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Revista Curinga Edição 09

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Curinga</strong><br />

<strong>Revista</strong> laboratório | Jornalismo | UFOP | Fevereiro de 2013 | Ano III | nº9


<strong>Curinga</strong><br />

Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina Laboratório<br />

Impresso II.<br />

<strong>Revista</strong> produzida pelos alunos do curso de Jornalismo<br />

da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).<br />

Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço<br />

Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto.<br />

Professores Responsáveis:<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

Lucília Borges (Planejamento Visual)<br />

André Luis Carvalho (Fotografia)<br />

Editor geral: Adriel Campos<br />

Subeditora: Luma Oliveira<br />

Editor de arte: Flávio Ernani<br />

Subeditora de Arte: Gabriela Costa<br />

Editora fotográfica: Thamira Bastos<br />

Editora digital: Juliana Melo<br />

Repórteres: Aline Sá, Bruna Sudário, Cinthya Meneghin, Davi<br />

Machado, Edan André, Lara Macedo, Laura Ralola, Lídia Ferreira, Marina<br />

Ibba, Nathália Nunes, Paulo Victor Fanaia, Yara Diniz.<br />

Diagramadores: Bruna Matos, Cibele Souza, Íris Zanetti,<br />

Lorena Silva, Marcelo Nahime, Mariana Borba, Pedro Ferreira,<br />

Thainá Cunha, Tuanny Ferreira.<br />

Fotógrafos: Adriano Soares, Arthur Medrado, Felipe Sales, Fernanda<br />

de Paula, Gerliani Mendes, Gustavo Kirchner, Kíria Ribeiro,<br />

Neto Medeiros, Tamires Duarte.<br />

Monitoras: Isadora Faria e Rayana Almeida<br />

Editorial<br />

Cadê a<br />

capa?<br />

Apagamos<br />

Texto: Adriel Campos<br />

Foto: Thamira Bastos<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Flávio Ernani<br />

“O pintor não pinta sobre uma tela virgem, nem o escritor<br />

escreve sobre uma página branca, mas a página ou a tela estão<br />

já de tal maneira cobertas de clichês preexistentes, preestabelecidos,<br />

que é preciso de início apagar, limpar, laminar, mesmo<br />

estraçalhar para fazer passar uma corrente de ar, saída do caos,<br />

que nos traga a visão.”<br />

Inspirados pela citação dos filósofos Gilles Deleuze e Félix<br />

Guatarri, construímos a 9º edição da <strong>Revista</strong> <strong>Curinga</strong>. Tomamos<br />

como norte a Arte, pois ela é algo que move o ser humano,<br />

provoca o imaginário e desperta variadas sensações em quem a<br />

consome.<br />

Numa mistura de realidade e imaginação, a CURINGA vestiu-se<br />

de artista e foi atrás dos diferentes movimentos ancorada<br />

em um pilar: o recomeço. Apagamos nossos preconceitos, estraçalhamos<br />

nossos pensamentos sobre a arte e limpamos nosso<br />

senso comum; para experimentarmos, no fim, novas percepções<br />

artísticas.<br />

Usar o corpo como suporte, fazer arte como forma de resistência,<br />

desenhar ideologias e às vezes não se considerar artista,<br />

viver a arte na rua e viver da arte de rua, expressar-se para vencer<br />

os limites impostos pela vida, ser original ou inspirar-se na obra<br />

de outros, criar sua própria imagem, alimentar-se artisticamente<br />

por meio de incentivo público. Transformamos estas experiências<br />

em narrativas e ensaios, que nas mãos (e alma) de nossa<br />

equipe, tornaram-se obras de arte.<br />

Eis o nosso desafio. A CURINGA imergiu em um universo<br />

muito explorado, porém livre dos clichês. Deixamos aflorar o artista<br />

que existe dentro de cada um de nós. Esperamos que você<br />

mergulhe fundo nesta proposta e vivencie, de diferentes formas,<br />

esta edição especial.<br />

Endereço: Rua do Catete 166, Centro,<br />

CEP 35420-000, Mariana-MG<br />

Tiragem: 1.500 exemplares<br />

Fevereiro 2014<br />

Cartas do leitor<br />

Para comentar as matérias ou sugerir pautas para nossa próxima<br />

edição, envie e-mail para<br />

revistacuringa@icsa.ufop.br


seções Bodyart 6<br />

BH em HQ 7<br />

Museus infográfico 14<br />

Luz e forma ensaio fotográfico 22<br />

Poesia 5<br />

se essa rua fosse<br />

Deivison Silvestre perfil 32<br />

Latuff entrevista 8<br />

Arte e inconsciente espelho 36<br />

Vale Cultura<br />

opinião 30<br />

Experimentar ou reproduzir? opinião 12<br />

nossa especial 16<br />

Foto: Thamira Bastos


BAÚ<br />

Sobretudo, poeta<br />

Salvador, 5 de dezembro de 1911. Nascia Carlos Marighella. Filho de<br />

operário e neto de escravos, o guerrilheiro foi também um dos principais<br />

inimigos do governo militar brasileiro. Todavia, a trajetória e os bastidores<br />

da história de Marighella revelam que ele foi mais do que isso.<br />

Fundador da Ação Libertadora Nacional (ANL), viveu na clandestinidade<br />

a maior parte da vida. Enfrentou encarceramentos, torturas e conheceu<br />

a prisão quando dedicou alguns de seus versos ao militar Juracy Magalhães,<br />

na época um dos interventores nomeado pelo então presidente Getúlio Vargas.<br />

Igualdade, liberdade, luta. Os poemas de Marighella escritos entre as décadas<br />

de 30 e 60 representam mais que a ideologia revolucionária comunista;<br />

retratam o descontentamento, a indignação e a sede por justiça do povo<br />

brasileiro já cansado de um regime que mantinha o país sufocado.<br />

Político e comunista consagrado, Carlos Marighella também fazia poesias<br />

“E que eu por ti, se torturado for,<br />

possa feliz, indiferente à dor,<br />

morrer sorrindo a murmurar teu nome.”<br />

Texto: Yara Diniz<br />

Ilustração: Neto Medeiros<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Pedro Ferreira<br />

Em 2014 completam-se 45 anos de seu falecimento. A produção poética<br />

de Marighella, pouco difundida, está reunida no livro “Rondó da Liberdade”,<br />

título homônimo de um dos poemas mais famosos do autor. Na obra<br />

há poesias que mostram a sensibilidade e as paixões ocultas do militante,<br />

poemas de amor, versos sobre samba e futebol.<br />

“Rondó da Liberdade” contrapõe duas facetas de um homem que é comumente<br />

visto por uma só perspectiva. No livro conhecemos Carlos, que foi<br />

gente como a gente; dotado de defeitos e qualidades. Foi pai, foi esposo, foi<br />

poeta.<br />

“Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha<br />

associado o rosto dele aos cartazes de ‘Procura-se’ espalhados pela cidade.”<br />

palavras ditas no documentário Marighella, 2012, por Isa Grinspum Ferraz,<br />

cineasta e sobrinha de Carlos.<br />

5


E do corpo se fez arte<br />

Texto: Bruna Sudario<br />

Foto: Adriano Soares<br />

Ediçao Gráfica: Pedro Ferreira<br />

O que leva uma pessoa a fazer uma tatuagem, colocar um<br />

piercing ou algum implante pelo corpo? Entre as respostas para<br />

essas questões destacam-se os significados atribuídos ao corpo,<br />

à estética, ao prazer e a própria dor. Atitudes que compõem o<br />

universo do bodyart.<br />

Daniel Afonso Pinto, conhecido como Leão, é um legítimo<br />

representante desse grupo de pessoas que usam seus corpos<br />

como principal objeto de expressão. Para eles as formas humanas<br />

se tornam suporte para realizar inúmeras intervenções.<br />

A busca pelo inusitado, por algo pouco comum, está entre os<br />

fatores que o encanta. Leão comenta que desde a adolescência<br />

já demostrava interesse pelo diferente. “Apesar de eu ter esse estilo,<br />

eu nunca quis ser melhor do que ninguém. Eu sempre quis<br />

ser do meu jeito e usar aquilo que me faz bem, como o preto.”<br />

Daniel ficou famoso nas ruas de Ouro Preto e Mariana, devido<br />

a sua tatuagem na testa e a várias outras pelo corpo, por<br />

suas roupas e por ter um carro autêntico. Sua primeira tatuagem<br />

foi aos 16 anos, feita por seu irmão. Ele comenta que chegou a<br />

apanhar dos pais por isso. “Naquela época as coisas eram diferentes,<br />

hoje a visão das pessoas mudou”.<br />

De acordo com a pesquisadora da Universidade de São Paulo,<br />

Beatriz Pires, na primeira metade do século XX, os acessórios<br />

tidos como fetichistas, antes clandestinos, começaram a<br />

ganhar espaço na moda. Durante os anos 60, o corpo instaurou<br />

seu lugar em performances artísticas de diversas formas. Esses<br />

fatores, entrelaçados com o expressionismo abstrato de Pollock,<br />

primeiro movimento que seguiu os caminhos inversos do tradicional,<br />

foram capazes de promover a arte do corpo.<br />

Tanto com técnicas mais convencionais, como a tatuagem e<br />

o pierceng, ou as mais radicais como queimaduras e implantes, a<br />

busca pela inovação sempre foi motivo de estímulo para artistas<br />

do mundo todo procurarem nas propostas estéticas, funcionais<br />

e sexuais, aquilo que gostariam de ser e aparecer, suportando até<br />

mesmo a dor, para criar o diferente com o seu corpo.<br />

6<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


Texto: Lara Macedo<br />

Foto: Geraldo Adriano<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Pedro Ferreira<br />

Ideias em<br />

trânsito<br />

Trajando seu inconfundível terno amarelo, a<br />

bordo de sua moto propaganda, Lacarmélio Araújo<br />

cruza Belo Horizonte em busca do engarrafamento<br />

mais adequado. Em meio ao caos do dia a dia, a cada<br />

fechar de semáforo, ele estende sua placa com o recado:<br />

“Leia Celton. Estou vendendo revistas em quadrinhos<br />

que eu mesmo fiz.” O trabalho solo engloba<br />

desde a criação artística à venda. A roupa excêntrica<br />

e a moto estilizada, segundo ele, não passam de estratégia<br />

de marketing de um vendedor. E funciona.<br />

As pessoas o reconhecem na rua, buzinam, gritam e<br />

cumprimentam.<br />

Da criação da revista Celton, na década de 80, até<br />

hoje muita coisa mudou. Junto com Lacarmélio, o<br />

personagem evoluiu e passou a tratar de temas sociais.<br />

Recentemente, após ter sofrido abuso de autoridade<br />

por um policial, Lacarmélio fez a <strong>Edição</strong> de indignação.<br />

A abordagem diferente fez sucesso e gerou<br />

polêmica. “Falar sobre temas sociais é importante.<br />

Eu por exemplo era um analfabeto político, não sabia<br />

meus direitos e deveres numa situação dessa”, diz.<br />

Dono de uma carreira consolidada,<br />

o personagem Celton<br />

não é um herói que solta raios e voa,<br />

apesar de ter seus superpoderes. Ele é um<br />

cidadão comum, com problemas reais, que<br />

precisam ser solucionados. As histórias surgem<br />

de ideias simples: situações cotidianas às vezes sugeridas<br />

por leitores. Para Lacarmélio é importante gerar<br />

reflexão, passar informações úteis ao público.<br />

Apesar do reconhecimento pelo público, o quadrinista<br />

não considera suas revistas uma representação<br />

artística, já que seu trabalho vai além da ilustração<br />

e roteirização da revista. “Esse é meu ganha pão,<br />

sou um vendedor, um camelô como os que vendem<br />

balas nos sinais”, afirma. Para ele, “qualquer função<br />

exige arte, o motorista daquele ônibus é um artista,<br />

o varredor de rua também”. A “arte” de Lacarmélio<br />

revela situações que não são consideradas artísticas.<br />

No entanto, ao valorizar todas as manifestações humanas,<br />

o desenhista acaba por transformar em arte<br />

o cotidiano da capital mineira.<br />

7


Entrevista<br />

A arte para além da estética<br />

Texto: Paulo Victor Fanaia<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Cibele Souza<br />

8<br />

Carioca, nascido em novembro<br />

de 1968, Carlos Latuff é cartunista<br />

e ativista social. Como abertamente<br />

exprime, deseja que suas produções<br />

sejam instrumento de luta contra a<br />

injustiça e a desigualdade. Conquistou<br />

reconhecimento devido a publicações<br />

corajosas e críticas à atuação da Polícia<br />

Militar, à política colonizadora israelense,<br />

aos barões da agropecuária no Brasil,<br />

à covarde política dos sauditas, além<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9<br />

de valorizar as ações do MERCOSUL e<br />

do MST. Pela sua postura contrária às<br />

opressões e por denunciá-las de modo<br />

explicito, é amado por jovens brasileiros<br />

e pelo povo palestino. Considerado o<br />

terceiro maior antissemita do mundo,<br />

já foi ameaçado de morte pelo Likud,<br />

partido de ultradireita em Israel, em<br />

2006. Se tem medo? Parece que não,<br />

pois defende cada dia mais uma arte<br />

transformadora.


c: Latuff, por que a sociedade precisa de chargistas?<br />

L: Eu acho que a sociedade precisa de artistas,<br />

comprometidos, basicamente. Porque ser chargista<br />

não é o suficiente, ser músico, ser dramaturgo, cineasta,<br />

não é o bastante. Veja o caso do Romero Britto, que eu<br />

sempre cito, ele é um artista plástico, ele produz o que<br />

a gente convenceu a chamar de arte, mas como não<br />

tem comprometimento algum é simplesmente arte e<br />

decoração. A sociedade precisa de artistas voltados para<br />

a transformação, para o movimento social, e de chargistas<br />

assim.<br />

c: Quando você começou a se interessar pela Charge?<br />

L: Quando eu comecei a trabalhar com jornais da<br />

imprensa sindical, em 1990.<br />

c: Quantas charges você fez por ano, em média? Quantas já fez em toda sua vida?<br />

L: Ah, não tenho ideia. Pelo menos de dois em dois dias estou produzindo alguma coisa, as vezes é todo dia. Não<br />

passo uma semana sem desenhar. Posso estar viajando ou em casa, estou sempre desenhando. Isso do ponto de vista<br />

profissional, porque às vezes acontece, por exemplo, de eu sair com amigos, e desenhar pra alguém, na toalha, no<br />

guardanapo.<br />

9


c: E como se deu conta da necessidade da relação entre a arte e a crítica social?<br />

L: A arte não tem que estar ligada a crítica social o tempo todo. Você não tem a obrigação de produzir arte engajada<br />

24 horas por dia. Tudo em demasia é chato, é preciso também ter aquela arte que faz você relaxar, espairecer, rir.<br />

Porém, a arte não é só entretenimento, mas fazer pensar, refletir. Eu acho que o artista poderia dedicar parte do seu<br />

trabalho à transformação, à mudança, mesmo que não seja um artista engajado, isso já seria muito bom.<br />

c: Suas Charges são, algumas delas, marcadas<br />

pela violência visual. Em sua opinião, esse recurso<br />

atinge as pessoas? Tem alguma função estética?<br />

L: A violência pela violência não te leva à reflexão, te<br />

leva a um entorpecimento, a uma banalização. Você<br />

vê tanta violência nos filmes, como nos do Tarantino,<br />

que acha que aquilo ali é normal. É muito comum<br />

em filmes americanos, principalmente, as pessoas<br />

darem tiros e isso é colocado como uma coisa<br />

cotidiana, uma coisa corriqueira, e não é. Eu tento<br />

me utilizar da violência nas charges de maneira mais<br />

denunciativa, do que de glorificação ou exaltação da<br />

força. Eu procuro, como se diz em inglês, “show the<br />

ugly head” da violência, ou seja, mostrar o lado feio.<br />

c: Você desenvolve personagens para representar um povo, como o garoto negro manifestante, a mãe palestina,<br />

e normalmente põe o opressor como uma figura maior que o oprimido. Como funciona essa criação de sentidos?<br />

L: A produção imagética, principalmente a charge e a ilustração, é repleta de signos e símbolos, então é preciso ter<br />

sempre em mente que esses signos podem facilitar a comunicação com o interlocutor. Determinadas formas de<br />

linguagem facilitam a compreensão das pessoas. Muitas vezes coloco textos, plaquinhas que identificam os personagens,<br />

e tenho recebido críticas. Como se eu estivesse identificando o óbvio. Por exemplo, esse desenho que fiz mostrando um<br />

senhor negro levantando a venda da justiça e apontado para as casas sendo derrubadas, se eu não coloco a bandeira da<br />

“Copa 2014” no trator e não coloco a placa na aldeia escrita “Quilombo”, pode ser qualquer coisa, pode ser uma ocupação<br />

do MST, uma reintegração de posse, etc. Então, me utilizo de símbolos, signos e nomes para dar exatamente a ideia que<br />

preciso.<br />

10<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


c: Em 2006 o Likud te ameaçou, em Israel. Qual o segredo para um chargista ser tão amado e odiado pelo mundo?<br />

L: É só você pisar nos calos certos. Basicamente isso. E, claro, você está cheios de calos a serem pisados. Tem que saber<br />

quem é que está disposto a “colocar o seu na reta”, e não é todo mundo, infelizmente.<br />

c: E que dica dá para quem pretende viver de charge e cartum?<br />

L: Antigamente, antes do advento da internet, a única maneira pela qual você poderia publicar charges seria através da<br />

grande imprensa, no máximo, na imprensa sindical. Hoje você continua tendo esses dois meios. A imprensa sindical ainda<br />

tem espaço para o cartunista e chargista, o acesso ao jornal sindical é mais fácil que o acesso à grande imprensa. Eu<br />

tenho pra mim que a grande imprensa de um modo geral ainda precisa de um conteúdo mais pós-moderno, pois quem<br />

faz uma tira ou uma charge com um posicionamento político mais a esquerda, os grandes jornais tendem a não contratalo.<br />

Agora existe a possibilidade na internet de você trabalhar com a postagem de informação, trabalhar seus próprios<br />

personagens. É o caso do André Dahmer, que faz a tirinha “Malvados” e conseguiu furar esse bloqueio do “quem indica”.<br />

Começou a usar muito a internet, criou o personagem, hoje vende produtos da marca e conseguiu uma autopromoção<br />

muito boa nas redes sociais. E tem os portais, etc. Essa mídia eletrônica de hoje tem muito mais espaço, existe uma série<br />

de possibilidades que na minha época não havia.<br />

c: Qual grande acontecimento ou boa notícia você espera chargear no ano de 2014?<br />

L: Boas notícias, eu não sei. Grandes acontecimentos, sim, boas notícias é que não (risos). Pois 2014 vai ser só<br />

pauleira: 50 anos do Golpe de 64, Copa do Mundo, Eleições, possíveis manifestações por conta do aumento da<br />

tarifa de transporte, a questão dos indígenas se acirrando cada vez mais, dos quilombolas e da repressão policial -<br />

que vai ser violenta! Se a gente sobreviver a 2014, vamos ter muita história pra contar!<br />

11


FRAGMENTOS<br />

Experimentar ou<br />

reproduzir<br />

?<br />

Originalidade é um conceito que parece permear todas<br />

as definições de arte. Na filosofia de uns dois séculos atrás,<br />

Hegel já pensava a arte como algo novo, fruto da ideia de<br />

alguém, portanto original. Nessa busca constante pela novidade,<br />

os moldes se alteram e entram em confronto consigo<br />

mesmos. Um artista que quer ser diferente, mesmo que<br />

inserido numa corrente de pensamento ou numa técnica<br />

específica, procura apresentar elementos que o diferencie<br />

de seus pares. O filósofo contemporâneo, Gilles Deleuze, em<br />

“Lógica da Sensação”, chama atenção ao fato de o pintor<br />

nunca lidar com uma superfície em branco. Em sua frente<br />

ele vê uma tela carregada de clichês com os quais será necessário<br />

lutar para romper até ver o quadro pronto. Levando<br />

tudo isso em conta, talvez seja possível pensar que, mesmo<br />

nova, uma obra nasce de outra, nem que seja tomando a<br />

anterior como parâmetro para fazer diferente.<br />

Não parece ser esse o caso dos "artistas" do consumo,<br />

que ao invés de experimentar possibilidades, pegam o caminho<br />

da reprodução e nos apresentam coisas não tão novas<br />

assim. Seria isso o reflexo de uma certa crise de originalidade<br />

por parte dos "criadores"? Ou seria a Indústria a grande<br />

vilã da história? Fica difícil saber se é o artista quem teme a<br />

recepção da novidade ou se é o mercado que tem preguiça<br />

de se renovar constantemente.<br />

Quadros, esculturas, filmes e músicas já existentes sempre<br />

serão usados como fonte de inspiração por quem quer criar algo<br />

novo, isso é inevitável. O problema é quando essa "inspiração"<br />

nada mais é do que o desejo de fazer parecido com o que vem<br />

dando certo em termos de venda. O rádio e a televisão parecem<br />

não cansar de escoar uma produção em série de músicas com<br />

um mesmo ritmo e uma mesma<br />

temática (carro-bebida-balada).<br />

Nas definições de arte que encontramos<br />

facilmente numa pesquisa<br />

no Google, vemos algo como: uma<br />

manifestação do intelecto, o ato de<br />

colocar pra fora um sentimento,<br />

uma sensação, uma ideia. Contudo,<br />

o que temos no momento não<br />

parece ser fruto disso, mas sim<br />

uma reprodução completamente<br />

racional, preocupada em satisfazer<br />

um desejo do mercado e de um<br />

público que segue as tendências, e<br />

não do próprio artista. Caímos então<br />

numa encruzilhada. Fica difícil<br />

saber o que é arte, quem de fato<br />

é artista e o que é original.<br />

Texto: Davi Machado<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Marcelo Nahime Jr.<br />

12<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


13


INFOGRÁFICO<br />

Texto: Cinthya Meneghin<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Bruna Mattos<br />

Manaus concentra o maior<br />

número de museus da região<br />

Norte. No ranking nacional,<br />

encontra-se apenas em 10° lugar,<br />

com 29 museus.<br />

O primeiro museu implantado<br />

no Brasil foi em Pernambuco,<br />

durante a ocupação holandesa<br />

no séc. XVIII, englobando jardim<br />

botânico, jardim zoológico e<br />

observatório astronômico.<br />

Museus por região<br />

O Distrito Federal,<br />

com 60 museus,<br />

concentra o maior<br />

número da região,.<br />

0 200 400 600 800 1000 1200<br />

Quantidade de habitantes por região<br />

Curitiba é a cidade<br />

que possui mais<br />

museus na região Sul,<br />

com 70 instituições.<br />

0 20000000 40000000 60000000 80000000 100000000<br />

14<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


Museus no Brasil<br />

No ano de 2012 foi lançado pelo IBRAM, “Instituto Brasileiro de Museus”, a última<br />

edição do manual das instituições museológicas do Brasil. Nessa publicação<br />

realizou-se um levantamento geral sobre os museus. A <strong>Curinga</strong> acrescentou a<br />

estes dados outras informações e curiosidades.<br />

Ao administrar os museus, o setor público estabelece o compromisso de mantê-los<br />

funcionando, Isso não acontece quando gerenciado pelo setor privado.<br />

Na maioria dos museus do Brasil a administrção<br />

é pública. Na região Norte os governos<br />

concentram 47,1% da administração.<br />

No Nordeste há um equilíbrio entre o número<br />

de instituições administradas pelo poder<br />

público (57,9%) e pelo setor privado (42,1%).<br />

No Centro Oeste há um equilíbrio entre a<br />

administração federal (23,8%) e municipal<br />

(27,7%). Isso se justifica pela presença do<br />

Distrito Federal.<br />

Das instituições museológicas do Sudeste,<br />

43,6% são administradas pelo município.<br />

Na região sul, 54,1% dos museus são de<br />

aministração municipal.<br />

A maior reunião de museus<br />

no Nordeste está em Salvador.<br />

Com 71 museus, é a<br />

terceira cidade na estatística<br />

nacional.<br />

São Paulo possui 132 museus. É a<br />

cidade com maior concentração do<br />

país. Campinas, com 21, é a única<br />

cidade não capital presente na<br />

estatística feita pelo IBRAM.<br />

O Museu Emílio Goeldi, fundado na<br />

capital do Pará em 1866, é o<br />

detentor do título de primeira<br />

instituição dedicada à Ciência na<br />

Amazônia. É referência no Brasil e<br />

no mundo por possuir variadas e<br />

raras espécies vivas e em reprodução<br />

na área da Botânica e da<br />

Zoologia.<br />

Terça a Domingo das 9h às 17h<br />

www.museu-goeldi.br<br />

Em 1969 foi inaugurado<br />

o Museu de Arte<br />

Sacra da Boa Morte.<br />

Seu acervo é composto<br />

de prataria, mobiliário,<br />

porcelana, retábulos, indumentárias,<br />

gravuras e pinturas,<br />

entre outras peças do séc. 18 e 19.<br />

São obras sacras de vários<br />

autores.<br />

O Museu Catavento foi o<br />

mais visitado de 2013.<br />

Localizado em São<br />

Paulo, ele possui 4<br />

seções: Universo, Vida,<br />

Engenho e Sociedade.<br />

Ter - Dom das 9h às 16h<br />

www.cataventocultural.org.br<br />

O Museu do Homem do<br />

Nordeste, fundado em 1979 em<br />

Recife, possui acervo diversificado,<br />

com cerca de 15 mil peças<br />

de heranças culturais da formação<br />

do povo nordestino. É um<br />

dos mais importantes museus<br />

antropológicos do Brasil.<br />

Terça a Sexta das 8h30 às 17h<br />

Sábados e Domingos das 13 às 17h<br />

www.fundaj.gov.br<br />

O Museu de Cera<br />

Dreamland, em<br />

Gramado, é o primeiro<br />

projeto do gênero na<br />

América Latina a<br />

apresentar ícones do cinema e da<br />

cultura pop. São mais de 90 astros<br />

e personalidades distribuídos em<br />

20 cenários temáticos.<br />

Terça a Sábado das 9h às 17h e Dom Todos os dias das 08:00 as 19:00h.<br />

das 9h às 13h<br />

e-mail: masbm@museus.gov.br www.museudeceradreamland.com.br<br />

15


ESPECIAL<br />

Se essa rua<br />

fosse nossa...<br />

Texto: Laura Ralola<br />

Fotos: Arthur Medrado e Felipe Sales<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Íris Zanetti<br />

Quando penso em arte de rua lembro também das<br />

plantas que brotam das rachaduras abertas no cimento<br />

das calçadas. Ambas levam cor e vida às moribundas<br />

ruas que parecem menos ocupadas, utilizadas cada vez<br />

mais como um simples lugar de passagem.<br />

Podem capinar o mato, mas ele voltará a crescer.<br />

Enquanto um muro está sendo pintado de branco,<br />

outros são ocupados por artistas que dizem não a esse<br />

modelo de cidade.<br />

A Arte Urbana quebra as portas do privado, quer se<br />

fazer ver por todas as pessoas e contribui para que<br />

a cidade seja vivida de forma plural! Artistas de rua<br />

mostram claramente como entendem a cidade: como<br />

um lugar de encontros e trocas de experiências.<br />

16<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


A cidade segue do seu jeito, sem parar nem<br />

mesmo a noite. Asfalto, muro e calçadas disputam<br />

quem carrega em si o tom mais acinzentado.<br />

Buzinas de motoristas impacientes se misturam<br />

com os apitos dos guardas de trânsito. Completando<br />

a cena, pessoas apressadas seguem a passos<br />

largos, ansiosas para respirarem fundo em<br />

seus seguros destinos. Nessa correria, pouco se<br />

repara. Nos prédios, nos outros... até a cor cinza<br />

já passa batida – também, pudera, tudo igual…<br />

Uma pequena flor amarela nasce das rachaduras<br />

entre o meio-fio e o asfalto, bem em frente<br />

à faixa de pedestres. Quebra todo esse cenário caótico<br />

e, se bobear, até arranca sorrisos! “Que bela<br />

florzinha resistente”, dirão.<br />

São as tais “linhas de fuga” descritas pelo<br />

filósofo Gilles Deleuze. Se a dominação existe,<br />

existem também os pontos de resistência. Em<br />

cidades cada vez mais privadas, tudo é negócio -<br />

da vaga para carros à utilização do banheiro em<br />

rodoviárias. Em meio à imensidão de mensagens<br />

impostas pela privatização do espaço público, artistas<br />

levam às ruas a arte como forma de escape.<br />

De acordo com Nina Caetano, professora de<br />

Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro<br />

Preto (UFOP), “ a arte urbana é fundamental para<br />

descondicionar olhares e ativar comportamentos,<br />

inclusive de partilha e encontro, de vivência poética<br />

do espaço público”. Segundo a professora, a<br />

Arte Urbana é aquela desenvolvida no espaço da<br />

cidade e engloba desde intervenções visuais até<br />

performances e outras ações que dialogam diretamente<br />

com elementos desse espaço.<br />

Podemos citar, como exemplos de intervenções<br />

visuais, o Graffiti, Stencil Art (a aplicação<br />

da imagem é feita com molde vazados), a Sticker<br />

(pintura através de adesivo), a Lamb Lamb (onde<br />

a mesma imagem é reproduzida e aplicada em<br />

maior escala), além da própria Pichação.<br />

17


O que as cidades têm a dizer?<br />

O muro é apenas uma parede forte que circunda um recinto ou separa um lugar do<br />

outro? O muro está presente nas cidades brasileiras assim como o peixe está no mar. Ele<br />

cerca propriedades e as protege da entrada daqueles que não foram convidados. Justamente<br />

o muro, símbolo de separação, é historicamente ocupado e resignificado por agentes<br />

culturais e políticos nas ruas de todo o mundo. Tais agentes interpretam os espaços como<br />

murais e com tintas de todas as cores transformam e dão singularidade ao lugar. Se o muro<br />

simboliza os limites, quando ocupado escancara a resistência!<br />

De acordo com o manifesto da página Olhe Os Muros (https://www.facebook.com/<br />

olheosmuros?fref=ts), que reúne na rede imagens de expressões de arte urbana pelo Brasil<br />

e por alguns países da América Latina, “no muro lemos a cidade e a cidade fala conosco;<br />

conta de seus desejos e seus problemas. Tem vez que a gente se identifica. Tem vez que a<br />

gente se questiona”.<br />

São os muros ocupados na cidade do Rio de Janeiro, e suas mensagens que articulam<br />

expressão visual, literatura e política, que guiam o olhar e passos da jornalista Beatriz<br />

Noronha em sua pesquisa “E o verbo se fez muro – Apontamentos para uma comunicação<br />

urbana” (2012). O trabalho mostra os muros como espaços de expressão capazes de fortalecer<br />

reflexão e transformação no cotidiano das pessoas e das cidades.<br />

foto: Arthur Medrado<br />

18<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


Foto: Felipe Sales<br />

Beatriz considera os muros como lugares de fala e adentra numa pesquisa sobre<br />

ocupação, (re) apropriação e ressignificação do espaço público. “O trabalho tem seu<br />

foco sobre o meio, muros, tendo nas intervenções urbanas uma espécie de gatilho<br />

capaz de acionar estes endurecidos territórios urbanos para uma comunicação afetiva,<br />

no sentido da criação de estados transitórios de sensações, boas ou não, estranhas<br />

ou não, nos passantes”, escreve a jornalista.<br />

O artista plástico Thiago Alvim pinta a rua desde 2006. Hoje em dia não faz nem<br />

ideia de quantos trabalhos tem espalhados. Na região de Ouro Preto e Mariana são<br />

inúmeros os que colorem as históricas ladeiras.<br />

Para o artista, que atualmente mora em Belo Horizonte, pintar na cidade grande<br />

é diferente de realizar o trabalho em cidades menores e mais tranquilas. Apesar de<br />

existir nos grandes centros painéis mais elaborados, que demandam mais tempo<br />

de produção, o que prevalece, num espaço onde a fiscalização que cerceia esse tipo<br />

de ofício é mais severa, é a necessidade de ser ágil: “isso acontece porque as autoridades<br />

estão muito estressadas por lá...Além das pessoas, que tem medo de tudo,<br />

inclusive de um rapaz pintando em local público”.<br />

Thiago tem a relação com a cidade e a visualização imediata do trabalho, sem<br />

que a pessoa precise frequentar algum espaço fechado, como motivação. É isso,<br />

além da aventura e adrenalina, que o faz pintar a rua. “Qualquer classe social, qualquer<br />

idade, qualquer tipo de pessoa pode ver e interpretar do modo que quiser”.<br />

foto: Felipe Sales<br />

19


O que as cidades têm a ouvir?<br />

Milton Nascimento afirma, pelos Bailes da Vida, que<br />

“todo artista tem de ir aonde o povo está”. A Banda Matilda,<br />

de Juiz de Fora – MG, é formada por quatro mulheres<br />

crédulas de que o povo está na rua! Elas se apresentam<br />

sim em estabelecimentos privados, mas é no espaço público<br />

que gostam mesmo de tocar. “Acho que nós amamos a<br />

Matilda na rua! Assim como misturamos ritmos e ‘sons’,<br />

gostamos dessa mistureba e possibilidades que a rua oferece”,<br />

conta Amanda Martins, flautista da banda.<br />

Para a percussionista Fabrícia Valle, estar na cidade é<br />

uma performance na medida em que se propõe a mediar<br />

outras possibilidades de habitar o espaço urbano através<br />

da experiência estético-musical. “Assim sendo”, completa,<br />

“o show acaba configurando-se uma interferência que se<br />

dá na dinâmica público-palco”. A violonista Bia Nascimento<br />

conclui: “A galera é mais solta na rua”.<br />

O rapper Criolo disse na faixa três de seu segundo álbum,<br />

“Nó na Orelha”, que não existe amor em São Paulo,<br />

mas de acordo com Renata Braga, idealizadora do projeto<br />

“Questão de Etiqueta”, não é o amor que falta, está faltando<br />

amar. E por toda essa vontade de gerar gentilezas,<br />

Renata espalha pela capital paulista frases de literatura,<br />

música e cinema escritas em etiquetas adesivas.<br />

“As primeiras etiquetas começaram a ser espalhadas no<br />

meu caminho diário na época, e assim foi acontecendo”,<br />

conta Renata.<br />

Um passante senta-se no metrô e se depara com uma<br />

citação de Millôr Fernandes, “viver é desenhar sem borrachas”,<br />

escrita em uma etiqueta de caderno escolar e colada<br />

no assento. Quantas pessoas não leram a frase de Millôr<br />

quando se sentaram em frente a ela? Imagine alguém no<br />

vagão lotado no fim do dia. E outras quantas não olharam<br />

para a frase logo nas primeiras horas da manhã?<br />

Quem viu sentiu. Questionou-se, alegrou-se, irritouse...<br />

mas de certo algum sentimento se manifestou naquele<br />

momento. Quem não viu, pode ver em um outro dia...<br />

Foto: Arthur Medrado<br />

20<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9<br />

Obra do artista Thiago Alvim, próxima ao trilho do trem, em Ouro Preto


As etiquetas estão espalhadas por aí e, uma vez<br />

coladas, podem ser lidas pelos mais diversos transeuntes.<br />

E se ela for descolada? Com toda a certeza<br />

outras, com outras frases, estão sendo espalhadas<br />

por Renata em muros, postes, estações de metrô,<br />

pontos de ônibus e onde mais for colável!<br />

Arte e artista que interferem no cinza da cidade,<br />

cobrem o som das buzinas com músicas, resistem<br />

à correria do cotidiano e provocam sensações nos<br />

passantes. Passantes esses que dedicam alguns minutos,<br />

às vezes segundos, para admirar um grafite<br />

feito por Thiago, ou ler uma frase em uma etiqueta,<br />

colada por Renata, ou se deliciar com um show da<br />

Matilda na praça. A arte de rua quebra gradativamente<br />

o paradigma de que a arte deve ser compreendida<br />

como elemento voltado essencialmente ao<br />

mercado. Ela é mais que isso.<br />

“<br />

A liberdade de fazer e refazer<br />

as nossas cidades, e a nós<br />

mesmo, é, a meu ver, um de<br />

nossos direitos humanos mais<br />

preciosos e ao mesmo tempo<br />

mais negligenciados<br />

(David Harvey)<br />

”<br />

foto: Arthur Medrado<br />

Direitos Paralizados no Rio de Janeiro<br />

Não posso fazer serenata<br />

A roda de samba acabou<br />

A gente toma a iniciativa<br />

Viola na rua, a cantar<br />

Mas eis que chega a roda-viva<br />

E carrega a viola pra lá<br />

(Chico Buarque - Roda Viva)<br />

Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro, junho de 2010: As pessoas andam depressa,<br />

automóveis circulam e as coisas seguem em movimento. O artista de rua, no ofício de “estátua<br />

viva”, entretanto, permanece imóvel: sua forma de se apropriar da cidade.<br />

A Guarda Municipal chega e entende que a performance não pode ser realizada. Decretam<br />

que o artista deve parar com seu ofício, porém a performance não acabou e estátuas não<br />

se movem. O artista permanece parado, indo contra a ordem dos agentes.<br />

O decreto da Guarda chamou a atenção dos passantes, que se uniram para questionar<br />

a legitimidade da ação e, com isso, a permanência do artista foi garantida. O momento, por<br />

acaso, foi gravado no caótico cotidiano urbano e postado na rede pelo usuário Christian Caselli.<br />

O vídeo “Proibido parar” dura mais ou menos seis minutos e tem quase cinquenta mil visualizações<br />

no youtube. Nele, vozes indicam que o ocorrido era resultado da própria escolha da<br />

população: seus representantes.<br />

Em 2012, dois anos depois da polêmica com a “estátua viva”, artistas de rua do Rio de<br />

Janeiro comemoraram a lei 5429/2012, de autoria do vereador Reimont Otoni (PT- RJ), que<br />

passou a garantir as atividades artísticas em estabelecimentos públicos de 08h às 22h sem a<br />

necessidade do aval do poder na cidade carioca.<br />

21


FOTOGRAMA<br />

A luz que<br />

definea<br />

22<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


forma<br />

Sem pressa, sem certeza... buscando efeitos que o olho não vê<br />

23


24<br />

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25


fotos e texto: arthur medrado e gerliane mendes / edição gráfica: lorena costa<br />

26<br />

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27


RELICÁRIO<br />

de quem<br />

28<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


é a arte?<br />

Texto: Edan André<br />

Foto: Neto Medeiros<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Tuanny Ferreira<br />

Transformar um livro em filme, uma<br />

música em poesia, fazer a releitura de um<br />

quadro. Esse assunto sempre causa discussão<br />

no mundo artístico. O cenário atual das<br />

artes é marcado pela recorrência de adaptações<br />

de diversos produtos, consequência<br />

da facilidade e velocidade de informação e<br />

circulação no mundo.<br />

O cineasta e roteirista Jorge Furtado,<br />

em palestra que ministrou na 10ª Jornada<br />

Nacional de Literatura em Passo Fundo-RS,<br />

em 2003, sobre a adaptação de livros para<br />

a indústria cinematográfica, defendeu que<br />

“as relações entre o cinema e a literatura<br />

são antigas e nem sempre amistosas. Antes<br />

da invenção do direito autoral, em 1910, os<br />

cineastas simplesmente roubavam histórias<br />

dos livros. Em 1911, Gabriele d’ Annunzio<br />

vendeu toda a sua obra, já escrita e<br />

futura, para uma empresa cinematográfica<br />

italiana. Desde lá, milhares de livros têm<br />

sido adaptados para o cinema.”<br />

Mas além da questão autoral, os estudiosos<br />

das artes, de modo geral, defendem<br />

que as adaptações não conseguem reproduzir<br />

fielmente as obras originais, fazendo<br />

pensar em outro ponto que toca esse tema,<br />

a fidelidade dos elementos que constituem<br />

a narrativa do livro quando transposta para<br />

o formato do filme.<br />

Adaptando... ou não...<br />

Ao adaptar um livro para um filme, que<br />

são formatos de narrativa e produção distintos,<br />

a perda de conteúdo ou transformação<br />

parece algo inevitável. Num primeiro<br />

sentido, a adaptação não seria da obra em<br />

si, mas de seu espírito e conteúdo, o que<br />

não prescinde da fidelidade à sequência<br />

narrativa e ao foco da obra original. Entretanto,<br />

por ser uma adaptação, uma transposição<br />

de conteúdo, gera-se uma expectativa<br />

de proximidade máxima à obra que lhe<br />

deu origem.<br />

Em 1997 o crítico literário francês Gérard<br />

Genette defendeu que as adaptações<br />

estão imersas em dois níveis principais. O<br />

primeiro é o conteúdo que será traduzido<br />

e que, consequentemente, depende do segundo<br />

nível, que é a forma que ele será<br />

construído e adaptado para um suporte totalmente<br />

diferente.<br />

Para Robert Stam, da New York University,<br />

cada cineasta tem seu jeito de trabalhar,<br />

as adaptações podem acontecer<br />

de diversas formas. Os roteiristas podem<br />

acelerar a ação fílmica, imprimindo mais<br />

dinamicidade, ou apenas focar nos fatos<br />

e personagens principais que sustentam a<br />

história, deixando a narrativa cinematográfica<br />

mais lenta ou com tempo normal, dependendo<br />

da intenção do cineasta.<br />

Segundo o artista mineiro Xisto Siman,<br />

“é difícil reproduzir um livro num filme<br />

porque um livro foi pensado para ser daquele<br />

formato. Acho que cada manifestação<br />

artística é muito específica.”<br />

Da apropriação ao plágio<br />

Além das questões relacionadas às técnicas<br />

de adaptação, as de cunho jurídico<br />

também devem ser consideradas. Quando<br />

viola-se o direito autoral de algum autor,<br />

este pode acusá-lo formalmente através de<br />

processo judicial.<br />

Apropriar-se de uma obra original sem<br />

dar crédito ao autor pode ser considerado<br />

plágio. O plágio é considerado violação ao<br />

direito autoral, segundo a Lei Federal nº<br />

9.610/1998, que em seu artigo 24, II, garante<br />

ao criador o direito de ter o seu nome<br />

como autor na utilização de sua obra. Além<br />

disso, o plágio fere o direito de integridade<br />

da obra e de sua modificação, que cabem<br />

exclusivamente a quem a criou.<br />

A apropriação é encarada como um<br />

procedimento comum no campo das artes<br />

visuais, não apenas pelo público, mas também<br />

por artistas que se inspiram e pelos<br />

que servem de inspiração. Embora já tenha<br />

provocado processos judiciais.<br />

Segundo matéria do site da revista Veja<br />

no dia 04/02/2014, o ator e produtor Tom<br />

Cruise e o estúdio Paramount estão sendo<br />

processados em um bilhão de dólares pelo<br />

roteirista Timothy Patrick McLanahan. Timothy<br />

alega ter escrito e registrado em<br />

1998 o roteiro do longa-metragem Head<br />

On, 13 anos antes do lançamento de Missão<br />

Impossível – Protocolo Fantasma, em 2011.<br />

Apesar do plágio e seu lado prejudicial<br />

às artes, certas adaptações não conviveram<br />

com este estigma. O escritor Cristóvão Tezza,<br />

em entrevista ao site da livraria Saraiva<br />

no dia 11/01/2012, afirma que lembra de ter<br />

visto, nos anos 70, a adaptação de O Estrangeiro,<br />

de Albert Camus, num filme dirigido<br />

por Luchino Visconti. “Eu tinha acabado de<br />

ler o livro e fiquei vivamente impressionado<br />

com a fidelidade. E lembro também de uma<br />

adaptação trágica: As confissões de Schmidt,<br />

baseado no romance de Louis Begley,<br />

um livro refinadíssimo e que se transformou,<br />

a meus olhos, numa história caricatural<br />

e grosseira no cinema.” Bem sucedidas<br />

ou não, e mesmo criando situações judiciais<br />

desagradáveis, as adaptações e apropriações<br />

continuarão acontecendo, sem deixar<br />

de ser arte.<br />

29


RELICÁRIO<br />

quanto vale<br />

acultura<br />

O que você consegue fazer, em um mês, com a quantia de R$ 50?<br />

Texto: Luma Oliveira<br />

Foto: Fernanda de Paula<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Marcelo Nahime Jr.<br />

30<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


É interessante ver como o consumo cultural tem crescido<br />

em nosso país. Durante muito tempo, o acesso a bens culturais<br />

parecia coisa distante e estava restrito apenas a uma parcela<br />

da população. Nos anos 2000, as políticas sociais foram, inicialmente,<br />

desenvolvidas para a alimentação e transporte, havendo<br />

pouca valorização do que chamamos de “alimento para<br />

a alma”.<br />

Idealizado em 20<strong>09</strong>, pelo governo Lula, e lançado no final<br />

de 2013, o Vale-Cultura - primeira política pública governamental<br />

focada na cultura - beneficia o trabalhador que possui carteira<br />

assinada, proporcionando à ele o acesso a bens culturais<br />

a partir de um cartão magnético acumulativo, com o valor de<br />

R$50 mensais. A quantia não é grande, mas considerando os<br />

custos destes produtos no Brasil, já é alguma coisa.<br />

O objetivo ao se criar o Vale foi qualificar os hábitos culturais<br />

da população, incorporando ao seu cotidiano novas práticas<br />

de lazer e entretenimento. Entretanto, como escolher a melhor<br />

forma de gastar os R$50? O Vale pode ser gasto somente com<br />

aquilo que o projeto enquadra como serviço ou produto cultural.<br />

E é exatamente aí que encontramos o ponto mais polêmico<br />

da proposta. Afinal, o que pode ser considerado cultura?<br />

De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia<br />

e Estatística (IBGE), que fundamenta esta política pública,<br />

apenas 14% da população brasileira vai ao cinema regularmente,<br />

96% não frequenta museus, 93% nunca foi a uma exposição<br />

de arte e 78% nunca assistiu a um espetáculo de dança.<br />

É inegável a excelente oportunidade que a iniciativa do governo<br />

dará a muitos trabalhadores, promovendo o aumento do<br />

acesso a segmentos como teatro, cinema, cursos de música e<br />

museus. Todavia, não adianta apenas fornecer dinheiro ao trabalhador<br />

para esse tipo de entretenimento.<br />

É preciso ampliar a visão cultural do brasileiro fomentandoa<br />

desde o ensino básico da educação, dando mais possibilidades<br />

de escolha para a sociedade. Fosse isso uma realidade, tantas<br />

pessoas que passam a dispor do Vale teriam ideia de como enriquecer<br />

o seu uso. Afinal, “a gente não quer só comida. A gente<br />

quer comida, diversão e arte!”.<br />

31


PERFIL<br />

pincéis<br />

INQUIETOS<br />

Com apenas 24 anos o artista<br />

marianense Deivison Silvestre, já<br />

expôs suas telas em cinco galerias<br />

de arte da região. Seu método de<br />

estudo nada convencional levou-o<br />

a desenvolver um conceito próprio,<br />

reconhecido por curadoria, que<br />

fundamenta sua obra. SIMIOSOFIA:<br />

simio (primata) + sofia (sabedoria), o<br />

homem como animal egocêntrico,<br />

o homem como um animal racional.<br />

“Minhas expressões aparecem<br />

como sombras das experiências<br />

consumadas no âmbito social,<br />

evidenciam as misérias humanas,<br />

crenças, políticas, juízos estéticos.<br />

Utilizo-me do discurso filósofico<br />

para compor as expressões”.<br />

32<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


Texto: Marina ibba<br />

Foto: Kíria Ribeiro<br />

<strong>Edição</strong> gráfica: Thainá Cunha<br />

Subi as escadas da galeria de Arte<br />

Contemporânea em Ouro Preto e ela<br />

me recebeu com um sorriso doce.<br />

Quando me dei conta, retribuía-lhe o<br />

sorriso com todos os músculos do meu<br />

corpo. Os olhos deixavam escorrer todo<br />

orgulho e admiração que sentia, porém<br />

o sorriso acolhedor, é claro, não era pra<br />

mim. Maria do Carmo, Preta, tinha<br />

sua atenção voltada para um rapaz<br />

que encarava uma tela branca, quase<br />

do seu tamanho, manchada com uma<br />

tinta preta e rodeado por três garotas.<br />

Eu não era merecedora daquele sorriso,<br />

mas gostei e fiquei ao seu lado mais um<br />

tempo.<br />

33


O papo começou e logo soube que o tão observado<br />

pintor era seu filho mais velho, Deivison Silvestre. E as<br />

mulheres, Cíntia Luana (21) e Naomy (9), suas filhas, e<br />

Samilla (18), sobrinha e nora. A mãe me conta que esse<br />

menino só sabia mesmo era desenhar. Desde os 6 anos<br />

cria personagens e histórias nos papéis. “É isso mesmo<br />

que ele tem que fazer”, diz Preta, que não permite que<br />

o filho trabalhe em áreas distantes da arte, mesmo<br />

enfrentando situações financeiras difíceis. E não foram<br />

poucas.<br />

Hoje, Deivison estuda Filosofia, mas suas criações<br />

nunca precisaram do método convencional, de escolas<br />

de arte ou aulas de pintura e desenho. Para criar, só<br />

é preciso uma tela em branco, um guardanapo, um<br />

tecido, um pedaço de madeira ou qualquer plataforma<br />

que possa sofrer sua interferência. A técnica é sua,<br />

mutável. Ele traz para as telas uma maneira de ver o<br />

mundo, e a estética é agressiva, incomoda e nos convida<br />

ao questionamento.<br />

Fala com prazer sobre suas criações, me conta com<br />

sorriso nos lábios que desde pequeno seus desenhos são<br />

questionados pelos colegas por suas características. Não<br />

agradava-lhe a ideia de copiar as animações que assistia<br />

na televisão. Sempre gostou do que faz, admira as<br />

ilustrações por dias, orgulha-se do resultado e quando o<br />

alcança, assina e encerra as pinceladas.<br />

A família que sorri<br />

Incentivado pelo padrasto, que percebeu seu<br />

potencial e muito cedo começou a presenteá-lo com<br />

materiais de desenho e pintura. Deivison reconhece<br />

todo o apoio que recebeu, mas faz questão de exaltar<br />

sua recusa quando matrículado em um curso de artes da<br />

Fundação de Artes de Ouro Preto, no qual foi apenas ao<br />

primeiro dia de aula.<br />

Samilla, a prima que virou namorada há quatro<br />

anos, é musa de algumas obras, mesmo quando não se<br />

vê retratada de forma verossímil. Admira, mas confessa<br />

que nem sempre compreende o trabalho de Deivison,<br />

que faz dobraduras nos guardanapos enquanto esperam<br />

o jantar em restaurantes. A obra “Complexo categórico”,<br />

para a qual Samilla posou, foi premiada e compôs o IV<br />

Salão de Arte Regional de Itabirito (Mariana, Santa<br />

Luzia, Itabirito) de 2011.<br />

”Não se reduz a números as paixões<br />

e tormentos de um homem”.<br />

Seus amigos são lembrados com carinho, as<br />

brincadeiras de rua, as molecagens do colégio, os que<br />

chegaram mais tarde e se foram cedo, os que foram<br />

abrigados na casa da família quando precisaram e, até<br />

mesmo os que não mandam mais notícias. Pretinha<br />

também se lembra deles, me conta sobre as inimizades<br />

do seu menino no colégio e com muita certeza me<br />

ensina que a melhor maneira de retribuir o que o outro<br />

me oferece é com amor. Afirma que a melhor coisa do<br />

mundo é ser criança, fantasiar e brincar o tempo todo.<br />

Enquanto Deivison elimina o excesso de tinta preta<br />

da tela, sua mãe me conta que trabalha como babá,<br />

desde os doze anos. Com um sorriso travesso, confessa<br />

que nunca gostou de arrumar a casa ou de cozinhar, o<br />

que gosta mesmo é de brincar com as crianças, inventar,<br />

esconder algumas bagunças e cuidá-las com carinho,<br />

pois, “é com amor que a gente tem que ensinar”.<br />

Observado, Deivison assina a tela antes branca e nos<br />

apresenta Pietà, com olhos carregados de dor e miséria,<br />

recebida com aplausos. O artista também volta seu olhar<br />

para as mulheres que o observam. É tarde e a galeria<br />

precisa ser fechada, a família volta para casa e antes de<br />

sair me convida para um café no dia seguinte.<br />

Em Mariana, encontrar a casa não é uma difícil<br />

tarefa. Uma placa ao lado da porta me apresenta o ateliê<br />

aberto de Deivison. Logo soube que o lar não abriga<br />

apenas um artista, sua irmã Cíntia, estuda Artes Cênicas<br />

e Naomy, a caçula, esperou seu irmão sair do ateliê um<br />

34<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


minutinho para entrar com um violão e me presentear com as<br />

três músicas que já compôs. O sorriso admirado de Preta logo<br />

apareceu na fresta da cortina que separa o ateliê da sala da casa.<br />

Olhos que criam<br />

Deivison voltou e me apresentou algumas ilustrações<br />

originais da revista em quadrinhos que criou, Mundo Azul, que<br />

circulou durante três meses em 2010. Não possui mais todos os<br />

originais, alguns foram doados a amigos e outros vendidos para<br />

ajudar nas contas de casa. As reproduções da revista também<br />

se foram. Desapega-se das obras, mas a constante fome de<br />

criação não deixa o pequeno quarto que transformou em ateliê<br />

ficar vazio. Quando não está desenhando efetivamente planeja<br />

desenhos com as mãos inquietas que fazem traços no ar a todo<br />

instante. Não é simplesmente uma mania, faz exercícios com os<br />

pulsos e dedos para facilitar a prática.<br />

”Desenvolvo minha arte em meu tempo<br />

reconhecendo estéticas artisticas de periodos<br />

passados”.<br />

Realizado, fala com satisfação sobre cada trabalho<br />

concluído. Não sabe se chora ou continua apreciando a nova<br />

tela, que termina nas madrugadas de pouco sono e muitas<br />

ideias. Óleo sobre tela, nanquim, aquarela, colagem, bico de<br />

pena, fuligem de vela são apenas algumas das inúmeras formas<br />

de materializar suas idéias, apresentar artísticamente suas<br />

teorias acerca do mundo em que vive. Prefere o silêncio e um<br />

tempo diante de uma tela branca para criar, mas jamais recusa<br />

pedidos para criar em outros espaços. Mesmo sem convite<br />

não deixa seus pincéis de lado ao sair de casa, presos com um<br />

elástico, eles caminham em seus bolsos.<br />

Enquanto caminha, observa. De voz mansa e poucas<br />

palavras, sussurra as combinações de cores do céu ao ver a<br />

lua chegar. Abre um largo sorriso e observa duas senhoras<br />

rechonchudas de vestidos rodados e floridos que sentam para<br />

fumar um cigarro no banco da praça. Sinto que ainda verei<br />

essas cores apresentadas por seus pincéis.<br />

Pelo desejo de explorar uma nova técnica, Deivison<br />

começou a pintar só aos 18 anos, mas ainda faz seus desenhos<br />

e, claro, está sempre estudando. “A identidade do homem<br />

contemporâneo configurou-se a partir de processos históricos.<br />

Desenvolvo minha arte em meu tempo reconhecendo estéticas<br />

artísticas de períodos passados”, filosofa.<br />

Para Deivison, não existe inspiração e sim gente que sofre<br />

as consequências de um mundo desigual, gente que ri e chora,<br />

gente que clama por socorro e que mostra que a dor pode ter<br />

uma bela representação. O quanto isso vale? “O valor da obra<br />

corresponde a necessidade do artista, às vezes um abraço terno<br />

‘paga’ um quadro. A arte não obedece a estrutura do mercado<br />

(oferta e demanda). Não se reduz a números as paixões e<br />

tormentos de um homem. O valor simbólico (custo financeiro)<br />

de uma obra é justificado na condição do artista”, diz.<br />

O artista matém as portas do ateliê abertas àqueles que<br />

estiverem dispostos a conhecer suas expressões. O artista<br />

sedento por vida, por novas experiências, novas perspectivas,<br />

impressões e em constante criação. Deivison busca viver<br />

de sua arte sem luxos ou regalias, sua satisfação está no<br />

reconhecimento, uma maneira ímpar de ver o mundo.<br />

Sorridente e silencioso, de pouca idade e muitos sonhos.<br />

35


espelho<br />

ARTE<br />

INCONS<br />

CIENTE<br />

Dizem que são loucos aqueles que estão em desequilíbrio com o mundo<br />

externo. No contexto social, a loucura existe em relação a uma norma, mais<br />

especificamente, na transgressão do que culturalmente é determinado como<br />

conduta padrão. O conceito clínico apresenta a loucura da seguinte forma:<br />

“estado de perda de consciência de si-no-mundo, que condena a pessoa<br />

a uma doença”, um “distúrbio orgânico” ou um “desequilibro emocional”. Já<br />

o social, conceitua como “todo tipo de desvio do comportamento pessoal<br />

em relação a norma sancionada socialmente, um estado progressivo de<br />

‘desligamento’ ou ‘fuga’ de uma realidade objetiva para outra subjetiva,<br />

uma tomada de consciência de si e do mundo.” Mas a loucura estaria em<br />

desacordo com o mundo externo?<br />

36<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9


Texto: Lídia Ferreira<br />

Foto: Tamires Duarte<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Mariana Borba<br />

37


38<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9<br />

Entre<br />

Aos 54 anos, Wander Lopes encontrou<br />

na música outras possibilidades<br />

de comunicação e de se relacionar<br />

com o mundo. Integrante do<br />

grupo vocal São Doidão, que surgiu<br />

dos trabalhos de dois Centros de<br />

Convivência, em Belo Horizonte,<br />

Wander diz que o grupo é fruto de<br />

dedicação e interesse produtivo.<br />

O São Doidão é formado por<br />

oito integrantes, Andrea Dario, Janice<br />

Teixeira, João Paulo, Ricardo<br />

Rodrigues, Suzane D’Avila e Wander,<br />

todos diagnosticados com algum<br />

tipo de distúrbio mental, com<br />

exceção do maestro Helvécio Viana,<br />

que é também seu fundador/ idealizador<br />

e coordenador artístico. Além<br />

de propor uma reflexão social sobre<br />

o lugar do “louco”, o projeto tem<br />

como objetivo formar “artistas sociais”.<br />

De acordo com a produtora<br />

do grupo Adriane Gomes, “no caso<br />

específico do São Doidão, o trabalho<br />

busca, além de todas estas<br />

possibilidades, alcançar a profissionalização<br />

[dos integrantes]<br />

respeitando as individualidades<br />

e subjetividades de<br />

cada um.”<br />

Em novembro de<br />

2013, o grupo lançou<br />

seu primeiro álbum<br />

musical, Os Devotos de<br />

São Doidão. No repertório,<br />

releituras de clássicos da<br />

MPB e canções inéditas de<br />

novos compositores, entre<br />

eles José Anacleto, compositor<br />

que possui parte de sua<br />

obra integrada ao repertório<br />

do grupo desde sua criação.<br />

A produção artística sob a<br />

perspectiva da loucura proporcionou<br />

ao São Doidão, um lugar<br />

de experimentação e pluralidades.<br />

Para Wander, a música tornou-se<br />

um tratamento mental e corporal<br />

paralelo, ampliou suas relações com<br />

as pessoas e o mundo, promoveu<br />

forças para enfrentar a vida.<br />

psiquiatria, arte e novos<br />

Por muito tempo, as produções<br />

daqueles considerados loucos ou<br />

com quaisquer tipo de doença mental<br />

eram vistas como expressão imediata<br />

do mundo interno, dos seus<br />

estados mentais e, portanto como<br />

sintoma. O que fugia do controle<br />

racional consciente era considerado<br />

o ‘lixo do pensamento’.<br />

18 de maio é hoje marco da<br />

luta antimanicomial, mas até<br />

artis tas<br />

o início do século XX, os hospitais<br />

psiquiátricos excluíam da sociedade<br />

todos aqueles que estavam fora<br />

da ordem social, assim a internação<br />

ganhou legitimidade moral e<br />

terapêutica. Somente em 1946 que<br />

a psiquiatra Nise da Silveira, junto<br />

ao artista plástico Almir Mavignier<br />

introduz o ateliê de pintura no Setor<br />

de Terapêutica Ocupacional do<br />

Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio<br />

de Janeiro, criando uma nova relação<br />

entre arte, artistas e pacientes<br />

psiquiátricos. A psiquiatra pediu<br />

para que fosse suspensa a medicação<br />

dos pacientes (a maioria esquizofrênico),<br />

além de tratamentos de<br />

eletrochoque e a lobotomia (cirurgia<br />

cerebral).<br />

Nise enfatizava a importância<br />

do carácter expressivo das obras,<br />

visto que a linguagem verbal por<br />

vezes era inadequada e limitada.<br />

Também acreditava que o material<br />

produzido eram “documentos plásticos”<br />

que deveriam ser catalogados<br />

e pesquisados.<br />

Almir Mavignier, por sua vez,<br />

transformou o ateliê em um local<br />

de encontro, entre artistas, críticos<br />

e pacientes. Os críticos de arte passaram<br />

a considerar que a produção<br />

artística é um atalho privilegiado ao<br />

inconsciente. Ao produzir, o sujeito<br />

não expressa apenas seu interior,<br />

mas cria algo novo. Sobre as obras<br />

começaram a aparecer novos olhares<br />

e interpretações.<br />

Para Freud, ao dar forma aos<br />

devaneios, o artista “louco” encontra<br />

o caminho de retorno a realidade,<br />

e compartilha com o outro sua<br />

visão de mundo ou mesmo as fantasias<br />

do seu inconsciente. Assim,<br />

ele modifica a realidade para obter<br />

nela, o que lhe fora negado por ela.<br />

A arte começa a sair de mundos<br />

restritos e passa a habitar os meios<br />

terapêuticos. O crítico Mário Pedrosa<br />

cria a concepção de “criação livre”<br />

que seria aquela que não segue<br />

padrões previamente estabelecidos,<br />

não segue tendências, provando que<br />

o inconsciente não é limitado no<br />

tempo e espaço, nem mesmo nas regras<br />

de conduta. As obras são, portanto,<br />

singulares e originais.<br />

Os trabalhos realizados nos ateliês<br />

de Nise e Almir começaram a<br />

perder o rótulo de arte dos loucos e<br />

ganharam visibilidade fora da psiquiatria.<br />

Muitas dessas obras, receberam<br />

por parte da crítica especializada<br />

o estatuto de “obra de arte”,<br />

e em 1952 foi fundado o Museu de<br />

Imagens do Inconsciente, no Engenho<br />

de Dentro, Rio de Janeiro.


e ficção<br />

realidade<br />

Nos seus momentos de loucura,<br />

Ingrid Jonker produzia o que<br />

defenderia em seus momentos de<br />

“normalidade”. Escrevia na parede<br />

o que não podia dizer e ninguém<br />

queria ouvir. Sul-africana, poetisa<br />

desde os seis anos, viveu na época<br />

do Apartheid - regime de segregação<br />

racial vigente de 1948 a 1994.<br />

Nasceu em 19 de setembro de 1933,<br />

na cidade do Cabo, onde vivia. Era<br />

rejeitada pelo pai. Ele, era membro<br />

do Partido Nacional do Parlamento,<br />

e um dos responsáveis pela manutenção<br />

do Apartheid. Censurava<br />

publicações, arte e entretenimento.<br />

Ela, lutava conta o governo segregacionista<br />

nos momentos de lucidez.<br />

Ingrid era uma artista branca,<br />

desobediente e maníaco-depressiva.<br />

Durante as crises, projetava o seu<br />

mundo interno, suas dores, seus<br />

traumas, através da poesia. Seus<br />

poemas tinham em sua maioria um<br />

carácter político e histórico, sem<br />

perder o lirismo. Por vezes o tema<br />

principal de suas obras era a infância<br />

perdida. Entretanto a genialidade<br />

e a loucura não poderiam conviver,<br />

e em 1961 foi internada numa<br />

clínica psiquiátrica. O tratamento<br />

que lhe foi dado: eletrochoque.<br />

O reconhecimento chega para o<br />

trabalho de Ingrid Jonker, quando<br />

Nelson Mandela lê seu poema “A<br />

Criança que foi Assassinada pelos<br />

Soldados de Nyanga”, no seu primeiro<br />

discurso como presidente da<br />

África do Sul. Mas nem sua produção<br />

que revelava conteúdos pessoais<br />

reprimidos foram suficientes para<br />

dar vazão a tudo que Ingrid sentia,<br />

e em julho de 1965, ela comete o<br />

suicídio, na praia de Three Anchor<br />

Bay, na cidade do Cabo.<br />

Ingrid é real, assim como Wander.<br />

Mas Ingrid é também uma personagem<br />

de cinema, é protagonista<br />

do filme Borboletas Negras, dirigido<br />

por Paula von der Oest. Ambos<br />

expressam para a sociedade, seja<br />

através de qualquer arte, a sua capacidade<br />

de ser sujeito da própria<br />

vida e de ter participação ativa em<br />

processos de construção coletiva. É<br />

como diz Machado de Assis: “a arte<br />

é o remédio e o melhor deles.”<br />

39


RELICÁRIO<br />

#<br />

oreflexosoueu<br />

O Papa Francisco, os pregadores da diocese de Piacenza, o<br />

ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o fundador da Microsoft<br />

Bill Gates, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, os<br />

primeiros-ministros da Dinamarca e do Reino Unido, a apresentadora<br />

Sabrina Sato, e Flávia Armond dentista e ex-participante<br />

do reality show Fazenda de Verão têm algo em comum: uma selfie.<br />

“Selfie”. O primeiro registro dessa palavra foi em 2002, em<br />

um fórum virtual da Austrália em que um participante descrevia<br />

uma foto e se desculpava pelo foco, pois se tratava de selfie.<br />

Ela designa fotografia que pessoas tiram de si mesmas com os<br />

smartphones. A popularização desses autorretratos fotográficos,<br />

divulgados em redes sociais, foi registrada pelo tradicional dicionário<br />

Oxford, que por meio de pesquisas de linguagem mostrou<br />

que em 2013 “selfie” aumentou sua frequência na língua inglesa<br />

em 17.000%, em comparação ao ano de 2012.<br />

Do autorretrato ao amadorismo do eu<br />

Historicamente, o autorretrato tem sido entendido como<br />

uma representação de emoções, assim como todas as manifestações<br />

artísticas. Ghiberti, Carracci, Lippi Sassoferrato, Gentileschi,<br />

Murillo, Michelangelo, Rembrandt são alguns dos artistas<br />

que exploraram a própria identidade, pela arte plástica, ou<br />

até mesmo utilizando de sua própria imagem como Dürer, Van<br />

Gogh, Schiele e Kahlo.<br />

O pintor e físico francês, Louis Jacques Daguerre, em 1839,<br />

fixou uma imagem obtida com uma câmara escura sobre uma<br />

placa metálica, pela diminuição do tempo de exposição. Com a<br />

invenção da fotografia, o autorretrato se transformava.<br />

Já nas primeiras cenas da fotografia, estavam autorretratos<br />

dos artistas Robert Cornelius e Jean-Gabriel Eynard. Com o desejo<br />

de externar seus sentimentos, encararam a câmera em um<br />

enquadramento frontal e construíram autorretratos, uma autocontemplação,<br />

uma auto-criação dos pintores que agora eram<br />

fotógrafos.<br />

A fotografia começou a ser popularizada como amadora<br />

pelas câmeras Kodak de George Eastman, em 1888, e seguiu<br />

cada vez mais acessível na sua era digital, que teve início nos<br />

40<br />

l<br />

“Os fãs conseguem ter uma visão real<br />

da minha vida com essas fotos, eles<br />

ficam sabendo o que gosto de fazer,<br />

descobrem até as lojas que eu gosto<br />

para dar presentes”.<br />

l<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9<br />

l<br />

“No processo de seleção do reality<br />

as selfies ajudaram a mostrar minha<br />

personalidade. O programa só<br />

intensificou o meu lado selfie”.<br />

l<br />

l<br />

“Não tem momento ideal ou lugar<br />

específico para uma selfie, é estado<br />

de espírito, depende do meu astral.<br />

Quando viajo tiro muitas”.<br />

l<br />

anos 90. Essa prática visual não deixou de ser arte. Quase dois<br />

séculos depois, a selfie é hoje a maneira que milhões de pessoas<br />

conectadas, utilizam a fotografia.<br />

l<br />

“Se arrependo apago, acontece de<br />

me cansar da foto depois de um<br />

tempo! Edito sim! Coloco cores mais<br />

vibrantes, tiro espinha, olheira, olhos<br />

vermelhos”.<br />

Em 2004, a fotografia amadora difundiu-se na internet por<br />

sites como o Flickr, em que os perfis eram como álbuns. Hoje,<br />

com o sucesso do Iphone e a multiplicação dos smartphones,<br />

aplicativos como o Instagram invadem as redes sociais como o<br />

Facebook. 78% dos jovens e 29% das pessoas com mais de 65<br />

anos já fizeram uma selfie, ainda segundo o instituto britânico<br />

Opinium, dessas 19 % fazem selfie no seu quarto. No youtube,<br />

por 1.615.960 milhão de vezes foi clicado o vídeo “How to take<br />

the perfect Selfie”.<br />

l<br />

l<br />

‘‘Gosto de foto que te faz ter vontade<br />

de estar naquele lugar, conhecer<br />

aquela pessoa ou experimentar<br />

aquela comida. Uma imagem vale<br />

mais que mil palavras”.<br />

Mais do que cliques<br />

l<br />

Ao tocar no desenho de uma câmera em uma tela de, em média,<br />

441 pixels por polegada dos nossos smartphones, estaríamos<br />

com a mesma necessidade de Daguerre?<br />

Em meio à cultura digital que ultrapassa as telas e toca as<br />

atuais formas de nos relacionar, os estudiosos desse nó que nos<br />

une em sociedade, a cultura, dividem opiniões. O pesquisador<br />

Bent Fausing, da Universidade de Copenhague ao escrever sobre<br />

a “Sociedade da tela” relaciona o fenômeno das selfies com a<br />

vontade dos seres humanos em controlar a forma como são vistos,<br />

‘eu existo e eu controlo a forma como me vêem’. Já, Jenna<br />

Wortham, blogueira e colunista do New York Times, sugere que<br />

selfies correspondem a uma nova forma de representação e de<br />

comunicação entre pessoas através de imagens, uma maneira de<br />

marcar a nossa curta existência.<br />

l<br />

“Daí a identificação. O ídolo tira uma<br />

selfie e o fã pode tirar também, não é<br />

foto de revista”.<br />

l<br />

As aspas que percorrem essa matéria são falas da dentista e<br />

ex-participante da primeira edição do reality show Fazenda de<br />

Verão, Flávia Armond, na ultima selfie publicada em seu perfil<br />

do aplicativo Instagram com 6.382 seguidores, contabilizou<br />

170 likes, acompanhados pelas hashtags #lookoftheday #dujour<br />

#sabado #saturday #lunch #instamoda #instafashion<br />

#fashion.


Texto: Aline Rosa de Sá<br />

Foto: Gerliani Mendes<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Tuanny Ferreira<br />

Foto: Gerliane Mendes<br />

41


(M)ARTE JANELA<br />

Foto: Thamira Bastos<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Gabriela Costa<br />

42<br />

cURINGA | EDIÇÃO 9<br />

foto: thamira bastos


online<br />

cinema africano, você conhece?<br />

games são arte?<br />

www.revistacuringa.ufop.br

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