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Homenagem a Um Homem de Bem e Amigo Sem Falhas<br />
Na esfera das convivências variadas que me trazem o sal da vida e ajudam a sustentar a esperança nas razões da minha visão do<br />
mundo, Vítor Ramalho tem lugar aparte. O Vítor tem também lugar aparte entre os que me fizeram compreender e amar os valores<br />
supremos da amizade generosa e solidária. No nosso caso, uma amizade velha, e sempre nova, vivida desde os primeiros tempos<br />
de Abril, crescentemente reforçada pelo melhor entendimento que dele fui tendo ao longo de mais de quatro décadas, tão fúteis em<br />
mudanças e continuidades, que foram moldando o quadro das nossas vidas. Não só no período do PREC, mas também para além<br />
dele, até aos dias de hoje.<br />
Aprecio o Vítor Ramalho como homem público e como amigo. O que nele se espelha e o que dele emana num e noutro campo têm<br />
rara unidade fundacional. Tanto do lado dos princípios que o movem como do lado das atitudes e comportamentos que dão propósito<br />
à sua presença constante entre nós.<br />
As intervenções públicas de Vítor Ramalho definem-no incontroversamente como clarividente e empenhado partidário de mudanças<br />
libertadoras e, ao mesmo tempo, tenaz adversário de continuidades indignas. Assim, a sua vida foi naturalmente, e continua sendo,<br />
uma saga de combates políticos e sociais, também culturais, por um lado, a bem da democracia e do florescimento das imensas<br />
capacidades libertadoras que ela encerra e, por outro, contra importantes situacionismos enraizados numa imensa teia de interesses<br />
a-sociais muito poderosos em Portugal. Uma luta permanente que a todo o tempo exige sageza, determinação, jogo de cintura e coragem<br />
para dar a cara, custe o que custar. Uma luta que também exige sempre paciência, frontalidade, risco e audácia na iniciativa.<br />
Um conjunto de qualidade que justamente têm sido as suas ao serviço das transformações da sociedade portuguesa numa perspectiva<br />
de aprofundamento da democracia, da justiça e da solidariedade responsável.<br />
Cedo se distinguiu pela prática, ao mais alto nível das suas possibilidades, dessa regra de vida.<br />
Recordo aqui, logo na Universidade, o seu profundo empenho no fortalecimento do movimento estudantil em defesa das liberdades<br />
académicas e cívicas e contra o viso autoritário e anti-democrático do regime salazarista, irremediavelmente opressivo tanto no fundo<br />
da sua governação como nas suas intervenções dia a dia. O Vítor foi à luta de tal modo que os seus pares o elegeram Presidente da<br />
Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa em 1969.<br />
Sei muito bem o significado que tal eleição tinha no contexto da época. Nos meus 6 anos universitários participei, tão activamente<br />
quanto pude, na Associação de Estudantes do Técnico, em cuja direcção me envolvi de alma e coração, com particular incidência no<br />
período da crise académica desencadeada pela publicação do Dec-Lei n.º 40900 (Dezembro de 1956). Esta foi a primeira crise de<br />
contestação do regime que obrigou Salazar a recuar, retirando publica e definitivamente essa legislação.Acabado o Técnico, continuei<br />
a acompanhar o movimento estudantil-<br />
Na década de 60, as Associações de Estudantes ganharam assinalável relevo e notoriedade à escala nacional. Atesta-o bem a repercussão<br />
das crises de 1962 e 1969 em Lisboa e Coimbra.<br />
No termo da década a exigência de mudança de regime crescia manifestamente em extensão e força. A guerra colonial tinha-se tornado<br />
uma chaga fatal para o regime. O país ia tomando plena consciência de que o regime não tinha nem solução militar que pudesse ser<br />
esmagadoramente vitoriosa em toda a extensão do território colonial, nem solução política que pudesse pôr fim à intervenção armada..<br />
Ninguém mais desesperadamente consciente desse impasse absoluto que os jovens de todas as origens e condições, na generalidade<br />
dos casos largamente acompanhados pelos seus familiares. O espectro da sucessão sem fim das mobilizações militares maciças,<br />
destinadas a guarnecer as frentes de combate e a quadrícula de ocupação das colónias, fez cair uma pesada cortina de chumbo<br />
aniquiladora dos horizontes tipicamente esperançosos da juventude. Sem surpresa, nesse contexto a grande maioria dos estudantes<br />
universitários tornou-se acérrima adversária do regime e abriu-se consequetemente a frontal e permanente pró-actividade. Do mesmo<br />
passo, também assumiu, inevitavelmente, a politização em vários graus do seu combate por um futuro livre do espectro da guerra<br />
colonial.<br />
Nestas condições, as Associações de Estudantes não poderiam deixar de ser solicitados a estender e a aprofundar as suas responsabilidades<br />
e actividades segundo os mais variados planos. Alguns deles novos e de grande complexidade, face à natural diversidade<br />
do corpo estudantil. Em correspondência, cresceu enormemente o acervo de qualidade relacionai, de solidez de carácter e de<br />
fundamentada cultura política, no mais nobre sentido do termo, exigido aos líderes das Associações de Estudantes. Só se enfrenta<br />
eficazmente a complexidade mediante dinâmicas globais assentes em princípios claros e eticamente compulsivos, em flexível pensamento<br />
e acção, no espírito de aberta cooperação e mobilização, na força e subtileza de propósitos habilmente trabalhados no terreno<br />
a golpes de equipas motivadas.<br />
Tudo atributos que têm tido singular manifestação ao longo da vida do Vítor.<br />
Porque razão chamei à colação a trajectória do movimento estudantil nos anos 60 e dei especial relevo ao fim dessa década? Porque<br />
penso que foi a inserção prestigiosa do Vítor nesse movimento que lhe forneceu o cadinho essencial do apuramento do seu carácter,<br />
da sua personalidade pró-activa, da sua fidelidade ao culto de princípios e de valores fundamentais da democracia, da justiça e da<br />
solidariedade-. Tenho para mim que aí se forjou muito do Homem de Bem a que devemos homenagem.<br />
O CV de Vítor Ramalho na vida pública é vasto e diversificado: advogado sindical nos anos de brasa, membro do Governo por duas<br />
vezes, no Trabalho e na Economia, influente consultor do Presidente da República, deputado e Presidente de Comissão Parlamentar,<br />
membro de reconhecido mérito, assim oficialmente designado, do Conselho Económico e Social, lúcido e desassombrado interveniente<br />
na política nacional como dirigente do PS, dirigente da Cruz Vermelha, do INATEL e da UCCLA, activista maior da lusofonia e<br />
do relacionamento de Portugal com Angola, dirigente de várias associações e promotor de fundamentais iniciativas nesse dominio.<br />
São inúmeros e relevantes os serviços que a todos prestou, bem acima dos habituais oportunismos partidários.<br />
Nunca esquecerei a determinação e eficácia que, no Governo, soube pôr ao serviço da salvação de milhares postos de trabalho em<br />
empresas em dificuldades. Recordarei sempre a profunda pedagogia e acerto estratégico de tantas intervenções suas no Parlamento<br />
e no PS. Tal como terei também presente o largo horizonte e a paixão sem limites que conduziram e continuam conduzindo os seus<br />
combates pela lusofonia, com particular ênfase no que diz respeito a Angola, terra do seu nascimento e centro de um dos seus dois<br />
mundos.<br />
A tudo isto acresce a marca forte do Vítor como homem de cultura aberto à promoção dos mais diversos projectos criativos.. No plano<br />
pessoal, ofereceu-nos, com a maior das simplicidades, contributos da sua sensibilidade artística, como a exposição da sua pintura, e a<br />
sua capacidade de enquadrar ideias, valorizar factos e relevar comportamentos através de extensa comunicação escrita. A sua última<br />
obra, Crónica de Uma Amizade Fixe, é exemplar a esse título.<br />
Não poderia terminar o meu testemunho sem agradecer ao Vítor a amizade sem falha que nos une. Uma amizade como não conheço<br />
outra. De dupla raiz, espelho de uma afeição indefectivelmente enraizada tanto no melhor que os portugueses são capazes de oferecer,<br />
como na honra de “mais velho” que o Vítor generosamente me faz de acordo com o melhor da cultura angolana. Também nasci em<br />
Angola: somos patrícios. E isso esteve sempre presente na nossa amizade sem igual.<br />
Longa Vida a Vítor Ramalho, Homem de Bem e Amigo sem Falha.<br />
- 74 -<br />
Faltam ajustes<br />
João Cravinho