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Vítor Ramalho<br />
um homem no seu tempo<br />
Nasceu e cresceu na Angola profunda, no<br />
Huambo. Vem desembarcar na Faculdade<br />
de Direito da Universidade Clássica de<br />
Lisboa, que frequenta no fim dos anos 60<br />
e no princípio dos anos 70. Entra frontal e<br />
decididamente na luta contra o fascismo e<br />
o colonialismo. Foi presidente da Associação<br />
Académica em 1969.<br />
Eram tempos conturbados, cheios de contradições. A guerra colonial, em três frentes, as condenações<br />
de Portugal na ONU, os conflitos ideológicos resultantes da crise entre a China Popular<br />
e a URSS, as lutas estudantis. E por isso comeu o pão que diabo amassou.<br />
Preso pela PIDE, teve o tratamento que os nossos “brandos costumes” recomendavam: “internado”<br />
em Caxias, beneficiou da hospitalidade que a Pátria reservava aos insubmissos. Foi<br />
julgado e condenado no tribunal plenário. Chegada a hora de servir nas armas, foi mandado,<br />
como soldado raso, varrer os pátios e as casernas. E neste fadário andou até ao 25 de Abril.<br />
Faltam ajustes<br />
Pertencendo a uma geração anterior à minha e tendo eu ido parar à Guiné em comissão por<br />
imposição, não nos encontrámos nessa altura, mas frequentámos lugares paralelos. Recordo-<br />
-me de ter fixado o seu nome pelos estudos de Direito de Trabalho que publicou e eu consultei<br />
com proveito. A diferença de idades, as experiências e os acasos da vida fizeram com que só<br />
já tarde viéssemos a conviver e nos tornássemos bons amigos.<br />
Viemos a trabalhar juntos, anos depois, no distrito de Setúbal. Apreciei a sua visão do que<br />
era esse distrito, dividido tão nitidamente em duas partes: o Norte, de Almada a Setúbal e o<br />
Sul, o Litoral alentejano, tão diferentes na sua composição social e nas suas especificidades<br />
políticas.<br />
Não se cansa nem descansa. Nem deixa descansar. Conhece as pessoas e os lugares do<br />
nosso distrito: de Canha ao Torrão, do Bairro do Pica-Pau Amarelo ao Bairro da Belavista, de<br />
Porto Brandão a Porto Covo. Com uma inesgotável paciência para ouvir e capacidade para se<br />
fazer ouvir, insistir, argumentar...<br />
A sua estatura de “bom gigante” diz isso mesmo. Dignidade, respeito pelos outros, generosidade<br />
e firmeza nas convicções e nas ações.<br />
Foi e é um combatente pela liberdade e pelo socialismo, fiel a ideais de progresso e humanismo<br />
que constituem desde há muito a bússola pela qual se orienta. Neste momento em que<br />
atinge a idade dos “Senadores” da República, Vítor Ramalho bem merece ser reconhecido<br />
como um dos que lutou e luta pela liberdade, pelo progresso e pelo bem-estar dos portugueses,<br />
nomeadamente no Distrito de Setúbal.<br />
Na UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) a sua experiência anterior em<br />
Angola e nas questões africanas veio dar um novo impulso a essa associação, com particular<br />
realce para os aspetos culturais.<br />
Juvante Jove, o seu idealismo temperado por uma intuição brilhante e um sentido racional e<br />
pragmático continuará, por muitos e bons anos, a marcar a sua ação.<br />
Manuel Macaísta Malheiro<br />
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