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4<br />

à conversa<br />

Jornal da Bairrada<br />

30 | janeiro | 2020<br />

texto ∑ João Paulo Teles<br />

fotografias ∑ Jorge Cunha e Alessio Corradini<br />

ANADIENSE JOÃO RÔLO CUMPRE SONHO<br />

“Chegar a Dakar uma vez é sempre pouco,<br />

duas vezes começa a ser bom”<br />

João Rôlo, piloto de Anadia, voltou a<br />

cumprir o sonho ao chegar ao Lago<br />

Rosa (Dakar) no final da 12.ª edição<br />

do Africa Eco Race, que decorreu<br />

entre 7 e 19 de janeiro. O piloto<br />

bairradino foi o único português presente<br />

em motos, numa competição<br />

que liga o Mónaco a Dakar (Senegal),<br />

com passagens por Marrocos e<br />

Mauritânia, depois de 6.500km e 12<br />

etapas, com passagens por alguns<br />

troços do emblemático “Paris-<br />

-Dakar”. João Rôlo conta-nos os pormenores<br />

de uma prova que o atirou<br />

para duas exigentes noites no deserto,<br />

as quedas, o apoio da sua equipa<br />

Patsy Quick, proprietária da Desert<br />

Rose Racing e as emoções vividas<br />

nesta competição pela superação<br />

e resistência, num ano penoso, que<br />

ficará para sempre ligado ao desaparecimento<br />

de Paulo Gonçalves, com<br />

quem também João Rôlo disputou<br />

várias provas.<br />

Feliz por esta conquista de voltar a<br />

chegar ao Lago Rosa? Era este o grande<br />

objetivo?<br />

Estou bastante feliz. Chegar a primeira<br />

vez é aquela sensação de descoberta.<br />

Esta segunda é como uma<br />

confirmação, de que não cheguei cá<br />

as duas vezes por acaso.<br />

Foi tranquila a prova este ano?<br />

Não foi muito. Tive uma queda,<br />

logo de início, que estragou as etapas<br />

mais difíceis. Entalei uma perna - que<br />

por sorte não partiu - mas deixou mazelas.<br />

Tive que dormir duas noites no<br />

deserto, em Marrocos e na Mauritânia.<br />

Fui ao limite.<br />

Foi francamente melhor este ano. A<br />

experiência conta?<br />

Sem dúvida. Quer em termos de<br />

navegação, quer de todo o resto. Vamos<br />

mais preparados, ano após ano.<br />

Levamos menos material supérfluo,<br />

só levamos o que é necessário. Isso<br />

facilita-nos a vida. A logística é muito<br />

importante.<br />

Como foi esse dia-a-dia de competição?<br />

Acordar entre as 4h e as 6h, todos os<br />

dias, dependendo do local da partida.<br />

Depois de levantar, comer, desmontar<br />

a tenda, arrumar e pôr tudo dentro<br />

das caixas. Depois passa-se a colocar<br />

o código no GPS, ignição e acelerar, fazer<br />

as especiais com o almoço em dois<br />

bolsos. De manhã comemos um bom<br />

prato de esparguete, ovos estrelados,<br />

iogurtes, cereais e coisas do género.<br />

Depois levamos no bolso uma espécie<br />

de ração de combate, que aproveitamos<br />

das últimas refeições, mais umas<br />

barras energéticas e outras coisas mais<br />

civilizadas [risos].<br />

Estamos a falar de etapas de longas<br />

distâncias...<br />

Sim , aquilo é mesmo do nascer ao<br />

pôr do sol. A nossa tentativa é sempre<br />

chegar de dia ao acampamento.<br />

Depois de 250 quilómetros temos o<br />

primeiro abastecimento, somos obrigados<br />

a parar durante 15 minutos,<br />

aproveitando esse tempo para comer<br />

qualquer coisa. Depois fazemos o resto<br />

da etapa e, se não houver problemas,<br />

chegamos entre as 17h e as 18h.<br />

Ao entregar a carta para controle dessa<br />

etapa, recebemos o roadbook para<br />

a etapa do dia seguinte, que temos que<br />

preparar. Jantar, breafing e dormir. É<br />

assim o dia-a-dia da prova, quando<br />

tudo corre de forma tranquila.<br />

Algum episódio que marque a prova<br />

este ano?<br />

Infelizmente foi a partida do Paulo<br />

[Gonçalves]. Apesar de ser numa prova<br />

paralela à nossa, foi um momento<br />

que nos marcou a todos.<br />

De forma positiva , foi o ter dormido<br />

nas dunas, pela primeira vez, durante<br />

duas noites. Não cheguei ao fim dessas<br />

etapas mas foi tão bom ficar ali<br />

no meio do nada, a ouvir o silêncio. É<br />

único. Ficar ali porque não podemos<br />

ir para lado nenhum, ficar no meio do<br />

nada, é único, sem nada à vista a ver<br />

o pôr do sol. Não há palavras. É uma<br />

experiência para a vida.<br />

A equipa deste ano. O que há a dizer?<br />

Já conhecia algumas pessoas que<br />

faziam parte da equipa, mas no final<br />

saímos dali com mais 11 irmãos, mais<br />

os concorrentes. Temos um espírito<br />

de equipa brutal. E esse é o espírito daquela<br />

prova, não é uma prova comercial.<br />

É uma prova onde toda a gente<br />

tenta levar todos até ao fim, porque é<br />

muito difícil. É no limite.<br />

Sente-se chegar a esse limite?<br />

Eu senti. Em duas etapas senti o<br />

branco. Depois de algumas quedas,<br />

senti o branco dos meus limites. Nun-<br />

Depois de algumas quedas, senti o<br />

branco dos meus limites. Nunca me<br />

tinha acontecido isso na vida. Não é<br />

aquele túnel de luz que se diz sobre<br />

a morte, mas era o branco do vazio,<br />

que é algo que não dá para explicar.<br />

É o branco do limite, da exaustão, é<br />

não ver rigorosamente nada, não falar<br />

nada, não pensar.

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