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Créditos nas fotos: Humberto Luiz/ Candelabro Filmes<br />
da cama.<br />
“Penso: ‘como todo adolescente, ele<br />
está deixando a toalha em cima da<br />
cama’. Para chegar nesse ponto, teve o<br />
ponto que ele aprendeu a arrancar a<br />
roupa, tomar o banho, se secar com a<br />
toalha, se enrolar nela, porque antes<br />
ele passava pelado para o quarto, trocar<br />
de roupa. Quer dizer, estamos na<br />
última parte do processo, que é botar<br />
a toalha no banheiro de novo”.<br />
JURIDICAMENTE FALANDO<br />
É comum que pais de autistas severos<br />
entrem na justiça com um pedido de<br />
curatela após eles completarem 18<br />
anos. A prática é garantida pela Lei<br />
nº 13.146, de 2015 (Estatuto da Pessoa<br />
com Deficiência), e significa que, uma<br />
vez aceita, a curatela declara incapacidade<br />
daquela pessoa.<br />
Em outras palavras, “o interditado<br />
não mais poderá comandar os atos na<br />
vida civil, portanto, faz-se necessário<br />
a nomeação de um curador, que<br />
exercerá a curatela desta pessoa”. De<br />
acordo com a advogada e especialista<br />
em direito dos autistas, Diana Serpe,<br />
uma mudança na lei permite que esta<br />
interdição seja apenas parcial.<br />
“A interdição completa não é mais<br />
uma regra, que nem era antigamente.<br />
Obviamente algumas pessoas vão ser<br />
declaradas absolutamente incapazes,<br />
mas, no geral, as pessoas podem não<br />
ter discernimento para vender um<br />
apartamento, mexer na conta do<br />
banco, mas podem se apaixonar e<br />
casar, como é o caso de uma pessoa<br />
com síndrome de Down, por exemplo”,<br />
explica.<br />
Ela ainda reforça acreditar que, no<br />
caso de autistas severos, cerca de 90%<br />
dos pais devem conseguir a curatela<br />
por meio de interdição. “O que houve<br />
é uma tomada de decisão assistida,<br />
ou seja, precisa comprovar mesmo,<br />
entrar com processo e provar que a<br />
pessoa precisa mesmo para que haja<br />
essa intervenção”, analisa.<br />
FUTURO<br />
Pensar no futuro e em como os<br />
autistas severos vão se virar depois<br />
que os pais morrerem também é<br />
uma preocupação constante. “Minha<br />
expectativa para o futuro do Miguel<br />
é que ele vá viver com os amigos dele<br />
numa residência inclusiva, que ele vá<br />
trabalhar. Quem sabe ter um relacionamento<br />
afetivo, acho que seria muito<br />
legal para ele. Sonho para ele uma<br />
vida digna, simples, que ele tenha<br />
amigos, que ele tenha um trabalho,<br />
que se realize como ser humano, seja<br />
feliz”, diz Camila.<br />
A residência inclusiva citada por ela<br />
é comum em outros países e proporciona<br />
a pessoas com autismo, ou<br />
outros transtornos terem uma rotina<br />
estruturada e receber os cuidados<br />
necessários vindos de cuidadores<br />
especializados para a fim de ter uma<br />
vida digna.<br />
No Brasil, ainda existem poucas moradias<br />
assistidas para autistas.<br />
Uma delas é o Residencial Terapêutico<br />
Viver, em Porto Alegre (RS). A<br />
iniciativa partiu de da experiência<br />
própria da estudante de jornalismo<br />
Fernanda Ferreira, que se juntou<br />
a outros familiares de pessoas no<br />
espectro e fundou a Organização Não<br />
Governamental (ONG) que deu início<br />
aos trabalhos no local.<br />
Ainda no âmbito privado, o local<br />
conta com doações de pessoas físicas<br />
para se manter e ainda não oferece a<br />
moradia assistida em tempo integral.<br />
No entanto, uma parceria com uma<br />
clínica já oferece um esquema de<br />
hotel, no qual os autistas passam o<br />
fim de semana. “Uma vez por mês<br />
eles vêm, passam o fim de semana e<br />
fazem atividades, saem, vão ao teatro,<br />
ao cinema”, diz.<br />
Para Camila, além do apoio das<br />
instituições governamentais e da<br />
criação de novas moradias assistidas<br />
no Brasil, é também dever dos pais<br />
acreditarem no potencial dos filhos,<br />
apesar de tudo.<br />
“Sempre digo que temos que<br />
ser descrentes em relação aos<br />
médicos, mas muito crentes<br />
em relação aos nossos filhos.<br />
A coisa que eu mais falo para<br />
essas mães que estão chegando<br />
agora é: ‘Acredita no teu<br />
filho. Ele é gente, ele não é o<br />
autismo, não é uma doença.<br />
É uma pessoa ali dentro, um<br />
ser humano. Investe nele, leva<br />
para passear, para conhecer o<br />
mundo e ver o que acontece’”,<br />
conclui.<br />
GABRIELA Jornalista,<br />
autora de ‘Singularidades<br />
- Um Olhar sobre o Autismo’,<br />
editora do Portal<br />
Singularidades<br />
Créditos nas fotos: Humberto Luiz/ Candelabro Filmes