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Previz2 - 12.07 VRamalho2

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Homenagem a Um Homem de Bem e Amigo Sem Falhas<br />

Na esfera das convivências variadas que me trazem o sal da vida e ajudam a sustentar a esperança nas razões da minha visão do<br />

mundo, Vítor Ramalho tem lugar aparte. O Vítor tem também lugar aparte entre os que me fizeram compreender e amar os valores<br />

supremos da amizade generosa e solidária. No nosso caso, uma amizade velha, e sempre nova, vivida desde os primeiros tempos<br />

de Abril, crescentemente reforçada pelo melhor entendimento que dele fui tendo ao longo de mais de quatro décadas, tão fúteis em<br />

mudanças e continuidades, que foram moldando o quadro das nossas vidas. Não só no período do PREC, mas também para além<br />

dele, até aos dias de hoje.<br />

Aprecio o Vítor Ramalho como homem público e como amigo. O que nele se espelha e o que dele emana num e noutro campo têm<br />

rara unidade fundacional. Tanto do lado dos princípios que o movem como do lado das atitudes e comportamentos que dão propósito<br />

à sua presença constante entre nós.<br />

As intervenções públicas de Vítor Ramalho definem-no incontroversamente como clarividente e empenhado partidário de mudanças<br />

libertadoras e, ao mesmo tempo, tenaz adversário de continuidades indignas. Assim, a sua vida foi naturalmente, e continua sendo,<br />

uma saga de combates políticos e sociais, também culturais, por um lado, a bem da democracia e do florescimento das imensas<br />

capacidades libertadoras que ela encerra e, por outro, contra importantes situacionismos enraizados numa imensa teia de interesses<br />

a-sociais muito poderosos em Portugal. Uma luta permanente que a todo o tempo exige sageza, determinação, jogo de cintura e coragem<br />

para dar a cara, custe o que custar. Uma luta que também exige sempre paciência, frontalidade, risco e audácia na iniciativa.<br />

Um conjunto de qualidade que justamente têm sido as suas ao serviço das transformações da sociedade portuguesa numa perspectiva<br />

de aprofundamento da democracia, da justiça e da solidariedade responsável.<br />

Cedo se distinguiu pela prática, ao mais alto nível das suas possibilidades, dessa regra de vida.<br />

Recordo aqui, logo na Universidade, o seu profundo empenho no fortalecimento do movimento estudantil em defesa das liberdades<br />

académicas e cívicas e contra o viso autoritário e anti-democrático do regime salazarista, irremediavelmente opressivo tanto no fundo<br />

da sua governação como nas suas intervenções dia a dia. O Vítor foi à luta de tal modo que os seus pares o elegeram Presidente da<br />

Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa em 1969.<br />

Sei muito bem o significado que tal eleição tinha no contexto da época. Nos meus 6 anos universitários participei, tão activamente<br />

quanto pude, na Associação de Estudantes do Técnico, em cuja direcção me envolvi de alma e coração, com particular incidência no<br />

período da crise académica desencadeada pela publicação do Dec-Lei n.º 40900 (Dezembro de 1956). Esta foi a primeira crise de<br />

contestação do regime que obrigou Salazar a recuar, retirando publica e definitivamente essa legislação.Acabado o Técnico, continuei<br />

a acompanhar o movimento estudantil-<br />

Na década de 60, as Associações de Estudantes ganharam assinalável relevo e notoriedade à escala nacional. Atesta-o bem a repercussão<br />

das crises de 1962 e 1969 em Lisboa e Coimbra.<br />

No termo da década a exigência de mudança de regime crescia manifestamente em extensão e força. A guerra colonial tinha-se tornado<br />

uma chaga fatal para o regime. O país ia tomando plena consciência de que o regime não tinha nem solução militar que pudesse ser<br />

esmagadoramente vitoriosa em toda a extensão do território colonial, nem solução política que pudesse pôr fim à intervenção armada..<br />

Ninguém mais desesperadamente consciente desse impasse absoluto que os jovens de todas as origens e condições, na generalidade<br />

dos casos largamente acompanhados pelos seus familiares. O espectro da sucessão sem fim das mobilizações militares maciças,<br />

destinadas a guarnecer as frentes de combate e a quadrícula de ocupação das colónias, fez cair uma pesada cortina de chumbo<br />

aniquiladora dos horizontes tipicamente esperançosos da juventude. Sem surpresa, nesse contexto a grande maioria dos estudantes<br />

universitários tornou-se acérrima adversária do regime e abriu-se consequetemente a frontal e permanente pró-actividade. Do mesmo<br />

passo, também assumiu, inevitavelmente, a politização em vários graus do seu combate por um futuro livre do espectro da guerra<br />

colonial.<br />

Nestas condições, as Associações de Estudantes não poderiam deixar de ser solicitados a estender e a aprofundar as suas responsabilidades<br />

e actividades segundo os mais variados planos. Alguns deles novos e de grande complexidade, face à natural diversidade<br />

do corpo estudantil. Em correspondência, cresceu enormemente o acervo de qualidade relacionai, de solidez de carácter e de<br />

fundamentada cultura política, no mais nobre sentido do termo, exigido aos líderes das Associações de Estudantes. Só se enfrenta<br />

eficazmente a complexidade mediante dinâmicas globais assentes em princípios claros e eticamente compulsivos, em flexível pensamento<br />

e acção, no espírito de aberta cooperação e mobilização, na força e subtileza de propósitos habilmente trabalhados no terreno<br />

a golpes de equipas motivadas.<br />

Tudo atributos que têm tido singular manifestação ao longo da vida do Vítor.<br />

Porque razão chamei à colação a trajectória do movimento estudantil nos anos 60 e dei especial relevo ao fim dessa década? Porque<br />

penso que foi a inserção prestigiosa do Vítor nesse movimento que lhe forneceu o cadinho essencial do apuramento do seu carácter,<br />

da sua personalidade pró-activa, da sua fidelidade ao culto de princípios e de valores fundamentais da democracia, da justiça e da<br />

solidariedade-. Tenho para mim que aí se forjou muito do Homem de Bem a que devemos homenagem.<br />

O CV de Vítor Ramalho na vida pública é vasto e diversificado: advogado sindical nos anos de brasa, membro do Governo por duas<br />

vezes, no Trabalho e na Economia, influente consultor do Presidente da República, deputado e Presidente de Comissão Parlamentar,<br />

membro de reconhecido mérito, assim oficialmente designado, do Conselho Económico e Social, lúcido e desassombrado interveniente<br />

na política nacional como dirigente do PS, dirigente da Cruz Vermelha, do INATEL e da UCCLA, activista maior da lusofonia e<br />

do relacionamento de Portugal com Angola, dirigente de várias associações e promotor de fundamentais iniciativas nesse dominio.<br />

São inúmeros e relevantes os serviços que a todos prestou, bem acima dos habituais oportunismos partidários.<br />

Nunca esquecerei a determinação e eficácia que, no Governo, soube pôr ao serviço da salvação de milhares postos de trabalho em<br />

empresas em dificuldades. Recordarei sempre a profunda pedagogia e acerto estratégico de tantas intervenções suas no Parlamento<br />

e no PS. Tal como terei também presente o largo horizonte e a paixão sem limites que conduziram e continuam conduzindo os seus<br />

combates pela lusofonia, com particular ênfase no que diz respeito a Angola, terra do seu nascimento e centro de um dos seus dois<br />

mundos.<br />

A tudo isto acresce a marca forte do Vítor como homem de cultura aberto à promoção dos mais diversos projectos criativos.. No plano<br />

pessoal, ofereceu-nos, com a maior das simplicidades, contributos da sua sensibilidade artística, como a exposição da sua pintura, e a<br />

sua capacidade de enquadrar ideias, valorizar factos e relevar comportamentos através de extensa comunicação escrita. A sua última<br />

obra, Crónica de Uma Amizade Fixe, é exemplar a esse título.<br />

Não poderia terminar o meu testemunho sem agradecer ao Vítor a amizade sem falha que nos une. Uma amizade como não conheço<br />

outra. De dupla raiz, espelho de uma afeição indefectivelmente enraizada tanto no melhor que os portugueses são capazes de oferecer,<br />

como na honra de “mais velho” que o Vítor generosamente me faz de acordo com o melhor da cultura angolana. Também nasci em<br />

Angola: somos patrícios. E isso esteve sempre presente na nossa amizade sem igual.<br />

Longa Vida a Vítor Ramalho, Homem de Bem e Amigo sem Falha.<br />

- 74 -<br />

Faltam ajustes<br />

João Cravinho

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