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O anticristo

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isto: que todo hábito natural, toda instituição natural (o Estado, a administração da Justiça, o casamento,

os cuidados prestados aos doentes e pobres), tudo que é exigido pelo instinto vital, em suma, tudo que tem

valor em si mesmo é reduzido a algo absolutamente imprestável e até transformado no oposto ao que é

valoroso pelo o parasitismo dos padres (ou, se alguém preferir, pela “ordem moral do mundo”). O fato

precisa de uma sanção – um poder para criarvalores faz-se necessário, e tal poder só pode valorar através

da negação da natureza... O padre deprecia e profana a natureza: esse é o preço para que possa existir. – A

desobediência a Deus, ou seja, a desobediência ao padre, à lei, agora porta o nome de “pecado”; os meios

prescritos para a “reconciliação com Deus” são, é claro, precisamente os que induzem mais

eficientemente um indivíduo a sujeitar-se ao padre; apenas ele “salva”. Considerados psicologicamente,

os “pecados” são indispensáveis em toda sociedade organizada sobre fundamentos eclesiásticos; são os

únicos instrumentos confiáveis de poder; o padre vive do pecado; tem necessidade de que existam

“pecadores”... Axioma Supremo: “Deus perdoa a todo aquele que faz penitência” – ou, em outras

palavras, a todo aquele que se submete ao padre.

1 – Nas questões históricas.

XXVII

O cristianismo se desenvolveu a partir de um solo tão corrupto que nele todo o natural, todo valor natural,

toda realidade se opunha aos instintos mais profundos da classe dominante – surgiu como uma espécie de

guerra de morte contra a realidade, e como tal nunca foi superada. O “povo eleito” que para todas as

coisas adotou valores sacerdotais e nomes sacerdotais, e que, com aterrorizante lógica, rejeitou tudo que

era terrestre como “profano”, “mundano”, “pecaminoso” – esse povo colocou seus instintos em uma

fórmula final que era conseqüente até o ponto da auto-aniquilação: como cristianismo, de fato negou

mesmo a última forma da realidade, o “povo sagrado”, o “povo eleito”, a própria realidade judaica. O

fenômeno tem importância de primeira ordem: o pequeno movimento insurrecional que levou o nome de

Jesus de Nazaré é simplesmente o instinto judaico redivivus(1) – em outras palavras, é o instinto

sacerdotal que não consegue mais suportar sua própria realidade; é a descoberta de um estado existencial

ainda mais abstrato, de uma visão da vida ainda mais irreal que a necessária para uma organização

eclesiástica. O cristianismo de fato nega a igreja...

Não sou capaz de determinar qual foi o alvo da insurreição da qual Jesus foi considerado – seja isso

verdade ou não – o promotor, caso não seja a Igreja judaica – a palavra “igreja” sendo usada aqui

exatamente no mesmo sentido que possui hoje. Era uma insurreição contra “os bons e os justos”, contra

os “Santos de Israel”, contra toda a hierarquia da sociedade – não contra a corrupção, mas contra as

castas, o privilégio, a ordem, o formalismo. Era uma descrença no “homem superior”, um Não

arremessado contra tudo que padres e teólogos defendiam. Mas a hierarquia que foi posta em causa por

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