Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
OPINIÃO<br />
O Novo Inimigo<br />
Público<br />
Era expectável que as mais de<br />
8 mil milhões de toneladas de<br />
plástico produzidas desde meados<br />
do século XX fossem resultar em<br />
consequências muito gravosas para<br />
o ambiente.<br />
Hélder Spínola<br />
Biólogo/Professor Universitário<br />
Há um novo inimigo público e, digo-o<br />
com muita satisfação, ainda bem. Há<br />
atos banais do nosso dia a dia, como<br />
beber uma garrafa de água ou abrir um<br />
pacote de arroz, que, de tão frequentes, e multiplicados<br />
por largos milhões, são hoje a causa de uma<br />
forma de poluição persistente que está a chegar a<br />
todo o lado, no Planeta e no nosso corpo. Falo-vos<br />
dos plásticos, um material produzido a partir do<br />
petróleo que, na natureza, demora centenas de<br />
anos até que a sua degradação ocorra. Era expectável<br />
que as mais de 8 mil milhões de toneladas de<br />
plástico produzidas desde meados do século XX<br />
fossem resultar em consequências muito gravosas<br />
para o ambiente. Estamos a falar de mais de uma<br />
tonelada de plástico por cada pessoa atualmente<br />
existente na Terra, plástico este que anda por aí,<br />
uma parte ainda em uso, mas a grande maioria já<br />
descartado no ambiente, em aterros e lixeiras, ou<br />
espalhados por mar, continentes e ilhas. É muito<br />
plástico! Vemo-lo nas praias, a boiar nas ondas<br />
do mar, esfiapado na vegetação nas margens das<br />
ribeiras, no meio dos silvados, nos nossos quintais,<br />
nos campos de cultivo, em todo o lado. E, mesmo<br />
sem o conseguirmos ver, os plásticos já estão nos<br />
nossos alimentos, na nossa água, no nosso sal e<br />
até no ar que respiramos, sob a forma de microplásticos.<br />
As correntes marinhas estão a acumular<br />
os plásticos em algumas zonas, como é o caso<br />
de um aglomerado que já atinge uma dimensão<br />
equivalente à Península Ibérica, localizado no<br />
Pacífico, próximo ao Arquipélago do Havai. Para<br />
além da poluição visual, estes plásticos afetam a<br />
vida marinha por se entalarem nos seus corpos<br />
ou serem ingeridos por confusão com alimentos.<br />
Por outro lado, com a sua fragmentação, originam<br />
microplásticos, tornando mais fácil a sua penetração<br />
na cadeira alimentar e impossibilitando qualquer<br />
ideia para a sua remoção do ambiente. Felizmente,<br />
talvez pela evidência e gravidade do problema,<br />
estamos atualmente a assistir a uma vaga<br />
de preocupações e ações de combate aos plásticos.<br />
Surgem medidas aos níveis europeu, nacional<br />
e regional, para além das ações que muitos cidadãos<br />
estão a implementar, para combater o plástico<br />
descartável. O primeiro combate está a ser feito<br />
contra o plástico de uso único, como o das palhinhas,<br />
cotonetes, copos, sacos, mas estão prometidas<br />
para breve medidas também contra as embalagens<br />
de plástico que, por exemplo, são utilizadas<br />
para engarrafar água ou sumos. Há uma ideia que<br />
me foi apresentada como sendo do atual Ministro<br />
do Ambiente e da Transição Energética, João<br />
Pedro Matos Fernandes, que resume muito bem a<br />
questão: não faz sentido que o plástico, um material<br />
feito para durar, seja utilizado em produtos<br />
para descartar. E é mesmo isto. O lugar do plástico<br />
não pode ser o descartável, o uso único. A sua<br />
aplicação faz mais sentido em produtos com um<br />
ciclo de vida útil longo. No entanto, a questão não<br />
pode ficar por aqui. É preciso mudar o paradigma<br />
e não, simplesmente, mudar o descartável de plástico<br />
para descartável de outro material qualquer,<br />
seja papel, vidro, metal ou bioplástico. É fundamental<br />
reduzir o descartável ao mínimo essencial.<br />
Apostar em soluções, algumas já usadas no passado<br />
outras inovadoras, para combater o descartável.<br />
Os lenços de pano devem regressar aos nossos<br />
bolsos e carteiras, para com eles enxugarmos<br />
as mãos em vez de utilizar guardanapos de papel,<br />
tão comuns nas casas de banho de uso público.<br />
As garrafas reutilizáveis devem andar sempre<br />
connosco, cheias com água da rede pública, que<br />
não deve nada à qualidade, em vez de comprarmos,<br />
e bebermos, água engarrafada. Quem tem,<br />
no trabalho, o hábito de tomar café fornecido por<br />
máquina de venda automática deve munir-se do<br />
seu próprio copo ou chávena reutilizável, em vez<br />
de contribuir com centenas de copos descartáveis<br />
para o lixo produzido todos os anos. São hábitos<br />
que, se forem mudados de forma coletiva, no<br />
trabalho, na família, na escola, entre amigos, são<br />
fáceis de assimilar e, inclusive, tornam a nossa vida<br />
bem mais interessante. s<br />
22 saber MARÇo 2019