primeira mao julho 2019
Revista laboratório do Curso de comunicação da Ufes
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Cocq ou Esquadrão Le Cocq, no Espírito<br />
Santo. Treze anos depois que<br />
a Le Cocq foi considerada extinta, o<br />
delegado ainda não coloca os pés no<br />
estado.<br />
“A Le Cocq era quase uma maçonaria<br />
do crime aqui no estado. Era<br />
uma coisa doida. Era uma organização<br />
criminosa que tinha registro.<br />
Tinha CNPJ. E atuava em vários estados.<br />
Acabou em tudo quanto é lugar,<br />
mas não acabou aqui. Uma coisa<br />
que só acontece no ES”, conta uma<br />
fonte que não quis se identificar, assim<br />
como os poucos que se dispõem<br />
a falar sobre a organização. Ainda,<br />
bons samaritanos avisam: “Não se<br />
envolva com isso. É muito arriscado”,<br />
“Sua vida vale mais do que isso”.<br />
Silêncio e chamadas desligadas são<br />
as respostas dos restantes.<br />
A Le Cocq foi uma organização<br />
extra-oficial criada por policiais no<br />
Rio de Janeiro em 1965 e que atuou<br />
principalmente nas décadas de 1960,<br />
1970 e 1980. Surgiu quando um grupo<br />
de policiais decidiu vingar a morte<br />
do detetive Milton Le Cocq, ex-integrante<br />
da guarda pessoal de Getúlio<br />
Vargas. Cara de Cavalo, o bandido<br />
que matou Le Cocq, foi alvejado com<br />
mais de 100 tiros e seu corpo coberto<br />
com o cartaz de uma caveira. A<br />
organização chegou a se expandir e<br />
atrair seguidores em outros estados,<br />
tendo 7 mil afiliados e admiradores.<br />
No Espírito Santo, a organização<br />
criou raízes profundas. Foi oficialmente<br />
fundada em 24 de outubro<br />
de 1984 e sua sede capixaba era em<br />
Vitória. Na época foi registrada como<br />
uma entidade sem fins lucrativos,<br />
pautada para “aperfeiçoar a moral<br />
e servir à coletividade”. Entre a sua<br />
criação e até o início de 2002, a Scuderie<br />
chegou a ser formada por mais<br />
de mil associados, entre jornalistas,<br />
policiais civis, militares, advogados,<br />
delegados de Polícia, magistrados,<br />
coronéis, políticos, médicos, engenheiros,<br />
bicheiros, dentre outros.<br />
“Era status ser da Lecoq. Eles se<br />
chamavam lecoqueanos”, relembra<br />
Humberto Júnior.<br />
A Scuderie teve sua extinção<br />
confirmada pelo Tribunal Regional<br />
Federal da 2ª Região (Rio/ES) no final<br />
de 2005, onde foi considerada<br />
uma entidade paramilitar. Para a<br />
Justiça, abrigou e protegeu, por vários<br />
anos, pessoas acusadas de pistolagem,<br />
tráfico de drogas e roubos<br />
a bancos. A Procuradoria Regional<br />
da República apontou que a entidade<br />
teria sido responsável por pelo<br />
menos 30 assassinatos de políticos<br />
capixabas cometidos em 18 anos e<br />
quase 1.500 homicídios anuais que<br />
transformavam o Espírito Santo no<br />
segundo Estado mais violento do<br />
Brasil entre os anos 1980 e 2000.<br />
Na época foi apontada como o<br />
braço armado do crime organizado<br />
capixaba. Mas o Ministério Público<br />
Federal considerou que grande parte<br />
dos membros não tinha ligações<br />
com o crime, não sendo, portanto,<br />
denunciados. A extinção da Le Cocq<br />
proibiu também a utilização dos<br />
símbolos da entidade em bonés, camisas,<br />
chaveiros, adesivos e outros<br />
objetos.<br />
A Le Cocq já foi considerada um<br />
Esquadrão da Morte. Atualmente<br />
reconfigurada, promove obras-sociais.<br />
Em 2015, matéria de “O Globo”<br />
carioca, registrou a volta à ativa da<br />
Scuderie. Nomeada como “Associação<br />
Filantrópica Scuderie Detetive<br />
Le Cocq”, o grupo foi visto entregando<br />
panfletos incentivando pessoas<br />
a recorrerem ao disque-denúncia<br />
para combater assaltos a ciclistas.<br />
A associação é formada por policiais<br />
aposentados e pessoas de outras<br />
áreas. Além disso, nas redes sociais,<br />
é fácil encontrar grupos que se denominam<br />
parte da nova era da Le cocq<br />
com os mesmos símbolos, onde integrantes<br />
falam com seus “irmãos”<br />
acerca de reintegração, novas sedes<br />
e solicitações de entrada. Também<br />
reforçam que a Scuderie não é o que<br />
foi contado, distanciando-se do estigma<br />
de Esquadrão da Morte.<br />
Os 1º S<br />
Há divergência sobre quais<br />
foram as <strong>primeira</strong>s organizações<br />
criminosas no Brasil. Alguns juristas<br />
apontam o Cangaço, tendo<br />
como maior representante<br />
Lampião. Dizem que o grupo era<br />
hierarquizado, permanente, praticava<br />
extorsões, ameaças, sequestros<br />
e mantinham relações<br />
com os “coiteiros” - chefes políticos<br />
que concediam proteção e<br />
refúgio. Outros dizem que foi no<br />
século XX, com a criação do jogo<br />
do bicho pelo Barão de Drumond.<br />
A corrente mais aceita é a de que<br />
surgiu entre a década de 70 e 80,<br />
na ditadura militar, fruto da experiência<br />
que os presos comuns adquiriram<br />
com os presos políticos.<br />
É a partir desse contexto e de condições<br />
desumanas dos presídios<br />
que surgem as mais famosas facções<br />
brasileiras: o Comando Vermelho<br />
em 1979 e o PCC em 1993.<br />
44 <strong>julho</strong> <strong>2019</strong>