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O mito e a magia<br />
Assim, mito e magia caminham juntos.<br />
A magia torna-se o passaporte para<br />
segredos divinos e realidades ocultas<br />
que, por intermédio de rituais e cerimoniais,<br />
alcançam a capacidade de modificar<br />
a vontade e o destino das pessoas.<br />
Os mitos são histórias sagradas, narrativas<br />
sobrenaturais, que buscam explicar<br />
diversos fenômenos do mundo por<br />
meio do apelo à instância divina.<br />
O antropólogo Claude Lévi-Strauss<br />
estudou amplamente o xamanismo e<br />
sua eficácia em sociedades mais primitivas,<br />
com ênfase no processo de manipulação<br />
psicológica feita pelo xamã.<br />
Concluiu que as práticas mágicas realizadas<br />
pelo feiticeiro eram eficazes, de<br />
fato, quando havia crença genuína, e<br />
essa convicção se apresentava sob três<br />
aspectos complementares: existia, em<br />
primeiro lugar, a crença do feiticeiro na<br />
eficácia de suas técnicas; havia ainda a<br />
crença do doente que ele curava, ou da<br />
vítima que ele perseguia, no poder do<br />
próprio feiticeiro; e, finalmente, surgia<br />
a confiança e as exigências da opinião<br />
coletiva, que formavam a cada instante<br />
uma espécie de campo gravitacional<br />
em torno das relações entre o feiticeiro<br />
e aqueles que ele enfeitiçava. Era assim<br />
o mundo encantado das magias e<br />
mitos nas sociedades antigas.<br />
Nesse mundo mágico, os mitos utilizavam<br />
simbologias, deuses, personagens<br />
sobrenaturais e heróis, muitas vezes<br />
misturados a fatos, pessoas e características<br />
humanas reais. Assim, os<br />
mitos eram transmitidos e aprendidos<br />
ao longo dos tempos e se modificavam<br />
pela própria imaginação do povo inserido<br />
em contextos peculiares.<br />
O mitólogo e escritor americano Joseph<br />
Campbell propôs o conceito do<br />
monomito para explicar a narratologia<br />
da jornada cíclica presente em inúmeros<br />
mitos em diferentes sociedades,<br />
em tempos distintos. A onipresença<br />
do mito e da universal paixão humana<br />
pelas narrativas heroicas justifica-se<br />
pela relação entre a lendária trajetória<br />
do herói com os desafios, as armadilhas<br />
e as eventuais recompensas no<br />
desenvolvimento psíquico de cada ser<br />
humano — mitos tornaram-se sonhos<br />
coletivos, descrevendo o ciclo entre a<br />
inocência e a maturidade.<br />
O compartilhamento<br />
do elixir<br />
pelo herói em<br />
benefício de<br />
todos<br />
A trajetória, primitiva ou<br />
moderna, poderia ser vivenciada<br />
sempre no mesmo ciclo:<br />
O chamado à aventura no mundo<br />
desconhecido, que o herói<br />
pode aceitar ou declinar<br />
O caminho de provações,<br />
nas quais o herói<br />
pode ser bem-sucedido<br />
ou falhar, muitas vezes<br />
arriscando a própria<br />
vida ou sua permanência<br />
no ostracismo<br />
O trajeto de volta ao mundo<br />
da experiência comum,<br />
percurso que também pode<br />
envolver sucesso ou falhas<br />
A conquista do objetivo,<br />
com a obtenção do<br />
desejado elixir<br />
Pintura encontrada na tumba de Banentiu da 26ª dinastia egípcia | foto: Getty Images<br />
A jornada externa do herói reflete, naturalmente, a viagem interior do indivíduo<br />
rumo à maturidade espiritual, com claras referências às obras de Carl Jung e Sigmund<br />
Freud. O caminho repleto de perigos, trevas e armadilhas que o herói é forçado<br />
a percorrer são também as fantasias ameaçadoras e desconhecidas do inconsciente.<br />
Os mentores e objetos mágicos que o herói encontra ao longo do caminho<br />
representam nossos próprios recursos interiores, que não imaginávamos sequer<br />
que estavam lá. O inimigo a ser vencido pelo herói para sobreviver e salvar o mundo,<br />
durante a tradicional reviravolta presente em todas as histórias míticas, representa<br />
sempre nossas próprias limitações psíquicas. A vitória contra o inimigo é a vitória<br />
contra nosso próprio ego, com a consequente passagem para a maturidade com o<br />
elixir da vida eterna. O herói incapaz de morrer e ressuscitar torna-se incapaz de<br />
ajudar a si mesmo e, desse modo, permanece incapaz de ajudar os outros ao seu<br />
redor. O chamado é também uma aventura psíquica.<br />
<strong>INVERNO</strong> <strong>2021</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 4 • PÁG. 15<br />
<strong>INVERNO</strong> <strong>2021</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 4 • PÁG. 14