Fhox Edição 204
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2020 · | 49
UM MAR
DE SILÊNCOS
VALÉRIA MENDONÇA FOI EDITORA DE FOTOGRAFIA DA REVISTA
BRAVO, É FOTÓGRAFA, ARTISTA VISUAL E TEM MINISTRADO
OFICINAS DE SENSIBILIZAÇÃO BASEADAS NA RELAÇÃO DAS
PESSOAS COM A SUA MEMÓRIA
Texto, fusões e colagens por Valéria Mendonça. Fotos por Elias Francis
Só soube da existência do meu avô libanês na
adolescência. Ele era pai da minha mãe mas
como nunca haviam convivido sua presença
ficara oculta na minha infância. Seu nome
era Elias Francis e veio do Líbano para o Brasil
num navio no começo do século passado, ainda
bem novo. Naquela época, como sempre, os
imigrantes fugiam da guerra e da fome, tendo
à frente um oceano circular e suas infinitas
possibilidades de destino em um mundo novo.
Há alguns anos, tentando resgatar o tempo, fui
atrás dessa história. Eu era editora de fotografia
da revista Bravo! na editora Abril. Quando a
revista fechou, resolvi aproveitar o tempo livre e
fazer finalmente um percurso afetivo na cidade
onde minha mãe nasceu, um lugar pequeno nas
montanhas no interior do Rio de janeiro. Fotografei
a casa da infância, a escola, a igreja. Queria
encontrar o passado e suas histórias secretas.
Conversando com os idosos que haviam conhecido
minha mãe e meu avô, descobri muitas
coisas da vida dele. Nessa época ele já
havia morrido, mas soube que havia sido comerciante
e que havia exercido outros ofícios,
entre eles o de fotógrafo, além de escrever
poemas. A história do fotógrafo me intrigou.
Minha mãe era médica, assim como meu pai.
Será que eu segui a paixão de um avô que não
conheci? De onde vem tudo que somos?
Nas caminhadas pela cidade, fui até a casa de
cultura e achei seu acervo. Negativos de vidro
dentro de várias pastas. Um tesouro: retratos de
homens, mulheres e crianças; cenas de casamento,
de carnaval e de enterros – sim, naquela época
se fotografavam os mortos! Pessoas sérias
num contexto muito diferente do de hoje, uma
época em que fotografar a alegria não era uma
obrigação. A vida banal e seus personagens era
o que ele registrava. Libaneses, descendentes de
escravos, portugueses, italianos, e as misturas de
todos esses povos naquela cidade pequena.
Essas fotos haviam sido tiradas a partir de
1925, a maior parte dentro do estúdio que ele
havia criado dentro de sua venda. A experiência
de achá-las me emocionou e me conectou
com ele. Eu via o que ele um dia havia visto.
Fiquei pensando que havia entrado em um
processo de arqueologia do tempo.
Nessa época comecei a participar de um grupo
de estudos sobre acervos e álbuns de família
com a antropóloga e professora da Uni-