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31<br />
quebrava em casa tudo que conseguia<br />
quebrar. E era praticamente tudo que<br />
ele quebrava nessas crises... Crises<br />
alimentadas também pela difícil<br />
convivência com a mãe, que tem<br />
esquizofrenia. Diversas vezes fui<br />
chamado com urgência em casa por<br />
minha mãe porque o autista severo, já<br />
adolescente e forte, estava quebrando<br />
tudo numa crise de agressividade... E<br />
quando chegava em casa encontrava<br />
uma praça de guerra e um autista severo<br />
no meio dos destroços de móveis<br />
e eletrodomésticos.<br />
Ainda assim, gosto sempre de lembrar<br />
que o autismo severo não se resume<br />
a crises de agressividade. Antes e<br />
depois dessas crises, é possível acontecer<br />
momentos de carinho vindos<br />
do autista com beijos e abraços.<br />
Abraços desajeitados com o braço envolvendo<br />
o pescoço e beijos por vezes<br />
lambuzados. Carinhos que acontecem<br />
naturalmente... Principalmente quando<br />
o autista também recebe carinho.<br />
Outra realidade marcante no autismo<br />
severo é a ausência de autonomia e a<br />
necessidade de companhia e auxílio<br />
constante. Ajudas necessárias<br />
inclusive nas situações básicas, na<br />
higiene pessoal por exemplo. E essa<br />
necessidade de apoio constante segue<br />
na adolescência e na vida adulta. Nos<br />
autistas não verbais, a ausência da<br />
fala é um desafio extra para o autista,<br />
a família e até mesmo profissionais na<br />
área de saúde clínica. A dificuldade<br />
na comunicação não verbalizada e<br />
não compreendida plenamente tanto<br />
pelos autistas como por seus cuidadores,<br />
muitas vezes é, também, a causa<br />
de crises.<br />
A realidade do autismo severo reflete<br />
também na saúde mental e física<br />
dos seus cuidadores na família, que<br />
muitas é somente a mãe cuidadora.<br />
Mães que acabam sofrendo tanto pela<br />
realidade do filho autista como pela<br />
sua própria realidade. Mães cansadas<br />
fisicamente e mentalmente... Mães<br />
que sofrem como vítimas da depressão,<br />
ansiedade e outras situações<br />
negativas na mente e no corpo. Mães<br />
sem o apoio necessário e sem esperança<br />
para o futuro do filho autista<br />
para o tempo em que esse autista será<br />
órfão. Esperando respostas, perguntam<br />
verbalmente ou silenciosamente:<br />
“Onde meu filho vai morar?”, “Quem<br />
vai cuidar do meu filho?”<br />
Para esses casos, que são muitos,<br />
as moradias assistidas com equipe<br />
multidisciplinar é uma alternativa!<br />
Entretanto, há uma resistência dos<br />
governos em investir nesse modelo<br />
de acolhimento e tratamento profissional<br />
e humano às pessoas autistas<br />
como parte de políticas públicas. Na<br />
realidade, em função da ausência de<br />
tratamento desde o diagnóstico e ao<br />
longo dos anos, a situação de muitos<br />
desses autistas vai se complicando na<br />
infância, adolescência e chega na vida<br />
adulta.<br />
E a mais cruel realidade no autismo<br />
severo que muitos desconhecem,<br />
ou ignoram, é que muitos autistas<br />
severos chegam à adolescência com<br />
crises frequentes de agressividade e<br />
a família desesperada não consegue<br />
controlar a situação.<br />
Há uma máxima equivocada de<br />
que para cuidar de autistas basta<br />
amor e paciência. Paciência e amor<br />
são realmente muito importantes,<br />
mas nem de longe são suficientes.<br />
Nos bastidores do autismo severo,<br />
as crises de agressividade parecem<br />
erupções vulcânicas. São vulcões<br />
temporariamente adormecidos<br />
que podem despertar a qualquer<br />
momento. Para onde correr?<br />
A quem recorrer?<br />
Nesses casos em que até mesmo<br />
médicos e medicações não conseguem<br />
mais controlar a situação de crises<br />
de agressividade no autismo severo,<br />
a triste recomendação à família: a<br />
institucionalização para tratamentos<br />
e qualidade de vida desses autistas.<br />
Essa é uma outra realidade bastante<br />
preocupante, triste e desconhecida da<br />
maioria.<br />
Centenas de autistas severos estão<br />
nesse momento institucionalizados<br />
no Brasil. Num sistema praticamente<br />
manicomial, muitas instituições<br />
recebem esses autistas sem a<br />
equipe multidisciplinar necessária.<br />
São clínicas, abrigos e hospitais psiquiátricos<br />
que recebem esses autistas<br />
em convênio com o poder público que<br />
foi condenado em processo judicial a<br />
oferecer todo o tratamento necessário<br />
por meio da institucionalização.<br />
Contudo, o que acontece na prática de<br />
muitas instituições é um tratamento<br />
que se resume ao acompanhamento<br />
do médico psiquiatra e os cuidados<br />
pela equipe de enfermagem com as<br />
medicações de rotina e medicações<br />
extras administradas nos momentos<br />
de crises desses autistas, além das<br />
contenções com amarras de pano.<br />
Posso afirmar que, infelizmente,<br />
conheço essa realidade do autista<br />
severo institucionalizado não apenas<br />
de ouvir falar. Sou testemunha ocular<br />
dessas preocupantes situações. Hoje,<br />
sou pai e padrasto de autistas severos<br />
adultos que, infelizmente, estão temporariamente<br />
institucionalizados em<br />
diferentes instituições. Com minha<br />
Maria, trabalhamos muito no preparo<br />
de uma nova vida para nossos rapazes<br />
autistas.<br />
A angústia da separação é imensa!<br />
Além dessa angústia, sigo protestando<br />
minha revolta contra esse sistema<br />
manicomial em que autistas são tratados.<br />
Um exemplo dessa desumanidade<br />
contra as pessoas autistas é local<br />
onde está meu enteado e mais cinco<br />
autistas severos adultos, que funciona<br />
há três anos de maneira inadequada e<br />
irregular.<br />
Autistas que raríssimas vezes veem<br />
e sentem a luz solar em momentos<br />
ao ar livre... Autistas severos sem o<br />
necessário acompanhamento multidisciplinar,<br />
sendo cuidados apenas<br />
pela equipe de enfermagem.<br />
Para uma verdadeira e completa conscientização<br />
sobre o autismo, expor essas<br />
realidades sobre o autismo severo<br />
é absolutamente imprescindível!<br />
Eliseu Acácio, pai e ativista<br />
pela causa autista.