Entre os nomes dos autores citados no estudo de José Lemos Monteiro, um possui destaque: o escritor que fez uma ruptura pioneira no teor romantizado da palavra negro, Lima Barreto. No início do século XX, pouco tempo depois do fim da escravidão, esse autor soube retratar sua cor a partir de uma crítica aguda ao que negros e negras eram submetidos durante o período escravocrata: “negros, negras, negros flexíveis, pardos, pardas, pardos claros, escuros, morenos, morenas, caboclos, caboclas, mestiços, crioulos, azeitonas, morenos pálidos, morenos fortes, negra suja, velha preta, criada preta, moça pobre mulata”. Dessa forma, seus romances fazem-se densos a partir de “uma miríade de cores para dar conta desse vocabulário brasileiro que acomoda origem, hierarquia, sexualidade, região, geração e classe social”, como ressalta a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, autora de importantes obras que retratam o negro. Apesar de acharmos que o jeito de agir e falar entre nós é harmônico e cordial, na verdade isso apenas mostra uma vocação quase explícita de não se criar conflito direto. Tudo o que é problemático é tratado de maneira velada, escondida. Tal comportamento explica as especificidades do “racismo à brasileira”, que produz desigualdades visíveis nos dados, mas se reproduz com força quase inabalável em processos culturais e silenciosos de opressão. Apesar de 54% dos brasileiros serem negros, segundo dados disponibilizados pelo IBGE em 2015, a rejeição simbólica do negro e do africano ainda é persistente no Brasil. Uma informação relevante dentre tantas outras acerca dos desafios que cabem à luta pela igualdade racial. Segundo José Monteiro, ‘’qualquer tentativa de mudança não deve centrar-se na preocupação exclusiva com o uso da língua. Esta, sendo espelho ou reflexo da sociedade, apenas sugere sintomas do comportamento social’’. É hora de tirar o racismo do seu vocabulário, porque preconceito não precisa ter voz.
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