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INVERNO 2021 – EDIÇÃO 4

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O mito e a magia<br />

Assim, mito e magia caminham juntos.<br />

A magia torna-se o passaporte para<br />

segredos divinos e realidades ocultas<br />

que, por intermédio de rituais e cerimoniais,<br />

alcançam a capacidade de modificar<br />

a vontade e o destino das pessoas.<br />

Os mitos são histórias sagradas, narrativas<br />

sobrenaturais, que buscam explicar<br />

diversos fenômenos do mundo por<br />

meio do apelo à instância divina.<br />

O antropólogo Claude Lévi-Strauss<br />

estudou amplamente o xamanismo e<br />

sua eficácia em sociedades mais primitivas,<br />

com ênfase no processo de manipulação<br />

psicológica feita pelo xamã.<br />

Concluiu que as práticas mágicas realizadas<br />

pelo feiticeiro eram eficazes, de<br />

fato, quando havia crença genuína, e<br />

essa convicção se apresentava sob três<br />

aspectos complementares: existia, em<br />

primeiro lugar, a crença do feiticeiro na<br />

eficácia de suas técnicas; havia ainda a<br />

crença do doente que ele curava, ou da<br />

vítima que ele perseguia, no poder do<br />

próprio feiticeiro; e, finalmente, surgia<br />

a confiança e as exigências da opinião<br />

coletiva, que formavam a cada instante<br />

uma espécie de campo gravitacional<br />

em torno das relações entre o feiticeiro<br />

e aqueles que ele enfeitiçava. Era assim<br />

o mundo encantado das magias e<br />

mitos nas sociedades antigas.<br />

Nesse mundo mágico, os mitos utilizavam<br />

simbologias, deuses, personagens<br />

sobrenaturais e heróis, muitas vezes<br />

misturados a fatos, pessoas e características<br />

humanas reais. Assim, os<br />

mitos eram transmitidos e aprendidos<br />

ao longo dos tempos e se modificavam<br />

pela própria imaginação do povo inserido<br />

em contextos peculiares.<br />

O mitólogo e escritor americano Joseph<br />

Campbell propôs o conceito do<br />

monomito para explicar a narratologia<br />

da jornada cíclica presente em inúmeros<br />

mitos em diferentes sociedades,<br />

em tempos distintos. A onipresença<br />

do mito e da universal paixão humana<br />

pelas narrativas heroicas justifica-se<br />

pela relação entre a lendária trajetória<br />

do herói com os desafios, as armadilhas<br />

e as eventuais recompensas no<br />

desenvolvimento psíquico de cada ser<br />

humano — mitos tornaram-se sonhos<br />

coletivos, descrevendo o ciclo entre a<br />

inocência e a maturidade.<br />

O compartilhamento<br />

do elixir<br />

pelo herói em<br />

benefício de<br />

todos<br />

A trajetória, primitiva ou<br />

moderna, poderia ser vivenciada<br />

sempre no mesmo ciclo:<br />

O chamado à aventura no mundo<br />

desconhecido, que o herói<br />

pode aceitar ou declinar<br />

O caminho de provações,<br />

nas quais o herói<br />

pode ser bem-sucedido<br />

ou falhar, muitas vezes<br />

arriscando a própria<br />

vida ou sua permanência<br />

no ostracismo<br />

O trajeto de volta ao mundo<br />

da experiência comum,<br />

percurso que também pode<br />

envolver sucesso ou falhas<br />

A conquista do objetivo,<br />

com a obtenção do<br />

desejado elixir<br />

Pintura encontrada na tumba de Banentiu da 26ª dinastia egípcia | foto: Getty Images<br />

A jornada externa do herói reflete, naturalmente, a viagem interior do indivíduo<br />

rumo à maturidade espiritual, com claras referências às obras de Carl Jung e Sigmund<br />

Freud. O caminho repleto de perigos, trevas e armadilhas que o herói é forçado<br />

a percorrer são também as fantasias ameaçadoras e desconhecidas do inconsciente.<br />

Os mentores e objetos mágicos que o herói encontra ao longo do caminho<br />

representam nossos próprios recursos interiores, que não imaginávamos sequer<br />

que estavam lá. O inimigo a ser vencido pelo herói para sobreviver e salvar o mundo,<br />

durante a tradicional reviravolta presente em todas as histórias míticas, representa<br />

sempre nossas próprias limitações psíquicas. A vitória contra o inimigo é a vitória<br />

contra nosso próprio ego, com a consequente passagem para a maturidade com o<br />

elixir da vida eterna. O herói incapaz de morrer e ressuscitar torna-se incapaz de<br />

ajudar a si mesmo e, desse modo, permanece incapaz de ajudar os outros ao seu<br />

redor. O chamado é também uma aventura psíquica.<br />

<strong>INVERNO</strong> <strong>2021</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 4 • PÁG. 15<br />

<strong>INVERNO</strong> <strong>2021</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 4 • PÁG. 14

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