavelmente, uma réplica do troféu era mantida, em segurança, <strong>no</strong> cofre.<br />

Peralta arregimentou os comparsas <strong>no</strong> Bairro do Santo Cristo, zo<strong>na</strong> portuária do <strong>Rio</strong>,<br />

onde morava. Na <strong>no</strong>ite de 19 de dezembro de 1983, o ex-policial Francisco José<br />

Rocha Rivera, o Chico Barbudo, e o decorador José Luiz Vieira da Silva, o Luiz<br />

Bigode, domi<strong>na</strong>ram com facilidade o único vigia do prédio, arrombaram a moldura,<br />

provavelmente com uma chave de fenda, e removeram o vidro inquebrável. Além da<br />

Jules Rimet, outras três taças foram levadas. O crime só foi desvendado por causa do<br />

ladrão Antonio Setta, conhecido como Broa, considerado pela polícia o melhor<br />

arrombador de cofres do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Ele tinha sido convidado por Sérgio Peralta,<br />

para cometer o crime, mas recusou por razões sentimentais. A polícia descobriu que<br />

a taça foi comprada e derretida em seguida pelo comerciante de ouro Juan Carlos<br />

Her<strong>na</strong>ndez, um argenti<strong>no</strong> que vivia <strong>no</strong> Brasil desde 1973. No decorrer do processo,<br />

o ouro apreendido com os acusados, que seria o resultado do derretimento da taça,<br />

foi roubado pela polícia. A sentença só veio em 1988. Peralta, Barbudo e Bigode<br />

foram conde<strong>na</strong>dos a <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s de cadeia. (Linha Direta. TV Globo. 1 de junho de<br />

2006. Disponível em http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-<br />

228151,00.html)<br />

Outra perda sentida pelos brasileiros em 1983 foi a de Garrincha, o principal jogador<br />

do título de 1962, que tinha ape<strong>na</strong>s 49 a<strong>no</strong>s. Apelidado como “alegria do povo”, o craque<br />

sofria com a dependência do álcool, chegando a ser inter<strong>na</strong>do por seis vezes <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s<br />

antecedentes ao falecimento. No Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, Sérgio Chapelin destacou a comoção com o<br />

óbito: “a morte de Mané Garrincha está em grandes manchetes, grandes como as emoções que<br />

ele desperta”. O velório, realizado <strong>no</strong> Maracanã, formou extensas filas ao redor do estádio.<br />

Em Pau Grande, sua cidade-<strong>na</strong>tal, onde o corpo foi enterrado, a Folha de S. Paulo reportou<br />

que gritos de “ei, Garrincha é <strong>no</strong>sso rei” foram ouvidos durante o sepultamento, em referência<br />

à ausência de Pelé <strong>no</strong>s funerais.<br />

Após uma <strong>no</strong>va retração acentuada do PIB, evidenciando a tendência daquela que<br />

seria considerada a “década perdida”, o a<strong>no</strong> seguinte marcou o fortalecimento da campanha


40<br />

por eleições diretas também para a Presidência da República, aclamada pela população como<br />

as Diretas Já. Os atletas não se engajaram de forma maciça como outros setores da sociedade,<br />

destacando-se mais a imprensa esportiva. Segundo Guterman (2009), Osmar Santos, um dos<br />

principais <strong>na</strong>rradores do país, apresentou diversos comícios do movimento em São Paulo. A<br />

emenda não avançou de imediato <strong>no</strong> colégio eleitoral, mas obteve um apoio expressivo.<br />

Em 1985, mesmo com a eleição sendo indireta, a escolha dos congressistas por<br />

Tancredo Neves como o primeiro presidente civil do país foi comemorada entre a população,<br />

com uma celebração que fazia lembrar <strong>na</strong> ocasião os festejos <strong>no</strong>s períodos de Copas de<br />

Mundo, de acordo com os registros dos jor<strong>na</strong>listas. Ele, porém, nem chegou a ser empossado<br />

<strong>no</strong> cargo, vítima de uma infecção intesti<strong>na</strong>l que o inter<strong>no</strong>u <strong>no</strong> dia anterior ao da posse, numa<br />

agonia compartilhada com o Brasil por sema<strong>na</strong>s, até o falecimento em 21 de abril. Assim, foi<br />

sob o comando de José Sarney, eleito como vice de Tancredo, que o país acompanhou o<br />

Mundial de 1986, iniciado em 31 de maio.<br />

O <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo dos tempos de regime militar já estava em queda também <strong>no</strong> futebol,<br />

com os principais jogadores da América do Sul, incluindo os brasileiros, atuando <strong>na</strong> Europa<br />

em variados momentos da década. A Itália era o principal mercado da época, recebendo<br />

craques como Zico, <strong>na</strong> Udinese 65 , diante de uma grande festa por toda a região, relatada por<br />

Nunes (2006, p. 199), e Falcão, <strong>na</strong> Roma. Na Copa, a equipe <strong>no</strong>vamente trei<strong>na</strong>da por Telê<br />

Santa<strong>na</strong>, marcada pela experiência anterior, não jogava mais para encantar, mas para vencer.<br />

E o fez com relativa facilidade <strong>na</strong> fase de grupo e <strong>na</strong>s oitavas de fi<strong>na</strong>l. Nas quartas, porém,<br />

diante de uma França ainda pouco tradicio<strong>na</strong>l, o empate em 1 a 1, e a subsequente elimi<strong>na</strong>ção<br />

<strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis.<br />

Dois a<strong>no</strong>s antes, <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> de Los Angeles, o Brasil já havia perdido justamente<br />

para os franceses <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do futebol, subindo pela primeira vez ao pódio <strong>no</strong> torneio com a<br />

conquista da prata. O time de vôlei masculi<strong>no</strong>, que havia conseguido lotar o Maracanã em<br />

partida amistosa contra os soviéticos em 1983, também ficou em segundo lugar <strong>no</strong>s Jogos,<br />

sendo de Joaquim Cruz, <strong>no</strong>s 800 metros rasos, o único ouro brasileiro.<br />

65<br />

Em 2017, o jogador foi home<strong>na</strong>geado pelo time e pela torcida durante as comemorações dos 120 a<strong>no</strong>s de<br />

fundação do clube. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-<strong>no</strong>ticias/2017/02/19/zico-eovacio<strong>na</strong>do-por-torcida-da-udinese-em-home<strong>na</strong>gem-inesquecivel.htm.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


41<br />

Em 1988, o torneio olímpico de futebol de Seul trouxe uma <strong>no</strong>va prata ao futebol,<br />

dessa vez com a derrota diante da União Soviética, em partida decidida por 2 a 1 <strong>na</strong><br />

prorrogação. Mais uma vez, o país conquistou ape<strong>na</strong>s um ouro, o de Aurélio Miguel <strong>no</strong> judô.<br />

Na Copa de 1990, contudo, a chegada à decisão ficou distante do time brasileiro,<br />

elimi<strong>na</strong>do pela Argenti<strong>na</strong>, que seria vice-campeã em fi<strong>na</strong>l contra a Alemanha, ainda <strong>na</strong>s<br />

oitavas de fi<strong>na</strong>l. O time trei<strong>na</strong>do por Sebastião Lazaroni não era o único alvo de protestos <strong>na</strong><br />

época, com o gover<strong>no</strong> de Fer<strong>na</strong>ndo Collor, o primeiro presidente eleito de forma direta após a<br />

ditadura militar, também envolto em uma série de <strong>no</strong>tícias negativas, tanto pelos maus<br />

resultados da eco<strong>no</strong>mia, como por escândalos de corrupção. Em 1992, ele acabaria sendo alvo<br />

de impeachment. Nesse a<strong>no</strong>, a Seleção nem mesmo se classificou para disputar o futebol <strong>na</strong><br />

<strong>Olimpíada</strong> de Barcelo<strong>na</strong>, marcada pelo primeiro ouro do país em esportes coletivos, o do<br />

vôlei masculi<strong>no</strong>.<br />

A Seleção de futebol, por sua vez, vivia uma profunda crise, com o time correndo pela<br />

primeira vez o risco de não se classificar para o Mundial. Romário, o principal jogador do<br />

país <strong>na</strong> época, não era convocado por causa de uma briga com o trei<strong>na</strong>dor Carlos Alberto<br />

Parreira. Diante da possibilidade de ficar fora da Copa, porém, o presidente da CBF Ricardo<br />

Teixeira forçou o chamado do então atleta do Barcelo<strong>na</strong>, que marcou os dois gols <strong>na</strong> vitória<br />

diante do Uruguai dentro do Maracanã <strong>no</strong> duelo decisivo das Elimi<strong>na</strong>tórias, num contexto<br />

descrito pelo próprio Baixinho, como foi apelidado o hoje se<strong>na</strong>dor, em depoimento ao jor<strong>na</strong>l<br />

O Estado de S. Paulo, como o ponto de virada do elenco para o tetracampeo<strong>na</strong>to.<br />

Eu estava meio fora da Seleção desde 1992, quando tive um problema com o<br />

Zagallo e também com o Parreira num amistoso contra a Alemanha. Depois daquilo,<br />

eles me esqueceram e nunca mais fui chamado. Até teve gente que falou <strong>na</strong> época<br />

que eu não queria mais ser convocado para a Seleção porque não tinha aceitado ficar<br />

<strong>no</strong> banco, mas isso é mentira.<br />

Na verdade, fiquei irritado por ter ido para o banco contra a Alemanha, mas não pedi<br />

para não ser mais chamado. Foram eles que não me quiseram mais lá.<br />

Mas eu tenho certeza de que se o Brasil tivesse vencido o jogo contra o Uruguai sem<br />

mim, eu não iria para a Copa dos Estados Unidos e talvez nunca mais voltasse para a<br />

Seleção. Ocorre que eles precisaram de mim. Eu sabia que era um jogo em que eles<br />

não tinham outra opção e que eu era a última esperança. Só que quem me convocou<br />

mesmo foi o Ricardo Teixeira. Descobri isso depois.<br />

Então, até por isso, tinha uma responsabilidade maior do que os outros atletas. O<br />

chefe me botou lá, né? O engraçado é que mesmo assim eu me preparei como se<br />

fosse um jogo qualquer. [...]<br />

O Maracanã estava lotado, com mais de 100 mil torcedores, mas eu estava<br />

tranquilão. Sabia que ia fazer coisas diferentes <strong>na</strong>quele jogo. Logo <strong>no</strong>s primeiros<br />

minutos, percebi que ia matar a pau. [...]


42<br />

No segundo tempo, a bola ia entrar. Sabia disso. E foi o que aconteceu. No meu<br />

primeiro gol, eu fui esperto. O Jorginho lançou <strong>na</strong> direita para o Bebeto. Enquanto<br />

ele corria pela lateral, eu fui para a área e tentei me posicio<strong>na</strong>r em um espaço onde<br />

ninguém estava me marcando. [...]<br />

No segundo, eu acabei marcando um golaço, um dos mais bonitos da minha carreira,<br />

mas a jogada que eu queria fazer não era bem aquela. Foi coisa de momento o que<br />

fiz. [...]<br />

Por tudo que aconteceu antes e durante aquele jogo, quando acabou, eu fui para o<br />

vestiário tendo a certeza de que a gente estava começando a ganhar a Copa do<br />

Mundo. O sentimento era de dever cumprido pela vitória e porque as pessoas<br />

começaram a acreditar <strong>na</strong>quilo que eu falava. (Disponível em<br />

http://infograficos.estadao.com.br/jogo_da_minha_vida/romario)<br />

Em 1994, um país sem tradição <strong>no</strong> futebol recebeu a Copa do Mundo pela primeira<br />

vez <strong>na</strong> <strong>história</strong>. A escolha dos Estados Unidos como sede do torneio foi motivada por<br />

questões comerciais, que então já influenciavam o futebol de forma ampla, inclusive<br />

inter<strong>na</strong>mente, com a participação cada vez maior da televisão <strong>no</strong>s rumos do esporte.<br />

Não é exagero dizer que a televisão mudou o futebol. Com as <strong>no</strong>víssimas<br />

tec<strong>no</strong>logias de transmissão, possibilitando a generalização dos jogos ao vivo<br />

(inclusive intercontinentais) e e<strong>no</strong>rmes audiências, o que implica em gordas receitas<br />

publicitárias, não surpreende que as emissoras tenham investido pesado <strong>no</strong> futebol.<br />

O futebol virou um espetáculo em muito para a televisão. Não por acaso, as<br />

emissoras conseguem influenciar <strong>na</strong> formatação do espetáculo esportivo, a exemplo<br />

de os horários mais esdrúxulos para a transmissão dos jogos, não se preocupando se<br />

isso vai influenciar <strong>na</strong> qualidade da partida, trará algum prejuízo à saúde dos<br />

jogadores/torcedores ou fará reduzir o público <strong>no</strong>s estádios. [...] (FARIAS, 2014, p.<br />

148)<br />

Os anfitriões de 1994 cruzaram o desti<strong>no</strong> da Seleção <strong>na</strong>s oitavas de fi<strong>na</strong>l, realizadas<br />

em um 4 de julho, dia da Independência <strong>no</strong>rte-america<strong>na</strong>, sendo elimi<strong>na</strong>dos pelo magro placar<br />

de 1 a 0, suficiente para uma equipe que mantinha a essência do futebol de resultados.<br />

Treze dias depois, os italia<strong>no</strong>s encontraram os brasileiros <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l. Tal como em 1970,<br />

o vencedor do jogo se tor<strong>na</strong>ria isoladamente o maior campeão da <strong>história</strong> das Copas. O Rose<br />

Bowl seria palco da festa de um tetracampeão independentemente do resultado, que <strong>no</strong>s<br />

primeiros 120 minutos de bola rolando foi um empate em 0 a 0, motivado em grande parte<br />

pela inspiração dos goleiros Taffarel e Pagliuca. Na primeira decisão de Mundial resolvida<br />

<strong>na</strong>s pe<strong>na</strong>lidades máximas, o arqueiro brasileiro triunfou, defendendo o chute de Massaro e<br />

contando com a sorte para assistir as bolas disparadas por Baresi e Roberto Baggio irem para<br />

fora. Após 24 a<strong>no</strong>s de jejum, toda uma geração comemorou a conquista como se fosse a<br />

primeira. Pedro Bial, ex-apresentador do Fantástico, define a edição daquele domingo como


43<br />

“uma das mais arrebatadoras da <strong>história</strong>” do programa 66 . O dominical foi aberto por Sandra<br />

Annenberg e Cláudia Cruz 67 , que fizeram uma retrospectiva dos fracassos anteriores, entre o<br />

tri e o tetracampeo<strong>na</strong>to.<br />

O domingo do tetra foi um dia que demorou vinte a<strong>no</strong>s para chegar e jamais será<br />

esquecido. Em 74, foi a Holanda que atrapalhou tudo. Em 78, o Brasil caiu numa<br />

armadilha da tabela da Copa. Em 82, quem não se lembra, foram aqueles três gols<br />

do italia<strong>no</strong> Paolo Rossi numa tarde de Sol em Barcelo<strong>na</strong>. Em 86, o drama de tantos<br />

pê<strong>na</strong>ltis perdidos contra a França. Em 90, aquele passe de cinema de Marado<strong>na</strong>. Mas<br />

hoje, hoje foi o dia do brasileiro lavar a alma, depois de 120 minutos de sofrimento.<br />

Nesse 17 de julho, cada brasileiro se sentiu como se tivesse entrado em campo <strong>na</strong><br />

Califórnia. Cada brasileiro sofreu como se fosse o goleiro <strong>na</strong> hora do pê<strong>na</strong>lti. Cada<br />

brasileiro pode fi<strong>na</strong>lmente soltar o grito preso <strong>na</strong> garganta há 24 a<strong>no</strong>s: eu sou<br />

tetracampeão! A taça do mundo é <strong>no</strong>ssa! Uma vitória que todos os jogadores<br />

dedicaram ao campeão Ayrton Sen<strong>na</strong>. (Fantástico. TV Globo. 17 de julho de 1994.<br />

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yf6QsNvMrNA)<br />

Exatos onze domingos antes da conquista do tetracampeo<strong>na</strong>to, o país havia sido paralisado<br />

pela morte de Ayrton Sen<strong>na</strong> da Silva, o ídolo brasileiro mais celebrado <strong>no</strong> universo esportivo.<br />

Após bater forte <strong>na</strong> curva Tamburello, durante o Grande Prêmio de San Mari<strong>no</strong> 68 , o piloto sofreu<br />

um profundo da<strong>no</strong> cerebral, sendo declarado morto horas depois. Pelo país inteiro, os estádios de<br />

futebol, lotados <strong>na</strong>quele 1º de maio, e já habituados aos conflitos mais acirrados entre torcidas,<br />

silenciaram. No Morumbi, que recebeu o confronto entre o São Paulo e o Palmeiras, os fãs das<br />

duas equipes se uniram para home<strong>na</strong>gear o ídolo declaradamente torcedor do Corinthians. No<br />

Maracanã, mais de 100 mil flamenguistas e vascaí<strong>no</strong>s também se juntaram <strong>no</strong>s gritos de “olê, olê,<br />

olá, Sen<strong>na</strong>, Sen<strong>na</strong>”.<br />

Dias depois, o cortejo do caixão entre o aeroporto de Guarulhos e a<br />

Assembleia Legislativa de São Paulo reuniu 300 mil pessoas.<br />

Ayrton era um aficio<strong>na</strong>do por futebol. Duas sema<strong>na</strong>s antes do acidente fatal, deu o pontapé<br />

inicial para um amistoso entre a Seleção e um combi<strong>na</strong>do dos times franceses do Paris Saint-<br />

Germain e Bordeaux. O piloto chegou a brincar que também mirava o tetra, já que havia vencido<br />

por três vezes o campeo<strong>na</strong>to mundial de Fórmula 1. Mesmo com a partida sendo <strong>na</strong> França, terra<br />

de Alain Prost, seu grande rival <strong>na</strong>s pistas, ele foi aplaudido pelo estádio inteiro. Após a fi<strong>na</strong>l da<br />

66<br />

O depoimento foi dado para a série Domingos Inesquecíveis, que comemorou os 30 a<strong>no</strong>s do programa.<br />

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VrOcpirmXvU. Acesso em: 25 abr. 2017.<br />

67<br />

A jor<strong>na</strong>lista apresentou diversos programas da TV Globo ao longo da década de 1990, sendo conhecida<br />

também como a voz padrão da companhia telefônica do <strong>Rio</strong> de Janeiro, que <strong>na</strong> época era presidida por Eduardo<br />

Cunha, com quem viria a se casar e envolver em escândalos de corrupção. Disponível em<br />

http://oglobo.globo.com/brasil/a-historia-de-amor-entre-cunha-claudia-cruz-17873007. Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

68<br />

No mesmo fim de sema<strong>na</strong>, antes da morte de Sen<strong>na</strong>, Rubens Barrichello já havia sofrido um grave acidente<br />

<strong>no</strong>s trei<strong>no</strong>s livres, enquanto o austríaco Roland Ratzenberger morreu durante o trei<strong>no</strong> de classificação para a<br />

corrida, que não foi cancelada nem após o acidente envolvendo Ayrton. Disponível em:<br />

http://www.ayrtonsen<strong>na</strong>.com.br/piloto/formula-1/temporada-1994/grande-premio-de-san-mari<strong>no</strong>-1994/. Acesso<br />

em: 14 abr. 2017.


44<br />

Copa do Mundo, os jogadores carregaram uma faixa com a frase “Sen<strong>na</strong>... Aceleramos juntos, o<br />

tetra é <strong>no</strong>sso!” ainda <strong>no</strong> gramado do Rose Bowl. Ao longo de todo o Mundial, torcedores<br />

brasileiros já levavam cartazes com menções à Sen<strong>na</strong> para as arquibancadas.<br />

No ciclo seguinte, o auxiliar técnico Zagallo foi <strong>no</strong>vamente efetivado como trei<strong>na</strong>dor após<br />

a saída de Parreira. Sem Romário, o ainda jovem Ro<strong>na</strong>ldo despontava como maior craque da <strong>no</strong>va<br />

geração para a Copa da França, em 1998, sendo para Caldeira (2002, p. 220) “peça fundamental do<br />

time”. A atuação do jogador <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l daquele Mundial, contudo, é um dos episódios mais<br />

controversos da <strong>história</strong> do futebol brasileiro. O atacante supostamente teve uma convulsão horas<br />

antes do jogo, mas foi bancado pela comissão técnica, com o aval dos médicos, para entrar em<br />

campo. Jogou abaixo da média, como toda a equipe, que foi vencida por 3 a 0 pelos anfitriões,<br />

campeões do mundo pela primeira vez.<br />

Já para o comando da Seleção, Vanderlei Luxemburgo foi a opção da CBF após a saída de<br />

Zagallo. A passagem do técnico, porém, não foi duradoura, com a demissão sendo fruto da<br />

elimi<strong>na</strong>ção do Brasil para Camarões <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l do torneio olímpico de 2000, em Sydney.<br />

A saída dos Jogos foi selada pelo placar de 2 a 1, conquistado pelos africa<strong>no</strong>s, que atuavam com<br />

dois jogadores a me<strong>no</strong>s, <strong>na</strong> prorrogação, então adepta do sistema de gol de ouro, em que o primeiro<br />

time a conseguir o desempate <strong>no</strong> tempo extra era o vencedor do jogo. Na <strong>Olimpíada</strong> anterior, em<br />

Atlanta, a queda também ocorreu diante de uma equipe da África, a Nigéria, porém aconteceu<br />

somente <strong>na</strong>s semifi<strong>na</strong>is, e o time ainda conquistou a medalha de bronze.<br />

Ainda em 2000, <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l da Copa João Havelange, um acidente marcou a partida de volta<br />

entre Vasco e São Caeta<strong>no</strong>, realizada <strong>no</strong> estádio de São Januário. Cerca de 170 pessoas ficaram<br />

feridas após a queda do alambrado 69 . Para o atendimento aos vitimados, o gramado foi tomado por<br />

ambulâncias e helicópteros e o jogo acabou cancelado. Houve um grande abalo de credibilidade<br />

dos organizadores da partida por uma das causas do incidente ser o overbooking, com a venda de<br />

ingressos em quantidade superior à capacidade das arquibancadas. Em campo, o time carioca<br />

passava por um bom momento, tendo sido meses antes vice-campeão mundial, ao perder <strong>no</strong>s<br />

pê<strong>na</strong>ltis para o Corinthians em duelo <strong>no</strong> Maracanã.<br />

Para conduzir a imagem do futebol brasileiro <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo milênio e garantir a classificação <strong>na</strong><br />

Copa do Mundo de 2002, a primeira realizada em um continente que não o europeu ou america<strong>no</strong>,<br />

69<br />

As imagens dos torcedores caindo uns por cima dos outros foram transmitidas ao vivo pela TV Globo.<br />

Disponível em: http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/videos/v/em-2000-vasco-0-x-0-sao-caeta<strong>no</strong>-pelafi<strong>na</strong>l-da-copa-joao-havelange/1556595/.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


45<br />

a CBF escolheu Luiz Felipe Scolari, que durante as Elimi<strong>na</strong>tórias formou uma equipe em que<br />

priorizava o sentimento de união ao grupo, com o elenco acabando conhecido como a “família<br />

Scolari”. Felipão, como ficou mais <strong>no</strong>tabilizado, levou o time a passar sem percalços por<br />

adversários me<strong>no</strong>s conhecidos, até que a Inglaterra surgiu como a rival <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l. Os<br />

inventores do futebol foram superados por 2 a 1, com os gols brasileiros oriundos dos pés de<br />

Ro<strong>na</strong>ldinho Gaúcho e Rivaldo, que junto de Ro<strong>na</strong>ldo, então recém-recuperado de uma grave lesão,<br />

formaram um trio de “erres” que encantou o país. Graças ao fuso horário, diversos jogos<br />

aconteciam durante a madrugada, quebrando o hábito de reunião das pessoas, e assim<br />

proporcio<strong>na</strong>ndo índices de audiência gigantescos mesmo para o padrão de uma Copa. Na ocasião,<br />

a TV Globo, foi a única detentora dos direitos de transmissão em rede aberta 70 .<br />

Da Copa de 2002, o jogo inesquecível foi aquele em que cometi uma peque<strong>na</strong> loucura –<br />

Brasil e Inglaterra, quartas de fi<strong>na</strong>l. No horário brasileiro, a partida começava às três horas<br />

da madrugada. Foi talvez a única vez <strong>na</strong> televisão que uma transmissão deu cem por cento<br />

de share, 63 pontos de audiência, e a concorrência, zero – traço, como se diz <strong>na</strong><br />

linguagem de TV. Emanuel Castro gritava <strong>no</strong> meu ouvido: “Ô maluco, os outros estão<br />

dando traço, vamos fazer <strong>história</strong>!”. O helicóptero da Globo começou a sobrevoar São<br />

Paulo e eu pedi que as pessoas apagassem e acendessem as luzes de casa. Coisa de<br />

maluco. Já pensou a vergonha se ninguém acendesse e apagasse a luz? De repente, a<br />

câmera aberta lá de cima, e milhares e milhares de casas <strong>no</strong> bairro da Casa Verde e ao<br />

redor, perto da margi<strong>na</strong>l do Tietê, apagando e acendendo as luzes, uma loucura. Esse é o<br />

poder da Seleção Brasileira e da Rede Globo. (BUENO, 2015, p. 43)<br />

Os números reforçam a prática quadrie<strong>na</strong>l do brasileiro em alterar a sua roti<strong>na</strong> para<br />

acompanhar o torneio.<br />

Uma vez a cada quatro a<strong>no</strong>s, o Brasil é um país quieto e vazio. As ruas das cidades,<br />

grandes e peque<strong>na</strong>s, calam seus muitos decibéis de buzi<strong>na</strong>s e motores, os pedestres<br />

apressados desaparecem. Os vendedores ambulantes, sem compradores, somem das ruas.<br />

Portas metálicas fecham as entradas de lojas e bancos. Ape<strong>na</strong>s alguns ônibus, cumprindo<br />

sua obrigação, percorrem seus itinerários em vão. Andando pelas ruas desertas, ouve-se o<br />

vento do inver<strong>no</strong> tropical soprar folhetos de propaganda, decorados com bolas de futebol<br />

e bandeiras brasileiras, anunciando as ofertas de ocasião. Olhando para o alto, as fachadas<br />

desertas de edifícios de apartamentos exibem para ninguém sua decoração feita de<br />

bandeiras <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e grandes faixas de pa<strong>no</strong> verde e amarelo tocadas pelo vento<br />

indiferente.<br />

De modo difuso, parece vir de todos os apartamentos, casas, escritórios e bares, uma<br />

textura indistinta feita das vozes metálicas de diversos locutores esportivos, <strong>no</strong>s rádios e<br />

televisores ligados, transmitindo um único evento, falando de uma bola e dos jogadores<br />

que a conduzem, vestindo uniformes com as cores da bandeira <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. [...] Em frente a<br />

cada televisor ou rádio ligados, um grupo de brasileiros escuta, calado, tenso, em transe, à<br />

espera do desenlace dos fatos do jogo. [...]<br />

Uma Copa do Mundo representa para os brasileiros o verdadeiro momento ritual de<br />

celebrar a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidade. [...] (GASTALDO, 2002, p. 19-20)<br />

70<br />

A estreia da Seleção <strong>no</strong> torneio conseguiu a melhor audiência de partidas de Copas do Mundo desde o início<br />

da medição, em 1986, com 64 pontos de média e picos de 73. Disponível em:<br />

http://www.terra.com.br/exclusivo/<strong>no</strong>ticias/2002/06/03/024.htm. Acesso em: 15 abr. 2017.


46<br />

Após superar a Turquia <strong>na</strong> semifi<strong>na</strong>l, a Seleção se viu diante da Alemanha, que buscava<br />

igualar-se como tetracampeã, <strong>na</strong> decisão do Mundial de 2002. Ro<strong>na</strong>ldo, quatro a<strong>no</strong>s antes o<br />

símbolo da derrota, dessa vez converteu os dois gols da partida, que marcou a conquista do<br />

pentacampeo<strong>na</strong>to, condição até hoje alcançada somente pelo Brasil. Foi a primeira vez desde 1986<br />

em que o time campeão não passou por nenhuma prorrogação ao longo do torneio. O feito foi<br />

celebrado por meio milhão de pessoas <strong>na</strong>s ruas de Brasília <strong>no</strong> retor<strong>no</strong> da equipe ao país, como<br />

destacou reportagem da capa do cader<strong>no</strong> especial da Folha de S. Paulo em 3 de julho de 2002.<br />

“Deixa a vida me levar”. Zeca Pagodinho, recurso motivacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Ásia, foi levado a sério<br />

pela Seleção pentacampeã mundial, que desembarcou ontem em Brasília.<br />

Jogadores, dirigentes e até mesmo o técnico Luiz Felipe Scolari deixaram-se levar pela<br />

farra em que transformou a maior comemoração popular dos dois mandatos de Fer<strong>na</strong>ndo<br />

Henrique Cardoso.<br />

Cerca de 500 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, algo próximo a 25% da população do<br />

Distrito Federal, foram às ruas.<br />

O a<strong>no</strong> de 2002 trouxe ainda o primeiro título mundial do vôlei masculi<strong>no</strong> brasileiro, numa<br />

hegemonia que prosseguiria em 2006 e 2010, com a modalidade firmando-se <strong>na</strong> posição que<br />

outrora foi do basquete, como segundo esporte preferido dos brasileiros. Ou primeiro, como <strong>na</strong><br />

interpretação do ex-jogador Ber<strong>na</strong>rd, em que “<strong>no</strong> Brasil o futebol não é esporte, é religião. Então o<br />

vôlei pode ser considerado como o esporte número 1". O time comandado por Ber<strong>na</strong>rdinho<br />

conquistou ainda a medalha de ouro <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos de Ate<strong>na</strong>s 2004 e <strong>no</strong>s Jogos Pan-<br />

America<strong>no</strong>s do <strong>Rio</strong> de Janeiro 2007, o primeiro de uma série de grandes eventos esportivos<br />

sediados pelo Brasil 71 .<br />

Nos campos, após ficar de fora da <strong>Olimpíada</strong> <strong>na</strong> Grécia, o Brasil chegou favorito ao<br />

Mundial de 2006, após elimi<strong>na</strong>r os alemães e golear os argenti<strong>no</strong>s um a<strong>no</strong> antes, quando venceu a<br />

Copa das Confederações, torneio preparatório para a Copa do Mundo realizado pela Fifa. A fase<br />

brasileira <strong>no</strong> esporte era boa, com Ro<strong>na</strong>ldinho Gaúcho sendo o melhor jogador do mundo e o São<br />

Paulo tendo conquistado o Mundial de Clubes em 2005. A força do talento <strong>no</strong>s gramados<br />

recuperava a imagem do futebol <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l depois da tragédia envolvendo o zagueiro Serginho, do<br />

São Caeta<strong>no</strong>, que sofreu uma parada cardiorrespiratória em jogo contra o São Paulo pelo<br />

Campeo<strong>na</strong>to Brasileiro de 2004, falecendo <strong>no</strong> hospital horas depois. O jogador tinha problemas<br />

cardíacos detectados por exames e não devia mais exercer o futebol profissio<strong>na</strong>lmente, mas a sua<br />

71<br />

A equipe femini<strong>na</strong>, sob o comando de José Roberto Guimarães, também acumulou expressivas vitórias. Entre<br />

elas, as medalhas de ouro <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos de Pequim 2008 e Londres 2012, em que o time foi eleito como o<br />

melhor da competição entre todas as modalidades. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/volei/ultimas<strong>no</strong>ticias/2014/11/07/selecao-femini<strong>na</strong>-de-volei-recebe-premio-por-campanha-em-londres-2012.htm.<br />

Acesso em:<br />

15 abr. 2017.


47<br />

família alega que ele jamais foi comunicado sobre as restrições. Aquele Brasileirão já era disputado<br />

em pontos corridos, formato adotado desde 2003, e o jogo foi suspenso aos treze minutos do<br />

segundo tempo, quando estava empatado sem gols.<br />

Não havia <strong>na</strong> época em nenhum modelo uma disputa consolidada do campeo<strong>na</strong>to entre<br />

clubes também <strong>no</strong> futebol femini<strong>no</strong>, mas as mulheres brasileiras surgiram com destaque <strong>na</strong><br />

modalidade graças ao bom desempenho da Seleção <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> de Ate<strong>na</strong>s, onde a equipe<br />

conquistou a medalha de prata, que se repetiu em Pequim 2008. Comandado por Marta, melhor<br />

jogadora do mundo entre 2006 e 2010, o Brasil ainda foi vice-campeão da Copa do Mundo<br />

femini<strong>na</strong> em 2007, a<strong>no</strong> em que conquistou o ouro <strong>na</strong> categoria <strong>no</strong> Pan do <strong>Rio</strong>, diante de um<br />

Maracanã com quase 70 mil torcedores presentes 72 . A falta de um grande título global, contudo, foi<br />

empecilho para a popularização do futebol femini<strong>no</strong> <strong>no</strong> país.<br />

2.3 O Brasil <strong>no</strong> centro das atenções<br />

Nas Copas de 2006 e 2010, os homens tiveram campanhas de me<strong>no</strong>r expressão se<br />

comparados com os feitos recentes do time femini<strong>no</strong>, sendo elimi<strong>na</strong>dos <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l por<br />

França e Holanda, respectivamente. A derrota <strong>na</strong> África do Sul gerou grande preocupação após o<br />

país ter sido eleito em 2007 como sede do Mundial de 2014, numa decisão regulamentar e unânime<br />

do Comitê Executivo da Fifa, já que o Brasil chegou ao dia decisivo como candidato único,<br />

angariando o apoio dos postulantes anteriores, como Argenti<strong>na</strong>, Chile e Colômbia. Até essa<br />

escolha, a federação promovia um rodízio de continentes para a seleção do país-sede da Copa.<br />

Nos dois a<strong>no</strong>s seguintes, dezoito capitais brasileiras travaram um intenso combate político<br />

para a definição das subsedes do Mundial. A única opinião unânime era sobre a fi<strong>na</strong>l <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro, com o Maracanã tor<strong>na</strong>ndo-se o segundo estádio do mundo a receber duas decisões de<br />

Copa, depois somente do Azteca, <strong>no</strong> México. O gover<strong>no</strong> primeiramente convenceu a Fifa de que a<br />

melhor opção para as dimensões continentais do Brasil era espalhar o torneio por doze cidades,<br />

número acima do recomendado pela federação. A quantidade garantiu <strong>na</strong> lista das escolhidas<br />

algumas praças sem times locais presentes <strong>na</strong>s principais divisões do futebol brasileiro.<br />

Belo Horizonte (Mineirão), Brasília (Estádio Nacio<strong>na</strong>l), Cuiabá (Are<strong>na</strong> Panta<strong>na</strong>l), Curitiba<br />

(Are<strong>na</strong> da Baixada), Fortaleza (Castelão), Ma<strong>na</strong>us (Are<strong>na</strong> da Amazônia), Natal (Are<strong>na</strong> das Du<strong>na</strong>s),<br />

Porto Alegre (Beira-<strong>Rio</strong>), Recife (Are<strong>na</strong> Per<strong>na</strong>mbuco), <strong>Rio</strong> de Janeiro (Maracanã), Salvador (Fonte<br />

72<br />

A conquista veio com uma goleada por 5 a 0 sobre os Estados Unidos. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/PAN/Noticias/0,,MUL79560-3873,00.html. Acesso em: 15 abr. 2017.


48<br />

Nova) e São Paulo (Are<strong>na</strong> Corinthians) foram as doze anunciadas em 2009, embora nem todas<br />

com projetos de estádios definidos até então. A capital paulista, por exemplo, tinha o estádio do<br />

Morumbi como escolha mais óbvia, porém o risco de perder o direito de sediar o jogo de abertura<br />

levou pela opção de um <strong>no</strong>vo espaço. No mesmo período, Grêmio e Palmeiras também<br />

i<strong>na</strong>uguraram are<strong>na</strong>s próprias de acordo com os preceitos de construção moder<strong>no</strong>s, marcando uma<br />

etapa de maior segurança <strong>no</strong> ambiente futebolístico, evitando acidentes como o ocorrido <strong>na</strong> Fonte<br />

Nova em 2007, quando sete pessoas morreram após o desabamento de parte da arquibancada<br />

superior. Porém, antes da fi<strong>na</strong>lização dos estádios, durante as obras da Copa, as condições de<br />

trabalho <strong>no</strong>s canteiros foram alvo de questio<strong>na</strong>mentos dos órgãos de fiscalização. Em 2013, dois<br />

operários morreram após a queda de uma grua da construção do estádio do Corinthians 73 .<br />

As obras sofreram sucessivos atrasos, de certo modo disfarçados pelo Comitê Organizador<br />

Local com diversos lançamentos inerentes ao gigantismo do Mundial, como o slogan (“Juntos num<br />

só ritmo”) em maio de 2012, a bola (brazuca) em setembro e o mascote (Fuleco) em <strong>no</strong>vembro do<br />

mesmo a<strong>no</strong>. Ou seja, todos antecedendo também a Copa das Confederações, torneio para o qual<br />

para a preparação teve complicações que o marketing assim tentava desviar, trazendo para as<br />

manchetes fatos neutros e positivos em busca de divisão de espaço com as <strong>no</strong>tícias de viés<br />

negativo.<br />

O alcance global, o poder de apelo e a adesão magnética fazem do futebol um veículo<br />

ideal da mercadoria em seu estado de irradiação onipresente. Mais do que todos os outros<br />

fenôme<strong>no</strong>s de massa, o futebol é centrífugo e centrípeto: atinge as bordas mais distantes e<br />

reporta-se ciclicamente a ritos centralizados, em escala regio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e mundial.<br />

Assim, além de o marketing ter invadido campo, bola, frente e dorso das camisas, calções,<br />

chuteiras, placas em tor<strong>no</strong> do gramado, uniformes do juiz e dos bandeirinhas [...], uma<br />

elite de jogadores é chamada a se converter em suporte privilegiado. [...] (WISNIK, 2008,<br />

p. 351)<br />

A propaganda, vinda das instâncias midiáticas, empresariais e gover<strong>na</strong>mentais, todavia, não<br />

conseguiu poupar as obras de severos atrasos, que puseram várias sedes sob ameaça. O Maracanã,<br />

por exemplo, foi rei<strong>na</strong>ugurado ape<strong>na</strong>s treze dias antes do começo da competição, evento que além<br />

do Brasil reuniu também Espanha, Itália, Uruguai, Nigéria, México, Japão e Taiti.<br />

O Brasil venceu o jogo de estreia contra os japoneses, realizado <strong>na</strong> capital federal, por 3 a<br />

0. A Seleção, <strong>no</strong>vamente sob o comando de Felipão, chamado pela CBF após a demissão de Ma<strong>no</strong><br />

Menezes, motivada pelo insucesso olímpico com a derrota para os mexica<strong>no</strong>s <strong>na</strong> decisão <strong>no</strong>s Jogos<br />

de Londres 2012, após o bronze em Pequim 2008, avançou de forma tranquila pelos jogos<br />

73<br />

As construções em Brasília e Ma<strong>na</strong>us também registraram acidentes, totalizando oito mortos <strong>na</strong> preparação<br />

para o torneio. Disponível em: http://espn.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/399860_para-<strong>na</strong>o-esquecer-os-oito-operariosmortos-da-copa.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.


49<br />

seguintes. Pode ser apontado como o primeiro grande confronto da equipe a semifi<strong>na</strong>l diante do<br />

Uruguai <strong>no</strong> Mineirão, vencida por 2 a 1.<br />

A fi<strong>na</strong>l do torneio, diante da Espanha, foi <strong>no</strong> Maracanã, que antes já havia sido palco<br />

também da conquista da Copa América de 1989, quando o Brasil venceu o Uruguai por 1 a 0. Em<br />

2013, confrontando com os então bicampeões da Europa, invictos há 29 jogos 74 , o placar foi mais<br />

elástico: 3 a 0. Foi uma <strong>no</strong>ite em que tudo deu certo. Fred marcou logo <strong>no</strong> primeiro minuto de jogo.<br />

Os espanhóis, atordoados, tardaram a esboçar qualquer reação. Pedro até tentou fi<strong>na</strong>lizar, mas<br />

David Luiz tirou a bola em cima da linha. Neymar, o grande craque brasileiro da década, sendo o<br />

primeiro desde Kaká 75 a figurar entre os três melhores do mundo, foi o responsável por ampliar o<br />

placar, que se transformou em goleada com <strong>no</strong>vo gol de Fred. Os gritos de “o campeão voltou”,<br />

mesmo com o Brasil tendo vencido o torneio também em 2009, quando superou os Estados<br />

Unidos, resumiam o sentimento da torcida, que presumia ter diante dos seus olhos uma <strong>no</strong>va<br />

família Scolari, já imagi<strong>na</strong>ndo a continuação do enredo <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte. Um dia depois, o Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong>rrou em reportagem de Re<strong>na</strong>to Ribeiro o que chamou de “<strong>no</strong>ite mágica” <strong>no</strong> principal<br />

estádio do Brasil.<br />

Já foi um gigante. Era conhecido como o maior do mundo. Uma reforma o encolheu para<br />

78 mil lugares. Há quem diga que esse não é aquele Maraca, é outro estádio, mas a alma<br />

do velho Maracanã permaneceu. Visual do século XXI, coração do século XX. Ele<br />

encolheu <strong>no</strong> tamanho, mas não <strong>na</strong> sensação que provoca. [...]<br />

O Maracanã ig<strong>no</strong>ra protocolos. Se o Hi<strong>no</strong> não é tocado até o fim, os alto-falantes <strong>na</strong>turais<br />

do estádio dão conta de tudo. O Maraca é cruel com os adversários, incansável. Não<br />

houve sossego para a Espanha. O famoso toque de bola tinha uma trilha so<strong>no</strong>ra (vaias). E<br />

quando era o Brasil que tocava a bola, os espanhóis viram tudo se inverter. O toureiro<br />

virou touro. Olé.<br />

O Maracanã cria ídolos, faz carinho em quem merece. Ontem foram muitos. David Luiz,<br />

Júlio Cesar, Hulk, Neymar... O gigante acordou. Os gigantes acordaram, juntos, o<br />

Maracanã e o time. [...]<br />

Assim é o Maracanã, uma massa de pessoas juntas, dando forma e vida ao concreto. Ah,<br />

se o Maraca falasse... O que ele diria? Talvez, “obrigado”. O campeão voltou, voltou<br />

para casa. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 1 de julho de 2013. Disponível em<br />

http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/videos/t/edicoes/v/maraca<strong>na</strong>-um-gigante-de-almaviva-re<strong>no</strong>vado-e-com-muitas-vozes/2666415/)<br />

74<br />

O time espanhol não era derrotado em partidas oficiais desde a estreia <strong>na</strong> Copa do Mundo de 2010, quando<br />

conquistou o título mundial pela primeira vez em fi<strong>na</strong>l contra a Holanda. Disponível em:<br />

https://esportes.terra.com.br/futebol/espanha-continua-invicta-ha-3-a<strong>no</strong>s-e-29-jogos-em-competicoesoficiais,19b0b78c2b28f310VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

75<br />

O jogador foi o último a ser eleito melhor do mundo antes do começo de uma supremacia com o posto sendo<br />

revezado entre o argenti<strong>no</strong> Lionel Messi e o português Cristia<strong>no</strong> Ro<strong>na</strong>ldo. Disponível em:<br />

http://extra.globo.com/esporte/sou-ultimo-bola-de-ouro-que-<strong>na</strong>sceu-neste-planeta-diz-kaka-17530346.html.<br />

Acesso em: 16 abr. 2017.


50<br />

2.3.1 A Copa das Copas<br />

A Seleção chegou embalada para jogar a Copa do Mundo em casa após 64 a<strong>no</strong>s. Era<br />

considerada favorita mesmo pelos demais países. Carlos Alberto Parreira, então coorde<strong>na</strong>dor<br />

técnico, sentenciou em maio que o Brasil já estava “com uma mão <strong>na</strong> taça”, discurso repetido pelo<br />

técnico Felipão durante o Mundial 76 , com um time que em nenhum momento do torneio chegou a<br />

encantar o país. Na estreia diante da Croácia, um 3 a 1 de virada, com o primeiro gol da Copa<br />

sendo contra, do lateral brasileiro Marcelo, aos 10 minutos de partida. O segundo jogo trouxe um<br />

empate sem gols com o México, adiando a classificação para o mata-mata, que veio somente com<br />

a goleada por 4 a 1 sobre Camarões, a equipe mais fraca do grupo, que deixou a competição sem<br />

pontuar.<br />

O país viveu de forma intensa o clima de Copa do Mundo, sem protestos como <strong>na</strong> Copa<br />

das Confederações, em grande parte pela presença massiva de estrangeiros, especialmente de<br />

outros países lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>s, apesar da propagação de <strong>no</strong>tícias negativas que antecedeu o<br />

Mundial. O expediente anteviu o padrão ocorrido igualmente <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong>, em que a tensão prévia<br />

não causou impacto significativo <strong>no</strong> número de visitantes. No Mundial, os estadunidenses também<br />

apareceram em grandes grupos, assim como ineditamente se reuniram <strong>no</strong> próprio país para<br />

acompanhar os jogos 77 , em aglomerações que lembravam as Fan Fests instaladas <strong>na</strong>s doze sedes.<br />

Nos campos, a primeira fase contou com ingredientes como goleadas e zebras que ajudaram a<br />

empolgar os fãs de futebol. Aliado aos demais elementos, o calor da torcida, que participava<br />

ativamente mesmo dos confrontos tidos como mais desinteressantes, ajudou que muitos passassem<br />

a identificar a edição de 2014 como a “Copa das Copas” antes mesmo do seu fim 78 .<br />

Nas oitavas de fi<strong>na</strong>l, o Brasil se encontrou com o Chile, antes freguês histórico, em jogo <strong>no</strong><br />

Mineirão. A partida empatou em 1 a 1, indo para a prorrogação e os pê<strong>na</strong>ltis, com direito aos rivais<br />

76<br />

A declaração veio antes do jogo das quartas de fi<strong>na</strong>l contra a Colômbia. Disponível em:<br />

http://espn.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/422981_felipao-selecao-continua-com-a-mao-<strong>na</strong>-taca. Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

77<br />

Os jogos do time local <strong>na</strong> Copa renderam as maiores audiências da <strong>história</strong> do futebol <strong>na</strong> televisão dos Estados<br />

Unidos, equiparando-se com as fi<strong>na</strong>is da NBA, o torneio <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de basquete. Disponível em:<br />

http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/audiencia-de-jogo-dos-eua-foi-recorde-<strong>no</strong>-pais/. Acesso em: 15 abr.<br />

2017.<br />

78<br />

A competição foi considerada a melhor Copa do Mundo de todos os tempos para 38,5% dos jor<strong>na</strong>listas.<br />

Disponível em https://copadomundo.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/redacao/2014/06/30/pesquisao-uol-copa-para-imprensaestrangeira-brasil-sedia-melhor-mundial.htm.<br />

Após a queda da Seleção, o termo foi utilizado até mesmo pela<br />

presidente Dilma Rousseff, que em carta ao time disse que “nós, brasileiros, não levamos a taça, mas fizemos a<br />

Copa das Copas [...]. Vocês – e o futebol brasileiro – são maiores que quaisquer resultados passageiros”.<br />

Disponível em: http://esportes.estadao.com.br/<strong>no</strong>ticias/futebol,copa-do-mundo,<strong>na</strong>o-levamos-a-taca-mas-fizemosa-copa-das-copas-diz-dilma,1528049.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


51<br />

acertando uma bola <strong>na</strong> travessão <strong>no</strong>s instantes fi<strong>na</strong>is do tempo extra. Júlio César, que defendeu as<br />

cobranças de Pinilla e Alexis Sánchez e ainda viu a trave do Mineirão <strong>no</strong>vamente ser decisiva<br />

diante do chute de Jara, garantiu a classificação.<br />

Novamente um rival sul-america<strong>no</strong> surgiu diante da Seleção <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l: a<br />

Colômbia. O desempenho foi ligeiramente mais animador, com uma vitória por 2 a 1 em Fortaleza.<br />

Mas não houve tanto entusiasmo ao redor do país após o jogo. Para a disputa da semifi<strong>na</strong>l, a<br />

Seleção perdeu Neymar, contundido por uma agressão do colombia<strong>no</strong> Zúñiga. Thiago Silva, o<br />

capitão, que havia ficado aos prantos antes dos pê<strong>na</strong>ltis <strong>no</strong> jogo anterior, pedindo ao técnico para<br />

não fazer parte dos cobradores, foi suspenso. Sem dois titulares absolutos, Felipão escalou Ber<strong>na</strong>rd<br />

e Dante como substitutos para a semifi<strong>na</strong>l contra a Alemanha, tentando manter as características<br />

básicas da equipe diante dos outros adversários. Essa formação jamais havia atuado junta antes.<br />

Em 8 de julho, a Seleção entrou em campo <strong>no</strong> Mineirão repetindo o modelo de pressão que<br />

vinha desde o a<strong>no</strong> anterior, já decorado pelos adversários. O time anfitrião ditou o ritmo durante os<br />

primeiros instantes. E só. A partida definiu-se em outros minutos, mais precisamente sete. Foram<br />

eles constatados aos 9, 22, 24, 25 e 29 minutos do primeiro tempo e aos 23 e 33 minutos do<br />

segundo tempo. Nessas frações de tempo registradas, Müller, Klose 79 , Kroos, Khedira e Schürrle<br />

marcaram os sete gols que deixaram o Brasil atônito. Foi a pior derrota da <strong>história</strong> não ape<strong>na</strong>s<br />

da Seleção, mas de qualquer campeão mundial. Nas Copas, jamais uma equipe havia levado<br />

cinco gols <strong>na</strong> primeira meia-hora de jogo 80 . No dia seguinte, o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l trouxe a<br />

imensa repercussão midiática do desastre em Belo Horizonte.<br />

Os jor<strong>na</strong>is dessa quarta-feira triste registram para a <strong>história</strong> a goleada sofrida pela Seleção<br />

Brasileira. O jor<strong>na</strong>l O Globo trouxe três palavras: vergonha, vexame e humilhação; e falou<br />

sobre a atuação de um time confuso. A Folha de S. Paulo disse que a Seleção sofreu a<br />

pior derrota da <strong>história</strong> e destacou as vaias e o olé dados pelos torcedores. O Estado de S.<br />

Paulo estampou “humilhação em casa” e afirmou que o mundo viu uma Seleção<br />

Brasileira descontrolada. A manchete do jor<strong>na</strong>l Zero Hora de Porto Alegre foi “fiasco”.<br />

Junto, fotos de torcedores incrédulos. O Estado de Mi<strong>na</strong>s disse que foi a maior vergonha<br />

do futebol brasileiro e que foi errado não reforçar o meio de campo. No Correio<br />

Braziliense, “um vexame para a eternidade”, lembrando que a derrota <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l de 1950<br />

ficou me<strong>no</strong>r. [...] (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 9 de julho de 2014. Disponível em<br />

http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/videos/t/edicoes/v/imprensa-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-destaca-avergonhosa-derrota-do-brasil-para-a-alemanha/3487313/)<br />

79<br />

Nessa partida, ele marcou seu décimo sexto gol <strong>na</strong> <strong>história</strong> das Copas do Mundo, se tor<strong>na</strong>ndo artilheiro<br />

histórico da competição de forma isolada, ao ultrapassar o brasileiro Ro<strong>na</strong>ldo. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/<strong>no</strong>ticia/2014/07/klose-marca-<strong>no</strong>vamente-e-superaro<strong>na</strong>ldo-como-artilheiro-das-copas.html.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

80<br />

Também foi o maior placar já imposto <strong>na</strong> fase semifi<strong>na</strong>l do torneio. Até esse jogo, a Seleção Brasileira jamais<br />

havia perdido da Alemanha por uma diferença superior a dois gols. E desde 1920, quando perdeu por 6 a 0 do<br />

Uruguai, não era derrotada por uma margem tão grande. Disponível em:<br />

https://www.theguardian.com/football/2014/jul/09/world-cup-records-germany-brazil. Acesso em: 15 abr. 2017.


52<br />

Até os jogadores alemães demonstraram espanto após o jogo. Mesut Özil publicou que<br />

“vocês (brasileiros) tem um país lindo, pessoas maravilhosas e incríveis jogadores. Essa partida<br />

não deve destruir seu orgulho”, coro engrossado por Bastian Schweinsteiger, que em coletiva se<br />

disse surpreendido pela elasticidade do resultado: “Eu gostaria de me desculpar com o Brasil. Não<br />

esperávamos um placar desses. Tentamos ser respeitosos jogando futebol e fazendo gols”. Lukas<br />

Podolski 81 , maior ícone da boa relação que vinha sendo existindo entre os germânicos e os<br />

anfitriões antes do duelo, ao exaltar por diversas vezes ícones da cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l durante a estadia<br />

alemã em um resort <strong>no</strong> interior da Bahia, publicou a declaração mais apaixo<strong>na</strong>da.<br />

Respeite a amarelinha com sua <strong>história</strong> e tradição. O mundo do futebol deve muito ao<br />

futebol brasileiro, que é e sempre será o país do futebol.<br />

A vitória é consequência do trabalho, viemos determi<strong>na</strong>dos, todos nós crescemos vendo o<br />

Brasil jogar, <strong>no</strong>ssos heróis que <strong>no</strong>s inspiraram são todos daqui. Brigas <strong>na</strong>s ruas, confusões,<br />

protestos não irão resolver ou mudar <strong>na</strong>da.<br />

Quando a Copa acabar e nós formos embora, tudo voltará ao <strong>no</strong>rmal. Então, muita paz e<br />

amor para esse povo maravilhoso, um povo humilde, batalhador e honesto. Um país que<br />

eu aprendi a amar. (Disponível em https://www.instagram.com/p/qO7Q64OJ65/)<br />

Dessa forma, os algozes da semifi<strong>na</strong>l conseguiram ganhar a torcida brasileira <strong>no</strong> Maracanã<br />

durante a fi<strong>na</strong>l, em muito por causa da rival com que confrontaram: a Argenti<strong>na</strong>, do<strong>na</strong> da vaga <strong>na</strong><br />

decisão após elimi<strong>na</strong>r a Holanda, que por sua vez <strong>no</strong>vamente goleou o Brasil <strong>na</strong> disputa do terceiro<br />

lugar. Alemães e argenti<strong>no</strong>s repetiram as fi<strong>na</strong>is de 1986 e 1990, com uma vitória para cada lado até<br />

então. Em 2014, a conquista europeia, a primeira em solo sul-america<strong>no</strong>, veio dos pés do jovem<br />

Mario Götze, reserva do time, que havia entrado 42 minutos do segundo tempo. Aos sete da<br />

segunda etapa da prorrogação, ele marcou o gol que fez do seu país o terceiro a ser tetracampeão<br />

mundial, após Brasil e Itália. O Fantástico daquele 13 de julho se dedicou a resumir o torneio, com<br />

enfoque ainda <strong>no</strong>s efeitos do Mineirazo para a Seleção. No dia seguinte, a CBF demitiu o técnico<br />

Felipão 82 .<br />

O que foi essa Copa? Foi muito melhor do que podia se imagi<strong>na</strong>r. Cheia de surpresas<br />

desde o início e com a maior surpresa vinda de um dos me<strong>no</strong>res países: Costa Rica,<br />

grande, melhor defesa, só levou dois gols. Foi superior a três campeões mundiais e só foi<br />

desclassificada <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis. [...]<br />

A imagem da glória. O <strong>no</strong>vo tetracampeão. Nossos carrascos, os simpáticos e elegantes<br />

alemães. Mas, certamente, quando alguém falar sobre a Copa de 2014, nós, brasileiros,<br />

vamos pensar <strong>na</strong>quela semifi<strong>na</strong>l. Nada foi tão impressio<strong>na</strong>nte. O maior campeão vivendo<br />

81<br />

Em entrevista ao Fantástico após o Mundial, o polonês <strong>na</strong>turalizado alemão garantiu que as postagens foram<br />

espontâneas. Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/<strong>no</strong>ticia/2014/07/animacao-do-povo-brasileiro-meconquistou-diz-podolski.html.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

82<br />

A TV Globo <strong>no</strong>ticiou a queda de toda a comissão técnica em um boletim extraordinário ainda <strong>na</strong> madrugada,<br />

antes do anúncio oficial dos dirigentes. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0uFSeWwc_io.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


53<br />

sua maior humilhação. Nós queríamos tanto outra Copa <strong>no</strong> Brasil para esquecer o<br />

fantasma de 50. Conseguimos da pior forma possível.<br />

Na Copa de 50, foi um trauma porque tínhamos um timaço, éramos favoritíssimos, só<br />

precisávamos de um empate <strong>no</strong> último jogo, fizemos o primeiro gol, mas levamos a<br />

virada <strong>no</strong> segundo tempo. Esperamos, então, 64 a<strong>no</strong>s. Nesse tempo, <strong>no</strong>s tor<strong>na</strong>mos o país<br />

do futebol. O mundo mudou absurdamente, em uma velocidade cada vez maior. E, 64<br />

a<strong>no</strong>s depois, não estávamos <strong>no</strong> Maracanã. Aliás, i<strong>na</strong>ceitavelmente, nós não jogamos<br />

nenhuma vez <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso principal estádio. Agora, era o Mineirão.<br />

Veio um gol. Bom, um gol é coisa do jogo. Mas quando veio o segundo gol, foi disparado<br />

o cronômetro da loucura. Os craques de salários milionários não sabiam para que lado<br />

correr. Ídolos de milhões de pessoas, agora frágeis, indefesos. Ninguém sabia o que fazer,<br />

ninguém sabia o que falar. Ape<strong>na</strong>s assistimos. E os alemães fizeram outros três gols em<br />

um espaço de exatos 6 minutos e 40 segundos.<br />

Esperamos 64 a<strong>no</strong>s para ver <strong>no</strong>ssa esperança morrer em 6 e 40. Depois disso, <strong>na</strong>da mais<br />

fazia sentido. Só piorou! Foi 3 a 0 para a Holanda. Dez gols em dois jogos. E aquele 7 a 1,<br />

a maior humilhação da <strong>história</strong>, não só do futebol, do esporte brasileiro. [...] (Fantástico.<br />

TV Globo. 13 de julho de 2014. Disponível em<br />

http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/copa-de-2014-foi-cheia-de-surpresasdesde-o-inicio-segundo-tadeu-schmidt/3495192/)<br />

Assim como em 1950, o sucesso <strong>na</strong> realização do torneio seguiu sendo lembrado como<br />

consolação. Foi desse modo <strong>na</strong> Retrospectiva da TV Globo,em dezembro de 2014, que rememorou<br />

de forma destacada “o maior evento esportivo da <strong>história</strong>, com 32 países, mais de 700 jogadores e<br />

um milhão de estrangeiros”. O jor<strong>na</strong>lístico, apresentado por Sérgio Chapelin e Glória Maria,<br />

brincou com o bordão “imagi<strong>na</strong> <strong>na</strong> Copa”, utilizado antes do Mundial para definir a preocupação<br />

com o atraso das obras e a instabilidade do país, afirmando que “foi mesmo uma Copa<br />

inimaginável, em que durante 31 dias o mundo olhou para nós e gostou do que viu”. Após o<br />

Mundial, outra frase se popularizou pelo Brasil. A expressão “gol da Alemanha” passou a ser<br />

desig<strong>na</strong>da para reforçar os grandes problemas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, com os insucessos brasileiros, não ape<strong>na</strong>s<br />

<strong>no</strong> esporte, sendo seguidamente creditados como suposto um oitavo gol alemão.<br />

Para boa parte da opinião púbica, por exemplo, a opção da Confederação Brasileira de<br />

<strong>Futebol</strong> pelo comando da Seleção <strong>no</strong>vamente por Dunga foi mais um “gol da Alemanha”.<br />

Trei<strong>na</strong>dor do time <strong>na</strong> África do Sul, o capitão do tetra teve uma segunda passagem ruim pelo<br />

comando da equipe. Na Copa América de 2015, foi elimi<strong>na</strong>do pelo Paraguai <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l.<br />

Em <strong>2016</strong>, quando se disputou uma edição extraordinária do torneio para a celebração do centenário<br />

da Conmebol, a saída foi ainda antes, <strong>na</strong> primeira fase, em um grupo que contou com Peru,<br />

Equador e Haiti como adversários. As duas edições foram vencidas pelo Chile, ambas com a<br />

Argenti<strong>na</strong> perdendo a fi<strong>na</strong>l, tal como em 2014 <strong>no</strong> seu Maraca<strong>na</strong>zo particular.


54<br />

Visando impedir o mesmo insucesso <strong>na</strong>s Elimi<strong>na</strong>tórias para a Copa do Mundo da Rússia, a<br />

CBF contratou Tite 83 , então campeão brasileiro pelo Corinthians. Com uma sequência invicta em<br />

seus primeiros jogos, o trei<strong>na</strong>dor garantiu o Brasil <strong>no</strong> Mundial com quatro rodadas de<br />

antecedência, sendo o primeiro país a conquistar a classificação para o evento de 2018 após os<br />

anfitriões 84 . Já <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> do <strong>Rio</strong> de Janeiro, que será aprofundada <strong>no</strong> próximo capítulo, o<br />

comando do selecio<strong>na</strong>do foi de Rogério Micale, que trei<strong>na</strong>va o time brasileiro <strong>na</strong> categoria sub-20.<br />

2.4 Chapecoense e o luto pela maior tragédia do futebol<br />

Em <strong>2016</strong>, porém, os olhos do mundo do futebol se voltaram ao Brasil não somente pela<br />

inédita conquista do ouro olímpico. Além da decisão dourada <strong>no</strong> Maracanã, uma fi<strong>na</strong>l nunca<br />

realizada atraiu a atenção de todo o planeta. O motivo do cancelamento do jogo foi a maior<br />

tragédia da <strong>história</strong> do esporte mundial, que acertou em cheio uma das mais jovens equipes da elite<br />

do futebol <strong>no</strong> país.<br />

Fundada em 1973, a Associação Chapecoense de <strong>Futebol</strong>, time do interior de Santa<br />

Catari<strong>na</strong>, traçou de 2009 a 2013 uma meteórica ascensão da quarta até a primeira divisão do<br />

Campeo<strong>na</strong>to Brasileiro, sendo ao lado de Flamengo, Santos, São Paulo e Cruzeiro uma das poucas<br />

equipes jamais rebaixadas <strong>no</strong> torneio. Naquele a<strong>no</strong>, a Chape, do<strong>na</strong> até então somente de títulos<br />

estaduais 85 , chegou pela primeira vez em uma fi<strong>na</strong>l continental, a da Copa Sul-America<strong>na</strong>. No<br />

caminho para a decisão, elimi<strong>no</strong>u rivais de expressão, como os argenti<strong>no</strong>s Independiente 86 e o San<br />

Lorenzo, esse último o adversário numa épica semifi<strong>na</strong>l. No jogo de volta, em Chapecó, a<br />

classificação foi assegurada pelo pé direito do goleiro Danilo, que defendeu o chute do argenti<strong>no</strong><br />

Blandi <strong>no</strong> último minuto de jogo. O empate em 0 a 0 bastou para a formação do confronto com o<br />

Atlético Nacio<strong>na</strong>l, campeão da Libertadores em <strong>2016</strong>.<br />

83<br />

O trei<strong>na</strong>dor já teve seu <strong>no</strong>me cantado pela sua torcida <strong>no</strong> terceiro jogo invicto à frente da Seleção, quando o<br />

time goleou a Bolívia por 5 a 0 <strong>na</strong> Are<strong>na</strong> das Du<strong>na</strong>s, em Natal. Disponível em:<br />

http://esportes.estadao.com.br/<strong>no</strong>ticias/futebol,tite-se-diz-surpreso-com-o-rendimento-da-selecaobrasileira,10000080769.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.<br />

84<br />

Após a classificação, uma pesquisa chegou a indicar a predisposição de 15% dos brasileiros em votar <strong>no</strong><br />

técnico da Seleção para a Presidência da República. Disponível em: http://www.lance.com.br/selecaobrasileira/quase-dos-brasileiros-votariam-tite-para-presidente-brasil.html.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

85<br />

A Chapecoense foi a campeã catarinense de <strong>2016</strong>, repetindo as conquistas de 1977, 1996, 2007 e 2011.<br />

Disponível em: https://chapecoense.com/pt. Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

86<br />

O confronto pelas oitavas de fi<strong>na</strong>l do torneio foi decidido <strong>na</strong>s cobranças de pê<strong>na</strong>ltis, em que o goleiro Danilo<br />

defendeu quatro das oito cobranças do time argenti<strong>no</strong>. Disponível em:<br />

http://espn.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/634812_danilo-defende-quatro-cobrancas-chapecoense-bate-independiente-<strong>no</strong>spe<strong>na</strong>ltis-e-avanca.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


55<br />

Danilo foi um dos deze<strong>no</strong>ve jogadores mortos <strong>no</strong> acidente aéreo com o voo da companhia<br />

Lamia fretado pela Chapecoense para a ida até Medellín, palco do primeiro jogo da fi<strong>na</strong>l. Ao todo,<br />

77 pessoas embarcaram <strong>na</strong> aero<strong>na</strong>ve. 71 faleceram, incluindo vinte jor<strong>na</strong>listas brasileiros 87 . Todos<br />

foram lembrados <strong>no</strong> encerramento de uma edição especial do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, que foi termi<strong>na</strong>da<br />

com aplausos da redação enquanto eram exibidas <strong>no</strong> telão imagens das vítimas fatais do desastre<br />

aéreo, logo após um emocio<strong>na</strong>do discurso de Galvão Bue<strong>no</strong>.<br />

Todos nós sabemos como o esporte provoca emoção e paixão. Os atletas são os grandes<br />

protagonistas de tantas <strong>história</strong>s inesquecíveis. São eles, os técnicos e os dirigentes que<br />

fazem o espetáculo. Mas quem leva a você a emoção que o futebol provoca são os<br />

jor<strong>na</strong>listas, das TVs, das rádios, dos jor<strong>na</strong>is impressos e da internet.<br />

É absolutamente simbólico, e muito triste, que seja esse acidente a <strong>no</strong>s lembrar, de forma<br />

tão explícita, essa ligação. Só <strong>no</strong>s resta então uma última home<strong>na</strong>gem para os jogadores, a<br />

comissão técnica e os dirigentes da Chapecoense. E para os jor<strong>na</strong>listas de todos os<br />

veículos que <strong>no</strong>s deixaram nesta terça tão tragicamente. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 29<br />

de <strong>no</strong>vembro de <strong>2016</strong>. Disponível em http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/videos/t/edicoes/v/jn-presta-home<strong>na</strong>gem-as-vitimas-da-queda-do-aviao-dachapecoense/5482774/)<br />

Durante aquele 29 de <strong>no</strong>vembro, a mídia brasileira acompanhou as informações sobre o<br />

acidente desde os primeiros relatos, ainda desencontrados, sobre o fato, que traziam animadoras<br />

especulações sobre sobreviventes feridos, sem precisar números. Ainda nesse ambiente de<br />

esperança e apreensão, a TV Globo encurtou seus telejor<strong>na</strong>is locais mati<strong>na</strong>is de <strong>no</strong>venta para<br />

quinze minutos, ampliando a duração do <strong>no</strong>ticiário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, dedicado por horas ao desastre que<br />

pouco depois teve as suas dimensões confirmadas pelas autoridades colombia<strong>na</strong>s 88 . Galvão Bue<strong>no</strong>,<br />

que <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> seguinte <strong>na</strong>rraria a partida de volta da fi<strong>na</strong>l da Sul-America<strong>na</strong>, integrou-se à<br />

cobertura <strong>no</strong> Bom Dia Brasil, que foi exibido em conjunto para todo o país, com a programação<br />

derrubando o respeito então vigente aos fusos locais em áreas das regiões Centro-Oeste, Norte e<br />

Nordeste, especialmente durante o horário de verão.<br />

Por toda a sema<strong>na</strong>, os gestos simbólicos em home<strong>na</strong>gem à Chapecoense vieram de várias<br />

partes. A CBF decretou luto <strong>no</strong> futebol <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, adiando a decisão da Copa do Brasil e a última<br />

rodada do Campeo<strong>na</strong>to Brasileiro. Pela Copa da Liga Inglesa, a torcida do Liverpool silenciou um<br />

87<br />

Também morreram membros da comissão técnica, incluindo o técnico Caio Júnior, o presidente do time<br />

Sandro Pallaoro e o vice-presidente da CBF Delfim Pádua, além de integrantes da tripulação. Disponível em:<br />

http://especiais.g1.globo.com/mundo/<strong>2016</strong>/lista-de-mortos-<strong>na</strong>-queda-de-aviao-da-chapecoense/. Acesso em: 15<br />

abr. 2017.<br />

88<br />

O Bom Dia Brasil teve praticamente quatro horas de duração, mais que o dobro do seu tempo habitual. Por<br />

esse motivo, o Mais Você e o Bem Estar foram cancelados. Disponível em:<br />

http://odia.ig.com.br/diversao/televisao/<strong>2016</strong>-11-29/cobertura-da-globo-sobre-acidente-aereo-fez-audienciacrescer-45-<strong>no</strong>-rio.html.<br />

Acesso em: 14 abr. 2017.


56<br />

estádio lotado 89 , enquanto os espanhóis Barcelo<strong>na</strong> e Real Madrid prestaram home<strong>na</strong>gens durante<br />

os seus trei<strong>na</strong>mentos. Ao redor do mundo, monumentos foram ilumi<strong>na</strong>dos de verde, a cor da<br />

Chape. Na internet, a hashtag com desejos de “força” ao time liderou os assuntos mais comentados<br />

em diferentes idiomas 90 .<br />

O presidente Michel Temer, efetivado <strong>no</strong> cargo após o impeachment de Dilma Rousseff,<br />

decretou três dias de luto oficial e o ministro das Relações Exteriores José Serra deixou Cuba, onde<br />

acompanhava os funerais de Fidel Castro, para ir à Colômbia, onde a torcida prestou uma grande<br />

home<strong>na</strong>gem aos brasileiros <strong>no</strong> estádio Atanásio Girardot, que seria o palco do jogo. O público,<br />

vestido de branco, lotou os 44 mil lugares disponíveis. Outras deze<strong>na</strong>s de milhares de pessoas se<br />

aglomeraram com flores, velas e cartazes <strong>na</strong>s ruas próximas, estabelecendo uma ligação<br />

condecorada pelo Brasil com a Ordem do <strong>Rio</strong> Branco 91 para autoridades colombia<strong>na</strong>s e pela Fifa<br />

com o prêmio Fair Play ao time do Atlético Nacio<strong>na</strong>l. O discurso do chanceler brasileiro<br />

emocio<strong>no</strong>u os presentes.<br />

Muito obrigado, Colômbia. De coração, muitíssimo obrigado. Nesses momentos de<br />

grande tristeza para as famílias e para todos nós, as expressões de solidariedade que aqui<br />

encontramos, como a solidariedade que traz cada um de vocês, colombia<strong>no</strong>s e torcedores<br />

do Atlético Nacio<strong>na</strong>l, aqui <strong>no</strong> Atanásio Girardot, <strong>no</strong>s oferece um grau de consolo imenso,<br />

uma luz <strong>na</strong> escuridão, quando todos estamos tentando compreender o incompreensível.<br />

Nós, brasileiros, não esqueceremos jamais a forma como os colombia<strong>no</strong>s sentiram como<br />

seu o terrível desastre que interrompeu o sonho dessa heroica equipe da Chapecoense.<br />

Uma espécie de conto de fadas com fi<strong>na</strong>l de tragédia.<br />

Assim como não esqueceremos a atitude do Atlético Nacio<strong>na</strong>l e de todos seus torcedores,<br />

que pediram para que se conceda o título da Copa Sul-America<strong>na</strong> à Chapecoense. Um<br />

gesto que honra o esporte, o esporte de toda parte e o colombia<strong>no</strong>, e que honra essa<br />

querida cidade de Medellín e que tor<strong>na</strong> os verdolagas ainda maiores.<br />

Depois do ocorrido nessa fatídica <strong>no</strong>ite, o Brasil acordou perplexo para a dura realidade<br />

de uma festa que não houve, para uma expectativa frustrada de uma partida histórica para<br />

Chapecó, que já não poderá ser realizada. Para a dor imensa de uma perda. Talvez não<br />

seja uma coincidência que as cores da Chapecoense, assim como as do Atlético Nacio<strong>na</strong>l,<br />

sejam verde e branco: esperança e paz.<br />

89<br />

Os presentes <strong>no</strong> estádio ainda entoaram, direcio<strong>na</strong>ndo aos torcedores da Chapecoense, a música com a frase,<br />

em tradução livre, “vocês nunca vão andar sozinhos”. Disponível em:<br />

https://twitter.com/LFC/status/803689786611499008. Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

90<br />

No dia seguinte, jor<strong>na</strong>is de todo o mundo, como o argenti<strong>no</strong> Clarín, o inglês The Times, o espanhol El País e o<br />

estadunidense The New York Times trouxeram o desastre aéreo como principal destaque em suas capas.<br />

Disponível em: http://territoriodeideias.blogspot.com.br/<strong>2016</strong>/11/forcachape-<strong>no</strong>s-jor<strong>na</strong>is.html. Acesso em: 15<br />

abr. 2017.<br />

91<br />

Entre os home<strong>na</strong>geados, destaca-se o garoto Johan Alexis Ramírez Castro, que ficou conhecido como o “anjo<br />

da Chapecoense”. Morador de região próxima ao local da tragédia, ele auxiliou as primeiras equipes de resgate<br />

<strong>na</strong> locomoção até o local do acidente durante a madrugada chuvosa. Disponível em:<br />

http://www2.pla<strong>na</strong>lto.gov.br/acompanhe-pla<strong>na</strong>lto/<strong>no</strong>ticias/<strong>2016</strong>/12/gover<strong>no</strong>-condecora-colombia<strong>no</strong>s-queajudaram-<strong>no</strong>-resgate-da-chapecoense.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


57<br />

Além da tragédia que vitimou também jor<strong>na</strong>listas e membros da tripulação, as inúmeras<br />

manifestações de carinho à Chape <strong>no</strong> Brasil, <strong>na</strong> Colômbia e <strong>no</strong> mundo todo, são<br />

testemunhos da importância da <strong>no</strong>breza do esporte como catalisador dos melhores<br />

sentimentos huma<strong>no</strong>s, como arma para combater a intolerância, como instrumento para<br />

construir um mundo melhor. [...] (Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/discursosartigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/15353-discursodo-ministro-jose-serra-por-ocasiao-da-home<strong>na</strong>gem-a-chapecoense-medellin-30-de<strong>no</strong>vembro-de-<strong>2016</strong>)<br />

Um dos cânticos adotados pela torcida colombia<strong>na</strong> <strong>no</strong> evento diz “que se escute, por todo o<br />

continente, sempre recordaremos a campeã Chapecoense”. O time solicitou que a Conmebol<br />

concedesse o título da Sul-America<strong>na</strong> aos brasileiros imediatamente, pedido atendido dias depois.<br />

A conquista garantiu aos catarinenses a inédita vaga <strong>na</strong> edição de 2017 da Taça Libertadores da<br />

América. O impacto do luto, porém, se replicou de forma massiva não ape<strong>na</strong>s continentalmente,<br />

como destacado por William Waack e Jorge Pontual <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l da Globo.<br />

O choque pela gravidade do acidente foi muito além das fronteiras brasileiras ou da<br />

América do Sul ou mesmo do mundo do futebol. Houve uma comoção, pode se usar essa<br />

palavra sem o me<strong>no</strong>r receio de cometer um exagero. A mídia mundial repercutiu, e<br />

repercutiu bem, o caso. [...]<br />

Um dos porta-vozes do presidente Obama disse que os Estados Unidos estendem<br />

profundas condolências às famílias daqueles que morreram <strong>no</strong> trágico acidente <strong>na</strong><br />

Colômbia. “Nossos pensamentos e orações vão para os sobreviventes e integrantes da<br />

Chapecoense, assim como todos que foram tocados por essa tragédia. O povo america<strong>no</strong><br />

está com o povo brasileiro nesse momento difícil”, essa é a <strong>no</strong>ta da Casa Branca. Os<br />

estrangeiros mal conseguem pronunciar corretamente “Chapecoense”, mas todos se<br />

uniram <strong>na</strong> dor e <strong>na</strong> solidariedade.<br />

Foi uma das principais manchetes do dia <strong>no</strong> mundo. [...] No Washington Post, “tragédia<br />

de e<strong>no</strong>rmes proporções: momento de glória de time brasileiro termi<strong>na</strong> em acidente aéreo<br />

fatal”. No The Wall Street Jour<strong>na</strong>l, “cidade de Chapecó de luto pela perda de seu amado<br />

time”. No francês Le Monde, “a dor terrível do Brasil após o acidente aéreo <strong>na</strong><br />

Colômbia”. [...]<br />

O papa Francisco mandou uma mensagem através do bispo da região onde o avião caiu.<br />

Ele pede ao bispo que transmita seus pêsames aos parentes e todos que choram essa perda,<br />

junto com expressões de afeto, solidariedade e consolo. (Jor<strong>na</strong>l da Globo. 29 de<br />

<strong>no</strong>vembro de <strong>2016</strong>. Disponível em http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l-daglobo/videos/t/edicoes/v/midia-do-mundo-todo-repercutiu-o-caso-da-queda-do-aviao-dachapecoense/5482887/)<br />

No dia 3 de dezembro, foi a vez da Are<strong>na</strong> Condá, em Chapecó, ser palco da home<strong>na</strong>gem<br />

aos mortos, com o velório coletivo de cinquenta das vítimas. Desde cedo, as principais emissoras<br />

brasileiras transmitiram a chegada dos aviões da Força Aérea Brasileira com os caixões, recebidos<br />

com honras militares. Galvão Bue<strong>no</strong> encerrou a cobertura ao vivo a classificando como “uma das<br />

mais importantes e mais tristes da <strong>história</strong> da TV Globo”, que transmitiu as home<strong>na</strong>gens das 7h45<br />

às 15h, com uma duração maior não somente que a de outras transmissões de funerais, como as do


58<br />

piloto Ayrton Sen<strong>na</strong> e dos integrantes do grupo Mamo<strong>na</strong>s Assassi<strong>na</strong>s, como também se comparada<br />

com a cobertura de eventos da magnitude dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 92 .<br />

Foi um desfile de home<strong>na</strong>gens e emoções. Chapecó é uma cidade peque<strong>na</strong> do interior de<br />

Santa Catari<strong>na</strong>. Mas hoje foi como se os 200 milhões de brasileiros tivessem se mudado<br />

para lá. Assim como <strong>no</strong>ssos queridos amigos colombia<strong>no</strong>s, abraçamos Chapecó e a<br />

Chapecoense.<br />

Do profundo sentimento de tristeza, re<strong>na</strong>sceu uma solidariedade meio esquecida pelos<br />

brasileiros. A famosa e dolorida frase “vida que segue”, ela ganha aqui um <strong>no</strong>vo<br />

significado. Vida que segue, sim, mas uma <strong>no</strong>va vida, repleta de respeito e de amor ao<br />

próximo. Não à toa que a cor da Chape é verde. Que a esperança e que a paz e o conforto<br />

alcancem todas as famílias que perderam seus entes queridos. A solidariedade está<br />

vencendo a dor. Um abraço, amigos. Seremos diferentes, seremos melhores a partir de<br />

hoje. (O Adeus em Chapecó. TV Globo. 3 de dezembro de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

https://twitter.com/diogo_cc/status/805099932206170112/video/1)<br />

A abertura do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l se referiu ao sábado como um dia em que “o Brasil parou e<br />

se emocio<strong>no</strong>u”. No telejor<strong>na</strong>l, outros trechos da <strong>na</strong>rração de Galvão foram destacados. Mas ele<br />

também silenciou em muitos instantes: "Não há discurso mais forte, mais emocio<strong>na</strong>nte ou mais<br />

contundente que essas imagens". Entre os presentes <strong>no</strong> estádio, que recebeu os esquifes aos gritos<br />

de “o campeão voltou”, estavam o técnico da Seleção e os presidentes do Brasil, da Fifa e da<br />

Conmebol. O embaixador da Colômbia <strong>no</strong> Brasil foi a autoridade mais aplaudida, sendo<br />

home<strong>na</strong>geado pelo prefeito de Chapecó, que vestiu a camisa do Atlético Nacio<strong>na</strong>l durante seu<br />

discurso.<br />

Os colombia<strong>no</strong>s voltaram a ser aplaudidos num amistoso diante da Seleção Brasileira<br />

realizado <strong>no</strong> Engenhão cerca de dois meses depois. “No futebol em geral, a emoção gira sempre<br />

em tor<strong>no</strong> da bola. Dessa vez, ela foi ape<strong>na</strong>s coadjuvante”, relatou Ti<strong>no</strong> Marcos <strong>na</strong> reportagem do<br />

Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l sobre o duelo, batizado pela CBF como Jogo da Amizade 93 . O <strong>na</strong>rrador Rafael<br />

Henzel e os jogadores Jackson Follmann, Alan Ruschel e Neto, sobreviventes da tragédia,<br />

entraram <strong>no</strong> gramado. O locutor depois subiu para as cabines de transmissão, algumas batizadas<br />

com <strong>no</strong>mes de vítimas, gesto repetido em diversos estádios do país, de onde transmitiu o jogo ao<br />

lado de Galvão Bue<strong>no</strong>. A CBF abriu o si<strong>na</strong>l da partida, vencida por 1 a 0 pelo Brasil para as<br />

emissoras não detentoras de direitos, totalizando mais de uma deze<strong>na</strong> de ca<strong>na</strong>is <strong>na</strong> transmissão<br />

simultânea.<br />

92<br />

Essa transmissão ocorreu de forma ininterrupta das 9h52 às 14h, sendo que durante a tarde foram ao ar ape<strong>na</strong>s<br />

boletins <strong>no</strong>s intervalos comerciais da programação com atualizações sobre os ataques. Disponível em:<br />

http://memoriaglobo.globo.com/programas/jor<strong>na</strong>lismo/telejor<strong>na</strong>is/jor<strong>na</strong>l-hoje/atentados-aos-eua.htm. Acesso em:<br />

14 abr. 2017.<br />

93<br />

As iniciativas em tor<strong>no</strong> da partida renderam cerca de cinco milhões de reais em doações para a reconstrução da<br />

Chapecoense. Disponível em: http://www.jb.com.br/esportes/<strong>no</strong>ticias/2017/01/26/jogo-da-amizade-rende-cercade-r-5-milhoes-a-chapecoense/.<br />

Acesso em: 15 abr. 2017.


59<br />

Dias antes, a Chapecoense, com um elenco inteiro contratado em poucas sema<strong>na</strong>s, já havia<br />

feito sua reestreia <strong>na</strong> Are<strong>na</strong> Condá em amistoso contra o Palmeiras, o último rival de antes do<br />

acidente. O duelo, marcado pela entrega das medalhas dos campeões da Copa Sul-America<strong>na</strong> aos<br />

parentes das vítimas, ficou empatado em 2 a 2. Em abril, um <strong>no</strong>vo momento de emoção. O estádio<br />

recebeu o Atlético Nacio<strong>na</strong>l 94 <strong>no</strong> Jogo da Gratidão, válido pela ida da Recopa Sul-America<strong>na</strong>.<br />

Brasileiros e colombia<strong>no</strong>s ficaram juntos <strong>na</strong>s arquibancadas, com a vitória da Chape por 2 a 1 - o<br />

placar agregado com a partida da volta em Medellín foi 5 a 3 para o Atlético Nacio<strong>na</strong>l 95 - tendo<br />

aplausos mesmo <strong>no</strong> gol dos rivais, considerados irmãos. Os presidentes dos times e os prefeitos das<br />

cidades falaram ao público, assim como os quatro sobreviventes brasileiros, que destacaram a<br />

memória das vítimas, sempre celebradas <strong>no</strong> estádio aos 26 minutos do segundo tempo, o<br />

septuagésimo primeiro dos jogos, em referência ao número de mortos <strong>no</strong> desastre. Todos<br />

lembraram que a possibilidade da disputa de um <strong>no</strong>vo título só existia por causa dos falecidos,<br />

como resumiu o Follmann: “Queria que todos dessem uma salva de palmas aos irmãos que se<br />

foram. Porque sem eles, a gente não estaria aqui hoje disputando uma fi<strong>na</strong>l inédita de Recopa.<br />

Então tudo que acontece hoje é graças a eles”. O pedido foi, claro, prontamente atendido. A<br />

emoção da celebração foi resumida pelo jor<strong>na</strong>l colombia<strong>no</strong> El Tiempo.<br />

O acaso, ou o desti<strong>no</strong>, quis que a Chapecoense e Atlético Nacio<strong>na</strong>l compartilhassem cores<br />

e essa terça-feira a cidade do sul do Brasil é mais verde e branco do que nunca, unida <strong>na</strong><br />

memória daqueles que foram antes de disputar com seus irmãos o duelo que a tragédia os<br />

roubou.<br />

Quatro meses depois do jogo que nunca chegou, ambos se encontraram <strong>no</strong> duelo de ida da<br />

Recopa Sul-America<strong>na</strong> em que pouco interessava o resultado.<br />

O que interessava eram os passos firmes pelo gramado do ex-goleiro Follmann com sua<br />

prótese, a agilidade recuperada de Ruschel, a te<strong>na</strong>cidade de Neto e a voz enérgica do<br />

jor<strong>na</strong>lista Rafael Henzel. [...]<br />

A Are<strong>na</strong> Condá lotou para aplaudir emocio<strong>na</strong>da e de branco aos representantes dessa<br />

cidade colombia<strong>na</strong> que nessa terça voltou a ser brasileira. O futebol, viria depois.<br />

(Disponível em http://www.eltiempo.com/deportes/futbol-inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/chapeco-ymedellin-volvieron-a-ser-u<strong>na</strong>-sola-en-sentido-home<strong>na</strong>je-74894)<br />

Em seu discurso <strong>na</strong> ocasião, o prefeito de Medellín disse que “a fraternidade que <strong>na</strong>sceu<br />

dessa grande tristeza é indestrutível”. Tanto quanto as emoções despertadas pelo esporte mais<br />

94<br />

O time colombia<strong>no</strong> recebeu diversas home<strong>na</strong>gens durante sua estadia <strong>na</strong> cidade, sendo qualificado como<br />

“campeão do mundo em respeito e solidariedade”. Disponível em: http://esporte.ig.com.br/futebol/2017-04-<br />

03/atletico-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-home<strong>na</strong>gens-chapeco.html. Acesso em: 15 abr. 2017.<br />

95<br />

A Chape, contudo, já conquistou seu primeiro título de expressão após a tragédia. Do<strong>no</strong> da melhor campanha<br />

do torneio, o time aproveitou a vantagem do empate <strong>no</strong> placar agregado e foi campeão catarinense pela segunda<br />

vez consecutiva em fi<strong>na</strong>l diante do Avaí. Disponível em:<br />

http://esportes.estadao.com.br/<strong>no</strong>ticias/futebol,chapecoense-e-campea-catarinense-e-leva-primeiro-titulo-apostragedia,70001767122.<br />

Acesso em: 13 mai. 2017.


60<br />

popular da “pátria de chuteiras”, como dizia Nelson <strong>Rodrigues</strong>, numa trajetória que atravessa<br />

séculos e formas de poder e, mais do que se explica por si só, ajuda também a explicar o Brasil<br />

como o conhecemos.


61<br />

3 O OURO INÉDITO NA RIO <strong>2016</strong>: HISTÓRIA E NARRATIVIDADE NO JN<br />

Na rica <strong>história</strong> do futebol brasileiro, a disputa dos Jogos Olímpicos foi ao longo de<br />

décadas marcada pelo desinteresse. O país, que acumula títulos mundiais <strong>na</strong>s categorias de base,<br />

sendo tricampeão <strong>no</strong> sub-17 e pentacampeão <strong>no</strong> sub-20 <strong>no</strong>s torneios da Fifa, jamais havia subido<br />

ao lugar mais alto do pódio até a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>, sendo medalhista de prata <strong>no</strong>s torneios das <strong>Olimpíada</strong>s<br />

de 1984, 1988 e 2012 e de bronze em 1996 e 2008.<br />

A CBF raramente executou um planejamento da equipe para a competição ao longo de<br />

todo o ciclo, tratando o evento com certo desdém e revezando o comando do time entre trei<strong>na</strong>dores<br />

me<strong>no</strong>s experientes, dos juniores, e os mesmos da equipe principal. Para a competição <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>, por<br />

exemplo, a ideia inicial visava a separação entre as equipes olímpica e principal, após o insucesso<br />

da dupla jor<strong>na</strong>da de Ma<strong>no</strong> Menezes em Londres. Alexandre Gallo, coorde<strong>na</strong>dor da base, era<br />

projetado como o <strong>no</strong>me para trei<strong>na</strong>r o selecio<strong>na</strong>do olímpico 96 . Em 2015, porém, após desempenho<br />

aquém das expectativas <strong>no</strong> Sul-America<strong>no</strong> sub-20, ele foi dispensado, sendo substituído por<br />

Rogério Micale, um especialista em jogadores mais jovens, que um mês após assumir a equipe a<br />

levou ao vice-campeo<strong>na</strong>to mundial. O comando da Seleção para a <strong>Olimpíada</strong>, contudo, passou a<br />

ser acumulado por Dunga, então técnico do time principal.<br />

Dois meses antes dos Jogos, o capitão do tetracampeo<strong>na</strong>to mundial foi demitido após o<br />

fraco desempenho <strong>na</strong> edição de centenário da Copa América 97 , realizada <strong>no</strong>s Estados Unidos. Foi<br />

substituído por Tite, que tinha a opção de assumir de imediato o time olímpico, porém considerou<br />

mais justo deixar a função para Micale, dizendo em entrevista 98 pouco após o convite da CBF que<br />

trei<strong>na</strong>r a equipe com a qual não trabalhou anteriormente “seria muito egoísta da minha parte e não<br />

seria o melhor para o Brasil”. O trei<strong>na</strong>dor do time olímpico, que nem mesmo conhecia Neymar<br />

antes de convocar a equipe para os Jogos, brincou em coletiva antes da estreia <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong><br />

dizendo que era mesmo o <strong>no</strong>me mais desconhecido do time, que tinha muitos dos jogadores sub-23<br />

96<br />

Ele trei<strong>no</strong>u as Seleções sub-23 e sub-20 entre janeiro de 2013 e maio de 2015. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/<strong>no</strong>ticia/2015/05/gallo-e-demitido-e-rogerio-micale-e-o<strong>no</strong>vo-tecnico-da-selecao-sub-20.html.<br />

Acesso em: 16 abr. 2017.<br />

97<br />

O Brasil foi elimi<strong>na</strong>do <strong>na</strong> primeira fase, o que não acontecia desde 1987. Disponível em:<br />

http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/06/apos-reuniao-<strong>na</strong>-cbf-dunga-e-demitidodo-comando-da-selecao.html.<br />

Acesso em: 16 abr. 2017.<br />

98<br />

A declaração foi concedida ao programa Seleção SporTV. Disponível em:<br />

http://sportv.globo.com/site/programas/selecao-sportv/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/06/tite-da-apoio-micale-e-diz-que-seriaegoista-se-assumisse-time-olimpico.html.<br />

Acesso em: 16 abr. 2017.


62<br />

como titulares em seus clubes. Os três <strong>no</strong>mes acima dessa idade escolhidos, o limite permitido pela<br />

regra, foram os do próprio jogador do Barcelo<strong>na</strong>, o capitão da equipe, do goleiro Fer<strong>na</strong>ndo Prass e<br />

do meio-campo Re<strong>na</strong>to Augusto. A presença de Neymar, um jogador do primeiro escalão do<br />

futebol mundial, é rara <strong>no</strong>s Jogos Olímpicos, já que a Fifa não obriga que os times cedam seus<br />

jogadores às seleções para o torneio. Pela pressão da competição em casa, a CBF negociou<br />

diretamente com o clube catalão a liberação do brasileiro em troca de que ele ficasse de fora da<br />

Copa América Centenário 99 . A lista de vetera<strong>no</strong>s, porém, precisou ser alterada antes mesmo da<br />

estreia, com a contusão do arqueiro palmeirense durante os trei<strong>na</strong>mentos. Para o seu lugar, foi<br />

chamado Weverton, do Atlético Para<strong>na</strong>ense, que se juntou à equipe formada também pelos jovens<br />

Uilson, Zeca, Douglas Santos, William, Rodrigo Caio, Marquinhos, Luan Garcia, Rafinha,<br />

Walace, Rodrigo Dourado, Thiago Maia, Felipe Anderson, Luan Guilherme, Gabriel Barbosa e<br />

Gabriel Jesus somente quatro dias antes da estreia contra a África do Sul.<br />

O primeiro jogo do time foi um empate em 0 a 0 <strong>na</strong> capital federal. Para Galvão Bue<strong>no</strong>,<br />

que comentou o jogo <strong>na</strong> abertura do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, “não foi do jeito que todo mundo esperava”.<br />

Eric Faria, que fez a reportagem sobre a partida para o JN, lembrou que diante do cenário da<br />

Seleção perfilada ao som do Hi<strong>no</strong> Nacio<strong>na</strong>l, era “difícil não passar um filme da Copa <strong>na</strong> cabeça do<br />

torcedor brasileiro”, mas frisou que o Brasil teve um dia “pouco inspirado”.<br />

O placar igualado sem gols repetiu-se <strong>no</strong> segundo jogo, esse contra o Iraque, <strong>no</strong>vamente<br />

em Brasília. No Bom Dia Brasil, a apresentadora Fer<strong>na</strong>nda Gentil mostrou surpresa com o<br />

desempenho: “Quem diria... Um ataque com Neymar, Gabriel Jesus e Gabigol (Gabriel Barbosa), a<br />

gente tanto falou dos três aqui, saiu mais uma vez em branco”. A matéria de Abel Neto mostrou o<br />

time sendo vaiado durante e após o jogo, definido como “o fundo do poço” da campanha pelo<br />

especial Um Sonho de Ouro, programa exibido em dezembro <strong>no</strong> horário <strong>no</strong>bre global para<br />

relembrar a trajetória do selecio<strong>na</strong>do olímpico de futebol, o único a ganhar essa rememoração de<br />

forma exclusiva. A atração destacou os gritos da torcida por Marta durante o jogo da equipe<br />

masculi<strong>na</strong>. Naquela altura, era real o risco de elimi<strong>na</strong>ção dos homens ainda <strong>na</strong> primeira fase. Os<br />

jogadores ainda deixaram o campo sem falar com a imprensa, o que revoltou o <strong>na</strong>rrador Galvão<br />

Bue<strong>no</strong> durante a transmissão ao vivo do confronto.<br />

A Seleção Brasileira vai saindo ali debaixo de vaias. [...] Aplaudidíssimo o time do Iraque.<br />

Tudo isso, gente, isso é uma simbologia. É claro que o torcedor não ficou satisfeito com o<br />

empate de 0 a 0 do Brasil com o Iraque. Mas as vaias para a Seleção Brasileira e os<br />

99<br />

O imbróglio perdurou por meses, com a confederação alentando a possibilidade de que o jogador pudesse<br />

atuar pelos dois torneios. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/selecaobrasileira/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/04/barca-afirma-que-neymar-jogara-olimpiadas.html.<br />

Acesso em: 21 abr. 2017.


63<br />

aplausos para o Iraque mostram claramente o sentimento do torcedor com aquilo que é o<br />

bem maior do esporte brasileiro, a paixão maior, e sempre foi: a Seleção Brasileira. Dói,<br />

incomoda, machuca. [...]<br />

É um pouco diferente do que a gente está acostumado a ver. Isso é uma <strong>Olimpíada</strong>, isso<br />

não é um time de futebol onde os salários são gigantescos, ou uma Seleção Brasileira em<br />

que vem esses jogadores e disputam um torneio profissio<strong>na</strong>l. Isso é uma <strong>Olimpíada</strong>.<br />

Existe um espírito olímpico, existe uma forma, como uma vez chegou, eu fiz essa<br />

<strong>na</strong>rração em 1984, de uma suíça que chegou ao fi<strong>na</strong>l da marato<strong>na</strong>, a Gabrielle Andersen,<br />

que vinha quase desmaiando, mas se negava a ser batida pelo cansaço, se negava a ser<br />

batida pelo esforço físico ou pela falta de condições de chegar ao fi<strong>na</strong>l da marato<strong>na</strong>. [...]<br />

As milhões de pessoas que estão em casa tem direito sim de ouvir o seu ídolo, o seu<br />

jogador, aquele que joga com a camisa da Seleção Brasileira. É feio, é muito feio, não é<br />

profissio<strong>na</strong>l, não é ético e não é correto e se negar o time inteiro a falar. [...] (Somos Todos<br />

Olímpicos. TV Globo. 7 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

https://globoplay.globo.com/v/5218689/)<br />

Ao evocar a sua trajetória como referência para corroborar seu discurso <strong>na</strong> situação, assim<br />

enriquecendo o conteúdo <strong>na</strong> visão de Barros (2011), Galvão exalta seu ethos 100 , utilizando a<br />

experiência para imprimir credibilidade ao que diz. A busca por confiabilidade pode ser aferida em<br />

momentos eufóricos e disfóricos, quando de<strong>no</strong>ta preocupação e alterações <strong>no</strong> seu tom de voz e<br />

expressão facial. Em sua obra sobre jor<strong>na</strong>lismo esportivo, Paulo Vinicius Coelho (2009) destaca<br />

aspectos profissio<strong>na</strong>is do <strong>na</strong>rrador <strong>no</strong> exercício de sua função.<br />

É fácil malhar Galvão Bue<strong>no</strong>. Do<strong>no</strong> de uma das vozes mais brilhantes entre os locutores<br />

brasileiros, ele é tecnicamente perfeito. E, se irrita, irrita mais pela superexposição do que<br />

pelos supostos erros que comete. Ele está lá para levar o torcedor ao delírio. O<br />

comentarista e o repórter é que tem a obrigação de a<strong>na</strong>lisar friamente o que está ali, <strong>na</strong><br />

cara do espectador. (COELHO, 2009, p. 64)<br />

Contra a Di<strong>na</strong>marca, <strong>no</strong> último jogo da fase de grupos, o confronto ocorreu <strong>na</strong> Fonte Nova,<br />

em Salvador. O atacante Luan Guilherme foi inserido como titular, formando um quarteto ofensivo<br />

<strong>na</strong> equipe. Quatro também foram os gols marcados <strong>no</strong> jogo, um do próprio Luan, dois de Gabriel<br />

Barbosa e um de Gabriel Jesus. Neymar, que completou o ataque, atuou bem, sendo decisivo <strong>no</strong>s<br />

passes. Segundo o técnico Rogério Micale, o time se uniu diante da dificuldade do momento, em<br />

que o Brasil chegou a ser a única equipe sem marcar gols <strong>no</strong> torneio masculi<strong>no</strong>, que contava com<br />

países de pouca tradição <strong>no</strong> futebol, como Fiji e Argélia. Na manhã seguinte, Chico Pinheiro<br />

destacou <strong>no</strong> Bom Dia Brasil que “a Seleção de futebol cumpriu o seu papel. E cumpriu bem”. Para<br />

Galvão Bue<strong>no</strong>, “uma grande vitória sempre proporcio<strong>na</strong> uma reconciliação do torcedor com a<br />

Seleção. Foi o que aconteceu”. Os três pontos conquistados ajudaram o Brasil a ser o primeiro<br />

colocado do grupo, o credenciando a enfrentar a Colômbia <strong>na</strong>s quartas de fi<strong>na</strong>l.<br />

100<br />

Fiorin (2004, p. 18) cita Aristóteles para definir esse conceito, apontando que “é o ethos leva à persuasão,<br />

quando o discurso é organizado de tal maneira que o orador inspira confiança”.


64<br />

Na época, antes da união despertada pelo acidente aéreo com a equipe brasileira da<br />

Chapecoense em solo colombia<strong>no</strong>, os países vinham em uma rivalidade crescente, com ce<strong>na</strong>s de<br />

violência <strong>no</strong>s embates desde o confronto <strong>na</strong> Copa do Mundo, quando os vizinhos foram elimi<strong>na</strong>dos<br />

<strong>no</strong> jogo marcado pela agressão que tirou Neymar do Mundial. Em 2015, os times se reencontraram<br />

<strong>na</strong> Copa América do Chile, com vitória dos rivais e <strong>no</strong>va saída de ce<strong>na</strong> de Neymar, dessa vez<br />

expulso em uma confusão generalizada ao fim da partida. Na <strong>Olimpíada</strong>, o clima não foi diferente.<br />

Os adversários marcaram pesado, com faltas agressivas, sendo depois revidadas pelos brasileiros.<br />

O árbitro, porém, não realizou expulsões mesmo diante de agressões de ambos os lados. No<br />

intervalo, até mesmo as comissões técnicas esboçaram uma briga física. Quando teve a bola <strong>no</strong> pé,<br />

porém, o Brasil repetiu a boa atuação coletiva da partida anterior, vencendo por 2 a 0 <strong>na</strong> Are<strong>na</strong><br />

Corinthians, em São Paulo, com gols de Neymar e Luan Guilherme.<br />

O jogo seguinte, já pelas semifi<strong>na</strong>is, marcou o encontro da Seleção com a cidade olímpica,<br />

o <strong>Rio</strong> de Janeiro, e seu principal estádio, o Maracanã. Com a empolgação pelo crescimento <strong>no</strong><br />

desempenho futebolístico aliada ao clima de ânimo <strong>no</strong> município desde a bem sucedida cerimônia<br />

de abertura dos Jogos, mais de cinquenta mil torcedores foram ao Maraca, confiantes <strong>na</strong> equipe<br />

masculi<strong>na</strong> do Brasil, que passava a concentrar todas as expectativas, numa inversão ocorrida<br />

durante a <strong>Olimpíada</strong> <strong>na</strong>s duas principais modalidades do país. No dia anterior, o time femini<strong>no</strong> de<br />

futebol havia sucumbido <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis diante da Suécia, rival que goleou <strong>na</strong> primeira fase. No vôlei,<br />

as mulheres favoritas ao tricampeo<strong>na</strong>to olímpico, invictas <strong>na</strong> fase de grupos, também caíram <strong>no</strong> tiebreak<br />

contra a Chi<strong>na</strong>, enquanto a equipe masculi<strong>na</strong>, que assim como a do futebol chegou a estar a<br />

um passo da elimi<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> fase inicial, igualmente ia traçando seu caminho rumo ao ouro. A<br />

mudança <strong>no</strong>s rumos entre os gêneros foi o ponto que baseou o espaço dedicado ao futebol dentro<br />

da Retrospectiva <strong>2016</strong> da TV Globo. No programa especial, a <strong>Olimpíada</strong> do <strong>Rio</strong> ganhou quase o<br />

dobro do tempo dedicado ao <strong>no</strong>ticiário político, marcado pelo impeachment da presidente Dilma<br />

Rousseff, que foi concretizado <strong>no</strong> Se<strong>na</strong>do Federal entre o encerramento das competições olímpicas<br />

e o início da Paralimpíada.<br />

Na pátria de chuteiras, o futebol foi mesmo uma caixinha de surpresas. Elas batendo um<br />

bolão... Cada lance! Cristiane Alves, recordista: catorze gols em <strong>Olimpíada</strong>s, mais que<br />

qualquer homem ou mulher. Até “Santa Bárbara” fez milagre.<br />

Já eles, <strong>no</strong>ssos craques, eram vaiados. Não faziam gols nem contra os times sem tradição.<br />

A torcida pedia Marta. Mas o jogo virou. Elas se despediram da <strong>Olimpíada</strong>, eles<br />

desencantaram. E golearam! Gol relâmpago. [...] (Retrospectiva <strong>2016</strong>. TV Globo. 30 de<br />

dezembro de <strong>2016</strong>. Disponível em https://globoplay.globo.com/v/5547119/)<br />

A vaga para a fi<strong>na</strong>l tinha os hondurenhos pelo caminho, em jogo <strong>no</strong> maior palco do futebol<br />

do futebol mundial. Mas o Brasil se impôs desde o primeiro minuto. Ou melhor, desde o décimo


65<br />

quarto segundo, quando Neymar fez o gol mais rápido da <strong>história</strong> da Seleção Brasileira e dos Jogos<br />

Olímpicos. Gabriel Jesus ainda marcou duas vezes, enquanto Marquinhos e Luan Guilherme<br />

fizeram um gol cada. No outro extremo temporal do jogo, aos 46 minutos do segundo tempo,<br />

Neymar <strong>no</strong>vamente converteu, fi<strong>na</strong>lizando com uma cobrança de pê<strong>na</strong>lti a goleada por 6 a 0. O<br />

time chegou à decisão, sua quarta <strong>na</strong> <strong>história</strong>, a segunda consecutiva, com a defesa zerada,<br />

enquanto o ataque, após o mau começo, já tinha doze tentos marcados. Após a partida, o meiocampo<br />

Re<strong>na</strong>to Augusto lembrou que “se não fizermos um grande jogo sábado, tudo isso será<br />

apagado”. Na ocasião, Gabriel Barbosa, quando questio<strong>na</strong>do sobre as inevitáveis lembranças da<br />

semifi<strong>na</strong>l da Copa do Mundo contra a Alemanha, que seria a rival <strong>na</strong> decisão, disse que “não tem<br />

como a gente mudar o passado, tem como escrever o futuro”.<br />

Os alemães também tinham uma campanha irregular, com empates contra México e Coreia<br />

do Sul e goleadas contra Fiji e Portugal. Na semifi<strong>na</strong>l, derrotaram os nigeria<strong>no</strong>s por 2 a 0. Mas o<br />

país também teve o seu momento de glória <strong>no</strong> Maracanã, com a vitória por 2 a 1 da equipe<br />

femini<strong>na</strong> <strong>na</strong> disputa do outro contra as suecas, diante de um expressivo público <strong>no</strong>vamente em<br />

tor<strong>no</strong> dos cinquenta mil presentes.<br />

3.1 Um sábado histórico <strong>no</strong> Maracanã<br />

O inédito topo do pódio <strong>no</strong> centro do gramado do estádio que dias antes foi o alvo de<br />

bilhões de olhares ao redor do planeta durante a cerimônia i<strong>na</strong>ugural dos Jogos, que <strong>na</strong> sexta, 19 de<br />

agosto, foi uma realização europeia, <strong>no</strong> dia seguinte era o sonho do Brasil, obsti<strong>na</strong>do <strong>na</strong> busca do<br />

último título de expressão a ainda não constar <strong>na</strong> galeria de conquistas da Seleção, como destacou a<br />

capa do cader<strong>no</strong> de esportes da Folha de S. Paulo <strong>na</strong>quele sábado. A publicação traçou diversos<br />

paralelos com o confronto de dois a<strong>no</strong>s antes <strong>no</strong> Mineirão, como o de que os jogadores se<br />

mostraram me<strong>no</strong>s ativos <strong>na</strong>s redes sociais do que durante a Copa. Lembrou ainda que entre os<br />

dezoito convocados do time alemão para a <strong>Olimpíada</strong>, ape<strong>na</strong>s o zagueiro Ginter estava também <strong>no</strong><br />

elenco campeão do Mundial <strong>no</strong> Brasil. O Jor<strong>na</strong>l Hoje, exibido pela TV Globo horas antes do jogo,<br />

lembrou que, independente do metal, seria a sexta medalha olímpica do futebol masculi<strong>no</strong><br />

brasileiro. A partida da conquista dourada foi definida pelo jor<strong>na</strong>l espanhol El País como um dos<br />

grandes momentos da <strong>Olimpíada</strong> e da <strong>história</strong> recente do futebol mundial.O diário mencio<strong>no</strong>u<br />

também a influência midiática do principal ca<strong>na</strong>l do país e como a vitória da Seleção ajudou <strong>no</strong> seu<br />

discurso.<br />

Os Jogos do <strong>Rio</strong> serviram para que os brasileiros confirmem que seu jogo será sempre o<br />

me<strong>no</strong>s olímpico dos Jogos. Dois gols de Neymar atenuaram os efeitos depressivos do<br />

Mundial de 2014, em uma fi<strong>na</strong>l que o desti<strong>no</strong> reservou para Brasil e Alemanha, mais uma


66<br />

vez protagonistas da festa, que se decidiu <strong>na</strong>s cobranças de pê<strong>na</strong>ltis. Uma partidaça <strong>no</strong><br />

Maracanã, ao calor da multidão que pouco a pouco entrou em estado febril. Nunca nessas<br />

três sema<strong>na</strong>s tantos brasileiros se mostraram mais entusiasmados diante de um evento<br />

olímpico. Nem a cerimônia i<strong>na</strong>ugural, nem Bolt, nem Phelps, nem a pira olímpica da<br />

Candelária, por mais que o COI se empenhe. Nada faz vibrar tanto os habitantes desse<br />

país como seu velho futebol.<br />

O grande futebol é ilusão. Cada vez mais é difícil assistir uma partida bem jogada. O<br />

negócio dá sintomas de inflação, <strong>no</strong> melhor dos casos. Os elencos mais festejados<br />

decepcio<strong>na</strong>m com frequência. Nem <strong>na</strong> Liga dos Campeões, nem <strong>na</strong> Eurocopa, nem <strong>na</strong><br />

Copa América os aficio<strong>na</strong>dos assistiram a <strong>na</strong>da verdadeiramente singular esse a<strong>no</strong>. Algo<br />

assim como o que, de repente, se manifestou <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l olímpica. O mais improvável dos<br />

torneios. Ali onde Brasil e Alemanha, com duas equipes quase produtos da improvisação,<br />

repletas de garotos que recém atravessaram a fronteira do profissio<strong>na</strong>lismo, ofereceram<br />

uma fi<strong>na</strong>l memorável. Um pouco do que podia ser o futebol de primeiro nível se não fosse<br />

corrompido pelos interesses mesquinhos dos responsáveis de administrar, trei<strong>na</strong>r e jogar.<br />

Trei<strong>na</strong>dor da base por toda a vida, Rogério Micale, o técnico do Brasil juvenil, nunca<br />

dirigiu uma equipe <strong>na</strong> primeira divisão. A pressão que carregou sobre os ombros, sem<br />

dúvidas, foi colossal. O <strong>Rio</strong> era o epicentro do torneio. A fi<strong>na</strong>l se resolveria <strong>no</strong> santuário<br />

do Maracanã. Praticamente questão de Estado, depois dos fracassos seguidos <strong>no</strong> Mundial<br />

de 2014 e <strong>na</strong>s seguintes Copas América. O reforço de Neymar impunha mais obrigações<br />

que privilégios. [...] O Brasil só podia se permitir ao êxito absoluto. Assim propagavam os<br />

grandes conglomerados midiáticos do país. No ar espalhava-se essa ideia sutilmente<br />

difundida <strong>na</strong>s transmissões da TV Globo: o Brasil é uma potência mundial e seus<br />

habitantes são uma <strong>na</strong>ção feliz que habita um território, [...] como diz o refrão:<br />

“abençoado por Deus”.<br />

Nenhum estádio <strong>no</strong> mundo acrescenta melhor condição de ressonância. Um grito de<br />

espanto <strong>no</strong> Maracanã duplica sua so<strong>no</strong>ridade. Cada <strong>no</strong>ta se exalta. Os agudos se<br />

enfatizam. [...] Quatro pê<strong>na</strong>ltis foram marcados tanto pela Alemanha quanto pelo Brasil.<br />

No quinto alemão, debaixo de uma chuva de decibéis, Petersen não mirou o suficiente e<br />

foi parado pelo goleiro Weverton. Quando os duzentos mil olhos se voltaram ao<br />

encarregado de marcar, ali estava Neymar. Sozinho em meio da expectativa de toda a<br />

gente. Tomou uma corrida de dez metros, pegou com a alma e correu para se ajoelhar.<br />

Neymar chorou abraçado por seus companheiros <strong>no</strong> meio da festa colocada. Acabava de<br />

cumprir com o dever de se converter <strong>no</strong> herói brasileiro por excelência <strong>no</strong>s Jogos do <strong>Rio</strong>.<br />

(TORRES, Diego. El País. 21 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

http://deportes.elpais.com/deportes/<strong>2016</strong>/08/21/actualidad/1471732767_660882.html)<br />

O bom nível técnico da partida, que contou com grandes chances para ambos os lados, foi<br />

ponto destacado também <strong>no</strong> capítulo dedicado ao jogo <strong>no</strong> especial Um Sonho de Ouro, intitulado<br />

como “a prova dos sete”.<br />

Dois a<strong>no</strong>s depois do 7 a 1, uma fi<strong>na</strong>l olímpica contra a Alemanha e em casa. A mesma<br />

Alemanha que se sentiu em casa <strong>na</strong> Copa e foi campeã <strong>no</strong> Maracanã. [...]<br />

Era um sábado. Daqui a 100 a<strong>no</strong>s, muita gente vai garantir que foi ao Maracanã, mesmo<br />

os que não foram. Muitos vão jurar que viram o brilho do ouro <strong>no</strong>s olhos dos jogadores <strong>na</strong><br />

hora do Hi<strong>no</strong>. Se bem que, sinceramente, eu acho que o Brasil inteiro estava dentro do<br />

Maracanã mesmo. [...]<br />

A Alemanha tinha batido cinco pê<strong>na</strong>ltis e perdido um, o Brasil quatro e feito todos. Era a<br />

bola da vez, era a bola de ouro. A bola estava com o Neymar. [...] Neymar pressio<strong>na</strong>do,<br />

Neymar do Brasil, Neymar huma<strong>no</strong>. Brasil, medalha de ouro <strong>no</strong> futebol masculi<strong>no</strong> <strong>no</strong>s<br />

Jogos Olímpicos do <strong>Rio</strong> de Janeiro. [...] Uma conquista eternizada <strong>na</strong> pele de alguns e <strong>no</strong><br />

coração de todos os brasileiros. (Um Sonho de Ouro. TV Globo. 21 de dezembro de <strong>2016</strong>.<br />

Disponível em https://globoplay.globo.com/v/5529206/)


67<br />

No Esporte Espetacular do dia seguinte ao confronto, Glenda Kozlowski chamou a crônica<br />

de Ti<strong>no</strong> Marcos sobre um “jogo que vai ficar marcado <strong>na</strong> memória como uma das mais lindas<br />

lembranças dessa <strong>Olimpíada</strong>”. Meses depois, o programa exibiu dentro da série Um Dia Dourado,<br />

que relembrou os ouros brasileiros conquistados <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro, um episódio dedicado ao<br />

futebol masculi<strong>no</strong>, com o goleiro Weverton como o principal perso<strong>na</strong>gem da reportagem.<br />

Nos jogos da Seleção, o Hi<strong>no</strong> brasileiro vem sempre <strong>no</strong> início. Dessa vez também, só que<br />

nesse caso era o início não de um jogo, mas de uma era. O brado retumbante, o canto<br />

emocio<strong>na</strong>do, era a celebração solene do fim de um tabu.<br />

Então, tira o pé do chão quem é pentacampeão. E quem é ouro e campeão. [...] Milhares<br />

de pessoas viram tudo ali, de perto. Testemunharam e influenciaram diretamente <strong>na</strong> festa,<br />

precedida de muita tensão. Era uma vez um tor<strong>no</strong>zelo direito, que quase afastou o Neymar<br />

ainda <strong>no</strong> início da <strong>Olimpíada</strong>. Pois deram nele, o tor<strong>no</strong>zelo direito. [...] Neymar foi<br />

Neymar, um capitão que comandou o time e depois anunciou que vai pedir à Tite para<br />

não ser o do<strong>no</strong> da braçadeira <strong>na</strong> Seleção principal. [...]<br />

Que baita ambiente <strong>na</strong> tarde-<strong>no</strong>ite épica do Maracanã. Roteiros do esporte costumam ser<br />

cruéis. Dessa vez colocou uma Alemanha <strong>no</strong> caminho, logo ela e seus sete bons motivos<br />

para ser temida. Foram três bolas alemãs <strong>na</strong> trave. O time de melhor ataque da <strong>Olimpíada</strong><br />

soube ser frio, organizado e <strong>no</strong> segundo tempo conseguiu acuar a Seleção. Deu nisso. Era<br />

o fim de 508 minutos da Seleção sem tomar gol, estava zerada desde o início da<br />

competição. [...]<br />

Então, prorrogação. O Brasil de três fi<strong>na</strong>is olímpicas perdidas, o Brasil que ainda junta os<br />

cacos do 7 a 1. O grito de ouro preso há décadas <strong>na</strong> garganta de gerações de <strong>na</strong>rradores.<br />

Ô, sofrimento... Imagine o que passava pela cabeça de Rogério Micale, o técnico que não<br />

estaria ali se Dunga não tivesse caído, o técnico que fez carreira <strong>na</strong>s divisões de base,<br />

longe dos holofotes. [...]<br />

A decisão para corações em dia seria fi<strong>na</strong>lizada em dez angustiantes cobranças de<br />

pê<strong>na</strong>ltis. Depois de um jogo de alto nível técnico, pê<strong>na</strong>ltis muito bem batidos. Ginter,<br />

Re<strong>na</strong>to Augusto, G<strong>na</strong>bry, Marquinhos, Brandt, Rafinha, Süle e Luan... E vem, vem,<br />

Petersen. O roteiro agora reserva um lugar para um herói do Acre, um goleirão do Brasil.<br />

Weverton deixou o caminho aberto para Neymar. Um chute só era tudo que ele precisava.<br />

Partiu, bateu, acabou! É ouro, é ouro, é ouro para o Brasil! Nem era preciso ver o rosto<br />

de Neymar. O que ele chorava era com o corpo todo, um vulcão de emoções, certamente<br />

as maiores da carreira. A família Micale, as famílias ao redor... Todo mundo mergulhou<br />

<strong>no</strong> mesmo vulcão de ouro. [...] O Brasil é, enfim, campeão olímpico de futebol. Não falta<br />

mais <strong>na</strong>da ao currículo.<br />

Minutos depois da apoteose, [...] restava ape<strong>na</strong>s o Maracanã. Silencioso, agradecido. O<br />

estádio que foi planejado para o Brasil ser campeão mundial em 1950 e não conseguiu.<br />

Reapareceu remodelado, para tentar de <strong>no</strong>vo em 2014, deu Alemanha. Mas o Maraca é<br />

<strong>no</strong>sso, aha, uhu! Amarelo cor de Brasil, amarelo cor de ouro. E se você não era um dos<br />

torcedores, tente sentir-se lá, que você será muito feliz. (Esporte Espetacular. TV Globo.<br />

21 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em http://globoesporte.globo.com/esporte-<br />

espetacular/videos/t/edicoes/v/esporte-espetacular-brasil-campeao-olimpico-de-futebol-<br />

<strong>2016</strong>/5507674/)<br />

Os jor<strong>na</strong>is impressos também repercutiram amplamente a conquista do “ouro inédito”,<br />

como frisava a manchete da Folha de S. Paulo. Os “meni<strong>no</strong>s de ouro” ocuparam toda a primeira<br />

pági<strong>na</strong> do Correio Braziliense, enquanto o The New York Times não podia ser mais direto, ao<br />

colocar a foto do pódio como destaque <strong>no</strong> dia do encerramento dos Jogos: “Soccer Gold for


68<br />

Brazil”. Os estadunidenses atribuíram um público próximo aos oitenta mil presentes <strong>no</strong><br />

Maracanã 101 .<br />

A repercussão da conquista foi ampla especialmente <strong>no</strong> meio televisivo, em uma rara<br />

transmissão simultânea por diversos dos ca<strong>na</strong>is detentores dos direitos de transmissão, como<br />

Globo, Record, Band, SporTV, Fox Sports, ESPN Brasil e BandSports. A exibição do jogo <strong>na</strong> TV<br />

Globo foi definida pelo crítico Maurício Stycer, do portal UOL, como “uma das transmissões mais<br />

emocio<strong>na</strong>ntes” da carreira de Galvão Bue<strong>no</strong> 102 , a quem se atribuiu até mesmo uma linguagem<br />

própria, o “galvanês”. <strong>Lucas</strong> Tieppo, do Torcedores.com, o classifica como “protagonista” da<br />

conquista.<br />

Neymar, Weverton, Rogério Micale e vários outros jogadores tiveram participação<br />

importante <strong>na</strong> conquista do inédito ouro olímpico, mas o fim do jejum teve outro<br />

protagonista. Ele não fez gols, deu passes ou fez grandes defesas, mas Galvão Bue<strong>no</strong> é<br />

sim parte da medalha de ouro.<br />

O principal <strong>na</strong>rrador da TV Globo é sempre uma grande atração <strong>no</strong>s jogos da Seleção,<br />

mas ganhou ainda mais destaque <strong>na</strong> campanha que termi<strong>no</strong>u com a vitória <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis<br />

sobre a Alemanha.<br />

Com o poderoso microfone da Globo <strong>na</strong> mão, Galvão começou a campanha com<br />

desabafos e críticas aos jogadores da equipe após os empates sem gols contra África do<br />

Sul e Iraque. O alvo principal foi o capitão Neymar. [...] Galvão reclamou do silêncio do<br />

camisa 10 e chegou a dizer que ele não é <strong>na</strong>da perto de Marta após o empate com o<br />

Iraque. [...]<br />

Vieram as vitórias sobre Colômbia e Honduras e as grandes atuações fizeram com que<br />

Galvão voltasse a elogiar o desempenho do camisa 10. Na fi<strong>na</strong>l, o amor entre Galvão e<br />

Neymar já existia <strong>no</strong>vamente, então foi a hora do <strong>na</strong>rrador admitir a emoção e o choro<br />

com a medalha de ouro. [...]<br />

Alguma dúvida de que Galvão foi também protagonista <strong>na</strong> conquista do ouro inédito?<br />

(Disponível em http://torcedores.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/<strong>2016</strong>/08/bronca-desabafo-e-chorogalvao-e-protagonista-<strong>no</strong>-ouro-inedito-do-futebol)<br />

As falas de Galvão e dos comentaristas e repórteres ape<strong>na</strong>s dentro da exibição do futebol,<br />

descontando o prolongamento do assunto <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, tomaram quase quatro horas da<br />

programação da TV Globo, entre 16h59 e 20h54, tor<strong>na</strong>ndo o evento uma das mais longas<br />

coberturas da <strong>história</strong> olímpica da rede, que foi continuada imediatamente depois pelo JN, sendo<br />

fi<strong>na</strong>lizada de fato ape<strong>na</strong>s às 22h40. O intervalo fi<strong>na</strong>l dessa sequência, a partir do momento da<br />

101<br />

De acordo com a publicação, os presentes ao Maracanã <strong>no</strong> instante dos gritos de “campeão!” eram 78 mil.<br />

Disponível em: https://www.nytimes.com/<strong>2016</strong>/08/21/sports/olympics/soccer-brazil-germany-neymar-livescore.html.<br />

Para o argenti<strong>no</strong> Clarín, que citou uma mistura de “alívio, revanche e orgulho”, eram mais de 80 mil.<br />

Disponível em: https://www.clarin.com/juegos-olimpicos-rio-<strong>2016</strong>/latente-brasil-alemania-definenfutbol_0_SkV987Uc.html.<br />

Acesso em: 22 abr. 2017.<br />

102<br />

O texto disserta também sobre os clichês realizados durante a cobertura. Disponível em:<br />

https://olimpiadas.uol.com.br/<strong>no</strong>ticias/redacao/<strong>2016</strong>/08/20/galvao-chora-ao-fi<strong>na</strong>l-de-transmissao-dramatica-erecheada-de-cliches.htm.<br />

Acesso em: 22 abr. 2017.


69<br />

conquista da medalha de ouro com o pê<strong>na</strong>lti convertido por Neymar e a repercussão da conquista<br />

até o derradeiro clipe da última edição especial do JN sobre a <strong>Olimpíada</strong> do <strong>Rio</strong> é o alvo principal<br />

dessa análise.<br />

Figura 3. Visão inter<strong>na</strong> do prédio do Grupo Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico (fonte: arquivo pessoal)<br />

A preparação do público para a fi<strong>na</strong>l, porém, não foi feita ape<strong>na</strong>s pelo jor<strong>na</strong>lismo. A partida<br />

recebeu o horário de um programa de entretenimento, o Caldeirão do Huck, que <strong>na</strong> ocasião foi<br />

inteiramente adaptado para tratar ape<strong>na</strong>s sobre os Jogos, com muitas de suas pautas reforçando a<br />

imagem não ape<strong>na</strong>s das competições, mas também da emissora, como quando a humorista Dani<br />

Calabresa mostrou ao vivo o lounge do estúdio montado pelo ca<strong>na</strong>l <strong>no</strong> centro do Parque Olímpico.<br />

O tenista Gustavo Kuerten, um dos condutores da tocha olímpica <strong>na</strong> cerimônia de abertura ao lado<br />

da jogadora de basquete Hortência e do maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, compareceu ao<br />

palco do programa. Guga, como é mais conhecido, também esteve <strong>na</strong> cabine do Maracanã horas<br />

depois, juntando-se à equipe de comentaristas que auxiliou o <strong>na</strong>rrador, formada ainda pelo exárbitro<br />

Ar<strong>na</strong>ldo Cezar Coelho e pelos ex-jogadores Ro<strong>na</strong>ldo, Júnior e Walter Casagrande. O<br />

repórter Ti<strong>no</strong> Marcos, que tradicio<strong>na</strong>lmente acompanha a Seleção de futebol, mas <strong>no</strong> começo da<br />

<strong>Olimpíada</strong> concentrou suas matérias <strong>na</strong>s competições de judô e vela, foi integrado ao pré-jogo, que<br />

destacou a animação <strong>na</strong> chegada dos torcedores ao Maracanã, complicada por uma leve chuva,<br />

além dos rigorosos procedimentos de revista para a segurança do público. Ainda dentro do estádio,<br />

Mauro Naves e Eric Faria, que acompanhavam o selecio<strong>na</strong>do olímpico desde a preparação para os<br />

Jogos, fizeram entradas de outros pontos.


70<br />

Antes da autorização do árbitro para o início da partida, Galvão fez questão de dissociar o<br />

confronto da semifi<strong>na</strong>l da Copa do Mundo de 2014, mas enquanto a bola rolava, ele próprio<br />

acabou por rememorar o jogo, termi<strong>na</strong>do em 7 a 1 para os alemães, por diversas oportunidades.<br />

Como quando Neymar abriu o marcador <strong>no</strong> Maracanã e o <strong>na</strong>rrador lembrou que o atleta não estava<br />

presente <strong>no</strong> duelo em Belo Horizonte pelo Mundial. Na ida para o intervalo, ele classificou o jogo<br />

até então como “bom demais”, mas vatici<strong>no</strong>u que 1 a 0 “é um placar perigoso”, como depois<br />

comprovaria o empate alemão. Nessa ocasião, a entrada ao vivo de uma área exter<strong>na</strong> foi do<br />

Boulevard Olímpico, instalado <strong>no</strong> Centro do <strong>Rio</strong>, que também reunia milhares de torcedores<br />

assistindo ao jogo por telões, situação repetida <strong>na</strong> área de convivência do Parque Olímpico, espaço<br />

esse mostrado durante a pausa entre o térmi<strong>no</strong> do tempo regulamentar e o início da prorrogação.<br />

No começo do período extra, Galvão ainda saudou Ti<strong>no</strong> e Ar<strong>na</strong>ldo pela parceria que estabelecem<br />

há 27 a<strong>no</strong>s <strong>na</strong>s transmissões da Seleção. Para ele, “uma vida”. O agradecimento foi após a dupla ter<br />

seguido <strong>no</strong> ar enquanto o locutor deixou brevemente a cabine “para respirar um pouquinho”. Ele<br />

disse que a emoção de um jogo entre Brasil e Alemanha trazia “uma gigantesca grandeza para essa<br />

decisão olímpica do torneio de futebol”, assim como também utilizou superlativos para comentar a<br />

participação direta da torcida, considerando que “um Maracanã lotado impressio<strong>na</strong> qualquer um”.<br />

Ao longo do tempo adicio<strong>na</strong>l, o público foi informado sobre as alterações <strong>na</strong> grade de programação<br />

da TV Globo, com duas <strong>no</strong>velas e os telejor<strong>na</strong>is locais deixando de ser exibidos, o que gerou a<br />

situação objeto desta pesquisa, com a conexão direta entre a transmissão do futebol e o Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l.<br />

Figura 4. Integrantes da cobertura da TV Globo <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> (fonte: reprodução/TV)


71<br />

“Depois de 42 a<strong>no</strong>s de profissão e de emoções, transmitindo Mundiais [...] e tantas<br />

medalhas de ouro, [...] eu confesso que não achava que ia passar por um sufoco tão grande numa<br />

decisão”, relatou o <strong>na</strong>rrador quando foi confirmada a disputa do ouro <strong>na</strong>s pe<strong>na</strong>lidades máximas.<br />

Galvão então relembrou outras ocasiões em que a Seleção foi bem sucedida <strong>na</strong>s cobranças de<br />

pê<strong>na</strong>ltis, evocando o retrospecto especialmente da <strong>Olimpíada</strong> de Seul, em 1988, quando o time<br />

brasileiro elimi<strong>no</strong>u a Alemanha Ocidental <strong>na</strong> semifi<strong>na</strong>l. Ele ainda destacou o peso da conquista, até<br />

então conseguida ape<strong>na</strong>s em três oportunidades pelos anfitriões. Foi com essa euforia que não<br />

somente o locutor global, como diversos outros, ao exemplo de Milton Leite <strong>no</strong> SporTV, Téo José<br />

<strong>na</strong> Band, <strong>Lucas</strong> Pereira <strong>na</strong> Record e Gustavo Villani <strong>na</strong> Fox Sports <strong>na</strong>rraram o derradeiro pê<strong>na</strong>lti<br />

cobrado por Neymar, que garantiu o título olímpico ao Brasil. Abaixo, segue a transcrição de<br />

algumas falas que ecoaram por milhões de lares brasileiros <strong>na</strong>quele sábado.<br />

Neymar vai bater o pê<strong>na</strong>lti que pode ser o gol da medalha de ouro. Ele beijou a bola. O<br />

público em pé <strong>no</strong> Maracanã. Toma longa distância o Neymar, ele contra Horn.<br />

Autorizado o capitão brasileiro. Partiu o Neymar, com paradinha. Lá vem ele, a batida...<br />

Gol! De ouro! Gol de ouro! O Brasil fi<strong>na</strong>lmente conquista a medalha de ouro! Com<br />

drama, <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis! Neymar bate a última cobrança! O Brasil é medalha de ouro <strong>no</strong><br />

futebol!<br />

Acabou a fila! Agora é chorar! O Brasil leva fi<strong>na</strong>lmente a medalha de ouro! Os jogadores<br />

choram de alegria, os alemães choram de tristeza. Neymar faz o último gol. Weverton, o<br />

herói que pegou a última pe<strong>na</strong>lidade da Alemanha. O Brasil faz 5 a 4 <strong>na</strong>s cobranças de<br />

pê<strong>na</strong>ltis. (LEITE, Milton. SporTV. 20 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

https://drive.google.com/file/d/0B-TTI4lP-KwwWllEb2dqdEx0UTA/view)<br />

Ah, Neymar! Vamos fazer agora, Neymar! Que responsabilidade, hein. Olha, se o<br />

Neymar fizer agora, o Brasil é medalha de ouro <strong>no</strong> futebol. Vamos lá! Capricha, Neymar!<br />

Vale o ouro inédito, vale sair da fila, vale sair do sofrimento, Neymar. Vamos lá, Neymar!<br />

Vai para a cobrança, pé direito, bateu... É ouro! O Brasil saiu da fila! Quem disse que o<br />

Brasil não ia ser campeão olímpico? O Brasil é campeão olímpico! O Brasil saiu da fila! É<br />

ouro! Quem disse que seria fácil? Não foi fácil! Foi <strong>no</strong> último pê<strong>na</strong>lti e o Brasil consegue<br />

esse título inédito, era o único que faltava. Os jogadores caem <strong>no</strong> chão, os jogadores caem<br />

<strong>no</strong> gramado. O Rogério Micale, emocio<strong>na</strong>do, chora. Uma conquista inédita para o Brasil<br />

dentro do Maracanã! Um Maracanã lotado, a festa é completa. (PEREIRA, <strong>Lucas</strong>.<br />

Record. 20 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0B-TTI4lP-<br />

KwwTmVycE5lVGJzUVE/view)<br />

Posicio<strong>na</strong> a bola o Neymar. Ele e o Timo Horn. Se fizer, acabou. O Neymar toma muita<br />

distância. Autorizado! Aperta o play, Neymar! Essa é a <strong>no</strong>ssa hora, Neymar! Vai para<br />

bola o Neymar, com paradinha. Correu, bateu... O ouro é <strong>no</strong>sso! O ouro é <strong>no</strong>sso! O Brasil<br />

é campeão, é campeão, é campeão! O ouro é <strong>no</strong>sso! Explode coração <strong>na</strong> maior felicidade!<br />

Explode o Maracanã! O Neymar é abraçado. O torcedor olha para ele e fala que o melhor<br />

lugar do mundo é dentro desse abraço. Faz a festa o Micale, chora o Micale. Chegamos<br />

lá!<br />

Batemos <strong>na</strong> trave três vezes, agora o Maracanã é <strong>no</strong>sso, o ouro é <strong>no</strong>sso. O Brasil<br />

fi<strong>na</strong>lmente é medalha de ouro <strong>no</strong> futebol. O Brasil sofreu, sofreu muito, mas os deuses do<br />

futebol sabem o que fazem, esperaram até o último momento, esperaram para essa<br />

emoção sua, Micale. Obrigado, Micale! A <strong>no</strong>ssa essência está voltando, o futebol de<br />

quatro atacantes, o futebol de volante que sabe jogar, o futebol que busca a rede, o futebol<br />

que faz essa festa. Essa comemoração, ela tem um sentido muito maior. Não é só uma<br />

medalha de ouro, é o verdadeiro futebol brasileiro voltando, a <strong>no</strong>ssa essência. E deixa essa


72<br />

galera gritar que está lindo demais! É campeão, é campeão, é campeão. (JOSÉ, Téo.<br />

Band. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

A maior estrela da <strong>Olimpíada</strong>, lá vem o camisa 10... É fazer e comemorar o ouro inédito,<br />

Neymar! Desafoga o povo brasileiro! Paradinha, Neymar, para o gol! É ouro! Fim do<br />

jejum! O Brasil é campeão olímpico pela primeira vez! Não tem mais <strong>na</strong>da que falte <strong>na</strong><br />

<strong>no</strong>ssa galeria! O Brasil campeão do mundo, da Copa América, da Copa das<br />

Confederações, é também campeão olímpico em casa! O que é o mundo do futebol? Ele é<br />

redondo, ele dá voltas! Um dia Alemanha, o outro Brasil. Desafoga, torcedor brasileiro, o<br />

ouro é seu! (VILLANI, Gustavo. Fox Sports. 20 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

https://www.youtube.com/watch?v=Fal9eAmd358)<br />

Galvão Bue<strong>no</strong>, porém, como faz há décadas com os momentos mais destacados do esporte<br />

brasileiro, mesmo os tristes, como visto com os funerais da delegação da Chapecoense, eternizou<br />

em sua voz o registro mais marcante do evento.<br />

Bora, Neymar! Bora, Neymar, que é do ouro! Beija a bola! Ele e o Horn. Autoriza o<br />

árbitro. Ele não tem pressa, vai dar aquela paradinha dele, deu. Partiu, bateu, acabou! É<br />

ouro, é ouro, é ouro para o Brasil! Cinco a quatro, <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis! O Weverton vestiu a<br />

roupa do Taffarel, foi lá para pegar. Olha, quantos e quantos a<strong>no</strong>s esperando por essa<br />

conquista.<br />

Na primeira fi<strong>na</strong>l, em 84, a França foi melhor, ganhou por 2 a 0. Depois, <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l de 88, a<br />

União Soviética foi melhor. Na fi<strong>na</strong>l de 12, o México foi melhor. Só que hoje o Brasil foi<br />

muito melhor que a Alemanha.<br />

O Neymar chora, o Re<strong>na</strong>to Augusto chora, muita gente chora. Foi absolutamente<br />

merecida essa conquista dessa fi<strong>na</strong>l. Se agigantou <strong>na</strong> última cobrança o goleiro Weverton,<br />

e o Neymar teve a frieza de definir. Sobe o som que eu quero ouvir a torcida brasileira! É<br />

campeão, é campeão, é campeão.<br />

Eu deixo sempre Copa do Mundo em separado de <strong>Olimpíada</strong>. Mas é um pouco evidente<br />

que não dá para dizer que não seja um momento especial. Há 66 a<strong>no</strong>s, esse estádio não era<br />

esse. Foi mantida a parte exter<strong>na</strong>, ele foi reconstruído, mas viveu uma grande frustração, a<br />

perda da Copa de 50. Não é a mesma coisa, claro, mas vive 66 a<strong>no</strong>s depois uma alegria<br />

esfuziante <strong>na</strong> conquista do ouro olímpico. Escutem mais uma vez o torcedor brasileiro. O<br />

campeão voltou, o campeão voltou, o campeão voltou. (BUENO, Galvão. TV Globo. 20<br />

de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em https://drive.google.com/file/d/0BxHhJylKrIFQWNNMkRnN1pQWE0/view)<br />

As declarações de Galvão Bue<strong>no</strong> revelam a sua facilidade em não só descrever e <strong>na</strong>rrar o<br />

que acontece em campo, como também auxiliar, de modo exitoso, <strong>na</strong> formação de uma atmosfera<br />

persuasiva para que ocorra a adesão do telespectador ao discurso que profere. Para isso, vale-se do<br />

conhecimento que tem a respeito do futebol e de sua <strong>história</strong>, como ao dizer de que maneira<br />

costumam se portar em campo os jogadores mais expressivos. Ele se aproxima do público<br />

televisivo através do vocabulário coloquial, como quando a expressão “bora” substitui o “vamos”.<br />

Utiliza-se também do pedido de “eu quero ouvir a torcida brasileira” para amplificar o momento<br />

eufórico <strong>no</strong> estádio para os demais torcedores da Seleção. Com <strong>na</strong>turalidade, simula falar com os<br />

telespectadores como se estivesse emitindo ali, em ple<strong>na</strong> <strong>na</strong>rração, sendo capaz disso, um recado<br />

para Neymar. Percebemos também em variados momentos a eficácia do emprego da metáfora,


73<br />

figura de linguagem capaz de gerar aproximação histórica, apontando o time olímpico como capaz<br />

de um re<strong>na</strong>scimento da Seleção Brasileira também com seu time principal.<br />

As falas que mostram como o <strong>na</strong>rrador se coloca <strong>na</strong> posição de conhecedor do esporte<br />

embutem também certo preparo ao público, numa presunção da familiaridade do telespectador<br />

com aspectos históricos do futebol. Apesar de se manifestar pessoalmente, o discurso de Galvão é<br />

acompanhado por todo o simbolismo da empresa que representa. Ao ser mais ouvido que a soma<br />

de seus concorrentes diretos, sua visão se impõe com certo oficialismo. Na transmissão em que a<br />

Globo fez 38,4 pontos de audiência <strong>na</strong> Grande São Paulo segundo os dados da Kantar Ibope,<br />

Record e Band somadas não chegaram a atingir metade desse índice em nenhum instante. O<br />

jor<strong>na</strong>lista Daniel Castro, <strong>no</strong> site Notícias da TV, afirma que mesmo em momentos com fatos<br />

transcorrendo ao vivo, todo o conteúdo do JN, onde Galvão prosseguiu seu discurso pouco depois,<br />

é avalizado pela cúpula do jor<strong>na</strong>lismo da emissora 103 .<br />

O Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l [...] é extremamente amarrado. Tudo o que veicula, até mesmo<br />

uma <strong>no</strong>ta pelada (como são chamadas as <strong>no</strong>tícias lidas pelos apresentadores, sem<br />

imagens), passa pelo crivo de Silvia Faria, diretora <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de jor<strong>na</strong>lismo, e Ali<br />

Kamel, diretor responsável por seu conteúdo. (Disponível em<br />

http://<strong>no</strong>ticiasdatv.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/opiniao/a<strong>na</strong>lise-amarrado-jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>osabe-correr-contra-o-tempo-15200)<br />

Diante da responsabilidade em se pronunciar sob forte emoção para milhões de<br />

telespectadores por todo o país, Galvão evoca a historicidade, se colocando como um sabedor do<br />

passado para assim apoiar a sua fala <strong>no</strong> presente. Ele, porém, não se apresenta de maneira superior<br />

por causa desse conhecimento. Ao não ape<strong>na</strong>s ter de convencer o público, mas também o seduzir,<br />

numa clara técnica manipulativa, o <strong>na</strong>rrador opta em mostrar proximidade. Essa característica já<br />

havia sido identificada pela fo<strong>no</strong>audióloga Claudia Cotes em entrevista ao portal UOL 104 em<br />

<strong>no</strong>vembro de 2013, quando a especialista apontou que “a fala dele hoje é mais <strong>na</strong>tural, mais<br />

próxima da fala espontânea”, ao fazer uma comparação sobre o estilo do <strong>na</strong>rrador ao longo de suas<br />

três décadas de carreira.<br />

103<br />

Cosme Rímoli, do R7, mencio<strong>na</strong> especificamente o <strong>na</strong>rrador: “Galvão Bue<strong>no</strong> não fala uma palavra <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l sem autorização da direção da emissora”. Disponível em: http://esportes.r7.com/blogs/cosme-rimoli/acruel-vinganca-de-marco-polo-del-nero-acabou-com-a-exclusividade-da-globo-sobre-a-selecao-brasileira-estaextinto-o-mo<strong>no</strong>polio-da-emissora-carioca-a-propria-cbf-vai-transmitir-os-jogos-com-<strong>no</strong>vos-29052017/.<br />

Acesso<br />

em: 30 mai. 2017.<br />

104<br />

Para ela, o <strong>na</strong>rrador se modernizou ao longo de sua trajetória. Disponível em:<br />

https://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2013/11/08/veja-o-antes-e-o-depois-de-<strong>na</strong>rracoes-de-galvao-em-3-<br />

decadas-e-compare-fases/. Acesso em: 27 mai. 2017.


74<br />

Figura 5. Inserções visuais da TV Globo durante a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> (fonte: reprodução/TV)<br />

Na fi<strong>na</strong>l olímpica, Galvão prosseguiu a <strong>na</strong>rrativa sendo descritivo, reproduzindo<br />

obviedades evidenciadas <strong>na</strong>s imagens, que eram geradas de forma igual pela OBS (Olympic<br />

Broadcast Services) para todas as emissoras detentoras dos direitos de transmissão. A decisão do<br />

futebol masculi<strong>no</strong>, por exemplo, pelo confronto entre duas equipes tradicio<strong>na</strong>is, teve transmissão<br />

em televisão aberta em diversos outros países, como a Chi<strong>na</strong> e a Argenti<strong>na</strong>.<br />

Figura 6. Globo, Band, Record e SporTV retransmitem o si<strong>na</strong>l gerado pela OBS <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do futebol masculi<strong>no</strong><br />

(fonte: reprodução/TV)<br />

Uma evidência sutil do diálogo com um público que não é leigo <strong>no</strong> assunto acontece ao<br />

evocar “aquela” paradinha por parte do Neymar, demonstrando o acompanhamento de outras<br />

cobranças do jogador, que habitualmente utiliza essa tática antes das cobranças de pê<strong>na</strong>ltis. Outro<br />

momento em que Galvão reforça sua imagem sabedora sem necessidade de alongar o conteúdo<br />

para isso é ao comparar os goleiros Weverton e Taffarel. Na simples referência, o locutor retoma<br />

ao público de forma implícita outros momentos decisivos da Seleção Brasileira em circunstâncias<br />

similares. Em um instante anterior, o <strong>na</strong>rrador já havia feito a junção entre os <strong>no</strong>mes ao clamar


75<br />

antes da cobrança: “sai que é sua, Weverton!”, relembrando o bordão utilizado por ele próprio <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s 1990, quando Taffarel fez decisivas defesas <strong>na</strong> Copa do Mundo dos Estados Unidos (contra a<br />

Itália, <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l) e da França (contra a Holanda, <strong>na</strong> semifi<strong>na</strong>l).<br />

Outro ponto peculiar da performance se dá ao Galvão gritar <strong>no</strong> instante mais consagrador<br />

pelo “ouro”, assim situando o telespectador habitual do futebol ao clima da competição olímpica,<br />

diferenciando a conquista das demais, em que o festejo costuma ser entoado destacando o<br />

“campeão”. O <strong>na</strong>rrador admitiu em entrevista à revista Istoé, em julho de 2010, após a Copa do<br />

Mundo da África do Sul, que prioriza o sentimento em suas transmissões.<br />

É o que sempre digo, sou um vendedor de emoções. O meu produto é o esporte e tenho<br />

que vendê-lo com a maior paixão possível. Mas ando sempre <strong>no</strong> fio de uma <strong>na</strong>valha. De<br />

um lado a paixão, do outro a realidade. [...] Sou a voz da Globo <strong>no</strong> esporte <strong>no</strong>s últimos 30<br />

a<strong>no</strong>s. Isso é uma coisa que pesa muito, para o bem e para o mal. [...] (Disponível em<br />

http://istoe.com.br/86786_TIVE+VONTADE+DE+BATER+MAIS+/)<br />

Figura 7. Jogadores e técnico da Seleção Brasileira choram após a conquista do ouro olímpico (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

Ao fazer a retrospectiva sobre as trajetórias da Seleção Brasileira em Jogos Olímpicos e até<br />

mesmo do estádio do Maracanã, Galvão amplia o elemento histórico. É como se demonstrasse o<br />

quanto a chegada ao simulacro de Olimpo, <strong>no</strong> caso, o topo do pódio, foi árdua, mas com<br />

merecimento, o que faz questão de frisar, num momento em que julga não ape<strong>na</strong>s o resultado, mas<br />

o mérito que considera ter levado até ele. Porém, como relatado pelo próprio “vendedor de<br />

emoções”, sua visão vai além dos fatos. Se valendo das ce<strong>na</strong>s exibidas, ele destaca as lágrimas dos<br />

atletas e da comissão técnica, usando da figuratividade para buscar envolver o telespectador <strong>no</strong>


76<br />

ambiente do estádio, muitas vezes deixando a imagem falar por si, como quando, como referido,<br />

silencia para que o público ouça o som dos gritos emitidos pelos milhares de torcedores. Na<br />

cerimônia de abertura, ele repetiu essa prática por diversas vezes para que fosse destacado o<br />

acompanhamento dos presentes aos shows musicais realizados. Dessa forma, o locutor referenda o<br />

seu sentimento, mostrando que ele é compartilhado por muitos outros, numa forma de convite ao<br />

público para que ele se sinta igualmente parte dos festejos. É por isso que Fiorin (2004, p. 5),<br />

defende uma teoria particular para as mídias, já que, segundo ele, “ao contrário dos textos verbais,<br />

os textos midiáticos são produzidos por diferentes enunciadores”, como se constata regularmente<br />

<strong>na</strong>s transmissões esportivas, especialmente <strong>na</strong>s de grande porte, tal qual a exemplificada por uma<br />

fi<strong>na</strong>l olímpica. Para Nascimento (2002, p. 50), “a comunicação huma<strong>na</strong> tem múltiplos e variados<br />

aspectos que não podem ser apreendidos senão <strong>no</strong> processo enunciativo”. O futebol amplia essa<br />

percepção em diversos sentidos, já que igualmente é construído a partir de vários outros elementos.<br />

O esporte é um fenôme<strong>no</strong> processual, social, econômico, cultural e historicamente<br />

construído. Por conta das feições e significados sociais que o esporte apresenta <strong>na</strong><br />

sociedade atual, como uma atividade física universal presente <strong>na</strong> maioria dos povos e<br />

culturas, independente de língua, cor, credo, posição social, sexo e idade, tem se<br />

popularizado cada vez mais, e com essa aceitação e apropriação redimensio<strong>na</strong>do sua<br />

estratégia para a mercantilização e espetacularização. (RIBEIRO, L., 2007, p. 132)<br />

Figura 8. Público <strong>no</strong> Maracanã durante a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> (fonte: arquivo pessoal)<br />

Em seu prosseguimento do discurso que consagrava o momento durante os festejos,<br />

quando afirmou que “há muito tempo não se juntavam tantos milhões de brasileiros em frente a<br />

uma televisão para assistir a Seleção Brasileira”, Galvão constatou o poder influenciador da equipe,


77<br />

dizendo que “não interessa se politicamente a coisa anda muito complicada, muito esquisita, mas a<br />

instituição Seleção Brasileira, ela é muito forte. Não os homens que a dirigem, mas a instituição”,<br />

realçando assim a importância do time <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de futebol para o país. Os números de audiência<br />

foram indicados por ele como “uma resposta imediata” exemplificando que “o torcedor estava<br />

esperando que a Seleção voltasse a jogar com esse empenho”. Quando a vice-campeã equipe alemã<br />

foi fortemente aplaudida pela torcida, ele também direcio<strong>no</strong>u seu foco para os críticos do modo<br />

brasileiro de torcer. Ti<strong>no</strong> Marcos ressaltou que o jogo foi disputado com “muita lisura por parte<br />

também dos alemães, num roteiro perfeito”.<br />

Da Praça Mauá, a repórter Mônica Sanches trouxe ainda a informação do recorde de<br />

público do Boulevard Olímpico, com a presença de 200 mil pessoas <strong>no</strong> espaço num “dia para gente<br />

guardar para sempre”, como definiu Ti<strong>no</strong> ao chamar a entrada ao vivo. A aglomeração foi<br />

considerada “a maior festa da <strong>Olimpíada</strong>”, ao que Galvão ponderou que “uma <strong>Olimpíada</strong> pode<br />

chegar ao seu fi<strong>na</strong>l, mas as <strong>Olimpíada</strong>s não chegam ao fim. O espírito olímpico continua sempre”.<br />

No instante da subida da Seleção ao ponto mais alto do pódio, uma <strong>no</strong>va observação temporal:<br />

“foram 120 a<strong>no</strong>s para que essa medalha saísse”. Logo depois, o Hi<strong>no</strong> Nacio<strong>na</strong>l, já habitualmente<br />

entoado pelo Maracanã <strong>no</strong> começo dos jogos, dessa vez ficou reservado também como o momento<br />

de apoteose, com o estádio ainda em sua lotação máxima. O fi<strong>na</strong>l do Hi<strong>no</strong> foi a deixa para que<br />

Galvão anunciasse “uma edição absolutamente especial do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, que hoje fecha suas<br />

três sema<strong>na</strong>s de cobertura olímpica”.<br />

3.2 As sema<strong>na</strong>s olímpicas <strong>no</strong> Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l<br />

O Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l é a principal vitrine do telejor<strong>na</strong>lismo da Globo, em que a emissora<br />

apresenta os seus pronunciamentos editoriais e interesses comerciais, exibidos em horário <strong>no</strong>bre 105 .<br />

Para o seu apresentador e editor-chefe William Bonner (2009), o alcance é tamanho que “o JN está<br />

disponível a todos os brasileiros com acesso à energia elétrica e uma televisão diante dos olhos”.<br />

Embora em queda contínua, o JN ainda tem uma audiência significativa, continuando a ser<br />

o telejor<strong>na</strong>l mais popular do país. Em 20 de agosto de <strong>2016</strong>, dia da fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol, por<br />

exemplo, embalado pela excelente entrega de audiência, foram 35,4 pontos de audiência de acordo<br />

105<br />

Por exemplo, a polêmica edição do debate presidencial do segundo tur<strong>no</strong> de 1989 com o favorecimento de<br />

Fer<strong>na</strong>ndo Collor em detrimento de Luiz Inácio Lula da Silva ocorreu somente <strong>no</strong> telejor<strong>na</strong>l <strong>no</strong>tur<strong>no</strong>. Horas antes, o<br />

Jor<strong>na</strong>l Hoje havia mostrado uma versão mais neutra do mesmo confronto. Disponível em:<br />

http://memoriaglobo.globo.com/programas/jor<strong>na</strong>lismo/telejor<strong>na</strong>is/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/as-eleicoes-e-o-debate-collor-xlula.htm.<br />

Acesso em: 29 mar. 2017.


78<br />

com a Kantar Ibope 106 . Cada ponto equivalia a 67.113 lares <strong>na</strong> Grande São Paulo em <strong>2016</strong>. Ao<br />

longo do a<strong>no</strong>, somente a edição de 29 de <strong>no</strong>vembro, dia do desastre aéreo da Chapecoense 107 ,<br />

chegou perto, com 33,9 pontos.<br />

Ressalve-se que o JN costuma se sobressair em ocasiões assim, porém vem tendo uma<br />

perda de relevância média expressiva <strong>na</strong>s edições do cotidia<strong>no</strong>. Em 2000, possuía 39,2 pontos<br />

habitualmente. Em 2010 108 , eram 29,8. Em 2015, 24,8. O movimento de migração do público para<br />

outras plataformas vem afetando toda a televisão aberta, sendo eventualmente mais sentido pela<br />

Globo de forma proporcio<strong>na</strong>l pelo efeito comparativo com seu largo mo<strong>no</strong>pólio de outrora. Em<br />

2000, o ca<strong>na</strong>l fechou com 23,5 pontos de média anual em sua programação como um todo. O<br />

número era de 17,4 em 2010 e 13,8 em 2015.<br />

Com esses índices, o telejor<strong>na</strong>l se porta como a principal referência <strong>no</strong> telejor<strong>na</strong>lismo do<br />

Brasil, não tendo nenhuma outra atração do gênero em rede <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l diariamente, nem mesmo<br />

dentro da própria da TV Globo, com números próximos, o que automaticamente o coloca num<br />

patamar de grande alcance diante de toda a população, já que, de acordo com a mais recente edição<br />

da Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada em <strong>2016</strong> pelo Ibope a pedido da Secretaria de<br />

Comunicação Social da Presidência da República, 89% dos brasileiros enxergam a plataforma<br />

como uma das maiores fontes de informação <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>. Para 77%, a audiência diante do<br />

aparelho televisor é diária. Os números resultam uma amostra com maiores de 16 a<strong>no</strong>s de todas as<br />

classes sociais <strong>na</strong>s 27 unidades da federação, com a realização de 15.050 entrevistas domiciliares.<br />

Entre outras questões levantadas, a maioria dos brasileiros apontou espontaneamente a TV Globo<br />

como a emissora preferida.<br />

A TV é o meio de comunicação mais acessado pelos entrevistados, sendo mencio<strong>na</strong>da<br />

pela quase totalidade da amostra. Pouco mais de três quartos dos entrevistados assistem<br />

TV todos os dias da sema<strong>na</strong>. O acesso é mais frequente entre segunda e sexta-feira, e o<br />

tempo médio de acesso supera as três horas diárias. As emissoras da TV aberta são as<br />

mais assistidas, principalmente a Rede Globo. [...]<br />

106<br />

A edição foi encerrada somente às 22h40, outro feito histórico. Disponível em:<br />

http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-teve-maior-audiencia-de-<strong>2016</strong>-<strong>no</strong>-sabado/. Acesso<br />

em: 04 mar. 2017.<br />

107<br />

Nesse dia, a TV Globo começou a cobrir o acidente desde às 4h10. Toda a programação foi alavancada pela<br />

repercussão da tragédia. Disponível em: http://kogut.oglobo.globo.com/<strong>no</strong>ticias-da-<br />

tv/audiencia/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/11/<strong>no</strong>-dia-da-tragedia-da-queda-do-aviao-da-chapecoense-jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-marca-34-<br />

pontos-<strong>no</strong>-rio-e-33-em-sp.html. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

108<br />

No a<strong>no</strong>, a atração pela primeira vez ficou abaixo dos 50% de share, a proporção de telespectadores<br />

sintonizados entre os aparelhos ligados. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/famosos-etv/<strong>no</strong>ticias/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-encerra-2010-com-pior-audiencia-da-historia-20110105.html.<br />

Acesso em: 08 jun.<br />

2017.


79<br />

Também foi avaliado, <strong>no</strong> presente estudo, o grau de confiança <strong>na</strong>s <strong>no</strong>tícias que circulam<br />

<strong>no</strong>s diferentes meios de comunicação; mais da metade dos entrevistados que assistem TV<br />

confiam sempre ou muitas vezes <strong>na</strong>s <strong>no</strong>tícias veiculadas por esse meio. [...] (Disponível<br />

em http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-equalitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-<strong>2016</strong>.pdf/view)<br />

Criado <strong>no</strong> auge do regime militar, justamente <strong>na</strong> busca da criação de uma rede <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

para a difusão de <strong>no</strong>tícias, o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l busca falar com todos os brasileiros, do Oiapoque ao<br />

Chuí, sem distinções de gênero ou classe social, por exemplo. Por sua influência, chega a ser<br />

definido como “uma espécie de relógio social que organiza as roti<strong>na</strong>s, destaca os rituais e enfatiza<br />

os papéis <strong>na</strong> vida familiar” (PIRES, 2009, p. 51).<br />

A forma de enunciação do JN pode ser tida como um discurso unificador, em que o<br />

receptor poderá acessar as principais informações de que necessita, ao me<strong>no</strong>s <strong>na</strong> opinião dos seus<br />

editores, que praticam seguidamente teorias como a do agendamento, como visto com a preparação<br />

de diversos materiais que anteciparam elementos da cobertura olímpica. A atração suscita isso de<br />

forma confiável, utilizando uma linguagem culta, porém acessível. É um produto pensado e<br />

realizado de forma macro para que seja facilmente compreensível pelo brasileiro médio.<br />

Na edição de 20 de agosto de <strong>2016</strong>, o dia alvo desta pesquisa, o <strong>no</strong>ticiário foi apresentado<br />

por Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos 109 , do estúdio do Parque Olímpico, e Galvão Bue<strong>no</strong>, que seguiu <strong>no</strong><br />

Maracanã, o palco da fi<strong>na</strong>l do futebol masculi<strong>no</strong>.<br />

O <strong>na</strong>rrador mais popular do país é uma referência 110 , sinônimo de relevância para<br />

determi<strong>na</strong>das ocasiões 111 , já que há décadas presencia todos os principais eventos esportivos,<br />

especialmente Copas do Mundo e Jogos Olímpicos. Em 2014 e <strong>2016</strong>, passou a acumular,<br />

109<br />

Ancora o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l desde outubro de 2014, quando substituiu Patrícia Poeta. Antes do JN, foi<br />

apresentadora do ca<strong>na</strong>l de <strong>no</strong>tícias Globo News, do Bom Dia Brasil e do Fantástico. Disponível em:<br />

http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-estreia-de-re<strong>na</strong>ta-vasconcellos-<br />

2014/3757042/. Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

Não tinha grande identificação com o esporte <strong>no</strong> período anterior aos Jogos Olímpicos, tendo como coberturas<br />

mais destacadas <strong>na</strong> época as da editoria geral, como <strong>no</strong> período em que cobria as férias das então titulares e<br />

apresentou o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l durante duas grandes tragédias <strong>no</strong> mês de janeiro. Em 2011, indo até as cidades<br />

mais atingidas pelas chuvas que mataram cente<strong>na</strong>s <strong>na</strong> Região Serra<strong>na</strong> do <strong>Rio</strong> de Janeiro. E em 2013, do estúdio,<br />

<strong>no</strong> dia seguinte ao incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. Disponível em:<br />

http://<strong>na</strong>telinha.uol.com.br/colu<strong>na</strong>s/2014/09/16/re<strong>na</strong>ta-vasconcellos-ja-era-a-sucessora-<strong>na</strong>tural-de-fatimaber<strong>na</strong>rdes-79845.php.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

110<br />

Ele costuma ser escolhido não somente por fins de audiência, mas também quando a emissora pretende se<br />

posicio<strong>na</strong>r institucio<strong>na</strong>lmente. Disponível em: http://<strong>no</strong>ticiasdatv.uol.com.br/<strong>no</strong>ticia/televisao/<strong>na</strong>rrador-virareserva-de-galvao-bue<strong>no</strong>-e-desconta-bronca-<strong>na</strong>-equipe--10704.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

111<br />

Coube a Galvão, entre outros eventos peculiares, a transmissão da virada do milênio, o Réveillon entre 1999 e<br />

2000. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ari-fEmS6Vw. Acesso em: 04 mar. 2017.


80<br />

além da <strong>na</strong>rração das transmissões, a co-apresentação do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l durante os grandes<br />

eventos, agregando a sua imagem ao telejor<strong>na</strong>l.<br />

A credibilidade do telejor<strong>na</strong>l é influenciada diretamente pela confiança que os<br />

espectadores depositam <strong>no</strong>s seus apresentadores. Embora possam ser considerados,<br />

como em qualquer outro formato televisual, a “cara” do programa que comandam,<br />

os apresentadores do telejor<strong>na</strong>l, diferentemente dos profissio<strong>na</strong>is que desempenham<br />

este papel em outros gêneros, constroem sua imagem numa constante tensão entre a<br />

propalada exigência de “objetividade” e imparcialidade da prática jor<strong>na</strong>lística e a<br />

autopromoção e glamourização inerentes à televisão. Se, antes, os apresentadores<br />

primavam pela discrição em relação à sua vida pessoal, hoje, muitos deles se<br />

comportam como celebridades, sendo objeto frequente de revistas, sites e programas<br />

de TV dedicados aos “famosos” ou a fofocas do meio artístico. (FECHINE, 2008, p.<br />

69)<br />

A relevância dos eventos para o qual Galvão é escalado vem crescendo desde os a<strong>no</strong>s<br />

1990, quando ele destacou pelo acompanhamento de dois fatos que entraram para a <strong>história</strong><br />

brasileira <strong>no</strong> intervalo de poucas sema<strong>na</strong>s. Foi por sua voz que o Brasil acompanhou o<br />

acidente fatal que tirou das pistas para sempre o tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton<br />

Sen<strong>na</strong>. Pouco depois, <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong> de 1994, seus gritos acabaram por embalar a conquista<br />

do tetracampeo<strong>na</strong>to mundial de futebol. Sua imagem se tor<strong>no</strong>u conhecida mundialmente<br />

graças a companhia sempre frequente de ídolos brasileiros. Nessa edição do torneio, acabou<br />

mostrado por TVs de todo o mundo, que desejavam exibir a reação de Pelé ao quarto título<br />

mundial da Seleção.<br />

Em 2014, se tor<strong>no</strong>u alvo das câmeras por estar acompanhado de Ro<strong>na</strong>ldo quando esse<br />

foi superado por Miroslav Klose, que durante a semifi<strong>na</strong>l da Copa do Mundo (Alemanha 7,<br />

Brasil 1) ultrapassou o brasileiro e se tor<strong>no</strong>u o maior artilheiro da <strong>história</strong> do torneio. No<br />

Mundial anterior, realizado <strong>na</strong> África do Sul, ficou comprovada a falta de u<strong>na</strong>nimidade em<br />

tor<strong>no</strong> de Galvão, com uma campanha <strong>no</strong> Twitter 112 pedindo por seu silêncio. O episódio foi<br />

tratado em programas da própria Globo. 113 Dois a<strong>no</strong>s depois, conforme relatado <strong>no</strong> capítulo<br />

inicial, a TV Globo não transmitiu os Jogos Olímpicos pela primeira vez em quatro décadas,<br />

mas nem por isso ele ficou distante de Londres, comandando um programa especial <strong>no</strong> ca<strong>na</strong>l<br />

por assi<strong>na</strong>tura SporTV.<br />

112<br />

A dimensão da campanha fez com que ela se tor<strong>na</strong>sse pauta em grandes veículos da imprensa inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

como o The New York Times. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/06/16/nyregion/16about.html.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.<br />

113<br />

Ele comentou o episódio durante a Central da Copa, programa especial conduzido por Tiago Leifert <strong>no</strong>s dias<br />

de jogos da Seleção Brasileira <strong>no</strong> Mundial de 2010. Disponível em:<br />

https://www.youtube.com/watch?v=jdyftxYdbfU. Acesso em: 04 mar. 2017.


81<br />

Durante os Jogos Olímpicos, ele costuma acompanhar os mais variados eventos. Em<br />

<strong>2016</strong>, <strong>na</strong>rrou conquistas brasileiras <strong>na</strong> ginástica e <strong>no</strong> boxe e seguiu os passos de estrangeiros,<br />

como Michael Phelps e Usain Bolt, respectivamente <strong>na</strong> <strong>na</strong>tação e <strong>no</strong> atletismo, além das<br />

cerimônias de abertura e encerramento, fora a apresentação do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, que passou a<br />

fazer desde 1º de agosto, marcando o início do mês dos Jogos Olímpicos. No dia, a principal<br />

matéria do telejor<strong>na</strong>l foi um perfil sobre a atacante Marta, da Seleção femini<strong>na</strong>, fechando uma<br />

série especial do repórter Pedro Bassan 114 sobre alguns dos atletas com mais chances de<br />

conquistar medalhas. A reportagem sobre a jogadora encerrou a sequência para demarcar o<br />

fim da cobertura dos preparativos e expectativas, já que <strong>no</strong> dia seguinte se iniciariam,<br />

justamente com a estreia do selecio<strong>na</strong>do de futebol das mulheres brasileiras, as competições<br />

de fato.<br />

As matérias, longas para o padrão do jor<strong>na</strong>lismo factual, com até dez vezes mais<br />

tempo de exibição que outras, tinham edição diferenciada. A produção da série de dezesseis<br />

reportagens demandou, de acordo com a emissora, 21 viagens e 170 horas de gravação ao<br />

longo de um a<strong>no</strong>. Além de Marta, foram exibidos perfis sobre os seguintes atletas:<br />

• Marcelo Melo e Bru<strong>no</strong> Soares – tênis (duplas)<br />

• Leandrinho – basquete<br />

• Duda Amorim – handebol<br />

• Serginho – vôlei – ouro em Ate<strong>na</strong>s 2004 e <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>, prata em Pequim 2008 e<br />

Londres 2012<br />

• Isaquias Queiroz – ca<strong>no</strong>agem – duas pratas e um bronze <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong><br />

• Larissa – vôlei de praia – bronze em Londres 2012<br />

• Robert Scheidt – vela – ouro em Atlanta 1996 e Ate<strong>na</strong>s 2004, prata em Sidney 2000 e<br />

Pequim 2008, bronze em Londres 2012<br />

• Thiago Pereira – <strong>na</strong>tação – prata em Londres 2012<br />

• Fabia<strong>na</strong> Claudi<strong>no</strong> – vôlei – ouro em Pequim 2008 e Londres 2012<br />

• Sarah Menezes – judô – ouro em Londres 2012<br />

• Fabia<strong>na</strong> Murer – atletismo (salto com vara)<br />

• A<strong>na</strong> Marcela Cunha – marato<strong>na</strong> aquática<br />

114<br />

Bassan conduziu todas as reportagens, porém com alterações <strong>no</strong> restante da equipe entre os VTs. Durante a<br />

edição da série, Pedro Ivo Salles, responsável por alguns deles, morreu em um acidente de trânsito <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>. Ari<br />

Júnior, cinegrafista que acompanhou 10 dos 16 perfis, também faleceria meses depois <strong>na</strong> tragédia com o voo da<br />

Chapecoense. Disponível em: http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/<strong>no</strong>ticia/<strong>2016</strong>/07/serie-perfis-comeca-nestasegunda-<strong>no</strong>-jn-com-o-campeao-arthur-zanetti.html.<br />

Acesso em: 12 mar. 2017.


82<br />

• Marcus Vinicius D'Almeida – tiro com arco<br />

• Yane Marques – pentatlo moder<strong>no</strong> – bronze em Londres 2012<br />

• Arthur Zanetti – ginástica artística (argolas) – ouro em Londres 2012 e prata <strong>na</strong> <strong>Rio</strong><br />

<strong>2016</strong><br />

Nenhum perfil de atleta do futebol masculi<strong>no</strong> foi exibido <strong>na</strong> série de preparação<br />

olímpica, já que a proposta origi<strong>na</strong>l do formato surgiu exclusivamente para a categoria, <strong>na</strong><br />

Copa do Mundo de 2002, sob a <strong>no</strong>menclatura de Família Scolari, referindo-se ao então<br />

técnico do time. Desde então, o projeto repete-se em todas as Copas, sendo somente <strong>na</strong> <strong>Rio</strong><br />

<strong>2016</strong> expandido pela primeira vez para outras modalidades.<br />

Figura 9. Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos e Galvão Bue<strong>no</strong> <strong>no</strong> estúdio da TV Globo <strong>no</strong> Parque Olímpico (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

A partir da edição de 24 horas depois, em 2 de agosto, o foco da cobertura passou a ser<br />

factual, destacando os principais eventos relacio<strong>na</strong>dos aos Jogos Olímpicos, fossem eles<br />

ligados ou não ao esporte, assim continuando até o dia 20, de forma a completar dezessete<br />

edições a<strong>na</strong>lisadas nessa relação direta com a <strong>Olimpíada</strong>. A prática de concentrar as atenções<br />

em temas históricos é defendida por William Bonner em seu Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l – Modo de<br />

Fazer (2009).<br />

Você sabe: o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l é visto por muitos milhões de pessoas – e as pessoas<br />

são muito diferentes entre si. Assim, mesmo que a audiência do JN cresça, nessas<br />

ocasiões, é também muito comum recebermos críticas ao tempo que dedicamos a<br />

eventos de grande porte. [...] A queixa mais frequente é quanto à suposta traição do<br />

<strong>no</strong>sso compromisso: “Será que não acontece mais <strong>na</strong>da <strong>no</strong> Brasil enquanto se<br />

disputa uma Copa do Mundo?”. [...]


83<br />

O motivo das críticas é o fato de a proporção de tempo entre os assuntos dessas<br />

edições fugir completamente da roti<strong>na</strong>. São as edições atípicas. Mas o que<br />

procuramos fazer, por exemplo, numa Copa do Mundo, é trazer ao público as<br />

principais informações do evento. [...] E é exatamente isso que a maioria dos<br />

telespectadores espera de nós: que o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l seja uma espécie de diário<br />

daquele evento. [...]<br />

Isso fica evidente quando a análise de conteúdo do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l se dá com um<br />

filtro eficiente: a <strong>história</strong> de <strong>no</strong>sso tempo. Vale, de <strong>no</strong>vo, aquela pergunta que <strong>no</strong>s<br />

fazemos todos os dias <strong>no</strong> JN: daqui a meio século, ao vasculhar <strong>no</strong>ssos arquivos, o<br />

que será que um historiador estará procurando <strong>na</strong> edição de hoje? (BONNER, 2009,<br />

p. 185-187)<br />

O interesse comercial também foi <strong>no</strong>tório nesse período, com investimento<br />

direcio<strong>na</strong>do de marketing sobre a temática olímpica nesse período. No caso da TV Globo,<br />

dois terços das patroci<strong>na</strong>doras da cobertura também são também do COI, mostrando uma<br />

presença maciça <strong>no</strong> meio esportivo ao longo de todo o ciclo. Essas empresas possuíam<br />

prioridade <strong>no</strong> direito de compra. Pela aquisição do espaço, elas foram as únicas marcas<br />

exibidas em todos os intervalos dos eventos esportivos, com alterações eventuais ape<strong>na</strong>s de<br />

orde<strong>na</strong>ção e representação. Nos telejor<strong>na</strong>is e programas regulares que exploravam a temática<br />

olímpica, como o Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, todavia, o intervalos eram divididos com os anunciantes<br />

tradicio<strong>na</strong>is das atrações.<br />

Empresa Marca Patroci<strong>na</strong>dor<br />

oficial dos Jogos?<br />

Procter & Gamble Pantene Sim Não<br />

Coca-Cola Coca-Cola Sim Sim<br />

Nestlé Kit Kat Não Não<br />

NET/Claro/Embratel Claro Sim Sim<br />

Fiat Fiat Não Não<br />

Bradesco Bradesco Sim Sim<br />

Utilizou<br />

temática dos<br />

Jogos?<br />

Tabela 1. Relação entre marcas patroci<strong>na</strong>doras da TV Globo e da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> (fonte: elaborada pelo autor)<br />

Na terça, 3, um dos destaques <strong>no</strong> JN foi chegada do fogo olímpico ao <strong>Rio</strong> de Janeiro,<br />

após o acompanhamento por parte do telejor<strong>na</strong>l de forma diária ao longo dos três meses de<br />

revezamento da tocha pelo país, sendo essa, por exemplo, a única pauta não relacio<strong>na</strong>da com<br />

a vida política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l a ser exibida pelo telejor<strong>na</strong>l em 12 de maio, dia em que Dilma<br />

Rousseff foi afastada pelo Se<strong>na</strong>do Federal da Presidência e Michel Temer assumiu de forma<br />

provisória o cargo. Na ocasião, nem mesmo a previsão do tempo foi ao ar. A repórter Lilia<br />

Teles acompanhou o trajeto do veleiro pela Baía de Gua<strong>na</strong>bara até a recepção <strong>na</strong> cidade do<br />

<strong>Rio</strong> de Janeiro, em matéria de 2m03s. Já o VT sobre a estreia da Seleção femini<strong>na</strong> de futebol,<br />

uma vitória por 3 a 0 contra a Chi<strong>na</strong> em jogo com público considerável <strong>no</strong> Engenhão,


84<br />

marcando o evento inicial com brasileiros competindo <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>, ganhou alguns segundos<br />

a mais <strong>na</strong> reportagem de Maíra Lemos. Na quarta, 4, a estreia foi da Seleção masculi<strong>na</strong> de<br />

futebol, que empatou em 0 a 0 com a África do Sul em jogo <strong>no</strong> Mané Garrincha, estádio de<br />

Brasília, abriu a edição em uma reportagem de Eric Faria. 6m02s foram dedicados ao futebol<br />

<strong>na</strong> ocasião, exatamente o mesmo tempo dedicado a repercutir o retor<strong>no</strong> da tocha olímpica para<br />

a cidade do <strong>Rio</strong> de Janeiro após parte do revezamento ocorrer em localidades próximas. O<br />

trecho mais destacado <strong>na</strong> matéria de 2m01s feita por Hélter Duarte foi a condução da tocha<br />

por Mário Jorge Lobo Zagallo, mesmo com o ex-jogador e técnico da Seleção, então aos 84<br />

a<strong>no</strong>s, não se encontrando <strong>na</strong> plenitude de sua saúde. Perguntado se “vamos ganhar o ouro (<strong>no</strong><br />

futebol masculi<strong>no</strong>) dessa vez?”, ele fez o prenúncio da conquista: “tem que ser, uma hora vai<br />

chegar”. O restante do tempo sobre a chama ficou para um clipe que encerrou a edição ao som<br />

de Vida de Viajante, de Luiz Gonzaga, a música oficial do trajeto da tocha olímpica pelo<br />

Brasil, num exemplo de junção de diversos enunciadores para a criação de um objeto comum.<br />

O clipe, que destacou paisagens das diferentes regiões do país, mostrando a integração<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l buscada desde o surgimento do JN, contou também com rápidos depoimentos de<br />

condutores e espectadores.<br />

Figura 10. Capturas do clipe do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l sobre o revezamento da tocha olímpica (fonte: reprodução/TV)<br />

A tocha tá viajando pelo Brasil há 95 dias, percorreu 327 cidades, foram mais de 26<br />

mil quilômetros de muita emoção.<br />

Falta só 1 dia para a cerimônia de abertura. Quantas ce<strong>na</strong>s lindas a gente viu nessa<br />

viagem da tocha, quanta gente feliz. [...]<br />

♫ Lauê, lauê, lauê, lauê / Minha vida é andar por esse país / Pra ver se um dia eu<br />

descanso feliz / Guardando as recordações / Das terras onde passei / Andando pelos


85<br />

sertões e dos amigos que lá deixei ♫ / Indescritível esse momento / Para gente, é<br />

uma alegria muito grande / Uma coisa que ficou marcada, vai ficar marcada para<br />

sempre / Muito emocio<strong>na</strong>do / É tudo muito grandioso / Um pedido inesperado e eu<br />

tô muito feliz / Esse espírito todo, de união e fraternidade, a tocha representa a<br />

união dos povos, né? Então acho que isso pega <strong>na</strong> gente / Essa chama é um sonho<br />

huma<strong>no</strong>, é de Zeus. A <strong>Olimpíada</strong> vem de quatro em quatro a<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s lembrar quais<br />

são os <strong>no</strong>ssos ideais como comunidade huma<strong>na</strong> / E eu deixo aqui uma mensagem:<br />

que o mundo inteiro se envolva <strong>na</strong> paz, <strong>na</strong> harmonia, numa prosperidade mútua de<br />

todos os povos do mundo / ♫ Chuva e sol, poeira e carvão / Longe de casa, sigo o<br />

roteiro/ Mais uma estação / E a alegria <strong>no</strong> coração / Minha vida é andar por esse país<br />

/ Pra ver se um dia descanso feliz / Guardando as recordações / Das terras onde<br />

passei / Andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei ♫ / Carregar somente<br />

mensagens positivas. Acho que isso é a coisa mais bonita dos Jogos / Alegria, paz,<br />

carinho, responsabilidade / Viva o <strong>Rio</strong> / Somos todos olímpicos! (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l.<br />

TV Globo. 4 de agosto de <strong>2016</strong>. Disponível em http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/videos/t/edicoes/v/veja-os-melhores-momentos-do-trajeto-da-tochaolimpica/5213011/)<br />

Encerramentos musicais <strong>no</strong> JN são absolutamente raros, até mais do que fi<strong>na</strong>lizações<br />

silenciosas si<strong>na</strong>lizando o luto por mortes de perso<strong>na</strong>lidades ou pelo acontecimento de grandes<br />

tragédias, evitando-se romper a seriedade imposta pelo fechamento da edição. A inclusão da<br />

música de<strong>no</strong>ta a tentativa de se estabelecer uma atmosfera de adesão do telespectador em<br />

relação ao evento.<br />

A sexta, 5, ficou marcada com uma apresentação ao vivo do Maracanã, por Bonner e<br />

Re<strong>na</strong>ta, com a edição começando excepcio<strong>na</strong>lmente às 19h, funcio<strong>na</strong>ndo como um préshow<br />

da cerimônia de abertura, que começaria uma hora depois. A edição antecipou<br />

detalhes sobre o evento, sendo que em seu fi<strong>na</strong>l trouxe um furo de reportagem, revelando<br />

ao público brasileiro um dos segredos mais bem guardados da cerimônia, inclusive aos<br />

próprios presentes <strong>no</strong> estádio, revelando, mesmo que ainda de forma indireta, quem iria<br />

acender a pira olímpica: o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que foi definido por<br />

Galvão Bue<strong>no</strong> como “um <strong>no</strong>me acima da cor das medalhas”, resumindo, para ele, o<br />

significado do espírito olímpico. Galvão apresentou a cerimônia <strong>na</strong> Globo ao lado de<br />

Glória Maria, Marcos Uchôa e Re<strong>na</strong>to Ribeiro. No dia seguinte, sábado, 6, 13m14s foram<br />

dedicados para a repercussão do evento <strong>no</strong> JN. Bonner (2009, p. 148) explica que esse tipo<br />

de cobertura “esmagadoramente majoritária” é atípico, sendo reservado para fatos de<br />

“altíssima relevância”.<br />

A cerimônia de abertura da <strong>Olimpíada</strong> foi comentada hoje ao redor do planeta. A<br />

<strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> mostrou ao mundo uma grande festa, uma festa linda, admirada inclusive<br />

pela beleza e pela organização.<br />

Um espetáculo impecável contou ao mundo do Brasil, levou mensagens de amor e<br />

respeito ao meio-ambiente e também uma identidade e um charme bem brasileiros.<br />

(Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 6 de agosto de <strong>2016</strong>)


86<br />

A cobertura do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l retor<strong>na</strong>ria <strong>na</strong> segunda, 8, já que aos domingos o<br />

principal espaço do jor<strong>na</strong>lismo <strong>na</strong> TV Globo fica com o Fantástico. Nesse dia, a <strong>no</strong>tícia<br />

mais importante para o JN foi a conquista da medalha de ouro pela judoca Rafaela Silva,<br />

com 17m23s reservados a comemorar a primeira vitória dourada do Brasil <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>.<br />

Além da matéria de Ti<strong>no</strong> Marcos sobre o feito, a própria Rafaela foi entrevistada, ao vivo,<br />

<strong>no</strong> estúdio da emissora <strong>no</strong> Parque Olímpico.<br />

Na terça, 9, houve a exceção entre esses dias de cobertura. Apesar da totalidade de<br />

pautas olímpicas ter seguido abrangendo a maior parte da duração do telejor<strong>na</strong>l, o assunto<br />

específico a aparecer de forma mais intensa foi a sessão de pronúncia do Se<strong>na</strong>do Federal,<br />

que autorizou o julgamento <strong>no</strong> plenário da então presidente Dilma Rousseff por crimes de<br />

responsabilidade.<br />

A quarta, 10, trouxe como fato de maior espaço <strong>no</strong> JN uma <strong>no</strong>tícia ligada ao <strong>Rio</strong> de<br />

Janeiro olímpico, mas sem ligação com o esporte. O assunto foi o ataque contra um carro<br />

da Força Nacio<strong>na</strong>l após ele entrar por enga<strong>no</strong> <strong>na</strong> Vila do João, localidade controlada por<br />

traficantes. Exatos quatro minutos foram dedicados para o tema.<br />

Na quinta, 11, <strong>no</strong>vamente o brilho das conquistas <strong>no</strong>s tatames retomou o espaço do<br />

esporte. A judoca Mayra Aguiar conquistou a medalha de bronze. Com tempo mais enxuto,<br />

5m44s, foi repetido o esquema adotado com a colega de modalidade, Rafaela Silva,<br />

iniciando o fato com uma reportagem e depois trazendo a convidada para uma entrevista ao<br />

vivo <strong>no</strong> estúdio. Alguns outros detalhes se repetiam de forma diária, como a presença de<br />

um clipe com imagens marcantes do dia e a agenda das competições seguintes que teriam<br />

transmissões <strong>na</strong> televisão, geralmente mais ao fi<strong>na</strong>l da edição. A sexta-feira, 12, também<br />

foi dia de bronze <strong>no</strong> judô, com Rafael Silva, o Baby, mas ganhou grande espaço <strong>na</strong> edição<br />

do dia (2m42s), a matéria de José Roberto Burnier sobre o clima de harmonia entre<br />

brasileiros e argenti<strong>no</strong>s <strong>na</strong>s arquibancadas, contrariando expectativas das forças de<br />

segurança.<br />

No dia seguinte, o sábado, 13, pautas mais generalistas também seriam fortes, com<br />

destaque ao acompanhamento do trajeto dos torcedores ao Parque Olímpico e ao trabalho<br />

dos jor<strong>na</strong>listas de todo o mundo <strong>na</strong>s instalações. Foram 5m59s aos temas, abordados<br />

respectivamente por Lília Teles e Carlos de Lan<strong>no</strong>y. A matéria sobre o transporte mostrou<br />

a aprovação ao sistema de metrô, destacando o recorde histórico do sistema de mais de 1<br />

milhão de passageiros levados <strong>no</strong> dia anterior. A mesma abordagem com dados grandiosos


87<br />

foi utilizada para se referir ao trabalho dos cerca de 25 mil profissio<strong>na</strong>is de imprensa<br />

credenciados. Um dos destaques foi o estúdio da rede estadunidense NBC <strong>na</strong> praia do<br />

Leme, que acabaria por se tor<strong>na</strong>r também um ponto de encontro <strong>na</strong> orla.<br />

Na edição de segunda-feira, 15, 6m18s foram reservados para celebrar a medalha de<br />

prata de Arthur Zanetti <strong>na</strong>s argolas. Depois do JN, a <strong>no</strong>ite da segunda traria ainda a<br />

conquista máxima de Thiago Braz <strong>no</strong> salto com vara, largamente repercutida <strong>na</strong> edição do<br />

dia 16, terça-feira, com 10m29s dedicados ao tema. A entrevista com ele, porém, ocorreu<br />

via link, do Engenhão, onde o atleta subiria ao lugar mais alto do pódio para receber a<br />

medalha de ouro, em momento exibido ao vivo ainda dentro do telejor<strong>na</strong>l, com Galvão<br />

Bue<strong>no</strong> demonstrando extrema empolgação pela conquista.<br />

O que esse meni<strong>no</strong> fez foi uma coisa inédita. Eu, em toda minha vida, nunca vi<br />

ninguém superar 10 centímetros de uma vez, da melhor marca que ele tinha <strong>na</strong> vida.<br />

[...]<br />

Nós queremos agradecer o que você fez. Eu <strong>na</strong>rrei muitas medalhas de ouro <strong>na</strong> vida,<br />

mas talvez tenha sido a mais fantástica que eu vi, não tive a possibilidade de fazer a<br />

<strong>na</strong>rração. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 16 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Na quarta-feira, 17, o futebol, que havia tido dessa vez a partida decisiva à tarde, para<br />

não coincidir com o jogo brasileiro pelas quartas de fi<strong>na</strong>l do vôlei masculi<strong>no</strong>, voltou a ser<br />

destaque. Na tabela da <strong>Olimpíada</strong>, feita pelo COI em acordo com as emissoras detentoras dos<br />

direitos de transmissão, as duas modalidades mais populares do Brasil foram priorizadas pela<br />

TV Globo para o horário mais <strong>no</strong>bre, depois do JN e da <strong>no</strong>vela das 21h, então Velho Chico,<br />

visando audiência <strong>na</strong>s exibições ao vivo. Nesse dia, após golear Honduras por 6 a 0, o Brasil<br />

se garantiu <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do torneio olímpico de futebol masculi<strong>no</strong> pela quarta vez em sua <strong>história</strong>.<br />

Foram 4m27s dedicados para o time entre a reportagem de Eric Faria e a participação ao vivo<br />

de Mauro Naves da entrada do hotel em que se acomodava a delegação.<br />

Já a quinta-feira, 18, foi da vela e da <strong>na</strong>tação. Mas por motivos bem distintos. A<br />

vitória da dupla Martine Grael e Kahe<strong>na</strong> Kunze <strong>na</strong> classe 49erFX, por ape<strong>na</strong>s 2 segundos de<br />

diferença sobre a dupla da Nova Zelândia, ganhou 6m32s. Me<strong>no</strong>s da metade dos 17m45s<br />

dedicados ao escândalo envolvendo os <strong>na</strong>dadores america<strong>no</strong>s supostamente roubados em um<br />

posto de gasoli<strong>na</strong> <strong>na</strong> região da Barra da Tijuca. Reportagem de Bette Lucchese mostrou a<br />

<strong>no</strong>rmalidade <strong>na</strong> ação dos presentes <strong>no</strong> ambiente, descartando a ideia da ação de crimi<strong>no</strong>sos<br />

<strong>no</strong> local. Outra matéria, de Paulo Re<strong>na</strong>to Soares, exibiu a reação com vaias e gritos de<br />

“mentiroso!” em inglês aos <strong>na</strong>dadores após saírem do depoimento prestado <strong>na</strong> Delegacia de<br />

Atendimento ao Turista. Foram revelados ainda trechos do depoimento em que os colegas de


88<br />

Ryan Lochte o colocam como responsável pela divulgação da mentira. Um terceiro VT sobre<br />

o mesmo assunto, algo raro, foi dedicado para Felipe Santa<strong>na</strong> repercutir de Nova York a<br />

reação da imprensa estrangeira, que inicialmente havia atacado o esquema de segurança<br />

brasileiro ao acreditar <strong>na</strong> farsa. Foi mencio<strong>na</strong>da a transmissão ao vivo pela CNN da coletiva<br />

das autoridades brasileiras desmentindo a versão dos <strong>na</strong>dadores.<br />

O tema foi prolongado <strong>na</strong> sexta-feira, 19, porém dividiu espaço com mais uma<br />

conquista dourada de dupla brasileira. Dessa vez a de Alison Cerutti e Bru<strong>no</strong> Schmidt <strong>no</strong><br />

vôlei de praia. Foram 5m03s para os campeões, pouco a mais que os 3m50s sobre a<br />

expectativa da Seleção Brasileira pelo jogo do dia seguinte contra a Alemanha, <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l do<br />

futebol masculi<strong>no</strong>. No dia anterior, 1m24s já haviam sido reservados para a elaboração da<br />

tensão sobre o duelo. A edição desse dia, porém, teve uma das me<strong>no</strong>res audiências do JN ao<br />

longo do período olímpico, conforme mostra a tabela abaixo, baseada em números do<br />

instituto Kantar Ibope <strong>na</strong> Região Metropolita<strong>na</strong> de São Paulo. Conste-se que as sextas<br />

habitualmente possuem os índices mais baixos de televisões ligadas, devido ao maior número<br />

de pessoas que saem de casa nesse dia.<br />

Data Pauta principal do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l Audiência<br />

3/8 Chegada da tocha ao <strong>Rio</strong> de Janeiro<br />

28,3<br />

Estreia da Seleção femini<strong>na</strong> de futebol<br />

4/8 Revezamento da tocha<br />

27,0<br />

Estreia da Seleção masculi<strong>na</strong> de futebol<br />

5/8 Expectativa pela cerimônia de abertura 26,2<br />

6/8 Repercussão da cerimônia de abertura 27,5<br />

8/8 Medalha de ouro – Rafaela Silva (judô) 30,5<br />

9/8 Sessão do Se<strong>na</strong>do sobre o impeachment 27,0<br />

10/8 Ataque contra carro da Força Nacio<strong>na</strong>l 29,1<br />

11/8 Medalha de bronze – Mayra Aguiar (judô) 29,9<br />

12/8 Medalha de bronze – Rafael Silva (judô)<br />

28,8<br />

Harmonia entre torcidas do Brasil e da Argenti<strong>na</strong><br />

13/8 Sistema de transportes <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro<br />

26,4<br />

Trabalho da imprensa inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong>


89<br />

15/8 Medalha de prata – Arthur Zanetti (ginástica) 30,5<br />

16/8 Medalha de ouro – Thiago Braz (atletismo) 26,5<br />

17/8 Vitória da Seleção masculi<strong>na</strong> de futebol 28,3<br />

18/8 Medalha de ouro – M. Grael e K. Kunze (vela)<br />

30,8<br />

Farsa do assalto dos <strong>na</strong>dadores <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s<br />

19/8 Medalha de ouro – Alison e Bru<strong>no</strong> (vôlei de praia)<br />

26,2<br />

Expectativa pela fi<strong>na</strong>l do futebol masculi<strong>no</strong><br />

Tabela 2. Audiência do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Grande São Paulo durante a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> (fonte: Kantar Ibope Media)<br />

3.2.1 20 de agosto de <strong>2016</strong>, um dia de ouro<br />

Depois de uma tão intensiva cobertura preparatória, o JN não ficou de fora do<br />

momento de maior holofote dos Jogos, quando o Maracanã lotou com mais de setenta mil<br />

eufóricos torcedores presentes <strong>na</strong> espera do título olímpico, o único ainda não conquistado<br />

pela Seleção Brasileira. Os numerosos índices de audiência da transmissão da fi<strong>na</strong>l, que<br />

antecedeu o telejor<strong>na</strong>l, foram destacados pelo <strong>na</strong>rrador Galvão Bue<strong>no</strong>, que relembrou os<br />

dados, considerados “estratosféricos” por ele, em uma retrospectiva promovida ao fim do a<strong>no</strong><br />

pelo Globo Esporte, quando os locutores do ca<strong>na</strong>l durante a <strong>Olimpíada</strong> rememoraram as<br />

medalhas brasileiras que <strong>na</strong>rraram <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>.<br />

Qualquer coisa que se possa <strong>na</strong>rrar em uma <strong>Olimpíada</strong> é emocio<strong>na</strong>nte, é marcante. Uma<br />

<strong>Olimpíada</strong> é diferente de tudo, ainda mais quando nós temos uma <strong>Olimpíada</strong> <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso<br />

país. [...]<br />

O futebol, claro, todo mundo esperava, há quanto tempo... E veio aquele script perfeito,<br />

aquela coisa que o gol não sai, que vai para prorrogação, que vai para os pê<strong>na</strong>ltis e o<br />

goleiro pega o pê<strong>na</strong>lti. A explosão do Maracanã, da torcida <strong>no</strong> Maracanã, a audiência<br />

bombando <strong>na</strong> estratosfera, a adre<strong>na</strong>li<strong>na</strong> ali tomando conta de todo mundo <strong>no</strong> ouro<br />

olímpico do futebol masculi<strong>no</strong>. Autoriza o árbitro. Ele não tem pressa, vai dar aquela<br />

paradinha dele, deu. Partiu, bateu, acabou! É ouro, é ouro, é ouro para o Brasil! Cinco a<br />

quatro, <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis! [...] (Globo Esporte. 28 de dezembro de <strong>2016</strong>. Disponível em<br />

http://globoesporte.globo.com/globo-esporte/videos/t/edicoes/v/retrospectiva-<strong>2016</strong>-<br />

glenda-e-galvao-elegem-momentos-mais-marcantes-dos-jogos-olimpicos/5541229/)<br />

A audiência da fi<strong>na</strong>l do futebol masculi<strong>no</strong> foi, por larga margem, a maior entre as<br />

transmissões das medalhas de ouro conquistadas pelo país <strong>no</strong>s números das exibições da TV<br />

Globo, exemplificando a tese de Savenhago (2011, p. 30) sobre o poder persuasivo da<br />

modalidade, em que “a tendência da relação comercial futebol-televisão é permanecer por<br />

período indetermi<strong>na</strong>do”. Galvão Bue<strong>no</strong> relata em sua biografia que é fissurado em conhecer<br />

os dados desde o início de sua carreira.


90<br />

Consegui quebrar uma regra de ouro <strong>na</strong> TV Globo, a de que números de audiência<br />

eram um segredo de Estado. O Boni trancava os números a sete chaves.<br />

Inter<strong>na</strong>mente, eu consegui que <strong>na</strong>s minhas transmissões, a cada cinco ou dez<br />

minutos, a audiência do momento fosse informada à equipe. Não só para mim. Para<br />

os comentaristas que estavam comigo <strong>na</strong> cabine, os repórteres em campo, o pessoal<br />

das áreas técnicas. Já cansei de ver o pessoal do áudio ou os caras da produção<br />

vibrarem ao saber que aquilo que eles estavam fazendo estava atraindo<br />

telespectadores. Isso fez muito bem a todos. [...] (BUENO, 2015, p. 23)<br />

Conquista de medalha de ouro pelo Brasil 115<br />

Audiência<br />

Rafaela Silva (judô) 16,0<br />

Robson Conceição (boxe) 27,0<br />

Martine Grael e Kahe<strong>na</strong> Kunze (vela) 13,1<br />

Alison Cerutti e Bru<strong>no</strong> Schmidt (vôlei de praia) 14,6<br />

<strong>Futebol</strong> masculi<strong>no</strong> 38,4<br />

Vôlei masculi<strong>no</strong> 25,5<br />

Tabela 3. Audiência da TV Globo <strong>na</strong> Grande São Paulo durante as transmissões de medalhas de ouro brasileiras<br />

<strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> (fonte: Kantar Ibope Media)<br />

Assim, o público, elemento essencial para a enunciação, sendo <strong>na</strong> visão greimasia<strong>na</strong><br />

não somente o enunciatário, mas também o co-enunciador, equivalendo o realizado por um<br />

meio de comunicação massivo como a TV Globo com as relações huma<strong>na</strong>s diretas, mostra ter<br />

adotado o discurso da rede sobre a importância dos Jogos. Cabe lembrar que essa situação não<br />

versa ape<strong>na</strong>s sobre o discurso linguístico, mas sobre todos os demais elementos <strong>na</strong>rrativos que<br />

foram construídos desde a escolha do <strong>Rio</strong> de Janeiro como sede e se destacaram<br />

progressivamente após a Copa do Mundo, especialmente <strong>no</strong> a<strong>no</strong> anterior à <strong>Olimpíada</strong>.<br />

Os atores da enunciação, imagens do enunciador e do enunciatário, constituem<br />

simulacros do autor e do leitor criados pelo texto. São esses simulacros que<br />

determi<strong>na</strong>m todas as escolhas enunciativas, sejam elas conscientes ou inconscientes,<br />

que produzem os discursos. Para entender bem o conjunto de opções enunciativas<br />

produtoras de um discurso e para compreender sua eficácia é preciso apreender as<br />

imagens do enunciador e do enunciatário, com suas paixões e qualidades, criadas<br />

discursivamente. (FIORIN, 2004, p. 29)<br />

A enunciação aqui estudada é definida por Barros (2011, p. 86) como “mediadora<br />

entre o discurso e o contexto sócio-histórico”. Greimas (2008, p. 167) aprofunda o conceito, o<br />

colocando como “o lugar do exercício da competência semiótica”. Essa visão coloca a<br />

115<br />

Na conquista de Thiago Braz <strong>no</strong> salto com vara, o ca<strong>na</strong>l exibia origi<strong>na</strong>lmente <strong>no</strong> horário o jogo entre Brasil e<br />

França <strong>no</strong> vôlei masculi<strong>no</strong>, que marcou 20,1 pontos de média, sendo interrompido por diversas vezes conforme o<br />

brasileiro avançava <strong>no</strong> atletismo.


91<br />

enunciação ao mesmo tempo como produtora e mediadora <strong>na</strong> situação comunicacio<strong>na</strong>l, sendo<br />

uma instância de mediação entre as estruturas discursivas e <strong>na</strong>rrativas. A <strong>na</strong>rrativa é<br />

habitualmente colocada como antagonista ao discurso <strong>na</strong> teoria, porém são práticas<br />

complementares, que podem coexistir.<br />

Observa-se que a estrutura <strong>na</strong>rrativa não sobre grandes alterações com o passar dos<br />

tempos, especialmente <strong>na</strong> imprensa. O século transcorrido entre os textos dos jor<strong>na</strong>is<br />

impressos sobre as primeiras conquistas brasileiras <strong>no</strong> futebol e a cobertura televisiva da<br />

<strong>Olimpíada</strong> de <strong>2016</strong> não alterou a forma com que o esporte é enxergado de forma significativa,<br />

por exemplo, como pode ser elencado <strong>no</strong> capítulo anterior desta mo<strong>no</strong>grafia com os variados<br />

pontos em comum observados <strong>na</strong> abordagem com a Seleção em diferentes décadas. As<br />

semelhanças, contudo, podem ser ampliadas ao se observar num aspecto mais amplo até<br />

mesmo a <strong>história</strong> da humanidade.<br />

Se, <strong>na</strong> Antiguidade, eram os mitos as grandes <strong>na</strong>rrativas estruturantes da civilização,<br />

atualmente os grandes produtores de <strong>na</strong>rrativas são os media. Responsáveis pelo<br />

modo como organizamos o mundo, como geramos imagens do real, como<br />

articulamos e lemos a sua complexidade, as <strong>na</strong>rrativas midiáticas – ficcio<strong>na</strong>is ou<br />

factuais – produzem crenças sociais, ditam estereótipos e fornecem-<strong>no</strong>s imagens dos<br />

outros. (PEIXINHO; ARAÚJO, 2017, p. 10)<br />

Com a boa audiência inicial recebida <strong>na</strong>quele sábado, 20 de agosto de <strong>2016</strong>, a maior<br />

duração em formato <strong>no</strong>rmal <strong>na</strong> <strong>história</strong> recente do JN 116 , os quinze primeiros minutos – dos<br />

95 de conteúdo totalizados <strong>na</strong> edição - prosseguiram o que já vinha sendo feito há quatro<br />

horas: o intensivo acompanhamento do futebol, que mesmo <strong>no</strong> instante em que o país estava<br />

mais favorável a mudar sua mo<strong>no</strong>cultura esportiva, se impôs como destaque, de maneira<br />

perceptível já <strong>na</strong> escalada.<br />

A festa <strong>no</strong> Maracanã. Partiu, bateu, acabou. É ouro, é ouro, é ouro para o Brasil! O<br />

Brasil passa pela Alemanha e conquista o ouro inédito <strong>no</strong> futebol olímpico. Quantos e<br />

quantos a<strong>no</strong>s esperando por essa conquista. Nossos repórteres mostram tudo sobre essa<br />

fi<strong>na</strong>l. É campeão! É campeão! É campeão!O fenôme<strong>no</strong> da ca<strong>no</strong>agem. Isaquias Queiroz<br />

ganha a prata com Erlon de Souza e se tor<strong>na</strong> o primeiro brasileiro a conquistar três<br />

medalhas em uma edição olímpica. O fenôme<strong>no</strong> das pistas. Usain Bolt vence o<br />

revezamento 4x100 e se tor<strong>na</strong> o primeiro atleta a ser três vezes tricampeão <strong>no</strong> atletismo. A<br />

seleção de vôlei arrasa os russos e entra com força total <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l contra os italia<strong>no</strong>s. Os<br />

números, os <strong>no</strong>mes e as imagens que domi<strong>na</strong>ram as competições da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>. Veja<br />

também: os atletas brasileiros que conquistaram o carinho e o reconhecimento da torcida;<br />

os recordes mundiais quebrados <strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong>. E exclusivo: o <strong>na</strong>dador america<strong>no</strong> Ryan<br />

116<br />

A edição de 20 de junho de 2013, durante o auge das manifestações populares <strong>no</strong> país <strong>no</strong> período da Copa das<br />

Confederações, durou mais de três horas, porém iniciou-se como um boletim do jor<strong>na</strong>lismo, que foi<br />

repetidamente estendido de forma não programada pela relevância dos acontecimentos ao vivo, sendo<br />

transformado em JN de fato ape<strong>na</strong>s às 20h30, horário habitual do telejor<strong>na</strong>l, com as informações sendo dadas<br />

pelos mesmos apresentadores e do mesmo estúdio anteriormente. Disponível em: http://g1.globo.com/jor<strong>na</strong>l<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l/videos/t/edicoes/v/v/2646538/.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.


92<br />

Lochte fala ao Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l sobre o falso assalto <strong>no</strong> posto de gasoli<strong>na</strong> <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>. Ele<br />

admite que exagerou, mas insiste que não mentiu e fi<strong>na</strong>lmente pede desculpas ao povo<br />

brasileiro. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Em comparação sobre a cobertura do JN em outros momentos de grande de<br />

repercussão, a edição de 11 de setembro de 2001, data autoexplicativa, teve 57 minutos de<br />

duração. Mais recentemente, a cobertura dos funerais das vítimas do acidente com o voo da<br />

equipe da Chapecoense, levou a um JN de 64 minutos em 3 de dezembro de <strong>2016</strong>. A edição<br />

não contou com nenhuma reportagem que não fosse sobre os Jogos Olímpicos, outro feito. No<br />

11/09/2001, por exemplo, além dos atentados <strong>no</strong>s Estados Unidos, repercutiu-se ainda o<br />

assassi<strong>na</strong>to de Toninho do PT, então prefeito da cidade paulista de Campi<strong>na</strong>s. Também foi<br />

uma das raras vezes desde a construção do estúdio-redação, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> 2000, em que ele não foi<br />

utilizado. As outras haviam sido <strong>na</strong> cerimônia de abertura da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> e <strong>na</strong> morte do então<br />

candidato à Presidência Eduardo Campos 117 , reforçando a especialização do JN em coberturas<br />

de eventos grandiosos.<br />

Mas, hoje, o fato é que quando um grande evento se dá, o público não espera outra<br />

coisa do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. [...]<br />

Nosso papel, <strong>no</strong> JN, como deve ser em toda a imprensa de qualidade, é registrar<br />

diariamente os fragmentos daquilo que, um dia, poderá ser um capítulo da História.<br />

É um dos aspectos mais bonitos do jor<strong>na</strong>lismo como profissão. (BONNER, 2009, p.<br />

173)<br />

A longa duração, com quase cem minutos, permitiu a inserção de outros temas<br />

olímpicos além do futebol, como mostrado <strong>na</strong> escalada, especialmente por uma característica<br />

da grade de programação. No dia seguinte, o Fantástico seria reduzido por causa da<br />

transmissão da cerimônia de encerramento. Sendo assim, coube ao JN realizar em horário<br />

<strong>no</strong>bre as pautas com o balanço da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>, mesmo antes de seu fim completo. A listagem de<br />

assuntos mostra que a atração sabe de forma a quem se dirige, alter<strong>na</strong>ndo elementos mais<br />

técnicos com outros pontos subjetivos, de apelo emocio<strong>na</strong>l e popular, conseguindo<br />

demonstrar ao enunciatário uma forma de entretenimento, algo que Barbeiro e Rangel (2006,<br />

p. 45) consideram especialmente inerente ao esporte, sem que seja perdido o sentido<br />

informacio<strong>na</strong>l.<br />

117<br />

Na ocasião, os apresentadores titulares William Bonner e Patrícia Poeta estavam em Brasília para entrevistar<br />

a então candidata à reeleição Dilma Rousseff, enquanto Heraldo Pereira ancoraria as demais <strong>no</strong>tícias do dia do<br />

estúdio habitual <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> de Janeiro. Devido ao acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos, a sabati<strong>na</strong> com a<br />

presidente foi cancelada, mas não houve tempo hábil para o retor<strong>no</strong> dos âncoras, que acabaram apresentando<br />

toda a edição com os destaques sobre a tragédia <strong>no</strong> litoral paulista dos estúdios dos telejor<strong>na</strong>is locais do Distrito<br />

Federal. Disponível em: http://<strong>na</strong>telinha.uol.com.br/colu<strong>na</strong>s/2014/08/14/jor<strong>na</strong>l-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-abando<strong>na</strong>estudioredacao-pela-primeira-vez-desde-2000-78444.php.<br />

Acesso em: 04 mar. 2017.


93<br />

Foram, por exemplo, 7m23s para celebrar a terceira medalha de Isaquias Queiroz <strong>na</strong><br />

ca<strong>no</strong>agem, dessa vez em dupla ao lado de Erlon de Souza. Ernesto Paglia conduziu a<br />

reportagem sobre a conquista do dia <strong>na</strong> Lagoa Rodrigo de Freitas, uma prata. Os vicecampeões<br />

olímpicos, derrotados pela dupla alemã por me<strong>no</strong>s de 1 segundo de diferença,<br />

foram recebidos <strong>no</strong> estúdio, destacando a grandeza da campanha da ca<strong>no</strong>agem brasileira nessa<br />

edição dos Jogos. A primeira medalha de Isaquias quatro dias antes havia sido também a<br />

primeira da modalidade para o país <strong>na</strong> <strong>história</strong> olímpica.<br />

Outros 6m35s foram usados para lembrar que não somente atletas brasileiros<br />

encantaram o país ao longo da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>. Uma animação projetada <strong>no</strong> lado de fora do estúdio<br />

representou os <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s Michael Phelps e Simone Biles, além do jamaica<strong>no</strong> Usain<br />

Bolt, como os superatletas da edição. Outro segmento reforçou a ideia de superação dos<br />

limites, destacando os 25 recordes mundiais quebrados ao longo da <strong>Olimpíada</strong>.<br />

Um resumo dos feitos brasileiros, com as conquistas de 19 medalhas de ouro, prata e<br />

bronze, também chamou atenção <strong>na</strong> edição, em reportagem de José Roberto Burnier. Além<br />

das medalhas já citadas <strong>no</strong>s detalhamentos de audiência das edições anteriores do JN e das<br />

transmissões em que o país foi campeão olímpico, ainda chegaram ao pódio os seguintes<br />

atletas e equipes <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is:<br />

• Prata – Felipe Wu (tiro esportivo), Ágatha e Bárbara (vôlei de praia), Diego Hypólito<br />

(ginástica artística – solo)<br />

• Bronze – Polia<strong>na</strong> Okimoto (marato<strong>na</strong> aquática), Arthur Nory (ginástica artística –<br />

solo)<br />

O bronze de Maicon Siqueira <strong>no</strong> taekwondo foi a única medalha a ser conquistada ao<br />

vivo dentro do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, que não exibiu a maior parte do combate, iniciando a<br />

transmissão, <strong>na</strong>rrada por Rembrandt Júnior, quando restavam ape<strong>na</strong>s dois segundos para o fim<br />

da luta e o brasileiro se encontrava já em vantagem. Ao mostrar também a comemoração do<br />

atleta indo ao encontro dos torcedores, foram 2m23s com imagens da Are<strong>na</strong> Carioca 3.<br />

Tempo similar aos 2m32s sobre as 12 medalhas conquistadas por atletas brasileiros<br />

ligados às Forças Armadas. A reportagem de Carlos de Lan<strong>no</strong>y detalhou o programa feito por<br />

Exército, Marinha e Aeronáutica para apoiar os competidores, que em troca representam o<br />

país também em disputas militares. Outros 2m08s ficaram para os brasileiros que não<br />

chegaram ao pódio, porém obtiveram marcas expressivas em seus esportes. Os exemplos


94<br />

dados <strong>na</strong> matéria de Marcelo Canellas foram, entre outros, os de Caio Bonfim, quarto<br />

colocado <strong>na</strong> marcha atlética, com um tempo que lhe deu o recorde <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e Fer<strong>na</strong>ndo Reis,<br />

quinto <strong>no</strong> levantamento de peso, que se tor<strong>no</strong>u o recordista das Américas <strong>na</strong> modalidade.<br />

Para o telejor<strong>na</strong>l, não foram ape<strong>na</strong>s os recordistas que saíram felizes da <strong>Olimpíada</strong>.<br />

Em 3m46s, Lilia Teles destacou a felicidade coletiva que tomou conta do <strong>Rio</strong> de Janeiro <strong>no</strong><br />

período dos Jogos, ressaltando ainda o alcance global do evento, trecho evidenciado ao<br />

mostrar <strong>na</strong> passagem as bandeiras dos países participantes instaladas <strong>no</strong> Parque Olímpico.<br />

Passou rápido demais. Cidade transbordando de gente feliz. Durante duas sema<strong>na</strong>s,<br />

o mundo dos outros prestou atenção <strong>no</strong> mundo da gente. E nesse tempo tudo o que<br />

aconteceu está registrado <strong>na</strong> memória de cada um, com uma etiqueta escrita assim:<br />

festa inesquecível.<br />

E o que cabe em duas sema<strong>na</strong>s? Cabem o coração e o orgulho de todas as torcidas.<br />

Cabem as lágrimas do esforço, as cores misturadas, as fantasias imagi<strong>na</strong>das com<br />

cuidado. A paixão explícita pelo país, as fotos calculadas, comemoradas. A beleza<br />

de todos os ângulos, o revezamento do sol e da lua, a dança como ritual da<br />

felicidade. [...] O que os olhos viram, os corações vão guardar para sempre. (Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Figura 11. Reportagem do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l sobre a repercussão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

O apontamento desse sucesso por parte da mídia estrangeira também ganhou menção,<br />

reforçando a prática habitual de buscar embasamento em seu discurso com base também <strong>no</strong>s<br />

emissores estrangeiros. A chamada feita por Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos para a matéria de 3m06s da<br />

correspondente Caroli<strong>na</strong> Cimenti retrata essa necessidade: “<strong>na</strong>s últimas sema<strong>na</strong>s [...], a


95<br />

imprensa inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l mudou o tom da cobertura, das previsões alarmistas ao<br />

reconhecimento do sucesso”.<br />

No <strong>Rio</strong>, mais do que nunca, o olhar crítico se deslumbrou com a <strong>no</strong>ssa simples<br />

elegância. Nas TVs, <strong>na</strong> internet e <strong>no</strong>s jor<strong>na</strong>is, o tom mudava. [...]<br />

O <strong>Rio</strong> e os cariocas ajudaram a conquistar o coração dos visitantes. [...] A rede<br />

britânica BBC diz que em dois a<strong>no</strong>s o Brasil conseguiu sediar com sucesso dois<br />

grandes eventos esportivos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a Copa e os Jogos. [...]<br />

Nas pistas e <strong>na</strong>s quadras do <strong>Rio</strong>, 116 recordes foram quebrados. Mas fora delas, e<br />

aqui fora do Brasil, os Jogos e cobertura mais ampla sobre o país ajudaram a mudar<br />

a imagem do Brasil. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Houve espaço até para a celebração do sucesso do mascote Vinicius, cujo <strong>no</strong>me, uma<br />

home<strong>na</strong>gem ao poeta Vinicius de Moraes, foi escolhido em votação promovida <strong>na</strong> internet<br />

pela própria TV Globo, com resultado anunciado <strong>no</strong> Fantástico. No JN, ele foi definido <strong>na</strong><br />

chamada da reportagem de 2m11s de Danilo Vieira sobre a sua boa aceitação como “um astro<br />

diferente desses Jogos”.<br />

Os “quinze dias incríveis, que passaram voando”, como Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos definiu o<br />

período dos Jogos Olímpicos, foram o tema de reportagem de Paulo Re<strong>na</strong>to Soares, que<br />

destacou os trunfos do evento, como a cerimônia de abertura, exibindo ce<strong>na</strong>s dos momentos<br />

de maior empolgação popular <strong>no</strong> Maracanã, entre eles o desfile da modelo Gisele Bündchen<br />

ao som de Garota de Ipanema e a interpretação de Jorge Ben Jor de País Tropical,<br />

acompanhada em coro pelos presentes. O VT de 4m20s também mostrou as melhorias<br />

apontadas <strong>na</strong> cidade com a realização do evento, mostrando depoimentos de torcedores como<br />

comprovações das afirmações.<br />

Quatro milhões de visitantes e o espaço de três quilômetros de extensão virou o <strong>no</strong>vo<br />

point da cidade. Foi o mais visitado do <strong>Rio</strong>. O espírito olímpico invadiu a cidade inteira, é<br />

só olhar <strong>na</strong>s ruas. No <strong>Rio</strong> de tantos cartões-postais, a <strong>Olimpíada</strong> ajudou a criar mais um<br />

ponto turístico. A área antes abando<strong>na</strong>da <strong>na</strong> região do Porto virou um Boulevard. Filas<br />

intermináveis só para levar uma recordação. O espírito irreverente e acolhedor de cariocas<br />

e brasileiros deixou visitantes se sentindo em casa. [...]<br />

No Parque, a porta estava estreita demais. Uma espera e<strong>no</strong>rme para entrar. Faltou comida,<br />

faltou bebida. Aí os organizadores correram para resolver os problemas. Melhorou e<br />

resolveu. [...] As janelas do ônibus em que estavam jor<strong>na</strong>listas estrangeiros foram<br />

quebradas <strong>no</strong> caminho das are<strong>na</strong>s. Mas a presença de policiais e militares <strong>na</strong> cidade<br />

reforçou a sensação de segurança, mesmo depois de um caso grave: o policial Hélio<br />

Andrade, de 35 a<strong>no</strong>s, morreu <strong>na</strong> Vila do João. Traficantes fuzilaram um carro da Força<br />

Nacio<strong>na</strong>l.<br />

Teve metrô <strong>no</strong>vo: quase um milhão e meio de passageiros. Mas também teve muita fila de<br />

madrugada, <strong>na</strong> hora de voltar para casa. Depois, melhorou. Teve BRT, teve trem, a<br />

maioria respeitou as faixas olímpicas. Foram muitas interdições, com engarrafamentos. O<br />

Aeroporto Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l nunca viu tanta gente: 960 mil passageiros. E funcio<strong>no</strong>u.


96<br />

O presidente do Comitê Olímpico Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l chegou a dizer em outras entrevistas que<br />

a <strong>Olimpíada</strong> <strong>no</strong> <strong>Rio</strong> era um teste de estresse. Hoje elogiou o compromisso dos brasileiros.<br />

Afirmou que a <strong>Olimpíada</strong> não foi realizada numa bolha, que a vida real continuou, numa<br />

cidade com problemas sociais. Segundo Thomas Bach, isso foi bom para todos. “A<br />

primeira <strong>Olimpíada</strong> <strong>na</strong> América do Sul foi exemplar, icônica”, ele completou. Quando<br />

perguntado se pudesse voltar <strong>no</strong> tempo, disse que faria tudo de <strong>no</strong>vo, <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>. [...] Para a<br />

cidade, é como estar <strong>no</strong> alto do pódio. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Na sequência, foi recebido <strong>no</strong> estúdio do JN o prefeito do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Eduardo<br />

Paes, que estava <strong>no</strong> fi<strong>na</strong>l do seu segundo mandato e por isso não concorreu <strong>na</strong>s eleições<br />

municipais de <strong>2016</strong>, foi entrevistado por Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos durante 4m56s. As questões<br />

feitas foram simples, pedindo a ele uma atribuição de <strong>no</strong>ta aos Jogos, e o apontamento do que<br />

funcio<strong>no</strong>u e não funcio<strong>no</strong>u, além de indagações sobre o legado e o risco de que alguma das<br />

are<strong>na</strong>s viesse a se tor<strong>na</strong>r um “elefante branco”. Na pergunta fi<strong>na</strong>l, se “valeu a pe<strong>na</strong>?” realizar<br />

os Jogos, Paes reagiu positivamente, fazendo uma brincadeira sobre o protocolo de transição<br />

para a capital japonesa <strong>na</strong> cerimônia de encerramento: Muito, muito. Dá trabalho fazer<br />

<strong>Olimpíada</strong>, mas amanhã tenho que entregar a bandeira para a gover<strong>na</strong>dora de Tóquio e tem<br />

gente dizendo para eu sair correndo [...] e deixar a <strong>Olimpíada</strong> <strong>no</strong> <strong>Rio</strong>.<br />

A expectativa pela cerimônia de encerramento dos Jogos foi lembrada também em<br />

matéria de 2m02s de Mônica Teixeira, para quem “depois de todos esses dias, só falta a<br />

apoteose”, numa das diversas chamadas realizadas para a programação do dia seguinte, viés<br />

embutido mesmo <strong>na</strong> previsão do tempo, que destacou o clima <strong>no</strong> derradeiro dia olímpico para<br />

a cidade do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Dentro desse contexto, os apresentadores do Fantástico Tadeu<br />

Schmidt e Polia<strong>na</strong> Abritta ainda foram anunciar os destaques da atração. Houve também outro<br />

momento, como era comum <strong>no</strong>s dias anteriores 118 , dedicado a repassar a agenda de<br />

transmissões, enfatizando entre elas a disputa pelo ouro <strong>no</strong> voleibol masculi<strong>no</strong>. A espera pela<br />

decisão contra a Itália foi alvo de 2m05s de reportagem de Marcelo Courrege, quase a metade<br />

do tempo dedicado ao futebol <strong>no</strong> dia anterior com uma situação equivalente, de véspera da<br />

fi<strong>na</strong>l.<br />

Em outro agrupamento, foram feitas <strong>no</strong>tas rápidas sobre questões delicadas a respeito<br />

de atletas estrangeiros, como a descoberta de um trambique promovido por <strong>no</strong>ve atletas<br />

australia<strong>no</strong>s, que inseriram por conta própria letras adicio<strong>na</strong>is em suas credenciais para entrar<br />

em áreas aos quais não estavam aptos a frequentar. Cada um deles foi multado em dez mil<br />

reais como condição para extinção do processo que retinha seus passaportes. No caso dos<br />

118<br />

Outro tópico de exibição diária era dedicado ao quadro de medalhas dos Jogos, destacando os primeiros<br />

colocados e a posição brasileira.


97<br />

<strong>na</strong>dadores dos Estados Unidos envolvidos <strong>na</strong> farsa do suposto assalto ao posto de<br />

combustíveis, a menção referiu-se à interpretação do Ministério Público de que a multa de 35<br />

mil reais pela falsa comunicação de crime foi fi<strong>na</strong>nceiramente baixa. O caso foi ampliado com<br />

uma entrevista exclusiva de Ryan Lochte ao correspondente Felipe Santa<strong>na</strong>, em reportagem<br />

de 3m35s. Realizado <strong>no</strong>s estúdios da TV Globo em Nova York, o diálogo mostrou o <strong>na</strong>dador<br />

com aparência diferente ao exibido <strong>no</strong>s Jogos e ainda negando ter mentido, mesmo<br />

confrontado com as imagens, preferindo dizer somente que “exagerou”.<br />

Mais uma intervenção para tratar sobre estrangeiros, essa ao vivo, foi realizada por<br />

Luis Ernesto Lacombe do Engenhão, o palco das provas do atletismo, para <strong>no</strong>ticiar o triunfo<br />

da sul-africa<strong>na</strong> Caster Semenya <strong>na</strong> disputa femini<strong>na</strong> dos 800 metros. Antes dos Jogos, ela<br />

precisou provar ao COI que é mulher para poder competir, já que seu corpo produz<br />

<strong>na</strong>turalmente índices de testostero<strong>na</strong> bastante elevados.<br />

3.2.2 Apontamentos da <strong>na</strong>rrativa do JN<br />

Uma pauta em especial prevaleceu <strong>na</strong> edição do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l em 20 de agosto de<br />

<strong>2016</strong>, como acontece <strong>na</strong> vida esportiva brasileira há mais de 100 a<strong>no</strong>s: o futebol. O grande<br />

destaque do <strong>no</strong>ticiário da primeira manchete da escalada até a última ce<strong>na</strong> do clipe de<br />

encerramento foi a decisão masculi<strong>na</strong> entre Brasil e Alemanha. A estratégia justifica-se pela<br />

presença da modalidade <strong>no</strong> imaginário do cidadão, sendo a primeira imagem ligada ao esporte<br />

para os brasileiros.<br />

Figura 12. Inserções visuais da TV Globo sobre seu prédio <strong>no</strong> Parque Olímpico em 20 de agosto de <strong>2016</strong> (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

Após as mais de quatro horas <strong>no</strong> ar anteriormente com a transmissão do jogo, Galvão<br />

iniciou sua participação <strong>no</strong> telejor<strong>na</strong>l se desculpando pelas falhas da voz. “Passei até um<br />

pouco do ponto, mas era para passar mesmo”, contemporizou ele sobre a sua situação vocal.<br />

120 a<strong>no</strong>s aguardando essa conquista. O Brasil é ape<strong>na</strong>s o quarto país a conseguir<br />

conquistar a medalha de ouro do futebol jogando <strong>na</strong> sua própria casa. Começou mal,


98<br />

as críticas foram duras, os jogadores reagiram e mostraram a competência. E foram<br />

melhorando cada vez a partir em que os jogos foram acontecendo. E se existe um<br />

script perfeito para mexer com o coração, é uma decisão <strong>no</strong>s pê<strong>na</strong>ltis. Ainda mais<br />

quando o goleiro pega o último. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Figura 13. Eric Faria entrevista Weverton, Rogério Micale, Marquinhos e Re<strong>na</strong>to Augusto (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

Essa foi a deixa para que Eric Faria iniciasse uma série de entrevistas ao lado do<br />

gramado do Maracanã com os campeões olímpicos, agora já com as medalhas <strong>no</strong> peito. O<br />

primeiro a falar nessa sequência foi justamente o goleiro Weverton, que lembrou sua<br />

aproximação em todos os chutes alemães, classificados por ele como fortes e firmes: “o<br />

primeiro passou perto, o segundo muito mais ainda. [...] Deus preparou o quinto <strong>na</strong> hora certa,<br />

<strong>na</strong> hora certa aconteceu”. Logo depois, sob intensos elogios de Galvão Bue<strong>no</strong>, Rogério<br />

Micale foi entrevistado. O repórter chegou a dividir o ponto com o técnico para que ele<br />

ouvisse diretamente do <strong>na</strong>rrador as congratulações pelo ouro, quando ele reforça sua visão em<br />

diferentes pontos, felicitando o trei<strong>na</strong>dor não ape<strong>na</strong>s pela conquista, mas pelo seu caráter<br />

pessoal e pela forma com que buscou a vitória, ao qual atribui valores por ele considerados<br />

como a melhor forma de se jogar futebol. Nesse raro contato direto, já que Galvão não realiza<br />

entrevistas habitualmente, <strong>no</strong>ta-se a sua posição de autoridade mesmo sem o exercício de um<br />

cargo oficial.<br />

GB: Micale, parabéns acima de tudo. Você me encantou quando teve a hombridade<br />

de pedir desculpas depois daqueles dois primeiros jogos. Mas acima de tudo por<br />

jamais ter desistido de sua filosofia, de acreditar num futebol ofensivo, num futebol<br />

corajoso, jogado para cima dos adversários. Parabéns, Micale.<br />

RM: Obrigado, Galvão. Um prazer falar com você <strong>no</strong>vamente. É um momento de<br />

muita felicidade <strong>na</strong>s <strong>no</strong>ssas vidas, o momento desse ouro olímpico inédito. Eu nem


99<br />

sei ter palavras para falar. A emoção é muito forte. Tenho só a agradecer todo o<br />

povo brasileiro, vocês, ao Maracanã lotado lindo, que <strong>no</strong>s motivou a todo momento,<br />

mesmo <strong>no</strong>s momentos difíceis contra a grande equipe da Alemanha. Mas eu saio<br />

daqui com um sentimento de realização, sou muito feliz por tudo que aconteceu. E<br />

agora é comemorar.<br />

O zagueiro Marquinhos disse “que hoje era para ser a gente, a <strong>história</strong> pedia, aqui <strong>no</strong><br />

Maracanã”. Para o jogador, o jovem grupo se uniu diante da grande pressão exter<strong>na</strong>. Com<br />

Re<strong>na</strong>to Augusto, o único atleta <strong>na</strong>scido <strong>na</strong> cidade do <strong>Rio</strong> de Janeiro presente <strong>na</strong> Seleção, Eric<br />

Faria recordou que ele passava em frente ao estádio do Maracanã <strong>na</strong> infância. Já Gabriel<br />

Barbosa foi lembrado como o autor do primeiro gol da equipe, “que abriu a porteira” após os<br />

empates zerados <strong>no</strong>s jogos iniciais.<br />

Figura 14. Cabine da TV Globo acima das demais posições da imprensa <strong>no</strong> Maracanã (fonte: arquivo pessoal)<br />

Da cabine, Galvão Bue<strong>no</strong> relembrou o desempenho da Seleção <strong>na</strong> partida, dizendo que<br />

o time “podia ter ganho <strong>no</strong> tempo <strong>no</strong>rmal, podia ter ganho <strong>no</strong> tempo de prorrogação”. Ao<br />

chamar <strong>no</strong>vamente os comentaristas, Júnior, que disse ter se reconciliado com o futebol<br />

brasileiro, reavivando seu orgulho pelo selecio<strong>na</strong>do, elencou a trajetória da equipe como a de<br />

“time da superação”, enquanto Casagrande se mostrou emocio<strong>na</strong>do ao traçar o paralelo da<br />

conquista com a sua trajetória pessoal e a <strong>história</strong> do Brasil, realçando a importância do<br />

futebol. Para Paulo Vinicius Coelho (2009, p. 63), “nenhuma matéria está assim tão<br />

escancarada diante do jor<strong>na</strong>lista quanto o evento esportivo”. A postura de se colocar como<br />

proprietário da verdade, ao fazer afirmações com grau de certeza mesmo diante de<br />

possibilidades, chega a ser vista como mais própria à seara do Judiciário do que <strong>na</strong> prática<br />

jor<strong>na</strong>lística.


100<br />

Esse sujeito [...] assume um ethos específico, isto é, o ethos daquele que está <strong>no</strong> alto,<br />

do indivíduo autorizado. [...] Ele é aquele que enuncia algo que prescinde de<br />

negociação, como uma tese, uma verdade. [...] Assim, nesse tipo de enunciação, o<br />

sujeito enunciador, segundo Maingueneau, coincide com o sujeito <strong>no</strong> sentido<br />

jurídico e moral: alguém que se põe como responsável, afirma valores e princípios<br />

perante o mundo. (SIMIS, 2014, p. 17-18)<br />

Esse primeiro bloco de <strong>no</strong>tícias futebolísticas foi fi<strong>na</strong>lizado com participações das<br />

jor<strong>na</strong>listas Flávia Januzzi e A<strong>na</strong> Luiza Guimarães ao vivo de dos arredores do Maracanã,<br />

comentando sobre os festejos da torcida. O metrô chegou a liberar as catracas diante do<br />

grande fluxo de pessoas, algo que não aconteceu nem mesmo após a cerimônia de abertura,<br />

que por limitações impostas pelo maior número de autoridades e jor<strong>na</strong>listas presentes, além da<br />

montagem de um palco em parte das arquibancadas, levou cerca de 20 mil pessoas a me<strong>no</strong>s ao<br />

estádio que a decisão do futebol masculi<strong>no</strong>. Flávia chegou a brincar com um dos mais<br />

famosos bordões de Galvão Bue<strong>no</strong>.<br />

Você que sempre fala para gente que haja coração, a gente quase morreu do coração.<br />

Deu um descompasso esquisito hoje, um nervosismo, um sofrimento. E o fantasma<br />

alemão quase matou a gente de susto, mas eu posso garantir para vocês que já é<br />

Car<strong>na</strong>val fora de época. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Enquanto <strong>no</strong> primeiro momento os lances reprisados foram os da partida, como os gols<br />

e as fi<strong>na</strong>lizações mais perigosas, <strong>no</strong> retor<strong>no</strong> de Galvão, já sem o auxílio dos comentaristas, o<br />

Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l repetiu os instantes mais decisivos da disputa de pê<strong>na</strong>ltis: a defesa realizada<br />

por Weverton e o derradeiro gol de Neymar, destacando as lágrimas compulsivas do jogador.<br />

Antes, imagens ao vivo do então capitão da Seleção <strong>no</strong>s Jogos já haviam sido levadas ao ar,<br />

como o abraço dos torcedores <strong>no</strong> maior <strong>no</strong>me da equipe, que admitiu que <strong>no</strong> começo da<br />

preparação “além de companheiro, era um ídolo” para os colegas de elenco, mas<br />

contemporizou dizendo que “aprendi mais com eles do que eles comigo”. Na entrevista, ele<br />

ainda admitiu a informação já antes antecipada de que estava abrindo mão da capitania, que<br />

desde então passou a ser escolhida em sistema de rodízio <strong>na</strong> equipe principal.<br />

Figura 15. Torcedores acompanham a fi<strong>na</strong>l olímpica do futebol masculi<strong>no</strong> em telões (fonte: reprodução/TV)


101<br />

Ao longo do telejor<strong>na</strong>l, em entradas ou reportagens de cerca de um minuto cada, foi<br />

mostrado como o público acompanhou o jogo em diferentes pontos, como <strong>no</strong> Parque<br />

Olímpico, <strong>no</strong> Boulevard Olímpico, <strong>na</strong> praia de Copacaba<strong>na</strong> e em Berlim, a capital alemã.<br />

Rodrigo Alvarez estreou visivelmente de forma antecipada como correspondente da TV<br />

Globo <strong>na</strong> Alemanha com essa reportagem.<br />

Novamente da Praça Mauá, onde foi instalado o Boulevard dos Jogos, Mônica<br />

Sanches mostrou ao vivo o prosseguimento da festa <strong>no</strong> espaço. A comemoração <strong>no</strong> Parque<br />

Olímpico, por sua vez, foi registrada em reportagem de Guilherme Pereira.<br />

No fim da tarde, todos os caminhos pareciam levar para a área de convivência do<br />

Parque Olímpico. Ali as pessoas começaram a se reunir. Valia de tudo, até abrir mão<br />

do ingresso comprado para ginástica rítmica.<br />

E assim, <strong>na</strong> última <strong>no</strong>ite do Parque Olímpico, essa área comum, de convivência,<br />

acabou se transformando <strong>na</strong> maior are<strong>na</strong> de todas nesse lugar. Milhares de pessoas<br />

se juntaram aqui, já que em campo estava a Seleção Brasileira de futebol.<br />

No primeiro tempo, a primeira explosão. Gol do Brasil. Depois do empate da<br />

Alemanha, o nervosismo tomou conta de um lugar que <strong>no</strong>s últimos quinze dias foi<br />

sempre feliz. Neymar se preparou para cobrança. Todos <strong>no</strong> aguardo para comemorar<br />

<strong>no</strong> Parque Olímpico o primeiro ouro olímpico do futebol do Brasil.<br />

O lugar que encantou gente do mundo inteiro não poderia passar a última <strong>no</strong>ite de<br />

forma melhor. [...] (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

Re<strong>na</strong>ta Capucci, ao vivo de Copacaba<strong>na</strong>, também descreveu a alternância <strong>no</strong><br />

comportamento da torcida, que informou ter ficado quieta com a tensão do jogo, mas após a<br />

conquista mostrava grande felicidade. O local foi definido por Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos ao<br />

chamar o link como “a praia mais animada do mundo, [...] que desperta fascínio <strong>no</strong>s turistas<br />

que visitam o <strong>Rio</strong>”. No Recreio dos Bandeirantes, Abel Neto mostrou a expectativa por um<br />

festejo que ainda iria acontecer: um jantar <strong>no</strong> hotel em que a equipe estava concentrada,<br />

abrindo espaço também para amigos e familiares dos jogadores e da comissão técnica.<br />

Mas nem toda a cobertura foi baseada em material produzido durante ou após a<br />

partida. Destacou-se uma reportagem de gaveta, como são chamados os conteúdos<br />

previamente gravados para exibição oportu<strong>na</strong>, em que Ti<strong>no</strong> Marcos refez a trajetória olímpica<br />

da Seleção Brasileira, com o encerramento daquela que Galvão Bue<strong>no</strong> descreveu como “uma<br />

incômoda escrita”. O VT teve duração de 2m47s.<br />

Eles são muitos. Várias e várias gerações unidas pelo quase. Gente famosa,<br />

consagrada. A <strong>Olimpíada</strong> já disse não para Júnior, o maestro. A <strong>Olimpíada</strong> disse não<br />

para Ro<strong>na</strong>ldo, o fenôme<strong>no</strong>. [...] E com Ro<strong>na</strong>ldinho Gaúcho em 2008? Bronze<br />

também.


102<br />

O primeiro quase foi em Los Angeles 84. Vitória da França <strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l. 2 a 0 sobre um<br />

Brasil formado quase todo por jogadores do Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. [...] O choro de prata se<br />

repetiu quatro a<strong>no</strong>s atrás. Neymar e companhia perderam para o México <strong>na</strong> decisão<br />

por 2 a 1.<br />

O quadro de medalhas histórico do futebol mostra o Brasil em 19º lugar. Nada a ver<br />

com o país cinco vezes campeão do mundo. [...] Em cada a<strong>no</strong>, diversos caminhos e<br />

circunstâncias para o quase. Hoje, fim do tabu. O time do técnico Rogério Micale foi<br />

a redenção de tantas gerações olimpicamente frustradas. Ah, e o ouro de hoje já faz<br />

o Brasil subir para a sexta posição do ranking histórico, um pouco mais de acordo<br />

com a <strong>no</strong>ssa tradição. (Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l. TV Globo. 20 de agosto de <strong>2016</strong>)<br />

A edição foi termi<strong>na</strong>da com um clipe que relembrou alguns dos momentos mais<br />

marcantes dos Jogos Olímpicos, tanto <strong>na</strong>s competições, como <strong>no</strong>s bastidores das transmissões<br />

da TV Globo, igualando implicitamente o sucesso da <strong>Olimpíada</strong> para ambos. A significação<br />

do conteúdo o de<strong>no</strong>ta uma isotopia em que o discurso fica me<strong>no</strong>s uniforme, se<br />

descentralizando e permitindo múltiplas interpretações. Na chamada do material, Galvão<br />

Bue<strong>no</strong> saudou Re<strong>na</strong>ta Vasconcellos por “desfrutar da sua competência e da sua simpatia”,<br />

estendendo os cumprimentos para toda a equipe do telejor<strong>na</strong>l. O <strong>na</strong>rrador disse se sentir<br />

emocio<strong>na</strong>do por ter contado “<strong>história</strong>s de uma <strong>Olimpíada</strong> que só acontece uma vez <strong>na</strong> vida”,<br />

referindo-se ao fato do Brasil ter sediado o evento. A apresentadora retribuiu o gesto,<br />

destacando que a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> foi a <strong>no</strong><strong>na</strong> <strong>Olimpíada</strong> da carreira do locutor. Na sequência, ela<br />

mencio<strong>no</strong>u que “a gente encerra essa edição do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l com imagens dos trabalhos<br />

das <strong>no</strong>ssas equipes que mostraram para você o maior evento esportivo do planeta”. A trilha<br />

so<strong>no</strong>ra utilizada ao fundo do VT de 2m50s foi uma versão instrumental da música Somos<br />

Todos Olímpicos, o tema oficial do evento desenvolvido pela emissora.<br />

♫ Você vai ver / Que todo o caminho para uma conquista se constrói / Vem que<br />

você vai ver / Gente de carne e osso virando super heroi / Você vai ver, você vai ver<br />

/ Quase milagres, feitos <strong>na</strong> terra, água e ar / Vem que você vai ver / Que é bem<br />

possível, que o impossível pode se realizar / Você vai ver que dá / Que somos todos<br />

olímpicos / Que existe algo <strong>no</strong> ar / Dizendo, inspirando e motivando você a chegar<br />

lá / Somos todos olímpicos / Você vai ver, você vai ver / Garra e vontade, força e<br />

coragem / De onde vem? / Na Globo você vai ver / Gente tentando, se superando,<br />

gente indo além / Você pode mais, você pode mais / Você também é capaz / Você<br />

vai ver que dá / Que somos todos olímpicos / Que somos todos olímpicos / Que<br />

existe algo <strong>no</strong> ar / Dizendo, inspirando e motivando você a chegar lá / Somos todos<br />

olímpicos! ♫ (Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=u-UHN4qUtvI)


103<br />

Figura 16. Capturas do clipe de encerramento do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l em 20 de agosto de <strong>2016</strong> (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

Nas imagens, se destacou a repetida exibição do estúdio da emissora <strong>no</strong> Parque<br />

Olímpico, que chegou a ser definido como “um <strong>no</strong>vo pódio” <strong>na</strong> Retrospectiva do ca<strong>na</strong>l,<br />

de<strong>no</strong>mi<strong>na</strong>ção motivada pela frequente presença dos medalhistas brasileiros <strong>no</strong> espaço. O<br />

ambiente foi descrito como “a casa dos âncoras dos telejor<strong>na</strong>is” em matéria de José Roberto<br />

Burnier <strong>no</strong> Fantástico de 31 de julho, a última edição antes do começo da <strong>Olimpíada</strong>. Foram<br />

revezadas ainda ce<strong>na</strong>s genéricas de tomadas aéreas da cidade do <strong>Rio</strong> de Janeiro, assim como<br />

de ambientes dos bastidores do trabalho jor<strong>na</strong>lístico, a exemplo da redação e do switcher.<br />

Nesses instantes, não havia uma clara referência aos Jogos, o que se faz quando são mostradas<br />

imagens de atletas e jor<strong>na</strong>listas recebendo cumprimentos dos torcedores <strong>no</strong> local. Muitas<br />

vezes, o assédio aos profissio<strong>na</strong>is de imprensa era até superior, especialmente em relação aos<br />

identificados simultaneamente com a cobertura esportiva e local do <strong>Rio</strong> de Janeiro, como<br />

Alex Escobar e Fer<strong>na</strong>nda Gentil.


104<br />

Figura 17. Capturas do clipe de encerramento do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l em 20 de agosto de <strong>2016</strong> (fonte:<br />

reprodução/TV)<br />

Há ainda diversas referências inter<strong>na</strong>s, que podem passar despercebidas ao público em<br />

geral diante dos breves segundos da edição. Uma delas mostra um momento de carinho entre<br />

os apresentadores William Waack e Cristiane Dias <strong>no</strong> encerramento da cobertura do Jor<strong>na</strong>l da<br />

Globo. Para Maurício Stycer, jor<strong>na</strong>lista especializado em televisão do portal UOL, o momento<br />

foi um auge da “<strong>no</strong>velinha da crise”, expressão que utilizou para definir as constantes<br />

demonstrações de agressividade entre eles 119 . Figuras do topo da hierarquia do jor<strong>na</strong>lismo do<br />

ca<strong>na</strong>l igualmente ganharam registros, mesmo que suas funções não fossem explicitadas ao<br />

público. É o caso de Ali Kamel, diretor-geral da área, flagrado aparentemente sem perceber<br />

enquanto utilizava o celular. A visita do presidente do COI Thomas Bach ao espaço também<br />

foi destacada.<br />

Em alguns curtos instantes, foram sobrepostos diante da trilha trechos de <strong>na</strong>rrações da<br />

TV Globo durante o evento, fazendo o que Greimas (2008, p. 291) aponta como uma sempre<br />

complexa operação, que é a metalinguagem, de forma a qualificar a <strong>na</strong>rrativa. A tática serviu<br />

como uma maneira de chamar a atenção do público para determi<strong>na</strong>das ce<strong>na</strong>s. Ao ser exibida a<br />

comemoração de Usain Bolt pelo seu tricampeo<strong>na</strong>to olímpico <strong>no</strong>s 100 metros rasos, por<br />

exemplo, colocou-se a fala da transmissão ao vivo em que Galvão Bue<strong>no</strong> aponta que o<br />

jamaica<strong>no</strong> “é gênio, é uma fera, é uma lenda do esporte”. Quando as imagens foram das areias<br />

119 Ambos afirmam que as alegadas celeumas eram ape<strong>na</strong>s brincadeiras. Disponível em:<br />

http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/<strong>2016</strong>/08/20/cris-dias-e-waack-encerram-<strong>no</strong>velinha-da-crise-derelacio<strong>na</strong>mento-com-beijo/.<br />

Acesso em: 07 mai. 2017.


105<br />

de Copacaba<strong>na</strong> <strong>na</strong> conquista do ouro de Alison Cerutti e Bru<strong>no</strong> Schmidt <strong>no</strong> vôlei de praia, o<br />

momento resgatado da fala de Luis Roberto foi a afirmação de que “o sonho dourado se faz<br />

realidade”.<br />

O momento de encerramento do clipe, e consequentemente da edição do Jor<strong>na</strong>l<br />

Nacio<strong>na</strong>l de 20 de agosto de <strong>2016</strong>, so<strong>no</strong>rizou as imagens da cobrança de pê<strong>na</strong>lti convertida<br />

por Neymar e da comemoração da torcida e dos colegas de elenco com a <strong>na</strong>rração de Galvão<br />

Bue<strong>no</strong> <strong>na</strong>quele instante: “partiu, bateu, acabou! É ouro, é ouro, é ouro para o Brasil!”. A<br />

imagem fi<strong>na</strong>l foi marcada ainda mais simbolismo, unindo diversos dos elementos<br />

anteriormente citados, com a valorização simultânea da cidade, com a exibição de seu mais<br />

<strong>no</strong>tório cartão postal, o Cristo Redentor; do país, com as cores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is ilumi<strong>na</strong>ndo o<br />

monumento <strong>no</strong> alto do Corcovado; dos Jogos Olímpicos, com a representação virtual da<br />

medalha de ouro marcando a glória máxima possível; e da própria TV Globo, que demonstra<br />

a força do seu departamento visual ao mesmo tempo em que reforça a sua marca <strong>no</strong><br />

imaginário popular como presente <strong>no</strong>s grandes momentos de união do Brasil.<br />

Figura 18. Selo de encerramento do Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l em 20 de agosto de <strong>2016</strong> (fonte: reprodução/TV)<br />

Todos os pontos convergem <strong>no</strong> futebol, já explicitado como um dos maiores ícones da<br />

identidade <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, numa corroboração da tese de Fiorin (2004, p. 13), sobre a amplitude<br />

constante do campo comunicacio<strong>na</strong>l, em que todos os elementos da indústria cultural são<br />

postos como emissores de significados. Nesse caso, por exemplo, verde e o amarelo que<br />

ilumi<strong>na</strong>vam o Cristo Redentor são mais vistos <strong>na</strong>s ruas do Brasil e mesmo em órgãos


106<br />

oficiais 120 durante os períodos de Copa do Mundo do que em qualquer comemoração pátria,<br />

como os festejos anuais da Independência e da Proclamação da República. A modalidade une<br />

a representação do próprio <strong>Rio</strong> de Janeiro, com o Maracanã, também destacado <strong>na</strong> imagem,<br />

sendo um dos pontos brasileiros mais conhecidos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente, e da TV Globo, que<br />

possui o futebol como alicerce de sua programação em tor<strong>no</strong> de duas vezes por sema<strong>na</strong>, numa<br />

dimensão que, como visto, amplia-se de forma <strong>no</strong>tável em grandes eventos, mesmo quando<br />

eles são poliesportivos, caso dos Jogos Olímpicos.<br />

A impressão sobre o predomínio do futebol sobre os demais esportes é presente<br />

também em parcela significativa dos profissio<strong>na</strong>is da imprensa que lidam com a cobertura do<br />

tema. Foi questio<strong>na</strong>da para esta mo<strong>no</strong>grafia a opinião de apresentadores, repórteres e<br />

comentaristas com experiência <strong>na</strong> área esportiva, especialmente em Jogos Olímpicos, optando<br />

como forma de recorte ape<strong>na</strong>s por figuras do meio televisivo e de contato direto com o<br />

público, sobre se consideram que “o Brasil aproveitou os Jogos Olímpicos para<br />

diversificar a sua cultura esportiva”. Seguindo-se a ordem alfabética dos <strong>no</strong>mes, eis<br />

subsequentemente a conclusão dos profissio<strong>na</strong>is:<br />

A<strong>na</strong> Luiza Guimarães, apresentadora do RJTV 2ª edição (TV Globo): Acho que sim,<br />

aproveitamos para falar de muitas modalidades esportivas diferentes, algumas pouco<br />

conhecidas pelo público em geral. O esporte é um instrumento precioso de inclusão social. O<br />

belo desempenho de atletas brasileiros em modalidades como o boxe, o salto com vara,<br />

certamente vai inspirar as <strong>no</strong>vas gerações.<br />

André Tal, correspondente da Record <strong>na</strong> Inglaterra, cobriu os Jogos de Olímpicos de<br />

Inver<strong>no</strong> em Vancouver 2010 e Sochi 2014 e de Verão em Londres 2012: O Brasil organizou<br />

belos Jogos, mas perdeu uma e<strong>no</strong>rme oportunidade de incentivar o esporte <strong>no</strong> país. O legado<br />

olímpico, esse sim é um fracasso. Estruturas abando<strong>na</strong>das e população sem usufruir do<br />

e<strong>no</strong>rme investimento. O oposto ao que acontece em Londres, onde jovens de todas as classes<br />

sociais hoje praticam esportes <strong>no</strong>s locais de competição de 2012. Uma prova de respeito.<br />

120<br />

Em 2014, prédios como os do Palácio do Pla<strong>na</strong>lto, da Espla<strong>na</strong>da dos Ministérios e do Congresso Nacio<strong>na</strong>l<br />

foram ilumi<strong>na</strong>dos de verde e amarelo durante o Mundial. Disponível em:<br />

http://www.correiobraziliense.com.br/app/<strong>no</strong>ticia/cidades/2014/06/02/inter<strong>na</strong>_cidadesdf,430574/brasilia-verdea-amarela-monumentos-da-capital-se-ilumi<strong>na</strong>m-para-a-copa.shtml.<br />

Acesso em: 08 mai. 2017.


107<br />

Carol Barcellos, repórter da TV Globo, apresentou o Balada Olímpica durante a <strong>Rio</strong><br />

<strong>2016</strong>: Infelizmente, não acho que o Brasil tenha aproveitado a oportunidade não. Não vejo<br />

legado nem físico, nem social. Uma pe<strong>na</strong>. Perdemos uma grande chance de provar que esporte<br />

não é lazer. É muito mais! É essencial para a educação e formação da sociedade.<br />

Chico Pinheiro, apresentador do Bom Dia Brasil (TV Globo): Aproveitou durante os<br />

Jogos. Mas não sei se a diversificação irá perdurar.<br />

Eric Faria, repórter da TV Globo, acompanhou o futebol masculi<strong>no</strong> <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>:<br />

Acho que não aproveitou, infelizmente. Em termos de estrutura e também em termos de<br />

fomentar modalidades <strong>na</strong>s escolas e cidades mais afastadas dos grandes centros. Perdemos<br />

uma grande oportunidade. Não sei se teremos outra tão boa. Acho que não.<br />

Fábio Porchat, apresentador do Programa do Porchat (Record), participou das<br />

transmissões da cerimônia da abertura e da fi<strong>na</strong>l do futebol masculi<strong>no</strong> <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: Acho que<br />

o Brasil perdeu a chance de mudar muita coisa. Uma delas foi não aproveitar o evento para<br />

reforçar o interesse do brasileiro por outros esportes que foi gerado pelas <strong>Olimpíada</strong>s.<br />

Felipe Andreoli, apresentador do Esporte Espetacular (TV Globo), participou do<br />

Extraordinários (SporTV) durante a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: Claramente o Brasil, mais uma vez, não<br />

aproveitou o momento. Tudo foi abando<strong>na</strong>do <strong>no</strong> momento seguinte ao fim dos Jogos. A<br />

mo<strong>no</strong>cultura do futebol, infelizmente, continua e continuará.<br />

Felipe Santa<strong>na</strong>, correspondente da TV Globo <strong>no</strong>s Estados Unidos: Não posso falar<br />

profundamente sobre esporte, mas acho que é evidente que não, né. Alguns medalhistas de<br />

modalidades em que não temos tradição despertaram interesse imediato e passageiro. O que<br />

espero é que tenham inspirado principalmente jovens com seus valores.<br />

Fred Caldeira, correspondente do Esporte Interativo <strong>na</strong> Inglaterra, apresentou o<br />

Cader<strong>no</strong> de Esportes durante a <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: É difícil falar de legado olímpico quando vemos,<br />

por exemplo, o estado crimi<strong>no</strong>so das instalações esportivas que poderiam ser aproveitadas<br />

pelo <strong>Rio</strong> de Janeiro. Porém, respondendo o prisma da sua questão, acredito que é possível que<br />

vejamos daqui a uns a<strong>no</strong>s os efeitos dessa diversificação esportiva criada pela proximidade do<br />

público brasileiro com os Jogos Olímpicos. Não sou muito otimista, afi<strong>na</strong>l, qual foi o legado<br />

do Pan 2007 <strong>na</strong> <strong>no</strong>ssa cultura?


108<br />

Gustavo Villani, <strong>na</strong>rrador da Fox Sports, acompanhou o futebol masculi<strong>no</strong> <strong>na</strong> <strong>Rio</strong><br />

<strong>2016</strong>: Infelizmente, não. Nosso legado é quase inexistente. Em todos os sentidos.<br />

Infraestrutura, apoio aos esportes olímpicos...<br />

Maíra Lemos, apresentadora do Globo Esporte MG, acompanhou o futebol femini<strong>no</strong><br />

<strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: Acho que sim. É um dos poucos momentos em que a grande mídia dá<br />

visibilidade aos outros esportes, além do futebol masculi<strong>no</strong>.<br />

Marcelo Courrege, correspondente da TV Globo <strong>na</strong> Rússia, acompanhou o vôlei <strong>na</strong><br />

<strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: Acho que os brasileiros passaram a olhar com mais carinho para modalidades que<br />

ficavam pra escanteio por aqui... A ca<strong>no</strong>agem, principalmente, por causa dos resultados do<br />

Isaquias Queiroz. Outra modalidade que ganhou muita exposição e eu senti que causou<br />

impacto <strong>no</strong> público foi o tiro com arco. Se os <strong>no</strong>ssos dirigentes soubessem aproveitar esse<br />

momento, essas modalidades poderiam crescer muito <strong>no</strong>s próximos a<strong>no</strong>s. Mas legados físicos<br />

e esportivos não são o forte dos <strong>no</strong>ssos cartolas. Uma pe<strong>na</strong>.<br />

Paloma Tocci, apresentadora do Jor<strong>na</strong>l da Band: Acho que a <strong>Olimpíada</strong> ajuda sim<br />

nesse sentido, mas não acredito que tenha sido um dos motivos mais fortes. Até porque o<br />

Brasil não é uma potência esportiva, investe pouco <strong>na</strong> formação de <strong>no</strong>vos atletas. Acredito<br />

mais <strong>na</strong> importância de sediar o maior evento esportivo do planeta. A importância turística e<br />

econômica. Além de receber pessoas, autoridades, atletas do mundo inteiro.<br />

Rafael Henzel, <strong>na</strong>rrador de futebol da Rádio Oeste Capital: Vejo pela <strong>no</strong>ssa cidade<br />

(Chapecó), com 210 mil habitantes. Como em qualquer evento massificado, gera o interesse<br />

de muitas pessoas. Em praticar também. No entanto, a estrutura não melhorou absolutamente<br />

<strong>na</strong>da. Ou seja, ape<strong>na</strong>s a disposição não é suficiente. Faltam aparelhos para ginástica, pistas de<br />

atletismo, para bicicletas... Como não houve esse investimento <strong>no</strong> país, ape<strong>na</strong>s centralizado,<br />

as crianças e até os adultos, partem para as modalidades tradicio<strong>na</strong>is como o futebol [...].<br />

Rei<strong>na</strong>ldo Gotti<strong>no</strong>, apresentador do Balanço Geral SP (Record), acompanhou o<br />

atletismo e a ginástica <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: O Brasil infelizmente não aproveita <strong>na</strong>da. Os legados são<br />

abando<strong>na</strong>dos, os investimentos são perdidos. Nossas conquistas são esforços individuais.<br />

Rodrigo Bue<strong>no</strong>, comentarista de futebol da Fox Sports: Não acredito que o Brasil<br />

tenha diversificado muito sua cultura esportiva, mas uma <strong>Olimpíada</strong>, ainda mais em casa,<br />

inspira sim a prática ou mesmo o conhecimento de algumas modalidades pouco populares <strong>no</strong><br />

país. Tais esportes dificilmente terão outro patamar <strong>no</strong> Brasil, mas é possível que um ou outro


109<br />

atleta desponte com sucesso em algum tempo <strong>na</strong> esteira da <strong>Olimpíada</strong>. É um legado peque<strong>no</strong><br />

nesse sentido, mas sempre pode aparecer algum fenôme<strong>no</strong> isolado.<br />

Téo José, <strong>na</strong>rrador da Band, acompanhou o handebol e o futebol <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: Não,<br />

esta cultura não tem como pegar para valer em 21 dias. Mais um evento que fizemos <strong>no</strong> Brasil<br />

e desperdiçamos. O legal seria termos agora os locais dos jogos e trei<strong>no</strong>s com gente em<br />

atividade. Mas, como sempre, este legado não ficou. A maior parte está abando<strong>na</strong>do e nem<br />

um projeto foi feito, colocado em prática depois. O que se vê é abando<strong>no</strong> e muitos escândalos<br />

em várias federações e atletas perdendo seus patrocínios.<br />

Tiago Maranhão, apresentador do Troca de Passes (SporTV), acompanhou o<br />

atletismo <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>: O Brasil não perde uma chance de provar e reiterar que somos o país<br />

das oportunidades perdidas. Pela minha <strong>na</strong>tureza otimista e muito ingênua, cheguei a acreditar<br />

que poderia ser diferente com as <strong>Olimpíada</strong>s. Não foi.<br />

Vinícius Dô<strong>no</strong>la, repórter da Record, acompanhou o judô e a vela <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>:<br />

Acredito que houve falhas graves <strong>no</strong> planejamento do chamado legado olímpico. Em<br />

decorrência disso, herdaremos da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> algo muito aquém do que o prometido. Não creio<br />

que teremos diversificação <strong>no</strong>s moldes desejados antes da realização dos Jogos. Infelizmente,<br />

perderemos, parcialmente, a oportunidade de fomentar a cultura esportiva, apesar da<br />

relevância inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do evento sediado.


110<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A realização de um evento que concentrou as atenções de todo o planeta para o Brasil<br />

por si só já é uma fonte de diversas pesquisas acadêmicas, incluindo-se obviamente a área<br />

comunicacio<strong>na</strong>l, buscando compreender como a imprensa se organiza em momentos<br />

diferenciados, como foi o caso dos Jogos Olímpicos, realizados ineditamente em solo<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l em <strong>2016</strong>, <strong>na</strong> cidade do <strong>Rio</strong> de Janeiro. Este trabalho optou por abordar o esporte de<br />

maior repercussão inter<strong>na</strong>, o futebol masculi<strong>no</strong>, que consolidou a posição preferencial com o<br />

avanço da Seleção Brasileira até a decisão do torneio diante da Alemanha, alcançando pela<br />

primeira vez uma medalha de ouro olímpica.<br />

Para discorrer sobre o acompanhamento midiático da equipe masculi<strong>na</strong> de futebol, a<br />

escolha foi pela cobertura da TV Globo, incluindo o seu mais destacável espaço editorial, o<br />

Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, o que permitiu uma amplitude da análise motivada pela antiguidade de<br />

exibições da emissora <strong>na</strong> área esportiva, comprovando a historicidade da diferença de<br />

tratamento entre as modalidades. A preferência por abordar a emissora líder de audiência <strong>no</strong><br />

país referendou ainda a observação de números de audiência elevados.<br />

Investigou-se, contudo, que o envolvimento com o futebol, mesmo diante de toda a<br />

sua <strong>no</strong>toriedade descrita, não ocorre <strong>na</strong> mesma escala em outras competições, <strong>no</strong>tabilizando<br />

também o feito da emissora em envolver os telespectadores <strong>na</strong> <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong> como evento,<br />

percepção ampliada quando se vê que a expectativa de momento dos brasileiros, o pathos, ou<br />

seja, a receptividade para celebrar, era baixa por causa do contexto de crise política e<br />

econômica. O grupo de mídia, de forma expandida também em suas outras plataformas,<br />

inverte a lógica, frisando justamente que o sucesso olímpico era um motivo de alegria,<br />

conseguindo unir pessoas de diferentes correntes e classes <strong>no</strong> sentimento comum pelo Brasil,<br />

uma tática quase sempre infalível, ao que se observa que uma das principais canções entoadas<br />

voluntariamente pela torcida <strong>na</strong>s arquibancadas frisa o orgulho e amor pela <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lidade. De<br />

certo modo, pode se dizer que o k<strong>no</strong>w-how global nesse tipo de evento fez com que a sua<br />

equipe previsse de forma certeira o que o público gostaria de ouvir, culmi<strong>na</strong>ndo numa sinergia<br />

em que as partes, a grande enunciadora que utiliza diversos <strong>na</strong>rradores e seus milhões de<br />

enunciatários pelo país, mostram uma simultaneidade de pensamento. Essa forma tida como<br />

uma cooperação, em que os papéis dos envolvidos <strong>no</strong> ato enunciativo se encontram como se


111<br />

tivessem desde o princípio o objetivo em comum é considerada uma grande representação<br />

mútua.<br />

Com a repetição de diversos elementos empregados pela TV Globo ao longo dos<br />

ciclos de grandes eventos esportivos, este trabalho, mesmo se dedicando de forma mais<br />

detalhada ao tratamento dedicado pela emissora aos temas em ape<strong>na</strong>s uma ocasião, <strong>na</strong> data de<br />

20 de agosto de <strong>2016</strong>, referencia toda a prática da emissora sobre o futebol e em <strong>Olimpíada</strong>s,<br />

fazendo o registro histórico deste recorte temporal, com base a permitir atualizações futuras e<br />

comparações sobre a manutenção ou a alteração da postura ao longo dos a<strong>no</strong>s.<br />

A conquista da medalha de ouro em circunstâncias especiais, ocorrendo <strong>no</strong> mais<br />

tradicio<strong>na</strong>l estádio brasileiro, contra um rival histórico e somente <strong>na</strong>s pe<strong>na</strong>lidades máximas,<br />

colaborou com o sucesso do discurso da TV Globo, emitido ao vivo de forma mais incisiva<br />

por Galvão Bue<strong>no</strong>, porém, como <strong>na</strong>tural em uma cobertura deste porte, era seguido também<br />

um planejamento já era anteriormente estabelecido, como constatado com a produção de<br />

reportagens prévias e a presença de profissio<strong>na</strong>is em diferentes pontos para a cobertura dos<br />

eventuais festejos, que se confirmaram. Ou seja, mesmo que o esporte trate do imponderável,<br />

existe uma percepção antecipada do que é ideal a ser agendado para o momento, numa<br />

abordagem imediatista. Frise-se que o JN não destoa do padrão de outros telejor<strong>na</strong>is ou<br />

mesmo daquele encontrado em plataformas distintas, permitindo o retor<strong>no</strong> para esta base<br />

temática em outras ocasiões por diferentes ângulos.<br />

Comprova-se que mesmo com um tempo de edição significativamente maior do que o<br />

habitual, não se altera a proporção que privilegia o futebol, o que significa consequentemente<br />

numa me<strong>no</strong>r exibição para as demais modalidades, que com a visibilidade reduzida <strong>no</strong><br />

período quadrie<strong>na</strong>l em que teoricamente receberiam maior destaque, perdem a chance de se<br />

popularizar. Fica registrado, inclusive com a concordância de profissio<strong>na</strong>is envolvidos de<br />

forma direta com a cobertura televisiva da <strong>Rio</strong> <strong>2016</strong>, que o Brasil, representado pela sua<br />

mídia, que <strong>no</strong> caso deste trabalho foi a TV Globo com seu Jor<strong>na</strong>l Nacio<strong>na</strong>l, desperdiçou a<br />

oportunidade de ampliar as suas opções esportivas e diversificar a mo<strong>no</strong>cultura em vigor <strong>na</strong><br />

atualidade.


112<br />

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