Sêlo Verde
Revista Sancho Noticias - fevereiro de 2020
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Foi com contida alegria que vi ser atribuído,
ao nosso Agrupamento de Escolas, o selo
verde, que pretende traduzir a adoção
de boas práticas ambientais, inovadoras e com
impacte ambiental, social e económico, entre outros
objetivos. Prova provada de que o nosso planeta
está moribundo, mas que há alguma esperança
na sua recuperação, sobretudo se contarmos com
a irreverência, o entusiamo e o comprometimento
demonstrado por muitos dos nossos adolescentes
e jovens, na defesa desta causa e na proteção
desta nossa grande e comum casa (oikós), a Terra!
Não me agrada muito a cor do selo. Porquê
verde?! Razão tinha o nosso Torga, ao zombar
sobre a monotonia do Minho, onde tudo era verde:
o vinho, a paisagem, o caldo. Pois, para mim,
também não é propriamente a cor que melhor
ilustra e certifica as minhas pequenas tarefas
domésticas, como certas idas ao vidrão, ao
papelão ou ao pilhão! Este é que é o ponto!Nunca
fui um grande ambientalista nos meus afazeres
quotidianos. Vícios antigos, pá! Sou do tempo em
que os adolescentes, descalços ou em chinelosde-meter-o-dedo,
andarilhávamos por montes e
vales à procura de musgo, no Natal. E aonde, uns
meses antes, já tínhamos ido à cata da caruma
para assar as castanhas. Mas, em dezembro, era
a grande aventura: coletores de bens naturais
que a mãe Terra expulsava das suas entranhas,
reutilizávamo-los e faziam a felicidade da família
nazarena, e o conforto do J.C. – o menino Jesus -,
estendidinho nas suas fofas palhinhas. Foi a nossa
boa-prática, repetida durante uma memorável
e eterna primária de quatro felizes anos,
sempre a recebê-lo em condições agradáveis e
biodegradáveis, com aquecimento solar durante o
dia, se o rei aparecesse! Porque, sobre a gélida
noite, sem gás, sem petróleo, sem amianto, sem
lítio, era insuflado um ar quente da enorme e
sorridente vaca e do simpático e reciclável burrito.
Já naquela época, uns pan-judeus zurziam cobras e
lagartos acerca do ar que se respirava, sobretudo quando
a vaquinha se excedia nos puns. E teciam científicas
considerações sobre o gás poluente e irrespirável que,
anos mais tarde, se designaria pomposamente como gás
metano! No dia seguinte, doirava o sol sem literatura, e
o menino, ao que se consta sem biblioteca, mantinha-se
impavidamente feliz na sua rústica manjedoura. Sem edição
original, corria o rio, bem ou mal, onde nós dávamos uns
valentes mergulhos nus, quantas vezes, poluidores híbridos
entre rãs e alfaiates - aqueles bichinhos que tricotavam à
superfície da água. Era a nossa marca de água, ou, como
se diz agora, a nossa primeira pegada ecológica! Bebíamos
a água das fontes, fresquinha que fazia gelar, e que vinha
dos seios do monte e ia ter ao seio do mar (quadrinha de um
texto da primária). Ainda hoje, pecador me confesso, tenho
pequenos comportamentos ecologicamente reprováveis,
provavelmente por ter vivido, assim, naquela desbragada
geração, numa pacata e patega aldeia do verde Minho!
Na carta encíclica Laudato Si, o papa Francisco “condena
a incessante exploração e destruição do ambiente,
responsabilizando a apatia, a procura de lucro de forma
irresponsável, a crença excessiva na tecnologia e a falta de
visão política.” Sublinha que “as alterações climáticas são
um problema global com implicações graves: ambientais,
sociais, económicas, políticas e de distribuição de riqueza.
Representam um dos principais desafios que a humanidade
enfrenta nos nossos dias”, e lança o alerta para “a destruição
sem precedentes dos ecossistemas, que terá graves
consequências para todos nós”, se não forem realizados
esforços e tomadas medidas profundas e sérias para
reverter a atual situação. Quais foram, entretanto, as medidas
imediatas executadas, pelos decisores políticos, para mitigar
esta calamidade, após as mais de vinte cimeiras mundiais
(COP’s) já realizadas, para a redução, por exemplo, das
emissões de gases com efeito estufa, ou pela defesa da
biodiversidade? A avaliar, por exemplo, pela tinta grossa e
escura que tem (es)corrido nos jornais, e pelos maus odores,
provenientes das notícias sobre a exploração do lítio, nas
fraldas do Marão - Miguel Torga deve estar a dar voltas no seu
túmulo! -, a coisa começa mesmo a cheirar mal! Ali, os verdes
campos e os doces arvoredos são cada vez mais ocres e
acres! Vivemos num tempo em que, de facto, para alguns,
mais vale parecê-lo que sê-lo! Por vezes, selos e bandeiras,
promessas eleiçoeiras e palavras vãs vão enganando o
povo-vão. E aprimora-se o discurso, tipo economia circular,
ecotaxa, ecossistema, efeito estufa; aposta-se na fonética,
tipo sociedade cibernética, eclética e assética; conjugamse
eufónicos e expressivos verbos para inquietar e seduzir,
tipo reciclar, despoluir, reutilizar, circular, descarbonizar!
Talvez as gerações mais novas, sensibilizadas por jovens
comprometidos de alma e vontade, como Greta Thumberg,
sem velhos vícios, e focados na genuína defesa do planeta
Terra tenham outra visão e, se forem eles próprios, um dia,
a convocar e a coordenar as vindouras cimeiras, sê-lo-ão na
defesa do ambiente da mãe-Terra, se a considerarem, como S.
Francisco de Assis, a “nossa casa comum”, e a tratarem como
mãe ou irmã. Também por isso, a Escola tem, neste momento,
um papel fundamental para a educação e sensibilização dos
nossos jovens para esta luta ambiental única e épica, em que
de facto mais vale sê-lo, por dentro e por fora, nas palavras e
nos atos, nas grandes e nas pequenas coisas, do que parecêlo!
Registo, com alguma alegria, que vejo cada vez menos
chicletes coladas debaixo das mesas das salas de aula!
J. Paiva,
Professor de Português
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