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O Livro da Selva - Rudyard Kipling (1)

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gerações de mahouts nativos, igualmente leais ao governo, haviam cuidado bem dele. Muitos dos

personagens de Kipling são baseados em animais que ele conheceu na Índia. Por exemplo, “um mangusto

inteiramente selvagem”, de acordo com Kipling, “costumava vir se sentar em [seu] ombro em [seu]

escritório na Índia”, 13 e ele se tornou o modelo para o herói que dá nome ao conto “‘Rikki-Tikki-Tavi’”.

O maroto Bandar-log, o “Povo dos Macacos” dos contos de Mowgli, remete a um artigo que Kipling

escreveu sobre um grupo de macacos em Simla — “As encostas da colina fervilham com seu clamor” —

que enviou “uma delegação” para sua varanda e interrompeu-o ao escrever. 14 A fox terrier do próprio

Kipling, Vixen, também aparece como a cadela do narrador em “Servos da rainha”; ela corre “pelo

acampamento todo” (p. 230) para encontrar o dono, trazendo lembranças felizes da época que Kipling

passou com a cadelinha na Índia.

De muitas maneiras, Os livros da Selva podem ser vistos como uma releitura imaginária do livro do pai

de Kipling, Beast and Man in India, com suas descrições ricas em detalhes dos animais da Índia “em

suas relações com o povo”. 15 John Lockwood Kipling, um artista e ilustrador talentoso, trabalhou em

Bombaim e depois em Lahore de 1865 a 1893 como professor de arte e curador. Pai e filho compartilhavam

percepções parecidas sobre os animais e um profundo amor por eles, e existem muitos pontos em comum

nas obras de ambos. Kipling havia contribuído com nove epígrafes em verso e dois poemas para o livro

do pai — sobre macacos, burros, búfalos, bois e outros. 16 O pai orgulhoso mostrou mais textos do filho

sobre animais em seu livro, citando longos trechos dos artigos de jornal escritos por Kipling e também

imprimindo a versão completa de uma de suas baladas sobre acampamento militar, “Oonts!” (1890); ela,

de acordo com John Lockwood Kipling, expressa “de forma vívida e verdadeira” o relacionamento do

soldado britânico com o camelo. 17

Por sua vez, Kipling se inspirou muito com o material do livro do pai ao escrever suas histórias de

animais. Além disso, John Lockwood Kipling contribuiu com ilustrações para O livro da Selva e foi o

único ilustrador de O segundo livro da Selva. Os livros da Selva foram, portanto, um fruto de

colaboração familiar, assim como tantos projetos imperiais.

No século XIX, a representação de animais selvagens era popular na forma de livros de história natural

ou livros sobre caçadas, com a exploração da natureza sendo parte integral da expansão colonial

britânica. Kipling se inspira bastante nessas tradições; uma de suas fontes é o livro de R. A. Sterndale

Natural History of the Mammalia of India and Ceylon (1884), e o encontro de Mowgli com Shere Khan

se alinha à literatura de caçada colonial, que se deleita com a excitação de perseguir animais de grande

porte. Também havia nesse período muitas histórias de “fantasia” envolvendo animais, assim como as

obras de Lewis Carroll As aventuras de Alice no país das maravilhas (1865) e sua continuação Alice

através do espelho (1871) que, assim como as histórias sobre Mowgli, situavam a jornada de uma criança

até a maturidade num mundo de animais falantes. Kipling, em Something of Myself, se refere a “alguma

lembrança dos Leões Maçons da revista de [sua] infância” como fonte de inspiração para Os livros da

Selva, assim como “uma frase” em Nada the Lily (1892) de H. Rider Haggard, que contém o episódio de

dois homens que se tornam reis de lobos-fantasma. 18 A primeira fonte foi identificada como o livro King

Lion de James Greenwood, cujos capítulos saíram na revista Boy’s Own Magazine de janeiro a

dezembro de 1864. 19

Em Os livros da Selva, Kipling combinou os populares relatos sobre animais exóticos no espaço

colonial com o mundo de “faz de conta” dos animais falantes e, ao fazê-lo, levou o velho gênero das

histórias sobre animais a novas alturas. Foi particularmente aplaudido por suas descrições vívidas de

bichos, que “ajudam [os leitores] a entrar, através do poder da imaginação, na natureza mesma das

criaturas”, 20 e foi o pioneiro na representação de animais selvagens como personagens com nomes

reconhecíveis e muitas histórias interessantes para contar. Os livros de Kipling surgiram depois da

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