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ENTREVISTA<br />

flagelo diminuirá. Há a pena suspensa, o agressor<br />

volta para casa e continua com a sua vida, e<br />

muitas vezes, é nesta liberdade que termina a<br />

vida de tantas mulheres. Então, o que defendo<br />

é que as penas sejam pesadas. Precisamos com<br />

urgência de uma Justiça a sério, penas de prisão<br />

mais pesadas para os agressores, mais ajudas<br />

psicológicas para as vítimas, mais averiguações<br />

sobre o que se passa naquele lar que ninguém<br />

quer intervir e não ter medo de denunciar.<br />

Já esteve na Madeira a apresentar os seus<br />

livros. Que percepção tem da realidade social<br />

madeirense em termos de violência doméstica?<br />

- Posso garantir que há por cá muita violência<br />

doméstica escondida, e casos muito graves.<br />

Quando lancei o livro em 2013, na Madeira,<br />

muitas mulheres me procuraram na altura<br />

e contaram-me as suas histórias. E não apenas<br />

mulheres. Tive homens que me relataram os<br />

seus silêncios, os seus medos e os seus pesadelos<br />

no dia-a-dia partilhado com mulheres agressoras.<br />

A Madeira tem muita violência doméstica<br />

escondida.<br />

Há mulheres vítimas mas há também aquelas<br />

que são agressoras, que agridem os maridos...<br />

- Sim, há homens que sofrem deste flagelo. De<br />

uma forma geral, o homem tem vergonha de<br />

expôr o seu problema e opta por sofrer em silêncio.<br />

Quando aí estive, em 2013, tive dois homens<br />

que me contactaram, um era polícia e outro que<br />

trabalhava numa televisão, para falarem dos<br />

seus problemas de violência doméstica. Pediram<br />

o máximo de sigilo por causa do seu trabalho<br />

e da sociedade mas sim, há homens que são<br />

vítimas, também.<br />

Qual é o perfil psicológico do agressor, de uma<br />

forma geral?<br />

- Nenhum é igual a outro mas, normalmente,<br />

é do sexo masculino adulto jovem, em que<br />

demonstra ser ou calculista, ou ciumento, ou<br />

possessivo, ou agressivo, ou violento, ou louco e<br />

ou bipolar (fora de casa causa a melhor impressão<br />

mas dentro de casa, trata mal a mulher).<br />

Outros há que exercem violência psicológica<br />

sobre a mulher, ou seja, maltratam psicologicamente<br />

através da ofensa, chamando à mulher<br />

nomes feios e desrespeituosos e outros há que<br />

culpam a mulher pelas suas frustrações, ou seja,<br />

a mulher é a culpada por ter ficado desempregado,<br />

doente, etc. Não existe uma descrição certa<br />

ou um padrão uniforme do agressor e. no caso<br />

da vítima, o que se verifico é que, esta ou tem<br />

medo do agressor, ou depende dele em termos<br />

financeiros ou ainda pensa gostar dele pelo<br />

que, em alguns casos, não denuncia ou quando<br />

denuncia, volta atrás na denuncia e desiste da<br />

denuncia da violência doméstica.<br />

Havendo filhos no casal, qual é que deve ser o<br />

procedimento?<br />

- Desde que o progenitor não seja um pedófilo<br />

ou não tenha cometido um crime que possa considerar<br />

que o filho esteja em perigo, o filho será<br />

sempre filho do agressor mas deverá ser protegido<br />

ao máximo, da situação de violência familiar.<br />

E fazer queixa sempre, mesmo que pareça<br />

que as autoridades não atuem. No meu último<br />

livro, foco precisamente o problema dos filhos<br />

das vítimas em contexto de violência doméstica<br />

e o que se verifica é que estes ficam marcados<br />

para a vida, devido ao problema. Crianças e<br />

jovens ficam com traumas e sequelas para a vida<br />

e o que se constata é que estes ficam um pouco<br />

esquecidos nas situações. As ajudas que existem<br />

são poucas e não são suficientes. É preciso haver<br />

mais ajuda psicológica, e gratuita, para acompanhar<br />

crianças e jovens filhos das vítimas de<br />

violência doméstica, quer nas escolas, quer nas<br />

suas casas. A justiça tem que proteger mais estas<br />

vítimas inocentes e que toda a sociedade esteja<br />

atenta às mesmas. Custa-me, pessoalmente,<br />

falar especificamente, destas vítima inocentes,<br />

como aconteceu com este último caso chocante,<br />

em que o pai assassinou a própria filha bebé<br />

para se vingar da mãe da menina. Então, todos<br />

Muitas conquistas foram<br />

alcançadas nos últimos<br />

anos mas a luta continua.<br />

Há um longo caminho a<br />

percorrer no sentido<br />

de não se precisar de<br />

festejar o Dia da Mulher<br />

“<br />

”<br />

temos o dever de estar atentos ao que se passa<br />

à nossa volta.<br />

Como é que olha para a comemoração do Dia<br />

Internacional da Mulher?<br />

- O Dia da Mulher é todos os dias mas face à crueldade<br />

com que nos deparamos diariamente e que<br />

resulta neste crime que é a violência doméstica,<br />

faz todo o sentido assinalar para chamar a atenção<br />

para este problema. Muitas conquistas foram<br />

alcançadas nos últimos anos mas a luta continua.<br />

Há um longo caminho a percorrer no sentido<br />

de não se precisar de festejar o Dia da Mulher.<br />

A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no<br />

Brasil em 2006, é um exemplo do esforço da<br />

sociedade em proteger a mulher e garantir seus<br />

direitos, punindo inclusive crimes de maus tratos<br />

à mulher dentro do lar. De resto, há aspetos<br />

da Lei que precisam de ser melhorados e reforçados,<br />

nomeadamente quando a punição não<br />

é severa para com o agressor, as vítimas não são<br />

devidamente protegidas dos agressores, assim<br />

como os filhos das vítimas. Todos temos uma<br />

responsabilidade social e perante um crime de<br />

violência doméstica, é nosso dever intervir no<br />

sentido de parar com a agressão. Todos temos o<br />

dever de intervir perante um crime monstruoso<br />

como é a violência doméstica. Enquanto não se<br />

alterar uma série de coisas, os monstros irão continuar<br />

a matar sem dó nem piedade. s<br />

6 saber MARÇo 2019

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