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Caro leitor, gostaria de dividir<br />
com você uma grande aventura<br />
da qual não fui o protagonista,<br />
mas o coadjuvante<br />
de um grande guerreiro, de apenas<br />
14 anos, o Pedro Ayres. Tudo começou<br />
quando recebi a ligação do pai<br />
dele - um grande amigo - me pedindo<br />
para acompanhar o garoto em um dos<br />
maiores desafios da auto-superação, o<br />
Audax 200, a primeira de cinco etapas,<br />
onde, em 12 horas, você tem que pedalar<br />
200 km, passando pelos pontos<br />
obrigatórios de checagem. Ou seja, um<br />
grande “passeio” por Brasília e pelo DF.<br />
O desafio que rende certificados emitidos<br />
por uma entidade com sede em Paris<br />
chega na última etapa a 1.200 km.<br />
Um dia, quem sabe, possa acompanhar<br />
o garoto nesta!<br />
Weimar Pettengil<br />
CRÔNICA DE<br />
UM DESAFIO<br />
SUPERADO.<br />
AOS 14 ANOS!<br />
Portanto, leitor, o convido a viajar na<br />
leitura abaixo. Tomara que ela sirva de<br />
inspiração para a realização dos seus<br />
sonhos, no esporte e na vida.<br />
AUDAX 200KM<br />
- Capitão, preciso contratar um Pai de<br />
Aluguel.<br />
- Como assim?<br />
- Pepeu quer fazer o Audax 200km, semana<br />
que vem.<br />
- Uai, e você?<br />
- Capitão! Não é má vontade. Queria demais.<br />
É que nem na roda dele eu consigo<br />
andar mais.<br />
- Nesse caso, aceito a empreitada.<br />
Ele, o Pepeu, tentou ser simpático. Me<br />
ligou para tentar marcar ao menos um<br />
treino juntos. Ligou para pedir dicas de<br />
alimentação. Dicas de pedal.<br />
- Pepeu, estou ocupado, já te ligo.<br />
Nunca retornei. E me arrependi quando,<br />
na véspera do AUDAX 200km, às<br />
23h45, ele chegou para dormir na minha<br />
casa, já que teríamos que acordar<br />
às 4 da madrugada.<br />
- Quanto você pesa, moleque?<br />
- 40kg, tio.<br />
- Primeiro, esquece o “Tio”. Segundo,<br />
isso é peso de gente? Quer dizer, dá pra<br />
respirar e pensar, ao mesmo tempo? E<br />
quanto você mede?<br />
- 1,65, tio, quer dizer, Weimar.<br />
- 1,32? Com esse chassis de grilo<br />
depois da redução de abdomen e<br />
essas pernas de borboleta marombeira,<br />
você acha mesmo que dá pra<br />
pedalar 200km?<br />
- Não sei...<br />
O dia será longo, pensei.<br />
Chegamos atrasados na largada. Meia<br />
hora para ser preciso. Orientados pelo<br />
organizador do Audax 200km, não fizemos<br />
a primeira alça de 17km no Lago<br />
Norte - deixamos para o final, seguimos<br />
para o pelotão, por questões de<br />
segurança.<br />
Com 3 min de pelotão:<br />
- Tudo bem contigo, rapá? Vamos nessa?<br />
- Acelera!<br />
Atacamos.<br />
- Moleque, algumas poucas pessoas<br />
me chamam de Sem Noção. Então é<br />
o seguinte: Vamos no seu ritmo. Se eu<br />
forçar, me avise. Você tem que ficar um<br />
pouco acima da zona de conforto. Se<br />
passar, me grite.<br />
- Pode diminuir, só um pouquinho, então?<br />
Falou já chegando no Colorado, no final<br />
da subida. Seguimos rumo à Torre Digital,<br />
com Brasília ainda iluminada, no<br />
breu, à direita. À esquerda, o sol teimando<br />
em nascer, novamente. Ali, naquela<br />
crista de visão privilegiada, é que me<br />
dei conta do que estávamos fazendo.<br />
Pedalar 200km aos 14 anos de idade<br />
é um grande feito. Mas sob minha responsabilidade?<br />
Vou caprichar.<br />
- Fica na roda, doido. Vamos voar.<br />
Quase não segurei as lágrimas de emoção.<br />
Ele não vai esquecer tão cedo esse<br />
dia, se depender de mim. DF001, Itapoã,<br />
Paranoá, Barragem, Ermida, Lago Sul,<br />
Gama. E ele feito carrapato, na roda. Na<br />
dignidade. Sofrendo calado. Projeto de<br />
ogro. A certa hora, no plano, olhei para o<br />
Garmin: 42km/h!<br />
- Tudo certo aí, Pepeu?<br />
- Pode diminuir, só um pouquinho?<br />
Baixei para 39km/h. Se diminuir muito,<br />
acomoda. Deixa ele sofrer. É assim<br />
que se aprende.<br />
Confesso. Judiei. Amassei, esfolei, ataquei.<br />
E ele na roda. Lembrei do coração<br />
de mãe, da bondade eterna com a<br />
cria. Quase pude ver Sra. Mãe do Pepeu,<br />
olhos mareados, no soluço que antecede<br />
o pranto convulsivo:<br />
- Wei, o que você está fazendo com o<br />
meu bebê?<br />
E não aguentei o apelo da matrona, na<br />
esfera mental. Acelerei.<br />
- Toma moleque. Devia estar inscrito no<br />
curso avançado de Code Full para GTA.<br />
Ou na turma básica de plié avançado de<br />
Ballet pós-moderno. Preferiu pedalar?<br />
Então segura mais uma. Toma. E toma<br />
novamente. Mais uma, só pra não perder<br />
o costume.<br />
Na segunda vez que subimos a Barragem<br />
do Paranoá em direção à Ermida,<br />
com 168km percorridos, ele balançou:<br />
- Weimar, acho que preciso alongar. Estou<br />
começando a ter cãibras nos dedos<br />
dos pés.<br />
De olho na caramanhola dele, cheia de<br />
Gatorade, disse bem sério:<br />
- Moleque! Cãimbra no dedo do pé é bom sinal,<br />
sempre tenho e nunca acontece nada.<br />
Agora, nós precisamos achar algum líquido<br />
vermelho para você beber, urgente.<br />
- Eu tenho aqui!<br />
- Então beba tudo, agora.<br />
Ou fiz a maior descoberta do Planeta<br />
Terra, ou descobri uma forma de fazê-lo<br />
acreditar. Eu já estava com os<br />
piores prognósticos para o final do<br />
nosso pedal, quando acessamos a L2<br />
Norte. Quando meu parceiro renasceu<br />
das cinzas.<br />
Lembrava os rituais de passagem das<br />
tribos peruanas. Solta o menino no<br />
meio do mato, sem nada. Se voltar,<br />
volta homem. Ali, andando novamente<br />
a 40km/h, não era mais o Pepeu, filho<br />
do meu amigo / irmão de uma vida inteira.<br />
Não era mais o moleque de 14<br />
anos, criança, ainda. Quem estava na<br />
minha roda, ainda na dignidade que<br />
só o sofrer calado proporciona a um<br />
homem era o meu novo parceiro, brother,<br />
o Pedrão.<br />
Subi o Lago Norte no sprint, ele na<br />
roda, em pé, assim como eu. No quilômetro<br />
186 a chuva caiu forte, para<br />
lavar a alma e abençoar as pernas.<br />
Voamos juntos, peito inchado que não<br />
cabia tanto orgulho.<br />
Terminamos os 200km com 7h20 de<br />
roda girando, e paradas para 02 pneus<br />
furados e um açaí levantador de espírito.<br />
Dia bom. Inesquecível. Bem-vindo ao<br />
time Ogro, Pedrão.<br />
E enquanto você acaba de ler esse texto,<br />
o Pedrão voa da Espanha para Brasília.<br />
Aos 14 anos, depois de pedalar 200km<br />
comigo, levou o pai ali, para fazer o Caminho<br />
de Santiago de Compostela.<br />
- Vá, Pedrão. Vá conquistar seus sonhos.<br />
EVOKESET2014<br />
EVOKESET2014