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O Livro da Selva - Rudyard Kipling (1)

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ser defendido por pelo menos dois membros que não sejam seu pai e sua mãe.

“Quem defende esse filhote?”, disse Akela. “Membros do Povo Livre, quem fala?” Não houve resposta

e Mãe Loba se preparou para o que sabia que seria sua última briga, caso a briga começasse.

Então, o único outro bicho cuja presença é permitida no Conselho da Alcateia — Baloo, 17 o sonolento

Urso-Pardo que ensina a Lei da Selva aos lobinhos: o velho Baloo, que pode ir aonde quiser porque

come apenas nozes, raízes e mel, ergueu-se nas patas traseiras e grunhiu.

“O Filhote de Homem… o Filhote de Homem?”, disse ele. “Eu defendo o Filhote de Homem. Um

filhote de homem não representa nenhum perigo. Eu não tenho o dom da palavra, mas falo a verdade.

Deixai que ele corra com a Alcateia e que seja iniciado com os outros. Eu mesmo o ensinarei.”

“Precisamos de mais um”, disse Akela. “Baloo falou e ele é o professor dos filhotes. Quem fala além

de Baloo?”

Uma sombra negra surgiu no meio do círculo. Era Bagheera, 18 a Pantera-Negra, que tinha o corpo todo

cor de ébano, mas cujas pintas de leopardo ficavam visíveis em algumas luzes como as marcas do moiré.

Todos conheciam Bagheera e ninguém gostava de desagradá-lo; pois ele era tão esperto quanto Tabaqui,

tão valente quanto o búfalo selvagem e tão destemido quanto o elefante ferido. Mas tinha uma voz tão

suave quanto mel silvestre pingando de uma árvore e uma pele mais macia que as plumas de uma ave.

“Ó Akela e vós do Povo Livre”, ronronou Bagheera. “Não tenho direito de falar na tua assembleia; mas

a Lei da Selva diz que, se houver uma dúvida que não for questão de morte em relação a um filhote, a

vida do filhote pode ser comprada por um preço. E a lei não diz quem pode ou não pode pagar o preço.

Estou certo?”

“Muito bem! Muito bem!”, disseram os jovens lobos, que estão sempre com fome. “Ouçamos Bagheera.

O filhote pode ser comprado por um preço. É a lei.”

“Sabendo que não tenho direito de falar aqui, peço vossa permissão.”

“Fala, então!”, disseram vinte vozes diferentes.

“Matar um filhote pelado é uma vergonha. Além disso, ele talvez dê uma presa mais interessante

quando for adulto. Baloo falou em sua defesa. Agora, à palavra de Baloo, eu acrescento um touro, e um

touro gordo, morto há pouco, a menos de um quilômetro daqui, se aceitais o Filhote de Homem de acordo

com a lei. Há dificuldade?”

Surgiu um burburinho de vozes que diziam: “De que importa? Ele vai morrer nas chuvas de inverno.

Ele vai queimar ao sol. Que mal uma rã pelada pode nos fazer? Deixai-o correr com a Alcateia. Onde

está o touro, Bagheera? Vamos aceitá-lo”. E então ressurgiu o ladrar de Akela, dizendo: “Olhai bem!

Olhai bem, ó Lobos!”.

Mowgli ainda estava profundamente interessado nas pedrinhas e não notou quando os lobos vieram um

por um olhá-lo. Afinal, todos desceram a colina na direção do touro morto e apenas Akela, Bagheera,

Baloo e os lobos de Mowgli ficaram. Os rugidos de Shere Khan ainda cortavam a noite, pois ele estava

com muita raiva por Mowgli não lhe ter sido entregue.

“Sim, rosna bem”, disse Bagheera para os próprios bigodes. “Chegará o dia em que essa coisinha

pelada te fará rosnar em outro tom, ou eu não conheço os homens.”

“Foi bem feito”, disse Akela. “Os homens e seus filhotes são muito sábios. Talvez ele nos ajude um

dia.”

“De fato, ele poderá ser uma ajuda na necessidade; pois ninguém espera liderar a Alcateia para

sempre”, disse Bagheera.

Akela não disse nada. Estava pensando no momento que acontece para o líder de toda Alcateia, quando

ele perde sua força e fica mais e mais frágil, até que enfim é morto e surge um novo líder — que, por sua

vez, será morto também.

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